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ESTADO DA PARAÍBA

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


GABINETE DO DES. MÁRCIO MURILO DA CUNHA RAMOS

ACÓRDÃO
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0023380-74.2013.815.0011 - 1ª Vara Criminal da
Comarca de Campina Grande
RELATOR : O Exmo. Des. Márcio Murilo da Cunha Ramos
APELANTE : João Paulo de Almeida Silva
ADVOGADO : Altamar Cardoso
APELADO : Justiça Pública

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO NA FORMA


TENTADA. ARTS. 213, CAPUT, C/C ART. 14 DO
CÓDIGO PENAL. CRIME QUE NÃO DEIXOU
VESTÍGIOS. CONDENAÇÃO COM BASE NA
PALAVRA DA VÍTIMA. DISSONÂNCIA COM OS
DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. DÚVIDA
ACERCA DA MATERIALIDADE. PRESUNÇÃO DE
NÃO CULPABILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO
PRO REO. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO.

- É certo que o tipo penal, previsto no art. 213 do Código


Penal, que, após a Lei nº 12.015/09, independe da prática
da conjunção formal para caracterização, muita vez sequer
deixando vestígios materiais da sua ocorrência. No
entanto, em casos tais, um édito condenatório deve estar
lastreado em elementos probatórios sólidos, que
demonstrem, sem sombra de dúvidas, que a vítima sofreu
violência de ordem sexual, sendo que a sua palavra deve
estar, no mínimo, coadunada às demais provas produzidas
nos autos.
- Em decorrência da presunção da não culpabilidade, a
dúvida resolve-se em favor do réu

VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS estes autos de


apelação criminal, acima identificada.

ACORDA a Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do


Estado da Paraíba, por maioria, em dar provimento ao apelo para absolver o réu,
contra o voto do revisor, que dava provimento parcial apenas para mudar o regime
inicial de cumprimento da pena.

RELATÓRIO
Perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Campina Grande, o
representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra JOÃO PAULO DE
ALMEIDA SILVA, bastante qualificado nos autos, incurso nas penas dos arts. 213,
caput, do Código Penal.

Narra a exordial, em síntese, que no dia 17.06.2013, por volta


das 9h30m, no Instituto dos Cegos, o acusado constrangeu a vítima Alexsandra Lima
Sales Ramos, mediante violência, a praticar com ele atos libidinosos. A vítima, na
qualidade de deficiente visual e estudante do referido instituto, teria sido surpreendida
no alojamento feminino pelo acusado, que a agarrou com extrema violência e, jogando-
a na cama, retirou sua calcinha e apalpou suas partes íntimas, com o intuito de praticar
conjunção carnal forçada.

Consoante a peça pórtica, apesar de todo o esforço empregado


pelo acusado para estuprar a vítima, ele não conseguiu manter a conjunção carnal em
razão da resistência da ofendida, que conseguiu se livrar do acusado depois de muito
esforço, fugindo então do local e clamando por ajuda.

Denúncia instruída com os documentos de fls. 08/23 e recebida


em 20 de novembro de 2013 (fls. 26).

Audiência de instrução, fls.47 e 64, com mídias áudio-visuais


anexas, fls. 46 e 62.

Razões finais apresentadas pelo Parquet e pela defesa, fls.65/70


e 77/96, respectivamente.

Sentença condenatória (fls. 87/91-v), julgando totalmente


procedente a denúncia e condenando o réu à pena definitiva de 4 (quatro) anos e 4
(quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela prática dos delitos
tipificados nos arts. 213, caput, c/c 14 do Código Penal c/c art. 1º, V da Lei nº 8072/90.

Inconformado, o réu interpôs apelação às fls. 96. Em suas razões


expostas às fls. 113/134, pede a absolvição por inexistirem provas concretas nos autos
que apontem ter o mesma praticado o delito descrito na peça acusatória. Verbera que
não há provas materiais da existência do crime, tais como exame de corpo de delito,
laudo de lesão corporal, laudos de conjunção carnal e atos libidinosos e relatório
psicológico realizados na vítima. Outrossim, aduz a impossibilidade de um édito
condenatório baseado unicamente na palavra da vítima, que foi contraditória em seu
depoimento na esfera judicial. Por fim, requer que, caso não seja absolvido, seja o delito
desclassificado para contravenção penal, art. 61 ou para satisfação de lascívia, art. 218-
A do CP, ou ainda a desclassificação do delito para tentativa, diminuindo a pena em 2/3
e deferindo o cumprimento de pena em regime semiaberto, em face de o §1º do art. 2º
da lei nº 8072/90 ter sido declarado inconstitucional; ou, ainda, a redução da pena-base
para 02 anos, por ser réu primário, ter bons antecedentes, residência fixa e personalidade
não voltada para o crime.

O Ministério Público Estadual apresentou suas contrarrazões,


rogando pela manutenção da decisão guerreada (fls. 135/142).

Neste grau de jurisdição, instada a se pronunciar, a douta


Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da ilustre Procuradora de Justiça, Dra.
Maria Lurdélia Diniz de Albuquerque Melo, opinou pelo desprovimento do apelo, fls.
144/149.

É o relatório.

VOTO:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual


conheço o recurso.

Consoante a narrativa da peça inaugural, o apelante trabalhava


como cobrador de doações do Instituto dos Cegos da cidade de Campina Grande,
mesmo local em que estudava a vítima, Alexssandra Lima Sales Ramos.

Consta dos autos que no dia 17 de junho de 2013, por volta das
9:30 horas, a vítima, deficiente visual, foi abordada no alojamento feminino por João
Paulo, que, usando de violência, jogou-a na cama, tirou-lhe a calcinha e subiu-lhe o
vestido, apalpando as partes íntimas da ofendida, sem, contudo, conseguir manter com
ela conjunção carnal, em face da resistência oferecida. Tendo ela se desvencilhado do
réu, este saiu correndo do local, oportunidade em que a vítima telefonou ao porteiro do
Instituto, pedindo que o mesmo se dirigisse ao alojamento feminino. Lá chegando, José
Salvador Filho deparou-se com a ofendida, que estava trêmula e em prantos, dizendo
que “o cobrador, João Paulo, tentou me estuprar.” A par disso, ele dirigiu-se à cozinha
para pegar um copo de água com açúcar para a moça atacada, quando deparou-se com o
ora apelante, que perguntou o que havia acontecido, acrescentando que o mesmo nada
tinha feito e que a vítima tinha um problema. O porteiro retornou ao alojamento
acompanhado da cozinheira Carmen Lúcia, quando encontraram os diretores do
Instituto John e Luciene. Como a vítima recusava-se a falar o que havia acontecido,
John pediu para que Lúcia voltasse para a cozinha, para conversar com aquela sobre o
que tinha acontecido. A vítima afirma que Luciene pedira para ela levantar o vestido
para ver se tinha algum machucado em seu corpo, tendo Lúcia respondido que estava
vermelho abaixo da costela. A diretora teria, ainda, desaconselhado a ofendida a tomar
providência, sob a justificativa de que não daria em nada e que o irmão de João Paulo
era perigoso.

O réu nega veementemente a ocorrência dos fatos. Afirma que


inexiste prova da materialidade, pois não foi realizado qualquer exame capaz de detectar
o uso de violência, moral, física e sexual, contra a vítima. Critica ainda o édito
condenatório construído unicamente com base na palavra da ofendida, invocando o
princípio do in dubio pro reo em seu favor. Afirma que os depoimentos testemunhais
divergem da versão dada pela vítima, quando afirmam que a cama e o quarto estavam
arrumados, ela não possuía lesões aparentes no corpo e suas roupas estavam intactas.

Pois bem. As testemunhas do fato são indiretas, como sói


acontecer em crimes desta natureza, cometidos às escuras, na clandestinidade, longe dos
olhos e ouvidos alheios.

José Salvador Filho, porteiro do Instituto dos Cegos,


confirmando em Juízo (mídia fl. 46) o depoimento prestado na delegacia às fls.12,
afirmou:

“Que no dia do fato estava trabalhando no Instituto, quando recebeu um


telefonema da vítima pedindo para que ele se dirigisse até o alojamento;
que lá chegando, ele encontrou Alexsandra chorando e tremendo,
tendo esta dito que João Paulo tentara agarrá-la; que nesta
oportunidade desceu para a cozinha para pegar um copo d'água com a
cozinheira, Lúcia, que aconselhou-o a chamar o diretor do local; que após
acionado, o diretor pediu o copo d'água e determinou que o depoente
voltasse para a portaria, pois o lugar dele era lá; que não sabe informar se
a polícia foi acionada; que o diretor levou o copo d'água para a vítima
juntamente com sua esposa, Luciene; que nunca ouviu falar se João
Paulo havia se envolvido em outras situações semelhantes; que
enquanto se dirigia para o alojamento, foi abordado pelo acusado
sendo indagado sobre o que estava acontecendo, respondendo ao
mesmo 'Nada', pois, até então, não tinha conhecimento do ocorrido;
que nunca ouviu nada de ruim acerca da vítima; que não ouviu nada sobre
o ocorrido após o dia do fato; que nunca ouviu falar sobre envolvimento
da ofendida com outros homens; que o réu aparentava estar
preocupado quando o depoente o encontrou na rampa que dava para
o alojamento.”

Carmem Lúcia de Oliveira Diniz, por sua vez, também


ratificou o depoimento prestado à autoridade policial, afirmando em Juízo:

“que foi procurada na cozinha pelo porteiro, o qual narrava que


Alexssandra ligara chorando pedindo um copo d'água com açúcar; que
preparou a solução e subiu ao alojamento onde se encontrava a vítima;
que encontrou-se com o diretor do instituto, John, na rampa de acesso;
que lá chegando, bateu à porta, mas a ofendida não respondeu; que John
bateu na porta pedindo que ela abrisse e ela abriu; que após isso, o diretor
pediu que a depoente descesse para terminar o almoço; que depois ouviu
os comentários sobre o que havia acontecido, de que João Paulo tentara
estuprar Alexsandra; que não viu se a vítima estava chorando ou
nervosa, pois, quando esta abriu a porta, estava sentada na cama de
costas para a entrada; que entregou o copo d'água com açúcar a
Luciene, esposa de John e desceu em seguida; que nunca ouviu falar de
conduta desabonadora por parte do acusado; que após o fato João Paulo
foi afastado do Instituto; que o quarto estava arrumado normalmente,
não havia lençóis bagunçados; que Alexssandra tem problemas de
nervosismo, que de uma hora para outra fica alterada, toma remédio
controlado e tem pessoas com que ela não se dá mesmo; que nunca
ouviu falar se João Paulo havia praticado fato semelhante no
instituto”

O apelante afirma existir contradições nas declarações prestadas


pela vítima durante a instrução processual. Expõe, nas razões de sua apelação, que a
vítima, quando perguntada como os fatos aconteceram, responde, in verbis: “Ele tirou
minha calcinha e tentou me penetrar.”, afirmando em seguida que “ele tentou tirar
minha calcinha e me jogou contra a parede”. Em sequência a mesma incorreu em
contradição ao dizer que “ele não tirou minha calcinha, porque ela ficou segurando.”

A vítima mostrou-se firme em suas declarações prestadas à


autoridade judicial. Confirmou na íntegra seu depoimento prestado na delegacia, sem
cair em contradição, ao contrário do que verbera o recorrente. São suas as seguintes
palavras, extraídas da mídia de fl. 46:

“que subiu para o alojamento do Instituto, passando pela rampa que dá


acesso à secretaria; que chegando próxima à cozinha o acusado estava na
porta, pedindo café, pois estava ciente de que não se encontrava nem a
tesoureira nem a secretária; que subiu para o alojamento feminino e
percebeu que alguém vinha seguindo-a; que advertiu que o alojamento
era feminino; que quando colocou a mão na maçaneta da porta, o
acusado segurou-a de imediato dizendo que ali não havia ninguém;
que ele disse que a declarante era muito gata, jogando-a contra a
parede, quando começou a se esfregar, alisar, apalpar, cheirar o
pescoço e beijar a boca da vítima; que ela resistiu, perguntando-o se
estava louco; que o acusado jogou-a de costas contra uma bicama
que fica próxima à porta; que ficou por cima da declarante,
retirando sua calcinha, enquanto esta tentava segurar o vestido; que
ficou machucada na altura da costela em decorrência do esforço que
fez; que perguntou reiteradas vezes se ele estava louco, mas ele
apenas dizia que ela era muito gata e que não havia ninguém ali; que
o acusado era funcionário do Instituto dos Cegos; que tinha contato com
o mesmo apenas de bom dia, boa noite; que ele trabalhava lá, mas não
tinha contato com o mesmo; que teve um aviso de uma funcionária de
lá, dizendo que tivesse cuidado com essa pessoa, pois ele não valia
nada, sem dizer o porquê, mas deixando-a alerta antes do fato acontecer;
que não tinha contato com o mesmo já com medo; que a pessoa que lhe
avisou disso foi a professora de Educação Física, de nome Daniela; que
faz tempo que ela trabalhava lá; que não sabe quanto tempo o acusado
trabalha no Instituto dos Cegos; que é aluna do Instituto há cerca de 07
anos; que quando chegou o acusado já trabalhava lá; que Daniela tem
mais tempo de trabalho no Instituto do que o acusado; que o acusado
não conseguiu a penetração, porque ela resistiu; que próximo ao
alojamento feminino existe a ala infantil, mas que não estava sendo
utilizada, pois todos estavam no refeitório, já que era por volta das 9h;
que os alojamentos ficam no segundo andar e o refeitório fica no térreo;
que não teve como gritar, pois estava apenas se defendendo dele, a
preocupação era para tirá-lo de cima dela; que depois que se
desvencilhou do acusado, ele saiu do quarto e imediatamente ligou
para o porteiro comunicando o ocorrido, pedindo para ele subir no
quarto levando ajuda; que o acusado ficou uma meia hora dentro do
instituto, no térreo; que quando já estava com a ajuda no quarto, alguns
minutos depois, ele (acusado) voltou ao quarto novamente, abriu a porta,
procurando Estela; que o acusado era cobrador de doações do instituto;
que ele sempre frequentava o ambiente; que não ouve penetração, mas
chegou a tocar a genitália; que ele conseguiu baixar a calcinha; que
ela estava de vestido; que não percebeu se ele estava desnudo, pois
estava muito nervosa.”

Não obstante, a professora de Educação Física, Daniela de


Almeida, prestou em Juízo depoimento bastante esclarecedor sobre a advertência
dirigida à ofendida acerca da conduta do acusado, revelando que não se tratava de uma
questão de periculosidade do mesmo, mas da repercussão da conduta da vítima ante a
um possível galanteio do réu, ocorrido antes do fato. Vejamos:

“Que a vítima era muito amiga da depoente; que ela a ajudava a guardar
os materiais após a aula de Educação Física e fazia muitas confidências
para a depoente, porque tinha confiança nela; que conhece a vítima há
muitos anos, não apenas na época do fato,mas de quando era atleta de um
esporte que era só para cegos; que viajaram para João Pessoa com uma
equipe, uma delegação de homens e mulheres, quando conheceu ela; que
a vítima confiava muito em sua professora; que um dia a vítima
confidenciou que João Paulo estava dando em cima dela; que o
cobrador falava que a vítima era muito bonita, tinha um corpo muito
bem feito; que o marido dela tinha muita sorte, que ele seria muito
feliz com uma pessoa assim; que a depoente indagou se o acusado tinha
mesmo falado isso, ao passo que a vítima respondeu que sim; que a
depoente ficou nervosa com a confissão, porque a vítima era casada e
isso colocava em questão a fidelidade conjugal dela; que a vítima
perguntou o que fazer naquela ocasião, se ficava ou não, se dava
mole; que sabendo desse comportamento por parte da vítima, pois a
mesma tinha tido um caso no Instituto dos Cegos de João Pessoa,
falou para aquela ter cuidado, pois também era casada, assim como
o acusado e isso poderia dar problema; que contestou a verdade em si
por causa das atitudes da vítima; que o réu sempre foi uma pessoa
extremamente educada, sempre esteve no instituto, nunca passou na
varanda, porque a relação dele era com o presidente e a segunda
tesoureira, Elisangela; que ele sempre foi muito simpático com todos;
que soube do acontecido por meio do vigia, Salvador; que esperou a
vítima procurá-la e contar sua versão; que como a vítima não disse nada,
a depoente a questionou sobre o ocorrido, quando teve conhecimento dos
fatos tal como narrado na denúncia; que nunca falou para tomar
cuidado com o réu por ser o mesmo uma pessoa perigosa, mas
advertiu a vítima do seu comportamento promíscuo, porque ela era
casada, mandando ela ter cuidado consigo mesma, pois perguntava
se dava mole, dava uma chance para João Paulo; quanto ao fato só
sabe a versão contada pela vítima, mas tem opinião diferente sobre o
ocorrido; que as pessoas do instituto dizem que o fato não aconteceu; que
ninguém viu João Paulo entrar na área onde estava a vítima; que outros
alunos do instituto confidenciaram à professora que Alexsandra já
tinha dado em cima deles.”

Não há, portanto, testemunhas visuais do ocorrido. Todas


elas tomaram conhecimento do fato pelos relatos narrados pela própria vítima. Dos
depoimentos prestados, a meu ver, não se colhe nenhuma evidência da ocorrência
irrefutável do delito, pairando fundada dúvida acerca da veracidade das
declarações da ofendida, porque não se coaduna a nenhum elemento de prova
produzida nestes autos. As testemunhas trazem declarações que desabonam
sobremaneira a credibilidade das informações prestadas pela ofendida, quando
afirmam que a mesma é pessoa muito nervosa, que toma remédio controlado, tem
acessos de irritabilidade, ficando alterada de uma hora para outra, possui relatos de que
dá em cima de outros alunos do instituto, chegando a ter um caso com um deles.

Ademais, há um relato de que a ofendida possuía algum


interesse no acusado, pois, mesmo sendo casada, foi pedir conselhos à professora de
Educação Física sobre responder positivamente às cantadas dele, perguntando se ela
deveria dar mole para ele, dar uma chance. Outrossim, a cozinheira Carmem Lúcia não
viu manchas vermelhas pelo corpo da vítima, ao contrário do que ela alegou na
delegacia, chegando, ainda, a informar que o quarto estava arrumado, com tudo no
lugar, inclusive os lençóis da cama.

Não há, pois, elementos seguros de prova acerca da


materialidade do fato. Bem assim a autoria é questionável, tendo em vista tratar-se de
vítima com problemas de visão, não tendo, em nenhum momento, esclarecido como
conseguira identificar o acusado como sendo o autor do delito, sem qualquer margem
de erro.

É bem certo que o tipo penal, previsto no art. 213 do Código


Penal, que, após a Lei nº 12.015/09, independe da prática da conjunção formal para
caracterização, muita vez sequer deixando vestígios materiais da sua ocorrência. No
entanto, em casos tais, um édito condenatório deve estar lastreado em elementos
probatórios sólidos, que demonstrem, sem sombra de dúvidas, que a vítima sofreu
violência de ordem sexual, sendo que a sua palavra deve estar, no mínimo,
coadunada às demais provas produzidas nos autos. Nesse diapasão se assentam os
precedentes do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. 1. ALEGADA
VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
NÃO CABIMENTO. 2. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ART. 544, §
4º, II, ALÍNEA "B", DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, C.C. O ART.
3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. 3.
SUSTENTAÇÃO ORAL EM AGRAVO REGIMENTAL. VEDAÇÃO
DO ART. 159 DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. 4.
CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO.
IMPROPRIEDADE. 5.PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. ÓBICE DA
SÚMULA N. 7 DESTA CORTE. 6. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
(...)
6. Ademais, com relação à palavra da vítima, esta Corte decidiu que,
em se tratando de crimes contra a liberdade sexual, que geralmente
são praticados na clandestinidade, ela assume relevantíssimo valor
probatório, mormente se corroborada por outros elementos, como na
hipótese.
7. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA
GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP),
QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015) (Grifo
nosso)

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE


VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM 2º GRAU.
NEGATIVA DE AUTORIA QUE SE ENCONTRA ISOLADA DOS
DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. ABSOLVIÇÃO.
NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DE PROVAS.
SÚMULA Nº 7 DO STJ.
1. Nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é
importante elemento de convicção, na medida em que esses crimes
são cometidos, frequentemente, em lugares ermos, sem testemunhas
e, por muitas vezes, não deixam quaisquer vestígios, devendo,
todavia, guardar consonância com as demais provas coligidas nos
autos.
2. No caso, a condenação baseou-se em outras provas, que não apenas o
depoimento da vítima.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1346774/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 01/02/2013) (Destaquei)

Não é o que ocorre na hipótese dos autos.

Com efeito, assiste razão ao apelante ao insurgir-se contra a


sentença proferida sem a certeza inconteste da materialidade e autoria, uma vez que em
decorrência da presunção da não culpabilidade, a dúvida resolve-se em favor do réu.

Por tais razões, merece integral reforma o pleito condenatório


oriundo do juízo a quo, ante a inexistência de prova suficiente para a condenação, nos
termos do art. 386, VII do CPP, ficando prejudicado o exame dos demais pedidos da
apelação.

Isto posto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO À


APELAÇÃO para, em desarmonia com o parecer ministerial e, reformando a sentença
de primeiro grau, julgar IMPROCEDENTE a denúncia para ABSOLVER JOÃO
PAULO DE ALMEIDA SILVA, nos termos do art. 386, VII do Código de Processo
Penal.

É como voto.

Presidiu o julgamento, Com voto, o Excelentíssimo Senhor


Desembargador Joás de Brito Pereira Filho, decano, no exercício da Presidência da
Câmara Criminal. Participaram do julgamento, além do relator o Excelentíssimo Senhor
Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, os excelentíssimos senhores
desembargadores Joás de Brito Pereira Filho, revisor e José Guedes Cavalcanti Neto
(Juiz de Direito convocado para substituir o Exmo. Sr. Des. João Benedito da Silva).

Presente à sessão o Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco


Sagres Macedo Vieira, Procurador de Justiça.

Sala de Sessões da Câmara Criminal “Desembargador Manoel


Taigy de Queiroz Mello Filho” do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em
João Pessoa, 29 de setembro de 2015.

Márcio Murilo da Cunha Ramos


Relator

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