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Introdução à Lingüística

Material Organizado por Isaac Costa de Souza


Curso de Lingüística e Missiologia - CLM
Associação Lingüística Evangélica Missionária – ALEM
Brasília, Janeiro de 2003

Para Uso Exclusivo no CLM – ALEM

Agradecimento: À Dalva Del Vigna, pela leitura e correções possíveis.

1. Objetivos

1.1 Do Curso:
Introduzir os discentes nos estudos da lingüística em geral.
Fornecer instrumentos para compreensão da descrição de línguas específicas
elaborada por terceiros.
Fornecer instrumentos para o início de uma análise em uma língua desconhecida .
Fornecer base lingüística à aprendizagem de uma língua desconhecida ao
aprendiz.

1.2 Para o Aluno:


Conhecer algumas definições de lingüística, alguns conceitos gerais da
linguagem; algo sobre diversidade lingüística, a classificação da lingüística.
Saber iniciar uma análise lingüística.
Utilizar princípios de análise lingüística na aprendizagem de uma língua
desconhecida.
2

Abreviações

 um elemento qualquer
ACUS acusativo, objeto direto
CAUS causativo
COM ação contínua
GEN genitivo, possessivo
IMPERF imperfectivo, imperfeitivo, ação não concluída
N consoante nasal
O objeto direto
PAS tempo passado
PERF perfectivo, perfeitivo, ação concluída
PL plural
REC passado recente
REF reflexivo
S sujeito
UNI tempo universal; isoladamente significa futuro; em conjunto com
os aspectos perfectivo e imperfectivo significa passado
V verbo
1 primeira pessoa
[] transcrição fonética
 rescreve-se como
 contexto de ocorrência
____ ambiente linear de ocorrência
 morfema zero; morfema sem substância fonológica
* forma agramatical
3

Conteúdo

1. Histórico
Georges Mounin afirma que o estudo da linguagem humana é “um saber muito
antigo e uma ciência muito jovem.” (1972:25)
É um saber antigo porque o estudo da “gramática tradicional” pode ser remontado
ao século V a.C., com os estudos filosóficos dos gregos. (Lyons, 1971:4) É uma ciência
muito jovem porque a lingüística passou a ser vista como ciência apenas a partir de 1786,
quando Sir William Jones fez uma comparação entre o sânscrito e o grego perante a
sociedade científica de Londres. (Cabral, 1979:14) No entanto, é comum considerar-se
que a lingüística realmente ganhou o status de ciência somente em 1913, ano da morte de
Ferdinand de Saussure, que revolucionou os estudos lingüísticos.

1.1 Natureza e Convenção


Em termos de “saber antigo”, o primeiro debate entre os filósofos gregos era se a
linguagem era governada por “natureza” ou “convenção”.
Para os naturalistas, o sentido de uma palavra era baseado em propriedades
intrínsecas do ser ou do objeto referido. Para os convencionalistas o sentido de uma
palavra era resultado de “contrato” social entre os falantes de uma língua, sendo,
portanto, arbitrário. (Ver Lyons, Idem)

1.2 Analogistas e Anomalistas


Um outro debate entre os gregos era sobre a regularidade da língua, ou seja, se
uma língua era composta de fatos regulares ou irregulares. Os adeptos da primeira
perspectiva (língua composta de fatos regulares) eram os analogistas e os da segunda
(língua composta de fatos irregulares) eram os anomalistas. (Lyons, Ibidem:6-8) Aqueles
(analogistas) seguiam a Lógica e as idéias de Aristóteles; esses (anomalistas) abordavam
o uso corrente da língua e seguiam as idéias dos estóicos. (Carvalho, 1998:19-20) A
gramática, como ensinada nas escolas hodiernas, é baseada nas abordagens desses
estudiosos antigos.

1.3 Lingüística Comparativa


Uma nova fase nos estudos lingüísticos foi definida com os trabalhos de Frans
Bopp (1791-1867), que fez comparação do Sânscrito (língua antiga da Índia) com línguas
indo-européias. Assim, ele é considerado o fundador da lingüística comparativa.
(Carvalho, 1998:21) Outros autores: Sir William Jones, F. von Schlegel (que foi o
primeiro a utilizar o termo “gramática comparada”), R. K. Rask, J. Grimm, entre outros.
(Cabral, 1979:13)

1.4 Estruturalismo
O estruturalismo na lingüística adveio das propostas de Ferdinand de Saussure.
(Leroy, 1971:99-114) Várias abordagens diferenciadas receberam esse rótulo, como a do
círculo Lingüístico de Praga, Estruturalismo Funcional de André Martinet, Círculo
4

Lingüístico de Genebra, a Glossemática de L. Hjelmslev, a Tagmêmica de K. L. Pike, a


Estratificacional de S. M. Lamb, a Gramática dos Casos de Charles Fillmore, a
Pragmática de Bar-Hillel, a Gramática dos Textos de Van Dijk e o Neo-funcionalismo de
M. A. K. Halliday. (Cabral, 1979:15)

1.5 Gerativa-Transformacional
A teoria Gerativa-Transformacional foi iniciada por Noam Chomsky, em 1957,
com seu livro Estruturas Sintáticas.

2. Termos Básicos

2.1 Gramática Tradicional (Normativa ou Prescritiva)


A gramática tradicional tem sua origem no século V a.C., com os filósofos
gregos, como Protágoras, Platão e Aristóteles. O grande gramático latino foi Varrão,
século I a.C. (Ver Lyons, 1971:4, 10, 11).
Para esses estudiosos e seus seguidores, antigos e modernos, a língua escrita é
mais fundamental do que a língua falada e a língua literária mais importante do que a
língua falada e do que as outras modalidades de língua escrita. Assim, para guardar a
pureza da língua literária, a gramática tradicional estabelece normas e regras de bem falar
(ortoépia) e bem escrever. Contudo, o papel do lingüista não é ditar normas, mas
descrever o que realmente os falantes de uma língua verbalizam (e escrevem). (Ver
Lyons, 1971:42-43).

2.2 Poliglota
Pessoa com habilidade de comunicação em diversas línguas. É possível alguém
ser um poliglota sem ser um lingüista. Também, a princípio, é possível um lingüista falar
apenas uma línguas, ou seja, ser monolíngüe (no entanto, em geral, ele dominará a
estrutura de diversos idiomas).

2.3 Lingüista
Cientista que estuda o fenômeno lingüístico. É possível alguém ser um lingüista
sem ser um poliglota. No entanto, em geral, um lingüista fala mais de uma língua.
Seguem os nomes de alguns lingüistas:
Ferdinand de Saussure – reconhecido como o fundador da lingüística moderna;
não deixou obra escrita; seu livro Curso de Lingüística Geral, publicado em
francês postumamente em 1916, é uma compilação feita por dois de seus
discípulos: Charles Bally e Albert Sechehaye, com a colaboração de Albert
Riedlinger. (Saussure, 1974:XVII). A obra foi organizada a partir das
anotações de alguns alunos que estiveram nos cursos ministrados por Saussure
em 1907, 1908-1909 e 1910-1911. (Idem:XVI, XVII, XXIV) Os dois
compiladores principais do livro não estiveram nos mencionados cursos.
(Ibidem:XVII) Alguns dos conceitos inovadores de Saussure foram a definição
de “signo” e a diferenciação entre “língua e fala (langue et parole)” e a
delimitação nítida entre “diacronia e sincronia” (resumo em Leroy, 1971:73-
5

83) . Ferdinand de Saussure nasceu em Genebra em 1857 e faleceu nesta


cidade em 1913.
Noam Chomsky – norte-americano; livros: Estruturas Sintáticas (1957), Aspectos
da Teoria da Sintaxe (1965) e outros; ele fez distinção entre “competência e
desempenho”, “estrutura profunda e estrutura superficial”, descreveu o aspecto
gerador das línguas (a partir de regras finitas pode-se gerar infinitas sentenças);
aprofundou a idéia de transformação (modificação sofrida pela estrutura
profunda até chegar à estrutura superficial). Teorias: Gerativa-
Transformacional, Regência e Vinculação (ou Regência e Ligação).
Kenneth L. Pike – norte-americano; livros: Phonetics (Fonética, 1943),
Phonemics (Fonêmica, 1947), Tone Languages (Línguas Tonais, 1948),
Language in Relation to a Unified Theory of the Structure of Human Behavior
(A Linguagem em Relação a uma Teoria Unificada da Estrutura do
Comportamento Humano, 1967). Teoria: Tagmêmica. Pike foi membro do
Summer Institute of LinguisticsWycliffe Bible Translators. Faleceu em
Dallas, no dia 31 de dezembro de 2000.
Escolas Lingüísticas - na Suíça: Círculo Lingüístico de Genebra (seguidores de
Ferdinand de Saussure, como Charles Bally e Albert Sechehaye – ver Leroy,
1971:88); na Tchecoslovaquia: Círculo Lingüístico de Praga (herdeiro das
idéias de Saussure; duração: 1926-1938; criador: o tcheco Vilém Mathesius;
figuras importantes: Roman Jakobson, Nicolai Trubetzkoy, Serge Karcevsky,
André Martinet, Emile Benveniste, Karl Bühler); na Dinamarca: Escola de
Copenhague (identificada como estudiosa da Glossemática; figura principal: L.
Hjelmslev); nos Estados Unidos: Escola Americana (Edward Sapir, Leonard
Bloomfield, Ken L. Pike, Sidney M. Lamb, Noam Chomsky, Charles Fillmore,
etc; ver Cabral, 1979:15).

2.4 Linguagem
As diversas formas de comunicação desenvolvidas por um grupo social.
2.5 Língua
“(...) conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social, a fim de
permitir o exercício da linguagem por parte do indivíduo.” (ver J. M. Camara Jr.,
1954:20).
“(...) conjunto de regras, grande parte delas ordenadas, que permitem ao falante
gerar um número infinito de orações gramaticais, isto é, todas as orações gramaticais da
língua e nenhuma agramatical.” (Noam Chomsky in Cabral, 1979:5)
2.6 Dialeto
“Formas de fala diferentes, mas mutuamente inteligíveis sem aprendizado
especial.” (Robins, 1977:54)
“Os dialetos são línguas regionais que apresentam entre si coincidência de traços
lingüísticos fundamentais.” (J. M. Camara Jr. in Rector, 1975:34)
6

2.7 Idioleto
Idioletos são as “(...) múltiplas línguas individuais (...).” (Camara Jr., 1954:22-23)
“(...) hábitos de fala de uma só pessoa.” (Robins, 1977:48)
“(...) idioleto é a forma de fala própria de um indivíduo, ou seja, são os hábitos de
fala de uma pessoa.” (Rector, 1975:33)

2.8 Itens (Palavras) Lexicais e Gramaticais


Os itens lexicais referem-se a seres, objetos e idéias existentes no mundo físico ou
metafísico; os itens gramaticais ligam constituintes lingüísticos entre si, por isso fazem
parte apenas do mundo lingüístico.
Os itens lexicais compõem a maior parte de um dicionário e constituem um
sistema aberto, onde novas palavras são facilmente criadas (neologismos); os gramaticais
são em número limitado, compondo um sistema fechado, onde os neologismos
praticamente são inexistentes. Exemplos de itens lexicais são os substantivos, verbos,
adjetivos; exemplos de itens gramaticais são as preposições (para, de, a, em) e as
conjunções (e, mas, ou, porque, etc).

2.9 Signo
A semiologia ou semiótica é o estudo dos signos. (Ver Leroy, 1971:75) A
expressão semiologia é uma terminologia européia, que surgiu com Ferdinand de
Saussure; a expressão semiótica é uma terminologia americana, que surgiu com Charles
Sanders Pierce. (Carvalho, 1998:31, nota 3)
Para Saussure, a lingüística seria parte da semiologia. Assim, a compreensão da
lingüística está vinculada à compreensão de signo.
O signo é um tipo de sinal.
Há dois tipos de sinais: naturais e convencionais. (Ver Carvalho, 1998:31-33)
Os naturais manifestam-se em forma de indício e sintoma. O indício relaciona-se
ao meio físico e inclui: fumaça (sinal de fogo), nuvens negras (sinal de chuva), rastros
(sinal de presença animal ou humana), etc; o sintoma relaciona-se a aspectos fisiológicos,
como: pulsação (sinal de agitação emocional), contração (sinal de alerta), dor (sinal de
machucado), febre (sinal de infecção), etc.
Os sinais convencionais manifestam-se em forma de ícone, símbolo ou signo.
O ícone relaciona-se à imagem, foto, estatueta, desenho; A palavra ícone vem do
grego eikón, que quer dizer “imagem”. É um sinal não arbitrário, embora convencional.
Na linguagem, a onomatopéia é considerada icônica. (Borba, 1976:62)
O símbolo é um sinal que liga um elemento ao outro de maneira semi-arbitrária,
como: balança à justiça, espada ao exército, cruz ao cristianismo, etc.
O signo é um sinal que liga um elemento ao outro de forma arbitrária.
Para Saussure, o signo é uma entidade psíquica de duas faces, composto de uma
imagem acústica (ou forma, significante) e de um sentido (ou conceito, conteúdo,
7

significado). (Ver Saussure, 1974:80; Leroy, 1971:77) Em outras palavras, o signo


designa o total resultante da associação de um significante a um significado. (Leroy,
Idem) A imagem acústica não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão
psíquica desse som; o sentido, da mesma forma, não é uma coisa, mas uma representação
também psíquica. Assim, esses termos (imagem acústica e sentido) são ambos psíquicos e
estão unidos em nosso cérebro por um vínculo de associação. (Saussure, idem)
O signo é duplamente arbitrário e imotivado. (Ver Borba, 1976:107). Isto é, a
relação entre significante e significado é indireta (não natural, arbitrária) e a característica
física daquilo que é denominado também não motiva a forma do significante. (Ver
Cabral, 1979:30) Até mesmo as palavras onomatopéicas (ou onomatopaicas;
onomatopéia em grego quer dizer “criação de nomes” – Lyons, 1981:4-5) atribuídas a um
mesmo referente diferem de língua para língua. O latido de um cachorro pode ser tomado
como ilustração.
(1) Onomatopéias
a. Português au-au
b. Espanhol guau-guau
c. Inglês bow-wow ou wuf-wuf
d. Francês gnaf-gnaf ou ouaoua
e. Alemão wauwau
f. Holandês woef-woef

No entanto, essa arbitrariedade do signo dá-se somente em relação ao significado,


mas não em relação ao sistema onde ele se encontra inserido. (Ver Leroy, 1971:77, 115)
Um indivíduo isoladamente não pode atribuir significados a um significante no processo
de comunicação, sob pena de não ser entendido. Somente poderá utilizar signos
compartilhados pela comunidade de falantes à qual se dirige. (Cabral, 1979:31).
Os seguintes exemplos ilustram a arbitrariedade do signo e seu aspecto não
motivado. A mesma informação é dada em sete diferentes línguas, mas só é entendida por
aqueles que partilham do mesmo sistema lingüístico. (Ver Borba, p.17).
(2) Arbitrariedade do Signo
a. Português o menino dorme
b. Espanhol el niño duerme
c. Italiano il bambino dorme
d. Francês l´enfant dort
e. Inglês the child sleeps
f. Alemão das Kind schläft
g. Japonês kodomo ga neru
8

A figura a seguir ilustra o signo. (Saussure, 1974:80-81)

Conceito, Significado

Imag. Acúst., Significante

Figura 1
Assim, a palavra latina que designa o conceito de “árvore” teria a seguinte
representação:

“árvore”

arbor

Figura 2

Ogden e Richards, semiólogos ingleses, criticam a definição de signo elaborada


por Saussure por esta excluir o referente (o objeto, a realidade). Para eles, o signo seria
U U

uma relação triádica, sendo melhor representado por meio de um triângulo, como a seguir
(Ver Odgen e Richards, 1972:32):
Pensamento ou Referência

Símbolo ou Linguagem Referente ou Objeto


Figura 3

Como mostra a linha pontilhada da base do triângulo, a relação entre um referente


U U

(realidade, objeto) e uma palavra (símbolo, linguagem) é apenas indireta, sendo (esta
U U

relação) mediada pela referência (idéia, pensamento), representada no pico (ortocentro)


U U

da mencionada figura geométrica. Dito de outra maneira, uma palavra não é uma
9

representação direta de um objeto, é uma representação da idéia que se tem desse objeto.
Ou seja, quando se diz casa não se está representando um objeto no mundo senão a idéia
U U

que se tem de um objeto que está no mundo.

2.10 Língua e Fala


Uma das dicotomias elaboradas por Ferdinand de Saussure foi entre língua e fala
(langue et parole).
Para ele, a língua é o conjunto de signos que permite a compreensão entre os
membros de uma comunidade lingüística. É um sistema virtualmente presente no cérebro
de um conjunto de indivíduos. Nesse sentido, a sua existência independe de sua utilização
pelo falante. É, portanto, de caráter abstrato.
A fala é o uso que cada membro da comunidade faz da língua. É um ato concreto
e individual.
Ao separar língua de fala, Saussure estava opondo: (1) o que é social do que é
individual; (2) o que é essencial do que é acessório. Para ele, o conjunto de fenômenos
sociais e essenciais independe do indivíduo. (Leroy, 1971:78-80).

2.11 Competência e Desempenho


O formulador dessa dicotomia foi Noam Chomsky.
Para ele, competência é o conhecimento (inconsciente) que os falantes têm de sua
língua (língua aqui seria um conjunto de sentenças).
O desempenho (ou performance) é o uso que alguém faz de sua língua. No
desempenho há interferências de fatores lingüísticos e extra-lingüísticos (como cansaço,
nervosismo, falha de memória, etc). A sentença abaixo mostra esse tipo de interferência
na produção da fala.
(3) Desempenho ou Performance
O ... a ... o ... João disse que, ele disse, você sabe que ele não viajou, pois é, ele
falou que não vai chegar a tempo pra, pro encontro.

O papel principal do lingüista seria explicitar a competência e não o desempenho.


(Perini, 1976:25-30) – contudo, ver Pragmática acima, que envolve os atos de fala.

2.12 Forma Subjacente


Terminologia utilizada na fonologia. É a forma básica a partir da qual outras
formas podem ser derivadas. Ver as várias formas (ibï, ip e im) da palavra para “tomar
banho” na língua Arára do Pará.
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(4) Dados Arára


a. w-i bï-lï ‘Eu tomei banho.’
1-banhar-REC
b. w-ip-tang-de ‘Eu tomei banho.’
1-banhar-UNI-PERF
c. w-im-nangïrï ‘Estou tomando banho.’
1-banhar-CONT

Pode-se propor que a forma subjacente para “tomar banho” é i bï. A partir dela
tem que se explicar as demais variantes.
1. a vogal ï sofre apagamento antes de consoante não lateral: w-i p-t ang-de, w-i m-
U U U U U

n angïrï.
U

2. o b torna-se surdo antes de uma consoante surda: w-i p-t ang-de.


U U U U

3. o b torna-se nasal (conservando o mesmo ponto de articulação) antes de nasal:


U U

w-i m-n angïrï. U U

2.13 Spoonerism (espoonerismo)


Spoonerism é o deslize não intencional de fala. O termo é originado no nome de
William Archibald Spooner, 1844-1930, clérigo anglicano, que tinha um “tique” nervoso
que o conduzia a erros de fala como o seguinte: queer old dean em vez de dear old queen
(querida velha rainha). (Ver Crystal, 1997:264)

3. Algumas Definições de Lingüística


- “A lingüística é a ciência que procura entender a língua do ponto de vista de sua
estrutura interna.” (H. A. Gleason apud Leonor Scliar Cabral, 1979:4)
- “Lingüística é a ciência da língua em geral .” (John B. Carroll, 1973:19)
- “A lingüística pode ser definida como o estudo científico da linguagem.” (John
Lyons, 1971:1; 1976:9)
- “Pode-se inicialmente dizer que a lingüística é a ciência da linguagem.”
(Joaquim Mattoso Camara Jr, 1954:13)
- “A lingüística geral pode ser definida como a ciência da linguagem.” (R. H.
Robins, 1977:1)

A lingüística tem um objetivo duplo de estudo:


1. Estudo da linguagem em geral – ocupa-se da teoria geral da linguagem, i.e.,
não se ocupa de nenhuma língua em particular, mas dos fatos em geral e da
maneira como abordá-los. Busca compreender a Gramática Universal.
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2. Estudo das línguas em particular – ocupa-se da observação e descrição das


línguas naturais, testando métodos e técnicas para descobrir como é a estrutura
lingüística e como funcionam as línguas. Busca o estabelecimento de
Gramáticas Particulares.

4. Divisões da Lingüística
Algumas divisões da lingüística são apresentadas a seguir, como: sincrônica,
diacrônica, comparativa, funcional e explicativa.

4.1 Sincrônica
Estudo da língua em um determinado momento. (Cabral, 1979:12; Borba pp.67-
73; Leroy, 1971:80-82); pode ser o momento atual ou um momento do passado. Por
exemplo, pode-se fazer um estudo sincrônico do português de Portugal como ele é falado
hoje; ou pode-se fazer um estudo sincrônico do português de Portugal como ele era
falado em 1500, quando da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. A etimologia da
palavra sincronia encontra-se na língua grega, onde sin quer dizer “simultâneo” e cronos
U U U U

significa “tempo”. Termos sinônimos são: lingüística estática ou descritiva. Em geral,


sincroniasincrônico é contraposto à diacroniadiacrônico. Essa dicotomia entre sincronia
e diacronia foi reconhecido por W. von Humboldt em 1836, mas foi Ferdinand de
Saussure que elaborou uma delimitação nítida entre essas duas perspectivas de análise,
bem como criou os termos para representá-las. (Cabral, 1979:193)
Exemplo de estudo sincrônico é a nasalização de vogal antes de uma consoante
nasal na língua portuguesa do Brasil. A seguinte regra (fonológica) se aplica: V  [+
nasal]/____ C [+nasal].

(5) Português do Brasil


a. [´kãma] ‘cama’
b. [´kãna] ‘cana’
c. [´leña] ‘lenha’
d. [´liña] ‘linha’
e. [´lõna] ‘lona’
f. [´uña] ‘unha’

4.2 Diacrônica
Estudo da língua através do tempo. Cabral (1979:12; Borba pp.67-73; Leroy,
1971:80-82) É o estudo das mudanças que se processam na história de uma língua.
(Cabral, 1979:12) Por exemplo, pode-se estudar a mudança da língua portuguesa de 1500
até os dias atuais. A etimologia da palavra diacronia encontra-se também na língua grega,
onde dia quer dizer “através” e cronos significa “tempo”. Termos sinônimos são:
U U U U

lingüística evolutiva ou histórica. Em geral, diacronia/diacrônico é contraposto à


sincronia/sincrônico. Um exemplo de abordagem diacrônica é mutação do grupo
consonantal ct do latim para it em português. (Ver Borba, p.287)
U U U U
12

(6) Latim e Português


a. pe ct u U U
p ei to U U

b. le ct u 
U U
l ei to
U U

c. o ct u 
U U
o it o U U

d. la ct e 
U U la it e  l ei te
U U U U

Em romeno o ct do latim foi para pt .


U U U U

(7) Latim e Romeno


a. la kt e 
U U
la pt e U U

b. o ct u 
U U o pt u  o pt (opt)
U U U U

Em espanhol foi para ch (foneticamente: [ts]) U U

(8) Espanhol
a. o ct u 
U U o it o  o ch o
U U U U

b. la ct e 
U U la it e  le it e  le ch e
U U U U U U

Abaixo seguem exemplos de mudança do latim para algumas línguas românicas


atuais. Em um estudo diacrônico, cada uma delas é estudada separadamente.
(9) Latim e outras línguas
a. Italiano fa ct u 
U U
fa tt o
U U

b. Francês fa ct u 
U U fa it u 
U U
fa it (fait)
U U

c. Português fa ct u 
U U fa it o 
U U
fe it o
U U

d. Espanhol fa ct u 
U U fa it o 
U U fe it o 
U U he ch o (echo)
U U

e. Romeno factu  faptu  fapt (fapt)

4.3 Comparativa
Faz estudo comparado de duas ou mais línguas. Esse tipo de pesquisa floresceu
principalmente no século XIX. (Cabral, 1979:13) Na classificação genealógica utiliza-se
esse tipo de lingüística. Seguem comparações de algumas línguas da família românica.
(10) Línguas Românicas
a. Português b. Espanhol c. Italiano d. Francês e. Romeno
ovo huevo uovo oeuf ou
novo nuevo nuovo neuf nou
morre muere muore meurt moare
13

feito hecho fatto fait fapt


leite leche latte lait lapte

4.4 Funcional
O funcionalismo foi desenvolvido inicialmente por alguns seguidores de
Saussure, que eram membros do Círculo Lingüístico de Praga. (Ver Todorov e Ducrot,
1977:35)
Para Saussure e seus seguidores, a língua era um instrumento de comunicação.
(Todorov e Ducrot: Idem) Eles consideravam “o estudo de uma língua como a pesquisa
das funções desempenhadas pelos elementos, classes e mecanismos nela intervenientes.”
(Todorov e Ducrot: Ibidem)
Assim, os sons, abordados na Fonologia, têm a função de possibilitar a distinção
entre unidades lingüísticas (como em p ato e b ato, por exemplo) e os elementos
U U U U

gramaticais (como pessoa, tempo, modo, conjunção, preposição, etc), abordados na


Gramática, uma vez comparados a outros elementos gramaticais da língua, desempenham
um determinado papel na comunicação. (Todorov e Ducrot: Ibidem)
Dentre as chamadas funções da linguagem há: instrumental (satisfação de
necessidade, desiderativa: eu quero...), regulatória (controlar o comportamento de
outrem, através de imperativo: faça como eu digo!); interacional (desenvolvimento de
relações interpessoais, incluindo cumprimento e vocativo: eu e você..., bom dia!, vem
cá!), pessoal (emotiva, expressiva), heurística, imaginativa (poética) e representacional
ou informativa. (Dascal, 1978:132, 136, 139, 142).

4.5 Explicativa
A lingüística explicativa pode ser detectada através do princípio das três
adequações, apresentado por Noam Chomsky em um congresso de lingüística. (Ver
Dascal, 1981:57-58).
1. Adequação Observacional – nesse caso, a gramática preocupa-se apenas com a
explicação dos dados primários, ou seja, preocupa-se em explicar o corpus de
dados coletados.
2. Adequação Descritiva – nesse caso, a gramática preocupa-se com a explicação
correta da intuição lingüística do falante nativo de uma determinada língua.
3. Adequação Explicativa – nesse caso, a teoria preocupa-se em fornecer
parâmetros fundamentais (independentes de uma determinada língua) para a
seleção da gramática descritivamente adequada para cada língua.
Na primeira adequação, apenas os dados estão em foco; na segunda, o corpus é
extrapolado e focalizam-se os dados possíveis e agramaticais, através da projeção de
regras e da intuição de um falante de uma língua específica; na terceira, tanto o corpus
como o falante de um determinado idioma são extrapolados e focalizam-se princípios
universais da capacidade lingüística humana que servem de base para julgar qual a
melhor gramática para uma língua específica. As teorias de Chomsky seriam desse tipo.
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5. Disciplinas Afins
- Psicologia, Psicanálise: Psicolingüística
- Sociologia: Sociolingüística, Sociologia da Linguagem
- Antropologia, Etnologia: Lingüística Antropológica, Etnolingüística
- Filosofia: Filosofia da Linguagem
- Matemática: Lingüística Computacional
- Física: Fonética Acústica
- Fisiologia: Fonética Articulatória

6. Lingüística Aplicada
A lingüística pode ser aplicada às seguintes modalidades:
- à descrição de línguas
- ao ensino e aprendizagem de línguas
- à elaboração de ortografias
- à técnicas de alfabetização
- à tradução
- à estilística

7. Níveis de Análise (Hierarquia Lingüística)


Uma determinada língua pode ser estudada a partir de pelo menos quatro
perspectivas ou níveis diferentes: Gramatical (Morfologia e Sintaxe), Fonológica
(Fonética e Fonologia), Semântica e Pragmática. Ver Figura 4 abaixo.
15

Contexto Contexto Cosmovisão


Lingüístico Situacional

Pragmática
Fo Se
Fonética no mâ Léxico
lo Linguagem nt
Fonologia gi i Proposições
a ca

Gramática

Morfologia Sintaxe
Figura 4
7.1 Fonologia
Engloba a fonética e a fonologia. A fonética é o estudo taxionômico dos sons,
tanto da perspectiva acústica (ondas sonoras), como da articulatória (maneira em que
U U U U

são produzidos pelo aparelho fonador) e da auditiva (efeitos do som nos ouvidos do
U U

ouvinte). Com isso tem-se as fonéticas: acústica, articulatória e auditiva.


A fonologia, por sua vez, estuda os sons como parte de um sistema, seja dentro de
uma língua específica ou dentro de sistema classificatório geral, independente de uma
língua em particular.
Schane afirma que a fonologia estuda a estrutura sonora das línguas. (1973:XV)
Uma outra definição vem de Istre: “(...) é o estudo dos sons, palavras e enunciados dentro
dos sistemas gramaticais das línguas naturais do mundo.” (1980:73)
O termo fonologia foi criado em 1923. (Ver Borba, 1976:44).

7.1.1 Fonologia (incluindo Fonética) - Adendo


Fonética
1. Descreve a produção dos sons.
2. Classifica os sons (fones) quanto às suas características articulatórias ou
acústicas.
3. Especifica nomes técnicos dos sons.
4. Apresenta tabela classificatória dos sons.
16

Prática:
- Dê o nome técnico dos seguintes fones:
[] __________________________________________________________
[] __________________________________________________________

Fonologia
(11) Yoruba (Sanford A. Schane, 1973:51; p. 77 da tradução portuguesa)
a. ba ‘esconder’ a’. mba ‘está escondendo’
b. fo ‘quebrar’ b’. mfo ‘está quebrando’
c. te ‘espalhar’ c’. nte ‘está espalhando’
d. sun ‘dormir’ d’. nsun ‘está dormindo’
e. lo ‘ir’ e’. nlo ‘está indo’
f. ko ‘escrever’ f’ ngko ‘está escrevendo’
g. gun ‘subir’ g’. ngun ‘está subindo’
h. wa ‘vir’ h’. ngwa ‘está vindo’
Prática
Explicar a ocorrência das nasais: [m], [n] e [].
- A nasal assimila o ponto da consoante seguinte.
- Regra: N  [ ponto] ____ [ ponto]

7.2 Gramática
Inclui a morfologia e a sintaxe.
A morfologia (morfe+logia = forma+estudo) é o estudo das formas lingüísticas.
Estuda a estrutura interna da palavra. (Ver Lyons, 1971:133).
A unidade de análise na morfologia é o morfema.
Morfema é a unidade mínima com significado.
A sintaxe é o estudo da maneira como as palavras se combinam para formar
sentenças. (Ver Lyons, 1971:133).

7.2.1 Gramática - Adendo


17

Morfologia
(12) Arára do Pará
a. ipko ‘tome banho!’
b. ipta ‘tome banho lá’
c. iptïk ‘tomem banho!’
d. kutsimne ‘tomemos (dois) banho!’
e. kutsipta ‘vamos (dois) tomar banho lá!’
f. kutsiptïn ‘vamos (vários) tomar banho lá’

Prática
- Identificar os morfemas da língua Arára do Pará.
Observação : -ta = deslocamento; p se rescreve com nasal antes de nasal; o
U U U U

imperativo tem mais de uma forma.

Sintaxe
(13) Arára do Pará – Orações Transitivas
a. karei wolï papa ‘o papai matou o não indígena’
n.índio matou papai
b. ogoi erngmïlï papa ‘o papai matou a cobra’
cobra matou papai
c. mïe etpelï papa ‘o papai pisou na sacola’
sacola pisou papai

(14) Arára do Pará – Orações Intransitivas


a. ï-wïnggïlï ‘eu dormi’
b. in-mongogulï ‘eu o esperei’
c. ï- mongogulï ‘ele me esperou’

Prática
- Determinar a ordem das palavras em (13) acima.
- Verificar os prefixos pessoais dos verbos em (14) acima.
U Obervação : A ordem das Palavras é OVS.
U

(15) Quadro de Ocorrência do Prefixo Pessoal Arára


Sujeito Objeto
18

Intransitiva -
Transitiva in- -

U Obervação: A língua Arára é ErgativaAbsolutiva (AtivaInativa).


U

7.3 Semântica
O termo semântica foi proposto por Michel Bréal em 1883. (Leroy, 1971:58) Sua
definição é: o estudo da significação. (Lyons, 1971:400, 1987:133) Há dois modos de
focalizar os fenômenos semânticos: (1) significado das unidades lexicais (semântica
lexical) e (2) significado das combinações das unidades lexicais nos enunciados
(semântica frasal). (Ver Borba, pp. 227-228). Sabe-se que o sentido de um enunciado não
é a mera soma das palavras que o compõe, como se pode ver pela expressão idiomática a
seguir: Vou quebrar-o-galho dele (com o sentido de que vou ajudar alguém).
Reduzindo-se aqui a apresentação da semântica ao estudo do léxico, pode-se,
entre outros, falar dos seguintes tipos de significação ou sentido (ver Cabral, 162-165):
Denotativo
Sentido primário de uma palavra, evocado quando produzido isoladamente.
Exemplo: homem, leão, assento, etc. É chamado também de conceitual ou cognitivo.
Conotativo
Sentido figurado em decorrência de semelhança com aquilo a que se refere,
ultrapassando o sentido conceitual puro. Exemplo: ele é homem (corajoso); ele é um leão
(forte); etc.
Há outros processos semânticos no interior de uma dada língua, tais como (ver
Weisemann e Mattos, 1980:80-81; Borba, pp.231-242; Cabral, 1979:160-173):
Sinonímia
A sinonímia ocorre quando duas ou mais palavras compartilham traços de
significação. (A palavra menino possui os seguintes traços de significação: [+ humano, +
masculino, - adulto]) No entanto, embora algumas palavras sejam semelhantes em
sentido, nenhuma língua possui sinônimos absolutos. Exemplo: roubar e furtar. Esses
termos partilham o traço: [tomar para si]. Contudo, o primeiro envolve ato brusco e até
violento; o segundo envolve astúcia. Outro exemplo é pedir e implorar. O primeiro tem
os traços: [+ordem, + polidez]; o segundo: [+ ordem, + polidez, + insistência].
Antonímia
A antonímia ocorre quando duas palavras estão em oposição quanto ao seu
sentido. Exemplo: homem e mulher. O primeiro termo inclui o traço [+macho] e o
segundo [–macho]. Antonímia também é referida como “incompatibilidade” de sentido.
Homonímia
Ocorre quando palavras com sentidos diferentes são semelhantes na forma. A
palavra são tem os significados: (1) santo, (2) saudável e (3) verbo ser na terceira pessoa
U U

do plural.
19

Polissemia
Ocorre quando um mesmo item possui mais de um sentido. O termo tomar , porU U

exemplo, tem os seguintes significados: (1) segurar - tomar a criança pela mão; (2) tirar,
arrancar - tomar o doce da criança; (3) beber - tomar o vinho; (4) ocupar - a casa tomou
um quarteirão.
Ambigüidade
Indefinição de sentido. Pode ser resultado de homonímia: manga (fruta e peça de
vestuário).

7.3.1 Correspondência de Sentido


Não há entre as línguas uma correspondência uniforme e sistemática de sentido. A
palavra ibobora, em Arára do Pará, tem, em português, os sentidos de “gostar, amar, ter
U U

dó (pena), ter saudade”. E comer , em português, é traduzido pelas seguintes palavras em


U U

Arara: togul (farinha e tubérculos), agul (aves e quadrúpedes), eabl (mariscos),


emil (frutas) e imdabiriel (termo geral).

7.4 Pragmática
A pragmática estuda o uso da língua em contexto. Dito de outra maneira, estuda a
relação entre os signos e seus usos. (Fromkin e Rodman, 1988:227) A expressão “há
muito rolo por lá”, só pode ser entendida dentro de um contexto específico, podendo,
pelo menos, significar: (1) material enrolado ou (2) confusão, litígio, briga.
Alguns aspectos abordados pela pragmática são:
Verbos Performativos
Diz-se que um enunciado é performativo quando se realiza ao mesmo tempo que
a ação por ele representada. Um verbo performativo compõe um enunciado executivo,
onde a palavra e ato coincidem. (Borba, 1976:93) Exemplo: peço desculpas, eu desisto.
Em geral, os verbos performativos podem ser iniciados por: peloa presente... (como em:
pelo presente ato eu declaro aberta a seção).
Atos de Fala
Parte da pragmática que estuda como fazemos coisas com as sentenças. Pode-se
fazer promessas, advertências, ameaças, nomeações, saudações, etc. Essas ações são
feitas através dos verbos performativos. Essa capacidade de agir através das palavras é
referida como “força ilocucionária” do ato de fala.
Pressuposições (Implicações)
Envolvem informações implícitas. A expressão “meu irmão é rico” implica que o
falante tem um irmão, mas essa informação não está explícita.
Dêixis
Função indicativa de certas unidades lingüísticas, que ficam ligados às
circunstâncias do ato de fala. (Borba, 1976:27) Exemplos: pronomes (eu, tu, elea, nós,
vós, elesas), nomes próprios, pronomes demonstrativos (este, esse, aquele, aquilo),
advérbio de tempo (agora, ontem, hoje, amanhã, semana passada, mês que vem),
advérbio de lugar (aqui, aí, ali, lá, por aí). Em: “vou ficar aqui”, precisa-se saber o locus
ocupado pelo falante para saber-se a que aqui se refere.
U U
20

8. Diversidade Lingüística
A diversidade lingüística pode ser sistematizada através de três perspectivas
diferentes: genética, tipológica e areal.

8.1 Classificação Genética ou Genealógica


As línguas podem ser classificadas quanto ao parentesco que apresentam entre si.
O relacionamento entre elas é determinado historicamente e por correspondências
fonológicas e morfológicas.
Elas, de acordo com seu parentesco, podem ser classificadas nos seguintes
agrupamentos: filum: conjunto de troncos; tronco: conjunto de famílias; família: conjunto
de línguas; língua: conjunto de dialetos; dialeto: conjunto de idioletos; idioleto: hábitos
de fala de uma pessoa.
A seguir um gráfico demonstrativo dessa classificação é apresentado.
21

(16) Gráfico de Classificação Genética

Filum

Tronco Tronco

família família família família

língua língua língua língua língua língua língua língua

dialeto dialeto dialeto dialeto

idioleto idioleto idioleto idioleto

Segue um quadro demonstrativo da aplicação dessa classificação.


22

(17) Quadro Demonstrativo de Classificação Genética


Tronco Sino-Tibetano Indo-Europeu Camito-Semítico

Família Itálica Germânica

Língua Português Francês Espanhol Alemão Inglês


um un uno eins one
dois deux dos zwei two
três trois tres drei three

Em Borba (p.285 e p.286) há uma lista comparativa dos números de 1 a 10 e das


palavras para ovo, novo, morre, feito e leite em: português, espanhol, francês, italiano e
romeno.
Alan Bell sugere 478 o número de grupos nos troncos lingüísticos do mundo
(Comrie, 1981:11):
(18) Quadro de Troncos Lingüísticos no Mundo
Dravidiano 1 Na-Dene 4
Eurasiático 13 Áustrico 55
Indo-Europeu 12 Indo-Pacífico 100
Nilo-Sahara 18 Australiano 27
Níger-Kordofaniano 44 Sino-Tibetano 20
Afroasiático 23 Ibero-Caucasiano 4
Khoisa 5 Ket 1
Ameríndio 150 Burushaski 1
Total 478

8.2 Classificação Tipológica


A palavra tipologia tem sua origem em “tipo + logia”, ou seja, estudo do tipo. A
classificação tipológica está baseada nos seguintes parâmetros: (1) centralidade da
sintaxe; (2) ordem básica dos constituintes nas sentenças; (3) ordem de importância em
ordem decrescente: verbo; depois a relação do objeto com o verbo; ainda a relação do
sujeito com o verbo e também com o objeto direto. Há exemplos abaixo.
23

(19) Ordem de Palavras


S V O
a. SVO: João viu o cachorro. (português)

V S O
b. VSO: Chonaic Seán an madadh.
viu o cachorro
‘João viu o cachorro.’ (irlandês)

S O V
c. SOV: Jõn ballav däkka.
cachorro viu
‘João viu o cachorro.’ (sinhalesa, Sri Lanka)

O V S
d. OVS: wokori eneïrï João.
cachorro viu
‘João viu o cachorro.’ (Arára do Pará, Brasil)

8.3 Classificação Areal ou Geográfica


A classificação areal é baseada em critério extra-lingüístico, levando em
consideração o fator espaço. Por exemplo, é possível rotular-se de “brasileiras” línguas
totalmente diferentes em termos genealógicos e tipológicos, pelo simples fato de
encontrarem –se situadas em território brasileiro.
Exemplos desse tipo de classificação: línguas americanas, línguas australianas,
línguas africanas, línguas amazônicas.

Línguas em contato
As vezes as línguas estão em contato tão íntimo umas com as outras que algumas
similaridades surgem entre elas. Um grupo de línguas com aspectos similares resultantes
de contato geográfico (e não por ter uma língua ancestral comum) recebe o nome alemão
de sprachbund, que quer dizer “língua-união” ou “união de línguas”. (Comrie, 1981:197)
Como exemplo de sprachbund, há as línguas balcânicas: grega moderna, búlgara,
macedônica, albaniana e romena. Embora todas essas línguas sejam membros do tronco
lingüístico indo-europeu, pertencem a diferentes famílias. O búlgaro e o macedônio são
línguas da família eslava; o grego forma uma família independente; o romeno é parte da
família românica ou itálica; o albanês também forma uma família independente. (Comrie,
1981:198) Registros antigos e registros atuais de outras línguas pertencentes a mesma
família de alguns desses idiomas demonstram que essas línguas guardavam diferenças
estruturais entre si. Atualmente, no entanto, por causa do contato geográfico, alguns
traços lingüísticos se tornaram comuns entre elas. Um exemplo é a perda do infinitivo,
que foi substituído por uma oração subordinada introduzida por uma conjunção (na, da,
të, s, respectivamente, nos dados abaixo). A expressão “para eu beber”, na oração “dá-
24

me para eu beber” ficou: “que eu bebo”. O sentido da oração modificada é: “dá-me que
bebo”:
(20) Línguas Balcânicas
Grego: dós mu na pjó
Búlgaro: daj mi da pja
Albanês (Tosk): a- më të pi
Romeno: d- mi s beau
Tradução dá me que bebo

9. Classificação Genealógica das Línguas Indígenas Brasileiras

9.1 Tronco Tupi


Família Arikém: Karitiana
Família Jurúna: Jurúna (Yurúna)
Família Mondé: Aruá, Cinta-Larga, Gavião (Ikõrõ, Digüt), Mekém, Mondé
(Sanamaikã, Salamãi), Suruí (Paitér), Zoró
Família Mundurukú: Kuruáya, Mundurukú
Família Ramaráma: Arára (Urukú, Karó), Itogapúk (Ntogapíd)
Família Tupari: Makuráp, Tupari, Wayoró (Ajurú)
Família Tupi-Guarani: Akwáka (inclui: Asurini do Tocantins, Suruí do Tocantins
(Madjetire, Parakanã), Amanayé, Anambé, Apiaká, Araweté, Asurini do
Xingu, Avá (Canoeiro), Guajá, Guarani (inclui: Kaiwá, Mbiá, Nhandéva),
Kamayurá, Kayabí, Kokáma, Língua Geral Amazônica (Nheengatú, Tupi
Moderno), Omágua (Kambéba), Parintintín (inclui: Diahói, Júma, Parintintín,
Tenharin), Tapirapé, Tenetehára (inclui: Guajajára, Tembé), Uruewauwáu,
Urubú (Urubú-Kaapór), Wayampí, Xetá
* Não classificadas: Awetí, Mawé (Sateré), Puruborá

9.2 Tronco Macro-Jê


Família Boróro: Boróro Oriental (Orarí), Umutina (Barbados)
Família Botocudo: Krenák, Nakrehé
Família Jê: Akwén (inclui: Xakriabá, Xavánte, Xerente), Apinayé, Kaingáng,
Kayapó (inclui: Gorotire, Kararaô, Kokraimôro, Kubenkrangnotí,
Kubenkrânkêng, Mekrangnotí, Tapayúma (), Txukahamãe, Xikrín), Kren-
akarôre, Suyá, Timbira (inclui: Canela Apâniekra, Canela Ramkókamekra,
Gavião do Pará, Gavião do Maranhão, Krahô, Kryé, Krikatí), Xokléng
Família Karajá: Javaé, Karajá, Xambioá
Família Maxakalí: Maxakalí, Pataxó, Pataxó Hãhãhãe
25

* Não classificadas: Guató, Ofayé, Rikbaktsá, Yatê

9.3 Famílias Não Classificadas em Troncos


Família Aruak: Apurinã, Baníwa do Içana, Baré, Kámpa, Mandawáka,
Mehináku, Palikúr, Paresí, Píro (Manitenéri, Maxinéri), Salumã, Tariána
(Yuruparí-tapúya), Teréna, Wapixána, Warekéna, Waurá, Yabaána, Yawalapití
Família Arawá: Banawá-Jafí, Dení, Jarawára, Kanamantí, Kulína, Paumarí,
Yamamadí (Jamamadí)
Família Guaikurú: Kadiwéu
Família Karib (Norte do Amazonas): Apalaí, Atroarí, Galibi do Oiapoque,
Hixkaryána, Ingarikó, Kaxuyána, Makuxí, Mayongóng, Taulipáng, Tirió,
Waimiri, Waiwái, Warikyána, Wayána
Família Karib (Sul do Amazonas): Arára do Pará, Bakairí, Kalapálo, Kuikúru,
Matipú, Nahukwá, Txikão (Ikpeng)
Família Katukína: Kanamarí, Txunhuã-djapá, Katukina do BiáJutaí, Katawixi ()
Família Makú: Bará, (Makú-Bará), Guaríba, Húpda, Kamã (Dâw), Nadëb, Yuhúp
Família Múra: Múra, Pirahã
Família Nambikwára: Nambikwára do Norte (inclui: Tawandê, Lakondê,
Latundê, Mamaindé, Nagarotú), Nambikwára do Sul (inclui: Mundúka, Galera,
Kabixí, Nambikwára do Campo), Sabanê
Família Pano: Amawáka, Karipúna, Katukina do Acre, Kaxararí, Nukuíni,
Poyanáwa, Yamináwa, Yawanáwa
Família Tukáno: Barasána, Desána, Jurití, Karapanã, Kubéwa, Pirá-Tapúya,
Suriána, Tukáno, Tuyúka, Wanána, Yebá-masã
Família Txapakúra: Pakaanóva, Torá, Urupá
Família Yanomami: Ninám, Sanumá, Yanomám, Yanomámi

9.4 Línguas Isoladas (Não Classificadas em Família)


Aikaná, Arikapú, Irántxe, Jabuti, Kanoé, Koaiá, Máku, Trumái, Tukúna (Tikúna)

*Os dados sobre as línguas indígenas do Brasil foram extraídos de Aryon Dall
´Igna Rodrigues, Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas
indígenas. São Paulo, Edições Loyola, 1986.

10. Relações Sintagmáticas e Paradigmáticas

10.1 Sintagmáticas
Relação linear (seqüencial) entre elementos de classes ou ordens diferentes. (Ver
Cabral, 1979:95-102; Lyons, 1971:73-79).
26

- Constituintes (sujeito, verbo, objeto) das orações: João comeu banana. “João” é
sujeito e “banana” é objeto dessa oração porque mantêm uma relação
(gramatical) linear com o verbo “comer”.
- Palavras em uma locução: menina muito gorda. “Muito” é advérbio de
intensidade em relação ao adjetivo “gorda” e “gorda”, por sua vez, é adjetivo
em relação ao substantivo “menina” porque mantêm uma relação (gramatical)
linear com ele.
- Morfemas (raiz e afixos) em uma palavra: in-feliz-mente. Os morfemas (in-,
prefixo de negação, feliz, raiz, e –mente, sufixo adverbializador) entram em
arranjo linear para formar uma palavra.

10.2 Paradigmáticas
Relação de substituição entre elementos de uma mesma classe. (Ver Cabral,
1979:95-102; Lyons, 1971:73-79).
(21) Relação Paradigmática em Posição de Sujeito
A menina viu a ave.
O menino
João
O cachorro
Todo mundo

(22) Relação Paradigmática em Posição de Objeto


A menina viu a ave.
o menino.
João.
o
cachorro.
todo
mundo.
27

(23) Relação Paradigmática em Posição de Verbo


A menina viu a ave.
ameaçou
espantou
acolheu
alimentou

Percebe-se que é através da relação paradigmática que as chamadas partes do


discurso são classificadas em: verbo, substantivo, adjetivo, advérbio, preposição,
conjunção, etc.
Nota: não confundir relação paradigmática com pragmática. A relação
paradigmática refere-se a substituição de elementos de mesma ordem; a pragmática é a
parte da lingüística que estuda o uso que o falante faz da língua.
Costuma-se dizer que a relação sintagmática situa-se no eixo horizontal e a
paradigmática no eixo vertical (de uma matriz). Ver ilustração abaixo.
28

P
a
r
a
d
i
g
m
a

S i n t a g m a
Figura 5

11. Valência ou Transitividade


Valência é a capacidade que o verbo tem de reger os participantes do processo em
termos de relação gramatical. A regência pode ter o valor zero, um, dois ou três. (Borba,
1976:122) Os verbos podem ser (ver Borba, 1976:122-123):
Avalentes – há ausência de valência; portanto, a valência é “zero”. São os verbos
impessoais: il pleut (choveu, francês), es regnet (choveu, alemão), it rains
(chove, inglês).
Monovalentes – só tem um participante, o sujeito; portanto, a valência é “um”.
São os verbos intransitivos: the cat died (inglês), mau iumbl (Arára do
Pará), o gato morreu.
Divalentes – têm dois participantes, o sujeito e o objeto (direto); portanto, a
valência é “dois”. São os verbos transitivos (diretos): John killed a dog
(inglês), wki wl João (Arára do Pará, ordem de palavras: OVS), João
matou um cachorro.
Trivalentes – têm três participantes, o sujeito e os objetos (chamados de direto e
indireto); portanto, a valência é “três”. São os verbos bitransitivos: Mary gave
a cake to John (inglês), abat tudul Maria João wna (Arára do Pará, ordem das
palavras: OVSOI), Maria deu bolo a João.

O conceito de valência é bastante utilizado na análise de construções causativas.


(ver Comrie, 1981:167-176) Como o nome já indica, uma construção causativa é
caracterizada pela ação de um “causador” que leva um ser ou objeto a sofrer essa ação.
(24) Causativo em Português
a. O menino dormiu.
b. A mulher fez o menino dormir.
29

Uma construção causativa sempre tem uma valência a mais do que a construção
não causativa que a ela corresponde. A oração “O menino dormiu” é monovalente; a
oração “A mulher fez o menino dormir” é divalente. Exemplo da língua turca. (Ver
Comrie, 1981:168-169).
(25) Causativo em Turco
a. Hasan öl-dü ‘Hasan morreu.’
morrer-PAS
b. Ali Hasan- öl-dür-dü ‘Ali matou Hasan
-ACUS morrer-CAUS-PAS (Ali causou Hasan morrer).’

A mudança de valência também é percebida em construções reflexivas, onde


essas têm uma valência a menos quando comparadas às construções não reflexivas que a
elas correspondem.
A oração “O menino furou a lata” é divalente; a oração reflexiva “O menino
furou-se” é monovalente. Exemplo da língua Arára do Pará.
(26) Reflexivo em Arára do Pará
a. karei atpol papa ´O papai furou o não indígena.`
não.índio furou papai
b. papa od-atpol ´O papai se furou.`
papai REF-furou
c. * karei od-atpol pap * ’O papai se furou o não indígena.`

12. Tipos de Línguas


Segundo a sua constituição morfológica, as línguas podem ser classificadas de
acordo com dois parâmetros: o índice de síntese e o índice de fusão. (Comrie, 1981:42-
43).
12.1 Índice de Síntese
Esse índice refere-se à possibilidade de sintetizar-se, ou encaixar-se, várias
informações em uma palavra. Uma vez que a palavra é potencialmente formada de
morfemas, essas diferentes informações na palavra são transmitidas através desses
morfemas. Assim, o índice de síntese leva em consideração o número de morfemas em
uma palavra.
Segundo esse critério, as línguas podem ser classificadas em isolantes (baixo
índice de síntese) e polissintéticas (alto índice de síntese). Em línguas isolantes, cada
palavra consiste de apenas um morfema; em línguas polissintéticas, cada sentença
consiste de apenas uma palavra, que por seu lado pode englobar uma série de morfemas
(que vão carregar os sentidos expressos por essa palavra).
Tradicionalmente, a oposição isolante-polissintético é rotulada de analítico-
sintético. O termo analítico (como sinônimo de isolante) é empregado para indicar que as
informações são transmitidas (analisadas) através de palavras independentes.
30

Costuma-se dizer que uma língua isolante não possui morfologia, por causa da
correspondência entre morfema e palavra. Um exemplo de língua isolante é o vietnamita
(ver Comrie, 1981:39-40, 43).
(27) Língua Vietnamita
khi tôi n nhà bn tôi, chúng tôi bt d u làm bài
quando eu vir casa amigo eu PL eu começar fazer lição
‘Quando eu vim para a casa do meu amigo, nós começamos a fazer lição.’

Algumas observações:
1. Às vezes, as línguas isolantes são chamadas também de monossilábicas, uma
vez que as palavras, em geral, são compostas de uma única sílaba.
2. tôi é tanto “eu” como “meu”.
U U

3. chung tôi (Plural + eu) significa “nós”.


U U

4. bt d u (agarrar + cabeça) quer dizer “começar”; aqui pode-se considerar que
U U

há duas palavras compondo um único sentido. Pode ser o início da transição de


uma língua isolante para uma polissintética.

Um exemplo de língua polissintética (Ver Comrie, 1981:42) é o esquimó (Yupik


Siberiano).
(28) Língua Esquimó
angya-ghlla-ng-yug-tuq
canoa-Aumentativo-adquirir-Desiderativo-3Singular
‘Ele quer adquirir uma canoa grande.’

Há um tipo especial de língua polissintética chamada incorporativa. Incorporação


é um fenômeno lingüístico que consiste na combinação de morfemas lexicais dentro de
uma palavra. Um exemplo de língua incorporativa é o chukchi (ver Comrie, 1981:42)
(29) Língua Chukchi
t-mey-levt-pt-rkn
1S-grande-cabeça-dor-IMPERF
‘Eu estou com muita dor-de-cabeça.’

A língua Arara do Pará, embora não possa ser chamada de incorporativa, possui
incorporação (em geral, apenas as partes do corpo humano podem ser incorporadas).
(30) Língua Arára do Pará
a. i-emia- ´minha mão`
1-mão-GEN
b. k-od-emia-guuge-l ‘lavei minha mão’
31

1S-REF-mão-lavar-REC

12.2 Índice de Fusão


Esse índice refere-se à possibilidade de várias informações fundirem-se em um
único ou em um número reduzido de morfemas de uma palavra. Se a fusão não ocorrer,
cada informação será transmitida por um único morfema; se a fusão ocorrer, um morfema
transmitirá mais de uma informação. Ao transmitir mais de uma informação, deixa de
existir a correspondência entre uma informação veiculada e um e somente um morfema.
Segundo esse critério, as línguas podem ser classificadas em aglutinantes (baixo
índice de fusão) e fusionantes (alto índice de fusão).
Em uma língua aglutinante, uma palavra pode compor-se de mais de um
morfema, sendo que a fronteira entre os morfemas é de fácil identificação; em uma língua
fusionante, uma palavra pode compor-se de mais de um morfema, sendo que a fronteira
entre os morfemas é de difícil identificação ou mesmo sem possibilidade de
identificação. Assim, o índice de fusão tem a ver com a segmentação dos morfemas
dentro de uma palavra.
O índice de fusão é irrelevante quando se leva em conta uma língua isolante.
Nesse tipo de língua, como foi visto anteriormente, a palavra funciona como um
morfema. De alguma forma, esse fato previne que mais de uma informação seja
transmitida por um único morfema (no caso, palavra).
A palavra “aglutinante” tem como origem o latim gluten, que quer dizer “grudar,
colar”. Um exemplo de língua aglutinante é o turco. (Ver Comrie, 1981:40-41).
(31) Língua Turca
Singular Plural
Nominativo (sujeito) adam adam-lar o homem
Acusativo (obj. dir.) adam- adam-lar- o homem
Genitivo (posse) adam-n adam-lar-n do homem
Dativo (obj. ind.) adam-a adam-lar-a ao homem
Locativo (lugar) adam-da adam-lar-da no homem
Ablativo (procedência) adam-dan adam-lar-dan do homem

Algumas observações:
1. I = vogal anterior alta aberta não-arredondada.
2. Em turco há duas marcações de número: singular (zero) e plural (sufixo –lar).
3. Há seis marcadores de casos: nominativo (zero), acusativo (-I), genitivo (-In),
dativo (-a), locativo (-da) e ablativo (-dan).
4. O marcador de número precede os marcadores de caso.
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O tipo fusional de língua é, às vezes, rotulado de “flexional”. Contudo, essa


terminologia não é adequada, uma vez que tanto as línguas fusionais como as
aglutinantes são flexionais.
Quando um morfema possui mais de um significado, como é muitas vezes o caso
de línguas fusionais, ele é chamado de portmanteau (palavra francesa que tem o sentido
de uma grande mala onde se põe muitos objetos).
Um exemplo de língua fusional é o russo, como pode ser atestado na declinação
(tipo Ia e II) das palavras stol “mesa” e lipa “limeira, pé de lima”, respectivamente. (Ver
Comrie, 1981:41).
(32) Língua Russa
Ia II
Singular Plural Singular Plural
Nominativo stol stol-y lip-a lip-y
Acusativo stol stol-y lip-u lip-y
Genitivo stol-a stol-ov lip-y lip
Dativo stol-u stol-am lip-e lip-am
Instrumental stol-om stol-ami lip-oj lip-ami
Preposicional stol-e stol-ax lip-e lip-ax

Algumas observações:
1. Em russo há duas marcações de número: singular e plural.
2. Há seis marcadores de casos: nominativo, acustivo, genitivo, dativo,
instrumental (utilização de um instrumento) e preposicional.
3. Nas formas plurais é praticamente impossível identificar a parte da palavra
(sufixo) que indica número e a que indica caso.
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