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Capítulo 4

A interação na aquisição de L2

Prof.Ms. Viviane Barbosa Caldeira Damacena

Viviane Barbosa Caldeira Damacena é graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade


de Uberaba, pós-graduada em Educação Especial pela mesma instituição. Mestre em Letras
pelo programa Profletras pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, e
atualmente é doutoranda pelo programa Estudos Linguísticos da Universidade de Uberlândia -
UFU. É professora de língua portuguesa, intérprete de Libras e professora de língua portuguesa
como L2 para surdos, tendo experiência ministrando cursos de capacitação para professores,
sobre língua portuguesa, aquisição de língua materna e língua não materna, além de ter
experiência em produção de materiais didáticos.

Definições:

Como já visto anteriormente, a língua tem um papel social e comunicativo na


vida do ser humano, sendo responsável pelo desenvolvimento cognitivo e social do
indivíduo, além de toda a relação e interação que ele apresenta em uma comunidade
usuária desta língua.
Para a pessoa surda, o uso da língua oral na modalidade escrita torna-se
essencial para que ocorra a interação entre ela e a pessoa ouvinte, pois ambas
apresentam línguas maternas distintas, o que dificulta esta interação.
Fonte: http://cde.athabascau.ca/online_book/ch2.html

Assim, o aprendizado da segunda língua para o surdo torna-se não apenas um


fato social, mas também uma questão de sobrevivência em um mundo ouvinte. Como
já visto, a aquisição da língua ocorre, de acordo com Vygotsky, através da interação
entre pares, em um processo chamado andaimagem. Antes de detalhar esse
processo, em um primeiro momento é necessário entender o conceito de interação.
Costa (1999), afirma que
“ao termo ‘interação’ têm sido atribuídos sentidos vários em
pesquisas cognitivas e sociais sobre construção da linguagem
em instituição familiar e escolar, em que ou o outro exerce o
papel de provedor/facilitador, ou é origem/gênese do processo
de aquisição/aprendizagem do conhecimento.” (p. 11)

O autor demonstra que a construção da linguagem ocorre em diversos


ambientes linguísticos, seja ele formal ou informal, em instituições escolares ou
familiares. Em ambientes informais, como na família ou em comunidades usuárias da
língua, percebe-se que a interação ocorre de forma mais livre, sem a necessidade de
mediação assistiva, tendo como mediador a própria família, amigos e até mesmo
pares que demonstram ainda estar em desenvolvimento linguístico.
Nesta informalidade, essa aquisição linguística não ocorre de maneira
contínua, sofrendo interferência do meio. Isto acontece, principalmente, devido a
inconstância e do desconhecimento formal de metodologias de ensino. Essa interação
acontece sem uma preparação anterior, acontecendo de forma natural, espontânea,
entre pares usuários da língua que não são, necessariamente, educadores. Através
desta interação informal, o aprendiz constrói o seu conhecimento prévio,
desenvolvendo o seu conhecimento de mundo, o conhecimento linguístico e,
inclusive, colabora para a construção da cultura e da identidade desse indivíduo. É
neste momento que a criança começa a significar e ressignificar a língua. Damacena,
2020, afirma que “esses significados são construídos através da interação entre
adultos e crianças, o que propicia o desenvolvimento da língua e da comunicação
através do desenvolvimento das zonas proximais, que marca o sujeito pela sua
história social.” (p.24)
É, principalmente, nesta interação informal, que a criança torna-se letrada,
passando a ter uma visão de mundo e conhecimentos necessários para a
sobrevivência naquela sociedade usuária daquela língua através da Zona de
Desenvolvimento Proximal, proposto por Vygostky.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é (à distância,
o caminho que o conhecimento terá que percorrer, através da
intervenção sociocultural), para se deslocar da zona de
desenvolvimento real - (etapas já alcançadas ou a capacidade
de realização das tarefas de forma independente) - e o nível de
desenvolvimento potencial (sua capacidade de realizar tarefas
com o auxílio do adulto ou outras crianças). ” (2011, p. 3-4)

Na escola, a língua sofre a influência do professor, que assume o papel de


mediador, de facilitador no aprendizado, proporcionando, de forma mais moderada e
trabalhando de maneira assistiva essa aquisição de língua. Neste ambiente,
normalmente não há interrupção na aprendizagem, pois o professor se programa e
planeja atividades e rodas de conversas com temas específicos e horário controlado.
Neste ambiente, há o que conhecemos como letramento escolar, explicado por
Damacena (2020) sobre a fala de Costa (2000)
“Em processo de letramento escolar, Costa (2000) afirma que a
interação pai/mãe-criança e professor-aluno é essencial para
que o desenvolvimento da linguagem e do significado ocorra,
considerando a relação entre o par mais experiente e o que
ainda está adquirindo sua experiência. Essa interação favorece
o desenvolvimento cognitivo e intelectual das crianças que estão
em fase de aquisição de uma língua, proporcionando a
organização do pensamento, utilizando a linguagem em seu uso
funcional.” (p.24)

Reconhecendo, assim, a importância da interação na aquisição de língua


materna, é necessário considerar essa mesma interação na aquisição de segunda
língua. Quando pensamos nesta segunda língua, em relação ao surdo, essa interação
se torna um pouco mais complexa, por se tratar de uma língua ensinada apenas na
modalidade escrita.
A aquisição da segunda língua pelo surdo, apenas na modalidade escrita,
acontece de forma sistemática, não natural, ocorrendo, principalmente, em um
ambiente formal, na escola ou em uma sala de aula. O professor, como par mais
experiente, trabalha como mediador e planejador nessa interação, que ocorre através
de textos escritos, utilizando a vasta gama de gêneros textuais.
Para que a aquisição da escrita possa ser vista como fator social para a pessoa
surda, essa língua precisa ser vista e considerada com metodologias específicas. A
interação também ocorre quando pensamos na língua escrita, porém, apenas através
de textos escritos. Cabe ao professor, então, escolher e possibilitar que esses textos
retratem o cotidiano e o dia a dia do aprendiz, conhecendo textos reais e significativos.
Como já dito anteriormente, é através do contato que o aprendiz adquire e
aprende uma língua. Quando tratamos da língua oral ou sinalizada, esse contato
ocorre de forma espontânea e natural, porém, quando tratamos da língua na
modalidade escrita, é através da interação com os textos escritos é que o aprendiz
surdo tem acesso e contato com a língua oral, não tendo como apoio o resíduo fônico
da língua, o que faz com que se torne ainda mais complicado a aprendizagem desta
segunda língua.
Ao ter contato com textos que fazem parte do seu cotidiano, o surdo passa a
dar sentido e significado à língua, percebendo os seus diversos usos. Mesmo que não
seja possível para esse aprendiz um contato direto com o interlocutor, ainda assim é
capaz de considerá-lo e percebê-lo no texto, ressignificando a língua a cada leitura.
Esse contato com a diversidade textual colabora com o desenvolvimento de
conhecimentos linguísticos do aprendiz surdo, além de proporcionar situações em que
se desenvolve o letramento, conhecendo, assim, um pouco mais da cultura ouvinte e
da sociedade que está inserido. A escolha dos gêneros textuais e dos textos possibilita
ao surdo uma diversidade linguística e cultural que pode ser trabalhada de forma a
colaborar para o seu desenvolvimento.
Porém, o contato com a língua portuguesa, apesar de ocorrer apenas através
de textos escritos, ainda assim é necessário o apoio na língua materna do surdo, a
língua de sinais, pois a base de toda e qualquer interação ocorrerá, principalmente em
Libras. É através dessa interação em língua de sinais que o surdo passa a produzir
sentido na língua portuguesa, conceituando, significando e ressignificando a língua a
cada leitura.

Referência Bibliográfica

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Editora Martins Fontes, São Paulo. 2003,
230p.

COSTA, S.R. Interação e letramento escolar: Uma (re)leitura à luz vygotskiana e


bakhtiniana. Juiz de Fora. Editora UFJF, 2000

DAMACENA, V.B.C. Escrita e interação: uma proposta baseada na concepção de


português como L2 para surdos. Dissertação de Mestrado. Profletras. UFTM. 2020. p.
108

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