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15/06/2022 13:56 Carlos Ari Sundfeld: Caminhos jurídicos para reformar a gestão pública | Fumus boni iuris - O Globo

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Carlos Ari Sundfeld: Caminhos jurídicos para reformar a


gestão pública
10/06/2022 • 06:00

A Esplanada dos Ministérios, em Brasília | Pablo Jacob

Nos anos 1990, a reforma jurídica da gestão pública foi muito debatida,
conseguiu avançar em vários pontos mas acabou ficando para trás com o tempo
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conseguiu avançar em vários pontos, mas acabou ficando para trás com o tempo.
O governo federal do momento preferiu atacar instituições e, naturalmente, não
teve interesse em desenvolvimento jurídico.

Se o Brasil der sorte, caberá ao novo governo cuidar do tema. Mas é preciso
debater desde já possíveis prioridades de reforma administrativa, alternativas
normativas e erros jurídicos a evitar.

Um dos focos deve ser a construção legislativa da figura das fundações estatais
de direito comum. Elas podem atuar em serviços e atividades como saúde,
educação superior, cultura, pesquisa e inovação. A vantagem delas, em
comparação com os velhos modelos de autarquias e órgãos públicos, é a maior
flexibilidade jurídica, indispensável nessas áreas.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal reconheceu as fundações estatais como


constitucionais (ação direta de inconstitucionalidade 4247). Mas o governo nada
fez para construir um regramento geral que tornasse seu uso juridicamente claro
e seguro para todos os entes da Federação. Com isso, a administração brasileira,
quando precisa de rapidez e inovação, continua recorrendo a gambiarras
jurídicas, que logo começam a ser atacadas, gerando paralisia e riscos para os
gestores.

Outra prioridade administrativa é modernizar os recursos humanos públicos,


com foco na melhoria de sua gestão. A prática atual não permite o recrutamento
adequado de pessoas: os concursos públicos, demorados e burocráticos, focados
na memorização de conteúdo e incapazes de valorizar habilidades e
competências, acabam por privilegiar concurseiros, mesmo quando inadequados
para os cargos, e afastam pessoas sem recursos para se dedicar integralmente
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aos estudos, agravando a desigualdade.

O quadro de pessoal é muito fragmentado e atende aos interesses corporativos,


com privilégios injustificáveis para carreiras da elite, em especial as jurídicas,
bem mais do que às necessidades da administração contemporânea. No geral,
servidores não são avaliados no exercício da função e seu desempenho não é
incentivado nem valorizado.

Como começar a desfazer os gargalos jurídicos que atrapalham a gestão de


recursos humanos e impedem sua reforma? Um bom caminho é apoiar projetos
de lei que já tramitam no Congresso Nacional em temas como limitação do
pagamento de indenizações (o “PL dos Super Salários”), modernização geral dos
concursos públicos (PL 252/2003) e outros.

Um erro que não se deve cometer é propor emendas para incluir na Constituição
ainda mais regras de detalhe sobre servidores públicos, como fez o governo atual
com a PEC 32; era inevitável que, durante a tramitação, ela acabasse virando um
trem da alegria corporativa, frustrando qualquer possibilidade de avanço real.

Integrar as carreiras públicas é um caminho a seguir. Mas não é fácil construir as


leis necessárias e criar um ambiente favorável à sua aprovação. Enquanto se
investe nisso, é possível, por meio de soluções administrativas, ir fazendo
integrações no nível da formação e do treinamento de agentes públicos. É
negativo que diplomatas, oficiais das Forças Armadas, advogados públicos,
controladores de contas, membros do Ministério Público e juízes não
compartilhem, entre si e com o funcionalismo em geral, boa parte de seus
programas de formação; afinal, todos são agentes do mesmo Estado. Mesmo
sem reforma legal imediata, os vários ministérios e Poderes, por meio de suas
escolas de governo, podem colaborar politicamente para integrar programas de
formação e treinamento, bem como professores, com efeitos institucionais
importantes.

Em seguida, será preciso, por meio de leis, juntar carreiras do Poder Executivo
que não deveriam estar separadas. O governo francês tem feito isso:
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recentemente, abriu a função diplomática aos diversos tipos de profissionais


públicos qualificados, extinguindo a discriminação por carreira. Também por
aqui um pressuposto da modernização pública é integrar ao máximo o quadro de
servidores. Mas como preparar essa reforma legislativa e criar incentivos para
sua efetiva tramitação?

Entre suas primeiras medidas, o novo governo brasileiro poderia apostar em


uma lei que instituísse a moratória geral das nomeações e das promoções das
várias carreiras por certo prazo, o qual poderia ser abreviado com a conclusão da
votação, positiva ou negativa, de todas as propostas governamentais de
integração de carreiras — as quais o Congresso aceitará ou não segundo seu
critério e o empenho político do governo.

Nesse meio tempo, uma lei especial poderia criar um órgão central de recursos
humanos, com autonomia técnica, blindado dos interesses partidários e
corporativos, para, de forma experimental, colocar em prática um programa
justo, sério e crível de avaliação de desempenhos no Poder Executivo. Superada
a fase de testes e feitos os ajustes necessários, o aprendizado serviria de base à
implementação das leis que, para as várias carreiras, eliminassem de vez as
progressões automáticas por tempo de serviço e autorizassem a exoneração de
servidores com desempenho insuficiente reiterado, medidas já viáveis
constitucionalmente.

Quanto aos erros a não repetir, insisto naquele que referi pontualmente: temos
de interromper radicalmente o processo de inflação constitucional.

Na versão de 1988, a Constituição já veio enorme e criou problemas sérios de


gestão (em matéria de recursos humanos e previdência dos servidores, por
exemplo). Com o tempo, o problema se agravou em relação aos vários temas de
políticas públicas e organização estatal, como comprovado por pesquisa de
Rogério Arantes e Cláudio Couto (“1988-2018: Trinta Anos de
Constitucionalização Permanente”, no livro “A Carta”, organizado por Naércio
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Menezes Filho e André Portela Souza).

Até hoje, foram 122 emendas para incluir regras casuísticas de todo tipo na
Constituição, engessando e distorcendo a gestão pública. Em 2022, chegamos à
hiperinflação constitucional: em menos de 5 meses já foram 8 emendas. Em
excelente análise, Daniel Couri e Paulo Bijos mostraram o efeito negativo desse

processo em um campo vital para a gestão: o das finanças públicas (“Subsídios


para uma reforma orçamentária no Brasil”, no livro “Reconstrução: o Brasil nos
anos 20”, organizado por Felipe Salto, João Villaverde e Laura Karpuska). Há
problema semelhante em muitos outros campos. Por isso, combater a inflação
constitucional é condição indispensável para qualquer progresso jurídico na
gestão pública brasileira.

Programa de governo não se faz só com políticos, militantes e economistas. Os


especialistas em direito público precisam arregaçar as mangas e colaborar com
diagnósticos sobre disfunções jurídicas, com avaliações de riscos, com
levantamento de alternativas e com a criação de incentivos.

*Carlos Ari Sundfeld é professor titular da FGV Direito SP

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