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Apelante: José Carlos Peres

Apelada: Justiça Pública


Proc. nº 1311/08
2ª Vara Criminal Central da Capital
 

RAZÕES DE APELAÇÃO

 Egrégio Tribunal,
Colenda Câmara:
  

ROSEMEIRE MARIA DA SILVA foi processado


e, ao final, condenado, como incurso nos artigos 213, “caput”, c.c. 224,
alínea ‘a’, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, a 10 (dez) anos de
reclusão, inicialmente em regime fechado.

Narra a exordial acusatória que entre meados de 2005 e


outubro de 2008, ROSEMEIRE teria concorrido junto de seu marido
JOSIANO já condenado conforme fls. 216/220, em crime de estupro por
causar constrangimento, mediante violência presumida, por diversas vezes

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Regional Criminal – Unidade Varas Singulares (6ª Vara Criminal) – Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães
Av. Doutor Abraão Ribeiro, 313, 1º andar, sala 1-095, Barra Funda, São Paulo-SP, CEP 01133020, tel. 3392-6940
sobre a vítima VIVIANE configurando assim à prática de conjunção carnal
entre a vítima e o marido da acusada.

Ainda, segundo narra à denúncia, a acusada haveria


contribuído para a prática de estupro, pois se alega na exordial que a ré
tinha ciência sobre os atos praticados por seu marido com a vítima. E que
esta, incentivava a relação por meio de ligações, cujo teor era composto por
convites para a vítima ir à igreja e à sua residência.

A denúncia trata também de detalhes, no tocante em


afirmar que Rosemeire além de assistir, consentia e incentivava os atos de
seu marido e que este tivesse relações sexuais anais com a menor. Alega-
se também que a acusada ajudava o marido a introduzir o pênis na vítima
e que ela também tentou tocar a menor, não tendo êxito porque a vítima
nunca permitiu.

No entanto, em que pese o conhecimento jurídico do MM.


Juiz a quo, após análise do conjunto probatório, verifica-se que não
decidiu com o costumeiro acerto, fazendo-se necessária a reforma da r.
decisão condenatória, como se passa a demonstrar.

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Com efeito, as provas produzidas em desfavor da Apelante
são insuficientes para embasar um decreto condenatório, senão vejamos:

Em juízo, a acusada foi declarada revel, porém em seu


termo de declaração em sede policial (fls. 83/84) a acusada negou de
forma veemente que tivesse praticado os fatos descritos na denúncia.
Disse que conheceu a vítima um ano após ter se mudado com seu marido
para a casa localizada no fundo da igreja, se mudaram em janeiro de 2004,
no ano seguinte conheceram a vítima e seus familiares, quando eles
começaram a frequentar os cultos da igreja.

Passados dois anos a vítima e sua mãe se tornaram obreiras


da igreja, consequentemente a vítima ficou mais próxima da acusada que
era principal responsável pelo grupo de jovens da igreja, e também de seu
marido, qual era líder religioso da igreja, assim a vítima passou a
frequentar cada vez mais a igreja e até mesmo a casa da acusada.

A acusada esclarece ainda que Viviane buscou apoio ao


grupo de jovens por conta de problemas familiares, que, além disso,
podia se observar claramente que a vítima era uma criança problemática e
rebelde, tinha problemas com sua mãe e seus irmãos, alega que a vítima
relatava para a acusada que era tratada como escrava por sua mãe, que
seus irmãos se aproveitavam desta situação, além do fato de que seu
irmão mais velho, à época se aproximava novamente da família da vítima

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após dois anos de afastamento por motivos graves, que não foram
revelados em um primeiro momento, contudo, mais tarde, a vítima teria
confessado ter sido abusada sexualmente por seu irmão mais velho,
daí o motivo para o afastamento de seu irmão.

Alega que Viviane naquela ocasião namorava um menino


mais velho, consequentemente tinha relações sexuais com este namorado,
mas que, mesmo se tratando de condutas claramente reprováveis para
uma evangélica e obreira da igreja, a acusada se importava em ajuda-la.

Quanto as acusações feitas, a acusada afirmou também que


à vítima se insinuava para seu marido, ao qual já havia expressado esta
preocupação, e que, ele também estava disposto a continuar à ajuda-la na
vida religiosa.

Por fim alegou que em nenhumn momento a ré ou seu


marido foram procurados pela vítima ou por sua família para tratarem dos
fatos apurados. A ré tem extrema convicção de que à vítima tramou toda
uma situação, pois perceberá que ela jamais teria qualquer tipo de
relacionamento amoroso com seu marido.

Vale ressaltar, que conforme se mostrou nos argumentos


acima descritos, há base mais do que razoável para que se sustente ao
observar o depoimento de Josiano (fls. 80 a 82), onde o próprio relata
muitas das insinuações de Viviane e diz que todo o transtorno foi
agravado após a vítima saber que a acusada estava gravida de sua
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primeira filha. Isto teria deixado a vítima com tamanha frustração por ter
se iludido com o bom tratamento e amizade por parte de Josiano.

A negativa da acusada deverá prevalecer ante o frágil


conjunto probatório.

A prova testemunhal também não logrou demonstrar a


ocorrência do delito, trazendo fracos indícios, insuficientes para embasar
uma condenação.

A vítima, ouvida às fls. 163/164, procurou imputar a


conduta descrita na denúncia ao acusado. Porém, suas palavras deverão
ser encaradas com reservas, eis que, diante das declarações do acusado,
pode estar procurando incriminá-lo apenas por desejo de vingança. Há de
ser levado em consideração que se trata de jovem em fase de
amadurecimento e que por isso não tem a exata noção sobre seus atos. É
certo que pode ter ainda interpretado erroneamente as atitudes do
acusada.

Neste sentido o entendimento da Jurisprudência:

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“Pouco ou quase nada pode esperar a prova
criminal de depoimento de menores. Absurdo é
pedir-lhes um testemunho verdadeiro; são
incapazes de dizer a verdade, porque incapazes de
compreendê-la. Tudo aconselha, pois, a deles
duvidar, inclusive quando prestados por vítimas.”
(ACrim 42.082, TJSP, Rel. Trausbulo de

“Delito não configurado - Prova resultante apenas


das declarações da vítima, menor impúbere -
Inidoneidade - Inverossimilhança e fantasiosidade
do depoimento infantil - Afirmação assaz
proclamada - “A Justiça Criminal pouco ou quase
nada pode esperar dos depoimentos de menores,
insuficientes para estribar uma condenação. Não se
pode mais duvidar de sua insinceridade e
sugestionabilidade, das conclusões e fantasias com
recordações que lhes são comuns. Grande,
portanto, é o perigo de se condenar alguém com
apoio na palavra da criança” (TJSP - AC - Rel.
Silva Leme - RT 573/352)

Importante frisar que, a vítima a fls. 78/79, em entrevista


com a psicóloga do IMESC declarou que “Às vezes, chamava-a para lavar a

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roupa dele, ocasião em que sua filha não estava, e apresentava o mesmo
comportamento. ‘Teve um dia que ele tirou minha roupa; ele queria
‘fazer’ mas eu não deixei, não. É que eu não gostava dele...também, ele é
velho, né? Minha mãe fala que eu perdi a virgindade com ele, mas não foi.
Eu perdi a virgindade com o pai do meu filho. O Neninho tentava, mas
eu não deixava ele enfiar. Ficava mais é no meio das pernas”.

Também não poderão ser consideradas em desfavor do


acusado as declarações da genitora da vítima, Sueli, ouvida às fls.
165/168, pois não presenciou os fatos e em razão do instinto de proteção,
já que a suposta vítima é sua filha, está propensa a incriminar o réu.

Causa estranheza, outrossim, que durante o período em


que o apelante supostamente constrangeu a vítima, aproximadamente 2
anos, a mãe da ofendida, que ali também residia, não tenha, em nenhum
momento, presenciado a prática dos atos libidinosos atribuídos ao
acusado, ou, ao menos, suspeitado de que algo grave estivesse sucedendo.

Igualmente, o MM. Juiz a quo não sopesou o laudo pericial


do Instituto Médico Legal realizado e sua conclusão:

“Apresenta hímen complacente e foi submetida a


conjunção carnal não recente (gravidez). Atos

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libidinosos se ocorreram não deixaram vestígios no
momento da atual perícia.”(fls. 24)

Ora Excelência, não poderá prosperar um decreto


condenatório, sendo certo que contra o Apelante, há somente a versão da
vítima, pessoa de tenra idade e declarações contraditórias, assim sendo,
não se podendo aquilatar quem está falando a verdade, deve ser acolhido o
princípio in dúbio pro reo.

Vale lembrar que, a favor do réu, milita a presunção de


inocência, que somente pode ser infirmada mediante demonstração plena
e de sua responsabilidade, devendo ser desprezadas presunções e
deduções que não se estribem em provas concretas e induvidosas.

Por todo o exposto, requer-se o provimento do presente


recurso, a fim de que seja reformada a r. decisão condenatória, com a
conseqüente ABSOLVIÇÃO do Apelante, nos termos do art. 386, inciso VI,
do Código de Processo Penal ou, caso não seja esse o entendimento de
Vossas Excelências, o acolhimento do pedido subsidiário.

1- Seja o apelante absolvido pela prática do estupro tentato, supostamente


ocorrido no dia 15 de janeiro 2005

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Em sentença, o recorrente foi condenado pela prática de
estupro tentado à pena de quatro anos de reclusão. No entanto, dispõe o
artigo 213, caput, do Código Penal, em sua antiga redação, o seguinte:

“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou


grave ameaça”

Ora, Excelências, como narrado pela própria vítima e a sua


mãe, em nenhum momento houve a violência ou grave ameaça.

Importante se atentar às declarações da vítima (fls. 163/164):

“Quando ele abusou de mim em 2006 foi na casa


de minha e a minha prima não estava junto. Eu
estava dormindo e ele começou a passar a mãe em
minha vagina [...]”.

Tal versão é confirmada pela genitora da vítima às


fls. 166:

“Chamei a atenção dele e ele disse que eu era


louca, minha filha continuou deitada e não
respondeu pra mim o que estava acontecendo e
parecia que ela tinha acordado naquela hora”.

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Ora, Excelências, não há que se falar em crime de
estupro se não presentes as elementares que o descreve. Faltando
qualquer dos elementos (seja objetivo, subjetivo ou normativo) do tipo
penal, o fato é atípico.

Diante do exposto, requer seja o acusado absolvido


da acusação de tentativa de estupro ocorrida em 2006, com fulcro no
artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, e na remota hipótese de
manutenção do reconhecimento da tentativa, seja aplicada a redução
máxima, de 2/3 (dois terços), portanto, em o crime ficou longe de sua
consumação.

São Paulo, 16 de junho de 2011.

CAROLINA LOPEZ DE LEON


Defensora Pública

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