Viviane Barbosa Caldeira Damacena é graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade
de Uberaba, pós-graduada em Educação Especial pela mesma instituição. Mestre em Letras pelo programa Profletras pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, e atualmente é doutoranda pelo programa Estudos Linguísticos da Universidade de Uberlândia - UFU. É professora de língua portuguesa, intérprete de Libras e professora de língua portuguesa como L2 para surdos, tendo experiência ministrando cursos de capacitação para professores, sobre língua portuguesa, aquisição de língua materna e língua não materna, além de ter experiência em produção de materiais didáticos.
Definições:
Como já visto anteriormente, a língua tem um papel social e comunicativo na
vida do ser humano, sendo responsável pelo desenvolvimento cognitivo e social do indivíduo, além de toda a relação e interação que ele apresenta em uma comunidade usuária desta língua. Para a pessoa surda, o uso da língua oral na modalidade escrita torna-se essencial para que ocorra a interação entre ela e a pessoa ouvinte, pois ambas apresentam línguas maternas distintas, o que dificulta esta interação. Fonte: http://cde.athabascau.ca/online_book/ch2.html
Assim, o aprendizado da segunda língua para o surdo torna-se não apenas um
fato social, mas também uma questão de sobrevivência em um mundo ouvinte. Como já visto, a aquisição da língua ocorre, de acordo com Vygotsky, através da interação entre pares, em um processo chamado andaimagem. Antes de detalhar esse processo, em um primeiro momento é necessário entender o conceito de interação. Costa (1999), afirma que “ao termo ‘interação’ têm sido atribuídos sentidos vários em pesquisas cognitivas e sociais sobre construção da linguagem em instituição familiar e escolar, em que ou o outro exerce o papel de provedor/facilitador, ou é origem/gênese do processo de aquisição/aprendizagem do conhecimento.” (p. 11)
O autor demonstra que a construção da linguagem ocorre em diversos
ambientes linguísticos, seja ele formal ou informal, em instituições escolares ou familiares. Em ambientes informais, como na família ou em comunidades usuárias da língua, percebe-se que a interação ocorre de forma mais livre, sem a necessidade de mediação assistiva, tendo como mediador a própria família, amigos e até mesmo pares que demonstram ainda estar em desenvolvimento linguístico. Nesta informalidade, essa aquisição linguística não ocorre de maneira contínua, sofrendo interferência do meio. Isto acontece, principalmente, devido a inconstância e do desconhecimento formal de metodologias de ensino. Essa interação acontece sem uma preparação anterior, acontecendo de forma natural, espontânea, entre pares usuários da língua que não são, necessariamente, educadores. Através desta interação informal, o aprendiz constrói o seu conhecimento prévio, desenvolvendo o seu conhecimento de mundo, o conhecimento linguístico e, inclusive, colabora para a construção da cultura e da identidade desse indivíduo. É neste momento que a criança começa a significar e ressignificar a língua. Damacena, 2020, afirma que “esses significados são construídos através da interação entre adultos e crianças, o que propicia o desenvolvimento da língua e da comunicação através do desenvolvimento das zonas proximais, que marca o sujeito pela sua história social.” (p.24) É, principalmente, nesta interação informal, que a criança torna-se letrada, passando a ter uma visão de mundo e conhecimentos necessários para a sobrevivência naquela sociedade usuária daquela língua através da Zona de Desenvolvimento Proximal, proposto por Vygostky. O conceito de zona de desenvolvimento proximal é (à distância, o caminho que o conhecimento terá que percorrer, através da intervenção sociocultural), para se deslocar da zona de desenvolvimento real - (etapas já alcançadas ou a capacidade de realização das tarefas de forma independente) - e o nível de desenvolvimento potencial (sua capacidade de realizar tarefas com o auxílio do adulto ou outras crianças). ” (2011, p. 3-4)
Na escola, a língua sofre a influência do professor, que assume o papel de
mediador, de facilitador no aprendizado, proporcionando, de forma mais moderada e trabalhando de maneira assistiva essa aquisição de língua. Neste ambiente, normalmente não há interrupção na aprendizagem, pois o professor se programa e planeja atividades e rodas de conversas com temas específicos e horário controlado. Neste ambiente, há o que conhecemos como letramento escolar, explicado por Damacena (2020) sobre a fala de Costa (2000) “Em processo de letramento escolar, Costa (2000) afirma que a interação pai/mãe-criança e professor-aluno é essencial para que o desenvolvimento da linguagem e do significado ocorra, considerando a relação entre o par mais experiente e o que ainda está adquirindo sua experiência. Essa interação favorece o desenvolvimento cognitivo e intelectual das crianças que estão em fase de aquisição de uma língua, proporcionando a organização do pensamento, utilizando a linguagem em seu uso funcional.” (p.24)
Reconhecendo, assim, a importância da interação na aquisição de língua
materna, é necessário considerar essa mesma interação na aquisição de segunda língua. Quando pensamos nesta segunda língua, em relação ao surdo, essa interação se torna um pouco mais complexa, por se tratar de uma língua ensinada apenas na modalidade escrita. A aquisição da segunda língua pelo surdo, apenas na modalidade escrita, acontece de forma sistemática, não natural, ocorrendo, principalmente, em um ambiente formal, na escola ou em uma sala de aula. O professor, como par mais experiente, trabalha como mediador e planejador nessa interação, que ocorre através de textos escritos, utilizando a vasta gama de gêneros textuais. Para que a aquisição da escrita possa ser vista como fator social para a pessoa surda, essa língua precisa ser vista e considerada com metodologias específicas. A interação também ocorre quando pensamos na língua escrita, porém, apenas através de textos escritos. Cabe ao professor, então, escolher e possibilitar que esses textos retratem o cotidiano e o dia a dia do aprendiz, conhecendo textos reais e significativos. Como já dito anteriormente, é através do contato que o aprendiz adquire e aprende uma língua. Quando tratamos da língua oral ou sinalizada, esse contato ocorre de forma espontânea e natural, porém, quando tratamos da língua na modalidade escrita, é através da interação com os textos escritos é que o aprendiz surdo tem acesso e contato com a língua oral, não tendo como apoio o resíduo fônico da língua, o que faz com que se torne ainda mais complicado a aprendizagem desta segunda língua. Ao ter contato com textos que fazem parte do seu cotidiano, o surdo passa a dar sentido e significado à língua, percebendo os seus diversos usos. Mesmo que não seja possível para esse aprendiz um contato direto com o interlocutor, ainda assim é capaz de considerá-lo e percebê-lo no texto, ressignificando a língua a cada leitura. Esse contato com a diversidade textual colabora com o desenvolvimento de conhecimentos linguísticos do aprendiz surdo, além de proporcionar situações em que se desenvolve o letramento, conhecendo, assim, um pouco mais da cultura ouvinte e da sociedade que está inserido. A escolha dos gêneros textuais e dos textos possibilita ao surdo uma diversidade linguística e cultural que pode ser trabalhada de forma a colaborar para o seu desenvolvimento. Porém, o contato com a língua portuguesa, apesar de ocorrer apenas através de textos escritos, ainda assim é necessário o apoio na língua materna do surdo, a língua de sinais, pois a base de toda e qualquer interação ocorrerá, principalmente em Libras. É através dessa interação em língua de sinais que o surdo passa a produzir sentido na língua portuguesa, conceituando, significando e ressignificando a língua a cada leitura.
Referência Bibliográfica
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Editora Martins Fontes, São Paulo. 2003, 230p.
COSTA, S.R. Interação e letramento escolar: Uma (re)leitura à luz vygotskiana e
bakhtiniana. Juiz de Fora. Editora UFJF, 2000
DAMACENA, V.B.C. Escrita e interação: uma proposta baseada na concepção de
português como L2 para surdos. Dissertação de Mestrado. Profletras. UFTM. 2020. p. 108