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COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

TOMO VI
(Arts. 476-495)
TITULO IX
DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS
CAPÍTULO 1

DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

1) Necessidade social de serem de conteúdo jurídico uniforme às sentenças


e outras decisões 2) Juízo singular e tribunal

3) Conceito de prejulgado

4) Dados históricos

5) Prejulgado e “per saltum”

6) Provocação do exame em prejulgamento

7) Irrecorribilidade da decisão de cabimento

Art. 476 e parágrafo único

1) Turma, câmara, grupo de câmaras

2) Pressupostos de ordem objetiva

3) Requerimento da parte

4) Duas fases no processo do prejulgado

5) Decisão no prejulgado

6) Competência para o julgamento do prejulgado

7) Provocação pela parte

Art. 477
1) Pronunciamento quanto à divergência

2) Sessão de julgamento

Art. 478 e parágrafo único

1) Pronunciamento pelo tribunal

2) Votação e fundamentação dos votos

3) Ministério Público

4) Membro do tribunal e impedimento ou suspeição

Art. 479 e parágrafo único

1) Maioria absoluta e súmula

2) Acórdão e súmula

3) Regimentos internos

CAPÍTULO II

DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

1)Inconstitucionalidade

2)Decisões pelo tribunal de controle

3)Decisões em prejulgado

4)Regra da maioria absoluta

5)Mantença do direito anterior

6)Juizes singulares e decretação de inconstitucionalidade

7)Exames dos atos administrativos em geral


Arts. 480 e 481

1)Natureza jurídica da decisão sobre inconstitucionalidade

2) Arguição de inconstitucionalidade

3)Regras jurídicas e ofensa à Constituição

4)Legitimação ativa

5) Turma, câmara ou grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas

6)Admissão da arguição de inconstitucionalidade

7) Eficácia da deliberação

8)Subida da questão ao tribunal pleno

9) Eficácia do julgamento da lide

Art. 482

1) Remessa de cópias e sessão de julgamento

2) Maioria absoluta e falta

CAPÍTULO III

DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

1)Sentença estrangeira e homologação

2)Ação de homologação de sentença estrangeira

3)Homologação de sentença estrangeira e rescisão de sentença

Art. 483 e parágrafo único

1)Eficácia de sentenças estrangeiras


2) Qualificação das decisões estrangeiras

3)Dados históricos

4)Audiência das partes

5) Procurador-Geral da República

6) Carta de sentença

7) Processo da homologação

8) Legitimação ativa à ação de homologação

Art. 484

1) Cumprimento da carta de sentença

2) Requisitas da sentença estrangeira

3)Processo de homologação de sentença estrangeira

4)Pedido de homologação e prazo para contestação

5)Prazo para contestação e prazo para a resposta

6) Procurador-Geral da República

7) Carta de sentença homologatória

8)Requisição de homologação, por via diplomática

9) Não-comparência e incapacidade

10)Sentença desfavorável e sentença favorável

11)Processo de cumprimento

12)Interpretação da sentença estrangeira


13)Natureza das sentenças homologadas

14)Sentença de homologação

15)Ação de execução de sentença estrangeira

16)Indeferimento do pedido

CAPÍTULO IV

DA AÇÃO RESCISÓRIA

1)Justiça, erro e ensejo de correção

2)Julgamento de julgamento

3)Pressupostos objetivos da ação rescisória

4)Ação contra a coisa julgada formal

5)Rescindibilidade e ineficácia

6)Ação e recurso; ação rescisória de sentença e ação de revisão criminal


7)Legitimação ativa e legitimação passiva

8)Competência do juízo rescindente

9)“ludicium rescindens”, “iudicium rescissorium”

10)Extraordinariedade do remédio

11)Ação, e não exceção

12)Interesse

13)Considerações prévias sobre a ação rescisória

14)Direito interespacial
15)Direito intertemporal

Art.485

1)Rescindibilidade da sentença

2)Eficácia das sentenças rescindíveis

3)Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz é pressuposto suficiente


para a rescindibilidade 4)Impedimento do juiz prolator da sentença

5) Incompetência absoluta, pressuposto suficiente da rescisão 6)Dolo da


parte vencedora em detrimento da parte vencida

7)Colusão entre as partes, em fraude à lei

8)Trânsito em julgado, formalmente, e ação rescisória

9)Violação de literal regra jurídica, pressuposto suficiente da


rescindibilidade 10)Falsidade da prova, pressuposto suficiente da
rescindibilidade

11)Obtenção de documento novo

12)Confissão, desistência ou transação inválida, em que se baseou a


sentença 13) Erro de fato, resultante de atos ou documentos da causa

14)Existência e inexistência de fato

15)Controvérsia e pronunciamento judicial

16) Rescindibilidade de sentenças e de acórdãos

17) Sentença estrangeira e homologação de sentença estrangeira

18) Sentenças de juizes arbitrais e rescisão

19) Injustiça e má prestação da prova


20) Má apreciação da prova e ação rescisória de sentença

21)Interpretação dos negócios jurídicos

22)Rescisória na desapropriação

Art. 486

1)Invalidade de atos judiciais que não dependem de sentença ou em que


essa seja meramente homologatória 2)Discussão da matéria

3)Solução do problema

4)Alterações materiais na sentença e ação rescisória

5)Ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória Art. 487

1)Legitimação ativa e partes

2)Ministério Público

3) Terceiro juridicamente interessado Art. 488 e parágrafo único

1) Regras jurídicas do art. 282

2)Petição inicial

3)Propositura da ação rescisória

4)Ação rescisória e remédio jurídico processual

5)Valor da ação rescisória

6)Coisa julgada sobre rescisão

7)Transação, desistência e compromisso na ação rescisória

8)Relação jurídica processual oriunda da propositura de ação rescisória de


sentença e entrega da prestação jurisdicional
9)Cumulação de pedidos e conexão

10)Depósito; União, Estado-membro, Município ou Ministério Público

Art. 489

1)Eficácia da propositura da ação rescisória

2)Ação cautelar em rescisória

Art. 490

1)Indeferimento da petição inicial

2)Depósito

Art. 491

1) Problema de técnica legislativa da competência

2)Regras jurídicas sobre competência

Art. 492

1)Extensão da regra jurídica

2)Precaução ou delegação interna de funções judiciais

3) Prazo para a devolução

Art. 493

1)Conclusão da instrução e prazo para as razões finais

2)Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos

3) Estados-membros

Art. 494
1)Julgamento da ação rescisória

2) Recursos

3)Recurso extraordinário e ação rescísona

4)Recursos nos processos de ação rescisória

5)Particularidades devidas à instância em que se proferiu a sentença


rescindida 6)Após a rescisão, juízo rescisório e resto do julgado

7)Rescisão de sentença cível e execução a fazer-se ou feita

8) Revisão da sentença penal a que se dera execução cível segundo o direito


processual penal 9)Problemas que surgem

Art. 495

1)Prazo para a propositura da ação rescisória da sentença

2)Influência da coisa julgada na decisão de outra ação

3)Embargos de terceiro e rescisão

4)Rescindibilidade total e rescindibilidade parcial

5) Término no prazo preclusivo

6)Direito intertemporal

7) Rescisória em quatro anos

1.Uniformização da jurisprudência

II.Decretação de inconstitucionalidade

III.Homologação de sentença estrangeira .

IV.Ação rescisória
TITULO IX

DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS

DA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ~) 2)

1.Necessidade social de serem de conteúdo jurídico uniforme às sentenças e


outras decisões Se alguma Sentença ou outra decisão, que se não haja de
considerar sentença, diverge de outra, em qualquer elemento contenutístico
relativo à incidência ou à aplicação de regra jurídica, uma delas é injusta,
porque se disse a no tocante a uma das demandas e b, talvez mesmo não-a,
a propósito da quaestio juris, ou das quaestiones juris, que em ambas
aparecem. Tem-se de evitar isso, e aí está a razão de algumas medidas
constitucionais ou de direito processual que têm por fito corrigir ou evitar a
contradição na jurisprudência. Um dos exemplos mais relevantes é o de
admitir-se o recurso extraordinário sempre que haja interpretação
divergente de alguma regra jurídica federal, mesmo se é em relação ao
próprio Supremo Tribunal Federal que isso ocorre.

2)Juízo singular e tribunal Se o juiz é singular, e, ao decidir, verifica que, a


respeito do que tem de decidir, há interpretações discrepantes da regra
jurídica, deve ele apontar decisões que contenham a divergência, expondo
os argumentos que se apresentaram e os seus, como elementos básicos para
a atitude no plano da interpretação.

Aliás, nada obsta a que ele tenha a mesma posição se a jurisprudência lhe
pareça errada. Observamos que o art.

479 não impôs aos juizes e aos tribunais respeito abstrato ao que se tem por
assente. Apenas se considera a súmula um “precedente na uniformização da
jurisprudência”.

O Código de 1939, no art. 861, estatuia: “A requerimento de qualquer dos


seus juizes, a câmara, ou turma julgadora, poderá promover o
pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de
qualquer INa Const. 88. art. 105, III, c, essa funç8o passou ao recurso
especial, da competência do Superior Tribunal de Justiça.norma jurídica, se
reconhecer que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de
interpretação entre câmaras ou turmas”. O art. 861 estava no Título V,
referente ao recurso de revista, então existente. Nos Comentários ao Código
de 1939, Tomo XII, 2~ ed., 83 s., repelimos a colocação e até introduzimos
um Título Especial (Do Prejulgado). Lá escrevemos, como advertência:
“Posto que tenha sido o nosso propósito manter a distribuição de matérias
que o Código de Processo Civil adotou, é de toda conveniência que
ponhamos fora do Titulo V, que é sobre o recurso de revista, o art. 861, que
só diz respeito ao prejulgado. De modo nenhum se há de interpretar o art.
861 como se apenas se referisse às câmaras, turmas ou grupos de câmaras
que estejam a julgar recursos de revistas. O art. 861 é, evidentemente,
heterotópico. (Se a possível divergência ocorre em recurso de revista, o
prejulgado ou já é objeto de discussão do recurso, ou somente pode haver
prejulgado se a lei de organização judiciária tem corpo julgador acima do
corpo da revista, para que a ele se possa atribuir o julgamento do
prejulgado.)

O Código de 1973, arts. 476-479, dedica um Capitulo à “uniformização da


jurisprudência”.

3. Conceito de prejulgado Mediante o prejulgado, o exame de uma questão,


que devera ficar a cargo de um tribunal (câmara ou turma), édevolvido a
tribunal superior, para que previamente decida. Se o ponto em discussão foi
resolvido em primeira instância e o corpo, onde se suscitou o prejulgado,
havia de conhecer dele em grau de recurso, o prejulgado, apreciação de
matéria do recurso, posto que limitado àquele ponto, recurso é. Parte de
recurso, embora. Em verdade, parte do que se devolvera ao conhecimento
do tribunal do recurso escapa a esse, e sobe ao julgamento de outro, que lhe
é superior. Tais caracteres são comuns ao prejulgado, que o Decreto n0
16.273, de 20 de dezembro de 1923, criara, que depois se extinguira, mas,
finalmente, foi restabelecido pelo saltum, que a Constituição de 1934, art.
179, obrigou a ser concebido, com a sua exigência de se não resolver
questão sobre a inconstitucionalidade das leis ou dos atos dos poderes
públicos, em tribunais coletivos, sem o voto concordante da maioria
absoluta. Também a respeito dessa última espécie, o julgamento pelo
tribunal competente para decidir sobre o prejulgado é parte do recurso,
como que extraído do recurso entregue ao tribunal onde o prejulgado se
suscitara desde que se haja pronunciado a primeira instância. A decisão
constitui entrega da prestação jurisdicional, que assume, em tal caso, o
caráter de prestação jurisdicional do conjunto dos juizes, inclusive o próprio
provocante. A Constituição de 1946, art. 200, manteve o per saltum para
decretação da inconstitucionalidade da lei e a exigência da maioria absoluta
dos

juizes do tribunal, assunto de que tratamos adiante (arts. 480-482). A


Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, tem o art. 116.2

Não havia pretensão das partes e mais interessados ao prejulgado. Não seria
absurdo, porém, conceber-se, de iure condendo, essa pretensão ao
prejulgado (sem razão, o Tribunal Superior do Trabalho, a 14 de abril de
1952. D.

da J. de 12 de maio de 1952, que reputou absurdo ou contra-senso instituir-


se tal pretensão); de lege lata, o Código de Processo Civil acolhe-a no art.
476, parágrafo único.

4.Dados históricos Alguns dados históricos vêm a propósito. Os assentos


eram prejulgamentos, no sentido de decisões que não julgavam in casu, e
apenas fixavam a inteligência das leis. Nas Ordenações Filipinas, Livro 1,
Titulo 5, § 50, dizia-se: “E havemos por bem, que quando os
Desembargadores, que forem no despacho de algum feito, todos ou algum
deles tiverem alguma dúvida em alguma nossa Ordenação do entendimento
dela, vão com a dúvida ao Regedor; o qual na Mesa grande com os
Desembargadores, que lhe bem parecer, a determinará, e, segundo o que aí
for determinado, se porá a sentença. E a determinação, que sobre o
entendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no
livro da Relação, para depois não vir em dúvida. E se na dita Mesa forem
isso mesmo em dúvida, que ao Regedor pareça, que é bem de no-lo fazer
saber, para Nós logo determinarmos, no-lo fará saber, para nisso provermos.
E os que em outra maneira interpretarem nossas Ordenações, ou derem
sentença em algum feito, tendo algum deles dúvida no entendimento da
Ordenação, sem ir ao Regedor, será suspenso até nossa mercê”.
Veio isso das Ordenações Manuelinas, V, Titulo 58, § V: “E assi Avemos
por bem, que quando os Desembarguadores que forem no despacho
d’alguiT feito, todos, ou alguii delles tiverem algiia duvida em algiia Nossa
Ordenaçam do entendimento della, vam com a dita duvida ao Regedor, o
qual na Mesa grande com os Desembarguadores que lhe bem parecer a
determinará, e segundo o que hi for determinado se poerá a sentença. E

se na dita Mesa forem isso mesmo em duvida, que ao Regedor pareça que
he bem de No-lo fazer saber, para a Nós loguo determinarmos, No-lo fará
saber, para nós nisso Provermos. E os que em outra maneira interpretarem
Nossas Ordenações, ou derem sentenças em alguii feito, tendo algud delies
duvida no entendimento da dita Ordenaçam, sem hirem ao Regedor como
dito he, seram suspensos atee Nossa Mercê. E a determinaçam que sobre
oentendimento da dita Ordenaçam se tomar, mandará o Regedor escrever no
livrinho para depois nom viir em duvida”.

Nos textos reinícolas tem-se de distinguir: a) a regra jurídica sobre


prejulgado, pois, em caso de dúvida, háo per saltum para a “mesa grande”,
com eventual ascensão ao próprio rei; b) a regra jurídica sobre o assento,
pois que se havia de escrever no “livrinho”, para depois não vir em dúvida;
e) a regra jurídica sobre a adstrição à interpretação que se firmou.

O que temos hoje não é apenas a).

Os assentos, não os tínhamos mais. Os Decretos de 4 de janeiro de 1684 e


de 20 de junho de 1703 e a Lei de 18

de agosto de 1769 a eles se referiram. No direito de 1939, o recurso


extraordinário3 e a ação rescisória promoviam a uniformização da
jurisprudência. Não havia a regra jurídica de adstrição, posto que o
julgamento, nos casos de prejulgados, fosse objeto de súmula que é
precedente para a uniformização da jurisprudência. O juiz ou o tribunal
pode interpretar a lei contra o que foi assente pelos tribunais superiores e
pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Se atendermos a que o Decreto n0
6.142, de 10 de março de 1876, deu ao Supremo Tribunal de Justiça a
competência para tomar assentos e nunca a exerceu, é de concluirmos que a
livre interpretação mais corresponde à convicção do povo brasileiro. O
prejulgado, esse, ressurgiu em 1891, não com a Lei de Minas Gerais n0 17,
de 20 de novembro (aliás, não é verdade que somente contivesse simples
providência informativa), e sim com o Decreto n0 16.273, de 20 de
dezembro de 1923 (sobre organizaçáo judiciária do Distrito Federal) e o
Código de Processo Civil e Comercial de São Paulo. A Lei de Minas Gerais
n0 17, de 20 de novembro de 1891, art. 22, apenas dizia:

“Quando, ocorrer manifesta contradição entre decisões definitivas, no


Tribunal da Relação, sobre questões de direito, o Presidente, ex officio, ou a
requerimento do Procurador-Geral, no interesse da lei e uniformização da
jurisprudência, sujeitará de novo a espécie ao Tribunal e comunicará a
decisão aol Governo, em relatório circunstanciado, para ser presente ao
Poder Legislativo”. A interpretação que não viu, aí, recurso estava errada.

Julgamento havia, embora não prejulgamento. Recurso de oficio, ou a


requerimento do Procurador-Geral, a despeito da interpretação que se lhe
deu. Lá está escrito: “sujeitará de novo a espécie ao Tribunal”. ~,Que é isso,
senão recurso de oficio, ou interposto pelo Procurador-Geral? O que se
passou foi que o Tribunal da Relação de Minas Gerais hostilizou o pós-
julgamento, a medida recursal da revisão, para reduzir o art. 22 da Lei
mineira n0

17 a simples regra jurídica de informação tomada em conjunto.

O art. 1.126 do Código de Processo Civil e Comercial de São Paulo foi


claro: “Quando ao relator parecer que já existe divergência entre as
câmaras, proporá, depois da revisão do feito, que o julgamento da causa se
efetue em sessão conjunta. Decidida a questão de direito, a câmara, a que
pertencer a causa, passará imediatamente a julgá-

la. A parte se dará, então, o recurso do art. 1.119”. O recurso, a que aludia,
era o de revista.

No Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, art. 103, lia-se:


“Quando a lei receber interpretação diversa nas câmaras de apelação cível
ou criminal, ou quando resultar da manifestação dos votos de uma câmara,
em caso sub iudice, que se terá de declarar uma interpretação diversa,
deverá a câmara divergente representar, por seu presidente, ao presidente da
Corte para que este, incontinenti, faça uma reunião das duas câmaras,
conforme a matéria for civil ou criminal”. No § l~: “Reunidas as câmaras, e
submetida a questão à sua deliberação, o vencido, por maioria, constitui
decisão obrigatória para o caso em apreço e norma aconselhável para os
casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-
se idêntico procedimento de instalação das câmaras reunidas”. No * 2~
estava:

“O acórdão será subscrito por todos os membros das câmaras reunidas e, na


sessão que se seguir, a câmara, que tenha provocado o procedimento
uniformizador, aplicando o vencido aos feitos em debate, decidirá a causa,
ressalvada aos membros das câmaras, que se tenham mantido em
divergência, a faculdade de fazer referência não motivada aos seus votos,
exarados no referido acórdão.” A câmara deveria representar. O Código de
1939, art.

861, apenas disse: “poderá promover o pronunciamento prévio das câmaras


reunidas”.

O prejulgado do art. 861 do Código de 1939 correspondeu ao da Lei de


Organização Judiciária da Alemanha, §

137, onde se disse: “A câmara que conhece da causa pode, em questão de


importância fundamental, suscitar a decisão da Grande Câmara, se, segundo
se entende, o aperfeiçoamento do direito ou a segurança de jurisprudência
uniforme o exige” (Gerichtsverfassungsgesetz, § 137: “Der erkennende
Senat kann in einer Frage von grundsãtzlicher Bedeutung die Entscheidung
des Grossen Senats herbeiftihren, wenn nach seiner Auffassung die
Fortbildung des Rechts oder die Sicherung einer einheitlichen
Rechtsprechung es erfordert”). Foi esse texto que inspirou o Decreto n0
16.273.
Discute-se se o prejulgado é recurso ou se não é. Não se pode pôr em
dúvida que seja .julgamento. O prejulgado, como suscitamento, não é
recurso, porque ainda não se decidiu, na câmara ou turma julgadora, a
questão: só se recorre do que ocorreu. Mas é julgamento no recurso, é parte
do recurso, e foi isso o que escrevemos na 1a edição dos Comentários ao
Código de 1939: “o prejulgado, apreciação de matéria do recurso, posto que
limitada àquele ponto, recurso é”. Não é outro recurso; é recurso, porque e
parte do recurso. Em si, abstraindo-se do julgamento em que se suscita, não
é recurso; é per saltum. Diz-se per saltum o julgamento por tribunal
superior, em que entrem ou não os juizes do tribunal ou corpo julgador a
que está entregue a causa, de ordinário sobre quaestio juris. Os juizes, aí,
não recorrem; os juizes devolvem a cognição.

O prejulgado pode ocorrer sem ser em recurso. O processo há de ser em


tribunal, mesmo em julgamento da competência originária da câmara ou
turma.

O prejulgado ou é parte do julgamento do recurso, ou parte da decisão de


causa da competência originária da câmara ou turma. Não se pode dizer que
o prejulgado seja preliminar. É julgamento de preliminar, se a quaestio iuris
conceme a preliminar; é julgamento de mérito, se a quaestio iuris conceme
a mérito. O que importa precisar-se é que o prejulgado cinde o julgamento:
em vez de se aplicar a lei, primeiro se resolve sobre a lei. O

corpo julgador, maior, diz qual a interpretação da lei, como nos julgamentos
do per saltum do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 4

5. Prejulgado e “per saltum” O prejulgado é facultativo; o per soltum do art.


116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, imperativo:

só o tribunal pleno, por maioria absoluta, pode dizer inválida, por ofensa
àConstituição, a lei, ou inválido o ato do poder público.

Não há a pretensão do prejulgado como há a pretensão ao per saltum, para


se julgar se é nula, ou não, por inconstitucionalidade, a regra jurídica. Isso,
porém, não significa que não possa a parte ou outro interessado suscitar o
exame da vantagem de exercerem os juizes a provocação de exame. Para
isso, tem a parte ou outro interessado de mostrar que a divergência pode
ocorrer. O prejulgado tem a finalidade de evitar a divergência e, pois, o
recurso posterior.

6.Provocação do exame em prejulgamento O primeiro pressuposto é de


ordem subjetiva, aliás, ato subjetivo: o requerimento (comunicação de
vontade) de algum dos juizes da câmara, ou turma, ou grupo de

4 vd.a~~t~2.5Vd.anota2.

câmaras, na qual ou no qual se vai julgar algum feito. Na expressão ‘juiz”


está incluido o próprio presidente da câmara, ou da turma, ou do grupo de
câmaras. A lei anuiu em que se permitisse a provocação pelas partes, ou
pelo Ministério Público. Se a parte chamou a atenção para a divergência
existente (ou que é de se esperar), ou se o mesmo procedimento teve o
Ministério Público, será de mister que algum dos juizes transforme tal
sugestão em requerimento seu, para que se estabeleça a relação jurídica
processual, que obrigue a câmara, ou turma julgadora, ou grupo de câmaras,
a decidir sobre se deve promover, ou não, o pronunciamento prévio,
limitado, das câmaras civeis reunidas (cf. nota 6 ao art. 476). Está claro que
só se pode tratar de juiz que faça parte, no momento, da câmara, ou turma
julgadora, ou grupo de câmaras. Se o relatório foi feito, e um juiz requereu,
tendo-se, porém, adiado, por qualquer motivo, o pronunciamento da
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, sobre ser suscitado ou não o
prejulgado e na sessão em que se tiver de continuar a discussão, ou só o
pronunciamento se tiver de dar, faltar o juiz que requereu, nada obsta a que
os restantes decidam, porque o requerimento é um voto. Juiz que requer é
juiz que vota. Se requereu, votou. O caso complica-se, se o juiz, no dia da
apreciação, foi substituído. Ou se há de entender; em tal hipótese, que só se
tomam os votos aos juizes que antes funcionaram, estranho à decisão o
novo juiz, ou se há de entender que é mister novo requerimento. A primeira
solução é a única que atende aos princípios gerais de direito processual em
assunto de julgamento. Se faltarem, por substituição, outros juizes, os que
ainda não tinham votado saíram do julgamento e, em vez deles, hão de
votar os juizes que se acham em exercício.
A Lei n0 1.661, de 19 de agosto de 1952, art. l~, previu, a mais do que se
estabelecera no Código de 1939, o recurso interposto da decisão do grupo
de câmaras: “... nos casos em que divergirem”, disse ela, “em suas decisões
finais, duas ou mais câmaras, turmas ou grupos de câmaras”. Não se fez ao
art. 861 do Código de 1939 a mesma alteração, que se impunha; a
sistemática da lei exigia que, sendo o instituto do prejulgado algo de
preventivo, entendêssemos que o podiam suscitar de qualquer câmara,
turma, ou grupo de câmaras. As considerações que então fizemos foram
atendidas pelo Código de 1973, art. 476 (verbis “ou grupo de câmaras”).

7. Irrecorribilidade da decisão de cabimento A decisão da câmara, ou turma


julgadora, ou grupo de câmaras, quer no sentido de se promover o
pronunciamento prévio das câmaras civeis reunidas (cf. art. 476, nota 6),
quer no sentido negativo, é irrecorrível, de modo que, uma vez tomados os
votos, e proclamado o decidido, não mais se pode modificar a resolução. A
observação não é de somenos importância. Já se trouxe à discussão o caso
em que, tendo uma câmara resolvido que se promovesse o prejulgado, se
quis, depois, diante do teor do acórdão da outra câmara, do qual divergiria a
sua interpretação e, em verdade, se verificou não divergir, que se não mais
retardasse o julgamento com a espera do prejulgado. Os argumentos
afluiram, mas o resultado foi no sentido de não se poder voltar atrás: desde
o momento em que a câmara, ou turma, ou grupo de manifestou, suspenso
ficou o conhecimento da matéria por parte dele e iniciada a competência do
tribunal superior, quanto ao ponto de direito, sem cuja decisão nenhum
passo mais caberia aos juizes suscitantes.

O pressuposto do prejulgado, quanto à divergência entre decisões, está na


possibilidade de sobrevir a divergência, e não na ocorrência da divergência.

Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, OU


grupo de câmaras ), solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca
da interpretação do direito 2) quando: 1 verificar que, a seu respeito,
ocorre divergência 4);

II no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado


outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas 5) 6)
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição
avulsa, requerer 3), fundamentadamen te, que o julgamento 7) obedeça ao
disposto neste artigo.

1.Turma, câmara, grupo de câmaras Se qualquer membro da turma, câmara


ou grupo de câmaras verificou que, a respeito do caso, há divergência na
interpretação de alguma regra jurídica, ou da sua incidência ou aplicação,
ou a discordância é entre a que algum juízo coletivo e o do juiz singular ou
coletivo contra cuja decisão se recorreu, deve solicitar o pronunciamento
prévio sobre a quaestio iuris, ou sobre as quaestiones iuris. Aí, quem julga
é o tribunal pleno.

O limite da regra jurídica pode ser no tempo ou no espaço.

O prejulgamento pode ser relativo a direito material, ou a direito processual,


ou concernente a questão de mérito, ou a questão que não se liga ao mérito.
Por exemplo: pode ser referente à cognição ou não-cognição de recurso.
Além disso, não importa se se trata de questão prévia, ou incidental, ou
principal. A turma, câmara ou grupo de câmaras pode estar em julgamento
de ação de sua competência originária, ou em julgamento de recurso.

Queiram ou não queiram os que negam a recursalidade do prejulgado ou


pronunciamento prévio, há a provocação de corpo superior e a decisão por
ele. Pode até não conhecer do que lhe foi levado para julgamento por
faltarem os pressupostos do art. 476, 1 e II. Mais ainda: no recurso que
alguma parte interpõe, pode ela, no arrazoado do recurso ou “em petição
avulsa” (note-se bem: petição avulsa), requerer, fundamentadamente, que o
julgamento obedeça ao art.

476.

Se se diz que, na espécie do art. 476 e seu parágrafo único, não se recorre,
~, para onde é que se corre? O recurso extraordinário, mesmo no caso do
art. 119, III, d, da Constituição, é recurso.6 (,Por que então não se há de
considerar o recurso o julgamento prévio conforme o art. 476? i,Se se diz
que não é recurso, o que é então? O fato de o Código de 1973, art. 496, ter
enumerado as espécies de recurso, sem ter incluído o prejulgado ou
pronunciamento prévio, não basta para a afirmativa categórica de que com
ele não se recorre, porque, ao falar-se de competência, se não excluiu da
classe dos recursos os próprios embargos de declaração. Por outro lado, éde
ofício a chamada “solicitação” e há a

“petição avulsa” da parte. Se a turma, câmara ou grupo de câmaras deixa de


atender à parte, que quis o prejulgamento, está a ofender a lei e cabe o
agravo de instrumento ou o próprio recurso extraordinário.7 O parágrafo
único do art. 476

é argumento a mais a favor da classificação que demos ao prejulgado: no


Código de 1939, art. 861, não havia.

Para interposição do pronunciamento prévio, é preciso que a questão se


ache para julgamento por turma, câmara ou grupo de câmaras. Outro órgáo
não basta; assim, pode ocorrer nos julgamentos pelas câmaras cíveis
reunidas, não pelo Plenário. Não importa se o julgamento é de competência
recursal, ou de competência originária da turma, câmara ou grupo de
câmaras. O adjetivo “recorrido” do art. 476, II, foi falha da redação da lei.
O julgamento de ação rescisória é uma das hipóteses.

Se o julgamento é de recurso na turma, câmara ou grupo de câmaras, não há


diferença entre tratar-se de divergência a respeito de quaestio iuris de
direito material ou de direito processual, ou de texto constitucional ou de
alguma lei ordinária, ou decreto, ou regulamento, ou regimento, ou simples
aviso ou portaria. Entenda-se o mesmo, se o fundamento do pedido de
prévio julgamento se baseia em ter-se interpretação diversa dada por outra
turma, câmara, ou grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas.

Tem-se de afastar que, para a “solicitação” de que se fala no art. 476, 1, seja
preciso haver divergência entre todos os membros da turma, câmara ou
grupo de câmaras. Basta que um divirja. O art. 476, 1, diz apenas que cabe
quando qualquer juiz “verificar que, a seu respeito”, isto é, da interpretação
do direito, “ocorre divergência”.

Quanto ao art. 476, II, a divergência há de ser entre o julgamento de que se


recorreu (ou no julgamento da turma, câmara ou grupo de câmaras, em
competência originária) e algum julgamento por outra turma, câmara ou
grupo de câmaras. Qualquer juiz, mesmo se o julgamento foi unânime, pode
suscitar o julgamento prévio.

i,Que acontece, então, se outra turma, câmara ou grupo de câmaras disser b


e a turma, câmara, ou grupo de câmaras, em divergência, chega ao
julgamento discrepante? Se todos os votos já haviam sido pronunciados e o
último, em concordância com os outros, ou em discordância, exerce o
direito do art. 476 (“qualquer juiz”), não deve ser considerada julgada a
questão; e, a despeito de terem sido dados os votos, sobre o pedido de
pronunciamento prévio, o que pode ter como conseqUência se desfazerem,
no todo ou em parte, todos os votos.

Se é certo que o momento adequado para o suscitamento é o do primeiro


voto, não se pode negar a legitimação ativa de qualquer juiz, mesmo que
seja o último a votar. Não se exija que só seja legitimado enquanto não
vota: é legitimado

“ao dar o voto”; portanto, antes, ou depois de sua manifestação, se ainda


não passou a outro o ensejo.

O suscitamento pode ter ocorrido no começo do julgamento, ao dar o voto o


primeiro votante, ou um dos primeiros, e o corpo julgador não ter atendido,
e novo votante insista. Nada obsta ao acolhimento da segunda ou posterior
solicitação, na espécie do art. 476, 1. Na espécie do art. 476, II, épossível
que a interpretação por Outro corpo tenha sido após o primeiro
indeferimento, mas antes de posterior solicitação.

Pergunta-se: j,é preciso que a decisão da outra turma, câmara ou grupo de


câmaras já tenha transitado em julgado? A resposta tem de ser negativa:

basta a publicação do julgado com interpretação diversa. Não está em causa


a coisa julgada material, nem, sequer, a formal.

2. Pressupostos de ordem objetiva Os pressupostos de ordem objetiva são


os seguintes: (a) existência de decisão de outra câmara, ou turma ou grupo
de câmaras; (b) existência de algum feito a ser julgado; (c) existência da
matéria que se ache envolvida na decisão do feito, ou da qual a decisão dele
dependa; (d) divergência entre a decisão que foi tomada, ou que pode ser
tomada pela câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e a decisão já tomada
por outra câmara, ou turma ou grupo de câmaras; (e) ser ponto de direito a
divergência. Somente se admite prejulgado sobre quaestio iuris, isto é,
sobre divergência quanto ~ fonte de direito ou interpretação de regra.

(a) Primeiramente, (a) é de tratar-se de decisão anterior, de outra câmara,


ou turma, ou grupo de câmaras, da qual diverge ou pode vir a divergir o
pensamento de uma câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. A decisão, em
se tratando de prejulgado, pode ser final, ou não. O art. 476 não se referiu a
decisões finais. Por outro lado, não é de mister que tenha passado em
julgado: o que é preciso é que se haja proferido a decisão. LQuid iuris, se,
decidido o caso, porém ainda não feito o acórdão, o juiz requer o
prejulgado? Antes da publicação, não há a eficácia da decisão, tanto assim
que o relator pode alterar o texto. A resposta teria, portanto, de ser
afirmativa. O requerimento não precisa ser logo instruído com certidão das
decisões divergentes, ou com o repertório de que conste a respectiva
publicação. O

requerimento do juiz é em sessão e oral. Temos de raciocinar com o


prejulgado como algo de postulação de economia interna, em que o
interesse pela uniformidade da interpretação das leis é ainda mais intenso
do que no recurso extraordinário do art. 119,111, d, da Constituição de
1967, com a Emenda n0 1. Tanto assim que se abriu exceção ao princípio de
não se provocarem de ofício os pronunciamentos.

Pode dar-se que o juiz não tenha, em todos os casos, consigo, o teor da
decisão, da qual o julgamento discorda, ou pode discordar. Duas soluções
são possíveis, excluída a de se exigir ao juiz requerente a prova imediata da
existência do acórdão com o qual ocorre a divergência, e são: a) presumir-
se exata a informação do juiz requerente, e suscita-se o prejulgado; b) adiar-
se o julgamento da causa, a fim de que, na sessão seguinte, traga o juiz
requerente do prejulgado a indicação precisa da decisão anterior, que
invocara.
a) A primeira solução tem os seus inconvenientes, posto que não sejam eles
suficientes para, em todas as hipóteses, se ter de adiar o julgamento do
feito. Um deles se revelou em certa espécie. O presidente da câmara
levantou prejulgado, invocando acórdão que não existia, ou, se existia, não
pôde ser provada a sua existência. Por isso, foram os autos restituidos
àcâmara onde se havia suscitado o prejulgado e onde já se haviam tomado
votos, para que se completasse o julgamento (6~ Câmara Cível da Corte de
Apelação do Distrito Federal, Carta testemunhável n0 1.553, de 30 de julho
de 1935, despacho oral do presidente; 7 de janeiro de 1936, acórdão).
Aconteceu que dois juizes, que haviam votado, já não faziam parte da
câmara. Foi decidido que os votos já proferidos, de acordo com’ a lei, não
podiam ser cancelados, em consequência de simples engano, que constituíra
causa da suspensão do julgamento. Tomou-se o voto restante, que podia ser
acorde, ou não. Surgiu, porém, questão, que foi a de se saber como se
haveria de proceder se o juiz restante já não fizesse parte da câmara.
Havendo maioria composta pelos votos já proferidos, cabe dar-se por
julgado ocaso e mencionar-se o incidente em ata, ou narrá-lo, no acórdão, o
relator. Se os votos proferidos empataram, ter-se-ia de adotar o critério para
desempatar. Se só um voto foi preferido, ou se votos foram proferidos, não
sendo em número suficiente para se constituir maioria, ou quantidade
bastante para a intervenção do voto do presidente, o meio único para se
solver a questão não teria sido o de declarar-se nulo o começo do
julgamento e julgar-se o feito ex novo.

O que se há de fazer é consultar a regra jurídica do regimento interno sobre


mudança de juizes depois de proferidos votos em sessão anterior. De
ordinário, a praxe assenta que voto proferido é começo de julgamento, e
não se pode cancelar, ainda que faleça o juiz, ou deixe de ser membro do
tribunal. Era-o quando proferiu o voto. Na sessão em que se vai prosseguir
no julgamento, o que se há de levar a cabo é a tomada do voto restante ou
dos votos restantes. Juiz que não está presente à sessão, ou porque não
compareceu, ou porque faleceu, ou não é mais juiz, e ainda não votara, é
juiz que foi substituído. Somente a respeito do juiz que apenas não
compareceu é que o regimento interno podé estabelecer que se aguarde sua
comparência.
b) A segunda solução somente tem o inconveniente da protelação, sobre
poder constituir dúvida, às vezes impertinente, quanto à informação do juiz
requerente. As circunstâncias é que devem inspirar a câmara, ou turma, ou
grupo de câmaras, quando tiver de se pronunciar sobre o requerimento dos
seus juizes. Não há regra de direito escrito, a que esteja obrigada, e é
soberana na apreciação do suscitamento do prejulgado.

c) Enquanto o recurso de embargos infringentes do julgado é recurso que


supoe a existência de decisão final proferida, a promoção do prejulgado só
exige que se trata da decisão. Não é preciso que seja final. O acórdão
proferido em confirmação ou em reforma de decisão interlocutória pode
constituir a base de pedido de prejulgado. Resta sabermos se o mesmo
acontece, em se tratando de resoluções da câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, pela qual o relator do feito ou a própria câmara, ou turma, ou
grupo de câmaras, ordena alguma providência, que sirva à instrução da
causa.

Por

exemplo: se a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, converte


ojulgamento em diligência para se proceder à perícia, ou à audiência de
uma parte, ou do Ministério Público. Não há dúvida que alguma coisa se
decidiu, e é em tal sentido que se emprega a palavra “decisão”. Quando se
desse a decisão final, ter-se-ia, com recurso, a oportunidade de examinar. o
valor das diligências cumpridas em virtude do acórdão da câmara, ou da
turma, ou do grupo de câmaras.

Sempre, porém, que a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com o


acórdão esgote a sua cognição e tenham os autos de descer, ou ainda possa
ser interposto o recurso de embargos infringentes do julgado, o prejulgado é
possível.

A finalidade política do prejulgado é a uniformização de quaisquer


interpretaçôes: sempre que se trate de fontes ou de interpretação de direito,
ainda que ordinatória a decisão a ser tomada. Essa finalidade há de guiar os
juizes.
O que dissemos é quanto à decisão divergente, ou possivelmente
divergente, e afirmamos que não é preciso que seja final. Cumpre, porém,
observar-se que também não precisa ser final a decisão de que ora se
diverge ou de que possivelmente se divergiria. Aqui, tudo se passa
diferentemente do que ocorre com o recurso de apelação.

As considerações que acima foram feitas tomam claro que não há


coextensão entre recurso e prejulgado.

d) É preciso que a matéria não seja estranha ao feito; porém não é estranha
ao feito qualquer resolução judicial, ainda ordinária, concernente a ele.

e) Supõe-se a divergência entre a decisão que foi tomada, ou que pode ser
tomada pela câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e a decisão já tomada
por outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. Não é preciso que a
divergência apanhe toda a decisão basta que algum efeito de uma, inclusive
algum efeito anexo, discrepe do efeito, mesmo anexo, da decisão tomada
pela outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. Nada obsta a que o
relator do feito, ou algum juiz, antes de proferido qualquer voto, requeira o
prejulgado, porquanto não se exige a divergência efetivada; a lei se satisfaz
com a divergência possível. Desde que a câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, defere o requerimento, implicitamente declarou a possibilidade da
divergência. Se ela, no início, ou no meio do julgamento, indefere o pedido,
mas, no correr da decisão, ou ao serem proferidos os votos, a divergência se
manifesta, novo requerimento pode ser feito, e deve fazê-lo, se nenhum
outro juiz o faz, o presidente da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras,
pois o indeferimento partira de uma suposição que se não verificou.

O art. 476 permite o prejulgado quando haja divergência, ou, digamos,


possa ocorrer divergência, entre câmaras, ou turmas ou grupo de câmaras.

Não se falou da discrepância entre a decisão ou a jurisprudência da câmara,


ou turma, ou grupo de câmaras, e a jurisprudência das câmaras cíveis
reunidas. E o juiz ainda está votando.

Discrepância somente há quando se proclamou o resultado da votação.


Depois de tomado o último voto e antes de ser proclamado o resultado,
ainda qualquer juiz pode requerer o prejulgado.

Se o prejulgado foi promovido depois de ter ocorrido a votação, ao


descerem os autos em que as câmaras cíveis reunidas não conheceram do
prejulgado, por se já ter firmado jurisprudência contrária à decisão de que
divergiu a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, suscitante, nenhum
problema surge, pois que a decisão fora no sentido da nova corrente. Se o
prejulgado foi promovido porque se esperava ocorresse a divergência,
descendo os autos, é possível que a decisão proferida divirja da nova
corrente. Então não é o caso de se suscitar, ex novo, o prejulgado, porquanto
se compôs pressuposto da discrepância entre a decisão das câmaras, e aí há
mais do que discrepância entre a câmara, a turma, ou grupo de câmaras e as
câmaras cíveis reunidas: há desobediência a julgado. O corpo julgador
desatende à decisão no prejulgado.

1)Só há prejulgado de quaestio iuris; nunca de quaestio facti. Aí, o tribunal


não julga questão de fato (Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 10 de
maio de 1945, RF, 106, 71).

Na aplicação das regras jurídicas, têm os juizes de interpretá-las para bem


apontar-lhes o conteúdo. Por vezes, duas ou mais interpretações que eles
dão, muito diferentes ou parecidas, suscitam dúvidas; outras vezes, o erro
de uma logo ressalta, ou ressaltam os erros de duas ou mais. De qualquer
modo, o que importa é que no sistema jurídico somente se acolha o que
melhor se coaduna com ele, o que nem sempre é fácil. Mas a pluralidade de
interpretações constitui inquietude, porque o sistema jurídico há de ser
logicamente uno e a nenhuma regra jurídica se poderiam admitir duas ou
mais interpretações. Daí a necessidade de se repelir e não só se evitar
divergência entre os julgados, que equivale a dizer que o objeto é branco e
B dizer que o mesmo objeto é preto ou preto e branco. A pluralidade de
órgãos judiciários tem de se considerar como de simples cortes no mesmo
órgão. A uniformidade é de deveres, de funçôes e de pensamento. Dai ter-se
de corrigir o que levou à divergência na revelação do sentido das regras
jurídicas e ter-se de evitar, diante da manifestação do corpo coletivo que
afastou o empate, que outras discordâncias ocorram. As soluções de
quaestiones iuris têm de ligar-se a um só laço, quer prevenindo-se
discrepâncias, quer corrigindo-se o que se mostrava errado ou sem o
suficiente conteúdo.

Teve-se, com o Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, a regulação


do prejulgado, como já se tivera o recurso da revista, hoje extinto, e tem-se
o recurso extraordinário (Constituição de 1891, art. 60, ~ l~’, c;
Constituição de 1934, art. 76,2), III, d; Constituição de 1937, art. 101,111,
d; Constituição de 1946, art. 101,111, d; Constituição de 1967, art. 114,111,
d); com a Emenda n01,art. 119, III,d.9

Tem-se lamentado que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar que uma


decisão foi acertada e a outra errônea, não possa corrigir o erro que na outra
ocorreu. Atendamos a que se trata de recurso e, se o erro foi no processo de
que se recorreu, há a corrigibilidade; se foi em anterior, há ensejo, se ainda
não precluiu o prazo para a propositura, para a ação rescisória com base no
art. 485, V.

A solução do art. 476 do Código de 1973 foi boa, para os julgamentos


prévios, como solicitáveis pelo juiz, ao votar na turma, câmara ou grupo de
câmaras. Aliás, é dever dele (“Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na
turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do
tribunal acerca da interpretação do direito quando: 1 verificar que, a seu
respeito, ocorre divergência; II no julgamento recorrido a interpretação for
diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou
câmaras cíveis reunidas”).

A despeito das diferenças entre o instituto do art. 476 e o prejulgado do


Código de 1939, há nele prejulgamento.

Comparem-se os textos. Dizia o Código de 1939, art. 861: “A requerimento


de qualquer dos juizes, a câmara ou turma julgadora poderá promover o
pronunciamento prévio das câmaras reunidas sobre a interpretação de
qualquer norma jurídica, se reconhece que sobre ela ocorre, ou poderá
ocorrer, divergência de interpretação entre câmaras ou turmas”.

No Código de 1973, o art. 476 estatui:


“Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara ou grupo de
câmaras” portanto, apenas se faz referência no momento do voto “solicitar
o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito”
portanto, do tribunal, e não das câmaras reunidas quando; “1 verificar que, a
seu respeito, ocorre divergência” aí, divergência entre os membros da
turma, câmara ou grupos de câmaras; “II no julgamento recorrido a
interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo
de çâmaras ou câmaras cíveis reunidas”.

9Const. 88, au. 105, III, c, onde se deferiu ao Superior Tribunal de Justiça a
competência dada aoSupremo Tribunal Federal pelos dispositivos referidos
no texto.

No art. 476, II, fala-se de “julgamento recorrido”, o que levaria a supor-se


que somente caberia a invocação do art.

476, para o prejulgamento, se a turma, câmara ou grupo de câmaras,


estivesse a julgar recurso. Tal interpretação é de afastar-se, porque, nas
ações de competência originária, pode haver divergência entre os membros
da turma, da câmara ou dos grupos de câmaras. Dá-se o mesmo se o
julgamento é de confirmação, como se encontra no art. 475. Seria absurdo
que, ao ter de julgar ação rescisória, não tivesse o juiz o dever de suscitar o
pronunciamento prévio do tribunal acerca de interpretação de alguma regra
jurídica, tanto mais quando há ações rescisórias cujo fundamento consiste
em violação de “literal disposição de lei” (art. 485, V). Má interpretação
viola a lei.

3. Requerimento da parte Uma das partes, ou algumas, ou todas podem


requerer aquele pronunciamento prévio, que ainda não é um julgamento da
causa, mas apenas a enunciação do conteúdo de alguma regra jurídica, ou
de algumas regras jurídicas, ou da sua extensão quanto à incidência ou à
aplicação. Requerimento, aí, é provocação.

4.Duas fases no processo do prejulgado (a) O processo do prejulgado tem


duas fases: a fase da provocação e a fase do julgamento do prejulgado. Na
primeira, há o requerimento, que, como vimos, não é privativo dos juizes
que compõem a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com a respectiva
fundamentação, na qual se apontam os pressupostos da provocação e o
pronunciamento da câmara, ou turma, ou do grupo de câmaras, sobre a
procedência, ou não, do requerimento. A natureza das coisas basta para
mostrar como se há de proceder a respeito. O juiz requer, e o presidente da
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, submete a votos o requerimento.
Ao votarem, os juizes podem mostrar não haver pressupostos suficientes
para o suscitamento. De tal decisão dos juizes nenhum recurso cabe.

(Há quem veja três fases no prejulgado: a da provocação ou suscitamento, a


da cognição e a do julgamento. Mas essa divisão transforma em fase o que é
subfase: no julgamento do prejulgado, a cognição é uma das preliminares; e
julgamento de preliminar não é fase; se fosse, haveria tantas fases quantas
as preliminares.) No Código de 1973 não se falou de prejulgado; e apenas
se aludiu a pronunciamento prévio” (art. 476) e se disse que o julgamento
será para

“a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em


exposição fundamentada”. O voto, que é a da maioria dos membros do
tribunal, leva ao acórdão, de que fala o art. 477, acórdão que tem de ser
observado, como

“pronunciamento prévio”, pela turma ou câmara ou grupo de câmaras de


onde procedeu a solicitação (verbis “solicitar o pronunciamento prévio”). O
ser objeto de súmula já é eficácia administrativa do acórdão, de modo que
houve o prejulgado e a redação da súmula, que se não exigia no direito
anterior, para constituir “precedente na uniformização da jurisprudência”.
Não se diga, portanto, que se eliminou o prejulgado. O art. 476 do Código
de 1973 manteve o que antes se tinha. Tanto no art. 861 do Código de 1939
quanto no art. 476 do Código de 1973 se fala de pronunciamento prévio”,
portanto de prejulgamento ou prejulgado. Não se diga, pois, que se aboliu o
prejulgado e que se restabeleceram os assentos com força de lei. A súmula é
apenas fonte de consulta, e não lei.” Um dos juizes da câmara ou turma
suscita a decisão no sentido doper saltum. Se o requerimento é acolhido,
enuncia-se a decisão, sobresta-se o julgamento, lavra-se o acórdão, e o
presidente da câmara ou turma, ou grupo de câmaras, oficia ao presidente
com a exposição do ocorrido e as cópias das decisões e do acórdão.

A segunda fase é a do julgamento do prejulgado, onde o tribunal pode


acolher preliminares, inclusive a da sua incompetência (e.g., a questão é
facti e não iuris), ou, se não acolhe alguma, entra no mérito quaestio iuris).

O prejulgado não prejulga a causa; julga, antes, qual a interpretação que se


há de dar à lei que se quer aplicar.

Tanto na primeira fase quanto na segunda podem usar a palavra os


advogados, se no julgamento na câmara ou turma poderiam (cf. Hamilton
de Morais e Barros, O Prejulgado, 46).Trata-se de parte do julgamento que
se atribuira à câmara ou turma, parte que se entregou, por decisão daquela
ou dessa, ao tribunal.

(b) No Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de 1923, art. 103, fora dito


que a câmara divergente, no caso de prejulgado, por seu presidente, teria de
representar ao presidente das câmaras reunidas para que esse fizesse a
convocação. Tal regra continuou, enquanto não revogada, como parte do
direito processual do Distrito Federal; porém não pôde ela ser estendida aos
Estados-membros, a despeito da procedência federal (local) do Decreto n0
16.273.

Ainda depois da vigência da Constituição de 1934, que unificou a II~ assim


será enquanto não se adotar a súmula vinculante como exige a realidade da
administração dfr justiça no Brasil.

competência para a edicção de regra de direito processual, não foi fonte


imediata do direito processual dos Estadosmembros a regra do Distrito
Federal. O seu valor, como elemento de interpretação, foi o mesmo que
teria, para a interpretação do direito processual do Distrito Federal, a regra
da legislação processual de algum Estado-membro.

Onde existia o prejulgado, o processo, adaptado, continuou a ser o mesmo,


até que o legislador central providenciasse, em lei una, para todo o Brasil.
Mas erade intuição que acâmara, ou turma, ou grupo de câmaras, que
divergia, representasse, por seu presidente, ao presidente das câmaras cíveis
reunidas, porque era ele a única pessoa competente para a convocação das
câmaras cíveis reunidas. No mais, pertencia isso à lei de organização
judiciária, que é local.

O presidente do tribunal, ou outro corpo julgador, como o presidente da


câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, nenhuma competência tem quanto
ao cabimento, ou não, do prejulgado. A câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, suscitante procedeu como entendia, e somente o tribunal
revisional, preliminarmente, pode decidir sobre o conhecimento da questão.
Na relação jurídica processual do prejulgado, a câmara, ou turma, ou grupo
de câmaras, é sujeito ativo em relação jurídica processual: “câmara, ou
turma, ou grupo de câmaras A, Estado; Estado, câmara, ou turma, ou grupo
de câmaras B”. Mesmo se o requerimento foi de parte.

Indagando das causas de não ter tido eficácia, segundo pensava, o


prejulgado, Filadelfo Azevedo escreveu que, “sendo privativa do presidente
da câmara a iniciativa da suspensão do julgamento, pode acontecer que, no
momento, não se recorde de decisões anteriores que possam entrar em
conflito, sendo, mesmo, necessárias argúcia e atenção extraordinárias para
isolar, de plano, o ponto jurídico no emaranhado dos fatos, não podendo,
tampouco, os advogados interromper a votação”. Daí o passo além, que se
deu, na técnica da provocação do prejulgado. Qualquer dos juizes da
câmara ou turma, diz o art. 476. Do grupo de câmaras também pode partir
requerimento de prejulgado, uma vez que esse grupo de câmaras não seja
aquele que é o único competente para conhecer e julgar dos prejulgados.

(O prejulgado só é recurso se está dentro de recurso. A rigor, é ação de


direito público, exercida por juizes, em câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, contra outra câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, com a
particularidade de ser puramente de realização uniforme do direito objetivo
o interesse que está à base da pretensão ao prejulgamento. E

aí, de direito público, a despeito de poder estar em causa direito privado, a


matéria recursal, a res deducta no prejulgado. As partes recebem prestação
jurisdicional que pode ter natureza privatística; a câmara, ou turma, ou
grupo de câmaras, sempre a recebe de natureza publicística).

(c) O prejulgado é essencialmente suspensivo; mas suspensivo da decisão


da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, e não suspensivo dos efeitos da
decisão, se houve (e é a hipótese mais geral), de primeira instância. O
recurso para a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, é que pode ter sido
suspensivo dos efeitos da decisão recorrida. O prejulgado só se refere ao
julgamento pela câmara, ou turma, ou grupo de câmaras.

Posto que a política jurídica, que instituiu os prejulgados, tenha o fito de


uniformizar decisões e jurisprudência, o que ressaltava dos dizeres do
Decreto n0 16.273, verbis, “o vencido por maioria constitui decisão
obrigatória para o caso em apreço e norma aconselhável para os casos
futuros”, e do Decreto n0 19.408, de 18 de novembro de 1930, art. 70

verbis, “destinado a uniformizar ajurisprudência das câmaras”, a mesma


matéria objeto de um prejulgado pode volver à cognição das câmaras
reunidas noutro prejulgado, entre outras câmaras, ou turmas, ou entre as
mesmas câmaras, ou turmas, que anteriormente divergiram. O prestígio da
resolução uniformizadora éde ordem ética. É prestígio intercalar entre a
decisão de uma câmara, ou turma, ou grupo de câmaras e o prestígio da lei.
Verdade é, porém, que, mesmo quando o prejulgado contenha a edicção de
regra de direito, ou de lógica jurídica e não simples interpretação de lei, se
lhe atribui certa consistência, que o próprio Decreto n0 16.273 e o Código
de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo, art. 1.126, lhe não
explicitavam. As normas reveladas pelas câmaras civeis reunidas permitiam
o recurso extraordinário, em que as partes eram os suscitantes, e não mais
os juizes.

No Decreto n0 16.273, art. 103, § 10, dizia-se que “o vencido por maioria
constitui decisão obrigatória para o caso em apreço e norma aconselhável
para os casos futuros, salvo relevantes motivos de direito, que justifiquem
renovar-se idêntico procedimento de instalação das câmaras reunidas”.
j,Teria o legislador pretendido dificultar o suscitamento de novo prejulgado
sobre a mesma matéria em feito diferente? Parece que o seu intuito era
apenas o de acentuar a desnecessidade de se estar a chamar a atenção dos
juizes para a interpretação fixada pela instância superior.

Hoje, o texto de 1923 é inoperante, pois que não reapareceu, e o art. 476 do
Código de 1973, como os arts. 477-479, é exaustivo do assunto.

Quanto à eficácia, o prejulgado, com a promoção, é suspensivo de toda a


decisão do feito, e não somente do ponto sobre que se tem de manifestar,
pela razão simples de se tratar de pronunciamento prévio. Certo, é possível
pensar-se em prejulgado que não tenha sido suscitado antes de qualquer
manifestação da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras. O que antes do
suscitamento se julgou, julgado fica; porquanto sobre esse ponto não se
devolve ao tribunal o conhecimento da matéria. Suspenso fica o que
conceme a essa parte e tudo mais sobre que não se pronunciou, antes da
promoção, a câmara, ou turma, divergente. Se já houve votação, o
prejulgado contrário cancela-se e entra em seu lugar, quanto à quaestio
turis.

Contudo, é possível que se trate de recurso em que se tenha de decidir sobre


diferentes pedidos, a respeito de algum ou de alguns dos quais não possa ter
qualquer influência a decisão do prejulgado; então, não se justifica que se
suspendam todos os julgamentos aglomerados no recurso. E o caso, por
exemplo, do pedido de medida liminar, ou cautelar, em relação ao pedido
ou aos pedidos da ação.

5. Decisão no prejulgado Julgado pelo tribunal revisional o prejulgado, a


câmara, ou a turma, ou grupo de câmaras, nenhuma competência tem para
apreciar se o Tribunal excedeu a sua competência. Se, porventura, no julgar
o feito, a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, se afasta do prejulgado,
surge a questão de se saber se pode ser interposto algum recurso, sendo
final a decisão. No Código de Processo Civil de São Paulo, art. 1.126,
parágrafo único, 2~ parte, havia proposição explícita: as partes não se dar á
então o recurso de revista”. Na Lei n0 319, de 1936, posto que se tenha dito
ter sido inspirada naquela regra, não se reproduziu a parte final do parágrafo
único do art. 1.126.
Igualmente, no Código de 1939, art. 861. Cumpre-nos, desde logo, dizer
que o texto do Código de Processo Civil de São Paulo somente poderia ser
entendido no sentido de ser irrenovável o julgamento, em grau de revista,
da mesma matéria, que fora objeto do prejulgado, e não no sentido de ser
excluído o recurso por já se ter usado do prejulgado. De modo que a
questão se limita a saber-se se, havendo infração do prejulgado, cabe algum
recurso.

Se a decisão, que dependia de prejulgado, não é final, não há pensar-se em


recurso de apelação, pois só existe recurso de apelação das decisões finais.
Se a decisão é final e, ainda que na parte de aplicação do que resolvera o
tribunal competente no prejulgado, a câmara, ou turma, ou grupo de
câmaras, contraria ou diverge de outra decisão, também final, de outra
câmara, ou turma ou grupo de câmaras, pode caber algum recurso do
tribunal.’2

12 Não se admite nem recurso extraordinário nem especial do acórdão


dado na uniformização de jurisprudencia, que ê incidente do recurso ou do
processo originário onde suscitado. Nesse sentido, embora tratando do
incidente de inconstitucionalidade, a Súmula n0 513 do STF. O recurso se
interporá do acórdão do órgão suscitante da uniformização, ainda que
para questionar qualquer vicio do julgamento do incidente. Se o órgão
competente para uniformizar não profei~ o acórdão previsto no art. 478,
por outro, terminativo, o órgão suscitante decidirá a causa como entender
adequado e do seu pronunciamento se admitirão os recursos cabíveis.

O que se não permite é o bis in idetn. A decisão do tribunal no tocante à


quaestio iuris, ou às quaestiones iuris que foram decididas no prejulgado,
não mais pode ser reexaminada por divergência.

É possível que, da decisão da câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, em


que se suscitou o prejulgado, caiba recurso de embargos infringentes do
julgado, ou recurso extraordinário,’3 devolvendo-se o conhecimento a
tribunal de grau superior, que, para os embargos, será o indicado pela lei de
organização judiciária. Não é possível, em nova cognição, alterar-se o que
foi decidido por ocasião do prejulgado. Mas do acórdão proferido no
prejulgado pode ter sido interposto recurso extraordinário.

Deslocando para o grau superior o julgamento, à semelhança do que ocorre


com o per saltum de inconstitucionalidade (cf. Embargos, Prejulgado e
Revista, 163), o prejulgado tem a mesma finalidade que algum recurso pode
ter, e lhe fira, previamente, a oportunidade quanto à matéria interpretativa
prejulgada. A decisão, nele, não transita, materialmente, em julgado;
porque, se, quanto à interpretação da regra jurídica, o tribunal prejugador a
fixa, não teve ele cognição para a aplicação da regra. Apenas disse que, a
respeito da regra jurídica a, o sentido é a’, e não a”, sem ter aplicado a
regra a’ ao caso. Não há res iudicata, porque não subiu ao tribunal
prejulgador a res in iudicium deducta: a sua atividade jurisdicional
circunscreveu-se a fixação da interpretação do direito, a uma das premissas
do julgamento. Enquanto, em recurso, pode o tribunal decidir
definitivamente, isto é, fixar a interpretação e aplicar, o tribunal prejulgador
apenas interpreta sem aplicar. A aplicação não lhe é concedida.

Se no corpo julgador suscitante outras questões são examinadas, é


suscetível de prejulgado e recurso cada nova decisão, porque já se trata de
divergência das interpretações de outra regra jurídica. No prejulgado pode
haver como pressuposto a divergência eventual; donde não se pode
equiparar o prejulgado a recurso; no recurso há decisão, cuja solução
depende da fixação da regra jurídica, sobre cuja interpretação, ao aplicar-se,
há divergência; no prejulgado pode haver apenas possibilidade de
divergência e não se há de suprimir ajurisdição do órgão suscitante
(Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 15 de
dezembro de 1941, relator desembargador Cunha Barreto, A. J., 62, 157).

As questões de interpretação, no mesmo feito, podem ser muitas. A cada


uma pode corresponder requerimento de prejulgado, no mesmo ensejo,

13Ou recurso especial, escreveria o comentarista depois do advento da


Const. 88.14Vd.anota 12.
ou sucessivamente. Tem de ser julgada, separadamente, cada questão. No
mesmo processo, pode ocorrer que se suscite prejulgado em diferentes
julgamentos de recursos, ou em causas de competência originária de corpo
julgador. Se o pressuposto para o prejulgado se compõe, ao se ter de decidir
sobre agravo retido nos autos, primeiro se suscita sobre esse, uma vez que a
falta de decisão a respeito suspende a decisão, no recurso com que sobe,
sobre o restante.

6. Competência para o julgamento do prejulgado A Lei n0 1.661, de 19 de


agosto de 1952, art. l~, § 20, permitiu que a legislação posterior
determinasse qual o corpo que há de julgar, atendendo, com isso, às
diferenças entre os tribunais, oriundas, na maior parte, do número de juizes.
A divisão do trabalho tinha de ser diferenciadora dos tribunais. No art.

1~, aludiu-se a “camaras cíveis reunidas”, e não mais a “câmaras


reunidas~~. Quanto ao prejulgado, que o Código de 1939 concebera como
simétrico ao recurso de revista, hoje extinto, a Lei n0 1.661 não adaptou o
texto à regra jurídica do novo § 20. Tínhamos, porém, de interpretar o art.
861 do Código de 1939 como se lá estivesse escrito: “A requerimento de
qualquer de seus juizes, a câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, poderá
promover o pronunciamento prévio das câmaras cíveis reunidas, que teriam
de julgar o recurso, sobre a interpretação de qualquer norma jurídica, se
reconheceu que sobre ela ocorre, ou poderá ocorrer, divergência de
interpretação entre câmara, ou turma, ou grupo de câmaras”.

O Código de 1973, arts. 476, 477, 478 e 479, somente fala de “tribunal”.

7. Provocação pela parte Se há divergência na interpretação de alguma rega


jurídica, qualquer que seja a sua classe ou natureza, entre a decisão de que a
parte está a recorrer, ou a decisão que se vai proferir na turma, câmara ou
grupo de câmaras, pode a parte “requerer” o prejulgame~to pelo tribunal.
Regra jurídica nova.

Se se está em grau de recurso, aparte, ao arrazoá-lo, pode, desde logo,


requerer que se observe o art. 476, porque já conhece discordância entre a
turma, câmara ou grupo de câmaras, para o qual recorre, e outra turma,
câmara ou grupo de câmaras, ou, a fortiori, câmaras cíveis reunidas, ou
mesmo se tem provas de discrepância entre membros da turma, câmara, ou
grupo de câmaras para o qual recorre. É errada qualquer interpretação do
art. 476, parágrafo único, que limite a legitimação ativa da parte à
suscitação com fundamento no art. 476, II. Pode ter sido conhecida,
conforme as publicações, as disparidades de interpretação por parte de
membros da turma, câmara, ou grupo de câmaras, para o qual recorre. Se os
votos que

estão sendo proferidos discrepam, e a parte não presencia a solicitação, por


algum juiz, do prévio pronunciamento, está ela legitimada a invocar o art.
476, 1; outrossim, se, durante o julgamento nenhum juiz atende o art. 476,
pr., e há fundamento para se invocar o art. 476, II. Dá-se o mesmo nas
espécies em que ojulgamento é de competência originária da turma, câmara
ou grupo de câmaras.

O art. 476, parágrafo único, prevê a provocação, em quaisquer casos em


petição avulsa.

“Parte”, no art. 476, parágrafo único, é qualquer dos recorrentes, ou o


recorrente, se só há um, ou qualquer figurante da ação de competência
originária da turma, câmara ou grupo de câmaras; ou qualquer parte ou
pessoa interessada que recorreu ou contra a qual se recorreu, ou é
juridicamente interessada, na ação de competência originária.

Não se pense que só é legitimada a parte vencida, ou terceiro prejudicado


(art. 499), mesmo quem apenas exerceu a pretensão recursal. O vencedor
também o é, como o terceiro juridicamente interessado. Mais ainda: o
Ministério Público, mesmo se recorre ou poderia recorrer como fiscal (art.
499, § 20). O recorrente pode ser recorrente adesivo (art. 500), embora
exposto às consequências do art. 500, III.

O recorrente pode inserir o pedido de prejulgamento nas razões do seu


recurso. O recorrido, nas razões da sua resposta. Enquanto pende recurso
interposto, ou a ação de competência originária, pode ser feita a “petição
avulsa”.
Não importa se, ao arrazoar, ou ao propor a ação, ou ao contestar, a parte já
conhecia o que se passava a respeito das divergências entre membros da
turma, câmara ou grupo de câmaras e qualquer outra turma, câmara ou
grupo de câmaras ou câmaras civeis reunidas. Nada obsta a que, na
sustentação oral de suas razões, em sessão de julgamento, a parte, ou seu
advogado, peça que suba a questão ao exame do tribunal.

Se o requerimento foi feito nas razões do recurso, ou em “petição avulsa”,


ou nas sustentações em audiência (art. 554), ou se partiu de membro da
turma, câmara ou grupo de câmaras, conforme as regras legais e
regimentais, tem de haver apreciação da espécie pelo relator, mas é o corpo
judicial, de que faz parte, que há de decidir.

Quanto às provas, cumpre atender-se a que, na espécie do àrt. 476, 1, se um


dos juizes solicita, a discordância consta dos votos proferidos, ou de
documentos quanto a votos anteriores, ou a algum deles. Se foi parte que
requereu, ou unta petição para se incluir no processo, dá-se o mesmo,
porque não houve distinção entre a legitimação ativa do art. 476 e a do
parágrafo único. Pode ter a parte certidão de julgado ou de julgados, ou pela
informação quanto a número e página de algum repertório ou revista de
jurisprudência, ou de jornal.

A finalidade dos arts. 476-479 é a uniformização da jurisprudência, a que


serve a súmula a que se refere o art. 479.

Art. 477. Reconhecida a divergência ‘), será lavrado o acórdão, indo os


autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento 2) A
secretaria distribuirá a todos os juizes cópia do acórdão.

1.Pronunciamento quanto à divergência Pode ocorrer que o membro do


juízo coletivo ou a parte ou as partes apontem divergência sobre a qual
alguns membros do juízo coletivo divirjam (um, por exemplo, acha que as
sentenças ou acórdãos colidiram, e outros, não). Por isso, antes de levar ao
plenário o assunto, se tem de tomar o voto de cada membro da turma,
câmara ou grupo de câmaras. Se há maioria que afirma divergência, sobem
os autos para que se decida. Se não há maioria, procede-se ao julgamento.
Com a solicitação por algum dos juizes votantes, solicitação que, uma vez
feita, nao obsta a reiteração por outros, ou mesmo nova solicitação, após
algum ou alguns indeferimentos, ou com o requerimento de alguma das
partes, ou de todas, tem a turma, câmara ou grupo de câmaras de declarar se
há ou se não há divergência. Com a declaração positiva, está reconhecida a
necessidade de se manifestar o tribunal. De tal decisão de turma, câmara ou
grupo de câmaras, tem de ser lavrado o acórdão. Vão ao presidente do
tribunal os autos, a despeito da questão ser apenas quaestio iuris. O
presidente é que tem de designar a sessão de julgamento e a secretaria
distribui a todos os membros do tribunal cópia do acórdão. Com a remessa
dos autos e, antes mesmo, com a lavratura do acórdão, está suspenso o
processo, mas, se atos judiciais tiveram de ser praticados, como acontece
nas ações executivas, o que foi feito fica incólume, até que haja o
julgamento pelo tribunal.

Advirta-se que, se algum juiz, ou parte suscitou a prévia apreciação,


nenhum ato da turma, câmara ou grupo de câmaras pode ser praticado, sem
que se julgue a solicitação do requerimento. As discussões têm de cingir-se
ao que quer que seja objeto de prejulgamento pelo tribunal, salvo se o
elemento de dados fácticos constitui fundamento para que não se possa
pensar em divergência jurisprudencial. Daí poder ser adiada a decisão se
necessário, por exemplo, verificar-se a exatidão dos textos marcados ou a
precisão dos votos. O que não se pode fazer é qualquer operação para as
matérias da causa estranhas à quaestio iuris.

Se a turma, câmara ou grupo de câmaras reconhece a discrepância entre


votos ou entre julgados, de modo nenhum pode deixar de remeter os autos
ao presidente do tribunal; nem pode remetê-los sem o acórdão em que se
apontou a divergência. Parece-nos que foi acertada a exigência do acórdão,
porque, com ele, são mencionados os pontos da divergência, e não bastaria
a decisão por simples votação, com a remessa dos autos. Outra exigência
acertada foi a distribuição das cópias do acórdão. Deliberado pela turma,
câmara ou grupo de câmaras, o deferimento da solicitação ou do
requerimento, cessa qualquer função decisória do corpo coletivo, a respeito
do assunto. Daí a irrevogabilidade e a irrecorribilidade. Trata-se de solução
interna à turma, câmara ou grupo de câmaras.
2.Sessão de julgamento Votada a declaração de divergência, os autos vão ao
presidente do tribunal, que designa a data da sessão do plenário. Antes e
sem demora, a secretaria do tribunal tem de ordenar a extração de cópias,
que podem ser datilografadas, com a rubrica do secretário ou pessoa que o
substitua, ou copiadas por outro meio. Cada membro do tribunal tem de
receber, a tempo do exame, o exemplar reprodutivo.

Designado o dia para julgamento, tem-se de publicar a pauta no órgáo


oficial (art. 552). Entre a data da publicação da pauta e a sessão de
julgamento hão de mediar, pelo menos, quarenta e oito horas (art. 552, §10).
A pauta é afixada na entrada da sala em que se vai realizar a sessão de
julgamento (§ 20).

Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência ‘), dará a interpretação a


ser observada, cabendo a cada juiz 4) emitir o seu voto em exposição
fundamentada 2)

Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério


Público 3) que funciona perante o tribunal.

1. Pronunciamento pelo tribunal O art. 476 chamou o julgamento da


quaestio juris “pronunciamento prévio”, porque, no caso em litígio, ao
descerem os autos, com o acórdão, já está assente a regra jurídica, com a
sua incidência e aplicação. Quanto a esse ponto, a sentença não mais pode
discrepar na causa de que se trata. Só se pode divergir, daí em diante,
quanto à incidência ou aplicação, no caso, de outra regra jurídica, ao lado
daquele, sobre o qual ocorreu a previedade, ou quanto a quaestiofacti, ou
quaestionesfacti.

O tribunal reconhecendo a divergência (o que é preliminar, para admitir ou


não a atitude da turma, câmara ou grupo de câmaras de que proveio o
acórdão), passa a decidir quanto às interpretações, apontando a certa e
repelindo a desacertada ou as desacertadas. Às vezes ocorre que há três ou
mais interpretações. Os votos são sobre acerta, mas a fundamentação de
cada um deles necessariamente contém a repulsa à outra ou às outras
interpretações divergentes.
Nenhum juiz pode votar sem mostrar em que se baseia a sua opinião
(“cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada”). O
primeiro voto é o do relator. Depois de proferidos todos os votos, o
presidente enuncia o resultado, sendo designado para redigir o acórdão o
relator, se vencedor, ou, se foi vencido, o primeiro autor do voto vencedor.
Na primeira sessão seguinte, há a conferência do acórdão apresentado pelo
autor.’5 Lavrado o acórdão, dentro de dez dias são publicadas as
conclusões. Cf. arts. 563 e 564.

Não pode ir o acórdão além da quaestio iuris, ou das quaestiones iuris,


concementes à interpretação. Nada se há de dizer quanto a quaestionesfacti.
Tampouco, pode o tribunal impor ou dizer que se há de observar, no
julgamento da matéria, a interpretação da regra jurídica, ou das regras
jurídicas, a respeito das quais havia divergências em interpretar. Não se deu
ao tribunal qualquer decisão da causa, posto que a solução que haja possa
influir no julgamento do recurso ou da causa.

Não se diga que da decisão do tribunal não caiba recurso. ‘~ Pode haver
embargos de declaração.’7 Pode haver recurso extraordinário; por exemplo:

pode a interpretação que o tribunal deu a lei federal divergir da que lhe haja
dado Outro tribunal, ou o próprio Supremo Tribunal Federal (Constituição
de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III, d); ou, com a interpretação
acolhida, contraria-se regra jurídica constitucional, ou de lei ou tratado (art.
119, III, a); ou a interpretação que se acolheu supóe ser inconstitucional
outra interpretação (art. 119, III, b).’5

Houve a decisão quanto à existência da divergência, na primeira fase do


remédio jurídico processual do prejulgamento. Depois, no tribunal, é que se
vai dizer qual a interpretação certa. Nessa segunda fase é que se vai além da
afirmativa de existir a discordância, porque se afasta a dúvida quanto à
interpretação. Isso não quer dizer que não possa o tribunal negar que exista
divergência, o que aliás será raro que aconteça (e.g., não é verdade que
outra turma, ou câmara, ou grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas,
houvesse dito b, ao contrário da turma, câmara ou grupo de câmaras, que
disse a). No processo em tribunal, há o registro, a entrega ao presidente do
15 O art. 10 da Lei tiO 8.950, de 13.12.94, ab-rogou a norma, jamais
cumprida, do art. 563, conforme a qual o acórdão deveria ser apresentado
para conferência, na primeira sessão seguinte ao julgamento.

16 vd.anotaí2.

17 Admitem-se os embargos de declaração que, contudo, não constituem,


propriamente, um recurso, porém um incidente de aperfeiçoamento da
fórmula pela qual se manifestou a decisão judicial.

18 Interpóem-se o recurso extraordinário e o recurso especial (Const. 88,


aos. 102. III, e 105, III) do acórdão que aplica a interpretação resultante da
uniformização e não do que julga o incidente. vd. a nota 12.

tribunal, a determinação da data da sessão de julgamento, a entrega de


cópia do acórdão a todos os membros do tribunal. A distribuição para o
julgamento há de ser de acordo com o regimento interno do tribunal, a que,
aliás, cabe adaptar à espécie dos arts. 477-479 as regras jurídicas dos arts.
547-549, bem como assentar se é de atender-se o art. 554. Não se deixe de
observar o art. 477, que fez direta (após o registro, entenda-se) a remessa
dos autos do presidente do tribunal. O regimento interno é que há de
resolver o problema normativo da escolha do relator, que pode ser o do
acórdão do órgáo de que proveio o remédio jurídico processual do
prejulgamento.

2.Votação e fundamentação dos votos A lei não admitiu o voto pelo simples
a ou b ou c. O membro do tribunal tem de fundamentar, por escrito ou oral,
o seu voto.

3. Ministério Público Tem de ser ouvido o órgão do Ministério Público, que


funciona junto ao tribunal.20 Não se aludiu à fundamentação do parecer do
órgáo do Ministério Público, mas havemos de entender que o seu parecer há
de ser escrito e fundamentado.

4.Membro do tribunal e impedimento ou suspeição Surge o problema de se


saber se membro do tribunal (ou o órgão do Ministério Público), que, no
caso do litígio, seria suspeito ou impedido, pode atuar. A resposta é
afirmativa, porque só se trata de quaestio iuris e a lei exige a maioria
absoluta.

A função do Ministério Público, nos casos dos artigos 476-47 9, é o de


defensor da lei, da uniformidade das interpretações e guarda do sistema
jurídico, para que se evitem contradições. O órgão do Ministério Público
que funciona perante o tribunal tem de ser ouvido, e tanto pode expor, em
escrito, o que pensa quanto ao acórdão e os seus fundamentos, quanto falar
na sessão. Cabe-lhe o dever de manifestar a sua opinião sobre qual a
interpretação certa.

Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta ‘)dos


membros que integram o tribunal, será objeto de súmula2) e constituirá
precedente na uniformização da jurispradência.

19Const. 88, art. 93, IX; CPC, art. 165.20O parágrafo úinico do ao. 478 fala
em ‘chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal”. Dotado
de autonomia funcional (Const. 88, ao. 127, § 2~ Lei n’ 8.625, de 12.2.93,
queinstituiu a Lei Orgânica do Ministério Público, ao. 30) são as normas
regentes das funçóes doMinistério Público que determinarão qual dos seus
órgãos deverá pronunciar-se no incidente.

Parágrafo único. Os regimentos internos 3) disporão sobre a publicação no


órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.

1. Maioria absoluta e súmula Se estão presentes todos os membros do


tribunal, ou se não estão todos, posto que a maioria esteja presente, a sessão
foi suficientemente aberta, e o que se exige é que, para o pronunciamento,
haja maioria absoluta. Se não há maioria de votos no sentido a, nem no
sentido b, ou c, tem de ser designada outra sessão.

O art. 479 concerne à eficácia do acórdão para a inserção em súmula. E de


perguntar-se se, não tendo havido maioria absoluta (= metade dos membros
do tribunal mais um), há prejulgamento para ser obedecido pela turma,
câmara ou grupo de câmaras, de que proveio o remédio jurídico processual.
A despeito da alusão à súmula, que há no art. 479, havemos de entender que
só a maioria absoluta de votos num sentido pode ter eficácia para o
prejulgado. Se não houve a maioria absoluta de votos, nada feito. Não se
uniformiza sem se ter amparo em número de votos que correspondem, pelo
menos, à metade mais um dos membros do tribunal. Se a solução vitoriosa
não conseguiu a maioria absoluta de votos, não houve, rigorosa-mente,
vitória. Não se há de entender que os juizes da turma, câmara ou grupo de
câmaras, que suscitaram o pronunciamento prévio e, no tribunal,
compuseram a minoria discordante, estejam com o dever de julgar no seu
órgão contra o que votaram no tribunal. Tal dever somente surge se houve a
maioria absoluta, pois, aí, com a súmula, têm de debruçar-se diante da
maioria absoluta, a que a lei atribuiu a missão de uniformizar a
sjuriprudência. O juiz pode dizer: continuo com a opinião que fundamentei
no tribunal e fui vencido, e aplica no caso a interpretação vencedora, porque
o art. 479 o obriga a isso.

A súmula é precedente (= elemento iniciante, posto que possa advir outra


súmula, divergente, do Supremo Tribunal Federal) para a uniformização da
jurisprudência. A eficácia da súmula é a criação do dever de observância.
Trata-se de

“jurisprudência predominante” (cf. Regimento Interno do Supremo Tribunal


Federal de 1970, art. 98 e parágrafo único; art. 22, § 10, segundo o qual o
ministro relator pode mandar “arquivar ou negar seguimento a pedido do
recurso,~, “quando contrariar a jurisprudência predominante no
Tribunal”).2’ A despeito disso, qualquer ministro do

21 O atual regimento intemo do STF, em vigor desde 01.12.80, trata da


súmula nos aos. 102 e 103; o do STJ, nos arts. 122 a 125.0 au. 38 da Lei ti0
8.038, de 28.05.90, permite ao relator, no STF

e no STJ, negar seguimento a recurso que contrariar, nas questóes


predominantemente de direito, súmula do respectivo tribunal. Também
assim dispõe o au. 557 do CPC, com a redação do art.

20daLei n0 9.139, de 30.11.95.

Supremo Tribunal Federal pode suscitar a revisão dos enunciados postos em


súmula (art. 99) Não se trata de assentos com “força de lei”, que o
Anteprojeto inserira no seu texto; porém não retiremos aos textos de 1973 a
criação de dever dos juizes das turmas, das câmaras ou dos grupos de
câmaras, de respeitar as decisões das maiorias absolutas, postas em súmula.
A expressão “precedente” na uniformização da jurisprudência de modo
nenhum pode ser entendida como simples ocorrência sem eficácia. Outra
expressão, “predominante”, que adjetiva a jurisprudência inserta em
súmula, conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal,
revela que há eficácia, contra a qual só se há de advertir fundamentação tal
que leve a mudança de atitude poi parte de nova maioria absoluta.

O Código de 1973 tenta, com acerto, começar já de baixo a uniformização


da jurisprudência, que irá até a função magna do Supremo Tribunal Federal.

2. Acórdão e súmula Há o acórdão, que se lança nos autos que tinham


subido, e a súmula. A súmula concorre, como sempre, para a uniformização
da jurisprudência. Mas não há imposição, exceto para o julgamento da
causa em cujos autos se levantou a questão da divergência, após cujo
acórdão os autos subiram.

O art. 479 de modo nenhum pode ser interpretado como se fizesse “lei” a
súmula. Não se poderia fingir delegação de função legislativa. A
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 52, estatui que as leis
delegadas têm de ser elaboradas pelo Presidente da República, comissão do
Congresso Nacional ou de qualquer das suas Casas. Há exigências de
procedimento (arts. 53 e 54)33 Não se pode atribuir a qualquer órgão fazer
leis, como seria o caso da súmula-lei. A súmula apenas é “precedente” na
uniformização da jurisprudência. Uma das causas para isso, e a única;
concorre para o futuro, sem criá-lo. Daí ter sido retirado o adjetivo
“obrigatória”, que se achava no Projeto.

Aos autos do feito, no qual se suscitou o prejulgado, tem de ser lançado


acórdão proferido no prejulgado, para que o julgamento por parte da
câmara, ou turma, ou grupo de câmaras, se atenha a tal pronunciamento
prévio do tribunal.
Seja dito, de passagem, que a infração por parte da câmara, ou turma ou
grupo de câmaras, na observância da regra de direito adotada pelo tribunal,
constitui violação de direito e, em consequência, pressuposto suficiente, no
estado atual do nosso direito, para ulterior ação rescisória de sentença.

22 Atual regimento do STF, ao. 103; do STJ, au. 125, ~ 1~.

23 Sobre íeis delegadas, o ari. 68 da Const. 88.

O tribunal revela interpretação, que a câmara ou turma, ou grupo de


câmaras, infringiu no mérito. Não está, todavia, adstrito a manter a
interpretação dada.

3.Regimento internos O Código, no art. 479, parágrafo único, refere-se aos


Regimentos Internos dos Tribunais, para que neles se prevejam as
publicações das súmulas a respeito dos pronunciamentos, a fim de que
possam os juizes em geral e os membros de tribunais estar a par do que se
1. Inconstitucionalidade A infração, por lei ou outra regra jurídica, de texto
constitucional, ou mesmo de regra jurídica que se haja considerado

implícita na Constituição, diz-se inconstitucionalidade.

No sistema jurídico brasileiro, a técnica da decretação de nulidade da lei, ou


de outra regra jurídica, por infração da Constituição, é de origem norte-
americana. A técnica que serve ao princípio da legalidade é de origem mais
remota e ligada, essencialmente, ao velho direito luso-brasileiro. Os atos
públicos, ainda concebidos como enunciados de regras jurídicas, se
ofendem a lei, são ilegais, e, pois, nulos. Nulo é o regulamento que, em
algum ponto, se afasta da lei, inserindo regra jurídica que o sistema jurídico
não tem, ou alterando a• que ele tem, ou excluindo-a. Nula é a resolução ou
a portana, no que contém regra jurídica que somente em li se poderia
edictar.

Preliminarmente, inconstitucionalidade não se declara;


inconstitucionalidade decreta-se, porque a eficácia preponderante da
decisão é constitutiva negativa, pois quem fez a lei, o decreto-lei, o decreto,
o regulamento, ou qualquer outra fonte de direito, com infração da
Constituição, nulamente legislou. O elemento declarativo é mera eficácia
imediata, salvo se não vem à frente elemento mandamental. Foi esse o tema
que desenvolvemos no Congresso Intemazionale di Diritto Processuale
Civile (Padova, 1950); Natura giuridica deila Decisione de
Inconstitucionalità (Atti, 338 s.).

O poder de controle, nos sistemas jurídicos, ora é exercido por órgão


judicial, qualquer que seja, ora por um só órgão, concentrando-se assim,
com finalidade típica, a competência. Também existem soluções quanto
àfunção processual: ou se persiste a) a ação de decisão de
inconstitucionalidade, sem qualquer ligação ou dependência no tocante a
algum outro litígio; ou b) a ação de decisão de inconstitucionalidade, sem
tal ligação, ou com ela; ou c) ou a solução anterior, ou a prejudicialidade da
questão, incidentalmente levantada; ou d) a alegação só incidental.

O controle por órgão único, especial, foi adotado pela Áustria, mas
suscitado por algum dos outros órgãos. Na Alemanha (República Federal) e
na Itália, pode ser feito o pedido por via principal ou por via incidental, se
outro órgão o suscita.

A solução só acidental, de origem norte-americana, foi a que quiseram


impor ao Brasil, mas acabou sendo repelida.

Quando a Emenda Constitucional n0 16, de 26 de novembro de 1965, deu


nova redação ao art. 101, 1, k), da Constituição de 1946, atribuiu
competência ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar “a
representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza
normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da
República”, em verdade lançou regra jurídica de legitimação ativa do
Procurador-Geral da República. Já havia a competência originária do
Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os habeas-corpus e os
mandados de segurança, prescritos no art. 101,1, h e i), e as ações
rescisórias de seus acórdãos (art. 101,1, k) e, em via recursal, os mandados
de segurança e os habeas-corpus (art. 101, II, a) e os recursos
extraordinários (art. 101, III, a), b) e c), eventualmente d). Aí as questões de
inconstitucionalidade apareciam e eram julgadas. Mas, antes e depois da
Constituição de 1946, eram proponíveis, conforme as regras jurídicas de
competência, as ações de nulidade de atos do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo, por infração da Constituição. No art. 124 da Constituição de
1967, XIII, falou-se de “processo de competência originária do Tribunal de
Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município,
em conflito com a Constituição do Estado”. Não se precisava pôr isso na
Constituição Federal, porque o assunto é das Constituições estaduais e das
próprias leis de organização judicíana.

Na Constituição de 1967, antes (art. 114, 1, 1) e depois da Emenda n0 1


(art. 119, 1, 1), continuou-se com o instituto da representação pelo
Procurador-Geral da República: “Compete ao Supremo Tribunal Federal: 1

processar e julgar originariamente: 1) a representação do Procurador-Geral


da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual”. Não é essa a única razão para se dizer que o sistema jurídico
brasileiro admite o controle incidental e o controle direto da
constitucionalidade.24 Qualquer pessoa tem o direito de representação e de
petição de Poderes Públicos, em defesa de direito ou contra abusos de
autoridade (Consti24 Na Const. 88, compete ao Supremo Tribunal Federal
processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade
de lei ou ato normativo federal (art. 102, 1, a). Sobre a legitimidade para a
ação de inconstitucionalidade e para a ação declaratriria de
constitucionalidade, o ao. 103 e o seu § 40 Cabe aos estados federados a
instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais diante da constituição estadual, vedada,
contudo, atribuição da legitimidade a um único rirgão (art. 125, § 20). O ao.
97 dispõe que somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou
dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público.

tuiçãode 1967, com aEmendan0 1, art. 153, § 30).25 Qualquer cidadão será
parte legftima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao
patrimônio de entidades públicas (art. 153, § 31).26 Sempre que algum ato
jurídico de fato jurídico é fundado, ou se diz regido por alguma regra
jurídica inconstitucional, há a legitimação ativa da pessoa juridicamente
interessada a propor a ação de nulidade, por inconstitucionalidade.

Não se diga, portanto, que o controle principal só é exercido pelo Supremo


Tribunal Federal. O controle, conforme o art. 119,1, 1), da Constituição de
1967, com a Emenda n0 1,27 é controle principal, mas especial. A
apreciação da inconstitucionalidade de uma regra jurídica, em ação por
exemplo em ação de mandado de segurança preventivo ou de habeas-
corpus preventivo ‘ não é acidental: é principal.

A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e


julgar a representação do Procurador-Geral da República tem a seu respeito
o art. 120, parágrafo único, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0
1: O regimento interno é que há de conter as regras jurídicas.28

Quanto ao controle incidental, isto é, quando, para se resolver a questão, ou


para se revolverem as questões, incidentalmente, é a ofensa a regra jurídica
constitucional que preliminarmente se há de apreciar, o elemento da
alegação é sem repercussão na competência do juízo ou do tribunal. O
incidente pode ser em causa de competência de qualquer juiz singular, ou
corpo coletivo, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Há uma regra jurídica geral que apanha qualquer tribunal que está no art.
116: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público”.29

Os juizes singulares podem apreciar as leis e os atos dos poderes públicos


diante da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, ou da Constituição que
teriam de obedecer à data da promulgação .da lei ou da prática do ato.
Tratando-se, porém, de tribunais (juízos coletivos, ainda quando sejam de
primeira instância), são exigidos os votos acordes da maioria absoluta
(metade mais um) para que se decrete ser inconstitucional a lei (= contrária
à Constituição), ou o ato do poder público. Tal exigência

25Const. 88, ao. 50 ~ o.26Const. 88. ao. 50 L~(XIII.27Const. 88, ao. 102,
1, a.28Na Const. 88, art. 103 e seu § 4”, o Procurador-Geral da Reptiblica é
um dos legitimados. Novigente regimento interno do STF, a ação direta de
declaração de inconstitucionalidade é reguladanos arts. 169a 175.29Const.
88, ao. 97.não se faz em se cogitando de infração de lei; à decretação da
ilegalidade da regra jurídica contida em decreto, em regulamento, em
instrução, em aviso, ou no que seja, não se refere o art. 116 da Constituição
de 1967, com a Emenda n0 1 .~

Leis e decretos legislativos são os atos que podem limitar liberdade e


direitos fundamentais limitáveis. Os atos que não foram elaborados pelo
Poder Legislativo não podem chegar até aí. Os regulamentos são regras que
somente podem adaptar ao texto legal a atividade humana, e não à atividade
humana o texto legal. Não podem alterar a lei, nem criar regra jurídica:

podem revelar regra jurídica que está implícita, no sistema jurídico, o que
todo intérprete pode fazer. Se o regulamento, o decreto ou resolução, enche
branco que a lei deixou, porque podia deixá-lo, ao Poder Executivo, ou ao
Poder Judiciário, ou ao próprio Poder Legislativo, tem-se de verificar se,
com as suas regras jurídicas, não infringiu a Constituição ou alguma lei. Se
houve infração, não vale. Os avisos são dirigidos a funcionários públicos, e
não podem, de modo nenhum, prejudicar terceiros, ou alterar a legislação.
As portarias são concementes a determinada obra, ou serviço, e de modo
nenhum criam regra jurídica, ou alteram legislação.

Portaria era a carta patente não assinada nem selada pelo chanceler. As
Ordenações Manuelinas, Livro II, Tftulo 19, ao perceberem os dirigentes,
àquele tempo, os males que advinham de órgãos subalternos do Estado
estarem a edictar regras jurídicas e determinar medidas governamentais,
foram incisivas: “Por Tirarmos algujis inconvenientes que se poderiam
seguir de se comprirem as Portarias dadas de Nossa parte por algiias
pessoas, Ordenamos, e Mandamos que ninhuii Official de Nossa Justiça,
nem da Fazenda, e outros quaesquer nom façam por Portaria, que de Nossa
parte lhes seja dada, cousa algiia, posto que Nossos Officiaes sejam, ou
pessoas a Nós aceitas, os que as taees Portarias derem: e quem o contrair
fezer averá aquella pena, que por direito mereceria, se a tal cousa fezera de
seu moto proprio, sem lhe seer mandado por Nós verbalmente, ou por nosso
Alvará”. O texto passou às Ordenações Filipinas, Livro II, Título 41, com
pequenas alterações deforma. O Alvará de 25 de setembro de 1601 insistiu
no assunto, profligando a obediência às portarias; e pelo Alvará de 13 de
dezembro de 1604, Filipe foi incisivo: “... daqui em diante se não possa
fazer, nem faça obra alguma por nenhumas Portarias, nem Cartas dos ditos
Secretários, ou de quaisquer outros Ministros meus, ou pessoas, de qualquer
qualidade que sejam, ainda que nelas declarem que se dêem à execução sem
embargo da dita Ordenação, e que somente se façam pelas ditas Portarias e
Cartas as provisões necessárias pelas quais se fará obra, e não pelas ditas
Portarias e Cartas, como dito é; e tudo o que por elas se fizer contra a dita
Ordenação, e este meu Alvará, será nulo, e de nenhum efeito, nem vigor: e
qualquer oficial, que cumprir, ou fizer obra pelas tais Portarias, ou Cartas,
será privado para sempre do Ofício, que tiver: e assim me praz que sobre as
Portarias, e Cartas passadas antes desde meu Alvará às partes, a que
tocarem os casos delas, possam requerer seu direito, sem embargo de haver
nas ditas Portarias e Cartas cláusula que por elas se fizesse obra” (integra do
Alvará, em Feliciano da Cunha França, Additiones aureae que
Jílustrationes ad Librum primum secundae partis Practice Lusitanae,
Emmanuelis Mendes de Castro, 9 s., e Manuel Álvares Pêgas,
Commentaria ad Ordinationes Regni Portugaliae, 14, 284).

Os juizes singulares podem decretar a nulidade da lei, ou de qualquer “ato


normativo” (regra jurídica), por ser contrário à Constituição, pois do que
decidirem há sempre recurso. Nem se poderia excluir a cognição da questão
de inconstitucionalidade pelos juizes singulares; nem seria de admitir-se
que se exigisse o per saltum, tais os enormes inconvenientes práticos que
teria, se os juizes singulares houvessem de sustar os julgamentos. Para se
chegar a essa conclusão, não se precisa da cripto-construção de que se
serviu o Tribunal Federal de Recursos, voto do relator no acórdão de 24 de
maio de 1948 (Recurso de mandado de segurança n0 90, do Distrito
Federal, R. de D. R., 14, 134 s.):

“... o Juízo singular apenas deixa de aplicar na espécie a lei ordinária para
aplicar a Constituição, assim como deixaria de aplicar regulamento que
contrariasse a lei ordinária, ou uma portaria contrária a um regulamento. A
decisão limita-se ao estabelecimento da hierarquia das leis, sem, todavia,
invalidar o ato legislativo, senão em frente ao caso julgado”. De modo
nenhum. A decisão do tribunal, por maioria absoluta, não é diferente da
decisão do juiz singular; ambas são constitutivas negativas, in casu, e só in
casu; a decisão do Supremo Tribunal Federal éque tem plus de eficácia,
assim em relação à decisão dos outros tribunais como em relação à decisão
dos juizes que é o de bastar à deliberação do Senado Federal31 quanto à
suspensão de execução das leis ou decretos que foram tidos, por decisão
trânsita em julgado, como contrários à Constituição.

O art. 480 cogitou, apenas, da decretação de inconstitucionalidade por juízo


coletivo. Não se aludiu ao texto constitucional sobre a exigência da maioria
absoluta; mas seria absurdo que se permitisse desatendimento ao

31Const. 88, ao. 52, X.

texto constitucional, pois, ai, inconstitucional seria a decisão. Tal exigência


não vai além de ato do poder público, de modo que o pressuposto é esse e
mesmo os atos do poder público não normativos são beneficiados pelo
principio constitucional da maioria absoluta.

Os membros do tribunal, que votaram, em cognição da ação, ou do recurso,


ou seus substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa
decretar a nulidade da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o
chamado mínimo para julgamento de inconstitucionalidade da regra
jurídica.

Atende-se, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a


Constituição exija a maioria absoluta dos membros do tribunal (não dos
presentes) para a decisão desconstitutiva, só o faz a respeito das regras
legais ou de atos dos poderes públicos, isto é, das leis e de outros atos, que
contenham regras jurídicas ou não, porém não estende a exigência se a
infração, de que se trata, é a regra legal. O tribunal, ou a parte do tribunal,
não precisa de maioria absoluta para dizer ilegal o ato do poder público. A
primeira vista, parece estranho que se possa decretar a ilegalidade, sem
maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa decretar a
Inconstitucionalidade desse mesmo ato, se não se perfaz maioria absoluta
dos membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de
legalidade são menos graves e só atingem os decretos, regimentos,
regulamentos, avisos, instruções, portarias e outros atos menos importantes.
As questões de inconstitucionalidade são graves, porque se acusa o autor do
ato de violar a Constituição de que provém qualquer particular de poder
publíco, que haja invocado.

Surge o problema da apreciação da inconstitucionalidade das leis


complementares, das leis delegadas, dos decretos-leis, dos decretos
legislativos e das resoluções. Para quaisquer desses exames é indispensável
a maioria absoluta do tribunal. A fortiori, se se trata de emenda à
Constituição. Se a violação foi de lei, ou de Regimento Interno, não é
preciso que haja a maíona absoluta.

No prejulgado, ou pronunciamento prévio (Código de Processo Civil, arts.


476-479), a cognição é do per saltum, e não de ação. Há preliminares do
prejulgado, como haveria se se tratasse do recurso.

A exigência da maioria absoluta tem fundamento em ser preciso que se haja


discutido e meditado o assunto, a fim de não ser excessivamente fácil a
desconstituição de leis ou de outro ato do poder público, por eiva de
inconstitucionalidade. Em todo caso, há argumento contrário, de lege
ferenda, que é o de ser mais fácil desconstituir-se por ilegalidade do que por
inconstitucionalidade a regra jurídica ou outro ato do poder público.
Responde-se-lhe que o poder público há de estar de olhos fitos na lei e ser
mais

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

39

facilmente perceptível a infração da lei que a infração da Constituição. Essa


é a ratio legis como já dissemos.

Se os fundamentos da alegação da inconstitucionalidade são dois ou mais,


como se o arguente diz haver violação do principio de isonomia (igualdade
perante a lei), do principio da liberdade de pensamento e de principio da
legalitariedade, somente se pode apreciar a nulidade da regra jurídica ou do
ato do poder público em relação a cada fundamento, de per si. Não basta,
em tribunal de nove membros, que quatro digam só haver violação do
principio a, e não dos outros princípios, quatro, que só existe violação do
principio b, e quatro que só infringiu o principio c. Não se somam como
parcelas quantidades heterogêneas.

O per saltum por alegação de inconstitucionalidade tanto pode ocorrer em


grau de recurso como nas ações de competência originária dos tribunais, e
tanto pode ocorrer a propósito de preliminares pré-processuais e processuais
(e.g., a regra jurídica sobre legitimação processual é nula, por ofensa

à Constituição) como a respeito das questões prévias do mérito ou do ceme


mesmo do mérito.

Em se tratando de recurso, há o princípio de que somente de um se pode


usar, mas a duplicidade pode ocorrer se dois ou mais são os recorrentes.
Uma vez que se suscitou o per saltum, algumas circunstâncias eventuais
podem surgir.

Em ambos ou em alguns ou em todos os recursos tem-se de manifestar o


tribunal quanto à inconstitucionalidade da lei ou de outro ato do poder
publico: a) onde não há dúvida no tribunal sobre a constitucionalidade, o
per saltum está afastado; igualmente, se a simplesmente maioria repele a
arguição de inconstitucionalidade; b) onde em duas câmaras, ou turmas, ou
grupos de câmaras, a situação a) se estabelece, não se há de cogitar de per
saltum em qualquer delas; c) se a câmara, ou turmas, ou grupos de câmaras
tende à decretação de inconstitucionalidade da lei ou de outro ato do poder
público, há de haver o per saltu,n, e o tribunal somente pode desconstituir a
lei ou o ato, por inconstitucionalidade, se há maioria absoluta dos membros
do tribunal; d) se ocorre c) em duas ou mais câmaras, ou turmas, ou grupos
de câmaras, o tribunal deve julgar, após apensação dos processos, todos os
per saltum que digam respeito à mesma regra jurídica, ou ao mesmo ato (se
não se trata de questões sobre a mesma regra jurídica ou sobre o mesmo ato
do poder público, não há necessidade de apensação).

Ao juiz não é lícito abster-se de conhecer e decidir da defesa fundada na


inconstitucionalidade da lei, ainda que seja o da primeira instância
(Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de junho de 1904, 29 de março, 8 de
maio e 25 de junho de 1905). Não temos o per saltum de juiz singular para
tribunal. O per saltam surge, por força da organização judiciária em
câmaras, ou turmas, de algumas daquelas, ou dessas, ou de reunião delas,
para o plenário.

O juiz deve decretar a inconstitucionalidade, ainda que não alegada


(Tribunal da Relação da Bahia, 7 de junho de 1918); tanto mais quanto
sobreleva a quaisquer outras questões (Supremo Tribunal Federal, 12 de
maio de 1915). Não há possibilidade de se excluir a apreciação da
constitucionalidade por ser de natureza especial, ou demasiado célere o
processo. Assim, pode ser levantada a questão, e deve ser decidida no
processo de habeas-corpus (Supremo Tribunal Federal, 27 de dezembro de
1919) e no processo de mandado de segurança.

Tampouco, tratando-se de defesa que a lei restringe, enumerando os


pressupostos, pode ser excluida a que se funda na inconstitucionalidade,
porque seria violar-se a Constituição, criando-se óbices à sua incidência
(Supremo Tribunal Federal, 8 de agosto e 10 de dezembro de 1917). Assim,
foi errada a jurisprudência (e.g., Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de
fevereiro de 1909, e Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, 18 de junho de
1907), que permitiu às leis dizerem quando ou até quando se pode suscitar a
questão de constitucionalidade, e.g., a fortiori, a que exige ser suscitada
como principal, e não como incidente (Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro, 12 de maio e 24 de novembro de 1908). Não há processo, por mais
célere que seja, nem por ser limitado à cognição sumaríssima (e.g., Código
de Processo Civil, art. 275), nem por ser preparatório, em que se não possa
arguir inconstitucionalidade da lei ou do ato do poder público.

Quando se tem de proceder à verificação de ser contrário à Constituição, ou


não, algum artigo de lei, ou parágrafo, ou inciso, ou proposição, ou de
algum ato normativo do poder público, não se pode pretender que a unidade
da regra jurídica escrita, como artigo, parágrafo, ou inciso, ou proposição
portanto, a unidade de expressão coincida, sempre, com a unidade lógica,
isto é, a unidade em sistema lógico, como é o sistema jurídico. Os artigos,
parágrafos, incisos e proposições têm, por vezes, algo que não está neles, e
sim noutros artigos, parágrafos, incisos, proposições; e, não raro, o artigo,
parágrafo, inciso, ou proposição, contém mais de uma regra jurídica, como
unidade lógica. A regra jurídica que se extrai de dois ou mais artigos, ou de
um artigo e parte de outro, é que é a unidade lógica, que se tem de examinar
logicamente, para se saber se se choca ou não se choca com a Constituição,
ou com alguma regra jurídica superior. Por outro lado, pode dar-se que
somente um inciso, uma proposição, ou parte intercalar do artigo, ou do
parágrafo, seja unidade lógica e fira a Constituição, ou a regra jurídica
superior, sem que o artigo ou o parágrafo a fira.

A nulidade por inconstitucionalidade da lei local ou do ato do poder público


local também só se há de decretar por maioria absoluta, seja federal, seja
local a entidade estatal de que provém.

Não cabe a incidência da regra jurídica da maioria absoluta se apenas se vai


decidir se a regra jurídica não existe no sistema jurídico brasileiro. Aí, a
questão é de interpretação.

Exige-se a maioria absoluta dos juizes (não a maioria absoluta de presentes,


e sim a maioria absoluta de votos contra a lei) para a decretação da
inconstitucionalidade de leis, ou de atos do poder público. Não se aplica aos
casos em que se discute a ilegalidade da lei municipal do Distrito Federal,
conferida com a Lei orgânica do Distrito Federal. O Distrito Federal não
tem Constituição; de modo que a discrepância entre as leis ou atos de
poderes municipais do Distrito Federal e a Lei orgânica não envolve, só por
si, questão de inconstitucionalidade. A situação é muito diferente daquela
em que está em causa lei estadual, ou municipal, de Estado-membro, que se
há de apreciar diante da Constituição estadual: aí, a questão éde
inconstitucionalidade, se bem que não em confrontação com a Constituição
federal.

Também é diferente daqueles casos em que se apura a constitucionalidade


das leis estaduais, ou municipais, dos Estados-membros, do Distrito Federal
e dos Territórios, em relação à Constituição federal.
A maioria absoluta é de votos acordes; não se exige a presença de todos os
juizes: portanto, se a maioria absoluta dos juizes está presente e vota
unanimemente, está satisfeito o pressuposto (Tribunal de Apelação de Mato
Grosso, 7 de junho de 1945, D. O. de Cuiabá, 21 de junho de 1945:

“... a melhor interpretação está com Pontes de Miranda e com o Tribunal de


Apelação do Estado de São Paulo, que ressaltou, em várias de suas
decisões, o sentido de não se exigir a presença de todos os membros do
Tribunal, mas apenas que se pronuncie a maioria absoluta contra a
constitucionalidade da lei para que ela não seja aplicada”). Uma vez que
houve maioria absoluta dos membros do tribunal, no sentido de ser nula,
por inconstitucionalidade, a lei, a solução seria a mesma, se todos os
membros do tribunal houvessem comparecido.

A legalidade da legislação ou dos atos dos poderes dos Territórios em face


da lei organizadora deles também não é questão de constitucionalidade,
inclusive para a maioria absoluta.

A prova da ilegalidade das leis ou atos dos poderes municipais do Distrito


Federal, isto é, a apreciação da validade das leis ou dos atos em face da lei
que organizou o Distrito Federal ou os Territórios, pode ser feita perante o
Poder Judiciário. A simples decretação da ilegalidade das leismunicipais do
Distrito Federal, dos Territórios e, a fortiori , dos Municípios estaduais que
têm leis orgânicas, não autoriza a providência da maioria absoluta, porque
tal princípio só se refere àqueles casos em que se dá inconstitucionalidade
perante a Constituição federal ou estadual. Mas incide se a lei municipal, ou
do Território, ou do Distrito Federal, ou a própria lei orgânica é contrária à
Constituição.

Para se reputar infringente dos princípios constitucionais alguma lei, ou


outra regra jurídica, ou ato do poder público, não basta que se infrinja lei
complementar. A lei complementar, à diferença da emenda, não se insere na
Constituição.

Uma vez que somente complementa, a lei complementar não é conteúdo da


Constituição. Daí não poder ser tida como texto constitucional. Para se
dizer que alguma lei, ou outra fonte do direito ou ato do poder público, a
infringe, não é preciso que haja a maioria absoluta, de que falao art. 116.

A questão da inconstitucionalidade das leis ou atos dos poderes públicos


pode ser levantada enquanto está sub judice qualquer demanda, ainda que
em grau de recurso stricti juris; isto é, enquanto não se extinguiu a relação
jurídica processual. Portanto, na instância do recurso de revista,32 ou dos
embargos, ou de qualquer outro recurso. No próprio julgamento dos
prejulgados, se a matéria devolvida ao conhecimento do tribunal superior
éligada à lei, ou ao ato, sobre que se tem de manifestar em pronunciamento
prévio. Se à matéria devolvida não é ligada a questão de
inconstitucionalidade, baixando os autos, com o acórdão do prejulgado, o
interessado na decretação de inconstitucionalidade requererá, na câmaras,
ou turma, em que se suscitou o prejulgado, o per saltum, para que, no
tribunal pleno, se decida. O per saltum para a apreciação da
inconstitucionalidade é algo de semelhante ao prejulgado, sem o
pressuposto da divergência das câmaras, ou turmas. Idem, quanto às
reclamações e representações.

O juiz não tem o arbítrio de deixar de lado a questão constitucional, ou as


questões constitucionais, que as partes ou os membros do Ministério
Público levantaram. É missão sua. É dever seu. Ele mesmo as pode suscitar
e resolver.

Rigorosamente, é obrigado a isso. A Constituição é lei, e não lhe é dado


desconhecer as leis. Daí dever-se entender que, se aplicou textos da lei
ordinária, ou do decreto, ou do regulamento, ou de regimento, sem se
manifestar sobre a sua inconstitucionalidade, os reputou constitucionais. E

32 A menção ao recurso de revista, n5o adotado pelo atual CPC, mostra,


mais uma vez, que o saudoso autor decalcou estes comentários sobre os
que fizera ao código anterior. Nada há de censurável nisso.

a afirmação ipso facto, que se entronca em aresto de John Marshall,


proferido em 1803; porque tal dever resulta, diretamente, do princípio de
submissão de todos poderes à Constituição. Em verdade, não se trata de
mais do que de caso novo, devido ao fato social novo do controle judicial
das leis, do velho princípio Jura novit curia, a que se acrescenta esse
elemento de supremacia da Constituição. Toda a novidade resulta da
cumulação dos dois princípios jurídicos.

2. Decisões pelo tribunal de controle Os juizes singulares podem apreciar as


leis e os atos dos poderes públicos diante da Constituição de 1967, com a
Emenda n0 ~ ou da Constituição a que teriam de obedecer àdata da
promulgação da lei ou da prática do ato. Tratando-se, porém, de tribunais
(juízos coletivos), ainda quando sejam de primeira instância, são de exigir-
se os votos acordes da maioria absoluta (metade mais um) para que se
decrete ser inconstitucional (=

contrária à Constituição) a lei ou o ato do poder público. Tal exigência não


se faz em se cogitando de infração de lei: à decretação da ilegalidade da
regra jurídica contida em decreto, em regulamento, em portaria, em aviso,
ou no que seja, não se refere o art. 116 da Constituição de 1967 com a
Emenda n0 1 .~

Daí a conveniência se está em causa apenas decreto, regulamento,


regimento, aviso, instrução ou portaria de introduzir-se na alegação, se
possível, a questão de inconstitucionalidade. Às vezes, é assaz fácil; se o
regulamento se afasta da lei, também o Poder Executivo infringiu o art. 81,
III, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 »5

Os membros do tribunal, que votaram, conhecendo da ação, ou do recurso,


ou seus substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que possam
decretar a nulidade da lei ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado
quorum do julgamento de inconstitucionalidade.

Se a questão de inconstituciona1idade foi acolhida, perante corpo


componente do tribunal, tem esse corpo, após a cognição do caso, de
suscitar o per saltum, isto é, a submissão da questão de
inconstitucionalidade da lei, ou outra regra jurídica, ao tribunal pleno.36
Não há julgamento de inconstitucionalidade dentro de turma, ou câmara;
nem afasta o per saltum o fato
33 Idem, no tocante à Const. 88.

34 Nem o an. 97 da Const. 88.

35 Const. 88, art. 84, IV.

36 Conforme o art. 93, XI, da Const. 88, nos tribunais com número superior
a vinte e cinco juizes, pode ser Constituído órg5o especial para exercício
da competência do pleno, inclusive, claro está,

• a de decretar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder


público.

de todos os juizes da turma, ou da câmara, ou de outro corpo julgador,


estarem acordes em que não há inconstitucionalidade.

Uma vez que foi posta a questão, pelo interessado, ou de oficio, e a acolheu
o corpo seccional, somente o tribunal pleno pode decidir. Se se permitisse
que o corpo julgador pudesse evitar o per saltum, por afirmação de haver
infração da Constituição, ter-se-ia deixado sem tutela jurídica a parte
contrária à decretação da inconstitucionalidade. Sempre que se submete a
julgamento qualquer questão de direito ou de fato, pergunta-se se não se
pode dizer ‘‘sim’’ ou não se pode dizer ‘‘nao~~, ou só’’~ã~~~.

Sempre que se dá cognição a juiz ou tribunal, é de entender-se que se


pergunta ao juiz ou aos juizes: “sim, ou não?” Se o juiz ou o corpo julgador
só pode dizer “não~~, não pode dizer “sim~~.

Levantando-se questão sobre inconstitucionalidade da regra jurídica, tem de


ser entregue a tribunal que lhe possa dar solução. Não poderia dar solução
quem somente pudesse dizer “não”.

A regra jurídica do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ,~


só se refere aos corpos julgadores, e a maioria que não seja metade mais
um, nem poderia dizer ‘‘sim’’, nem poderia dizer ‘nao~
a) O poder estatal, nos Estados Unidos da América e no Brasil, está no
Povo. Em relação ao direito constitucional de quase todo o mundo, era isso
fato novo. Procedia-se a certa inversão da fórmula polftica, inversão que era
ainda, ao tempo da Constituinte norte americana, mais esperança de
filósofos do que preocupação imediata de políticos. Os governos são feitos
para os indivíduos, governments are made for the subjects, queriam e
sustentavam os pensadores de outrora, nas ânsias mais irrompentes do
individualismo jurídico, mas os políticos de toda aterra, entregues às velhas
correntes tradicionais do absolutismo, continuavam a pregar e praticar, ou
só a praticar o princípio contrário: subjects for the government (cp. Edward
Lowell, na obra de Justin Windsor, Narrative and Critical History of
America, VII, 16). A Constituição buscou a proteção pelo Poder Judiciário,
de onde resultou o judicial control. A Corte Suprema tornou-se
departamento co-igual e coordenado do aparelho governamental (Hampton
Carson, The History of the Supreme Court of the United States, 1, 194,
sobre John Marshall). O axioma de direito constitucional norte-americano,
Constitution must control the laws, inspirou toda a formação da técnica
norte-americana da apreciação da constitucionalidade. b) No Brasil, o
controle das leis foi admitido como consequência da apreciação da violação
da Constituição

pelo legislador; portanto, como técnica do julgamento do ato legislativo, no


que não era ato politico. A teoria firmou-se, sem se precisar de conceber o
Poder Judiciário como acima dos outros Poderes: se lhe incumbe aplicar as
leis e a Constituição é lei, acima das outras, as outras, no que a infrinjam,
são inválidas; portanto, judicialmente desconstituíveis. c) Na Áustria,
pretendeu-se construir a Corte constitucional como ao nível do poder
constituinte, sendo os outros poderes “constituídos”. Na Introdução aos
Comentários à Constituição de 1967, mostramos a artificialidade de tal
concepção. Artificialidade consciente, por ser em busca de originalidade,
que era o cartaz individual do elaborador. Procurar ser original já é não ser
original.

A Justiça aprecia a constitucionalidade das leis e das emendas e revisões da


Constituição. Se houve solução de continuidade na vida constitucional e se
elabora a Constituição que os juizes não reputam legitima, trava-se a luta
entre dois órgãos do poder estatal, um dos quais anterior ao outro. A
solução, que passa ao domínio dos fatos (pois as manifestações iniciais de
todo poder estatal que repousa no Povo são fácticas), dirá se o órgão
posterior está sujeito à Constituição, de modo que não pode impor outro,
sem obediência a ela. Mais: se a Constituição, que se examina, só nasce
dele, só dele tira legitimidade e dela derivam todos os poderes, isto é, se a
Justiça não pode apreciar a fonte da Constituição. Como ordenação jurídica,
a constituição só se impõe depois de se impor como situação de fato.
Situação que não é dela, mas do poder constituinte, em que se revelou o
poder estatal. Quando a Justiça diz que a Constituição não é legítima, a
Justiça diz que outra Constituição o é. Opõe fato a fato, mas, também,
ordem jurídica a fato, que se apresenta, falsamente, como lei integrante da
Constituição. A Constituição a que a Justiça obedece não precisa justificar-
se: e. Mas, porque é, cria a sua ordem jurídica.

A legitimidade das emendas ou da revisão apura-se segundo as regras de


direito material e processual da Constituição vigente. Não assim a de
Constituição toda nova, porque, para a Constituição nova, é preciso que o
Povo retome o inteiro exercício do poder estatal. Só se pode falar da
juridicidade de uma Constituição em relação a outra Constituição anterior a
ela, quando a segunda não é senão nova redação, em certos pontos alterada,
da Constituição que precedeu, ou se os princípios continuaram em vigor,
ainda que só num ponto o da possibilidade jurídica da nova Constituição.

A apreciação da constitucionalidade das leis e dos atos dos poderes públicos


pelo Poder Judiciário teve, nos Estados Unidos da América e no Brasil de
1891-1930, as duas manifestações históricas mais relevantes; 1934 foi
grandemente expressivo, com a exigência da maioria absoluta para as

declarações de inconstitucionalidade. Mas 1937-1946 foram eclipse


imperdoável; 1967, como 1946, volveu a 1934.

Só após a guerra a Europa procurou adaptar a si a técnica do exame das leis,


ou criar solução sua. A Austria deu-nos, em 1921, o mais interessante e
frustrado aparelho.
3. Decisões em prejulgado No prejulgado, a cognição é do per saltum, e não
da ação. Há preliminares do prejulgado, como haveria se se tratasse de
recurso.

No per saltum do art. 116 da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, o


que o tribunal pleno38 tem de decidir é apenas a questão da
inconstitucionalidade da lei, ou do ato do poder público, que é quaestio
iuris, estrita e precisa.

Salta-se; há a decisão, e volta-se. Continua o julgamento.

4. Regra da maioria absoluta A exigência da maioria absoluta tem


fundamento em ser preciso que se haja discutido e meditado o assunto, a
fim de não ser excessivamente fácil a desconstituição de leis ou outros atos
do poder público, por eiva de inconstitucionalidade. Em todo caso, há
argumento contrário, de legeferenda, que é o de ser mais fácil desconstituir-
se por ilegalidade do que por inconstitucionalidade a regra jurídica ou ato
do poder público. Responde-se-lhe que o poder público há de estar de olhos
fitos na lei e ser mais facilmente perceptível a infração da lei que a infração
da Constituição.

“Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros”, diz a


Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 1 ~

“poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei, ou de ato de


poder público”. Assim, a Constituição de 1934, art. 179, a de 1937, art. 96,
e a de 1946, art. 200.

Sobre o assunto, Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,

~ 2~ed., 589 s., sob o art. 116. Aqui, só nos interessa o aspecto processual.
Trata-se de regra de julgamento, que, sendo a questão entregue a tribunal
pleno, apenas impõe que só se tome a decisão constitutiva negativa de lei
ou de todo poder público, por maioria absoluta. Se não é o tribunal pleno
que conhece da questão, a regra de julgamento suscita a deslocação
ascendente, ou subinte, à semelhança de recurso, o per saltum, aqui,
ocasional, em relação ao per saltum do prejulgado (art. 476), que é
necessário.

Assim, se a questão de inconstitucionalidade se apresenta ao tribunal pleno,


não há per saltum: o próprio tribunal, a que cabe decidir, tem competência
para resolver por maioria. Então, o que se pode passar é que

não tenha havido maioria a favor de ser contrário à Constituição o ato


legislativo, executivo ou judiciário do poder público e tudo se haja
desenrolado sem mais acidentes. O que é preciso é que haja maioria
absoluta contra a lei ou contra o ato do poder público.

Per saltuni há se o corpo julgador, juízo coletivo, não’ é o tribunal pleno.

A regra jurídica do art. 116 de modo nenhum se refere ao juiz singular. Se


do seu ato, reputando inconstitucional o ato do poder público, cabe recurso,
é no grau do recurso que se há de exigir a maioria absoluta do tribunal. Se
não cabe recurso, nem se compreenderia, aí, que houvesse correição, no
julgamento do mandado de segurança ou de outro remédio jurídico; contra
o ato do juiz é necessária a maioria absoluta, para que se mantenha a
decisão desconstitutiva.

Maioria absoluta é metade mais um dos membros componentes do tribunal;


não a maioria dos presentes, ou dos que há, excluídos os lugares vagos.

A regra jurídica não atinge as alegações de ilegalidade das leis estaduais, ou


de outras. Porém apanha quaisquer alegações de inconstitucionalidade se
concernem a leis, decretos, regulamentos, avisos, portarias, atos de
administração. Não se há de confundir, todavia, a arguição de
inconstitucionalidade (e.g., “o artigo do regulamento é contrário a princípio
constitucional”) e a arguição de ilegalidade (e.g., “o artigo do regulamento é
contrário à lei”); pois, nesse caso, a maioria absoluta não é exigida. Por isso
mesmo que são questões diferentes, não se somam os votos a favor da
ilegalidade aos votos a favor da inconstitucionalidade.

A decisão é constitutiva negativa e exclui a aplicação da lei, ou do ato do


poder público, in casa. A suspensão da lei ou decreto, por inconstitucional,
é da competência do Senado (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
art. 42, Vil).4’> Sobre isso, Coinentá rios à Constituição de 1967, II, 2~
ed., 87 s.

Quando a questão está entregue ao tribunal pleno, esse, por maioria


absoluta, decide. Se está com alguma fração do tribunal, dá-se o per saltam.
A respeito, cumpre distinguir a revogação da lei, a nulidade da lei, por
infração de regra de fundo, e a inexistência de lei. Se a lei foi revogada por
outra, que não é a Constituição, questão constitucional não há: à vocatio da
lei sucedeu revocatio, e só isso. Legislador deu o voto, a vox, e retirou-a. Se
a nova lei é a Constituição, a voz que retirou a outra é mais forte do que
essa outra: há a questão de revogação (existência de leis no tempo) e a
questão constitucional. Se a lei é nula, porque, embora enviado ao
Presidente da República o projeto, a votação foi feita sem o quorum, lei há,
mas é nula:

tem-se de desconstituir esse ato, que infringe a Constituição e a decisão


constitutiva negativa tem de ser por maioria absoluta. Outrossim, quando,
em vez de ser enviado ao Presidente da República, como de regra, o
projeto, o Presidente do Senado a promulga, ou quando o Presidente da
República a sanciona, alterando-lhe o texto sem ser em caso de veto parcial
e segundo os princípios.

Muito diferente é o que se passa em caso de lei inexistente, como a que foi
inserta no Diário Oficial, sem ser por ordem do Presidente do Senado, ou
sem constar do seu texto que o Congresso Nacional a votou e o Presidente
da República a sancionou. Não é lei. Qualquer tribunal fracionário lhe pode
negar (declarar negativamente) a existência.

Basta, porém, que haja ato do poder público (Presidente da República,


Presidente do Senado) para que se tenha por lei nula. É possível exprobrar-
se, certamente, de legeferenda, essa sobrestimação do ato do poder público;
mas, de lege lata, é a única solução compatível e extraível do art. 116 da
Constituição de 1967, verbis “ato do poder público”. Aí, a solução da
questão de inconstitucionalidade contém declaração da inexistência de lei e
desconstitaição do ato do poder público, o que torna a decisão do tipo 4, 5,
2, 3, 1, em vez de 5, 3, 2, 4, 1.

Põe-se em discussão e, depois, em votação, separadamente, cada uma das


quaestiones iuris. No exemplo que demos acima, não houve violação de
nenhum princípio constitucional. Se seis houvessem dito que foram
violadas as regras jurídicas do art. 153, §§ 10 e 20, não haveria provimento
por violação do art. 153, * 50 da Constituição.4’

5. Mantença do direito anterior Como o Decreto francês da Convenção (21-


22 de setembro de 1792) e a Constituição francesa de 14 de janeiro de 1852,
art. 56, a Constituição de 1891, art. 83, mantinha expressamente em vigor
as leis anteriores. Poderia parecer que se derrogava o principio contrário o
de que, na ausência do texto, estariam revogadas.

Se formos até a origem de tal prática, encontrar-lhe-emos explicação que


desmente a existência de tal princípio, e afirma a daquele que se consignava
no texto constitucional. Respondendo a um membro da Convenção, que
pedia a decretação da vigência de todas as leis que já a tinha no passado,
disse Chénier: “CelIes qui ne sont pas abrogées subsistent par le fait
sansqu’il soit besoin d’aucuna declaration”; e Prieur acrescentou: “La
conservation provisoire des autorités et des bis actuellement existantes est
sans doute de droit; mais il faut garantir les départements des inductiones
que des agitateurs pourraient tirer du silence de la Constitution”.

(a) O princípio do art. 83 da Constituição de 1891 passou à Constituição de


1934, art. 187, e à de 1937, art. 183. É o princípio da continuidade da vida
jurídica,42 salvo onde se chocaria tal continuidade com as regras da nova
Constituição (discordância principal ou de regras jurídicas explícitas).

Os escritores costumam ligar tal normalidade da continuação das leis em


vigor à perpetuidade do Estado, como se fosse essencial ao Estado, revogar,
aos poucos, e não de só uma vez, as suas leis. Tudo se passa dentro do
direito interno, sem que atinja a personalidade do Estado. Se, com a nova
Constituição, fossem inconciliáveis implícita ou explicitamente todas as
regras, escritas ou não, do direito anterior, todas elas deixariam de vigorar
no instante mesmo em que se iniciasse a vigência da nova Constituição.

(b) ~, O art. 116 nada tem com as leis anteriores, ou também elas, para
serem tidas como inconstitucionais, precisam da maioria a que se refere o
art. 116?~~

A regra especial de direito intertemporal existe, ainda que só implicitamente


a de apreciação da inconstitucionalidade é a do art. 1 l6i~ Aquela, relativa à
incidência das leis; essa, ao modo de se decidir sobre a
inconstitucionalidade: diz respeito, portanto, tratando-se de fundo, à data do
julgamento. Em conseq~iência, se uma lei,feita sob a Constituição de 1891,
ou sob a Constituição de 1934, ou de 1937, ou de 1946, era
inconstitucional, pergunta-se à Constituição, vigente quando ela se fez, se
valia. Se, feita sob a Constituição de 1891 e constitucionalmente válida,
atravessou o período de 16 de julho de 1934 a 9 de novembro de 1937,
responde a Constituição de 1934; se não o atravessou, foi revogada, ou
derrogada, e não reviveu com a Constituição de 1937; se o atravessou, tem-
se de saber se, com a de 10

de novembro de 1937, ficou revogada, ou não; se veio até 17 de setembro


de 1946, indaga-se se poderia ser feita (fundo) e se podia incidir depois de
18 de setembro. Se veio até 29 de outubro de 1969, tem-se de verificar se
podia ser promulgada a 30 de outubro, para que incida daí por diante. Se
não podia ser promulgada, e o foi, inconstitucional há ser julgada.

42Referido, na doutrina e na jurisprudência hodiemas, como princípio do


recepçdo. pelo qual, poruma questão de natureza prática, uma nova ordem
constitucional recebe todas as normas que comela não foreni contlita.ntes,
bem se poderia chamá-lo de princ,»io da (Ib.s<)rÇa<) c(>nl/>otíx’e/.
43Const. 88. art. 97.44Const. 88, ar>. 97.

Se se trata de lei feita sob a Constituição de 1967, com a Emenda n01, essa
Constituição é que decide de ser, ou não válida. Quando a incidência é sob a
Constituição nova, essa éque responde se vale, quanto ao fundo, a regra
jurídica.
Para a decretação de inconstitucionalidade de uma lei, ou de algum ato dos
poderes públicos, perante a Constituição de 1891, não era preciso que se
compusesse a maioria absoluta favorável à inconstitucionalidade. Para a
decretação da inconstitucionalidade de lei ou de qualquer ato dos poderes
públicos entre 1934 e 9 de novembro de 1937, era de mister a maioria
absoluta (Constituição de 1934, art. 179). Em nenhum dos dois casos
apontados cabia o recurso do art. 96, parágrafo único, de 1937 (revogado
pela Lei Constitucional n0 18, de 11 de dezembro de 1945), que só dizia
respeito à apreciação das leis perante os textos de 10 de novembro de 1937.
Resta saber-se se a conferência de qualquer lei, elaborada antes de 9 de
novembro de 1937, ou de ato do Presidente da República praticado até
aquele data, exigia a observância do art. 96, em relação ao texto
constitucional de 1937. A resposta era negativa, porque só se tratava de
verificação de ter sido, ou não, revogada a lei, ou o ato do Presidente da
República.

A colocação do principio do art. 179 da Constituição de 1934 nas


Disposições Gerais, quando o seu lugar fora no Capítulo IV, Seção 1, do
Titulo 1, obrigou-nos, nos Comentários àquela Constituição (II, 542 s.), a
tratar separadamente o problema técnico da apuração da constitucionalidade
das leis e dos atos dos poderes públicos, como parte, que é, da técnica da
Justiça, o problema da rigidez das Constituições, que havia de constituir
preliminar do nosso comentário, e, depois, o conteúdo do art. 179, em que
se concretizou a inovação da Constituição a propósito de decretação de
inconstitucionalidade. Reportamo-nos, portanto, ao que antes escrevêramos.
Temos, hoje, a mesma situação. (Na Constituição de 1937, a regra jurídica
que correspondia ao art. 116 de agora passou ao lugar que lhe apontáramos
e mais fácil era o trato dele, pela proximidade das questões. Fora uma das
vantagens técnicas da Constituição de 1937, que, sem razão, quanto a atos,
só mencionou os do Presidente da República.) Sempre que a Constituição
dá à União a competência sobre certa matéria e havia legislação anterior,
federal e local, em contradição, a Constituição ab-rogou ou derrogou a
legislação federal ou local, em choque com a regra jurídica de competência.
Não se precisa, para se decidir em tal sentido, que se componha a maioria
absoluta do art. 1 ~
45 Const. 88, art. 97.

Se a legislação, que existia, era só estadual, ou municipal, e a Constituição


tornou de competência legislativa federal a matéria, a superveniência da
Constituição faz contrário à Constituição qualquer ato de aplicação dessa
legislação, no que ela, com a nova regra jurídica de competência, seria sem
sentido. A maioria do art. 116 não é necessária. Aliter, se só há a ab-rogação
ou a derrogação, se inconstitucional a continuação da incidência; e.g., se
antes de ser estadual, ou municipal, fora federal (discute-se se há
repristinação ou inconstitucionalidade).

Se havia legislação federal e estadual e a competência passou a ser, tão-só,


do Estado-membro, ou do Município, a legislação federal persiste,
estadualizada, ou municipalizada, respectivamente, até que o Estado-
membro ou o Município a ab-rogue, ou derrogue. Salvo se tem de ser
conferida com o texto da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, a
legislação federal ou estadual existente, ou conferida com princípio da
Constituição estadual.

Se a legislação era de competência federal e não houve mudança de


competência, mas se alega que alguma regra jurídica, não contrária à
Constituição anterior, é, hoje, contrária à Constituição vigente, há arguição
de inconstitucionalidade, para cuja decisão se faz mister a maioria do art.
116, salvo se a Constituição mesma, edictando regra jurídica diferente, a ab-
roga, ou derroga, ainda que implicitamente; e.g., se a Constituição retirou
ao Supremo Tribunal Federal a revisão nos processos findos de outros
tribunais (Constituição de 1946, art. 101, IV).

A lei revogada é lei que incidiu, e não incide mais. Se alguém nega que ela
tenha incidido, o juiz aplica-a, porque aplicação e incidência são fatos
diferentes: o juiz aplica a lei que incidiu ou incide. ~A lei revogada pode,
ainda, ser invocada pelos interessados e ser aplicada: não incide mais,
porque a incidência é irretrospectiva, ao passo que a aplicação é, de regra,
retrospectiva. Lei revogada, lei morta. Lei revogada não existe mais. Se
alguma lei revogou a que estava, a afirmação de que a revogação não se deu
é atribuição de existência ao que não mais existe. Contra regras jurídicas em
tais situações pode ocorrer que a lei posterior a tenha revogado, porque lhe
substituiu o conteúdo, ainda que por algum conteúdo semelhante, ou vazio,
ou que a tenha revogado por ser contrária à lei nova, a essa seja lei
constitucional: a Constituição revoga e corta por inconstitucionalidade. A
alegação da revogação é mais radical: a regra jurídica não existe mais, ainda
que pudesse existir. Para a afirmação de não existir a lei, ou de não existir
mais, não é preciso que se dê a maioria do art. 116 da Constituição de 1967,
com a Emenda n0 1 .~ Na decretação de inconstitucionalidade, supõe-se
existência, de modo que, respondido que a lei não existe, ou que não existe
mais, a questão da inconstitucionalidade não se põe. Por isso mesmo, se se
afirma que existe a regra jurídica, mas é contrária ao direito constitucional,
tem-se de discutir e decidir, observado o art. li 6,~ se há a contrariedade, ou
não; se há, e a maioria absoluta entende assim, desconstitui-se a lei (=
decreta-se-lhe a nulidade). Nenhuma ilegalidade é mais manifesta do que a
ilegalidade proveniente de ato que se diz fundado em lei que não existe.
Tanto não existe a lei que nunca foi feita quanto a lei que está revogada. As
ilegalidades provenientes de atos que pretendem fundar-se em
interpretações erradas de lei são pressupostos suficientes para o mandado de
segurança, porque só há, aí, quaestio iuris. Dá-se o mesmo se se alega
inconstitucionalidade da lei ou ato do poder público; afortiori, se se alega
que não existe lei, ou que não existe mais. O mandado de segurança é
perfeitamente utilizável. E afortiori: o dizer-se que a lei existe ou não mais
existe (= está revogada) é quaestio iuris.

Praticamente:

a) Se a regra jurídica, anterior à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,


poderia ser feita, hoje, sem nódoa de inconstitucionalidade, somente pode
haver a argUição de estar revogada (ab-rogada ou derrogada).

b) Se a regra jurídica, anterior à Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,


não poderia, hoje, ser feita, por ferir princípio constitucional, não se trata de
revogação, mas sim de inconstitucionalidade, ou, conforme a espécie de
revogação por inconstitucionalidade (revogação + inconstitucionalidade).
Toda decisão sobre revogação (ab-rogaçáo, ou derrogação) é declarativa
negativa (não se confunde com a revogação de lei a revogação de atos
jurídicos, que é constitutiva negativa, como a resolução e a decretação de
nulidade ou de anulabilidade).

Toda decisão sobre inconstitucionalidade é constitutiva negativa.

6. Juizes singulares e decretação de inconstitucionalidade O art116 da


Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, só se refere aos tribunais.4» Os
juizes singulares podem decretar a nulidade da lei, por ser contrária à
Constituição, pois do que decidirem há sempre recurso. Nem se poderia
excluir a cognição da questão de inconstitucionalidade pelos juizes,
singulares; nem seria de admitir-se que se exigisse o per saltum tais os
enormes inconvenientes práticos que teria, se os juizes singulares
houvessem de

sustar os julgamentos. Para se chegar a essa conclusão não se precisa da


cripto construção de que se serviu o Tribunal Federal de Recursos, no
acórdão de 24 de maio de 1948 (Recurso de mandado de segurança n0 90,
do Distrito Federal, R. de D. A., 14, 134 5.): “... o juízo singular apenas
deixa de aplicar na espécie a lei ordinária para aplicar a Constituição, assim
como deixaria de aplicar regulamento que contrariasse a lei ordinária, ou
uma portaria contrária a um regulamento. A decisão limita-se ao
estabelecimento da hierarquia das leis, sem, todavia, invalidar o ato
legislativo, senão em frente ao caso julgado”. De modo nenhum. A decisão
do tribunal, por maioria absoluta, não é diferente da decisão do tribunal, por
maioria absoluta, não é diferente da decisão do juiz singular; ambas são
constitutivas negativas, in casu, e só in casu; a decisão do Supremo
Tribunal Federal éque tem plus de eficácia, assim em relação à decisão dos
outros tribunais como em relação à decisão dos juizes que é o de bastar à
deliberação do Senado Federal quanto à suspensão de execução das leis, ou
decretos (art. 42, VIl),4» que foram tidos, por decisão trânsita em julgado,
como contrários à Constituição.

7. Exame dos atos administrativos em geral Quando o Congresso Nacional


ou o Poder Judiciário pratica ato administrativo, ainda que o insira,
formalmente, em lei, ou em sentenças, o ato tem de ser examinado como
ato administrativo quer para se saber se o Congresso Nacional ou o Poder
Judiciário o podia praticar (competência advinda da Constituição), quer
para se saber se se observaram as regras jurídicas de fundo, ou de forma,
que se faziam mister. Não pode, por exemplo, o Congresso Nacional
autorizar abertura de crédito para pagamento de vencimento a funcionário
público, dispensado, sem ter havido disponibilização, ou aposentação, de
acordo com a Constituição e as leis. Ainda que pudesse ser feita e o fosse,
seria contrária à Constituição, art. 153, ~ 1~Y» o Congresso Nacional não
pode edictar lei de disponibilidade ou de aposentadoria para um ou alguns
funcionários públicos; a sua competência legislativa nada tem com a sua
competência executiva, e vice-versa. A lei que aprova contrato, que, por
exemplo, o Presidente da Câmara dos Deputados haja assinado, é
formalidade integrante. Quando no Supremo Tribunal Federal, ou noutro
tribunal, se exerce a atribuição administrativa, não se julga; a “decisão” não
é sentença, é ato administrativo.

Não importa se foi envolvido em forma sentencial. O art. 11 6~> apanha


quaisquer decretações de invalidade de tais

49 Const. 88. ao .52, x.50Const. 88. art. 5

atos, por inconstitucionalidade; aliter, se somente por ilegalidade. A


desconstituição do ato do poder público, por ofensivo à Constituição de
196752 ou a alguma das Constituições estaduais, pode ser de oficio, por se
tratar de quaestio iuris e haver o princípio Jura novit curia (Tratado de
Direito Privado, 1, ~ 96, 2).

Se a aplicação da lei, na espécie, só é suscitável por ter exercido algum


direito, pretensão, ação ou exceção o autor, o réu ou outrem, não há, ainda
ai, exceção ao princípio lura novit cii ria; porque o juiz pode expor o
direito, mencionar a lei, para frisar por exemplo que, a despeito de ter o réu
a exceção, ou o autor a réplica, não a exerceu, isto é, não alegou, sendo
necessário, para sua eficácia, que alegasse.
Art. 480. Arguida 2) a inconstitucionalidade t) de lei ou de ato normativo
do poder público 3), o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a
questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo Art.
481. Se a alegação for rejeitada 5), prosseguirá o julgamento; se for
acolhida»), será lavrado o acórdão, afim de ser submetida ») a questão ao
tribunal pleno 1)9)~

1. Natureza jurídica da decisão sobre inconstitucionalidade (a)

De poucos problemas há noticia, que mais se tenham como resolvidos, sem


que, sequer, hajam sido postos em termos devidos como o da natureza
jurídica das decisões sobre inconstitucionalidade das leis. Àquele mesmo
povo que teve gênio político suficiente para a criação do julgamento das
leis perante a Constituição faltava a base de teoria geral do direito e de
estudo da eficácia das sentenças, para lhe dar, mesmo agora, toda a
classificação científica que se havia (e se lhe há) de exigir. Fora dele e dos
que o imitaram, o problema era prematuro; e, diremos mesmo, seria sem
interesse levantá-lo. Por outro lado, alguns erros sobre classificação das
decisões tinham, necessariamente, de refletir-se nas soluções aventurosas,
que surgiram, quanto ao lugar, entre elas, que seria o das decisões sobre
inconstitucionalidade das leis. Sabia-se que, reconhecendo a
inconstitucionalidade de alguma delas, a deixaria de aplicar o juiz ou o
tribunal.

Verdade e, porém, que, ao se apurar o que se passara, para se negar a


aplicação, quase se esgotavam os termos para a razão de ser negada. Já no
caso Marbury versus Madison, o juiz John Marshall nos legara mais do que
o simples raciocínio para se recusar a aplicação, pois que repetidamente
falou de “nulo”, de “invalidade’, de “inválido”. Certo é, porém, que os
constitucionalistas americanos e os julgados posteriores não precisaram
mais do que isso, de modo que se tivessem como tecnicamente assentes a
natureza e a eficácia das decisões sobre inconstitucionalidade. Tivemos,
pois, de versar o assunto, decênios atrás, como se não houvesse outros
elementos que a história e a observação do que realmente se passa quando
o juiz ou tribunal profere a decisão sobre ser inconstitucional, ou não ser
inconstitucional, a lei, ou outra regra jurídica.
Cumpre sabermos, antes, firmemente, quais os meios de que dispomos,
hoje em dia, para respondermos, com toda a base científica, qual a natureza
e qual a eficácia das decisões sobre inconstitucionalidade. Naturalmente, o
que antes de tudo se há de considerar é a classificação científica das
decisões judiciais. Ou elas declaram, isto é, apenas contêm enunciado de
existência (ou é, ou não é); ou constituem, positivamente, ou negativa-
mente, é me m + 1, ou me m - 1, de modo que algum fato jurídico se
produziu ou se integrou, ou saiu do mundo jurídico, ou algo o mundo
jurídico perdeu, ou algo se transformou; ou condenam, por fazerem mais do
que declararem, uma vez que declaram e apontam a infração, pronunciando
a sanção; ou contêm mandamento para que alguém, a quem o juiz ou
tribunal possa mandar e mande, realize o conteúdo da prestação
jurisdicional; ou executam, isto é, tiram algo da esfera jurídica de A para a
esfera jurídica de B, a fim de se restaurar a ordem jurídica. Essa distribuição
rigorosa das decisões jurídicas em declarativas, constitutivas,
condenatórias, mandamentais e executivas é que pode ser a primeira
camada de verdade para que o problema, que pusemos, não descambe para
o terreno do opinativo e do discurso fácil. A questão torna-se precisa, e
precisa a resposta tem de ser. A ciência dos últimos decênios diz-nos,
ademais, que as classes dessas decisões são determinadas por
preponderância da eficácia das decisões; não há, ou, pelo menos, ainda não
se apontaram, decisões puras: todas elas têm elementos das outras posto
que, na composição de cada uma, ou a eficácia declarativa, ou a
constitutiva, ou a condenatória, ou a mandamental, ou a executiva, venha à
frente, razão que se lhe dá o nome de força de sentença. Já a essa altura de
nossa tese ainda mais precisa se faz a questão:

~,Qual a força da decisão sobre inconstitucionalidade das leis?

As decisões nem sempre são simples. Têm, por vezes, conteúdo sucessivo,
ou apenas complexo. Então, há duas ou mais decisões, posto que sejam só
uma, formalmente. A questão sobre inconstitucionalidade das leis é
quaestio iuris.

As quaestiones iuris ou são quaestiones iuris praeiudiciales, se prévias, em


relação a outras questões, ou quaestiones iuris principales, se o sistema
jurídico não veda a discussão e a resolução das questões de direito in
abstracto, sem se exigir que se decida algo sobre ameaça de violação, ou
sobre violação atual de direito. O sistema jurídico constitucional brasileiro
ainda não permite que se postule e se discuta e se decida somente a quaestio
iuris. Se, in iure condendo, tal atitude tradicional é de repelir-se, a lex lata é
essa, e não queremos, aqui, afastar-nos, um segundo, do terreno científico e
do terreno do direito positivo.

(b) Após essas duas convicções, com que se há de começar qualquer exame
honestamente científico das decisões, sobre inconstitucionalidade, há a
convicção, que pode vir a ser utilizada, sobre as nulidades subjetiva e
objetivamente parciais. O ato jurídico nulo pode somente ser nulo em parte.
Ou nulo em parte objetiva (em parte dos seus enunciados, ou em algum dos
seus enunciados, ou quanto a alguma parte do seu objeto ou conteúdo), ou
em parte subjetiva, como se o negócio jurídico, subjetivamente complexo,
só é nulo no que concerne a um dos agentes. Não há, portanto, nada de
estranho em que se julgue a nulidade quanto a um dos agentes, ou quanto a
qualquer um dos destinatários da lei, se é que a decisão sobre
inconstitucionalidade tem de ser considerada decisão constitutiva negativa.

Os pandecistas nem sempre se resguardavam de insinuar, na exposição do


direito romano, conceitos que eram o fruto de convicções filosóficas, ou
técnicas, posteriores aos tempos romanos. Por outro lado, alguns
continuaram a tropeçar em conceitos romanos, depois de superada a
filosofia, ou a técnica, a que esses conceitos correspondiam. E de interesse
para a resposta precisa, que o assunto exige, afastarmos, de começo, uma
dessas confusões, um desses anacronismos toldantes do estudo jurídico;
referimo-nos ao conceito romano de nuílus e ao conceito moderno de

“nulo”. O nec ullus, romano, “não existe”; o nulo do jurista contemporâneo


existe, mas existe anormalmente: nulamente é. Daí poder haver o nulo com
todos ou algum efeito, e não háo inexistente com efeito: o que não existe
não tem qualquer efeito; o nada nada produz. Não surpreende muito que os
juristas tenham dissertado, sem-cerimônia com os textos romanos, quando
já se sabia qual o conceito, maior, que eles compuseram, ao empurrar nas
gretas dos conceltos romanos, com violência de que não percebiam a
gravidade, o conceito de anulabilidade, de todo ignorado pelos juristas
romanos, se bem que, já nos últimos séculos, em crisálida.

(c) Alguns juristas, de passagem, ou pela influência das expressões usadas


(“declarar a inconstitucionalidade”,

“declaração de inconstitucionalidade”), ou porque foram, e são vftimas de


definições erradas de decisão declarativa, afirmam que a decisão de
inconstitucionalidade é decisão declaratória. Seria perder tempo discutir
com aqueles que se deixam levar pelo nomen iuris, tanto mais quanto
pululam casos em que a expressão “declaração”, ou outra semelhante, se
colou à eficácia de decisões verdadeiramente constitutivas, ou de outra
classe; mais ainda: com os que, em

matéria de ciência, não partem de conceitos exatos e precisos. Também não


é verdade que os juristas americanos e brasileiros tenham concebido a
decisão sobre a inconstitucionalidade como declarativa. Quem quer que leia
o julgado do caso Marbury versus Madison, ou tudo que no Brasil se
escreveu, e foi muito, sobre leis contrárias à Constituição, vê que eles se
sentiam diante de leis, que haviam de ser afastadas, porque, embora o
suporte fáctico (Tatbestand) fosse aquele sobre que elas haveriam de
incidir, normalmente, a Constituição lhes “vedava” essa incidência.
Quando, hoje em dia, nas ações declaratórias, nos Estados Unidos da
América e no Brasil, se postula, discute e decide questão de
inconstitucionalidade, apenas se postula, discute e decide quaestio iuris
praeiudicialis, de modo que seria leviandade concluir-se que, pelo fato de
estar em decisão global declarativa, a questão de inconstitucionalidade
tivesse de ser declarativa; condenatória, se em decisão condenatória; ou
mandamental, se em decisão mandamental; ou executiva, se em decisão
executiva. A sentença sobre o litígio não muda a natureza ou eficácia da
decisão que se profere na questão prejudicial. Assim, nenhum argumento se
poderia extrair, pela declaratividade de tal decisão, do julgado no caso
Nashville C0 and St. Louis Railway versus Wallace (1933), pois a Corte
Suprema dos Estados Unidos da América apenas decidiu quaestio iuris
praeiudicialis, em ação declaratória.
Para que a decisão positiva sobre inconstitucionalidade fosse declaratória,
seria preciso que a lei, eivada de tal vício, não existisse, de jeito que o juiz
ou o tribunal diria: “Não existe”; e a eficácia seria a de toda decisão
declarativa. A decisão desfavorável à decretação de inconstitucionalidade,
essa não; é sempre declarativa negativa, como acontece a toda decisão
desfavorável, em qualquer ação declarativa, constitutiva, condenatória,
mandamental, ou executiva. Se se trata de alguma ação declarativa
negativa, ou constitutiva negativa, a decisão é negativa de negativa e, pois,
positiva.

No sistema jurídico do Império do Brasil, não se tiveram julgados sobre


inconstitucionalidade. Lei feita, lei válida, que só ao Poder Legislativo
caberia suspender, ou revogar. O Poder Moderador poderia ter exercido a
apreciação da inconstitucionalidade; e o próprio Poder Judiciário, se mais
ousasse, ter-nos-ia presenteado com essa técnica, antes de 1890. Verdade é,
porém, que não no fizeram. Ao art. 58, § 1~, b), da Constituição provisória
de 22 de julho de 1890, e ao art. 90 parágrafo único, a) e c), do Decreto n0
848, de li de outubro de 1890, devemos a instituição do recurso
extraordinário quando se questionasse sobre a “validade” (note-se bem: a
“validade”), ou a “aplicação” de tratados e leis federais e a decisão do
tribunal estadual fosse contra ele. Foi isso que passou à Constituição de
1891, art. 50 §

10,a).

Ora nenhum jurista de segura terminologia jurídica confunde os três planos:


o da existência, em que o fato jurídico, inclusive a regra jurídica como fato,
é, ou não é; o da validade, em que o fato jurídico vale, ou não vale ~= é
nulo ou anulável); e o da eficácia, que é o da irradiação do fato jurídico. A
eficácia supõe o ser; pois que, a despeito de ser, de ordinário, ineficaz o ato
jurídico nulo, os sistemas jurídicos nos apresentam casos de efeitos de ato
jurídico nulo. A Constituição de 1891, art. 59, § 1~, a), falou de validade;
não de existência, nem de eficácia. Ainda “validade” foi a expressão que se
inseriu no art. 13, § 10, da Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894. Mais
tarde, na Revisão de 1925-1926 (art. 60, § 1~, a), na Constituição de 1934
(art. 76, III, b) e c), na de 1937 e na de 1946. Rui Barbosa viu bem que de
nulidade se tratava; aludindo ao julgamento do recurso extraordinário, disse
que o Supremo Tribunal ou reformaria a sentença, “por não procederem as
razões de nulidade”, ou a “confirmaria”, “pelo motivo oposto”. Tratava-se,
somente, outrora, como hoje, de princi’pio da discutibilidade das leis,
princípio “desconhecido nos outros regimes, vedado mesmo no suíço e
latente apenas na Constituição americana”, que a Constituição de 1891
punha em texto claríssimo. Os textos de 1890 e 1891, como os posteriores,
de modo nenhum permitiam que se atribuísse eficácia declarativa à
declaração de inconstitucionalidade. A Constituição de 1934, no art. 179,
criou a exigência da maioria absoluta dos juizes, para que a decisão pudesse
ser favorável à alegação de “inconstitucionalidade”. Seguiu-lhe a trilha a de
1946, art. 200; e agora a de 1967, art. 116.~~ Seria estranhamente
despropositado que tão suntuoso julgamento fosse necessário a simples
statement offact. Os três artigos, o de 1934, o de 1946 e o de 1 967,~
mostram que se tem por lei a lei contrária à Constituição: ela é, posto que
nulamente seja. A decisão que negasse a inconstitucionalidade arguida seria
declarativa; a que afirmasse, não: desconstituiria; é como qualquer decisão
que, a respeito de negócio jurídico nulo para A, ou B, decreta a nulidade. A
atribuição da força declarativa à decisão sobre nulidade foi um dos grandes
erros de parte da ciência alemã; porque os juristas não haviam prestado
atenção a que a decretação da nulidade poderia ser em ação declaratória não
porque nulidade se declare, e sim porque, se a nulidade é decretável,
incidenter, em qualquer ação, assim, na ação declaratória, decretável é.
Quando eles viram o engano, de que foram vítimas, já os tratados haviam
repetido a impensada proposição.

53 Const. 88, art. 97.

54 E também de 1988.

(d)Se há lei, claro que é quaestio iuris praeiudicialis se ela vale, ou não
vale; e a lei, sabemos, não vale se ofende a Constituição. Enquanto não se
cria, para todos, a ação constitutiva negativa, em que se possa arguir de
inconstitucionalidade, in abstracto, a lei, os juizes e tribunais somente
podem conhecer da questão como prejudicial, salvo no caso de
representação do Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal
Federal.550u prejudicial de decisão simples, ou de alguma, de algumas, ou
de todas as decisões contidas, em decisão formal complexa. Tal quaestio
iuris praeiudicialis é de constituição negativa e concreta, razão por que a
sua eficácia é in casu; tal como acontece quando, não se tratando de
negócio jurídico complexo, que haja de se submeter ao princípio chamado
de contagiação, se pronuncia a nulidade quanto a A, no caso A, e não
quanto a A e às demais pessoas, ou quanto a A em quaisquer casos.

Após a deliberação do Senado Federal, a lei suspensa já é ineficaz. Então,


já a maioria absoluta não é de mister. A decisão, em que se diga que houve
suspensão, não é constitutiva negativa; é declaratória, como o seria a que
dissesse não ter havido. Entrariam uma e outra na subclasse daquelas
decisões declarativas em que o enunciado existencial é concernente à
eficácia. Se, na justiça, se nega ter havido a suspensão, a essa quaestio iuris
praeiudicialis segue-se a quaestio iuris praeiudicialis da
inconstitucionalidade, à qual as respostas, afirmativa ou negativa, terão de
ser, respectiva-mente, decisão constitutiva negativa ou declarativa.
Teríamos, pois: àprimeira quaestio iuris praeiudicialis, resposta declarativa
positiva (houve suspensão) ou negativa (não houve suspensão); à segunda
quaestio iuris praeiudicialis, resposta constitutiva negativa (é nula alei, por
inconstitucionalidade) ou declarativa (não é nula a lei, por
inconstitucionalidade).

(e)Nas ações condenatórias, a questão da inconstitucionalidade tem a


mesma natureza que nas outras. Não há força condenativa: os juizes e
tribunais de modo nenhum condenam o ato do Congresso Nacional. Mesmo
se algum dia tivermos a ação constitutiva negativa por inconstitucionalidade
in abstracto, na carga de eficácia da decisão o elemento condenatório será
ínfimo: a decisão terá força constitutiva negativa e a eficácia imediata será
declarativa negativa, seguida, conforme as espécies de outro elemento.

(O Nas ações mandamentais, de que são exemplo a ação de habeascorpus, a


de mandado de segurança, a de arresto, a de sequestro, a de

55 O art. 103 e seu § 40 da Const. 88 ampliaram a legitimação.


retificação de registro, a alegação de inconstitucionalidade é quaestio iuris
praeiudicialis, de modo que não ganha a mandamentalidade da ação em que
incidenter se levantou, ou que foi conteúdo de postulação principal:
continua constitutiva negativa, e a decisão no mandamento, favorável ao
pedido, terá a força mandamental e a eficácia imediata constitutiva
negativa. A decisão global desfavorável ao pedido tem, sempre, a eficácia
declarativa negativa, provavelmente de cognição incompleta.

(g) Nas ações executivas, ocorre o mesmo: qualquer decisão favorável


sobre questão de inconstitucionalidade é constitutiva negativa; qualquer
decisão desfavorável, declarativa.

2. Arguição de inconstitucionalidade Arguida a inconstitucionalidade de lei


ou de qualquer ato normativo do poder público (portanto, mesmo avisos
com regras jurídicas e instruções), tem-se de saber, primeiro, se a questão é
mesmo sobre a violação de regra jurídica constitucional. Não se vai decidir,
desde logo, se é ou não inconstitucional o artigo, o parágrafo ou inciso, ou
alguma simples frase do texto legal, ou de outra fonte de direito (qualquer
ato normativo do Poder Público, isto é, do Poder Legislativo, do Poder
Executivo, ou do Poder Judiciário). O que se tem de examinar e afirmar ou
negar é se a questão é mesmo sobre ter-se de saber se é ou se não é
inconstitucional a regra jurídica invocada. Não se diz, desde logo, que
éinconstitucional, ou que o não é. A turma, ou câmara, ou grupo de
câmaras, tem de ouvir o Ministério Público (que, no parecer, pode limitar-se
a dizer que há ou não há a quaestio iuris, ou que há e como se há de
responder). Após isso, há a votação, a que não é de exigir-se a maioria
absoluta. A alegação é acolhida, ou rejeitada. Se rejeitada, isto é, se se
concluiu ser impertinente a questão de inconstitucionalidade, prossegue o
julgamento. Se a maioria que não precisa ser absoluta acha que existe a
questão, lavra-se o acórdão e vai ser submetida a questão ao tribunal
pleno.56

3. Regras jurídicas e ofensa à Constituição A arguição de


inconstitucionalidade pode ser relativa a emenda da Constituição, a lei
complementar, a lei ordinária, a decreto-lei, a decreto, a lei delegada, a
decreto legislativo e a quaisquer outras regras jurídicas, inclusive de
regimentos internos. Não importa qual a entidade estatal (União, Estado-
membro, Distrito Federal, Território, Município) de cujo órgão provém a
regra jurídica ou o ato normativo do Poder Público. Não só: argúi-se a
inconsti

tucionalidade de ato que não é normativo, como o ato de nomeação, ou de


aplicação de multa. Volveremos ao assunto.

A inconstitucionalidade pode ser diante da Constituição federal ou de


alguma Constituição estadual. Não importa se a questão de
inconstitucionalidade interessa ao mérito, ou apenas ao direito processuál,
ou a regra jurídica de competência.

A despeito de só se referir o art. 480 a lei ou ato normativo: j,as regras


jurídicas dos arts. 480-482 também se aplicam se o ato não é normativo?
Não. Se o ato foi ilegal ou inconstitucional, não se precisa ouvir, em todos
os casos, o Ministério Público, nem o relator tem de submeter à turma, ou
câmara, a apreciação prévia, para que, rejeitada a arguição, se lavre acórdão
e se submeta a questão ao tribunal pleno.57

4. Legitimação ativa Qualquer das partes ou terceiro que tem interesse


jurídico na sentença se favorável a alguma das partes (art. 50) élegitimado
ativo. O terceiro assistente recebe o processo no estado em que se acha
(artigo 50, parágrafo único). Se há impugnação ao pedido da assistência,
tudo se passa como está no art. 51. Tem os mesmos poderes da parte e, se
revel o assistido, é considerado seu gestor de negócios (art. 52, parágrafo
único). Também na intervenção de terceiro, como oposição, pode o opoente
arguir inconstitucionalidade. Idem, o nomeado à autoria (cf.

arts. 62-69), litisdenunciado (arts. 70-76) e até mesmo o chamado ao


processo (arts. 77-80).

O Ministério Público, quando é parte, ou quanto tem de manifestar-se na


causa, ou pode recorrer, ou apenas exerce a função de custos legis, mero
fiscal da lei, tem legitimação ativa, quer sua missão seja na causa, quer em
recurso.
Os próprios juizes, órgãos, que são, do Estado, para prestarem a tutela
jurídica, podem, de ofício, argUir a inconstitucionalidade. Não é preciso
que se trate de relator, ou de revisor. Aliás, qualquer juiz pode arguir
ilegalidade, e não só inconstitucionalidade, porque lhe incumbe aplicar a
lei, a fim de manter a correlação entre incidência e aplicação das regras
jurídicas. Trata-se de segurança jurídica ou ordem extrínseca, assunto do
nosso artigo Rechtssicherheit und innerliche Ordnung, inserto nos Blãtter
fUr vergleichende Rechtswissenschaft und Volkswirtschaftslehre (Berlim,
1922).

A argUição pode ser em sustentação ou resposta oral, em sessão de


julgamento. Enquanto o presidente não anuncia o resultado do julgamento

56 Ou ao orgão especial, previsto no au. 93, xl, da Const. 88, onde houver.

57 Vd. a nota 56.

(art. 556), pode ser feita. O próprio juiz, que já havia proferido o voto,
pode, enquanto não encerrada a sessão, com o anúncio do resultado,
levantar a questão que não fora objeto da discussão.

O Ministério Público tem de manifestar-se antes de se iniciar a tomada de


votos, salvo se foi levantada após um voto, ou após os votos, mas antes do
encerramento da sessão de julgamento. (O art. 478, parágrafo único, só se
refere à uniformização da jurisprudência.)

5. Turma, câmara ou grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas O art.


480 diz que, arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do
poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submete a questão a
quaestio iuris

“à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento”. Faltou a referência ao


grupo de câmaras e às próprias câmaras cíveis reunidas. Não importa se,
nessas, estão todos os juizes que teriam de funcionar no plenário.58 Tem-se
de entender que, acolhida a alegação de inconstitucionalidade, lavrado o
acórdão, é sempre necessária a convocação do plenário (art. 481, verbis, “a
fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”).59
6.Admissão da arguição de inconstitucionalidade Arguida a
inconstitucionalidade, na turma, câmara, no grupo de câmaras ou nas
câmaras cíveis reunidas, em que se levantou a questão, tem de haver a
deliberação de simples acolhimento, pois a decisão sobre a
inconstitucionalidade há de ser em plenário. Para acolher, ou não acolher,
não é de exigir-se a maioria absoluta de votos, pois de modo nenhum se diz
se éinconstitucional a regra jurídica. O pressuposto da maioria absoluta
(Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 11 6)~ somente concerne à
decisão, em plenário, sobre a inconstitucionalidade.

Se a argUição foi tida por estranha à causa, tem-se por impertinente. Na


sessão de julgamento, o relator dirá o que se passou e a razão que teve para
repelir como impertinente a arguição. Aí, então, algum dos juizes ou alguns
dos juizes ou todos os outros podem dizer sem fundamento jurídico a
atitude do relator, e então tem de ser submetida à deliberação da turma,
câmara, grupo de câmaras ou das próprias câmaras civeis reunidas o
acolhimento da arguição.

Então, tem de ser observado o art. 480.

A turma, câmara, ou grupo de câmaras, ou as câmaras cíveis reunidas


podem, por simples maioria, dizer que não há inconstitucionalidade (não

58 Vd. a nota 56.

59 Vd. a nota 56.

60 Consi. 88. art. 97.

acolhe a arguição). Se diz que há a infringência, apenas acolhem a arguição


e tem de submeter a questão ao plenário.

Tal atitude de modo nenhum se pode interpretar como julgamento


desconstitutivo. Só o plenário pode dizer que há inconstitucionalidade e,
pois, desconstituir a lei ou o ato normativo. Assim, a manifestação a favor
da arguição, pela turma, câmara, grupo de câmaras ou mesmo câmaras
cíveis reunidas, mesmo se os votos seriam unânimes, ou de maioria
absoluta, não decretaria inconstitucionalidade, porque a decisão constitutiva
negativa escapa à sua competência: apenas teria acolhido a arguição. Só a
decisão pelo plenário com a maioria absoluta de votos (metade mais um, ou
metade e mais de um, ou unânime) tem a eficácia desconstitutiva da lei ou
de qualquer outra regra jurídica ou ato do poder público.

O acolhimento pode ser total ou parcial; se dois ou mais foram os textos


arguidos de inconstitucionalidade, nada obsta a que só se acolha a arguição
referente a um, ou a alguns. Há regras jurídicas que contêm duas ou mais
proposições (e.g., “salvo...”, “sim quanto a a e, a respeito de b, não”). O
acolhimento pode ser apenas quanto a um ou alguns dos enunciados. Assim
também se passa quando, em plenário, se vai decidir quanto
àinconstitucionalidade: e.g., pode ser que se assente ser nulo por ser
inconstitucional o princípio do artigo, ou só a 2~ parte, ou o inciso 1, ou só
a letra c do inciso II.

Resta o problema do acolhimento parcial se o tribunal pleno, tendo recebido


o acórdão e estando a deliberar sobre a questão, entende que, em vez de ser
inconstitucional só a parte 1a do artigo, ou só o inciso, ou frase, ou todo o
artigo, ou mais do que aquilo a respeito do qual se acolheu a arguição é
inconstitucional. Seria fazer-se demasiadamente dependente do que foi
acolhido aquilo que o plenário vai desconstituir. Temos, pois, de admitir a
eficácia do acolhimento além do que consta do acórdão, se a
inconstitucionalidade é, segundo os princípios, extênsiva a outras partes do
texto. Por exemplo: foi acolhida a arguição de que um artigo ou alguns
artigos são inconstitucionais, e o corpo legislativo ou normativo não podia
fazer, como fez, a lei, ou o decreto-lei, o decreto ou regulamento, ou o
regimento, ou o aviso, ou a portaria, ou a instrução. Tudo aí é atingido pela
unidade da causa de inconstitucionalidade, a despeito de ser restrita a
argUição, ou de ter sido restrito o acolhimento.

7. Eficácia da deliberação Da decisão pelo plenário não cabe recurso,


porque, com ela, prossegue o procedimento do recurso ou da causa da
competência originária do órgão onde foi arguida a inconstitucionalidade.
Quando esse órgão decidir no recurso ou na causa, com observância doque
foi decidido pelo plenário, sim. Fora suspenso o julgamento do recurso ou
da causa e depois se volveu ao julgamento. Quando, respeitado ou não o
que o plenário decidiu, mesmo se só em parte, cabemos recursos prescritos
na Constituição e no Código de Processo Civil. Um deles é o recurso
extraordinário (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III, a) e
b); talvez mesmo, d), se foi a interpretação divergente que levou à

decretação de Resta saber-se se cabe o prejulgamento ou pronunciamento


prévio do art. 476, II, se o plenário, ao decidir, deu interpretação divergente
da que antes dera. A resposta é negativa, porque a última interpretação pelo
mesmo tribunal prevalece. O que cabe às partes e terceiros interessados e ao
Ministério Público é verificar se outro tribunal ou o próprio Supremo
Tribunal Federal já havia decidido divergentemente, o que enseja a
propositura do recurso extraordinário (Constituição de 1967, com a Emenda
n0 1, art. 119, III, d)62

8. Subida da questão ao tribunal pleno No art. 477, relativo àdivergência de


interpretação, diz-se que, reconhecida a divergência, se lavra o acórdão,
“indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de
julgamento”. No art.

481, 2~ parte, enuncia-se que, sendo acolhida a arguição, “será lavrado o


acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”.63 Não se fala
de remessa de autos, mas sim, no art. 482, se estabelece, claramente, que,
“remetida a cópia do acórdão a todos os juizes, o presidente do tribunal
designará a sessão de julgamento”. Não sobem autos.

9.Eficácia do julgamento da lide Pode ser interposto o recurso


extraordinário, ou por ter sido decretada a inconstitucionalidade de lei
federal (lato senso) ou de tratado (ato normativo), conforme o art. 119, III,
b), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, ou por ter julgado válida
lei ou ato do governo local, que se reputara contrário à Constituição federal
(art. 119, III, c), ou por ter interpretado alguma lei federal em sentido
divergente da interpretação que lhe dera outro tribunal ou o próprio
Supremo Tribunal Federal (art. 119, III, 1).~
O pronunciamento do tribunal pleno é quantc ~a questão de direito,
preliminar, relativa a arguição de inconstitucionalidade. Se não se obtém a

61Const. 88, ans. 102, III, e 105, III.62Na Const. 88, art. 105, III. c.63Vd. a
nota 56.64Const. 88. axts. 102, III, e c, e 105. III, c.

maioria absoluta pela inconstitucionalidade, não há decretação de


inconstitucionalidade. Nada feito. Tem de ser redigido o acórdão ou pelo
relator, ou, se esse foi vencido, pelo primeiro voto da maioria (art. 556). O
acórdão é apresentado pelo juiz incumbido de lavrá-lo, para conferência na
sessão seguinte (art. 563). As conclusões são publicadas no órgão oficial
conforme o art. 564. Lê-se na Súmula da Jurisprudência Predominante, n0
513: “A decisão que enseja a interpretação de recurso ordinário ou
extraordinário nao é a do plenário que resolve o incidente de
inconstitucionalidade, mas a do órg~o (câmaras, grupos ou turmas) que
completa o julgamento do feito.” A decisão do plenário é prejudicial, como
algo de recurso insito, de modo que lhe falta a eficácia de coisa julgada,
uma vez que não julgou, total ou parcialmente, a lide (cf. art. 468). No art.
469, III, o Código de Processo Civil é explícito, ao enunciar que não faz
coisa julgada “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente
no processo”. Assim, para que haja a coisa julgada, é preciso que ocorra
ação declaratóna incidente (arts. 50 e 470). A espécie dos arts. 480-482
nada tem de ação; trata-se como de recurso insito. Na ação declaratória
incidental, como na ação declaratóna típica, pode haver questão de
inconstitucionalidade relativa à regra jurídica (lei ou ato normativo) que,
com a incidência, dera ensejo à questão de existir ou não existir alguma
relação jurídica.

Com a vinda do acórdão do tribunal pleno, a turma, ou câmara, ou grupo de


câmaras, volve ao prosseguimento do processo. Se algo tinha sido decidido,
a suspensão não o atingiu. Qualquer que seja a oposição dos juizes, da
turma, câmaras ou grupo de câmaras, em discordância com o julgado do
plenário, o que se tem de respeitar é o acórdão, que pronunciou ou não a
inconstitucionalidade. Nada obsta, porém, a que, a despeito de faltar
àopinião qualquer eficácia na votação e no julgamento, algum juiz ou
alguns juizes ou mesmo todos eles ressalvem a sua convicção que passou a
ser apenas íntima. Tal atitude nada importa quanto ao dever de todos os
juizes de acatar o acórdão do plenário. A ressalva ou as ressalvas podem ser
elementos de interesse para o pronunciamento de corpo coletivo superior
para a decisão de recurso que fora interposto. Se no recurso a solução a que
se chegou foi contrária à do tribunal pleno há a aplicação, no caso, da regra
jurídica ou do ato normativo que na espécie se dissera inconstitucional, ou a
retirada da aplicação da regra jurídica ou do ato normativo que no julgado
se dissera não infringir a Constituição.

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juizes ~), o presidente do


tribunal designará a sessão de julgamento 2)

1.Remessa de cópias e sessão de julgamento O presidente do Tribunal,


qualquer que ele seja, tem de ordenar a remessa de cópia do acórdão, que
veio de turma, ou câmara, ou grupo de câmaras, e de designar a data da
sessão do julgamento. Há de estar intercalado tempo suficiente para que os
membros do Tribunal, que vão decidir em plenário, examinem a questão e
possam opinar.

2. Maioria absoluta e falta Os arts. 480-482 nenhuma alusão fizeram ao


quanto de votos. Mas, acima da lei processual civil está a Constituição, com
o seu texto explícito, assunto de que antes cogitamos, pormenorizadamente.
Ou a maioria absoluta diz que o texto legal ou outra regra jurídica (“ato
normativo do poder público”) é contrário à Constituição e, pois, nulo, ou
não houve a maioria absoluta, e a despeito de ter havido maioria (não
absoluta) pela inconstitucionalidade o texto acoimado de ser
inconstitucional é considerado válido. O que pode ocorrer é que haja
recurso extraordinário, com fundamento em que se contrariou regra jurídica
constitucional; ou que, antes do trânsito em julgado da sentença da ação em
que houve a alegação de inconstitucionalidade, o Senado Federal haja
suspendido a execução (= a aplicação) da regra jurídica que fora objeto do
julgamento. Aí, a despeito da decisão, em plenário, que não decretou a
inconstitucionalidade, o juiz ou turma ou câmara ou grupo de câmaras, tem
de atender a que alhures se decidira em sentido oposto e a aplicação (=
execução) da regra jurídica fosse suspensa pelo Senado Federal
(Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 42, Vil).65
O que antes dissemos quanto à decisão em matéria constitucional está, a
respeito dos embargos infringentes, na Súmula n0 293 do Supremo Tribunal
Federal: “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em
matéria constitucional submetida ao plenário dos Tribunais”. “Da decisão
que se seguir ao julgamento da constitucionalidade pelo Tribunal Pleno são
inadmissíveis embargos infringentes quanto à matéria constitucional”
(Súmula n0 455). “A decisão que enseja a interposição do recurso ordinário
ou do recurso extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de
alegação de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou
turmas) que completa o julgamento do feito” (Súmula n0-5 13).

65 Const. 88, au. 52, X.

Capitulo III

DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA 1)2)3)

1.Sentença estrangeira e homologação A homologação de sentença


estrangeira assenta na cooperação interestatal da Justiça. Não mais podendo
os Estados negar toda eficácia aos julgados das justiças estrangeiras, surgiu
o problema técnico de como se tratar a radiação internacional dos atos
judiciais, principalmente das sentenças. Esse problema se divide em
problema do reconhecimento da decisão estrangeira e problema de
execução da decisão estrangeira. No conceito de execução compreende-se,
seguindo noção que já nos é familiar, o de força executiva e o de efeito
executivo. Mas, ao lado dessa força e desse efeito, que são o elemento
executivo das ações e sentenças, háo elemento da coisa julgada material
(força e efeito), a força e o efeito de criar situação ou relação jurídica
(elemento constitutivo), o elemento mandamental (força e efeito), o
elemento condenatório. Quando os textos das leis falam de não serem
“exequíveis” no Brasil, sem prévia homologação, as sentenças estrangeiras,
a primeira questão que surge é a do conteúdo desse conceito: “exquiveis”
refere--se ao elementoexecutivo (força e efeito) ou a esse e a outro, ou
outros elementos?
Da resposta a essa pergunta é que tem de partir toda exposição metódica,
nessa parte do direito processual.

Infelizmente, tardou essa pesquisa científica.

Na expressão “sentenças estrangeiras” compreendem-se todas as decisões


judiciais que precisam ter eficácia alhures, desde que decisão cível, ou com
eficácia de decisão cível. Incluem-se as decisões arbitrais66 e as de
autoridades administrativas, se têm eficácia cível. Se acaso o território
estava sob jurisdição brasileira, quando se proferiu a sentença, a decisão só
é estrangeira se não havia recurso para a justiça brasileira. Tem-se de saber
qual o Estado competente para conhecer e julgar das ações que forem

66 Cf. o au. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.1996, que dispõe sobre a


arbitragem.

propostas questão de jurisdição, que é preliminar, pois, se o Estado não tem


jurisdição, não se levanta a questão de poder determinar a vocatio in ius.
Após isso, é de indagar-se como o Estado competente pode fazer citar o
demandado, isto é. determinar a vocatio in ius, se esse está presente ou se
não está.

Apontou G. C. Cheshire (Private International Law, 50) dois princípios


fundamentais de pressupostos da jurisdição: o princípio da efetividade
(principle of effectiveness) e o principio da submissão. O princípio da
efetividade a que melhor chamaríamos “princípio da eficácia”

diz-nos que nenhum juiz tem direito de proferir julgamento se não pode
fazer cumpri-lo dentro do seu território (The principle of effectiveness
means that ajudge has no right to pronounce ajudgment ifhe cannot enforce
it within his own territory). Há alusão àquele “poder físico”, a que se referia
Holmes (Mc. Donald versus Mabee, 1917, 37, Sup. Ct.

343, Ernest G. Lorenzen, Cases on the Conflict of Law, 2a ed., 134): “the
foundation of jurisdiction is physical power”.
Por isso mesmo, o juiz do Estado B pode ir até a condenação, se não tem de
executar, mas a ação executiva fica dependente da homologação da sua
sentença no Estado A ou C. Essa distinção é possível pela separabilidade
natural entre a eficácia condenatória e a eficácia executiva, em outra ação.
Se o juiz não poderia, por si só, “efetivar” o seu julgamento, incompetente
é. A máxima Actor sequitur forum rei tem aí significação lata. Nenhum
Estado pode decretar a nulidade de hipotecas feitas no Brasil, sobre imóveis
sitos no Brasil, nem a de marca de indústria ou de comércio registrada no
Brasil. Extra territorium ius dicenti, impune non paretur.

O princípio básico do direito inglês sobre jurisdição, disse Lorde Haldane


(John Russell & C0 Ltd. versus Cayzer Irvine & C0 Ltd., 1916, 2A. C. 298,
302), é o de que os juizes se põem no lugar do Soberano em nome de quem
administram justiça.

Os tribunais de qualquer Estado, dizia A. V. Dicey (A Digest ofthe Law os


England with reference to the Conflict of Laws, ~a ed., 30 s.), têm jurisdição
em todas as matérias em que possam proferirjulgamento que eles possam
cumprir ou fazer cumprir: “The Courts of any country have jurisdiction
over (i.e., have a right to adjudicate upon) any matter with regard to which
they can give an effective judgment”; e não tem jurisdição sobre qualquer
matéria a propósito da qual não possa proferirjulgamento efetivo”:

“and have no jurisdiction over (i.e., have no right to adjudicate upon) any
matter with regard to which they cannot give an effective judgment”. Os
tribunais não podem interferir na autoridade de qualquer Estado estrangeiro,
dentro do território desse.

À diferença do que ocorre com as ações inpersonam, os juizes ingleses não


precisam da presença do réu para proferirem sentenças sobre a propriedade
imóvel ou móvel, desde que não saiam da questão sobre o bem; posto que a
lei escocesa permita, aí, passar-se a questões conexas (sem eficácia na
Inglaterra; as decisões dos casos Schigaby versus Westenholz, 1870, L. R.
6K. B. 155, 163, e Emanuel versus Symon, 1908, 1 K. B. 302, parecem
reputar nulo, não-válido, o julgamento; salvo submissão, Voinet versus
Benett, 1885, 55 L. J., Q. B. 39).
Devemos evitar soluções que se dão em sistemas jurídicos diferentes ou
mesmo parecidos, inclusive o italiano, onde se vai ao absurdo de exame de
mentis (cf. Código de Processo Civil italiano, de 1940, art. 798, que mesmo
alguns juristas italianos reprovam, e.g., Alessandro Migliazza, Le Sentenze
straniere nel diritto italiano, 201 s.).

Nos sistemas jurídicos, a solução da não-importação da eficácia de decisões


judiciais estrangeiras, além de revelar a desatenção à vida de hoje, com
transportes rápidos e negócios dentro e fora do país, tinha de apresentar e
revelar os seus erros. Tem-se, em alguns Estados, de se propor outra ação, a
despeito da sentença já proferida alhures e trânsita em julgado. A atribuição
de simples valor de prova que vigorou na Inglaterra até a promulgação do
Foreign Judgments (Reciprocal Enforcement) Act de 1933 era o que
predominava nos Estados-membros americanos, cessando em alguns com a
influência da reforma britânica. Noutros Estados, como a Rússia, a
importação de sentenças estrangeiras e de laudos arbitrais ou convenções
internacionais depende de haver entre os dois Estados tratado ou convenção
a respeito, salvo se a sentença não é dependente de execução, como
acontece com as sentenças em ações de estado da pessoa (Lei russa n0 526,
de 10 de abril de 1962, art. 63). Na Holanda, a jurisprudência teve de
atenuar, profundamente, a letra da lei (Código de Processo Civil holandês,
art. 431). Alguns Estados importam a sentença, mas a submetem a possível
revisão, no tocante ao mérito, tal como ocorria na França, com a révision du
fond (Código Civil francês, art. 2.123: Código de Processo Civil francês,
art. 546, que o Decreto n0 72.788, de 28 de agosto de 1972, derrogou).

Na terminologia brasileira revela-se, melhor do que nos sistemas jurídicos,


a função do Estado importador, porque homologar não é deliberar.

Os Estados podem deslocar, convencionalmente, em atos interestatais, os


limites da sua competência judiciária. Se esses atos interestatais não
existem, regem os princípios do direito das gentes, e só eles.

A competência para conhecer das causas de direito administrativo brasileiro


é exclusiva do Brasil. “Posto que a competência ou foro geral em matéria
de obrigação pessoal seja o do domicilio do réu, é sabido que esta máxima
sofre diversas exceções, pois que são também legítimos os foros da
submissão voluntária, do contrato, da administração, da conexão da causa,
e da prorrogação da jurisdição, além do foro da situação em relação às
ações reais” (J.. A. Pimenta Bueno, Direito Internacional Privado, 131). Se
o estrangeiro é domiciliado no estrangeiro, ainda assim pode ser demandado
no Brasil, em qualquer desses casos, porque o foro, que prevalece, éo do
Brasil. Às vezes, por se tratar de submissão da empresa, que veio obter
titularidade de direitos no sistema jurídico brasileiro, e por se tratar de
direito administrativo no Brasil, em cujos registros públicos se pede e se
espera que se operem as eficácias declarativa, constitutiva, negativa ou
mandamental da sentença nas ações propostas.

Ajurisdição para expungir do registro marca de fábrica ou de comércio pode


exercer-se ainda que o titular da marca registrada não esteja na jurisdição e
não possa a relação jurídica processual ser angularizada, fora, com a
citação, posto que possa ser, como ocorre no direito inglês, “informal
notice”. Foi isso o que se decidiu, na Inglaterra, com o caso King & C0s.
Trade Mark, In re (1892), 2 Ch. (C. A.) 462. Lê-se em A. V. Dícey (A
Digest of the L.ow England with reference to the Conflict of Law, ~a ed. por
A. Berriedade Keith, 225): “Jurisdiction to expunge a trade mark from the
register may be executed though the registered owner is not within the
jurisdiction and cannot be served abroad with notice of motion, though
informal notice should be given him”. Em seguimento, observa-se que hoje
é possível ser feita a citação fora, mas a jurisdição não depende da citação,
e sim da situação do móvel (marca da fábrica ou de comércio); “... notice
ofmotion in such cases can now be served abroad, but the jurisdiction does
not depend on service, but on the situation of the movable”. Desde que a
Justiça da Inglaterra ou do Brasil é a competente, exerce-se ela, ainda que
não obtenha que a propositura da ação seja levada ao conhecimento de
quem está fora do território: “As a general principie when jurisdiction is
being exercised over any property it is proper and legitimate, without
obtaining leave under Ord. XI or otherwise to give notice of the
proceedings to any persons interested outside England”. A jurisprudência
britânica a respeito é copiosa.
O velho direito português, de que herdamos os princípios, era direito de um
povo que, já nos séculos XIV a XVII, tratava com o mundo. A nossa noção
de jurisdição é a do Estado que supõe conhecidos os princípios de direito
das gentes, que distribuem a competência jurisdicional e, dentro deles,
coopera com os Estados que o rogam para os atos citatórios e a importação
da eficácia dos julgamentos estrangeiros. Os próprios juristas ingleses
confessam que só no século XIX as Cortes inglesas puderam admitir a ação
contra o ausente.

2. Ação de homologação de sentença estrangeira (a) A homologação de


sentença estrangeira é o conteúdo de ação de homologação, que se funda na
pretensão, regida pelo direito interno, mas de base interestatal ou supra-
estatal, a conseguir que a sentença estrangeira seja reconhecida (existência)
e tenha eficácia (força e efeito) noutro país que aquele de cuja justiça
emana. Existência e eficácia.

Se a ação é de recognição sumária, ou declarativa, condenatória, ou


constitutiva, muito importa, e não só teoricamente, à construção. 1) Se de
recognição, pelo menos até certo ponto se pode reexaminar o conteúdo da
outra sentença, reduzida, até aí, à classe da sentença de cognição
incompleta. 2) Se declarativa, o que vem da sentença estrangeira é tudo,
inclusive os elementos executivos e mandamentais. Nada se acrescenta, só
se declara. 3) Se constitutiva, a eficácia depende da segunda sentença, que
homologa,

e não da primeira. Foi isso o que sustentou, já em 1908, Dionisio Anzilotti


(11 riconoscimento, Atti Accademia Bologna, 11), quando afirmou não
haver, do ponto de vista formal, uma sentença só, mas duas, cada uma delas
eficaz no âmbito da soberania de que provém, posto que de conteúdo
idêntico, porque ambas repousam na mesma atividade lógica. Mas, ainda aí,
há duas concepções: a) a segunda sentença, constitutiva (Giuseppe
Chiovenda, Principii, 306-307; Gaetano Morelli, Giudizio de delibazione,
Rivista di Diritto Internazionale, 1924, 396 s.), faz conteúdo seu a sentença
estrangeira; b) diferente é a opinião dos que a consideram constitutiva
integrativa da eficácia do julgado estrangeiro: a sentença estrangeira
é“reconhecida”, e tem-se, no Estado de importação, a eficácia (ainda
nebuloso, Dionisio Anzilotti, II reconoscimento, 13).

Porém não se cria a eficácia, recebe-se, abrem-se-lhe portas. Reconhecer


sentença, porém não, criar eficácia. A não-homologação é negação de
eficácia na ordem interna. Para a negação da sentença a ação teria de ser
perante juizes supra-estatais.

A verdadeira concepção e a que mais se ajusta ao estado presente do direito


interestatal e ao supra-estatal. Nenhuma delas é a verdadeira para todos os
tempos. Trata-se de proposições cuja verdade tem de ser apurada dentro do
sistema lógico das relações entre os Estados, e sobre os Estados, no
momento em que se enunciam. Não há, a respeito, verdade a priori
paratodos os tempos. No estado presente, e, no Brasil, desde 1878, pelo
menos, a concepçao 3), b), é a verdadeira. Com ela, portanto, é que devem
raciocinar os nossos juizes.

A concepção 3), a), tem contra si o ser possível o acolhimento de conteúdo


da sentença estrangeira contrária ao que se julgaria no Estado de
importação. A concepção 2) corresponde à doutrina do direito só estadual e
restrito a cada Estado, sem comunicação entre esses tanques de sistemas
jurídicos (comitas gentium). Na linhas de evolução jurídica, a ordem das
concepções éaseguinte: 1); 2); 3), a); 3), b). Ateoriamaterialísticadacoisa
julgada, hoje posta de lado, teve a consequência (Emst Zitelmamn,
Internationales Privatrecht, II, 269 s.) de levar a crer-se que a concepção
(1) fosse a verdadeira. A correção naquela importou repelir-se a adoção
dessa, pelo menos com esse fundamento. Nem, sequer, a sentença é lex
specialis, de modo que pudesse ser tratada como as leis estrangeiras (sem
razão, Ludwig von Bar, Theorie und Praxis, II, 413). Aliás, a verdade das
proposições, de que tratamos, não se apura no direito interno, porque é
indiferente se é a lei interna ou se é a atividade delibadora ou homologatória
do juiz que marca os limites da importação (por isso, sem razão a crítica de
Enrico Tuílio Liebman, L’Azione per la delibazione, Rivista, IV, Parte 1,
291, nota 3, a Konrad Hellwig, Anspruch und Klagrecht, 175). No plano
interestatal e supra-estatal, o que é certo, pelas fontes de tais ordens
jurídicas, é que todo exame de hoje supõe a sentença estrangeira como
sentença, como prestação jurisdicional. Nessa qualidade, ela se projeta,
radia; e a ação de homologação tem por fito integrá-la, para que a sua força
e os seus efeitos se introduzam na ordem jurídica do país de importação.
Não só a força executiva, nem só a mandamental; nem só os efeitos
executivos e mandamentais. Também a força e os efeitos executivos e
mandamentais. Também a força e os efeitos de coisa julgada material, uma
vez que se pôs em relevo ser de origem processual (teoria processualistica
da coisajulgada). Também a força e os efeitos constitutivos, quando tenham
de operar, ex novo, no Estado de importação; e.g., quando se tenha de dar
baixa em registros em virtude de sentença constitutiva estrangeira. A
sentença estrangeira no juízo da homologação não é somente fato jurídico,
ou ato jurídico, ou negócio jurídico; é prestação jurisdicional “estrangeira”.
A pretensão de homologar nasce de haver essa sentença, de ter o seu titular,
a seu favor, ou contra si, o julgado estrangeiro. A ação de homologação é
exercício dessa pretensão, que nada tem com a pretensão de direito
material, de que nasceu a ação exercida perante o tribunal estrangeiro. t,Que
é que a ação segunda colima obter? A introdução da eficácia da sentença
estrangeira dentro do país.

Tal ação é, portanto, constitutiva integrativa. Não é declarativa. O elemento


declarativo está em questão prejudicial: i,Houve sentença estrangeira? A
resposta afirmativa não basta; é apenas degrau que se sobe. Homologativa,
ou delibativa, a nova sentença faz mais do que declarar.

Porque a importação da eficácia depende de ato integrativo, que é a


homologação da sentença estrangeira, o ato integrativo pode ser total (para
importação de toda a eficácia sentencial), ou parcial (para algum ou alguns
dos efeitos sentenciais).

Enrico Tuílio Liebman, que concorreu para certos esclarecimentos precisos,


ali por volta de 1927 (L’Azione per la delibazione, 292), por haver
permanecido na distinção anzilottiana de conteúdo e sanção, não pôde
analisar a delibação quanto a cada um dos cinco elementos, apesar de ser
um dos mais preparados para isso, pelo menos quanto aos três elementos
com que trabalhou a processualística italiana, isto é, com a classificação
tripartida das ações. A noção demasiado abstrata, vaga, complexa, de
sanção obstou-lho. Tem-se de abstrair da “sanção”, noção perturbadora.

Não é possível resposta global, a priori, pela diversidade mesma das


eficácias sentenciais.

Entre Giuseppe Chiovenda, Gaetano Morelli e Enrico Tuílio Liebman, que


consideraram a sentença de delibação sentença constitutiva, há diferença de
conceitos: o primeiro fala de constituição de vontade do Estado, de
conteúdo conforme a sentença estrangeira; o segundo, de constitutividade
da eficácia (força e efeitos), tal como se concede no estrangeiro; o terceiro,
de eficácia, sendo o mesmo, sempre, o seu conteúdo, porque se abstrai do
próprio conteúdo da sentença estrangeira. Esse ponto, para nós, possui valor
acima do direito positivo interno: j,O direito processual do Estado de
recebimento “importa” a eficácia da sentença estrangeira, tal como o direito
estrangeiro a concebeu; ou a reproduz, uma vez que faz a sentença
estrangeira hábil à força e aos efeitos do direito processual do juiz
homologante?

Gaetano Morelli é quem tem mais razão, e o seu artigo de 1924 representou
contribuição notável à investigação científica da natureza da ação de
delibação ou de homologação de sentença estrangeira.
Faltou a Gaetano Morelli frisar que a sentença era constitutiva integrativa
da sentença estrangeira, de modo que, ao se ter de executar como sentença
de condenação, ou como sentença executiva, ou mandamental, ou respeitar-
se como sentença declarativa, é ilusão pensar-se que se está a executar ou
respeitar a sentença da homologação o que se executa é a sentença
integrada. Essa ilusão também vitimou a Francesco Carnelutti, quando
sustentou ser constitutiva a sentença de delibação para a eficácia executiva
e declarativa para a força material de coisa julgada (Lezioni, IV,368

s.). Influência do direito positivo “expresso” alemão (Ordenação Processual


Civil alemã, § 328); mas a solução da questão independe do direito interno
positivo. Estamos nós a construir no direito supra-estatal, ou, pelo menos,
interestatal. Nesses, a exigência da sentença de homologação e a dispensa,
sendo oriundas de atos legislativos internos, supõe que o Estado pudesse
nao dispensar nunca a homologação. Se a sentença estrangeira possui força
ou efeito que o direito do Estado a que pertence o juiz homologante não tem
essa força, esse efeito, não se pode produzir, mas a eficácia da sentença
estrangeira integrada é sempre a da sentença estrangeira, antes da
integração. Ora, se o Estado da importação confere outra força ou outro
efeito, é força ou efeito seu, que nada tem com a homologação, força ou
efeitos que ele cola à sentença estrangeira como fato jurídico, ato jurídico,
negócio jurídico, ou o que quer seja, e não força ou efeito do julgado
estrangeiro integrado em sua eficácia. Alguns efeitos anexos podem
ocorrer.

(b) A Lei n0 2.615, de 4 de agosto de 1875, art. 60, § 20, autorizou a


regulamentação da execução das sentenças estrangeiras: e foi elaborado por
Lafaiete Rodrigues Pereira o Decreto n0 6.982, de 27 de julho de 1878, que
adotou o critério da reciprocidade. Depois foi criado o exequatur para a
falta de reciprocidade (Decreto n0 7.777, de 27 de julho de 1880). A
República acabou com o exequatur por falta de reciprocidade e instituiu a
homologação, quer dizer desfez a limitação da ação de cumpra-se e da ação
de execução de sentença, aliás limitação artificial, fictíc’ 2, em muitos
casos.
A Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894, art. 12, atribuiu ao Supremo
Tribunal Federal a competência para homologar as sentenças dos tribunais
estrangeiros, como parte integrante da competência (Constituição de 1891,
art.

59, 1, d) para julgar reclamações entre Estados estrangeiros e o Brasil


(fricção interestatal). Pedro Lessa (Do Poder Judiciário, 74-78) não dissera
palavra sobre os elementos da sentença. João Mendes de Almeida, que vira
(Direito Judiciário Brasileiro, 524) diferença entre força executiva e efeito
executivo e quase isolara a ação mandamental (543), não descera à questão
de definir “exequível” (Lei n0 221, art. 12, § 40) tratando-se de sentença
estrangeira.

(c) a) Quanto ao efeito executivo da sentença de condenação, é ele o


quodplerumquefit e fora de dúvida.

b) Quanto ao elemento mandamental, nunca se admitiu que a força ou efeíto


da sentença estrangeira de mandamento se operasse no Brasil, sem
homologação ou sem rogação. À parte a questão interestatal da
competência, o arresto e o sequestro, como a caução e o depósito, teriam de
ser pedidos por meio de cartas rogatórias, e não por meio de homologações
de sentença.

c) Quanto ao elemento executivo, ou se trata de adiantamento da execução,


tal como se dá nas ações executivas de títulos extrajudiciais, ou se trata de
sentença com eficácia de execução (provavelmente mandamental), ou como
efeito executivo (execução de sentença), a jurisprudência foi acorde em
exigir a homologação. Temos, pois, desde já, que a palavra “exeqilíveis”
alude à “execução” de quaisquer sentenças em ações de condenação, ou em
ações mandamentais.

Restam os casos do elemento declarativo, do elemento condenatório e do


elemento constitutivo. O adiantamento é possível, desde que caiba segundo
o direito processual brasileiro.

d) Quanto ao elemento declarativo, aí o problema assume aspectos, teórico


e prático, mais graves, a) Teórico, porque põe sobre o tablado questão
precisa a de ser “exequibilidade”, no sentido do art. 483, além da
exequibilidade da sentença executiva, ou da sentença condenatória, ou da
sentença mandamental, a da sentença declarativa. Propôs A contra B, em
Londres, ação declaratória e obteve sentença favorável em que se declarou
existente (ou inexistente) relação jurídica entre as partes. A deseja exercer
no Brasil a ação de cominação, que a lei lhe confere, ou a de condenação.
Se a homologação é necessária às sentenças declarativas, precisa ele de
fazer homologar a carta de sentença antes da ação de cominação ou da
condenação. b) Prático, porque o Supremo Tribunal Federal baralhou, por
muito tempo, e ainda hoje, os conceitos de declaração e constitutividade,
chamando declaratórias a algumas sentenças constitutivas (adiante,
volveremos ao assunto). Veremos ser de assentar-se que as sentenças nas
ações declarativas precisam de homologação sempre que se lhes pretende a
força comum a todas elas a de coisa julgada material, e sempre que se lhe
queira algum outro efeito.

e) O mesmo havemos de entender quanto às sentenças nas ações de


condenação.

O Quanto ao elemento constitutivo, sem conhecimento das classes das


ações, o Supremo Tribunal Federal e as justiças locais exigiram a
homologação às sentenças sobre estado e capacidade (Supremo Tribunal
Federal, 21 de setembro de 1899, D., 81, 58; 10 de agosto de 1916, R. J., V,
120; 29 de agosto de 1917, R. J., 11 297; 27 de maio de 1922, R. de D., 65,
544; de 9 de janeiro de 1924, R. S. T. F., 65, 103; Corte de Apelação do
Distrito Federal, 27 de maio de 1921, R. de D., 65, 544); sendo de notar-se
que a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal por vezes tentou limitar
o sentido de “exequíveis” as sentenças de condenação, entendendo que as
sentenças estrangeiras sobre estado e capacidade independiam de
homologação (18 de janeiro de 1929, R. de D., 93, 313; 12 de novembro de
1923 e 15 de abril de 1926, 81, 174; 25 de outubro de 1927, 86, 386).
Nenhum apoio em lei tinha isso.

g) O problema está todo nas sentenças constitutivas. À discriminação


liminar é que havemos de dever o melhor meio metódico de o resolvermos.
Referimo-nos à noção de força e efeitos operados no país da sentença e
para todo o mundo eforça e efeitos importados. Aqueles são como os
corpos dos viajantes: não passam pelas alfândegas. Passam esses, e têm de
ser verificados. A homologação e o despacho fiscal têm as suas parecenças.

Consolidando os arts. 10, 11 e 13 do Decreto n0 6.982, de 1878, o Decreto


n0 3.084, de 5 de novembro de 1898, Parte V, art. 14, empregou o verbo
“carecer” no sentido errado de “precisar”, que lhe dera o Decreto n0 6.982,
e disse carecerem de homologação as sentenças estrangeiras de partilhas, as
meramente declaratónas (?) como as que julgam questões de estado das
pessoas e as arbitrais homologadas por tribunais estrangeiros. Não sendo
declarativas todas as sentenças sobre estado e capacidade das pessoas, ficou
a confusão quanto à extensão do conceito: ~,seriam todas as ações da classe
das questões de estado, portanto, de regra, constitutivas, ou seriam as ações
declarativas e, por simples lapso do legislador, as ações de estado? Aliás, a
Lei n0 221 não precisava falar disso: o seu critério era de não serem

“exequíveis”, sem homologação, quaisquer sentenças estrangeiras. Os que


liam o art. 15 do Decreto n0 3.084, como se dispensasse a homologação,
tresliam. em vez de dispensar, o Decreto n0 3.084, repetindo o de 1878,
explicitara que as sentenças como as de estado das pessoas, a de partilha e a
de juízo arbitral precisavam da homologação. Por onde se vê quão perigoso
é redigir-se lei sem se procurar o termo próprio e sem se conhecer a fundo o
ramo do direito.

O art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de


1942, estatuiu: “Não dependem de homologação as sentenças meramente
declaratórias do estado das pessoas”. ~,A regra jurídica é de exceção ao
princípio da necessidade da homologação para que se importe a eficácia das
sentenças?

O art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de


1942, dispensou a homologação das declaratórias de estado; mas os
legisladores não sabiam de que falavam, porque ficariam fora sentenças em
ações de estado que não dissessem que A é casado ou solteiro, A é filho
legítimo de 8 ou não.
Na doutrina, Samuel Martins (Execução das Sentenças Estrangeiras no
Brasil, 104) estava à procura de distinção quando recomendava conhecer-
se, previamente, se o julgado sobre o estado e a capacidade tinha efeitos
patrimoniais.

Exemplificava: arrecadação, modificação ou extinção de obrigações. Ai,


exigia a homologação. Era a busca do que ele não sabia bem o que seria o
elemento executivo, não-preponderante, da ação constitutiva, erradamente
classificada por ele e por Lafaiete Rodrigues Pereira (Decreto n0 6.982, art.
11) como “declaratória”.

Contra essa atitude de Samuel Martins esteve Oscar da Cunha (A


Homologação da Sentença Estrangeira, 77 5.): qualquer sentença precisa
ser homologada. A verdade dava a mão a um e a outro. Todas as sentenças
estrangeiras precisam de homologação, está certo; alguns efeitos se operam
independentemente da homologação, também está certo. Mas, ~,que efeitos
são esses? Não os efeitos anexos também ditos próximos, ao lado, vizinhos,
os Nebenwirkungen, ainda se a favor e contra todo o mundo, inclusive para
as autoridades. Mas há força constitutiva e efeito constitutivo que se
operam erga omnes, sem dependência de lugar.

Em qualquer caso, é o direito estrangeiro que responde se a sua sentença


tem força formal de coisa julgada e qual a força além dessa, e os efeitos que
tem. Nunca o direito brasileiro pode dar mais força material de coisa
julgada ou mais efeito à sentença estrangeira do que ela tem. Se isso parece
ocorrer, é conseqi.iência de corte por invocação de ordem pública
(aplicação da lei de direito material, e não da lei de direito formal). Os
efeitos anexos dependem das regras de direito internacional privado. A
Corte de Apelação do Distrito Federal tentou distinguir a sentença em sua
força e em seus efeitos e a sentença no que somente atesta situação de fato
(9 de novembro de 1915, R. de D., 40, 164); mas englobou força e efeitos
sentenciais já consumados, que não vêm mais com a sentença, e sim com a
pessoa, e efeitos que se hão de produzir no Brasil.

(d) A verdadeira solução, no estado atual do direito processual brasileiro, é


a seguinte: a) Ao Supremo Tribunal Federal, diante de algum pedido de
homologação de sentença estrangeira, não cabe dizer que tal sentença, por
sua natureza, não precisa de homologação. Atitude diferente, na falta de
regras jurídicas de exceção, como foram as dos arts. 10, 11 e 13 do Decreto
n0 6.982, seria extremamente perigosa, pelas razões seguintes: a) todas as
sentenças, ainda declarativas, têm certo elemento, embora ínfimo, de
executividade, ou de mandamento; b) para se adotar critério fixo, ter-se-ia
de marcar certo grau de intensidade desses elementos nas sentenças
constitutivas e declarativas, o que exigiria estudo de cada uma das ações
declarativas e constitutivas dos diferentes sistemas jurídicos, de modo a
serem discriminadas as que exigiriam e as que não exigiriam homologação,
e isso a ciência não fez; c) não seria vantagem a marcação da letra b), por
existirem diferenças entre os interesses atingidos pelos elementos executivo
e mandamental, criando outro problema o de escalonamento desses
interesses.

b) O problema aparece quando se apresenta a carta de sentença ou certidão


autenticada, como ato estrangeiro, quer ao Supremo Tribunal Federal, quer
às outras justiças, e se pretende que lhe seja dispensável a homologação.
Aqui, tem de ser apreciada a sentença como ato jurídico, talvez mesmo
como fato jurídico; porém levanta-se a questão de se saber qual a projeção
da sentença somente como ato jurídico e onde começam os efeitos e força
que são da sentença.

Naturalmente, o juiz logo repelina qualquer efeito executivo e talvez


pensasse que aí estaca a exigência da homologação. Houve certa tendência
dos escritores e juizes brasileiros para tal atitude, que também prevaleceu,
até certo tempo, noutros países, e.g., na Itália, com G. Fusinato (Esecuzione
delle sentenze straniere, 121, s.) e Enrico La Loggia (La Escuzione delle
sentenze straniere, 271, s.). Neste século, os juristas tatearam, porque lhes
pareceu que não só o elemento executivo era relevante para o país de
importação; mas faltavam-lhes meios de estudo técnico da força e efeitos da
sentença. Na própria Itália, haviam Pasquale Fiore e Dionisio Anizilotti
(1901) começado a demolir a velha teoria e a construir a da necessidade,
sempre, da delibação. O último pretendia que a distinção entre conteúdo e
sanção bastasse como chave do problema. Puro engano; e os resultados, a
olhos vistos, foram nenhuns.
c)Quanto à coisa julgada material, o argumento para se reputar eficácia
dependente de homologação é o de não ser força ou efeito comum aos
títulos; é específico da sentença como vontade do Estado. Não há dúvida
que o argumento pesa. A força material da coisa julgada atinge a própria
atividade processual do outro Estado, como objeto de exceção ou de base
para outra ação (a de condenação, por exemplo). A força e o efeito de coisa
julgada material têm de depender da homologação; ou se haveria de
reconhecer à sentença estrangeira a atuação na ordem processual do outro
país. Estranhamos não termos encontrado essa razão, tão forte como é,
apontada nos tratados e monografias. A preclusão e a força material
nasceram fora.

A palavra “exequíveis”, empregada em dois sentidos nos sistemas jurídicos


processuais de alguns países e, no Brasil, ao tempo do Código de 1939,
obrigou os juristas, a respeito do primeiro, a distinguir da eficácia executiva
em senso próprio a eficácia executiva em senso impróprio. Com isso,
apenas se aludia ao desconhecimento das eficácias de declaração, de
constituição, de condenação, ou de mandamento, que acaso exigissem o
exame pelo país de importação.

Na falta de pesquisa científica, deixou-se que os casos forenses, através dos


julgados, fossem elaborando a doutrina (casuística jurídica, pluralismo na
revelação da regra jurídica). Verdade é, porém, que o direito processual
desses países ainda não havia explorado suficientemente o terreno dos
efeitos não-executivos e da dose executiva nas sentenças não-executivas,
para que se pudesse compor a solução satis

fatóna. Deixamos de lado, nessas notas, as telas de peneira que os


legisladores de outros povos interpuseram às sentenças estrangeiras, para
dizerem, de antemão, com critério teoricamente arbitrário de determinação,
quais os efeitos que precisam da homologação da sentença. No Brasil,
também, os juizes não conseguiram reduzir a enunciados claros os casos de
sentenças estrangeiras que não precisavam de homologação; e o art. 15,
parágrafo único, do Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, veio,
ainda mais, turvar o assunto. Mas sempre se julga bem compreendendo-se o
fio histórico e atendendo-se à posição sistemática de cada instituto.
(O Código de 1939 falava, no art. 786, de “exequíveis”, e nos arts. 787-789,
apenas tratou em particular das sentenças em matéria de falência e de
concordata. Tudo estava, portanto, em se determinar o conteúdo de
“exequíveis”. De modo que, fora dos arts. 787-789, não havia peneira
legislativa, arbitrária; havia apenas a que fosse indicada pela ciência. O
legislador confiara à doutrina e à jurisprudência apontar os casos em que o
juiz tem de exigir a prévia homologação. Igual dever corre a esse diante da
ineptia legis do art. 15, parágrafo único, do Decreto-Lei n0 1.657).

Tivemos de fazer longa critica aos textos anteriores e esforçar-nos para que
não se permanecesse na confusão conceptual daqueles tempos. Felizmente
o Código de 1973 riscou a referência a “exequíveis” e acertadamente disse
que “a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no
Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal” (o
grifo

67

Toda força e todo efeito que o titulo estrangeiro possa ter, dentro do seu
pais, a sentença estrangeira tem. Ela é título: e um plus. A esse pIas éque se
exige o exame, para eficácia dentro do país de importação. O único efeito
que tem a sentença estrangeira, como sentença, é o de produzir nos países
que não são aqueles em que ela foi proferida, a favor de quem dela precisa e
a pode invocar, a pretensão à homologação. A essa pretensão corresponde a
ação de homologação. Os próprios prazos extintivos da pretensão de
direitos material, que serviu de base à sentença, da pretensão à
homologação e da pretensão à actio iudicati ou outra de produção de
eficácia da sentença, ou do simples cumprimento do mandado são
diferentes. A ação que emana da pretensão à homoloQgação não é a ação da
causa em que se proferiu a sentença homologanda. É ação fundada em
documento, com o fito de conferir a esse título a produção de eficácia de
sentença dentro

67 O art. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.96, estatui que “para ser


reconhecida ou executada no Brasil,a sentença arbitral estrangeira está
sujeita, unicamente, à homoIogação~o do Supremo TribunalFederal”.
do país. A maior parte dos requisitos são pressupostos processuais, porque
se prescinde de qualquer indagação do mérito da ação primitiva.

As sentenças proferidas em ações de desquite, divórcio, nulidade e anulação


de casamento são constitutivas. Precisam de homologação (Supremo
Tribunal Federal, 5 de junho de 1946, R. dei. B., 79, 132, e 14 de outubro de
1948, A. J., 90, 375; Conselho de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, 13 de fevereiro de 1947, R. F., 113, 132; absurdo, nos conceitos a
respeito de eficácia das sentenças e homologação, o acórdão da 6~ Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de dezembro de 1948, Revista
dos Tribunais, 178, 197, Revista Forense, 125, 513).

Sempre que, com a sentença declarativa, se quer eficácia constitutiva,


condenatória, mandamental ou executiva, portanto por ter a decisão
qualquer dessas eficácias imediata, (4) ou mediatamente (3), é de mister a
homologação.

Idem, quanto à força mesma.

A eficácia que se pretende é a eficácia importada; portanto, é preciso que se


alegue e prove ter carga suficiente de eficácia, segundo o direito que foi
aplicado, a sentença estrangeira (cf. Supremo Tribunal Federal, 19 de
agosto de 1948, Revista Forense, 121, 396).

O que interessa, para se firmar que a sentença sobre estado das pessoas
precisa ser homologada no Brasil, é saber-se se se quer algum efeito no
Brasil. Efeito a que se alude sem ser efeito que venha alterar ajuridicidade
no Brasil é efeito que conceme à pessoa e só atinge a pessoa e o que se
passou no sistema jurídico estrangeiro. Se a sentença é sobre
desapropriação de bem sito no estrangeiro, ou sobre negócio jurídico
voluntário ou compulsório de bem subordinado à lex rei sitae estrangeira,
não é sentença que se haja de homologar se, por exemplo, tem de ser inserta
nos autos de ação de partilha de herança para se computar no cálculo o
valor da prestação recebida ou a ser recebida. Se a sentença estrangeira é
sobre filiação ou legitimidade da filiação de pessoa, estrangeira, que se diz
ser filho, ou que a pessoa estrangeira diz ser seu filho, não precisa de
homologação; salvo se a pessoa fora considerada no Brasil por ato judicial,
ou negocial, ou conforme registro filha de outrem, porque então o efeito
teria de ser importado para atingir situação existente no Brasil. Se a
sentença estrangeira é de divórcio e o casamento foi feito no Brasil, ou se
há filhos brasileiros, ou domiciliados no Brasil, a que a sentença se refira,
ou se um dos cônjuges é de nacionalidade brasileira, a sentença há de ser
homologada para que o juiz brasileiro possa, por exemplo, atender quanto
aos poderes paternos e matemos. Se a sentença é sobre nulidade ou
anulação de casamento e o casamento foi celebrado no Brasil, ou um dos
cônjuges édomiciliado no Brasil, ou tem filho domiciliado no Brasil, a
homologação é necessária para que se proceda a qualquer ato no Brasil,
e.g., ato de registro

de imóvel, ou direito de uma das partes a tomar parte, como cônjuge, em


sessões de sociedade, ou em clubes.

Se nenhum efeito de sentença é importado, como se os cônjuges,


estrangeiros e domiciliados no estrangeiro, se divorciaram, e volveram
solteiros, ou casados em novas núpcias no estrangeiro, a homologação seria
de manifesta superfluidade. Estrangeiros que alhures se divorciaram podem
vir (ou tornar) no Brasil e aqui permanecer solteiros, ou casar-se, ou ir
casar-se no estrangeiro. Tudo se passa sem qualquer repercussão no
ordenamento jurídico brasileiro.

3. Homologação de sentença estrangeira e rescisão de sentença A


homologação de sentença e a ação rescisória têm de comum serem exames
de sentenças; mas, enquanto essa pode, em certos casos, invadir o julgado,
aquela se mantém por fora. Não se diga que a não-produção de eficácia
devido à ordem pública e aos bons costumes é invasão; de modo nenhum:

é mérito da ação de homologação, que repele essa eficácia como qualquer


juiz repeliria a produção de efeitos da lei estrangeira. Aliás, esse corte de
eficácia, ainda quanto a leis estrangeiras, é sempre possível, qualquer que
seja a ação.
Não só esse corte: o corte, por infração de regras de direito interestatal e,
afortiori, de regras de direito das gentes. Em ambos os casos, falta ao
magistrado estrangeiro autoridade para o título mesmo.

Foi Gaetano Morelli, em 1924 (Giudizio di delibazione, Rivista di Diritto


Internazionale, 1924, 395-404), quem viu, se não primeiro, pelo menos de
modo claro e definitivo, a autonomia material e processual da ação de
homologação, tentando, já àquele tempo, classificá-la como ação
constitutiva, de sentença igualmente constitutiva. Apenas não distinguia da
ação constitutiva pura a constitutiva integrativa, a simplesmente integrativa.
Por seus argumentos, é de crer-se que pensava ele em constitutiva pura. Já
se sabe mais do que isso hoje em dia.

A homologação reconhece à sentença estrangeira toda a eficácia (força e


efeitos), que a sentença estrangeira teria no pais, salvo se a ordem pública e
os bons costumes se opõem (outra questão) ou não se podem produzir no
país de importação (nosso Tratado de Direito Internacional Privado, 1,
255-2920; e a habilita-a àquela que a lei brasileira lhe cole, a mais. Esse
elemento declarativo (“reconhece”, “habilita-a”, dizemos) ésuperado pelo
elemento constitutivo, porque a produção do elemento que se esperava à
sentença estrangeira cessou à fronteira do país de exportação. Ora, se essa
produção já se tivesse realizado de todo, a homologação seria supérflua. Há,
certo, casos dessa natureza. E ai está o problema. Daremos em resumo as
nossas pesquisas de longos anos, nesse terreno.

A sentença constitutiva integrativa da ação de homologação integra o ato


estrangeiro, (fazendo-o, aqui, eficaz; integra-o, não constitui eficácia (força
e efeitos). Não produz; abre a porta à produção de eficácia de (1) eficácia
que tenha de ser no país e seja (2) eficácia de direito processual. Ficam,
fora, portanto, (3) os efeitos anexos de direito material e os (4) efeitos que
se tenham produzido fora. Donde:

(a)O juiz somente se deve preocupar, para exigir a homologação com força
e efeitos que tenham de ser produzidos, dentro do país:a execução forçada
(executiva); a coisa julgada material (força e efeito declarativos); a atuação
nos registros públicos ou em órgãos instrumentais de execução (força e
efeito mandamentais); a nulidade de ato que esteja a produzir efeitos
positivos no pais (força e efeito constitutivos), e.g., se o casamento foi
realizado no Brasil ou um dos cônjuges é domiciliado no Brasil; a
legitimação à execução ou outro efeito em virtude de sentença condenatória
(força e efeito de condenação).

(b)O juiz, para saber se determinada sentença precisa de homologação,


somente deve cogitar de verificar se a força ou o efeito, que se lhe pede. é
processual. A coisa julgada material é força ou efeito de direito processual.
A atuação em registros públicos, levantamento de quantias, ou de medidas
decretadas por autoridades (não só judiciárias) do país, etc., éde direito
processual. A força ou efeito de sentença de nulidade do casamento ou de
qualquer negócio jurídico é de direito processual. A força da sentença
executiva é de direito processual. Os efeitos de coisa julgada material e
executiva da sentença de condenação são efeitos de direito processual.
Aliás, antes, logicamente, disso está a preclusão, e toda preclusão quanto a
resoluções judiciais é processual.

(c)Ojuiz nunca se pode prestar a reconhecerforça ou efeito executivo, no


Brasil, da sentença estrangeira: portanto, já se exclui dispensa de
homologação para qualquer força ou efeito executivo, qualquer que seja a
sentença. Assim, a) a qualquer sentença executiva, de cognição completa,
ou incompleta, com adiantamento, ou não, da execução, b) a qualquer
sentença, ordinariamente a de execução, que tenha efeito executivo. O
Supremo Tribunal Federal nunca pensou de outro modo, quer quanto à
força executiva (14 de outubro de 1925, R. de D., 78, 11), ainda que
provisória a execução (26 de junho e 29 de dezembro de 1915, R. J.,
11,473), querquanto ao efeito executivo. As sentenças de partilha, pelo
elemento executivo, têm de ser homologadas no Brasil (Supremo Tribunal
Federal, 9 de janeiro de 1924, R. 5. T. F., 65, 103; 14 de outubro de 1925, R.
de D., 78, II). Às vezes, os juizes invocam o elemento declarativo (e.g.,
haver herdeiros brasileiros, porém não haver bens no Brasil), mas isso
deforma a ação de partilha e entra no mérito da sentença estrangeira, em
matéria que não diz respeito ao Brasil. Tem-se de examinar a competência,
legislativa e jurisdicional, do pais estrangeiro; não o que foi julgado. Em
tais circunstâncias, cabe ao Tribunal apontar a força ou o efeito que se
pretende no Brasil. A eficácia fora do Brasil somente se leva em conta se
atinge a eficácm que há de ter no Brasil. E.g., se o que resta de bens não
basta ao pagamento.

(d)O juiz nunca se pode prestar a reconhecerforça ou efeito


mnamzdamental, no Brasil, da sentença estrangeira. Estão, pois, excluidas
da dispensa de homologação todas as sentenças mandamentais e todas as
sentenças cujo efeito mandamental se pretenda no Brasil. Ajurisprudência é
assaz escassa. Em todo caso, o Supremo Tribunal Federal negou
homologação a sentença estrangeira porque a avaliação dos bens não foi
feita, como deveria ser, no Brasil (25

de agosto de 1923, R. 5. T. F., 57, 135; e 28 de junho de 1924, R. de D., 75,


256; 80. 100), posto que haja errado no mês seguinte (19 de julho de 1924,
R. S.T. F., 77, 143). Nenhum “mandado” estrangeiro se cumpre no Brasil:
ou se confere à sentença, mediante homologação, a força ou efeito
mandamental. E.g., a 27 de abril de 1927 (R. de D., 85, 460). O Supremo
Tribunal Federal teve de enfrentar caso típico: a nomeação do regulador de
avaria grossa por tribunal estrangeiro. O caso não depende de princípios a
priori. A qualificação do ato de nomeação do regulador é dada pela
legislação do Estado a que incumbe a regulação da avaria grossa. Pode não
ser ato processual: nem, ainda mesmo, sentença. Se é ato de resolução do
juiz, precisa de homologação: o elemento mandamental é evidente: o
ajustador é perito do juiz, ainda que se descesse à descategorização de fazê-
lo da livre escolha do armador (sem razão. quanto a essa descategorização,
Hugo Simas, Comentários, VIII, 457). pois os seus atos ficam sujeitos à
finalidade dos atos concernentes à repartição. A descategorização seria
quanto àfonte da nomeação e não quanto àfiemzção. Assim a proposição do
acórdão de 1927, que, de ínodo geral, estatui não precisar de homologação
o ato de nomeação do regulador da avaria grossa, pecou em dois pontos: a)
não atendeu à qualificação do próprio Estado do juiz nomeante.

ao mesmo tempo que desatendeu à qualificação do Brasil; b) não


particularizou qual a força ou efeito que se pretendia no Brasil. Se o ato
éjudicial, a homologação é de mister: se não é. qualquer força ou efeito do
titulo depende de ser reconhecido pelosjuízes em geral como produtor dessa
força ou desse efeito no Brasil. A distinção é de grande valor prático.
Desloca-se o problema.

(e)O juiz nunca se pode prestar a reconhecer no Brasil a força ou o efeito de


condenação, sem homologação prévia, porque toda condenação é a pagar, a
restituir, à prisão, a fazer, a não fazer, a declarar, a não declarar.

É o tipo da sentença a que os efeitos complementam. Depois dela, há algo


de muito importante, de que se precisa. Não é golpe já desferido, neín 84

DA HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

simples ameaça da espada de Dâmocles; é a certeza de que a espada tem de


cair. Essa certeza con-dana. O golpe já é inevitável, tanto que só sentença
desconstitutiva (e.g., a do juízo rescindente) poderia suspender a mão que
condenou.

Essa mão levantada não baixa ao sair do seu país, porque baixar é força e
efeito,fora; nem, sequer, ela se retira: continua como está, parada, pela
impossibilidade de movimento do juiz do Estado A no Estado B, e não
entra no Estado B. Entra o título, não a força ou o efeito; entra (para
aproveitarmos a imagem) a cártula, o diploma, a carta, em que se descreveu
o gesto não a mão, o imperiumn. Portanto, não entra o efeito executivo da
sentença de condenação conforme foi dito à letra (c); nem afortiori, a força
da condenação, especifica da sentença mesma. Nem se podem produzir,
antes da homologação no Brasil, os efeitos anexos da sentença
condenatória; e.g., hipoteca judiciária.

(O O juiz nunca se pode prestar a reconhecer a força ou o efeito da


declaração, no Brasil, da sentença estrangeira, sem homologação prévia;
porque a declaração tem de partir de quem possa declarar, e o
reconhecimento da força ou do efeito declarativo estabeleceria a permissão
de se apresentar a sentença para a ação de preceitação ou para outra ação
posterior. Tanto mais quanto a ação declarativa pode declarar,
implicitamente, a pretensão executiva, ou a de condenação, ou a
mandamental, ou a constitutiva razão por que erraram todos os que
entendiam fundar a distinção entre a ação declarativa e as outras
(principalmente a de condenação) na diversidade da pretensão de direito
material (a declaração pode versar sobre a “obrigação”, tal como a
condenação, cp., a respeito, Alfredo Rocco, La Sentenza Civile, 140, s.;
Piero Calamandrei, Studi, 1, 180, s.).

(g) Finalmente, o juiz não pode reconhecer aforça ou o efeito constitutivo


da sentença estrangeira, dentro do Brasil, sem prévia homologação. Aqui, o
Supremo Tribunal Federal tateou anos a fio, muitas vezes em desesperado
lutar com a deficiência da cultura jurídica processual. Afastemos, desde
logo, a invocação de ordem pública e dos bons costumes, ou a de não haver,
no pais, a força ou efeito; porque esse problema é outro problema,
concemente à importação da lei estrangeira (nosso Tratado de Direito
Internacional Privado, 1, 255-292). A antiga Corte de Apelação do Distrito
Federal, a 27 de maio de 1921 (R. de D., 65, 544), feriu um dos pontos,
quando disse que a sentença sobre estado e capacidade das pessoas precisa
de homologação para ter efeitos no Brasil. Efeitos (e força), claro, que se
introduzam no Brasil, ou que introduzam negação de força ou efeitos
produzidos no Brasil. Assim se definem “efeitos (e força) no Brasil”. O
Supremo Tribunal Federal, a l~ de agosto de 1916 (R. J., 5, 120), enunciou
que da homologação precisa a sentença de interdição, proferida no estran~
geiro, para produzir força ou efeitos no Brasil. Entendamos: se o curador do
incapaz quer pedir autorização para venda de bens, ou para que se 1

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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reconheça em juízo, ou em qualquer ato que dependa do incapaz, a sentença


estrangeira de interdição. Outrossim, se se pretendem força ou efeitos no
Brasil da sentença de investigação da paternidade (cf. Supremo Tribunal
Federal, 29 de agosto de 1917, R. J., 11, 297). Os suplementos de idade e
emancipações, em virtude da resolução judicial, ainda hómologatória,
precisam de homologação para efeitos no Brasil (Supremo Tribunal
Federal, 5 de setembro de 1914,D.
O., de 24de outubro). Até para as averbações ou os cancelamentos de
averbações em papéis de crédito, têm de ser homologadas as sentenças
estrangeiras (23 de dezembro de 1914, D. O., de 9 de maio de 1915). Trata-
se de efeitos mandamentais ou dependentes de força constitutiva ou de
efeito constitutivo. Não se produzem no Brasil, também, antes da
homologação, os efeitos anexos, posto que só os relativos a regras jurídicas
do Brasil.

Decidiu a ía Turma do Supremo Tribunal Federal, a 6 de novembro de 1943


(D. da J. de 2 de maio de 1944, 1822), que a adoção “ratificada” (?) por
tribunal estrangeiro (in casu, alemão) foi objeto de sentença homologatória
e, pois, não precisa ser homologada no Brasil. O acórdão partiu de
generalização desabusada do conceito de sentença homologatória, como se
todas as sentenças homologatórias fossem de uma só classe e não sentenças
(!). Além disso, invocou, sem razão de ser, as regras jurídicas sobre
homologação de “sentença” estrangeira, como se se aplicassem às

“homologações” estrangeiras, uma vez que o processo de adoção, segundo


o direito alemão, tende a exame judicial, que não é só integrativo da forma.
Nem cabe pensar-se em “ratificação” (?), nem em mero arbítrio, ou graça.
Além de integrativa, a Bestãtigung do Código Civil alemão, § 1.754,
concerne à eficácia e firma a presunção da validade da relação jurídica que
o negócio jurídico criou (Franz Schlegelberger, Die Gesetze ilber die
Angelegenheiten der freiwilligen Gerichtsbarkeit, 1, 528); donde certa
eficácia quanto ao ônus da prova (Georg Kuttner, Rechtsvermutungen aus
Akten der f. G., Jherings Jahrbiicher, 61, 177). Tratar-se tal decisão como
integrativa de documento (negócio jurídico), não entrando no plano das
sentenças constitutivas integrativas, seria menos certo, porém não absurdo.
Mas reduzir a tal categoria todas as sentenças homologatórias inclusive as
homologatórias de sentença estrangeira, portanto é aplainar o inaplainável.
Ora, a Bestãtigung é sentença; e sentenças estrangeiras precisam de
homologação. Aliás, a homologação judicial é, de regra, sentença
constitutiva integrativa.

O problema (1) da homologação das sentenças estrangeiras supóe


resolvidos os (A) problemas da eficácia das sentenças estrangeiras no
espaço (interestatalmente); e fica em frente aos problemas (B) similares,
deeficácia das sentenças brasileiras no estrangeiro, que nos escapam, pois
que estamos a tratar do direito processual brasileiro, e não da eficácia das
sentenças brasileiras no estrangeiro, e em frente ao problema (2) dos
respectivos pressupostos para exportação da sua eficácia. Até onde
poderiam ir, na determinação dos pressupostos de (A) e de (1), o legislador
brasíleiro, e, na determinação dos pressupostos de (B) e de (2), o legislador
estrangeiro, depende das regras supra-estatais, portanto do direito das
gentes, ou do direito negocial interestatal.

Não há homologação de sentença estrangeira se não há prova de que já


transitou em julgado (no mesmo sentido, a Súmula n0 420).

Às decisões proferidas em ação de homologação de sentenças, sejam


favoráveis ou desfavoráveis, não cabem embargos infringentes do julgado
(cf. Regimento Interno no Supremo Tribunal Federal, art. 310).68 Aliter,
embargos de declaração.69

Art. 483. A sentença 2) proferida por tribunal estrangeiro’) não terá eficácia
no Brasil senão depois de homologada ~> pelo Supremo Tribunal Federal
3) 4), Parágrafo único. A homologação obedecerá ao que dispuser o
regimento interno do Supremo Tribunal Federal ~) ~)

‘).

1. Eficácia de sentenças estrangeiras Cartas de sentença, dizia-se, e não


certidões (Supremo Tribunal Federal, 23 de dezembro de 1914, D. O. de 9
de maio de 1915, 5189, e farta jurisprudência posterior); posto que, a 16 de
setembro de 1927 (R. de D., 89, 556), 15 de julho de 1925 (R. de D., 77,
256) e 23 de setembro de 1929 (A. 1., 13, 17), se tenham admitido certidão
e peças autenticadas equivalentes à carta de sentença. Se tal é a qualificação
estrangeira, não há outro caminho; aliter, se o direito estrangeiro tem carta
de sentença (a coisa, não o nome). Conforme antes dissemos, o legislador
de 1973 fez bem em retirar a referência à executividade, o que assaz
exprobramos ao texto de 1939 e outros.
A nossa crítica, a que o legislador de 1973, atendera, já havia sido acolhida
pelajurisprudência.

(a) Antes de homologada, a sentença estrangeira não tem aqui, eficácia de


sentença. Falta-lhe, dentro do nosso ambiente jurídico, qualquer força

68 O atual regimento interno do STF, art. 333, não inclui o julgamento da


sentença estrangeira entre os casos em que se admiein embargos
infringentes, incabíveis por isso e não previstos para a hipótese em qualquer
outra lei.

69Embora o art. 535, 1, do CPC fale em sentença ou acórdão, admitem-se


os embargos de declaração contra absolutamente toda e qualquer decisão
judicial (despacho, inclusive de mero expediente, decisão interlocutória.

sentença, acórdão).

ou efeito de ato jurisdicional (em contraposição a ato estatal não-


jurisdicional). Falta-lhe, pois, eficácia declarativa, ainda que seja sentença
declarativa típica; eficácia constitutiva, ainda que seja sentença constitutiva
(os que casaram no Brasil, ainda casados são, a despeito da decretação da
nulidade alhures); eficácia condenatória, ainda que seja ela sentença de
condenação; eficácia mandamental, posto que seja sentença de mandamento
(a penhora no Brasil continua, e só se levanta depois de homologada a
sentença do juiz estrangeiro que a rogou); eficácia executiva, ainda que se
trate de sentença executiva (a sentença de execução de declaração de
vontade depende da homologação, como as demais sentenças). O que se
tem, com a sentença estrangeira, é título estrangeiro ainda desprovido de
qualquer eficácia de ato jurisdicional; e tal inidoneidade somente cessa
quando passa em julgado a sentença proferida na ação de homologação.
Éentão que aquela entra na classe das sentenças eficazes na ambiência
nacional, à custa da sentença nacional que a reveste, que a ho,no-loga.

(b)O valor do documento, a sentença estrangeira possui-o; mas épreciso não


se sair da linha verdadeiramente sutil que separa a eficácia da sentença
estrangeira, como ato jurisdicional, e a eficácia puramente documental.
Porque ela ainda não tem aquela, não se pode falar de eficácia de coisa
julgada material, ope actionis, ou ope exceptionis; nem mesmo de obstáculo
a que se discuta, no juízo brasileiro, a questão. A eficácia puramente
documental não vai além de elemento com que o documento que também é
sentença concorre para o livre convencimento do juiz (art. 131). Falta-lhe
aquela obrigatoriedade, que é própria da coisa julgada material, muito
embora a eficácia documental se tenha de circunscrever aos limites
subjetivos e objetivos dessa. O exemplo mais conspícuo é o da sentença
estrangeira, condenatória ou declaratória, a favor do credor, na qual se
precise o quanto devido (“dívida certa e liquida”). Tal documento de
“dívida certa e líquida” não satisfaz o requisito de “instrumento público”. A
cognição incompleta, que aí está, basta a provas na ação executiva. Mas,
apresentada contestação, não está o juiz obrigado à coisa jul.gada material
da sentença estrangeira: é-lhe permitido, no seu livre convencimento,
atender a outras provas, podendo completar a cognição ou pela negação da
incompleta cognição anterior (+ ½ ½ 0) ou pela confirmação (+ ‘/2 +

=1). Isso nunca lhe seria dado fazer, se homologada estivesse a sentença.
Na audiência de instrução e julgamento, até se encerrar o debate, a exceção
de coisa julgada material, fundada na sentença estrangeira recentemente
homologada, é oponível. Nada obsta a que se oponha no intervalo entre a
audiência de instrução e a de publicação da sentença, ou a que se oponha no
recurso, para que o mesmo juiz recorrido, se for o caso disso, ou o juízo ad
quem, atenda, como deve, à coisa julgada material.

(c)Trânsita em coisa julgada a sentença que somente atribuiu àsentença


estrangeira a eficácia documental, antes da homologação dessa, a
homologação posterior não perfaz o pressuposto para ação de rescisão da
sentença por infração da coisa julgada. Porque ainda não havia a eficácia de
sentença; portanto, não houve duas sentenças, sem o que seria absurdo
pensar-se em infração. Infração cometeu o juiz homologante ao conferir
eficácia na ambiência nacional, à sentença estrangeira, depois de haver
transitado em julgado sentença de juiz nacional. Rescindível é a sentença
homologante, e não a outra.
Se a sentença é declarativa, isto é, com 5 de declaratívídade, tem de ser
pedida a homologação, salvo se é “meramente declaratóna de estado”, isto
é, se a sentença declarativa típica foi sobre a idade, a capacidade civil, o
estado de solteiro ou de casado, ou de viúvo, ou de interdição, ou
parentesco. No Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (18

de junho de 1970), art. 210, está dito: “As sentenças estrangeiras, civis ou
criminais, não serão exequíveis no Brasil, sem prévia homologação do
Supremo Tribunal Federal, salvo as meramente declaratórias de
estado~~.7tl (d) Quando a sentença estrangeira é constitutiva (nela, o valor
probatório é precípuo), precisa de homologação, porque, se assim não fosse,
vincularia, sem a sentença homologatóna, o juiz nacional. Aqui surge a
diferença entre eficácia documental ou eficácia probatória e a eficácia
constitutiva. Os juristas e juizes costumam confundi-las, com extremo
prejuízo para os julgamentos. A sentença da interdição e a de falência, por
exemplo, precisam de homologação porque são constitutivas. A eficácia
constitutiva é eficácia da “sentença” como ato jurisdicional.

70 Aliter, o art. 215 do atual regimento: “A sentença estrangeira não terá


eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Supremo Tribunal
Federal ou por seu Presidente”. Bastaria ao artigo dizer “pelo Supremo
Tribunal Federal”, do qual é órgão o presidente da corte, mas o dispositivo
preferiu serexplícito. A Const. 88, art. 102, 1, h, confere ao STF

competência para ‘a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão


do exequalur às cartas rogatórias, que podem ser conferidas pelo regimento
interno a seu Presidente”. A competência para decidir o pedido da
homologação não impugnado é do presidente, que, então, profere uma
decisão unipessoal. que é senrença, conquanto assim não a nomeie o
regimento (art. 222>, quiçá pelo temor do erro, que estigmatiza a alma
brasileira, ao qual PONTES DE

MIRANDA foi tão avesso. Da sentença do presidente, que negar a


homologação, cabe agravo regimental, conforme o parágrafo un,co do art.
222 do regimento interno, que denomina o ato de decisão. E da que
homologa? Silente o parágrafo único do art. 214, incide o ais. 317 e o
mesmo agravo é também cabível. Havendo impugnação à homologação, a
competência para julgar a ação é do plenário, conforme o ai. 223 do
regimento.

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 483)

(e) Os atos de jurisdição voluntária são atos que permaneceram com os


juizes quando se verificou que o seu conteúdo contencioso era mínimo, ou
raro, porém convinha retê-los com os juizes. Ficou o elemento
competencial, dito formal, a despeito das sugestões de passagem a outras
autoridades, ou à elaboração livre, privada, devido ao seu elemento
material. Desde que o Estado estrangeiro não permitiu que se dispensasse a
intervenção do juiz, “qualificou” a sua resolução como resolução judicial,
em forma de sentença: e como tal deve ser tratada. Nela, há aplicação de lei,
após pedido ao juiz, e função judiciária. Se tem, ou não, a sentença, que
então se profere, força de coisa julgada material, não importa para se
decidir a presente questão, que é ade ser preciso, ou não, que sehomologue
a sentença estrangeira de jurisdição voluntária. Porque a eficácia de coisa
julgada material não é a única eficácia das sentenças, ainda na jurisdição
tipicamente contenciosa. Quando, falando de atos no juízo contencioso,
pensamos em força de coisa julgada material, apenas acentuamos o quod
plerum que accidit. Demais, os atos chamados de jurisdição voluntária não
são, sempre, atos desprovidos de judicialidade material (contenção, no
sentido em que se emprega a palavra

“contenciosidade”) e alguns são atos de contenciosidade eventual, se não


mesmo de contraditório eventual, tanto quanto há processos contenciosos
que perderam a angularidade os processos mau-dita altera parte, em que,
no entanto, seria possível, se não de legeferenda aconselhável, o
contraditório.

2. Qualificação das decisões estrangeiras Ainda que administrativos os


tribunais, se resolvem questões jurídicas que possam ter atuaçao no Brasil,
sejam eles de jurisdição dita contenciosa sejam de jurisdição dita voluntária
(Supremo Tribunal Federal, 31 de janeiro de 1933, A. J., 29,248), a decisão
deles precisa de homologação]’ A qualificação pelo Brasil, como basta t~
qualificação pela lei estrangeira. A homologação é exigida às sentenças
civis e às criminais.

Homologada a sentença estrangeira, importados foram os seus efeitos; e


tem-se de classificar, cientificamente, a sentença, para sé conhecer a sua
eficácia preponderante (5), a imediata (4), a mediata (3) e duas mais, que
são irrelevantes para o atendimento. No art. 484 fala-se de execução, como
se todas as sentenças fossem de 5, 4 ou 3 de executividade, e não houvesse
outros efeitos. É possível que a decisão do Supremo Tribunal Federal haja
riscado alguns efeitos, para que não se importassem. Se a sentença tem 5,4
ou 3 de executividade, então a eficácia no mundo jurídico brasileiro
éexecutiva. Se de 3, a sentença homologatória passa a ser título executivo
judicial, mesmo se, no estrangeiro, a execução foi de título extrajudicial.

Na Constituição de 1967, com aEmendan0 1, art. 125, X, está expllcito que


compete aos juizes federais processar e julgar, em primeira instância, as
causas concernentes à eficácia de “sentença estrangeira, após a
homologação”.72 Se a eficácia depende de mandado (sentença estrangeira
com 5 ou 4 de mandamentalidade), como ocorre com a que depende de
registro, o juiz competente é que o manda expedir. Não se afaste a hipótese
de ter de ser proposta ação mandamental,por ser de 3 a mandamentalidade
(e.g., ação de caução preventiva, ação de homologação, de penhora legal,
ação de habilitação para casamento, ação de tomada de dinheiro a risco,
ação de nomeação de inventariante, ação de habilitação de herdeiros). O
que se faria se a ação tivesse sido proposta no Brasil faz-se para a ação cuja
sentença foi homologada.73

A carta de sentença é extraída dos autos da ação de homologação, após


requerimento do interessado, feito ao relator do processo no Supremo
Tribunal Federal. Se o relator indefere, há o agravo para o plenário
(Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, arts. 216, 328, 1, 329 e
33O)]~ Tem legitimação o autor ou qualquer dos autores, o réu, ou os réus,
ou terceiros interessados no cumprimento da sentença homologada (e.g.,
Código de Processo Civil, art. 570:
“O devedor pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em
juízo o que lhe cabe conforme o tftulo executivo judicial; neste caso, o
devedor assume, no processo, posição idêntica à do exequente”).

A carta de sentença tem de conter as peças indicadas na lei processual e


outras que o requerente indicar, e de ser autenticada pelo funcionário
encarregado e assinada pelo relator. Cf. Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, art. 330. “Peças indicadas na lei” são as que constam do
Código de Processo Civil, art. 590, onde se fala dos requisitos da carta de
sentença: autuação, petição inicial e procuração das partes, contestação,
sentença exequenda; mais: a sentença de homologação, a que o art. 590 não
se refere, é, in casu, requisito essencial. Se houve habilitação, tem a carta de
conter a sentença que a julgou (art. 590, parágrafo único).

72 Idem, art. 109, X, da Const. 88.

73 O regimemo interno do STF, art. 224: “a execução far-se-á por carta de


sentença, no juízo competente,

observadas as regras estabelecidas para a execução de julgado nacional da


mesma natureza

74 Atual regimento, ais. 317.

3.Dados históricos A competência do Supremo Tribunal Federal foi


reconhecida pela Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894, que criou a
homologação, depois do exequatur do Decreto n0 7.777, de 27 de julho de
1880, e do cumpra-se do Decreto n0 66.982, de 27 de julho de 1878. No
fundo, o que se operou foi a captação pelo pensamento nacional da ação de
reconhecimento e integração da sentença estrangeira, a nossa ação de
homologação, que somente uns trinta anos depois a ciência européia
submeteu a pesquisas e foi tida como ação autônoma, inconfundível, de um
lado, com a ação primitiva e, por outro, com a ação de execução da
sentença (misto das duas sentenças). A actio iudicati, executiva, pode
suceder a ela, ou não, conforme tem efeito executivo, ou não no tem, a
sentença homologada. Mas a competência do Supremo Tribunal Federal,
reconhecida pela Lei n0 221, não foi admitida pelos juizes sem dificuldades
e discussões. A primeira questão surgida foi a de poder a lei ordinária
atribuir ao Supremo Tribunal Federal competência que a Constituição de
1891 não lhe dera. Uns entendiam (Amaro Cavalcânti à frente) que apenas
se explicitara o art. 59, 1, d), da Constituição de 1891; outro, que a lei
ordinária criara, portanto exorbitara. Por um momento, o Supremo Tribunal
Federal vacilou sobre a sua própria competência. Depois não se discutiu
mais.

Compreendeu-se que a lei não é só a sua letra.

A Constituição de 1934, art. 76, 1), g), 2~ parte, reconhecia digamos assim
a competência da então Corte Suprema para processo e julgar
originariamente a homologação de sentenças estrangeiras. Idem, a
Constituição de 1937, art.

101, I,J), 28 parte. A Constituição de 1946, art. 101, 1, g), 28 parte; a de


1967, antes da Emenda n0 1, art. 114, 1, g), e com ela, art. 119,1, g),
também foram explícitas.75

Infringe a Constituição federal (e, pois, é causa para interposição de recurso


extraordinário) a “execução” de sentença estrangeira sem homologação
pelo Supremo Tribunal Federal (58 Câmara Cível do Tribunal de Apelação
do Distrito Federal, 24 de agosto de 1943, D. da J. de 3 de novembro,
4.251).

4. Audiência das partes As partes, que têm de ser ouvidas, são as partes
contrárias na ação primitiva, segundo o conceito da legislação estrangeira,
e aquelas que o sejam pelo pedido da ação da homologação segundo o
direito brasileiro. Se há litisconsórcio passivo unitário (ver sobre o conceito
as notas aos arts. 47 e parágrafo único e 320, 1), quer segundo a lei
estrangeira, quer segundo a lei brasileira (quando interesse ao Brasil a
posição do litisconsorte), o Tribunal deve ordenar que se integre a
contestação. Se a parte interessada não promove a citação, dá-se a extinção
do processo (art. 47, parágrafo único). Todas as partes que tem de ser
ouvidas são citadas; os litisconsortes ativos intimados.
Legitimado ativo, na ação de homologação de sentença estrangeira, éo que
foi parte na ação em que se proferiu a sentença, ou seu sucessor. No caso de
cessão, é o cessionário. Enquanto não se produz o instrumento da cessão, o
cedente; mas, em verdade, a questão não foi convenientemente destrinçada
pelos juristas: o que foi parte, ou a que interessa a eficácia da sentença
estrangeira, e seria, antes da cessão, legitimado, continua com a pretensão à
homologação, pretensão à tutela jurídica, desde que ainda pode ser
prejudicado pela não-homologação, inclusive a ser chamado à autoria. Não
se confundam a pretensão à homologação e o interesse pessoal e direto, que
constitui matéria de mérito e, assim, vem depois da questão de ter, ou não, o
cedente a pretensão à tutela jurídica e o interesse de agir.

Cumpre, portanto, separar a legitimação do cedente para a ação de


homologação e a sua legitimação para a eficácia, inclusive execução, stricto
sensu.

O filho é pessoa legítima para se opor à homologação da sentença


estrangeira de nulidade ou anulação do casamento dos pais, ou à sentença
estrangeira declaratória da inexistência do casamento.

5. Procurador-Geral da República A posição do Procurador-Geral da


República, nos processos de homologação de sentença estrangeira, não é de
parte; mas a de que falamos em geral. Por isso mesmo, oficia; não contesta.
Em todo caso, se a União é parte, ou se ocorre algum dos casos nem que
seria, normalmente, parte, órgão da parte e.

6.Carta de sentença A carta de sentença, ou o que, no direito processual


estrangeiro, de que se trata, valha e tenha a eficácia da carta de sentença no
direito processual brasileiro. A respeito, há acórdão do Supremo Tribunal
Federal (23

de dezembro de 1942, R. F., 95, 576) que precisa ser recebido com todo o
cuidado. Julgou-se que bastaria, em lugar da carta de sentença, certidão
comprobatória do caso julgado, minuciosamente explanado. Ora, esse
conceito de prova bastante depende do direito estrangeiro, de que provém a
sentença. Pode ele ter regras próprias de suprimento; e essas regras jurídicas
é que teriam de ser observadas.

76 Chefe do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da


República não pode representá-la em juízo (Const. 88, azt. 128, § lO, e 129,
IX), cabendo essa função à Advocacia Geral da União (Const. 88, art.
131).

7.Processo da homologação O art. 483, parágrafo único, remete ao


Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a que incumbe edictar

as regras jurídicas a respeito. Com isso, apenas se atende ao art.


120,parágrafo único, a), c) e d’~ da Constituição de 1967, com a Emenda
n0 17

8.Legitimação ativa à ação de homologação Legitimada é qualquer pessoa


que tem interesse jurídico nos efeitos, ou em alguns efeitos ou algum efeito
da sentença e pois exerça a pretensão à tutela jurídica, com a ação de
homologação da sentença. Pode ser que uma tenha o interesse no efeito a e
outra no efeito b, ou alguma nos efeitos a e b e outra só no efeito a. Não
importa a restrição do pedido. Apenas, quando se pede a homologação da
sentença, convém que o Supremo Tribunal Federal examine todos os
efeitos, para que sejam importados, ainda que não constem do pedido ou
dos pedidos.

Se, pendente ação no Brasil, já transitara em julgado ação proposta no


estrangeiro, não há óbice à homologação (Supremo Tribunal Federal, 12 de
maio de 1956, R. T. de J., 38, 1). O que pode acontecer é que haja conflito
de competência entre os dois Estados e então, aprovado pelo Supremo
Tribunal Federal, que a competência tem de ser da Justiça brasileira, é de
negar-se a homologação. Não basta, portanto, para tal solução a
litispendência no Brasil. Se já fora pedida a homologação, a propositura da
ação de competência brasileira não impede que se prossiga na ação
homologatória, nem o pedido de homologação obstaria à outra. A coisa
julgada da sentença brasileira é alegável perante o Supremo Tribunal
Federal, que tem de apurar a competência para ação intentada no Brasil, que
pode chegar à conclusão de que a competência da Justiça brasileira prima,
ou de que há a res iudicata. O deferimento do pedido de homologação, com
o trânsito em julgado, antes de se julgar a ação proposta na Justiça
brasileira, tem de ser tratado como a procedência de ação proposta na
Justiça brasileira, porque, embora tenha sido estrangeira a sentença, houve
importação da eficácia da sentença homologada. Aí de grande relevância é
conhecerem-se a fundo os enunciados das duas sentenças, para se saber se
há ofensa à res iudicata. Se houve, o assunto é para se saber se ainda cabe
recurso ou se ocorre rescindibilidade da sentença da Justiça brasileira, com
base no art.485, 1V.7t

77 Const. 88, art. 102, 1, h.78No caso do texto, o art. 90 do CPC não incide
pois, importada, e integrada á ordem jurídica nacional, a sentença
estrangeira homologada faz coisa julgada impeditiva do julgamento da
ação idêntica, em curso no Brasil.

A ação de homologação de sentença estrangeira foi estudada por nós,

minuciosamente, ao tempo dos Comentários ao Código de Processo Civil


de 1939 (Tomo IV, ía ed., 1949, e.g., 455, 626, s.; X; 2~ ed., 20, 385 e 391)
e fizemos-lhe a classificação.

Quanto a dizer-se que, recusada a homologação à sentença estrangeira, faz


coisa julgada, sempre, a decisão do Supremo Tribunal Federal, éerrôneo.
Por exemplo: se foi denegada a homologação porque ainda podia ser
proposta, ou estava proposta, na Itália, a “revocazione” (lá, ainda não
passara em julgado a sentença), nada obsta a que de novo de proponha, após
o julgamento da “revocazione”, a mesma ação de homologação. Se tivesse
transitado em julgado, com eficácia de res iudicata, não se poderia volver a
nova ação. Se o Supremo Tribunal Federal denegou a homologação por se
não ter traduzido com exatidão a sentença estrangeira, o que alegara e
provara o réu, seria contra o princípio de economia que, com a tradução
perfeita, não pedisse a parte o reexame pelo Supremo Tribunal Federal.

Idem, se a decisão do Supremo Tribunal Federal apenas reputou


deficientemente a documentação. Na decisão é que pode o Supremo
Tribunal Federal ter tomado inadmissível qualquer satisfação.

~,Que é que pode apreciar, no julgamento da ação homologatória, o


Supremo Tribunal Federal? Para a resposta temos de partir do exame do art.
120, parágrafo único, c), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 i,79
nos arts. 15, a), b), c) e d), e 17 da Lei de Introdução ao Código Civil e do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Assaz relevante é frisar-
se que o Supremo Tribunal Federal, conforme o texto constitucional, pode
estabelecer regras jurídicas sobre o processo e o julgamento dos feitos de
sua competência originária, um dos quais é o de homologação de sentença
estrangeira (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1, m), 2~
parte).8<~ Só o processo e o julgamento. As discrepâncias nos textos da Lei
de Introdução ao Código Civil e do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal não são de relevância. Falar-se de tradução “por intérprete
autorizado” (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 15, diz “estar traduzida
por intérprete autorizado”) e de sentença com “tradução oficial”, foi como
se o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal interpretasse o art. 15,
d), da Lei de Introdução ao Código Civil. No tocante ao “ter passado em
julgado” a decisão estrangeira (art. 15, c), 1a parte) e ao ser “irrecorrível”
como está no Regimento Intemo, o que havemos de entender é que o

79 Essa norma não subsistiu na Const. 88. Vd., porém, a nota seguinte.

80 Const. 88, azt. 102, 1, í, segunda parte.

Regimento Interno se ateve ao direito brasileiro, o que atendeu a conceitos


menos científicos que se dão em sistemas estrangeiros a “coisa julgada”
(e.g., Código de Processo Civil italiano, art. 324: “S’intende passata in
giudicato la sentenza che non ê piú soggeta né a regolamento di
competenza, ni ad appello, nê a ricorso per cassazione, né a revocazione per
i motivi di cui ai numeri 4 e 5 dell’ art. 395”). O art. ~ é referente à
“revocazione”. Temos de exigir que tenha havido a coisa julgada segundo o
direito estrangeiro que regeu o processo e a sentença.

A competência há de ter sido conforme a lei estrangeira. Quanto ao


pressuposto de terem sido citadas as partes e haver-se verificado legalmente
a revelia, são de observar-se a respeito o que exige a lei estrangeira. O estar
revestida das formalidades exigidas para a produção de eficácia no
estrangeiro também há de ser conforme o direito estrangeiro.

Se o órgão que proferiu a sentença não foi órgão judiciário senso próprio,
tem-se de exigir os pressupostos, com interpretação adaptativa dos textos
relativos às decisões do Poder Judiciário.

Conforme o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que atendeu


ao art. 120, parágrafo único, c), da Constituição de 1967, com a Emenda n0
1 ,~‘ há a citação do réu ou réus e outros interessados para contestar o
pedido no prazo de quinze dias, salvo se foi a petição inicial logo indeferida
(Regimento Interno, art. 213 e § 2o).s2 A contestação, quanto ao mérito, há
de ser no tocante à autenticidade dos documentos, à inteligência da sentença
e aos pressupostos necessários à homologação (art. 213, § 1o)~t3 De modo
nenhum se pode alegar injustiça ou justiça da sentença. De início admita-se
que a sentença, perante o sistema jurídico estrangeiro, pode ser nula, ou
mesmo inexistente. A rescindibilidade não é alegável. Se acontece que a
sentença homologanda está, no estrangeiro, sendo objeto de ação rescisória
de sentença, ou outra semelhante, o processo de homologação não se
suspende: o advento da rescisão da sentença estrangeira, trânsita em julgado
a sentença rescindente, dá ensejo à propositura de outra ação de
homologação, que pode retirar os efeitos da sentença estrangeira rescindida,
antes homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Quanto à ação de homologação, todos os princípios sobre pretensão pré-


processual, ou processual, ou legitimação ativa e passiva, são invocáveis.

81 Vd.anota79.

82 RISTF, art. 220.

83 RI5TF, art. 221.

Se o réu não contestar ou for incapaz, o relator nomeia curador à lide,que


disso há de ter ciência (Regimento Interno, art. 21 4).845e o réu contesta, o
relator manda ouvir o autor, no prazo de cinco dias.85 Sempre ouvido, a
seguir, o Procurador-Geral da República, que em cinco dias emite o seu
parecer, e a sua missão, aí, não é de parte, mas de custos legis.86

Após isso, o relator pede que se determine o dia para o julgamento


(Regimento Interno, art. 215, parágrafo único).87 O

plenário é que julga, conforme estatui o art. 70, 1, g), com observância dos
arts. 127 s. e 148 s. Não há recorribilidade, salvo quanto a embargos de
declaração (art. 31 4)•85

No Decreto n0 6.982, de 27 de julho de 1878, só exigia o cumpra-se para


fazer exequível, no território nacional, a sentença estrangeira; e o art. 12
cogitava dos requisitos (art. 10) e não contravir à soberania nacional, às leis

“rigorosamente obrigatórias, fundadas em motivo de ordem pública” e às


relativas à “organização da propriedade territorial” ou à moral (art. 20). O
Decreto n0 7.777, de 27 de julho de 1880, art. 1~, cogitou do exequatur
para fazer

“exequível no Império”, se não havia reciprocidade, a sentença estrangeira.


No art. 11 do Decreto n0 6.982 fazia-se necessário o cumpra-se para as
sentenças meramente declaratónas, “como são as que julgam questões de
estado das pessoas”. E evidente o desconhecimento, por parte dos
legisladores, da natureza e da classificação das sentenças.

Primeiramente, o emprego da palavra “exequível” revelava que se


confundia eficácia, respeito aos efeitos, com executividade. O elemento
executivo só aparece, preponderantemente, com o peso 4, em algumas
ações; e a execução 3, noutra ação, depende da sentença que tal peso trazia
e foi homologada. Não há execução de sentenças “meramente
declaratórias”. Não há sentenças meramente declaratórias; há sentenças
declaratórias típicas (nosso Tratado das Ações, II, 77), nas quais não há 4,
nem 3 de executividade. Na ação de demarcação de terras há duas fases,
uma da ação e da sentença declarativa, e outra já de ação e sentença
executiva. A eficácia executiva imediata (4) não aparece; a mediata (3) às
vezes surge.
A Lei n0 221, de 2Ode novembro de 1894, art. 12, § 40, e o Código de
Processo Civil de 1939, arts. 785 e 790, continuaram a falar de execução.

A Lei de Introdução ao Código Civil, art. 15, parágrafo único, disse não
dependerem de homologação as “sentenças meramente declarativas do

84 RISTF, art. 221, ~ 1’.

85RISTF, art. 221, § 20.

86RISTF, art. 221, § 30

87 Diferente o procedimento no atual regimento interno do STF: vd. a nota


70.

88Vd. as notas 69 e 70.

estado das pessoas”, mostrando quanto o legislador ignorava a respeito das


ações sobre estado das pessoas. As vezes por leituras italianas, pois até sob
o Código de Processo Civil italiano de 1940 alguns juristas insistem em
aludir a executividade, expressão que não aparece nos arts. 796-802 (no art.
803, a palavra “esecuzione” não podia substituir

“eficácia” que está nos outros artigos).

A competência para a homologação de sentenças estrangeiras é exclusiva


do Supremo Tribunal Federal (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
art. 119, 1, g).89 Pelo art. 120, parágrafo único, c), o Regimento Interno do
Supremo Tribunal pode estabelecer o processo e o julgamento dos feitos de
sua competência originária,se de modo que nele é que se há de dizer se o
processo e o julgamento são em plenário, ou se não o são. O Regimento
Interno de 18 de junho de 1970, art. 7~, 1, g), acentuou ser “em
plenário~~.91 Trata-se de ação, em processo contencioso. Mais: de
exercício de pretensão à tutela jurídica, com a propositura da ação, na qual
o Ministério Público, que é custos legis, e qualquer interessado pode alegar
a inexistência ou invalidade da sentença estrangeira (não a rescindibilidade,
assunto regido pelo direito estrangeiro e de competência de juiz
estrangeiro), a falta da eficácia que se lhe atribui ou a não-importabilidade
de algum, de alguns ou de todos os efeitos da sentença. Não se diga que não
há ação, no sentido do direito material público, nem lide, “ação de direito
processual”. (Sem razão, Amilcar de Castro, Direito Internacional Privado,
II, 289 s.) Aí, há de ação, de competência judiciária, cuja decisão é judicial,
e não administrativa. Por outro lado, mesmo se a sentença homologanda, de
eficácia cível, foi, conforme o direito do Estado em que se proferiu, de
competência de outro Poder que o Poder Judiciário, a recepção pelo Brasil é
de decisão judicial. O que se pede na ação proposta no Brasil é a
homologação da sentença, para que a eficácia seja importada. Ao verificar
os requisitos da petição, pode ser que o Supremo Tribunal Federal não entre
no mérito da ação de homologação (e.g., a petição inicial deixou de atender
ao art. 282, ou faltou algum documento para a propositura da ação, art.
283). Por isso pode determinar que o autor da petição de homologação a
emende, ou a complete, no prazo de dez dias (art. 284).92 Se há desistência
do remédio jurídico processual, extingue-se o processo sem julgamento do
mérito (art. 267, VIII).

Portanto, é erro dizer-se que só se julga mérito (homologação ou não-


homologação): julgamento de mérito há se se homologa ou se rejeita o
pedido de homologação (art. 269, 1).

89Const. 88, art. 102, 1, li.90Vd. a nota 79.91Aliter, o atual regimento: vd.
a nota 70.92RISTF, art. 219 e parágrafo único.

Surgem dois problemas; 6Pode ser alegado contra o pedido de homologação


que, a despeito da sentença favorável, trânsita em julgado, precluiu a
eficácia, ou adveio prescrição conforme o sistema jurídico da sentença
homologanda?

Não se poderia admitir que o Brasil importasse eficácia que acabou ou que
foi encoberta pela prescrição, como não poderia deixar de examinar a
argUição do interessado que apontou, com documentos, a existência
posterior de transação. Tudo isso é alegável perante o Supre o Tribunal
Federal ou mesmo pelo juízo em que se tivesse de atender à efic~cia da
sentença homologanda.
Quanto a sentença estrangeira, independentemente de homologação, pode
ser elemento probatório, documental, temos de exigir meditação. Alguns
entendem a) que é sempre necessária a homologação, a deliberação; outros
b) admitem que a sentença seja elemento de prova de fatos apurados noutro
processo, conforme o princípio da livre convicção do juiz; outros c) fazem
tal eficácia probatória dependente da coisa julgada. Como em a) Gaetano
Morelli (II Diritto Processuale Civile Internazionale, 94 s.) e Mauro
Cappelletti (II Valore delle sentenze straniere in Itália, Processo e
Ideologia, 342, s.).

Desde logo observemos que o Código de 1973, art. 469, estatui: “Não
fazem coisajulgada: II a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento
da sentença”. A regra jurídica é abrangente de todas as sentenças ou
acórdãos proferidos no Brasil e, afortiori, no estrangeiro. Há, portanto, a
solução d), que é radical.

O problema restringe-se à prova de fato, a quaestiones facti, que a sentença


resolveu. Não se trata de prova da decisão, do pronunciamento judicial em
si, porque dessa é que se irradia a eficácia sentencial, objeto de possível
importação por outro Estado. Aliás, a própria sentença declaratória não se
faz título executivo, mesmo se a relação jurídica declarada à executividade
do título se refere (cp. Piero Calamandrei, La sentenza civile come mezzo
di prova, Rivista di Diritro Processuale Civile, XV, Parte 1, 108 5.). O fato
em que se fundou a sentença favorável ou desfavorável a A não basta para
prova do mesmo fato em sentença favorável ou desfavorável a B.

A homologação somente concerne à eficácia da sentença. De modo nenhum


se estabelece qualquer declaração de inexistência, ou decretação de
invalidade. Ou se diz que é eficaz, com a homologação, no mundo jurídico
brasileiro, ou se diz que é ineficaz. Mesmo quando a decisão de
homologação deixa de atribuir a eficácia (que é ato de importação de
efeitos), isso não basta a que se volva ao pedido de homologação, com os
dados que, por faltarem, deram ensejo à denegação (e.g., o Supremo
Tribunal Federal disse que os documentos não provaram a existência da
sentença, ou que pendia recurso no estrangeiro).
O Capítulo III, em que se acham os arts. 483 e 484, refere-se àhomologação
de sentença estrangeira.93 Trata-se de qualquer sentença lato senso,
qualquer que seja a classe (declarativa, constitutiva, condenatória,
mandamental, executiva). O que é preciso é que, conforme o direito do
Estado em que foi proferida, se considere sentença, mesmo se não provém
do órgão do Poder Judiciário. Um dos exemplos ocorridos é o de
homologação de divórcio decretado por algum rei, ou por alguma
autoridade administrativa (cf. Supremo Tribunal Federal, 30 de janeiro de
1933, A. 1., 29, 248; 30 de maio de 1952, D. 1., de 19 de julho de 1954;
2191; 22 de julho de 1953, D. J. de 26 de março de 1956, 488).

No Código de 1973, 483, fala-se de “sentença proferida por tribunal


estrangeiro” e assim já estava no de 1939, art. 785

(“tribunais estrangeiros”), porém, ai, o que importa é o ter eficácia


sentencial civil. Tal o que acontece com as decisões de autoridades
administrativas, ou do próprio Poder Legislativo, se a eficácia civil lhe é
atribuida, ou se lhe foi atribuida ao tempo do procedimento (assim os
nossos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, X, 2~ ed., 18 e
383; Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, 420). O
que importa é que à decisão, embora de outro órgão estatal que o do Poder
Judiciário, caiba eficácia civil: ou partiu de pessoa equiparada ajuiz, no
tocante a efeitos da sentença, ou de corpo coletivo que opere como tribunal.

Não se exige que a sentença seja civil. O que é necessário é que civil seja a
eficácia. Pode emanar de autoridade administrativa, ou legislativa, ou de
autoridade judiciária penal, inclusive de júri. Mesmo que tais regras
jurídicas explícitas não constassem de leis penais ou de leis processuais
penais, é o que, no direito processual civil, se há de ter por assente.
Atribuida a eficácia civil, a decisão entra na classe das sentenças ou
acórdãos homologáveis e de necessária homologação.

A sentença pode não ser sobre o mérito. Pode ser de indeferimento da


petição inicial; e.g., para o efeito civil de não ter interrompido prazo
prescripcional; para o efeito civil de se ter acolhido a alegação de coisa
julgada, ou ter ocorrido confusão entre o autor e o réu; para a importação de
condenação nas custas ou em honorários de advogado. Cf.

Ricardo Monaco (11 Giudizio di Delibazione, 26, que abstrai do mérito;


sem razão, Amilcar de Castro (Direito Internacional Privado, II, 275).

Quanto às sentenças de estado e outras da chamada jurisdição voluntária,


tudo examinamos nos Comentários ao Código de Processo Civil de 1939 e
mantemos o que escrevêramos.

A eficácia da sentença é dada pelo sistema jurídico sob o qual foi proferida.
Os pesos eficaciais, conforme a classificação quinária, que é científica, e os
que a negam se deixam levar por atrasados juristas estrangeiros, são
determinados pelo direito que foi aplicado, ou não foi aplicado e, a despeito
da omissão, incidiu. O Estado da importação não lhe pode aumentar os
pesos de declaratividade e executividade, condenatoriedade, manda-
mentalidade e executividade. O que pode acontecer é que o Estado onde se
procede à homologação não importe toda a eficácia, como ocorre com a
homologação da sentença de divórcio, se o Estado homologante não tem a
dissolução do vínculo conjugal: em vez de se importar a desconstituição da
relação jurídica matrimonial, o vínculo conjugal, apenas se homologa a
sentença no que ela atinge a sociedade conjugal. Aí, o vínculo conjugal
permanece, o minus. Houve, como a respeito de todas as ações, a promessa
estatal da tutela jurídica. Mas o Estado só permite a tutela do que possa
existir, como efeito da sentença, dentro dele.

A competência para o cumpra-se à sentença estrangeira cabia ao juiz que no


Brasil fosse competente para a causa (Decreto n0 6.982, de 27 de julho de 1
878, art. 40) Tinha ele de verificar se a sentença estrangeira satisfazia os
requisitos exigidos, inclusive o de reciprocidade (art. l~, ~ lo). Mas o
cumpra-se só era pressuposto necessário para a execução, pois bastava a
satisfação dos requisitos exigidos para que a sentença de si só produzisse a
eficácia de coisa julgada. Posteriormente, com o Decreto n0 7.777, de 27 de
julho de 1880, na falta de reciprocidade, podia o Governo dar o exequatur,
com a eficácia do cumpra-se.
Na República, dispensou-se a exigência de reciprocidade para as sentenças
de decretação de falência de negociantes com domicfiio no Estado em que
fossem proferidas (Decreto n0 917, de 24 de outubro de 1890). Finalmente,
em quaisquer espécies, desde a Lei n0 221, de 20 de novembro de 1894, art.
12, § 40 que estabeleceu a homologação pelo Supremo Tribunal Federal,
com a satisfação das exigências e o procedimento adequado.

O Código de Processo Civil de 1939 falou dos requisitos da


homologabilidade (art. 791), ressalvando quanto à ofensa à soberania
nacional, à ordem pública e aos bons costumes (art. 792) e tratando do
procedimento (art. 793). Havia regras jurídicas especiais no tocante a
sentenças de falência (artigos 786-788) e à homologação de concordatas
(art.

789). Previa-se a existência de tratado ou convenção internacional (art.


790). A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de
setembro de 1942, art. 70, § 60) cogitou de regramento especial quanto a
sentenças de divórcio. No art. 15, parágrafo único, foi dito que não
dependiam de homologação “as sentenças meramente declaratórias do
estado das pessoas”.

Na Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, o art. 120, parágrafo único,


c), que corresponde à Constituição de 1967, antes da Emenda n0 1, art. 115,
parágrafo único, c), estatui que o Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal há de estabelecer “o processo e o julgamento dos feitos de sua
competência originária ou de recurso Pergunta-se: ~podia e pode o
Supremo Tribunal Federal, em seu~ Regimento Interno, estabelecer
requisitos para a homologabilidade, tal como ocorreu no de 18 de junho de
1970, arts. 210-212, que começou de incidir desde 15 de outubro de 1 970?
~~ Inserir no Regimento Interno regras jurídicas de requisitos que constem
de leis, não há dúvida que pode. Não criar requisitos novos ou riscar algum
ou alguns deles. O art. 483, parágrafo único, do Código de 1973, não há de
ser interpretado como tendo deixado ao Supremo Tribunal Federal legislar
sobre os requisitos que há de ter a sentença estrangeira. O art. 483,
parágrafo único, apenas se refere à homologação e não aos pressupostos da
sentença estrangeíra para poder ser homologada.
Art. 484. A execução ‘~) far-se-á por carta 7) de sentença’) extraída dos
autos da homologação 2) 8)13) 4) e obedecerá às regras estabelecidas
para a execução da sentença nacional da 6 9 10 II 12 mesma natureza 3) 4)
5)

1.Cumprimento da carta de sentença No art. 484 a alusão a “execução” foi


imprópria, como acontecera ao art. 790 do Código de 1939. Acertado teria
sido que se houvesse falado de cumprimento da carta de sentença.
Conforme antes dissemos, não há execução de todas as espécies de
sentença, salvo se quem emprega a expressão dilata em excesso o sentido
de execução. Não se executa sentença declaratória. Sentença constitutiva
nem sempre precisa de executividade imediata ou mediata. A sentença
condenatória dá ensejo, de regra, a outra ação, que é executiva. A sentença
mandamental, essa, não tem eficácia imediata de executividade, exceto no
caso de ação de entrega de objetos próprios.

A sentença executiva, sim, éde força executiva, e a homologação declara-


lhe tal força. Devemos ler o art. 484 como se ele tivesse dito: “O
cumprimento far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da
homologação e obedecerá às regras estabelecidas para o cumprimento da
sentença nacional da mesma natureza”.

94 Vd. a nota 79.

95 Vd. a nota 80. A Const. 88 limita-se a permitir que o regimento interno


dê competência para homologar ao presidente do 5TF. E o parágrafo único
do art. 483 que determina que a homologação obedecerá ao regimento
intemo daquela cone.

Se a sentença estrangeira foi declarativa, a homologação dá direito a carta


de sentença que se extraia dos autos e tem a força e a eficácia imediata ou
mediata que se atribuem a tal classe ou espécie de sentença. Idem, se
constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva.

Não se cogitou de a) regras de direito das gentes, nem de b) regras de


direito interestatal (tratados, convenções). As regras jurídicas a) são acima
do direito nacional; e as regras jurídicas b) passam à frente do direito
processual civil se não são inconstitucionais (o direito especial corta o
direito geral) no âmbito de sua especialidade. Na dúvida, os textos do
direito especial devem ser integrados como sendo acordes com as regras do
Código de Processo Civil e as que constam do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.

2. Requisitos da sentença estrangeira Posto que o Código de 1973 não se


refira aos pressupostos necessários da sentença estrangeira, temos de
apontá-los no plano da ciência do direito, em que o Supremo Tribunal
Federal há de encontrar os dados para a redação dos artigos do Regimento
Interno. Comecemos pelos pressupostos formais; mas citemos o Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 212: “... não se homologará
sentença estrangeira, se faltar algum dos seguintes requisitos: 1 revestir-se
das formalidades necessárias à sua execução” prefiramos dizer

“seu cumprimento” “segundo as leis do respectivo Estado; II ter sido


proferida pelo juiz competente, após citação das partes ou verificação de
sua revelia, consoante os preceitos legais; III ser irrecorrível; IV estar
autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial,
dispensada a sua transcrição no registro público”.96

a) Forma da sentença estrangeira. A forma que se tem de exigir às


sentenças estrangeiras, para que possam ser homologadas, é a da lei do juiz
ou tribunal estrangeiro que a proferiu. Nos casos de impossibilidade
cognoscitiva (e.g., se a letra é ilegível), pode o Supremo Tribunal Federal
exigir que se faça a prova do elemento indispensável a ser entendida. As
questões de díreíto íntertemporal sobre a lei estrangeira, regedora da forma,
são resolvidas pelo direito estrangeiro, bem assim a interpretação de uma ou
de outra regra. A apreciação judicial é inquisitiva. A provada sentença rege-
se

96 O vigente RISTF estatui, no art. 216. que não será homologada sentença
que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. No
art. 217, o regimento enumera os requisitos indispensáveis à homologação
da sentença estrangeira: ‘1 haver sido proferida por juiz competente; II
terem sido as partes citadas, ou haver-se legalmente verificado a revelia;
III ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à
execução no lugar em que foi proferida: IV estar autenticada pelo cônsul
brasileiro e acompanhada de tradução oficial”.

pela lei estrangeira, de modo que era absurdo, hoje afastado, o exigir-se,
sempre, a carta de sentença.

b) Competência do juiz estrangeiro. É elemento necessário a competência


do Estado estrangeiro (distribuição supra-estatal ou interestatal das
jurisdições, cf. Supremo Tribunal Federal, 27 de maio de 1939, R. F., 81,
387; 9 de maio de 1940, R. F., 84, 355; e 10 de dezembro de 1941, R. E., 91,
396), como a competência intra-estatal. No último caso, o Supremo
Tribunal Federal tem de verificar se a sentença existe segundo o direito
processual do Estado estrangeiro e se não é nula ipso iure segundo esse
direito. Fora daí, não lhe cabe pronunciar-se sobre a validade da sentença
estrangeira. Se a sentença, segundo a lei estrangeira, é eivada de nulidade só
decretável em ação própria, ou se só é rescindível, nada pode fazer o
Supremo Tribunal Federal: está diante de sentença, e não é nula ipso inre.
Se a justiça que proferiu a sentença homologanda não era competente, não
se homologa tal sentença (Supremo Tribunal Federal, 16 de julho de 1940,
A. J., 57, 298). Note-se que esse pressuposto processual da ação, cuja
sentença é objeto mesmo do pedido de homologação, passa a ser matéria de
mérito no processo da ação de homologação da sentença. (A competência,
de que se trata, é assim a determinada supra-estatal ou interestatalmente
como a competência intra-estatal do Estado estrangeiro, se a lei desse tem a
infração como causa de nulidade ipso iure.)

A questão da jurisdição, perante o direito das gentes, ou perante direito


interestatal do Estado em que se prot’eriu a sentença homologanda, pode
ser levantada pelo demandado. Bem assim, a da competência do juiz ou
tribunal de que emanou a decisão, conforme o direito interno do Estado a
que pertence o juiz ou tribunal, se tal questão poderia ser suscitada naquele
Estado, a despeito do trânsito em julgado da sentença, sem ser em ação
rescisória, ou em ação de nulidade de sentença com rito especial. Não se
pode tratar a decisão homologanda, trânsita em julgado, sem ser com
atenção àsua eficácia segundo o direito processual do Estado em que se
proferiu. Seria absurdo que algum Estado permitisse o exame da decisão
oriunda da Justiça brasileira, em ação de homologação, se, perante o direito
brasileiro, tal decisão é apenas rescindível. Igual situação é a que se compõe
se a decisão é estrangeira, somente rescindível, e se trata de homologação
no Brasil.

Não pode o juiz ou tribunal brasileiro, se a decisão cabia na jurisdição do


Estado estrangeiro, segundo os princípios de direito das gentes, ou de
direito interestatal (e.g., tratados), apurar se o juiz ou tribunal estrangeiro,
que proferiu a sentença, era, ou não, competente segundo o direito
estrangeiro (Erwin Riezler, Zur sachlichen internationalen Unzustandigkeit.
Festgabefur Leo Rosenberg, 199 s.). Salvo se, conforme esse direito, juizes
ou tribunais do Estado estrangeiro, fora de ação de rescisória contra a
decisão, poderiam apreciar a questão da incompetência, a despeito do
trânsito em julgado. Aí, a distinção entre sentença nula e sentença
rescindível é de toda a relevância.

Se, na matéria, também seria competente a Justiça brasileira, não há razão


para, somente por isso, se deixar de homologar a sentença estrangeira.
Idem, se também outro Estado estrangeiro seria competente.

Se a ação foi proposta no estrangeiro, depois de aforada no Brasil a mesma


ação, ou se no Brasil fora aforada antes de transitar em julgado a decisão
estrangeira, a exceção de litispendência é contra a ação homologatória,
ainda que o trânsito em julgado venha a ser antes da decisão no Brasil
sujeita a recurso. Se, no intervalo entre o trânsito em julgado da decisão
estrangeira e a propositura da ação de homologação houve coisa julgada da
decisão brasileira, não há pensar-se em homologação da sentença
estrangeira.

O momento decisivo é o em que a sentença estrangeira transita em julgado,


ainda que, no momento da homologação, se haja tornado competente o
tribunal brasileiro (Robert Neuner, Internationale Zustãndigkeit, 52 s.). Não
basta o ter-se proferido a sentença estrangeira (sem razão, Leo Rosenberg,
Lehrbuch, 5a ed., 685 s.).
Se a sentença estrangeira foi proferida sem que se tivesse incluído na
relação jurídica processual a pessoa contra quem se quer, no Brasil, a
eficácia da sentença estrangeira (e.g., não foi citada, ou foi nula a citação,
tendo corrido à revelia o processo), ofende princípio de ordem pública a
homologação de tal decisão, ainda que o direito estrangeiro não a considere
nula. (Note-se a diferença entre a consulta ao direito estrangeiro sobre a
distinção entre a nulidade e a rescisão e aplicação de princípio de ordem
pública).

c) Citação e reclia. A citação e a revelia são conceitos do direito do país em


que se proferiu a sentença. Bem assim a sua validade. Se houve citação e se
não é nula ipso iure, responde o direito estrangeiro. Se houve é anulável,
dependendo de ação, o Supremo Tribunal Federal não pode decretar-lhe a
nulidade, porque anularia sentença estrangeira; nem pode negar a
homologação até que se pronuncie a justiça estrangeira, Se, in casu, a falta
evidente da citação, ou a lei mesma sobre a revela, escandaliza, o que lhe
cabe é invocar a ordem pública do Brasil. Cumpre advertir em que o nosso
direito possui processos judiciários non audita altera parte, de modo que,
na maioria dos casos, a alegação de se haver, na lei estrangeira, eliminado a
angularidade, não bastaria em quase todos os casos normais.

d) Coisa julgada formal. É preciso que a sentença tenha passado em julgado


(coisa julgada formal). Isso constitui pressuposto necessário e suficiente.
Necessário, nenhuma sentença, de que cabe recurso no estrangeiro, pode
pretender ser homologada; não se reconhece força ou efeito de
cumprimento provisório a sentenças estrangeiras. Outrossim, a existência
de ação rescisória ou de ação de nulidade da sentença, no direito
estrangeiro, não é óbice à homologação.

Não há execução interestatal provisória de sentenças; portanto, não há


homologação de sentenças de que se possa interpor algum recurso, ou opor
embargos, ou outro meio jurídico tido como recurso. (Não se confundam
execução provisória e sentença em ação de segurança, como arresto e
sequestro.) A coisa julgada formal é suficiente e necessária. As
impugnativas que sejam ação, essas, sim, não bastam à homologação,
porque e quando supõem ataque à coisa julgada formal. Se há sentença,
junta aos autos, por certidão, ou conforme a lei do juiz que a proferiu,
porém não consta que passou formalmente em julgado, não pode ser
homologada (cf. Supremo Tribunal Federal, 26 de dezembro de 1900. O D.,
84, 528; 23 de junho de 1923, R. de D., 84, 505; sem razão, a 15 de
dezembro de 1902, O D., 91, 1, 528 satisfez-se com a certidão). A questão
merece ser posta em devidos termos:

(a) Trata-se de provar a sentença estrangeira, e não de exibi-la no original.


(b) É a lei do juiz, que a proferiu, a única que pode dizer como se prova a
sentença estrangeira: o Brasil nada tem com isso. (c) Ainda que o direito do
juiz estrangeiro possua o conceito de “carta de sentença”, o conteúdo desse
conceito é dado pelo direito estrangeiro, e não pelo direito brasileiro. (d) Se
o direito estrangeiro exige mais do que o direito brasileiro, tem de ser
satisfeita a sua exigência. Por exemplo: se quer que as certidões sejam
registradas. (e) As proposições “a certidão basta”, “peças que valham o
mesmo”, só são verdadeiras se postas dentro do direito estrangeiro, que
regeu a sentença, pelo princípio interestatal de que o Estado, cuja lei rege a
forma, edicta a lei que reja a prova. A certidão do trânsito em julgado é
indispensável.

Para se saber se houve coisa julgada formal, tem-se de indagar se ainda há


impugnativa da sentença (recurso ou outro remédio jurídico).

A respeito da coisa julgada formal, como requisito, alguns juristas italianos


e brasileiros (e.g., Gaetano Morelli, II Diritto processuale civile
internazionale, 290 s.; Pedro Batista Martins, Recursos e Processos da
competência originária dos tribunais, 26 s.) confundiram com a coisa
julgada formal a coisa julgada material. Levantaram, por exemplo, como
argumento contra a afirmação de fazer coisa julgada (ai material) a decisão
estrangeira, o de não se poder homologar a decisão se corre no país de
importação ação que tem o mesmo objeto. Primeiro, a exceção de
litispendência é exceção do juízo da ação homologatória; segundo, não
temos a regra jurídica que preexclui a homologação da sentença estrangeira,
em todos os casos, se há lide, como mesmo objeto, pendente no foro
brasileiro.97
Em tudo isso há confusão entre eficácia da sentença estrangeira e
importação dessa eficácia. O que se importa já existe.

A homologação da sentença estrangeira supõe que, segundo os princípios


da legislação do juiz que a proferiu, haja a sentença transitado,
formalmente, em julgado. Mas, pergunta-se, se a decisão ainda depende do
recurso a que aquela legislação nega efeito suspensivo e confere
executoriedade ao que se julgou, tal como ocorre no direito brasileiro (cf.

arts. 587 e 588), ~,pode a Justiça brasileira deferir a execução provisória?


Não seria de aconselhar-se, de iure condendo, a resposta negativa; mas, de
iure condito, se há regra de lei que impõe, em quaisquer casos, o requisito
da coisa julgada formal, a resposta seria essa. Aí, o legislador, na sua atitude
de política jurídica, preferiu evitar idas e voltas em assuntos tão delicados.

e) Autenticação da sentença. A certidão ou a carta da sentença


homologanda deve estar autenticada pelo cônsul brasileiro no estrangeiro.
O pressuposto é necessário e suficiente. Não é dispensado se o pedido vem
por via diplomática; nem se o governo do Brasil o dispensou.

O Tradução. A tradução é feita pelo oficial público. Podem as partes fazer


prova contra a exatidão da tradução.

Tradutor oficial do Brasil, e não o de outro Estado (Supremo Tribunal


Federal, 21 de julho de 1950, D. da J. de 24 de abril de 1952).

g) Sentença. No art. 483 falou-se de “sentença”, não mais de “carta de


sentença”, para que se empregasse expressão genérica. Muito se discutiu,
no direito anterior, o assunto, durante anos, no Supremo Tribunal Federal
(e.g., exigindo

“carta de sentença”, 31 de janeiro de 1910, 14 de agosto e 18 de setembro


de 1912,2 de maio de 1913,5 de setembro de 1914,26 de maio de 1912,2 de
maio de 1915, 18 de novembro de 1916; dispensando a “carta de sentença”.
14 de setembro de 1928, A. J. VIII. 308; 4 de novembro de 1927.V.
1935.A.f,36. 342: l2dejulhode 1933, 32, 232). Noart.
484 há referência à “carta de sentença”, mas, ai, apenas se cogita do ato
judicial da homologação.

h) Apreciação judicial. Os pressupostos da homologação da sentença


estrangeira hão de ser apreciados de ofício. Têm de existir em sua
totalidade. Se falta qualquer um deles, deve ser indeferido o pedido de
homologação. A convenção das partes em sentido contrário, isto é, pala que
se dispense algum deles, e se homologue a decisão, é inoperante (Leo 97 O
art. 90 do CPC contirma o texto.

Rosenberg, Lerhbuch, 5a ed., 687). Nem cabe invocar-se princípio de


equidade para se dar por homologável o que não é. O que acima se disse
não preexclui que tal sentença, a que falta algum dos requisitos necessários
à homologação, sirva de meio de prova.

É admissível ação declaratória, positiva ou negativa, a respeito de


existência de sentença estrangeira, ou de ter eficácia alhures.

i) Importação da eficácia. A ação de homologação dá ensejo a ser apreciada


a produção internacional de eficácia. Não há nenhuma particularidade. O
Supremo Tribunal Federal, como qualquer juiz que aprecie atos
estrangeiros, ou leis estrangeiras, corta efeitos das leis ou atos estrangeiros,
ou porque sejam hostis à ordem pública e aos bons costumes, ou porque não
se possam produzir no país, ou porque destoem das regras de direito das
gentes. Não há, assim, aí, exceção ao princípio de que a homologação não
vai ao mérito da ação primitiva. Há, apenas, corte ou non possumus do
Estado de importação. Note-se que o Supremo Tribunal Federal, que
éhomologante, não desce ao mérito; de regra, pode vê-lo, e nada pode o
tribunal dizer, mas a sensibilidade nacional reage onde a intensidade da
eficácia fere.

Lê-se no art. 211 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:

“Não se homologará sentença cujos efeitos atentem contra a soberania,, 98


nacional, a ordem pública, ou os bons costumes
(a) No corpo das leis, há três graus de força de aplicação: regras jurídicas
impeditivas, no Estado do foro, da própria aplicação das leis estrangeiras,
que, na matéria sujeita, seriam as competentes (ordem pública); regras
jurídicas, que, sendo adequadas para reger a matéria, não podem ser
evitadas na sua aplicação às pessoas ou coisas, ias necessarium; e as que
constituem aplicação da lei escolhida como conteúdo da declaração de
vontade, assunto de que tratamos, longamente, a propósito da chamada
teoria da autonomia da vontade (Tratado de Direito Internacional Privado,
II, 171, 271, 526 e 541 s.).

Não basta que uma lei seja de interesse público para ser lei de ordem
pública. A regra jurídica que fixa a idade nupcial é exemplo disso: de
interesse público, porém não de ordem pública. Ao contrário, a escravidão,
a bigamia, a representabilidade para testar, são contra a ordem pública de
quase todos os Estados. De considerações similares às que fizemos, tem-se
procurado concluir que a invocação de ordem pública não é excepcional,
que resulta de competência própria do direito nacional e constitui o que há
de mais normal. Porém, tal conclusão itão é verdadeira.

Há (e ninguém nega, tanto assim que pode e deve, o mais possível,


parcialmente atender-se) lei competente, lei que pode mesmo já ter sido
aplicada e necessariamente já regeu: o princípio da não-produção só se
aplica, normalmente, à eficácia contrária à ordem pública, de modo que a
lei competente não deixa de o ser, e a lex fori só lhe corta,
excepcionalmente, a eficácia. O raciocínio, que combatemos, ainda se
ressente, a olhos vistos, da comitas gentium.

A sentença que decreta o divórcio de estrangeiros é homologável no Brasil,


sem restrições (Supremo Tribunal Federal, 13 de agosto de 1964, D. da J.
de 24 de dezembro).

(b) A primeira análise de noção de ordem pública deveu-se a F. C. von


Savigny. Seriam dois os grupos de tais regras: um, constituído de leis de
caráter estritamente coercitivo, e que seriam impróprias à aplicação
extraterritorial; outro, de instituições do Estado estrangeiro desconhecidas
do direito nacional do juiz e, por isso, não suscetíveis de serem defendidas
por ele. Exemplos do primeiro grupo: a lei que permite a poligamia, a que
interdiz aos judeus a aquisição de bens imóveis. Exemplos do segundo
grupo: a morte civil, a escravidão. Tudo se abreviaria se falássemos de
eficácia negativa e de eficácia positiva. Mas a distinção nada esclarece ao
que se pretende saber. A única coisa que se aproveita de F. C. von Savigny é
a sua caracterização de tais regras como excludentes, contrárias à aplicação
normal das leis estrangeiras.

Depois, a Escola italiana, com o só princípio fundamental da personalidade


das leis, tomou excepcional, e, pois, de ordem pública tudo que o juiz aplica
aos estrangeiros sem ser a lei nacional deles. Logo se lhe percebe a
confusão entre a noção de ordem pública e a de leis territoriais. A crítica,
que Veio após, dissociou a noção global, que a Escola italiana,
artificialmente, conseguira. A doutrina, diante da definição mais estreita,
desesperadamente se empregou na pesquisa do “conteúdo concreto” da
ordem pública. Seria fastidioso, e sem alcance, mostrar as tentativas que
foram feitas. Aliás, em 1862, Ludwig von Bar abriu fresta assaz útil. A ele
devemos o ter demonstrado que só importava examinar a possibilidade do
concurso do juiz para que a lei estrangeira se cumpra no seu Estado. Em vez
de se estar, a priori, a verificar conteúdo de leis estrangeiras, o que se tem
de fazer é conferi-las com a ambiência jurídica nacional.

E justo mencionarem-se os grandes argumentos que Ernst Zitelmann e


Franz Kahn trouxeram à teoria, no sentido da excepcionalidade da
invocação de ordem pública. Levamos, em 1932, às suas mais nítidas
consequências, mas já de acordo com os dados científicos de hoje, o
ensinamento dos três sábios alemães. No curso que demos na Haia,
expusemos a matéria, apontando o princípio extraído e já agora nitidamente
enunciado como tal.

(c)As diferenças de expressão nas regras relativas à ordem pública são sem
importância. Poderia o mesmo país adotar fórmulas diversas nas leis e nos
tratados; o que é essencial é que se referia à ordem pública. Os sinais que
foram usados não vêm ao caso: o que se faz mister é que contenham a
cláusula de reserva (Vorbehaltsklausel), como lhe chamava Ernst
Zitelmann. Aliás, pelo principio de não-produção de eficácia por invocação
de ordem pública, nada obsta a que o juiz a corte sem que exista texto.

(d)i,A ordem pública é exceção à regra de serem aplicáveis normalmente as


leis pessoais, e não a lei territorial? Seria o que pretendeu a Escola italiana e
o que sustentara A. Pillet. Mais tarde, mudou esse de opinião (A. Pillet, De
1 ‘Ordre public en Droit international privé, 469; Traité pratique de Droit
international privé, 1, 117). De dois argumentos resultará a convicção da
imprestabilidade daquela concepção: a) a territorialidade apanha todas as
leis internas, não sendo admissível exceção mais vasta que a regra, ou, pelo
menos, de igual extensão; b) há invocação de ordem pública contra leis
territoriais.

Mais compreensiva seria a noção savignyana de E. Bartin: o direito


internacional supõe certa comunidade jurídica que suscite e estimule a
aplicação das leis de um Estado noutros Estados; a ordem pública resulta de
defeito em tal comunidade (E. Bartin, Études de Droit international privé,
190). Certo, mas insuficiente: a falta de semelhança, a discordância grave
entre os sistemas jurídicos provoca os fatos da invocação de ordem pública,
porém não é a comunidade jurídica, no sentido que se adotou, causa da
inaplicação: a extraterritorialidade não se explicaria, nem histórica, nem
teoricamente, pela comunidade dos sistemas; nasceu da diversidade deles, e
por outros motivos de ordem político-jurídica.

A ordem pública, como fundamento principal do direito internacional,


refletiria particularismo, mais grave, pois, do que a ordem pública “exceção
generalizada”, da Escola italiana. Seria, quando muito, a interpretação do
caso especial dos Estados unidos da América (Thomas H. Healy, Théorie
générale de l’ordre public, Recueil des Cours, IX, 476).

O que caracteriza a noção de ordem pública é a sua essencial plasticidade.


Plástica, porém, não tênue (“souple”); muda-se-lhe o conteúdo em cada
Estado, mas, em cada Estado, o que a caracteriza é a rigidez: peneira as leis
e os julgados estrangeiros. Seleção negativa, essa, que para o sociólogo
funciona como aparelho de verificação das discordâncias de grau evolutivo
na vida dos povos contemporâneos. Ou por ser concepção muito avançada
para o século mental do país, ou por ser longínqua no passado. Quem diz
ordem pública refere-se a algum Estado. A cada Estado a sua noção de
ordem pública; donde, como esse conteúdo é mutável, ter de ser vaga,
imprecisa, a noção geral.

É apenas alusão a poder da lex fori. Funciona nas circunstâncias fortuitas de


ir aos tribunais de um Estado o fato regido pela lei do outro. Aos nossos
olhos, assaz se explica o procedimento de não-produção. Basta que não
vejamos nele negação do direito internacional privado. Nem, sequer,
ameaça. E uma espécie de pudor das judicaturas. A lei incidiu; seria de
aplicar-se; não se aplica, porque o Estado de importação reage; se já foi
aplicada, nega-se à sentença a importação da eficácia.

Diante das dificuldades de definir e precisar os casos de ordem pública, os


escritores foram até o desespero de considerar inconsistente a noção em
cujo estudo haviam fracassado. É de vê-los criticarem-lhe a oca sonoridade,
dizer um deles que continuam tais palavras harmoniosas em estado de
invólucro vazio, e afirmar que a noção se funde, ou quase isso, nas palavras
que a exprimem (François Gény, Science et Téchniqtte, III, 482). Tal a
corrente que atacamos.

Devemos ter por impróprio dos propósitos científicos essa solução de


atribuir ao nome (pois a coisa, essa, existe) defeito que, em verdade,
depende da nossa inaptidão atual, que vemos diminuir, para apanhar e
avisar os traços distintivos do conteúdo da noção. Nada mais reprovável
seria do que renunciar-se à pesquisa dos fatos da vida e ninguém nega que
eles existam, porquanto pululam pelos repertórios de julgados e nos livros
de doutrina como a impossível taxação dos “casos”. O recurso à
taxatividade seria ilusório. Porque o assunto consulta a interesses assaz
profundos dos sistemas jurídicos, interesses no domínio dos quais todo
critério de limitação seria iniciativa legal que as circunstâncias se
encarregariam de ultrapassar. Ao assunto repugna a taxação é da natureza
da ordem pública a própria intervenção elidente, esporádica, concertada
pela intercessão de duas ordens jurídicas e pela urdidura ocasional de fatos
que tocam a princípios superiores aos órgãos de verificação. A cada
mentalidade a sua reação.
É impossível saber-se, permanentemente, quais os casos de ordem pública.
Dependem dos contactos entre dois sistemas de direito, duas variáveis,
porque cada um se altera a breves intervalos. Demais, sendo muitas as
ordens jurídicas do mundo, os casos somente poderiam ser apontados para
cada grupo de duas, combinatoriamente, e para cada momento, ou, ainda
mais imperfeitamente, pela necessária eliminação dos casos só relativos a
menor número de países, para grupos de Estados em congresso ou em
conferência. Da última possibilidade, tivemos o exemplo da Convenção da
Haia de 1902, que previu cinco casos de interdição do casamento de
estrangeiros pela lei do lugar da celebração: l~, graus de parentesco ou de
afinidade, para os quais haja proibição absoluta; 20, proibição absoluta de
se casarem, edictada contra os culpados do adultério, devido ao qual o
casamento de um deles foi dissolvido; 30, proibição absoluta de se casarem,
edictada contra pessoas condenadas por haverem atentado, de concerto,
contra a vida do cônjuge de uma delas; 40 os obstáculos oriundos da
existência de casamento anterior; 50, os obstáculos de ordem religiosa.
Seguiram tal artigo o Código Civil venezuelano (1922), arts. 132 e 133; a
Lei polonesa de 2 de agosto de 1926, art. 12, e a Lei sueca de 21 de
novembro de 1915, que completou a Lei de 8 de junho de 1904, Cap. 1, §
20.

Se atendermos a que o casamento é apenas um capítulo do direito civil e


imaginarmos todo o corpo do direito privado, poderemos avaliar a
quantidade enorme de casos que, pelo mesmo método, apontaríamos.
Necessariamente, acrescente-se, subordinados à suposição de permanência
das legislações com os mesmos caracteres que tinham ao tempo da
confrontação discriminativa.

Nos sistemas antigos, territoriais, explica-se não ter havido a invocação de


ordem pública. Ocorria isso, porque a interpenetração era menor e raros os
casos, e não pelo motivo, que deu J. Valéry (Manuel, 571) e Thomas H.
Healy (Recueil des Cours, XI, 63) aceitou, de ser o próprio sistema
territorial baseado na ordem pública: nem na ordem pública se funda tal
sistema, nem são noções superponíveis e coincidentes territorialidade e
ordem pública. Nada justifica que J. Aubry (De la notion de territorialité,
Journal du Droit International, 1900-1902) tratasse da ordem pública sob a
rubrica da noção de territorialidade no direito internacional privado; e não
o escusa, sequer, a distinção entre lex loci e lexfori.

Também não é certo que a ordem pública seja medida nacional aplicável a
todas as pessoas e a todas as coisas que se acham no território da nação
interessada. Não têm razão Eug~ne Audinet (Principes, 221) e Thomas H.
Healy (Recueil des Cours, IX, 471), nem a tinha A. Pillet (De
1’Ordrepublic, 67): não se concederia homologação a sentença de divórcio
de brasileiro domiciliado em Paris. Posto que, uma vez que sentença de
divórcio contém desquite mais dissolução do vínculo, só se deva negar
homologação nesse ponto no tocante a brasileiro.99 (A respeito, advirtamos
em que o vínculo conjugal indissolúvel é, hoje, apenas assunto para
invocação de ordem pública; conceme só à eficácia.) No sistema de
nacionalidade, afirmou F. Despagnet, são escassos os casos de ordem
pública.

Ora, a verdade é toda outra: a caracterização, a extração sutil da noção de


ordem pública, separando-a de noções que nada têm com ela, como a
territorialidade, a imperatividade, o direito público, data de pouco tempo.
Somente nos últimos decênios foi que os juristas conseguiram isolar,
digamos assim, esse fato anormal de sensibilidade nacional a que a
negligência e as visões superficiais deram o nome mais impróprio que
poderia dar: ordem pública internacional; quando, claramente, é exclusiva,
isto é, puramente nacional a única porção, o único princípio estrita e
rigorosa-mente nacional do direito internacional privado. A ordem pública é
interna; contrapõe-se à importação internacional de eficácia.

A. Pillet, a quem se deveu estudo original sobre a ordem pública e que


procurou enumerar os casos, incluindo Códigos Penais e Códigos de
Processo (De 1 ‘Ordre public, 18), acabou por se retratar, e ver toda a
distinção entre leis, territoriais e de ordem pública. Pretendeu mostrar na
teoria da ordem pública regra jurídica cujo efeito é tão completo, tão pleno,
como as outras do direito internacional privado; a soberania territorial, tão
legítima, tão regular, quanto a pessoal. Isso não explicaria, se fosse questão
das duas soberanias; lógico seria que a territorial não cedesse nunca, ou
cedesse sempre; um dos dois princípios o da personalidade, ou o da
territorialidade excluiria o outro. Ora, o que se vê é a coexistência dos dois,
com delimitações conhecidas, e mais um, que é o da ordem pública.

O estatuto territorial rege os bens situados no país; o pessoal rege as pessoas


e certas relações pessoais; a intervenção do critério da ordem pública
constitui outro princípio, cujo fundamento não é o da territorialidade, tanto
assim que não só as regras territoriais contêm regras de ordem pública; o
direito regularmente nascido subsiste e tem efeitos em todos os outros
lugares em que a ordem pública dos Estados não lhos tolha; porque,
rigorosamente, ele subsiste são os efeitos que se não produzem.
Vulgarmente, os internacionalistas dizem que, em tais casos de ordem
pública, a comunidade jurídica é insuficiente para que os direitos
constituídos subsistam. O que se dá não é isso; e tanto temos razão, que a
mesma sentença de divórcio, a que se negou, parcialmente, homologação,
por ter o Estado a indissolubilidade do matrimônio e considerá-la matéria
de ordem pública, depois servirá, quando mudar a ordem pública desse
Estado, para o pedido de homologação de sentença.

(e) A ordem pública supõe exista diferença fundamental entre o direito


substancial da lexfori e o da lei competente.

Tem-se por legítima a aplicação da lei estrangeira; vale dizer: as regras de


sobredireito não estão em causa. O choque só se dá entre as regras de
direito substancial. Essas é que são diferentes e a sensibilidade da lexfori
função do lugar e do tempo invoca o choque, lapso entre as concepções dos
dois povos em contacto jurídico, para recusar efeitos à lei estrangeira. E
como se dissesse: “Sois competentes para dizer qual a lei que deve reger;
mas essa eficácia, que pretendeis, não se pode produzir no ambiente da vida
jurídica do meu círculo social”. Tal impossibilidade de introdução só
depende do próprio ambiente; donde ser essencialmente nacional a noção
do que é e do que não é de ordem pública, e pode variar com as variações
do ambiente. Impossibilidade ligada ao sistema de cada país, em cada
instante (espaço-tempo); portanto, relativa. É o que ocorre, por exemplo,
quando o Brasil se recusa a homologar, no todo, a sentença de divórcio.
Está em causa o tempo social.
Por isso mesmo, enumerar os casos, metê-los em Códigos ou tratados, é
ilusório; seria preciso que se tratasse de choque entre regras de direito
internacional pri vado. Ora, tudo se passa entre regras de direito
substancial, e para que os casos permanecessem taxativos fora de mister
que o direito substancial não mudasse. O direito substancial muda.

Bastaria tal possibilidade para nos mostrar que enumerar os casos de ordem
pública em Códigos ou tratados internacionais orça pela tentativa de parar a
evolução dos direitos internos substanciais. Mal percebem os negociadores
que, no momento de taxá-los, impõem direito substancial uno, porque só o
direito substancial pode decidir do que é e do que não é de ordem pública.
O princípio da não-introdução de efeitos em virtude da invocação de ordem
pública é que pertence ao direito internacional privado; a noção concreta de
ordem pública é inerente ao direito substancial e só dele depende. Por isso
mesmo, é assaz delicada a situação do juiz brasileiro no caso de se alegar
contravir a ordem pública conceito ou instituição que não está nos casos
que taxou o Código de Havana, mas evidente e principalmente fere o direito
substancial do Brasil, a ponto de constituir aplicação pelas justiças, federal
e local, do princípio de não-introdução de efeitos das leis; ou vice-versa.

O principio de ordem pública somente pode ser invocado pela lexfori. No


direito internacional privado, tem a ordem pública o seu campo específico;
só no penal e no processual internacionais é que a lexfori volverá a ter o
mesmo domínio, mas já então como lei competente, e não pelo corte de
efeitos das leis competentes. (Cumpre não confundir o principio de ordem
pública com o de lei territorial, erro em que incorreu a Escola italiana e,
agravado, depois o Código da Havana. Muito há nas leis territoriais ou
gerais que não é de ordem pública, e muito há de ordem pública em leis que
não são leis territoriais, e sim, extraterritoriais.)

Aliás, podemos ser bem mais precisos: a ordem pública só verifica efeitos, e
verifica-os, corta-os, assim a leis territoriais como as leis extrateritoriais
estrangeiras, e por sensibilidade de conceitos e instituições de um ou de
outro direito nacional. A ordem pública não cancela existência, nem cria
nulidade, nem destrói validade, apenas corta eficácia.
Assentes as idéias que aí ficaram, ainda nos cumpre precisar os mesmos
pontos e alguns outros pontos.

(a) A noção de ordem pública nada tem com a de territorialidade:

pertence ao conjunto do sistema de direito. A sua função e o seu próprio


caráter não se assemelham aos das leis territoriais, inclusive das de direito
público. Enquanto essas atuam de modo positivo, aquela é, por sua
natureza, negativa, ainda que possa ter resultados positivos. Nada tem,
além disso, com a de extraterritorialidade. De ordem pública são as regras
consignadas, ou não, em lei (a lei não é única fonte de direito), que, no
Estado, obstam à aplicação das leis estrangeiras, nos casos em que essas,
normalmente, teriam de reger as relações jurídicas de que se trata. Se tais
relações jurídicas se devem regular pela lei brasileira, não há cogitar-se de
ordem pública: a lei brasileira, para os tribunais brasileiros, predomina; sob
pena de ferir a soberania do Brasil, não cede ao impulso de aplicação que
advém da lei estrangeira.

Para haver “questão de ordem pública”, o primeiro pressuposto é que seja


normalmente de aplicar-se a lei estrangeira: a ordem pública obsta, por sua
natureza, a isso. Não é uma aplicação da “lei brasileira”, mas uma brecha
na aplicação da lei estrangeira. Pelo contacto com a Justiça brasileira, a
aplicação falseia, deixa de ser, rompe-se. Ainda que já outro Estado a tenha
aplicado. Competente o outro Estado, ou o Estado invocador da ordem
pública deixa de aplicar a lei incidente, ou não importa a aplicação feita

(b) O direito público exclui o direito estrangeiro, nas matérias da


competência do Estado territorial, isto é, no que regula organização,
interesses e serviços públicos do Estado, como o direito público de outro
Estado exclui, no Estado territorial, o direito público desse, nas matérias da
competência do Estado não-territorial. Tudo se passa como a respeito das
leis de direito privado: a competência é que decide; por definição, exclui a
dos outros Estados (ainda que seja a do Estado territorial), no que se contém
nos seus limites. Bem diferente é o que se passa com as leis de ordem
pública:
cortam efeitos das leis competentes, sejam quais forem. O efeito limitado
das leis de direito público é normal; o das leis de ordem pública, de modo
nenhum. Ali, duas ordens de direito se tocam, se delimitam uma à outra;
aqui, uma apara a outra. Os fatos, ainda reduzidos a figuras geométricas,
são diferentes; ali, há justaposição; aqui, superposição e, pois, apenas
recorte, pelas bordas.

A lei de ordem pública só e excepcionalmente se aplica aos casos para os


quais se invoca; é essencialmente contingente, na espécie, porque supõe a
oportunidade para exorbitar da sua esfera de competência e invadir a de
outra, a que aparou efeitos, a que se superpõe nas orlas. A lei do direito
público aplica-se normalmente, por emanar de Estado, nos estritos termos
da sua competência legislativa. Pode ser territorial; e pode ser
extraterritorial. A concepção que ainda a define como territorial, que faz
depender de tratados derrogati vos a sua extraterritorialidade, ignora a
natureza do direito público, é vitima de um dos preconceitos mais
pertinazes, o de territorialidade, com que a meia ciência se complica, se
enreda, e confunde as coisas. No século XIX, compreendia-se que ainda se
misturassem ordem pública e direito público, sobretudo depois da mais
grave confusão, com a escola de Mancini (contra, aliás, a legislação italiana
do Código Civil), e que o próprio Instituto de Direito Internacional não se
tenha livrado do ambiente (Resoluções, art. 80: “En aucun cas, les bis d’un
État ne pourrount obtenir reconnaissance et effet dans le territoire d’un
autre État, si elles y sont en opposition avec le droit public Ou avec l’ordre
public”; oposição de tais leis de outro Estado somente poderia existir
quando invadissem o direito público do Estado de importação). Hoje, já se
não compreende. Os arts. 40 e 50 do Código de Havana (certa, a regra de
corte, como está no direito brasileiro) constituem sinal de espíritos não-
técnicos. Disse o art. 40: “Os preceitos constitucionais são de ordem
pública internacional”. O

artigo 50: “Todas as regras de proteção individual e coletiva, estabelecidas


pelo direito público e pelo administrativo, são também de ordem pública
internacional, salvo o caso de que nelas expressamente se disponha o
contrário”. Tais regras correspondem às dos mesmos números, no Projeto
original (A. 5. de Bustamente y Sirven, Proyecto, 70). Ora, ao traçar linhas
de competências, projeto e texto criam estar a ressalvar ordem pública
internacional (!).

A noção de regras de ordem pública também não se explica pelas mesmas


razões com que se justifica a territorialidade: a situação dos bens impõe,
como dado imediato, a lex situs; há a leitura de ato jurídico e há o prejuízo
sofrido pelo delito aquela permite e esse exige que se atenda à lex loci, que
pode ser ou não ser nesses, como no primeiro caso, a do juiz. No princípio
de não-introdução por motivo de ordem pública, a lei que se pretende
aplicada é necessariamente estrangeira, e a ordem pública predominante,
excepcionalmente, é, necessariamente, a lexfori.

Como os desenhos de picos de montanha acima de certo número de metros,


a linha da ordem pública aparece como série de saliências, de exceções. Às
vezes, a melhor imagem para traduzi-la é a de tão afiada laminação de
certos princípios essenciais às instituições da ordem jurídica nacional que,
ao entrarem as leis estrangeiras, alguns dos efeitos caiam, cortados por eles.
Corte de efeitos; e isso sugere que só se aparam, só se cortam, enquanto, ao
tempo do julgado, vigem os princípios, com o seu fio excepcional. A ação
da ordem pública consiste em corte de efeitos; a sua conseqUência não é,
sempre, a territorialidade dos efeitos. E de toda a importância frisar-se: a
regra pode permanecer no sistema jurídico e perder a saliência, o gume.
Reconhece-se-lhe a incidência; nega-se-lhe, porém, aplicação ou
importação de eficácia. Portanto, é de corte que se trata.

(c) A lex situs e a lex loci têm a sua ação na normal aplicabilidade ao bem e
ao delito civil (ainda como lei-conteúdo).

A conseqUência é o respeito internacional dos seus efeitos. O brasileiro


divorciou-se na Alemanha, onde a dissolubilidade do casamentofoi
(imaginamo-nos em 1903, para compor o exemplo, com o Reichsgericht, 12
de outubro de 1903, pois tal opinião, de um momento, fora afastada) de
ordem pública; no Brasil, só se desquitou; na França, também, porque, para
o juiz francês, o estatuto pessoal não sofria corte de efeitos nesse ponto. A
eficácia de tal divórcio foi fenômeno só perceptível na Alemanha, porque só
existiu devido à sua noção de ordem pública. Corte de efeitos da lei
brasileira e conseqUente localização de efeitos do divórcio. Não é bem a
aplicação da lei territorial; os efeitos limitados à ordem jurídica da
Alemanha, é que são intra-estatais. Somente nisso, que se não podia
produzir na Alemanha (a vedação de divórcio), não se atendeu à lei
brasileira. Tudo nos mostra quanto é diferente a aplicação de leis territoriais
e locais; normalmente aplicáveis, prendem a si mesmas as relações
jurídicas, os bens, o delito civil; mas os seus efeitos são possivelmente
universais. Se o Brasil vier a adotar o divórcio, ~,o juiz brasileiro dará
homologação à sentença alemã, para que se respeite a ordem pública
definida pela Alemanha, ou só a reconhecerá como de desquite? Certo, as
disposições de ordem pública são somente as do momento da sentença ou
da homologação; mas, na sentença alemã só houve efeitos internos, e o juiz
brasileiro terá de exigir que os interessados pratiquem os atos processuais
ou extraprocessuais, que o direito intertemporal do Brasil tenha por
necessários à transformação dos desquites anteriores em divórcio. Os
efeitos a mais, que ojuiz alemão citou, não bastam, salvo se a regra inter-
temporal conferir aos efeitos internos estrangeiros, em tais casos efeitos de
estatuto pessoal, isto é, ubíquos.

Seria isso nova lei, nova ordem ao juiz. Se os efeitos tivessem sido a menos
desquite de alemães no Brasil, o raciocínio seria semelhante: a ordem
pública do Brasil teria cortado a lei alemã, porém, posteriormente, se
atenderão aos efeitos normais, extraterritoriais, da lei alemã. (O Brasil, com
o Decreto-Lei n0 4.657, de 4 de setembro de 1942, sofreu profunda
transformação no seu sistema jurídico: um dos países líderes do princípio da
nacionalidade como dado determinador da competência legislativa passou-
se para os seus opositores, a despeito e solenes comunicações em
congressos interestatais; de modo que reconheceu a competência do Estado
do domicilio. Consequência: os casamentos de brasileiros divorciados no
estrangeiro existem e valem; apenas não têm eficácia no Brasil. O Brasil
renunciou à lei nacional. De modo que, aplicada a lei do domicílio pelo juiz
estrangeiro, divórcio e casamento há e valem; apenas não se lhe importam
os feitos no Brasil.) O ser ius cogens a regra jurídica de que se trata, por ser
da sua aplicação que se querem os efeitos, através da homologação de
sentença, não importa. A lei competente, e não a lei do Estado importador
dos efeitos, é que discrimina o que é ius cogens, o que é ius dispositivum e
o que é ius interpretativumn. Tanto pode ser contra a ordem pública o efeito
da regra jurídica cogente estrangeira como o da regra jurídica dispositiva ou
interpretativa estrangeira, que, in casu, foi atendida. (Firmada em opinião
nossa, a decisão do Supremo Tribunal Federal, a 7 de dezembro de 1948, D.
dai. de 27 de outubro de 1950.)

(d) Que os Estados não respeitem a competência legislativa dos outros


quanto ao que seja estatuto da pessoa e dos bens situados no seu território,
coisa é que se deve lamentar e exprobrar. Mas que se tirem pessimismos e
se exagerem os inconvenientes de cada Estado ter a sua noção de ordem
pública, não se justifica; não é só um “mal necessário” (Giulio Diena,
Principii di Diritto internazionale privato, 2~ ed., Parte 2~, 60), um
“defeito” da comunidade jurídica (E. Bartin, Études, 217 5.); é o resultado
inevitável da existência de ambiências, que, em instantes do espaço e do
tempo, não podem importar os efeitos que as leis competentes querem.

Ora, para que isso desaparecesse, ou para que seja conceituado, hoje, como
o defeito, ou o mal, seria preciso que fosse certa a unidade de concepção
futura do direito de todo o mundo. Pura hipótese, que não justifica outra
atitude que não seja a de se olharem os fatos como fatos, todos, com o
mesmo título naturais. O que podemos é prever a diminuição crescente das
aplicações da ordem pública, por tenderem os povos a maior simetria de
costumes e de moral; e isso depende também de serem crescentes os fatores
que hoje determinam tal evolução integrativa. Se, da vida social, hão de sair
ordem nova e novas formas político-sociais, a uniformidade não se
ultimará, porque os Estados de Constituições avançadas provocarão, nele e
nos outros, novas invocações de ordem pública. É o que ocorre com a
Rússia e outros povos. Deve evitar-se julgamento sobre o princípio da não-
importação de efeitos segundo critério de uma ordem futura simétrica
imaginária, de um direito único e uniformemente transformado ou
intransformável, que excluiria a própria existência necessariamente intra-
estatal ou interestatal do direito internacional privado.

O princípio de ordem pública, com o seu efeito a que já se chamou


dissolvente, resulta da profunda desigualdade, em certos pontos, das
legislações substanciais. Reconhece-se a competência legislativa dos outros
Estados, reconhecem-se os efeitos dos fatos ou atos regidos pela lei que as
regras de sobre-direito, ditadas pelos outros Estados, digam serem as
aplicáveis; mas onde a diferença das concepções jurídicas entre a lei
aplicável e a lexfori se torna demasiado sensível, ojuiz do Estado conferidor
abstém-se de sancionar o que chocaria, nos princípios mais rijos, o direito
nacional. O direito nacional recobre os bordos (efeitos) do direito
estrangeiro, que não deixa de ser tido, ainda mios efeitos, como o direito
“competente”.

Por isso mesmo, quanto mais parecidos os sistemas de direito, menos


funciona o princípio da ordem pública, posto que a parecença e até a
igualdade formal não bastem: a mesma regra, em duas ordens jurídicas,
muda de intensidade.

No direito francês, a supressão de toda distinção entre os herdeiros, pelas


idades ou sexos, constitui um dos princípios fundamentais em matéria de
sucessões. Devido às origens do princípio e ao seu caráter político, que o
torna ponto capital da concepção jurídico-social da França, a jurisprudência
e a doutrina querem que se trate de uma regra de ordem pública. Assim, não
se aplicará na França qualquer texto de lei estrangeira que estabeleça
vantagens aos filhos mais velhos, ou ao primogênito, aos varões, ou a
qualquer outra categoria de herdeiros.

No Brasil, levanta-se a questão com outro aspecto. Se é certo que a lei civil
brasileira adota aquele princípio de partilha, não se pode dizer que, na
mentalidade dos legisladores brasileiros, tenha havido aquela concatenação
de convicções político-jurídicas que houve no direito francês. Copiou-se o
princípio, mas sem se herdar o intuito de política social extremista, que
justificasse, sem maior exame, a elevação da regra a princípio de ordem
pública. Por isso mesmo, o juiz brasileiro não vacila em observar a lei de
progenitura do país estrangeiro, como também aplica a de liberdade de
testar. Está claro que a questão já assaz se simplificara pelo final do velho
art. 14 da Introdução ao Código de 1916: se um dos herdeiros do
estrangeiro fosse brasileiro, a sua lei pessoal seria a do Brasil. Não é que
não existissem casos de ordem pública, derivados do choque com o sistema
sucessoral do Brasil. Exemplo temos na distinção relativa a herdeiros
legítimos que se hajam naturalizado em outro país ou adotam diferente
religião. No fundo, nenhum interesse tinha o Brasil em cortar a aplicação do
texto estrangeiro, se dele somente resultasse diminuição ou exclusão
patrimonial de alguns descendentes ou parentes. No caso de filhos que
ficarão sem alimentos, a questão muda de aspecto, e mais: desloca-se; não é
no direito das sucessões que se dá o choque com a ordem pública e os bons
costumes do Brasil, e sim no terreno do direito de família. A Constituição
de 1934 deu melhor solução: “A vocação para suceder em bens de
estrangeiro existentes no Brasil será regulada pela lei brasileira e em
benefício do cônjuge ou de filhos, sempre que não lhes seja mais favorável
a lei nacional do de cuius”.

Idem, a de 1937, art. 152. Regra de lex rei sitae. O Brasil era competente
para edictá-la; e edictou-a. Além dessa regra jurídica, houve a do Decreto-
Lei n03 200 de 19 de abril de 1941, art. 17: “A brasileira casada com
estrangeiro, sob regime que exclui a comunhão universal, caberá, por morte
do marido, o usufruto vitalício da quarta parte dos bens deste, se houver
filhos brasileiros do casal, e da metade; se os não houver”. Lex rei sitae
regrando sucessão. Cf.

Decreto-Lei n0 3.200, art. 18. A Constituição de 1946, art. 165, acrescentou


“filhos brasileiros”, o que passou à de 1967, art.150, ~ 33, e à Emenda de
1969, artigo 153, ~

(e) A jurisprudência brasileira considera de ordem pública a vedação aos


seus juizes da decretação do divórcio (Supremo Tribunal Federal, 18 de
setembro de 1920). Outrossim, depois de recusar homologação a sentença
estrangeira que o decretara (10 de outubro de 1913), homologou-se para os
sós efeitos patrimoniais (26 de agosto de 1914, 9 de novembro de 1916), e
ficara entendido que a lei nacional do brasileiro ou da brasileira lhe vedaria
as novas núpcias. Não se precisou da noção de ordem pública, posto que,
para isso e volvendo à verdade, o Supremo Tribunal Federal, a cada
momento, entendesse voltar à velharia e “ilegalidade” da lei do marido o
estatuto da brasileira casada com estrangeiro. Se os cônjuges são
estrangeiros e a lei ou as leis pessoais deles admitem o divórcio, homologa-
se a sentença para todos os efeitos (7 de outubro de 1925, 14 de janeiro de
1914, 13 de setembro de 1922, 3 de novembro de 1926, 26 de outubro de
1928, 7 de junho de 1932), ainda que efetuado no Brasil o casamento (17 de
agosto de 1928) e por mútuo consentimento o divórcio (23 de dezembro de
1925) ou decreto de rei (31 de janeiro de 1933). Se só uma lei pessoal o
admite e nenhuma delas é brasileira, o Tribunal negou a homologação
quanto ao vínculo se a lei do marido não o permite (22 de julho de 1925).
Será certo, quando o Estado, a que pertença a mulher, adotar, para ela, a lei
pessoal do marido. Fora daí, está errado. Quanto aos brasileiros, o Brasil
admitiu, em 1942, a lei do domicilio para eles, de modo que têm os juizes
de invocar a ordem pública se querem não admitir, no Brasil, a eficácia da
sentença estrangeira.

A separação (desquite) por mútuo consentimento não é, no Brasil, de ordem


pública, razão por que, se a lei pessoal não conhece tal causa, o juiz
brasileiro indefere o pedido (Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de agosto
de 1931,22

de março de 1932, Supremo Tribunal Federal, 15 de junho de 1932).

Ainda a 30 de setembro de 1942 (R. de D., 145, 243), o Supremo Tribunal


Federal decidiu que se não homologa sentença de divórcio de estrangeiro se
esse está “residindo” no Brasil. Sem razão. Ou não homologa quaisquer
sentenças de divórcio de estrangeiro, “resida”, ou não, no Brasil; ou
homologa todas, exceto quando se trate de estrangeiro, inclusive apátrida,
que esteja submetido à lei brasileira. O que não se pode é fazer depender da
residência, ou não-residência, a invocação de ordem pública.

(1) j,Vale o ato praticado no Brasil pelo estrangeiro incapaz, se ele, pela lei
brasileira, seria capaz?

a) A resposta afirmativa ora é constituída como regra do Estado do negócio,


e tal o caso da Alemanha, art. 70 alínea 38

da Suíça, art. 70 b, do Japão, art. 30 e da Polônia, arts. 20 e 30, em negócios


que não sejam de direito de família e de sucessões, ora como caso de não-
importação de efeitos por motivo de ordem pública (F. Wharton, A Treatise
on the Conflict ofLaws or Private International Law, 38 ed., 1, 263;
A.Weiss, Manuel de Droit International privé, 98 ed., 454; Thomas H.
Healy, Recueil des Cours, IX, 511; A. Pillet e J. P. Niboyet, Manuel de
Droit international privé, 524; F. Surville, De la validité des contrais passés
en France para un étranger intapable d’aprês la loi française, Journal de
Clunet, 1909, 625 s.), ora em virtude de uma teoria do interesse nacional,
segundo a qual o prejuízo de um nacional justifica desatender-se à lei
estrangeira.

b) A resposta negativa tem por fundamento a aplicação normal do estatuto


pessoal, para cujo corte não admite a ligação usurpante contida nas leis
alemã, suíça e japonesa, nem, sequer, a oportunidade de ser invocado o
princípio de não-importação de efeitos em virtude de ordem pública (cf.

J.Proudhon, Traité sur l’État des personnes, 3a ed., 1, 85, 98; C.


Demolombe, Cours de Code Napoléon, 28 ed., i, 120

e 121; C. Demangeat, Histoire de la Condition des Etrangers en France,


373; Aubry e Rau, Cours de Droit civil fran çais, 1, 147 s., adotaram a
jurisprudência francesa, mas J.

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 484)121

Aubry e Rau supõem não ter havido, no caso julgado, imprudência do


francês).

A primeira solução tem por si o exemplo alemão-suíço: não leva em


consideração a boa ou má-fé do estrangeiro (propositadamente o fez
Gebhard, para evitar dificuldades); e quer apenas impor, no foro, uma
solução de proteção aos nacionais. Pressupõe: a) a presença corporal das
partes na Alemanha (Vicomte Poullet, Manuel de Droit international privé
bel ge, 317; contra, com razão, Ernst Frankenstein, Internationales
Privatrecht, 1, 417, e parece-nos que a não-presença dos estrangeiros, sendo
a Alemanha o lugar da conclusão do contrato, bastaria, com mais forte
motivo); b) que se trate de negócio jurídico (Rechtsgeschãft) , e não
pertença ao direito de família, nem ao de sucessões. Rege a capacidade a lei
alemã. Certamente nem o Estado da lei pessoal respeitara tal capitis
deniinutio parcial (Th. Niemeyer, Das internationale Privatrecht des
Burgerlichen Gesetzbuches, 126), nem os terceiros. Do outro lado, há os
que alegam contra isso: o dever de um homem zeloso dos seus negócios é o
de se estabelecer sobre a situação jurídica daqueles com quem contrata. Se
não toma tal precaução, a culpa é sua. Se foi ele mal informado e contratou,
ainda é sua a culpa. O que o interesse geral reclama é apenas o rigoroso
reconhecimento do estatuto pessoal.

A teoria do interesse nacional é inadmissível. A da ordem pública não pode


ser analisada; é matéria que depende da sensibilidade de cada Estado. No
Brasil, a regra jurídica sobre serem os menores relativamente incapazes
responsáveis por ato ilícito é de ordem pública; porém não se lhe poderia
tirar a regra alemã ou suíça, demasiado cortante, nem a francesa, para a qual
as incapacidades derivadas de lei estrangeira não podem ser opostas ao
francês que, tendo tratado na França com um estrangeiro, agiu de boa-fé,
sem precipitação, nem imprudência, crendo que era um francês ou, pelo
menos, regido por legislação semelhante.

Assim, a doutrina francesa, a que se chamou “do interesse nacional”,


submete o estrangeiro à lei francesa quando a lei nacional do estrangeiro
prejudica o interesse de um francês. A Lei polonesa de 2 de agosto de 1926,
art. 30 estatui:

“Quando um estrangeiro,incapaz segundo a sua lei pessoal (art. 10), pratica,


na Polônia, ato jurídico (art. 90) destinado a aí (aqui) produzir efeitos, a
capacidade do estrangeiro, quando a segurança de comércio honesto o
exige, regula-se pela lei em vigor na Polônia”. É evidente a invocação de
ordem pública. Discutimos, alhures, b que se levantou, a respeito desse
ponto, no Instituto de Direito Internacional.

Posteriormente, sob o aguilhão das críticas, a jurisprudência francesa lançou


mão de outros motivos: enriquecimento sem causa (Req., 16 de janeiro de
1861; Cass., 23 de fevereiro de 1891); lex loci delicti.

(g) A prova da confusão e dos erros, em que se enredavam as


jurisprudências e doutrinas dos diversos Estados europeus e americanos a
respeito de ordem pública, tivemo-la por ocasião das questões suscitadas
com os bens socializados pelo governo soviético. Assistiu-se à aplicação de
tal noção onde nada tinha a fazer, e a discussões supérfluas onde a noção, só
por si, resolveria.

Certamente, a ordem pública dos outros Estados opor-se-ia a que os seus


juizes aplicassem a lei do confisco aos móveis escapos à Iex rei sitae;
porém, quanto aos outros móveis e aos imóveis fora da Rússia, a lex rei
sitae, como princípio fundamental, bastaria para afastar a expropriação
soviética. Revela escassa cultura jurídica o jurista ou juiz que, não sendo
competente a lei aplicada, invoca a ordem pública.

Assim, no caso Estado msso versus Ropit, o governo russo reclamou a


restituição dos navios da Sociedade Russa de Navegação e de Comércio,
que se achavam em Marselha, vindos de Odessa, antes da ocupação da
cidade pelo poder soviético. Nas três instâncias, foi denegado o pedido,
com invocação da ordem pública francesa (Cass., 5 de março de 1928), Jena
sido preciso invocar a ordem pública? É a opinião corrente. Cumpre
distinguir: se, ao tempo da ação, eram regidos pela lei russa se eram russos,
digamos os navios, a incidência da lei impõe-se, salvo a invocação de
ordem pública; se, a tal momento, já os navios não eram russos devido a
atos jurídicos ou fatos que os tivessem separado do domínio da lei russa,
cessara a incidência do estatuto russo e era desnecessária a alegação de
ordem pública. É de mister não nos esquecermos de que, para ser francês, o
navio teria de satisfazer condições rigorosas, e aos navios franceses é que se
aplica a lei francesa. Argumento de que se não usou seria o de terem
perdido a nacionalidade, algo de semelhante à apatria das pessoas.
Interessante, mas sem provável bom êxito.

Questões entre novos proprietários, após o confisco russo, e os antigos


apareceram nos tribunais europeus. No julgado da High Court of Àppel,
caso Luther versus Sagor, Lord Justice Scrutton disse: “Seda ofender
àcortesia internacional, em relação a Estado reconhecido como soberano
independente, declarar a sua legislação contrária aos princípios essenciais
da justiça e da moral”. Na Alemanha, os tribunais também foram favoráveis
aos novos proprietários, ainda antes do Tratado de Rapalo, de 16 de abril de
1922, entre a Rússia e a Alemanha (Landsgericht de Lipsia, 25 de março de
1922). Na França, aplicou-se, sem qualquer razão (ordem pública ou não-
reconhecimento do governo), o direito francês, nas espécies evidentemente
intruso (Tribunal do Sena, 12 de dezembro de 1923). A maioria dos
julgados pecou pela falta de ordem nas questões discutidas.

Alguns julgados, alemães traziam à balha o Tratado de Rapalo; se a


Alemanha renunciara a reclamações contra a aplicação a cidadãos alemães
das leis e medidas administrativas do governo soviético, não poderiam os
seus juizes ir contra medidas análogas aplicadas a outros, autores privados.
Supérfluo o raciocínio, porque a mesma devia ser a solução se não tivesse
existido o Tratado. Também na Itália, a Corte de Cassação anulou um
julgamento, invocando o art. 10 da Convenção preliminar de 26 de
dezembro de 1921 entre a Itália e a Rússia, que previu a pretensão dos
antigos proprietários de coisas nacionalizadas pela Rússia soviética e
trazidas àItália (Corte de Cassação, 25 de abril de 1925). Aqui, de certo, se
compreende a citação do texto explícito; nos julgados alemães, ressalta a
superfluidade do argumento a fortiori. A transferência deu-se na Rússia, sob
o império de lex situs. Era a Rússia o Estado competente para legislar
quanto ao sobredireito e quanto ao direito substancial. A invocação de
ordem pública sena descabida e contra a distribuição internacional das
competências legislativas dos Estados, sendo a eficácia na Rússia e não
alhures.

Houve Estado que se recusou a reconhecer os casamentos contratados no


território russo, segundo o direito soviético, como procedera, e.g., a Corte
Suprema romena (Corte Suprema romena, 28 de fevereiro de 1926). Tal
julgado refugou como contrário à ordem pública todo o direito matrimonial
soviético. Não podia fazê-lo, nem serviu, com isso, à própria família. Podia,
e devia, cortar efeitos à lei soviética que suprimia a obrigação do domicilio
conjugal comum (Reichsgericht, 6 de outubro de 1927), ou que permitia a
investigação da paternidade por parte de pessoa cuja mãe, no momento do
nascimento do autor da ação, estava casada validamente (Oberlandesgericht
Frankfurt, 3-17 de dezembro de 1925). Também tribunal inglês (Nachinson
versus Nachinson, Prob. Divorce and Adm. Prov. 17 de dezembro de 1929)
violou a distribuição internacional das competências, o princípio de
importação internacional de efeitos. Aliás, no julgado britânico, a forma é
que émá; o que é contrário ao public policy é a dissolução do casamento por
simples consentimento unilateral de um dos cônjuges; o casamento, em si,
vale.

No Brasil, a jurisprudência andou acertadamente. A 6~ Câmara Cível de


Agravos do Distrito Federal, no Acórdão de 10 de junho de 1932, reformou
o despacho do juiz de primeira instância, que negara validade ao casamento
realizado na Rússia soviética. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de
São Paulo confirmou a sentença do juiz que, em ação de desquite, se
conformou com a prova do casamento segundo a legislação soviética, que
se satisfaz com qualquer documento que revele a existência do casamento,
inclusive a posse do estado de casados (48 Câmara Cível, Acórdão de 18 de
maio de 1932). Vê-se bem que o tribunal brasileiro se manteve no plano da
eficácia.

(h) Nos Arrets nos 14 e 15 da Corte Permanente de Justiça Internacional,


acha-se reconhecida o princípio da não-importação de efeitos em virtude de
invocação da ordem pública. Eis os trechos principais: 1. “Avant de
procéder à ladite détermination, il y a cependant lieu de rappeler qu’iI se
peut que la lai qui pourrait être jugée, par la Cour, applicable aux
obligations de l’espêce, soit, sur un territoire déterminé, tenue en échec par
une loi nationale de ce territoire, loi d’ordre public et d’apllication
inéluctable bien que le contrat ait été conclu sous le régime d’une loi
étrangêre”.

II. “La Cour, amenée en cette occurence à se prononcer sur le sens et la


portée d’une loi nationale, fait observer ce qui suit: il ne serait pas conforme
à la tache pour laquelle elle a été établie, et il ne corresponderait pas non
plus auz principes gouvernant sa composition, qu’elle dút se livrer elIe
même à une interprétation personnalle d’un droit national, sans tenir compte
de la jurisprudence, en courant ainsi le risque de se mettre de la
jurisprudence, en courant ainsi le risque de se mettre em contradiction avec
l’interprétation que la plus haute jurisdiction nationale aurait sanctionnée, et
qui, dans ses résultats, lui paraitrait raisonnable. 11 serait particuliêrement
délicat de le faire là oú il s’agit d’ordre public notion dont la définition dans
un pays déterminé dépend dans une large mesure de 1 ‘opinion que prévaut
à chaque moment dans ce pays même et quand les textes ne se prononcent
pas directement sur la question dont il s’agit”.

A decisão foi perfeita. Como tribunal de jurisdição interestatal, a Corte


Permanente de Justiça Internacional reconheceu a existência do principio
(de direito das gentes, necessariamente), segundo o qual o Estado em cuja
ambiência jurídica vai produzir efeitos a lei estrangeira competente (“qui
pourrait être jugée, par la Cour, applicable”) pode cortá-los por motivo de
ordem pública. Tal Estado é que pode dizer o que é, para ele, de ordem
pública; e os seus juizes são os mais autorizados para a fixação de tal
matéria de direito interno. Se eles ultrapassam os limites da competência,
como se cortam efeitos a leis que não pretendem atuar na ambiência
jurídica deles, então, sim, cabe à Corte reduzir ao que deve ser a
interpretação dos tribunais dos Estados à interpretação que, “dans ses
resultats”, lhes deveria parecer

a razoável. A interpretação dos Estados não pode ir além do que lhes fixa a
competência mesma para a invocação da ordem pública.

A ordem pública corta efeitos na ambiência jurídica do país que a invoca, e


nãofora. A ordem pública não autoriza o juiz a criticar moralmente a lei
estrangeira. Pode cortar efeitos à regra de ordem pública de outro Estado
que haja cortado ou atribuído novos efeitos à regra da lei aplicável:

foi concedido o divórcio, em certo país, de indivíduo cuja lei pessoal não o
permitia; o Brasil, conhecendo efeitos da lei estrangeira de ordem pública,
corta, por sua vez, tais efeitos. Ou, melhor: não os vê, porque são interiores
ao país da decretação. Aí, o corte ao que se aditara restaura a lei
competente.

A infração do direito das gentes por parte de outro Estado, quer no seu
direito substancial, quer no sobredireito (direito internacional privado,
direito intertemporal, método de interpretação e fontes), não justifica que se
lhe não aplique o texto edictado, sob a alegação de ser contra a ordem
pública. Já Ernst Zitelmann (Internationales Privatrecht, 1, 378) cogitara
disso, e posteriormente, durante e após a Primeira Guerra Mundial, houve
julgados nesse sentido. Todos, porém, sem razão. Não menos sem razão o
parecer de Leo Raape (Internationales Privatrecht, J. v. Staudingers
Kommentar, 98 ed., VI, 822), para quem fora de mister que a infração
ofendesse os bons costumes ou o fim de uma lei alemã. A atitude do juiz
não pode ser, juridicamente, senão a de verificar a competência legislativa
do Estado estrangeiro, porque, se, por ato de legislação, infringiu o direito
das gentes, ultrapassou as raias da sua competência.

Toda invocação de ordem pública, em casos tais, sobre ser errada, é


supérflua: não se precisa cortar a eficácia à lei que se pode afastar por ser,
na espécie, incompetente (não-incidência).

Os tratados podem pré-excluir a invocação de ordem pública. Não se


presume que o tenham feito, salvo onde tal reserva contradiria o conteúdo
mesmo do tratado.

(i) Se alguma lei faz referência a “bons costumes~~, e a conceito interior ao


de “ordem pública”. A ordem pública, no que é o mínimo ético tolerável
pela ambiência jurídica do país, tal o conceito menor de “bons costumes”. É
alusão à ordem pública ética, especificamente. Quando a ordem pública se
liga à moral dos atos da vida individual defende os bons costumes.

A expressão “soberania nacional” foi a de que se valeu Lafaiete Rodrigues


Pereira, autor do Decreto n0 6.982 (art. 20,

§ lo), para aludir às regras jurídicas de distribuição da competência


jurisdicional, pertencentes ao direito das gentes.

Para ele, já então, embora obscuramente (ver, para o estado atual da técnica,
nosso Direito Internacional Privado, 1, 89-116, 362-393; II, 49 s.), infração
de regras jurídicas supra-estatais de competência e choque com a ordem
pública e os bons costumes do país não são a mesma coisa. O Decreto n0
6.982, na linha da boa tradição reinícola de dar exemplo para se apanhar o
conteúdo dos conceitos, acrescentava: “como se, por exemplo (as ditas
sentenças), subtraissem algum brasileiro à competência dos tribunais do
Império”. Quer dizer: se infringissem regras de distribuição das
competências. Perfeito.
(k) i,E aplicável pelo juiz da homologação o art. 129? A homologação de
sentença é conteúdo de ação; durante o seu processo, a posição do juiz
éigual à que tem em qualquer outra. Certo, se a fraude à lei, que é um dos
casos do art. 129

(o outro é o de simulação), se deu, aí, na ação primitiva, pode não acontecer


na ação primitiva, pode não acontecer na ação de homologação; mas
exatamente a sentença, na ação primitiva, é que é objeto da ação de
homologação de sentença estrangeira. A fraude à lei (“conseguir fim
proibido por lei”) é, pois, invocável como impedimento, tanto mais quanto
o princípio do art. 129 é de ordem pública (art. 484). Faça-se o mesmo
raciocínio quanto à simulação, de que o art. 129 também trata.

A ordem pública tem de ser apreciada conforme a importação da eficácia da


sentença. A respeito de divórcio, ou o Estado de importação não pode
admiti-lo, ou só o admite quando no negócio não haja elemento regido pelo
direito nacional. No Brasil, a justiça confundiu ordem pública e localização
da pessoa, no que teve de cair em contradições flagrantes:

homologar o divórcio de A e B, salvo se A ou B é residente no Brasil


(Supremo Tribunal Federal, 30 de setembro de 1942, R. dos T., 148, 771).
Outras vezes, partindo de que a sentença de divórcio é declaratória de
estado (?!), dispensou a homologação (38 Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 29 de outubro de 1943, D.

da J. de 18 de fevereiro de 1944, 1096). Ora, a sentença de divórcio é


constitutiva negativa, e não declarativa. E, por outro lado, o tipo de
sentença que, para produzir efeitos no Brasil, precisa de homologação. O
que é urgente é fixar-se o que o Supre~ixo Tribunal Federal considera, ou
não, de ordem pública, na legislação brasileira. Não pode usar de dois pesos
e de duas medidas.

Deve-se ter atenção em que o corte na eficácia da decisão, por ser contrária
à soberania nacional, à ordem pública, ou ans bons costumes, pode ser
esvaziante ou substituinte. No primeiro caso, nada fica no lugar em que
estava a decisão, ou a parte da decisão cuja eficácia se cortou; no segundo,
o lugar que lhe tocava é ocupado pela regra jurídica brasileira
correspondente ao que se lhe retirou.

A garantia de reciprocidade não é de exigir-se, no direito brasileiro, a


propósito de homologação de sentenças. Os juristas têm tal pressuposto,
encontradiço nos sistemas estrangeiros, como retrógrado (L. von Bar,
Theorie und Praxis des internationalen Privatrechts, 1, 2~ ed., 286 s.;

Theodor S(iss, Die Anerkennung ausladischer Urteile, Festgabe fur Leo


Rosenberg, 232 s.; Erwin Riezler, internationales Zivilprozessrecht, 553).

Quanto às cartas rogatórias, é assente a exigência da reciprocidade: se ao


Estado rogante se nega, em princípio, ainda em que em certa matéria,
cumprimento de cartas rogatórias, é justo que ao outro Estado se negue, na
mesma medida.

3. Processo de homologação de sentença estrangeira O processo da ação de


homologação da sentença estrangeira, no Supremo Tribunal federal,
começa pela distribuição, em virtude de despacho, e a citação do réu
evitemos o ambíguo “executado”, porque pode tratar-se de força e efeito,
não executivos, no sentido de

“executivo”, “exequível”, “executar”, quando se classificam,


cientificamente, as ações, ou quando se fala, no Código, de ações
executivas, posto que (como é de menor uso, e igual a eficaz) executivos,
no sentido lato que é o do art. 484, assunto antes versado. No Brasil, houve
tempo em que, sendo um só ojuiz da ação de homologação ou de exequatur
ou de cumpra-se e o da execução da sentença homologada, executória ou a
cumpnr- se, o processo constitutivo integrativo era de plano, e logo se
iniciava a chamada execução da sentença. Desde que, na República, se
acabou com essa cumulação objetiva necessária, não há nenhuma ação
executiva na ação de homologação das sentenças estrangeiras. Talvez tenha
sido essa sequência (sentença na ação estrangeira como objeto, ação de
homologação da sentença, ação de execução), que tenha levado James
Goldschmidt a tê-la considerado ação de condenação (!). Sem razão,
advirta-se; a ação de homologação (símile com o que se passa com a ação
declaratória, a ação de condenação e a ação de execução da sentença) não é
o de modo nenhum ação de condenação. A cumulação era artificial, ou,
pelo menos, não realizável em todos os casos, e.g., não haveria ação de
execução de sentença cumulável com a homologação de sentença
constitutiva. E nesse caso a semelhança com a sentença de condenação seria
nenhuma.

O consolidador de 1898 seguiu a Lei n0 221, que não se dera conta da


mudança operada: falou de “executado”,

“exeqUente”, “deduzir por embargos a sua oposição”. Mas, desde o início


até 1939, a incorrigida expressão

“embargos” foi ocasional, resto do direito anterior, tanto assim que datam
desse tempo a “oposição” (cf. Lei n0 221, art. 12; Decreto n0 3.084, Parte
V, art. 10, inciso 1~, verbis “a sua oposição”) e a “contestação” (Lei n0 121,
art. 21; Decreto n0 3.084, Parte V, art. 10, inciso 30) Não há “embargos” na
ação de homologação de sentença; há contestação ou impugnação.
Embargos há na ação executiva que, após a homologação, com a carta de
sentença, se propõe no Brasil, isto é, ação que se move, com a carta de
sentença mais a sentença homologatória, para execução no juízo
competente. A explicação histórica e sistemática auxilia-nos a ver claro no
instituto da homologação das sentenças estrangeiras.

O art. 835 também é aplicável ao autor da ação de homologação de


sentença estrangeira, se algum dos pressupostos se compõe.

4. Pedido de homologação e prazo para contestação Pedida a homologação


(arts. 282 e 283),1o3 é a esse pedido que se responde por se tratar de ação
de cognição, e não de ação de execução de sentença. A sentença é analisada
como objeto.

Lê-se no Regimento Interno do Supremo Tribunal federal, art. 213:

“O relator mandará citar o executado para contestar o pedido no prazo de


quinze dias”.tM No § 1~: “A contestação somente poderá versar sobre a
autenticidade dos documentos, a inteligência da sentença e a observância
dos arts. 211 e 212”. ‘~ O art. 211 hMé aquele em que se veda a
homologação de sentença estrangeira cujos efeitos atentem contra a
soberania nacional, a ordem pública ou os bons costumes assunto que já
versamos. O art. 212 aponta os requisitos necessários à homologabilidade
da sentença es

~No § 20 do art. 213, diz o Regimento Interno do Supremo Tribunal


Federal: “A petição inicial será, desde logo, indeferida pelo relator, se
manifestamente inepta, ou quando o requerente não promover, no prazo
fixado, os atos e diligências que lhe cumprir”.’08

A contestação somente pode versar sobre um, pelo menos, dos seguintes
pressupostos: a) falta de autenticidade do documento, caso em que a defesa
é bem oposição ou contra-ação declarativa negativa, semelhante àação
declaratória de falsidade de documento específica e prejudicial; b) a
indevida inteligência da sentença, portanto negação das afirmações
exegéticas explícita ou implicitamente feitas pelo autor, de modo que o
tribunal homologante, ao integrar a eficácia da sentença, lhe declara o
conteúdo (elemento declarativo que não atua para fixar a natureza da ação,
pois se trata de declaração do objeto material, e não de relação jurídica,
simples apreciação inquisitiva da prova documental, razão por que não se
aplica o

103 RISTF.arts.218a219

104 No atual RISTF, o Presidente mandará citar o requerido para contestar


em quinze dias.

105 RISTF, art. 221, onde se fala na observância dos requisitos indicados
nos arts. 217 e 218.

106 RISTF, art. 216.

107 Atual regimento, art. 217, onde se fala em requisitos indispensáveis.

108 RISTF,art.219.
art. 333 do Código); c) defeito ou vício de forma segundo a lei do juiz
prolator da sentença homologanda, defesa semelhante à da letra a); d) falta
de um dos pressupostos subjetivos do art. 212, lI, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal; e) falta da coisa julgada formal; fi falta da
tradução oficial; g) infração de regra de direito das gentes que entenda
como Brasil; h) choque com a soberania nacional, a ordem pública ou os
bons costumes do Brasil.’~ Em qualquer dos casos, prevalece o princípio
inquisitivo, e não o dispositivo. O tribunal pode negar a homologação,
ainda que não-impugnado o pedido e sem precisar invocar o art. 129 (dolo
bila- teral). O acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 23 de maio de 1930
(R. de D., 99, 99), permitiu a renúncia à jurisdição brasileira, grave
confusão com a prorrogação da competência no direito interno. Mas foi
julgado esporádico. ~Seria renúncia à soberania! Grande fonte de erros, na
justiça, é a falta de ordem nas preliminares processuais e nas questões
prejudiciais.

As regras jurídicas de capacidade de ser parte, de capacidade processual e


de capacitação postulacional são aplicáveis à ação de homologação da
sentença estrangeira. Os poderes do procurador judicial têm de ser especiais
(Supremo Tribunal Federal, 16 de setembro de 1927, A. J., IV, 400).

Diz o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 214: “Se o


executado (?) não comparecer ou for incapaz, o relator nomeará curador à
lide, o qual será notificado pessoalmente”.”0 Havemos de entender que tal
nomeação só é imprescindível se o incapaz não está representado,conforme
a lei.

5. Prazo para contestação e prazo para resposta Feita a citação, correm os


quinze dias para a contestação. Após isso, tem o autor da ação de
homologação da sentença estrangeira o prazo de cinco dias, para se
manífestar.”’ Cp. Código Bustamante, art. 426: “O juiz, ou tribunal, ao qual
se peça a execução, ouvirá, antes de a decretar, ou denegar, e dentro do
prazo de vinte dias, a parte contra quem ela seja solicitada e o procurador
ou Ministério Público”.
109 Vd. o art. 221 do atual regimento. Óbvio que a contestaçáo poderá
versar sobre qualquer das matérias do art. 301 do CPC.

110Vd. o § 1’ do art. 221 do atual regimento, onde não se fala em


executado mas em requerido, que é o réu da ação de homologação.

111Vd. o * 20 do art. 221 do atual regimento, onde se fala, expressamente,


em réplica, ao contrário do CPC, que omite esse nome.

6.Procurador-Geral da República A audiência do Procurador-Geral da


República é essencial.”2 A sua função é, de regra, a de fiscal; mas pode
assumir a de parte, segundo os princípios, satisfeitos, naturalmente, os
pressupostos para isso.

Se não foi ouvido o órgão do Ministério Público, há nulidade processual,


não-cominada. E preciso atender-se a que o órgão do Ministério Público,
posto que não seja parte na ação de cuja sentença se quer a homologação, é
o mais imediato interessado em que se observem as regras jurídicas. Por se
não ter cominado a nulidade, regem os arts. 243 e 244. O problema maior é
o que resulta de se procurar saber se incide, ou não, o art. 741,1.0 Código
podia considerar a ação de homologação de sentença como ação contra o
Estado, em vez de simples exercício de pretensão à tutela jurídica, sendo
pars adversa o demandado na ação em que se proferiu a sentença
rescindenda. Não no fez. O órgáo do Ministério Público não é citado: é
ouvido e dá parecer (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art.
215, parágrafo único).”3 De lege lata, portanto, a falta da citação não faz
nula a sentença. Não é, porém, de afastar-se, a priori, a possibilidade de
rescindibilidade.

7.Carta de sentença homologatória A carta de sentença homologatória


compõe-se da combinação das duas sentenças a sentença estrangeira e a de
constituição integrativa. Nem a sentença estrangeira se nacionaliza, nem a
sentença nacional é absorvida pela outra posto que insinuem James
Gold~chmidt e outros que, uma vez homologada a sentença estrangeira, a
ação de homologação se eclipse. A transparência não chega a tal ponto. O
cumprimento da sentença no juízo competente ou é a importação da eficácia
mediata ou imediata que se recebera, inclusive a ação de execução de
sentença, actio iudicati, quando é preciso que se mova, por ser de
condenação a sentença ou ter eficácia executiva.

Aliás, os efeitos mediatos (carga 3) são sempre por meio de ação, ainda que
não se trate de ação executiva stricto sensu.

Escreveu-se que, homologada a sentença estrangeira, não é ela,


propnamente, que se cumpre, mas a decisão homologatória. Porque,
acrescentou-se, essa é que cria a prestação jurisdicional do Estado. De
modo nenhum: a homologação é ato transparente; através dela passam e
entram no território nacional as irradiações de eficácia da decisão
estrangeira. A sentença que
112 RISTF, art. 221, § 30• 113Vd.anota 112.

homologa a decisão estrangeira constitui a importação da eficácia; não a


eficácia mesma. A eficácia sentencial da decisão homologada é a mesma,
ou menos; não pode ser mais do que a que se atribuiu, no direito
estrangeiro, à decisão homologada. Há transparência da sentença
homologatória. Não há absorção da eficácia do julgado estrangeiro: há,
apenas, como um “pode passar”, mais do que simples “visto”, dito à entrada
na esfera jurídica do Estado importador da eficácia.

No art. 793, IV, do Código de 1939 falava-se de confirmação da sentença


estrangeira. No § 328 da Ordenação Processual Civil alemã, de
reconhecimento (Anerkennung; sobre isso, Franz Kallmann, Anerkennung
und Vollstreckung auslandischer Zivilurteile, 1 s.; Erwin Riezler,
Internationales Zivilprozessrecht, 509 s.). A terminologia italiana prefere
“delibazione”. O Código de Processo Civil italiano, arts. 796-798, 799 e
804, empregou

“declaração de eficácia~~, “acertamento”. É lamentável que, em vez de “ter


eficácia”, se diga e repita “valer”, “fazer valer”.

A eficácia da sentença estrangeira é importada, em seus pesos de


declaratividade, constitutividade, condenatoriedade, mandamentalidade e
executividade, e em sua extensão e limites subjetivos, de acordo com o
direito estrangeiro. Mas a importação pode ser em menos, se é de invocar-se
o art. 211 “~ do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ou não se
dar. Não há o dilema “ou tudo, ou nada”. Se a sentença homologatória
importa menos, é porque somente até aí constituiu e “pode entrar”. Não há
diferença entre a sentença homologatória que importa toda a eficácia (e) e a
que somente importa (e) 1, ou (e) 2, ou (e) 3.

8.Requisição de homologação, por via diplomática Se a homologação da


sentença estrangeira é requisitada por via diplomática, “~ não é visível o
autor da ação, é um ausente a demandar; e o seu Estado introduz a
demanda, sem ser figura processual, mesmo porque são os dois Estados que
se põem em contacto. Nomeia-se-lhe curador, que, aí, ou faz as vezes do
procurador judicial, e não do advogado, ou cumula os dois papéis (e
éconveniente que isso se dê). Tal curador continua em suas funções, depois
da homologação da sentença estrangeira, ou para atos que digam respeito
àsua execução (sentido estrito de actio iudicati), ou qualquer das diligências
de cumprimento de sentença declarativa, constitutiva, condenatória, ou

114 O arts. 215 do RISTF não obriga a se pedir a homologação de toda a


sentença estrangeira.115O art. 218 do

RI STF fala em homologação requerida pela parte interessada, que bem


pode serestado estrangeiro.

mandamental. A atuação do autor pode ter efeito imediato da cessação


delas, e.g., pela juntada de procuração a outrem. A juntada de procuração ao
curador conserva-lhe a mesma situação processual, posto que mude a
relação de direito material entre o autor e o curador. Essa relação é de
representação, e não de mandato. Não se presume gratuita.

O curador nomeado, além de poder dar redação mais explícita ao pedido,


pode contestar as alegações do demandado.

Se o autor, além de não se achar presente, por ter vindo por via diplomática
o pedido, é menor ou interdito, o curador à lide, de acordo com o art. 214
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é o mesmo.

9. Não-comparência e incapacidade Se o réu ou algum dos réus, inclusive o


litisconsorte ou assistente equiparado a litisconsorte, não comparece, está
ausente, ou é incapaz, nomeia-se o curador à lide, ao qual se aplica o que
foi dito à nota 7). O art. 90, 1, só se aplica, aí, quando colidirem os
interesses do representante legal e os do incapaz. O curador à lide, em tal
caso, há de ser removido.

10. Sentença desfavorável e sentença favorável A sentença negativa de


homologação da sentença estrangeira não faz, sempre, coisa julgada formal.
O Supremo Tribunal Federal, a 26 de agosto de 1924 (R. F., 103, 303),
afirmou que transita em julgado e tem força de coisa julgada material.
Portanto, não poderia ser feito novo pedido. Só a ação rescisória seria a
impugnativa contra a sentença que negou a homologação. Cumpre
distinguir: (a) Se a não-homologação foi devida à insuficiência da
instrução, e.g., não se reputou bastante a prova de ter passado em julgado a
sentença homologanda a prova ainda é possível, por se tratar de ação
constitutiva integrativa e não haver coisa julgada material de sentença em
tais ações, salvo excepcionalmente. (b) Se foi discutido algum ponto de
direito, como se, por exemplo, o acórdão decide que o juiz era
incompetente, então o elemento declarativo é bastante para produzir a coisa
julgada material. O Supremo Tribunal Federal não advertiu em que o
transito em julgado (coisa julgada formal) não impede outro pedido impede
a impugnação perante o mesmo juiz, ou por meio de recurso; a coisa
julgada material é que impede, mas só onde ela existe: onde ela não está,
nada pode impedir. Assim, se o Supremo Tribunal Federal decide que a
sentença homologanda não passou em julgado, o que cabe ao interessado é
fazê-la transitar em julgado e renovar pedido de homologação ( joutra ação,
inclusive quanto à causa!).

Se decidiu que faltava a autenticação consular, outro pedido, com que se


satisfaça a exigência legal (Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, art. 212),”~ não poderia, juridicamente, ser repelido. Também se a
tradução não foi feita, ou não satisfez.

A sentença positiva de homologação faz coisa julgada material, porque


contém declaração negativa geral de faltar qualquer requisito. Se existe
como sentença e não é nula ipso iure, só a ação rescisória pode intervir.

Em nenhum desses casos se ofende a eficácia formal de coisa julgada, que


têm os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, pois a eficácia formal obsta
à impugnação, não à discussão do conteúdo da resolução. Quanto àeficácia
material, que impediria essa discussão, só existe nos pontos em que houve
“declaração”. Declaração de direito, só excepcionalmente de fatos (art. 40,
II, sobre autenticidade ou falsidade de documentos; art. 485, VI, que
contém caso de efeito material de coisa julgada civil da decisão criminal).

11. Processo de cumprimento O processo de cumprimento e o de seus


incidentes, de que fala o art. 484, são o processo para a ação de
cumprimento, dita ação de execução (lato sensu); não, o processo para a
ação de homologação da sentença estrangeira, cujo, rito processual é o dos
arts. 2 10-217 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”8

12. Interpretação da sentença estrangeira A interpretação da sentença


estrangeira é a que resulta do método de interpretação das sentenças do
direito processual do juiz prolator (lexfori). A interpretação dos seus efeitos
processuais, também. Não assim a das regras jurídicas que ela aplica. As
regras jurídicas são interpretadas pela sentença; na falta de tal interpretação,
é a que resulta do método de interpretação das leis (sobredireito) a que
pertence cada regra jurídica aludida.

13. Natureza das sentenças homologadas Já vimos que a força e os efeitos


da sentença podem não ser de condenação, de modo que a sentença
estrangeira, declarativa, constitutiva, mandamental, ou executiva, se cumpre
como se cumpriria (o mesmo vale dizer-se “se executa” em sentido lato, e
não no de pretensão à execução) a sentença nacional da mesma natureza. Se
é preciso proceder-se a algum ato de cancelamento, averbação, ou arresto,
ou sequestro, ou outro qualquer, seguem-se as regras respectivas do direito
brasileiro. Se a sentença tem força executiva (e.g., antes se

117 RISTF, art. 217,1V.118No atual regimento, arts. 215 a 224.

procedeu à penhora dos bens sitos no Brasil, em virtude de cumprimento de


rogatória), ou se tem apenas efeito executivo, aplica-se o que está no direito
brasileiro. Se a sentença é declarativa típica, dá-se o mesmo. Se a sentença
é da natureza da sentença do art. 641, a tal regra jurídica é que se obedece.

14. Sentença de homologação A sentença, na ação de homologação, integra


a sentença (estrangeira), de modo que a projeção ou irradiação dessa se
possa produzir no direito nacional. Não a produz ela mesma, tanto que se
têm de propor outras ações (a de execução de sentença, a de pedido de
averbação, a de cancelamento, etc.); nem, a fortiori, faz a sentença
estrangeira reproduzi-la, tanto que há reconhecimento e produção de certa
eficácia, ex tunc, e não raro a sentença estrangeira não homologável, ou a
que se negou homologação, tem eficácia; a eficácia que independe da
homologação. Homologada a sentença estrangeira, não se faz brasileira; a
sentença brasileira é noutra ação, como a sentença que julga improcedente a
ação rescisória é outra sentença, proferida noutra ação. São pontos
relevantes de diferença.

15. Ação de execução de sentença estrangeira Trata-se de ação de execução


da sentença estrangeira, e não da ação de homologação. Ou se supõe que a
sentença estrangeira homologada seja de condenação (de execução
aparelhada), ou que tenha força executiva, ou eficácia executiva imediata.
Aquela é a ação dos arts. 566-795, estendida a todos os cumprimentos
mediatos da sentença. Essa já é sentença executiva, que foi homologada.
Pense-se nas ações de eficácia imediata e nas de força executiva
(respectivamente, por exemplo, com 4 de executividade: ação de habilitação
em inventário e partilha, de habilitação incidental se tem saisina o sucessor,
de posse em nome do nascituro; com 5 de executividade: ação de
reivindicação, de petição de herança, de título extrajudicial, do titular do
direito de preferência para haver do terceiro a coisa, de desapossamento de
título ao portador contra terceiro, de quem perdeu ou a quem foi furtado
tftulo ao portador, de execução pelo vendedor com reserva de domínio, de
distribuição de salvados, de dissolução contenciosa e liquidação de
sociedade, de exibição de livro ou coisa comum).

O processo é o da lei brasileira. Tratando-se de sentença com força, e não só


efeito executivo, ou constitutivo, a força da sentença proferida na açao de
homologação de sentença estrangeira é suficiente. Basta simples citação,
intimação, notificação, mandado, ou o que couber ao oficial, juiz ou
autoridade a que incumba. Não assim no caso de ação declarativa. Quem
cumpriria a sentença, se fosse nacional, cumpre a estrangeira. Se a eficácia
é inclusa ou imediata ou basta a decisão homologante, ou se “encurta” a
ação, com o requerimento do alvará, ofício, mandado, ou ordem, ou o que
for preciso in casu.

Ao executado cabe opor à sentença embargos do devedor, de acordo com o


art. 741. O art. 741, 1, permite ao executado opor embargos de falta ou
nulidade da citação inicial, se houve revelia. O art. 741, VI, menciona os
embargos de pagamento, novação, compensação com execução aparelhada,
concordata judicial, transação e prescrição superveniente à sentença
exeqilenda. Tais embargos são inelidíveis. Bem assim os de excesso de
execução, ou sua nulidade, até a penhora. Portanto, são oponíveis todos os
embargos de que fala o art. 741, 1, IV, V, VI e VII.

Outrossim, os embargos à arrematação, adjudicação ou remição (art. 746).

Quanto aos embargos do art. 741, II (inexigibilidade do título) e III


(ilegitimidade das partes), de regra a matéria já foi apreciada no processo
homologatório.

Observe-se que a falta de nulidade de citação, de que se pode tratar na ação


de execução, não é a falta ou nulidade da citação na ação em que se proferiu
a decisão homologada, e sim a falta ou nulidade de citação, na ação em que
se homologou a sentença estrangeira. Aquela já fora examinada pelo
tribunal competente. A falta ou nulidade da citação na ação em que se
proferiu a sentença homologada já se julgou, na ação de homologação, onde
a existência, validade e eficácia da citação são pressuposto necessário da
homologabilidade, de cognição por ofício do juiz.

16. Indeferimento do pedido No Regimento Interno do Supremo Tribunal


Federal, art. 217, está dito: “Indeferido o pedido, os documentos em que se
tiver fundado terão o valor probatório que lhe atribuir a legislação aplicável,
afastados os efeitos próprios da homologação”.”9 Já assim o Código de
1939, art. 796. A regra jurídica veio do Decreto n0 6.982, art. 9o~ Não se
atribui, com o princípio, valor probatório, ou força probatória; nem, ainda
mais, nele se estabelece o reconhecimento das regras do direito material
estrangeiro, a fortiori do direito processual estrangeiro, sobre
admissibilidade de meios de prova, força, valor e atendibilidade das provas.
O direito material estrangeiro pode ser aplicado quando incida; e o direito
processual nunca terá oportunidade de ser invocado, a não ser nas regras de
constituição dos atos probatórios que tivessem de ser produzidos fora.
Assim, sempre que, em ação intentada no Brasil, se houvesse de enviar

119 Não se repetiu essa norma no atual regimento, mas cabe aplicar-se o
princípio nela consagrado.
Se não houve trânsito em julgado, não há pensar-se em ação rescisória. É
reformável, ou revogável, ou retratável, a decisão.

Em consequência do que dissemos, não há ação rescisória de sentença que


pode ser revogada ou reformada, porque a tal sentença falta coisa julgada
formal. Nem de sentença inexistente, pois seria rescindir-se o que não é:
não se precisaria de desconstituir; bastaria, se interesse sobrevém a alguma
alusão a essa “sentença”, a decisão declarativa de inexistência. Nem de
sentença nula, porque se estaria a empregar o menos tendo-se à mão o maís.

Há sentenças que transitam em julgado mas são suscetíveis de modificação,


em ação adequada (ação de modificação).

A par de serem modificáveis, tais decisões são rescindíveis, se se compõem


os pressupostos. Pode ser procedente o pedido de modificação, embora não
o pudesse ser, in casu, o de rescisão; ou ser improcedente, posto que
procedente pudesse ser o de rescisão.

(a) Em virtude da distribuição supra-estatal, da repartição, intra-estatal, das


competências jurisdicionais (espaço) e da ligação de todo o direito a um
lugar e a um momento (espaço-tempo), os pressupostos comuns e gerais às
ações rescisórias dependem de um juiz e de uma lei vigente. Mas, ainda
quando se abstraia de tal localização espácio-temporal, a lei vigente possui
regras de localização por competência e regras de prazo, dentro do qual se
pode propor a ação rescisória.

No caso de algum território passar a pertencer a outro Estado, ou a outro


Estado-membro, naturalmente se decidirá com quem ficarão os processos,
sendo difícil, fora dos casos de jurisdição ligada aos imóveis, prever-se a
que juiz competirá conhecer da rescisória de sentenças proferidas antes da
anexação. Ainda assim, a regra é entender-se que os arquivos ficam no
mesmo lugar em que existia a antiga jurisdição territorial.

Tudo ocorre conforme se deve resolver, a posteriori, o problema de


sucessão de jurisdição, seja interestatal, seja interestadual. Nada obsta a que
as pessoas de direito público, responsáveis pela prestação jurisdicional
entregue, acertem, entre si, qual deva ser a sucessora em cada juízo, ou, até,
em cada matéria. Os pressupostos somente podem ser os da lei da entidade
sucessora. Essa, aliás, poderá resolver diferentemente, conservando, por
exemplo, os pressupostos do antigo direito, ou negando a ação rescisória,
porque não existia, ou concedendo-a, excepcionalmente, embora não a
tenha em geral, por ter existido.

(b) A rescisão das sentenças está nas suas origens ligada à rescisão dos
negócios jurídicos em geral. Através dos tempos, a diferenciação aos
poucos se caracterizou e caiu-se no oposto: consideram-se sentença e ato
jurídico como fatos de natureza diferente, sem se atender a que a sentença
também é prestação oriunda de ato jurídico. O rigor do ius civile,
formalístico, por vezes sacrificava o fundo à forma. Depois, sob a
influência do ius gentium, agravaram-se os inconvenientes, e interveio o
pretor. Não podia continuar a freqUente aparição de atos civilmente
ineficazes, contra a verdade neles contida, e de atos civilmente válidos, de
conteúdo iníquo. Dizermos que a mudança se operou pela intervenção do
pretor constitui observação ou interpretação histórica. O pretor consagrou
exceções. Foi mesmo ao ponto de criar ações. Cedo verificou que isso não
bastava. Usou do seu imperium e acutilou os atos ou as suas consequências
perniciosas. Tal é o significado originário de restituere. Cientificamente, o
que se passava obedecia a uma lei sociológica (Tratado dos Testamentos, 1,
p. XI):

“Se examinarmos a evolução, que se operou, do formalismo romano


àmentalidade hodierna, veremos que se procedeu a uma verdadeira crítica
das funções das formas, sem qualquer preconcebida antipatia (pois que a
vida moderna criou formas novas), porém no sentido de apreciar a utilidade
social e individual do seu emprego. Daí um movimento que apenas
constitui, nesse domínio, a realização de uma das leis evolutivas do direito.
Tanto assim que, no apreciar as formas como processos técnicos, meios para
fins de segurança jurídica (se garantem, segurança para os que desejam
eficácia aos seus atos de vontade; se limitam, segurança para os outros), o
direito contemporâneo, como o dos séculos passados, ora atenua o
rigorismo da forma, como elemento, exterior e sensível, necessário ao ato
jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos quadros formais em que se
verta e se modele o querer dos homens”.
Primeiro, as decisões haviam de ser rescindidas pelo terceiro, pacificador;
depois, foi o príncipe que ex iusta causa concedeu a rescisão. Depois, foi
estendido tal poder aos prefeitos do Pretório, ao pretor, ao presidente, ao
procurador de César, aos mais magistrados, mas só quanto às suas decisões,
e não quanto às dos superiores. A restituição não se dava quando o dano
fosse mínimo. Os textos falam de tal exigência, sem que se deva exagerar o
limite. Naturalmente, ninguém poderia pretender restituição contra delito
que cometeu, ou contra ato em que. foi culpado da fraude. Nem, sequer,
contra julgamento proferido em virtude de juramento entre as partes, ou,
ainda, contra a prescrição de trinta, ou de quarenta anos, ou contra as
vendas feitas pelo Fisco. Não era exigência absolutá o ter existido lesão;
bastava correr-se o risco de sofrer prejuízo. O caso fortuito, esse, não podia
fundamentá-la. Além de tudo isso, era de mister a causa restitutionis, bem
como não haver “outro meio” de reparar ou de prevenir o dano. Eram
legitimados ativos o lesado e os seus sucessores per universitatem. Só o
seria o sucessor singular quando se lhe tivesse cedido tal direito. É ponto
que merece toda atenção: o direito de pedir a rescisão não está implícito na
situação jurídica firmada pela sentença rescindenda. Eram legitimados
passivos o interessado no ato lesivo e seus herdeiros; excepcionalmente,
contra terceiros. No caso de restituição contra renúncia à herança vacante
não era preciso dirigir-se contra pessoa determinada.

O pedido de restituição fazia manter-se o statu quo, a execução suspendia-


se, o que hoje de ordinário não se dá.’2’ O

efeito era o de se porem as coisas no estado em que se achavam antes do ato


contra o qual se obtivera a restituição.

Podiam pedir-se os frutos e as pertenças, restituindo-se o que se percebeu.


Então, como hoje, se não era necessário anular todo o ato, o juiz somente
cortava as consequências reprováveis: “...sed ad bonum et aequum
redigenda sunt”.

A princípio, a apreciação da causa restitutionis era deixada aos


magistrados. O edicto do pretor enumerava as seguintes iustae causae:
menoridade; violência; dolo e fraude; erro; mínima capitis deminutio do
devedor; ausência e outras causas análogas. Rescrito de Adriano permitiu-a
contra julgamento definitivo baseado em falsos testemunhos.

Mais tarde, contra o que se fundou em documentos falsos. No caso de


sentença proferida em virtude de juramento do autor, a aparição de novas
provas era causa para a ação. Nos casos de in rem actio, a restituição
pronunciava-se contra todos. Mas a L. 10, C., de rescindenda venditione, 4,
44, reconheceu que, com isso, se ofendiam os princípios. Dava-se o mesmo
quanto a outras restituições. Por exemplo, em matéria de direito de herança.
Pela natureza das coisas, podia a restituição aproveitar a terceiros.

A restituibilidade contra a sentença vem-nos do direito romano, onde havia


a restituição no direito processual penal (restitutio ex capite iustitiae, ao
lado da restituição por graça do príncipe, restitutio ex capite gratiae, cf. G.
A. K. von Kleinschrod, Systematische Entwicklung der Grundbegríffe und
Grundwahreiten des peinlichen Rechts; Parte II, 258) e no direito
processual civil.

(c) Não se pode pretender possuísse o direito romano sistema perfeito sobre
nulidade dos atos jurídicos de direito privado e de direito público. Certo é,
porém, que alguma coerência se lhe observa. Irritum fieri, ad irritum
revocare, rescindere não se confundem com nuílum esse. O rescindere e o
revocare (voluntatem, donationem, libertatem) concerniam à

121 Vd. o au. 489 e as respectivas notas de atualização.

A.destruibilidade, com certa diferença pelos efeitos in rem e ex tunc, por


parte daquele (Ludwig Mitteis, Romisches Privatrecht, 239), e ex nunc ou
simplesmente pessoais, por parte desse. As vezes revocare aparece em lugar
de rescindere, por imprecisão de linguagem.

Rescinde-se o que vaIe, rescindem-se as relações que o direito considera


serem e valerem não as que não são ou não valem, “non quae ipso iure nuila
sunt”. Rescinde-se, nos textos romanos, a aceitação, o contrato, a doação, a
própria liberdade, hoje irrescindível, como se fala de “rescindere
obligationem”, “rescindere placita”, “rescindere rem iudicatam”. “Verbum
rescindere aliquando generalius usurpatur etiam de iis actibus, qui ipso iure
nuíli sunt”, diz B. P.

Vicat (Vocabularium luris utriusque, IV, 179). Ora, nulidade; e causa de


decretação, mas há plus em relação à rescisão.

O nuílum do direito romano não existia (= inexistente). O nulo, no


pensamento jurídico posterior, existe, posto que alguns sistemas jurídicos e
juristas baralhem os conceitos. Se o ato jurídico é nulo, precisa ser
desconstituído, porque o nulo é; porque o nulo não produz efeitos, a relação
jurídica que se entende derivar dele não existe. A ação para se decretar a
nulidade é constitutiva negativa; a ação para se declarar a inexistência da
relação jurídica, que se pretende derivada do ato jurídico nulo, é
declarativa, razão para as confusões que pululam. Não há relação jurídica
nula nem direito nulo, nem pretensão nula, nem ação nula, como não há
relação jurídica anulável, nem direito anulável, nem pretensão anulável,
nem ação anulável. Nulo ou anulável ou rescindível é o ato jurídico,
inclusive o ato jurídico processual, como a sentença.

Havia a lição de H. de Cocceius e de outros, fundados em fontes romanas,


bem como nas Ordenações, para as quais a distinção entre atos nulos, ou
anuláveis, e rescindíveis era clara em muitos pontos. A cada instante, nos
tratadistas, se adverte: “Negotia alias iure valida”: “Quod fit rescisso
negotio, quo quippe iure civile valido”. As Ordenações Afonsinas, no Livro
III, Título 78, adotaram, como veremos, no traduzir a Constituição de
Alexandre, atitude inteligente e circunspecta.

Na L. 2 (Alexandre), C., quando provocare necesse non est, 7, 64, lê-se o


seguinte: “Si, cum iter te et aviam defuncti quaestio de successione esset,
iudex datus a praeside provinciae pronuntiavit potuisse defunctum et
minorem quattuordecim annis testamentum facere ac per hoc aviam
potiorem esse, sententiam eius contra tam manifesti iuris formam datam
nulías habere vires palam est et ideo in hac specie nec provocationis
auxilium necessarium fuit. Quod si, cum de aetate quaereretur, implesse
defunctum quartum decimum annum ac per hoc iure factum testamentum
pronuntiavit, nec provocasti aut post appellationem impletam causa
destitisti, rem iudicatam retractare non debes”.

Tirando-se em vernáculo: “Se, havendo entre ti e a avó do defunto questão


de sucessão, o juiz nomeado pelo presidente da Província decidiu que pode
o defunto, posto que menor de quatorze anos, fazer testamento e que, em
virtude dessa disposição, foi preferida a avó, notório é que sua sentença,
dada contra tão manifesto direito, nenhuma força tem, e portanto, nessa
espécie, não foi necessário o auxílio da apelação. Mas, se, questionando-se
sobre a idade (verificou que), o defunto havia completado os quatorze anos,
razão pela qual testou legalmente, e tu não apelaste, ou depois de preparada
a causa de apelação, desististe, não deves volver a discutir a coisa julgada”.

O texto de Alexandre fala de sentença dada contra a forma de direito


manifesto, contra tam man~festi iuris formam.

Não é só manifesto na espécie; quer-se o manifesto com direito objetivo


puro. É também de notar-se que se falou em

“rem iudicatum retractare”, o que se não deve fazer quando a infração do


juiz foi no facto, e não no campo do direito objetivo. Se pudesse ser, então,
proposta a rescisão por erro no fato, na apreciação da prova documental, a
violação seria do direito subjetivo, o que a lei de Alexandre não pretendia
resguardar.

As Ordenações Manuelinas transladaram, no Livro III, Título 60, § 20, a


Constituição de Alexandre (haurida das Ordenações Afonsinas),
precedendo-a de trechos estranhos a ela, até certo ponto incompatíveis.
Imitou-as a Ordenação Filipina do Livro III, Titulo 75, pr., e § 1 (quanto à
parte que precede o que corresponde à lei de Alexandre, já citada).

Em geral, para o direito relativo à rescisória, a doutrina era assaz


esclarecida, pelo influxo dos juristas de tantos povos.

O prazo para a ação rescisória não era sempre o mesmo. Na maioria dos
casos, um ano útil, que Justiniano dilatou para quatro anos contínuos.
Corria, não do dia do ato contra o qual se pedia restituição, mas daquela
data em que cessou a causa restitutionis. A restitutio contra rem iudicatam,
que se dava por falsos documentos (falsis instrumentis), acaba em trinta
anos; bem como no caso de nova instrumenta, por se tratar de lei civil.

O prazo para a propositura da ação sempre foi prazo preclusivo, tendo sido
o do annus utilis e, depois, o tempus continuum (em Roma e seus distritos
foi de cinco anos, L. 2, C. Th., de integri restitutione, e, 16, àdiferençadas
províncias). Quanto àprescritibilidade da restituição em modo de exceção,
F. C. von Savigny (System, VII, § 338, k) ficou sozinho (cf. J.F.L. Gõschen,
Grundriss zu Pandecten- Vorlesungen, 471; K. Buchel, Civilrechtliche
Erorterungen, 1, 8-81).

Seguir o desenvolvimento legislativo do direito português, desde o direito


do século XIII e as Ordenações Afonsinas no século XV (1446), que
consolidaram leis de séculos passados, até as Ordenações Filipinas, no
alvorar do século XVII, equivale a nos prepararmos para os problemas mais
delicados do instituto processual da rescisão de sentenças. O elemento
canônico foi diminuto, embora perceptível, em tal assunto, e dele falaremos
nos lugares devidos.

Nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 5, lê-se (textual): “Era
de mil trezentos e quarenta annos sete de Junho em Santarém per Vasquo
Pires Troyas, e perante Ruy Mendes, e Ruy Paes Bugualho, disse da parte
de ElRey aos suso ditos, que depois que o feito passasse per Supricaçam,
que nom parassem em elle mais mentes, ainda que lho dissessem da sua
parte, que o ouvissem de certa ciencia: salvo nos casos contheudos na Ley
sobre dita, ou se lho ElRey dissesse de certa ciencia, vendo ante o feito,
como dito que he na dita Ley”. A lei a que se referia era a de Afonso II
(1211-1223), documento assaz importante, que merece ser transcrito
(Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, Dos que pedem que lhes
revejam os feitos e Sentenças desembarguadas per os Juizes da
Suplicaçam):

“ElRey Dom Affonso o Segundo de Famoza Memoria em seu tempo fez


Ley em esta forma, que se segue. 1.
Cobiçando Nós poer em cima aas demandas, e nam cheguar demanda a
demandas, e que per esto ajam as demandas fim qual devem, Estabelecemos
que se alguum trover a nosso Juizo aquelle, que ouve demandado, depois da
Sentença dos nossos Juizes, querendo-lhe Nós fazer mercê, que lhe
conheçam d’erro alguum, se o hy houver, e depois for vencido, e achado,
que a Sentença, que guainhou a outra parte contra elIe, he boa, e qual devia,
por esto, por que constrangeo seu adversario como nom devia, se o
vencedor for Cavaleiro, ou Cleriguo Prelado da Igreja, o vencido seja
penado em dez maravedis d’ouro; e se for piam, ou Cleriguo nom Prelado,
seja penado em cinquo maravedis d’ouro”.

Após o texto de Afonso II, inseriu-se o de D. Diniz (24 de abril de 1302),


onde se diz: “aquelles, que contra elías vierem, e pedirem Juiz, ou perante
algum Juiz vierem per querelías revogar, que peitem a ElRey quinhentos
Soldos, e o dano, e perda aa parte, e nom seerem mais ouvidos, e as
Sentenças serem finnes: salvo se as Sentenças forem dadas por falsas
testemunhas, ou per falsos Estormentos, ou per falsas Cartas, ou per outra
maneira que a Sentença seja nenhuma. E Se alguma das partes tever
Voguado, ou Procurador, e esse Procurador, ou Voguado veer perante o
SobreJuiz, ou perante os Ouvidores, pera querer revoguar as Sentenças, que
assy forem confirmadas, que peite a sobredita pena, e a parte nam: salvo
ElRey primeiramente todo o feito, ou o mandar ver, e achar, que ha em elie
tal erro, que se deva de correger, entam mande que se corregua”.

As Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 3, deram a data de 1340,


mas é erro, pois D. Diniz já estava morto em 1325. No § 5, fala-se de junho:
foi julho.

Lê-se nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 108, § 6: “As quaes Leys
vistas per Nós, adendo e declarando em elías Dizemos que geralmente em
todo caso, sem fazendo defferença antre as pessoas, assy vencedores como
condenados, depois que os feitos forem desembarguados per sentença dos
nossos Juizes da Sopricaçam, nam sejam já mais revistos em nenhum cazo:
salvo se os condenados em elías alleguarem, e affirmarem, que foram dadas
per falsas provas, a saber, testemunhas falsas, ou Escripturas, declarando, e
especificando logo a especie da falsidade, segundo mais compridamente he
contheudo nas Ordenaçoens sobre elIo feitas, a saber, no Titulo Da Fee, que
se deve dar aos Estormentos publicos, e no Titulo Das provas, que se
devem fazer por Escripturas publicas, a qual falsidade nunqua fosse
aleguada até esse tempo em esses feitos, ou se foi aleguada nom foi
recebida; ou disserem que as ditas Sentenças foram dadas per Juizes
sobornados e peitados pera elIo; ou Nós per graça especial mandarmos
rever as ditas Sentenças, e processos donde sahiram, a qual revista será feita
nos ditos casos per nosso mandado especial, e doutra guisa nom”. No § 7:
“Pero que no cazo, honde os ditos condenados nom aleguarem falsidade de
testemunhas, ou Escripturas, ou sobornaçam de Juizes, mas somente
pedirem, que per graça especial e mercê lhe sejam os ditos feitos com as
Sentenças revistos, em tal cazo nom lhe seja outorguada sua petiçam, salvo
paguando primeiramente trinta escudos d’ouro do nosso cunho para a nossa
Chancelaria, e de hy pera cima, segundo a calidade do feito for, e dos Juizes
que esses feitos desembarguarem; e quando achado for, que esses
condenados em todo foram aggravados. Nós lhe mandaremos tornar os
ditos escudos, que assy ouverem paguados, e bem assy parte delles, se em
parte forem achados aggravados, e d’outra guisa nam lhe seram mais
tomados”.

Os §§ 6e7jásãodeAfonsoV.

Na Cúria do Rei, Tribunal da Corte, ou Tribunal da Casa do Rei, como se


designava, ainda no século XIV, o tribunal supremo, os sobrejuízes
decidiam, em segunda instância, as apelações interpostas das sentenças que
cada um deles proferira em primeira. Posto que um só o julgador,
encontram-se no século XIII as expressões habito consílio, havido conselho
(Disserta ções Cronológicas, III, parte II, 78, Sentença de 27 de maio de
1273). Já então razões que não tivessem sido deduzidas perante o sobrejuiz
permitiam novo recurso, que era o da “segunda apelação”, a “sobre-
apelação” dos alemães. A fonte devera ser a Lei única, C., ne liceat in una
eademque causa, 7, 70, que não permitia a suplicação contra a decisão do
prefeito do Pretório, se apenas confirmava a sentença de primeira instância.

Desde o começo do século XIV, houve juizes especiais para os recursos


supremos. Seriam os ouvidores das supricações ou da Supricaçam
(Estatuto de 6 de maio de 1306, Lei de 15 de novembro de 1310). É por
esse tempo que D. Diniz declara irrevogáveis as sentenças de que se não
apelou (Leis de 7 de julho de 1302, 24 de abril de 1307), conforme se vê
nas Ordenações Afonsinas, com a data de 24 de abril de 1340 (?), o que nos
parece confusão das duas datas anteriores, mais o erro do ano’. Julgada a
suplicação, não mais se conhecia do feito, ainda que da parte do rei
dissessem aos sobrejuízes que o ouvissem, salvo onde coubesse exceção
legal. A reforma de 1337 alterou o sistema. Julgariam sempre, nos feitos
cíveis, dois sobrejuizes letrados. Quando houvesse divergência, todos os
seis, por maioria. No caso de empate, o rei. O

Tribunal da Suprema Administração acompanhava-o nas viagens. A Lei de


7 de fevereiro de 1359 mostrou que se manteve o recurso da súplica contra
as sentenças dos sobrejuízes, com o pagamento prévio de vinte e cinco
libras. Os juizes discordantes eram “vencidos”, expunham o que pensavam,
e assinavam.

Analisando-se as três leis acima transcritas, verifica-se:

a)Por volta de 1217, havia certa possibilidade de se reabrirem as causas, ao


que Afonso II quis pôr cobro, obstando a tais demandas sobre demandas
(“per esto ajam fim qual devem”), e admitiu volver-se a discutir o caso
julgado, na hipótese de erro, “se o hy houver”, porém somente quando o rei
o permitisse: “querendo-lhe Nós fazer mercê”. Ainda assim, se perdia a
ação restitutória o autor que tal ousou contra cavaleiro ou clérigo prelado da
Igreja, teria pena de dez maravedis de ouro ou, se fosse peão ou clérigo não
prelado, cinco maravedis de ouro.

O sistema de antes era, portanto, o de haver sentenças nullae (=


inexistentes, no direito clássico e republicano romano), que podiam ser
“declaradas” nenhumas.

b) Um século depois, a Lei de D. Diniz (24 de abril de 1302) já supõe


poder-se pedir diretamente a revogação da sentença, porquanto se prevêem
as duas hipóteses: “pedirem ao Juiz” e irem “perante algum Juiz per
querelIas revogar”. Note-se que o plural usado (“querelías”) alude a
remédios distintos, à restituição e ao pleito de nulidade. A indicação é de
suma importância. Também o é a expressão “revogar” que lá está. Já
mostramos a diferença entre o nulluín esse e o revocare, assaz usado em
lugar de rescindere. Provavelmente os efeitos eram ex runc, o que toma o
revogar da lei de D. Diniz sinônimo perfeito de rescindir. Os casos
ordinários ou normais de rescisão eram os da falsa prova e todos os mais de
sentença nula, palavra com que se traduzia mal o “nuíla” latino. Existe,
porém, o caso extraordinário ou anonnal, quando o rei examinasse
pessoalmente “todo o feito”, ou mandasse a alguém que o examinasse,
decidindo haver erro e ordenando, em conseqUência, que tal erro se
corrigisse.

c) A Lei de 24 de abril de 1302 (?) parece dar a entender que o próprio rei
verificava o erro. Não temos dados para a afirmação. Todavia, é muito
provável. Ou ele remetia aos juizes somente para o que se denomina
rescissorium, ou, diante da aparência do julgado, sem o ter visto “todo”, ou
por ter confiado a outrem o exame, lhes delegava julgar nos dois iudicia.
Tais ordens não deviam estar cercadas de muitas formalidades e exigências
deforma. Talvez fossem, até, verbais, porquanto, em 1347, os juizes foram
prevenidos de não caberem os “recados”. Julgado o feito, a regra era não
mais ser discutido, não pararem nele “mais mentes”. Fosse como fosse, o
direito lusitano já se havia livrado, em 1217, pelo menos, do conceito
romano de “nuíla” = inexistentes. E o “nula” não era o “inexistente”, nem o
“nuíla”.

Ou a sentença existe, ou não existe. Se existe, ou é válida, ou não o é. Se


não é válida, é nula, porque não se tem, no sistema jurídico brasileiro, a
sentença anulável. Se é válida, ou é irrescindível, ou rescindível. Se ocorre
que se rescindiu sentença inexistente, cortou-se o nada. Se ocorre que se
rescindiu a sentença nula, desatendeu o juiz ao seu dever de primeiro
verificar se a sentença que existe é válida ou não.

d) A Ordenação Afonsina do Livro III, Título 78, começou por se referir à


distinção romana entre sentença existente e sentença inexistente, atingida de
nulidade e não atingida, usando das expressões “nenhuma” e “alguma”, sem
ser, como é fácil inferir-se, no sentido da divisão tripla ou quádrupla
(anulável, nula, inexistente; válida, anulável, nula, inexistente). Que se
recebia o direito romano sem grande adulteração, prova-o a expressão
“revogar” (“e com direita rezam pode ser revoguada”), expressão que as
Ordenações substituem. Afonso V examinou as leis referidas e, no sentido
da evolução social, mandou proceder-se com igualdade, isto é, “sem
fazendo deferença entre as pessoas, assy vencedores, como condenados”.
As palavras “nuíla” e “nenhuma”já haviam perdido o sentido de inexistente.

Mas a ambiguidade continuou, devido à heterogeneidade mesma das fontes:


nula, no sentido de inválida, e rescindível.

Teremos ensejo de ver que o emprego ambíguo perdurou, posto que o leitor
de hoje já sabia que nenhuma invalidade existe em se tratando de sentenças
apenas rescindíveis.

Os pressupostos eram os seguintes: a) falsa prova: “salvo se os condenados


em elías aleguarem, e affirmarem, que foram dadas per falsas provas, a
saber, testemunhas falsas ou Escripturas, declarando, e especificando logo a
especie da falsidade, segundo mais compridamente he conteudo nas
Ordenaçoens sobre ello feitas” (não importava ter sido alegada, ou não, a
falsidade); b) peita e suborno dos juizes (Ordenações Afonsinas, Livro III,
Tftulo 108, § 6, e Título 128); c) graça especial (Livro III, Título 108, § 7);
d) sem a parte ser citada; e) “contra outra Sentença jaa dada”;])

“per alguum preço, que o Juiz recebeu para a dar”; g) “falso acinte contra
alguum ausente”; h) “se eram muitos Juizes deleguados e alguuns delles
derão Sentenças sem outros” (Título 78, pr.); j) violação do direito
expresso. Aqui, Afonso V parece falar por conta própria, recebendo o
direito romano, porém, não só o direito romano (Titulo 78, pr.):

“Segundo fomos enformados, os Direitos fezeram deferença entre a


Sentença que he nenhuma per Direito, e aquella que he algumma, e com
direito rezam pode ser revoguada”. No § 2, caracterizou: “E aquela
Sentença he chamada per Direito alguuma, que pero nem seja dada
expressamente contra Direito, he dada contra direito da parte”, mas (pr.)
“aquella he nenhuuma per Direito... se foi dada contra Direito expresso, assi
como se o Juiz julguasse direita-mente que o menor de quatorze annos
podia fazer testamento, ou podia ser testemunha, ou outra coisa semelhante,
que seja contra Direito”. A matéria da falsa prova, peita e suborno do juiz,
pertencia à revista, nome com que às vezes também se denominava,
erradamente, a ação rescísoria.

Nos espíritos do século, como ainda no Código de 1939, art. 798, verbis
“Será nula”, a palavra “nula” aparece, mudado embora o conteúdo e em
choque com o conceito de nulo, no direito moderno. Tivemos ensejo, no
Tratado da Ação Rescisória e nos Comentários ao Código de Processo
Civil de 1939, de exprobrar o grave erro, e felizmente o Código de 1973
atendeu à nossa crítica. O art. 485 fala de “ser rescindida” a sentença.

e) As diferenças, nos textos posteriores, são poucas. Apenas a “revogação”


desapareceu, como se os revisores pretendessem levar às conseqUências
últimas a referência ao não passar em julgado. O texto filipino, que por
tanto tempo foi direito no Brasil, manteve, com simples retoques, os dizeres
das Ordenações anteriores. Dois problemas vinham de longe, devido à má
redação das regras jurídicas na parte expositiva: 1. j~A sentença rescindível
passa em julgado? As interpolações poderiam fazer crer nisso. II. <.,É
impreclusível a pretensão à rescisão ou à ação rescisória?

Também aqui se dava o mesmo: a alusão a não fazer coisa julgada e a


alegabilidade “em todo o tempo” aparentemente respondiam de modo
afirmativo às duas perguntas. A atitude da doutrina foi vacilante, mas,
depois, decisiva. Quanto à primeira questão, resolve-se por si mesma. Se a
sentença fosse nula ipso iure, não precisaria ser “revogada”, rescindida.
Ora, isso absolutamente não se dava.

Também pode ser que a desaparição da referência à revogação tenha sido


para se frisar que o fato não era de retirada da vox, que se tem na sentença,
mas de rescisão (rescisio). A terminologia de hoje justifica essa
interpretação do que se possam em vez dos conceitos de declaração de
inexistência, de decretação de nulidade, ou de invogação, pôs-se o mais
próprio, por traduzir melhor o que acontece, de rescisão. Quem rescinde,
corta, cinde, ainda, o que existe e vale, e não poderia ser revogado.

(De passagem, advirta-se que revogar, que é retirar a voz, e rescindir, cortar,
cindir, não são o mesmo, pois a revogação depende da revogabilidade da
declaração e a rescisão não depende: rescinde-se o irrevogável, se rescisão
cabe; e o revogável não precisa de ser rescindido, porque não havemos de
cogitar de cortar o nó que se pode, voluntariamente, desdar. Em todo o caso,
nesses textos reinícolas, em que o rei faz a lei e dita as sentenças, se
compreende a assimilação da rescisão à revogação. Tanto mais quanto uma
e outra supõem que a sentença ou ato exista e valha. A técnica, que se foi
apurando, exigiu linguagem mais precisa, e já hoje ninguém falaria de
“revogação de sentença judicial”, posto que haja casos de “reforma”, que a
revogações correspondem. A ação rescisória é para se rescindir, e não para
se revogar ou reformar sentença, nem, afortiori, para se “declarar”
inexistência. Cp. Irt. 527.) f) Para se reduzir a violação de “direito
expresso” (hoje dita violação “literal” da lei) a problema de simples
inspeção, ainda a antiga Corte de Apelação do Distrito Federal e o Supremo
Tribunal Federal, certa vez, recorreram ao Livro 1, Titulo 4, § 1, das
Ordenações Filipinas. E ponto que merece estudo, pelo absurdo que
envolveria. O § 1 citado dizia:

“Ao dito Chanceler”, referindo-se ao chanceler da Casa da Suplicação,


“pertence ver com boa diligência todas as Cartas e sentenças, que passarem
pelos Desembargadores da dita Casa, antes que as sele. E vendo pela
decisão da Carta, ou direito, sendo o dito erro expresso, per onde consta
pela mesma Carta, ou sentença, ser em si nula, a não selará, e por-lhe-á sua
glosa, e a levará àRelação, e falará com o Desembargador, ou
Desembargadores, que tal Carta, ou sentença passaram, E se entre o dito
Chanceler e Oficiais, que o tal desembargo assinaram, houver sobre a dita
glosa diferença, determinar-se-á perante o Regedor com os
Desembargadores, que para isso lhes parecerem necessários, e passará
como pela maior parte deles for determinado. E tanto que o dito Chanceler
propuser a glosa, se apartará, como se apartam os Desembargadores, que
nas tais sentenças e Cartas fora, e não será presente ao valor sobre ela, para
que os Desembargadores, que as houverem de determinar, o façam
livremente, como lhes parecer justiça. E isto haverá lugar, assim nas Cartas
e sentenças, que forem desembargadas em Relação, como nas que por um,
ou dois, ou mais passarem”.

A sentença que não é mais revogável nem reformâvel transitou,


formalmente, em julgado. A que ainda pode ser reformada, ou revogada,
não tem eficácia de coisa julgada formal. A ação rescisória consiste,
precisamente, em ação contra o julgado que já tem tal eficácia de coisa
julgada formal.

Citando-se os dois primeiros períodos, sem se aludir ao terceiro e último,


pretendia-se que a matéria do Título 75 do Livro III ficava a cargo do
chanceler. Nenhuma necessidade haveria de querelas e de ações: tratava-se
de simples inspeção, porquanto direito expresso era só o texto da lei e,
ainda mais, somente a lei clara. Não só envolvia isso desconhecimento das
origens dos textos afonsinos, manuelino e fihipino, como também das
funções do chanceler e dos outros trechos das Ordenações, que melhor
elucidariam . A sentença “em si nula” era a sentença nula ipso iure.

Também ela dependente do recurso ou da ação, como se vê.

Desde Afonso Henrique que aparece a figura do Chanceler (1142), com o


prestígio do estudo, “de graça e de justiça”, a que submetia as sentenças e
outros atos, quer assinados pelo rei, quer pelos desembargadores. Se
estavam eles com os requisitos legais, punha-lhes o selo. Se tinha dúvida,
expunha-as ao rei; se judiciário o negócio, à mesa da Relação a que o ato
pertencia e a que cabia resolver, funcionando, no caso de empate, as duas
mesas (Ordenações Afonsinas, Livro 1, Título 2, pr., e § § 1 e 2, e Título 10,
pr., e § 3). Nunca nos esqueça que dos despachos do Chanceler cabia
agravo para o Regedor, que o decidia na mesa principal. Não temos dúvida
quanto à grande autoridade do Chanceler e quanto à possibilidade de
recusar-se a ter como válidas certas sentenças. Não, porém, as só
dependentes de rescisão.

Recorramos às próprias Ordenações Afonsinas, onde se exemplificam os


casos (Livro 1, Titulo 2, § 1): “e nom asseelle as Cartas dajustiça, salvo se
forem em forma direita, a saber, presentes partes, e com salva, ou forem
dadas por stromento, que fosse tomado na terra perante os juizes...”. O
Chanceler “ca bem assi como o Capelíam he medianeiro antre Deos e Nós,
em feito de Nossa alma, bem assi ho he o Chanceller antre Nós e os
homees” (Título 2, pr.) julgava suspeições, porém não tinha a função de juiz
rescindente, que lhe quiseram atribuir, tantos séculos depois.

(No terreno da sociologia política, a aparição do Chanceler é extremamente


importante, e coincide com a reação política; cf. Democracia, Liberdade,
Igualdade; e Comentários ao C’ódigo de 1939, Tomo II, 215 s. Ainda
assim, o Chanceler português tinha poderes para não selar sentenças nulas
ipso iure não para decretar a nulidade ipso iure das que houvesse selado.)

Passemos à segunda questão. Francisco de Caídas Pereira e Jorge de


Cabedo eram propensos à interpretação literal.

Antônio da Gama deve ter sido o primeiro a corrigir a letra infeliz da lei.
Seguiu-se-lhe Álvaro Valasco. Depois Gabriel Pereira de Castro, ao
comentar o “em qualquer tempo” das Ordenações, põe-se ao lado de Alvaro
Valasco, refugando a interpretação literal (Decisiones, 356): “Sed puto
verius esse, quod ilia permissio non extendatur ultra 30

annos, quia illa verba: Em qualquer tempo, exponuntur, acsi dixisset,


semper; cuius vis ultra trigesimum annum non protenditur”. E assim se
venceu a onda romanizante.

Seguiu-os Manuel Gonçalves da Silva (Commentaria, III, 130), que


escreveu: “Quod procedit, etiamsi lex seu statutum dicat posse dici de
nuílitate omno tempore, prout dicitur in nostro textu”. Antes havia dito:

“tunc, si per viam actionis agatur, potest dici de nuílitate usque ad triginta
annos, quia tunc competit officium indicis nobile, quod eatenus durat,
quatenus durante reliquae actiones personales, videlicet triginta annis”. Era
a lição de 5.

Scaccia, de D. B. Altimaro e de outros, gentes de outros remos, onde outros


eram os prazos: “in quibus locis refert leges aliorum Regnorum, ubi minus
tempus requiritur”.

Pode parecer que, ao transformarem em nulidades que desaparecem, pela


ulterior irrescindibilidade das sentenças, as nulidades insanadas e insanáveis
do Título 78 (Afonsino), 60 (Manuelino) e 75 (Filipino), os jurisconsultos e
juizes dos séculos XVI, XVII e XVIII fizeram rescindíveis todas as
sentenças, e, pois, limitados a trinta anos os ataques a qualquer delas. Tal
erro só se espalha já na decadência dos estudos processualísticos
portugueses e brasileiros, nos séculos XIX e XX.

Quem quer que procure conhecer as categorias da sentença, quanto


àimpugnabilidade, há de atender a que a ação de nulidade se sobrepôs, em
grande parte, à nulidade-inexistência, do direito romano. A força formal de
coisa julgada traz consigo a sanação e impõe a atendibilidade da sentença,
de modo que só se pode desatender a sentença salvo o que resta de nulidade
ipso iure, cf. art. 741, 1 depois de ser julgada a ação constitutiva, negativa
dessa força formal, que é a ação rescisória. A própria nulidade ipso iure tem
de ser afirmada e provada para que se desatenda à sentença ponto em que a
necessidade de segurança jurídica alterou o tratamento das nulidades
àromana. Transformação semelhante, porém não idêntica, operou-se quanto
ao casamento e suas nulidades absolutas, que passaram a ter a mesma sorte
processual que as anulabilidades. (Na Sistemática, o assunto é submetido a
exame histórico-dogmático.) g) As Ordenações deixaram dois problemas
técnicos de legislação: o de se esclarecer quais as “infrações” que não
sobreviveriam ao prazo, então de trinta anos, para a ação rescisória; e o de
definir, em lei, o conteúdo do “direito expresso”. A inércia copiadora dos
legisladores deixou que se permanecesse no mesmo estado, aliás agravado,
a que as misturas exóticas de ius expressum e recurso extraordinário, à
norte-americana, levaram o conceito. Por outro lado, foi pemicioso o
influxo “literalizante” da Revolução francesa.

O Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, manteve, intacto, o dizer


“direito expresso”, sem se referir à matéria da coisa julgada. Constituiria,
certamente, melhoria. Nem se compreende, no tocante à contraditória
afirmativa de não passar em julgado a sentença rescindível, que fossem os
juristas e juizes buscar a textos, já desbastados pela doutrina do seu próprio
tempo, proposições equivocas.

No art. 680, o Reg. n. 737 definiu a sentença “nula”; no art. 681, disse quais
os meios para se chegar à “anulação”: “A sentença pode ser anulada”,
estatuía o dito art. 681, “por meio da apelação, por meio da revista, por
meio de embargos à execução, por meio da ação rescisória, não sendo a
sentença proferida em grau de revista”. Note-se a ambiguidade: anula,
anulável, ou rescindível?

(Os povos dificilmente se livram do prestígio de certas frases feitas. Uma


dessas, porque agradava às mediocridades, que assim se dispensavam do
estudo do direito processual, português e brasileiro das Ordenações e dos
praxistas, foi

“a obra-prima do Reg. n0 737”, decreto defeituoso, mal concebido, fácil,


por superficial, e eivado de graves fugidas às dificuldades científicas.)

Depois que o Decreto n. 763, de 19 de setembro de 1890, mandou aplicar


ao processo civil o Reg. n. 737, duas correntes se formaram: (1) O direito
das Ordenações continuou a ser o regulador da rescisória, em combinação
com o Reg. n. 737, de 1850, ainda quando, organizando a sua Justiça, o
Distrito Federal (Supremo Tribunal Federal, 10 de julho de 1915, a
propósito do Decreto n. 2.579, de 16 de agosto de 1897) e os Estados-
membros omitiam o regime dela. (II) o Decreto n. 763, de 1890, revogara,
em tais pontos, as Ordenações, como se poderiam revogar, e ao Decreto as
leis processuais federais e estaduais, dentro das linhas das respectivas
competências. Essa, que foi a atitude jurisprudencial da antiga Corte de
Apelação do Distrito Federal, representou a verdadeira interpretação dos
textos constitucionais em matéria legislativa no Estado federal.

Durante a República, começaram a aparecer alterações nas regras jurídicas


de competência e sobre os pressupostos objetivos da ação rescisória. A
unidade do processo veio, aliás, tirar-lhes o interesse. De regra, em vez da
usurpação de funções centrais, o que se observou foi acentuada
complacência diante das invasões da competência legislativa dos
Estadosmembros, por parte do legislador e da Justiça federais. Podemos
mesmo apontar caso em que o Supremo Tribunal Federal entrou na
apreciação rescindente do julgado da Justiça local, anulando-o, entre os
protestos de alguns ministros. Felizmente, mais tarde, a jurisprudência
firmou o princípio de só se poder rescindir a sentença perante a própria
Justiça que a proferiu. A Constituição de 1934 ultimou a evolução. Na
Constituição de 1946, os arts. 101, 1, k), e 104, 1, a) trataram da
competência para a rescisão dos acórdãos dos tribunais federais.

O problema da competência tem de ser posto no plano do direito das gentes


e no plano estatal.

a) Na ordem supra-estatal e interestatal domina, como princípio essencial, o


princípio da auto-rescisão das senten ças judiciais, isto é, sentenças do
Estado A somente podem ser rescindidas pelos juizes do Estado A.

Mais uma vez acentuemos: a) a declaração da inexistência da sentença pode


ser feita por decisão de qualquer juiz, em qualquer Estado, posto que só
haja eficácia declarativa no Estado em que foi dada tal decisão, ou naqueles
que importarem a eficácia; b) a decretação da nulidade, segundo o direito
do Estado, cujo juiz proferiu a sentença, pode ser feita por decisão de
qualquer juiz, se a lei daquele Estado não limitou a competência infra-
estatal, o que implica em vedar a decretação alhures; c) para a decretação da
rescisão só o juiz do Estado em que se proferiu a sentença tem competência;
d) a sentença proferida pelo juiz do Estado em que há duplicidade de Justiça
há de ser rescindida pela Justiça que a proferiu, salvo regra jurídica
constitucional em contrário.

b) Na ordem interna, se as sentenças de alguma entidade de direito interno


(Estados-membros, Províncias, União) somente podem ser rescindidas por
juizes da Justiça que as proferiu, depende da solução técnica que foi
adotada. Se a sentença de um juiz ou tribunal da justiça da unidade política
B somente pode ser rescindida pelo mesmo juiz, ou pelo mesmo tnbunal,
que a proferiu, ou se por tribunal superior ao tribunal prolator, ésolução
técnica que fica à legislatura.’22
A rescisão, pois que cinde a sentença válida, estabelece situação jurídica
que seria a existente, se não tivesse ocorrido a sentença ou despacho, que se
rescindiu. O conceito tanto apanha o ato judicial sentencial quanto o ato
judicial nãosentencial; portanto, tanto se refere ao art. 485 quanto ao art.
486.

Tem-se aqui a situação em que a competência ralo-me personae pode


determinar que a rescisória se julgue por tribunal diferente do que proferiu
o julgado rescindendo. Imagine-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal de
Justiça, que julgou procedente o pedido formulado na ação de um particular
contra uma sociedade de economia mista da União. Se a União intervém, na
ação rescisória, como assistente da sociedade autora, a competência se
desloca do Tribunal de Justiça para o Tribunal Regional Federal da mesma
região, pois só à Justiça Federal compete, em razào da pessoa, julgar as
causas em que a União for assistente, como se constrói com os arts. lO5, e
109, 1, da Constituição Federal. É erro supor que falte a um Tribunal
Regional Federal competência para rescindir acórdão de um Tribunal de
Justiça (ou vice-versa). Basta que se lembre de que o Poder Judiciário é um
só, nacional, não passando de divisão de natureza administrativa,
concernente á federação, a dicotomia entre justiça federal e justiça estadual.

É de mais alta importância saber-se que a rescindibilidade nada tem com a


não-existência (portanto, com a declarabilidade de não-existência), nem
com a não-eficácia (portanto, com a declarabilidade de não-eficácia), nem
com as decretações de invalidade (decretações de nulidade ou de anulação).
A parecença maior é com a revogação ou com a retratação, mas revocahio é
retirada da voz pelo que emitiu a voz (vox) e retratação é voltar atrás, o que
também supõe que retrate quem tratou. No conceito de rescisão não há de
modo nenhum essa identidade do agente positivo e do agente negativo. A
técnica legislativa tanto pode adotar que a sentença seja rescindida por juiz
ou tribunal de grau superior ao que proferiu a sentença rescindível, quanto
pelo próprio juiz ou tribunal que a proferiu.

No Brasil, os problemas b) têm sido versados, e a simpatia era pela auto-


rescisão, em quaisquer casos. A Constituição federal adotou-o para as
decisões dos tribunais federais. Nada estatuiu sobre a primeira instância,
porém é claro que, sendo eles competentes para o recurso e tendo ficado na
primeira instância o feito da sentença rescindenda, só em apelação podem
conhecer da ação rescisoria.

No mesmo sentido, com citação de texto nosso, a 1a Turma do Tribunal


Federal de Recursos, a 16 de julho de 1953

(D. da J. de 5 de junho de 1954).

3. Pressupostos objetivos da ação rescisória Se é certo que há pressupostos


da ação rescisória, que são ligados (porém não os mesmos) à ação cuja
sentença se quer rescindir, ressalta a diferença entre a apreciação de um
processo por outro processo e a apreciação interior dos fatos de um
processo por ele mesmo.

Vamos ao exemplo. O juiz ou o tribunal decidiu que a regra jurídica


invocada era cogente, e não dispositiva, razão por que desatendeu ao pacto
negocial em contrário que se invocara. Na ação rescisória afirma-se que a
regra jurídica é dispositiva e o pacto tinha de ser observado. No processo
em que se proferiu a sentença rescindenda decidiu-se a questão, afastando-
se o juiz, ou o tribunal, do direito expresso, ou literal, ou, melhor, existente.
A petição, na ação rescisória, parte da proposição seguinte: desatendendo
ao pacto, o juiz ou tribunal violou o sistema jurídico, porque só teria-de
incidir a regra jurídica se pacto não houvesse, e pacto houve (= a regra
jurídica é Texto escrito sob aConst. 67

com a Emenda n’ 1, de 69, cujo art. 122,1. só previa a competência do


extinto Tribunal Federal de Recursos para as ações rescisórias de seus
julgados, sem contemplar as rescisórias de sentenças dos juizes federais,
também não prevista no art. 125, que lhes definia a competência.
Entretanto, a Const. 88 é explícita, declarando caber aos tribunais regionais
federais o julgamento das ações rescisórias de julgados seus ou dos juizes
federais da região (art. 108, 1, b) ius dispositivum, e não ius cogens). O que
se aprecia na ação rescisória é a sentença rescindenda, ato jurídico
processual.
Os arts. 485 e 486 do Código são hoje sedes materiae da ação rescisória, no
tocante a seus pressupostos objetivos.

(a) Qualquer dos pressupostos objetivos basta para a rescisão. Derivam eles
(e aqui vão em ordem que nos parece a mais acertada): a) de fatos relativos
à pessoa do juiz; tais são os referentes a pressupostos subjetivos da ação
cuja sentença se quer rescindir: insuficiência de juizes prolatores, ou
incompetência absoluta deles, ou do único juiz que proferiu a sentença
rescindenda; impedimento ou prevaricação, ou concussão, ou corrupção; b)
de fatos de direito objetivo puro: violação do direito “literal disposição de
lei”, isto é, sentença rescindenda acoimada de ser contra ius in thesi; c) de
fato jurisdicional contraditório com outro fato jurisdicional: coisa julgada;
d) de fatos processuais, ou extraprocessuais, mas levados ao processo como
base de deliberação judicial para a sentença (falsa prova), se a falsidade foi
apurada em processo criminal, ou se provada na própria ação rescisória; e)
de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão
entre as partes, a fim de fraudar a lei;]) de, após a sentença, ter o autor
obtido documento novo, isto é, não constante dos autos, cuja existência
ignorava, ou de que não há podido usar, se tal documento seria bastante
para, só por si, ser-lhe favorável a sentença ou o acórdão; g) de haver
fundamento para se considerar nula, ou ineficaz, a confissão, a desistência,
ou a transação, em que se baseou a sentença, ou o acórdão; h) de ter havido
erro da sentença, ou do acordao, quanto a algum fato, se o erro resultou de
ato ou atos, ou de documento, ou de documentos, constantes da ~ Quanto a
h), o erro pode ter consistido em admissão de fato que não ocorreu (“fato
inexistente”), ou da inexistência de fato que havia ocorrido.

O art. 485 foi mais amplo e mais acertado na enumeração dos pressupostos
necessários do que o direito anterior (cp.

Código de 1939, art. 798). A insuficiência visível de juizes é causa de


nulidade.

Há tantas pretensões a rescindir quantas são as causas. No Código de


Processo Civil do Paraná havia regra jurídica absurda (art. 937): “A ação
rescisória não pode ser intentada, mais de uma vez, pela mesma pessoa,
com relação à mesma sentença, embora por motivos diversos”. <.,Quid
iuris, se

124 Escrevendo hoje, talvez Pontes de Miranda acrescentasse ao texto uma


letra i, na qual poria o caso de indenização, fixada na ação de
desapropriação, em quantia Ilagrarnemente superior ao preço de mercado
do bem desapropriado, como permite o parágrafo único do ~ 40 da Medida
Provisória n0

1.577-4, de 02.10.97, da qual tratarei adiante, sob o art. 485.

só depois se descobrisse o motivo, como na hipótese da prova falsa? A


justiça paranaense não poderia, com tal artigo inconsideradamente radical,
entender que se estancava a ação daquele que, antes, houvera intentado a
rescisão por incompetência ratione materiae de juízo ou ofensa ao direito
em tese, ou vice-versa. O texto do Código do Paraná foi repelido.

Os casos de rescisão, isto é, os pressupostos objetivos, são os da lei


processual da mesma justiça que proferiu a sentença. Nada têm que ver
com a lei processual ou material do Estado que dá o direito material,
público ou privado, a que se liga a “ação”, de cujo processo se quer
rescindir a sentença (plano internacional). Dentro do mesmo Estado (no
sentido próprio),os pressupostos objetivos são os da lei processual de cada
organização judiciária, sem que caiba inquirir-se se o direito material da
sentença rescindenda é estrangeiro, ou não. (Aliter, a ação do art. 486.) Com
a unidade do processo civil, só o Código os fixa.

(b) No plano internacional, é isso de grande importância, porque o


pressuposto objetivo pode ser diferente de um para outro Estado. No plano
intra-estatal, antes da lei una, o processo intentado no Distrito Federal e
noutra justiça brasileira podia obter sentenças idênticas em processo contra
dois individuos domiciliados numa e noutra região judiciária, podendo
haver rescindibilidade de uma e não-rescindibilidade de outra. Situação
lamentável.

a) A distinção entre direito material e direito processual vinha à balha. No


Brasil, as questões daí resultantes já eram dirimidas por método simplista: o
que a lei federal material (a que chamavam substantiva) insere em si
mesma, material se torna. O que resta é processual. Ora, na doutrina do
direito constitucional, seria aceitável (de legeferenda) que assim se
entendesse quanto à devolução da competência legislativa (legislador
central, legisladores locais); mas sem se pretender que um direito se
tornasse material porque viesse na lei federal, e processual porque se
deixasse aos Estados-membros. A questão de se saber se a ação rescisória é
ação nascida no direito material o que depende de se assentar qual é o
direito, o processual, o material, que gera a pretensão a rescindir foi, então,
levantada (nosso A Ação Rescisória, ia ed., 83-92). Na literatura alemã,
devido a ter sido, indistintamente, civil e processual o direito comum, ainda
houve quem a tivesse como instituto que o direito processual recebeu do
civil (G. W. Wetzell, System, 3~ ed.

669 s.); mas cedo (1880) se corrigiu o erro (Th. Schwalbach,


Wiederaufnahme des Verfabrens, Archiv flir die civilistische Praxis, 63, 135
s.).

O Supremo Tribunal Federal, em decisão de 19 de junho de 1915, entendeu


que o principio de não poder ser proferida a sentença, se outra,antes, já
decidira a questão, pertenceria ao direito material (a que chamou
substantivo); portanto, da competência exclusiva do legislador central. Isso
denotava completa falta de informação sobre a natureza do direito
processual. <A que se refere a ação rescisória? A sentenças. Se a ação
rescisória fosse de direito material, na aplicação do art. 178, § 10, VIII, do
Código Civil de 1916, tratar-se-ia de prescrição de pretensão nascida no
Código Civil e, como todos os prazos de prescrição, as causas suspensivas e
as interruptivas de direito material teriam de ser aplicadas no estrangeiro,
sempre que o direito brasileiro regesse a relação jurídica. Vice-versa, no
Brasil, ter-se-iam de rescindir sentenças nos prazos das legislações
estrangeiras, ~quando dominante fosse o direito de tais procedências! O
absurdo ressaltou. O direito foi uma das maiores criações do homo sapiens;
e leva consigo os sinais e qualidades do ser, com a atividade lógica,
raciocinante, que o criou.
A sentença é prestação, que o Estado faz, por seu órgão que é o juiz ou o
tribunal, porque, assumindo o monopólio da justiça, havia de admitir que
alguns senões das sentenças pesam mais do que o interesse em que as
decisões transitem formalmente em julgado. Toda a relação jurídica
processual, oriunda do exercício da pretensão à tutela jurídica (por parte do
autor e por parte do réu), se rege pelo direito processual, pois do exercício
nasceu a pretensão à prestação.

Estava-se no plano pré-processual e entrou-se no plano processual. O


ataque ao ato de prestação é de ordem processual, quer haja nulidade da
sentença, quer haja, apenas, rescindibilidade. Tudo, desde a prática de
qualquer ato processual que dê causa a rescisão, inclusive a sentença, que o
aprecia, até a “ação” rescisória, é processual. No intervalo entre a sentença
rescindenda e a petição de rescisão há a pretensão à tutela jurídica pela
atividade rescindente do Estado, o que explica poderem ser propostas ações
rescisórias sem que venham a ser acolhidos os pedidos.

No Projeto primitivo do Código Civil não havia referência à ação rescisória.


Aconteceu o mesmo com o Projeto revisto e, mais tarde, com o que saiu da
Câmara dos Deputados. No Senado, Rui Barbosa apresentou a emenda
aditiva n0 187 ao então art. 182, § 10: “o direito de propor ação rescisória
de sentença de última (?) instância”. Era um golpe, se não desconhecimento
do instituto, posto que lhe parecesse “dispensável” a justificação. Além
disso, a parte final

“de sentença de última instância” teria as consequências mais


extravagantes, como a de não haver rescisória de sentença de primeira ou de
segunda instância, quando houvesse duas ou três. A Lei n0 3.725, de 15 de
janeiro de 1919, suprimiu tais dizeres. Quais as razões de inserir o atual
inciso VIII, não as deu Rui Barbosa. Evidentemente acreditou se tratasse de
direito material, sobre o qual nunca teve idéias

precisas. De lege lata, o prazo para a ação que tem por fito rescindir
sentenças está no Código Civil, arbitrariamente
“feito direito civil”. Resta saber o que é que daí praticamente resultou, antes
de se unificar o processo. Note-se, de antemão, que se falou em ação
rescisória, como se existisse conceito a priori de ação rescisória. Nenhum
ponto de referência para se saber o que fosse suscetível de rescisão, quais as
sentenças rescindíveis e as causae restitutionis.

Duas atitudes possíveis: a) aceitarem-se como integrantes do conceito de


ação rescisória os casos apontados pelas Ordenações e pelo Reg. n0 737,
arts. 680, 681, por força dos Decretos n0 9.549 de 23 de janeiro de 1886,
art. 62; e n0

763, de 19 de setembro de 1890; b) reputar-se “materializada” somente a


regra de processo sobre a “prescrição” da pretensão (!).

b) A primeira solução teria as seguintes consequências: os legisladores


locais não poderiam aumentar nem diminuir os casos de rescindibilidade
das sentenças o que em 1850 se fixou seria intangível, imodificável; às leis
e aos Códigos de Processo Civil somente se permitiria regular a parte de
movimento judicial pressupostos e princípios informadores pertenceriam,
todos, à legislatura federal. Seria regressão ao tempo em que se procurou,
na Europa, re-romanizar o direito, identificando-se sentença e negócio
jurídico privado.

A segunda implicaria dar-se liberdade aos legisladores locais quanto a


determinarem quais as sentenças “rescindíveis”, aumentando ou diminuindo
os casos por bem dizer clássicos de revisão. Ficariam de pé duas questões.
Se algum Estado considerasse todas as sentenças irrescindíveis, ~,valeria a
sua lei? Se o Estado-membro tornasse rescindíveis, portanto suscetíveis de
serem; mais tarde, por se não haver proposto, então, no qúinquênio,’25 o
remédio rescisório, tidas por inatacáveis, sentenças inexistentes ou por sua
natureza nulas ipso iure, seria de respeitar-se a sua lei? A segunda solução
foi a que se adaptou às boas normas de interpretação, a que livrou o Código
Civil de se divorciar da ciência jurídica. As duas questões acima referidas
foram tratadas em nosso A Ação Rescisória, 1a ed., 1934 (87-9 1), e têm
hoje valor apenas teórico.
Porém os conceitos de existência, validade, eficácia e rescindibilidade não
dependem do direito positivo. O direito constitucional brasileiro supunha-
os, e supõe-os;126 de modo que os Estados-membros, ao tempo da
pluralidade legislativa processual, poderiam dizer quais as causas de
resci125 Era de cinco anos o prazo da ação rescisória (Código Civil, au.
178, ~ lO, VIII), reduzido para dois anos pelo an. 495 do CPC e aumentado
para quatro anos, quando autores da ação a União, os estados, o Distrito
Federal, os municípios, autarquias e fundaçóes instituidas pelo poder
público, conforme o art. 40 da Medida Provisória n0 1.577-4, de 02.10.97.
v~. o comentário ao art. 495.

126 A enclise, incabível aqui, terá decorrido de manifesto cochilo de


revisão.são das sentenças, mas sem caírem nas contradições: “rescisão de
sentenças inexistentes”, “rescisão de sentenças nulas ipso iure” etc. Hoje,
o que a Constituição, antes e agora, considera rescindível é, também, e
apenas, a sentença existente e não nula ipso iure, mas atacável.

A emenda de Rui Barbosa, em meia linha, continha dois erros: o de


considerar de direito material os conceitos de ação rescisória de sentença,
sem lhe apontar, o que agravou o erro, os pressupostos objetivos; o de
considerar prescripcional o prazo para a propositura da ação rescisória,
prazo que é, e sempre foi, em boa técnica, preclusivo. Tivemos de esperar
anos para que os tribunais se livrassem da interpretação literal.

Em todos os nossos livros em que ferimos o assunto, profligamos,


energicamente, o erro de Rui Barbosa, até que no plano da jurisprudência
nos atenderam e, agora, no Código de 1973, a correção foi completa:
inseriu-se no art. 495 a regra jurídica sobre prazo preclusivo, de modo que
foi posto fora o que estava no Código Civil, lugar absolutamente impróprio.

c) O conceito de rescindibilidade depende, conforme dissemos, do direito


processual civil do Estado em que se proferiu a sentença. Sentença de
Estado estrangeiro deixa-se de cumprir, por não se lhe importar a eficácia,
uma vez que não pode ser homologada, e de homologação precisaria, ou se
cumpre, como se há de cumprir a posterior sentença que a rescinda. Então,
a eficácia que se importa é a eficácia da sentença rescindente e tal eficácia
rescinde a sentença estrangeira cumprida, ou homologada e ainda não
cumprida.

Em direito intertemporal processual, somente é sentença (existência), ou


somente vale, a que a nova lei (até ao tempo do trânsito em julgado)
considera como tal (Th. Schwalbach, Die Prozessvoraussetzungen im
Reichszivilprocess,Archivfllrdie civilistische Praxis, 63,404). A lei que
regula o cabimento da ação rescisória é a do tempo da propositura, salvo: a)
se a lei não vale, constitucionalmente; b) se a lei tem outros limites de
tempo, segundo a regra de direito intertemporal. A lei nova até ao tempo do
trânsito em julgado pode dizer: iudicatum non esse. Salvo sanatória
especial, as sentenças nulas e as sentenças inexistentes não convalescem.

(c) Nos casos apontados pela lei processual, a pessoa, que foi parte na
relação jurídica processual, ou que a uma das partes se equipare, fica
autorizada a ir ajuizo propor a ação rescisória. E caso particular do direito
público subjetivo de ir ajuizo; donde a diferenciação a que se deve
proceder:

a) O direito público subjetivo de ir a juízo e pedir a prestação jurisdicional,


que independe do direito material subjetivo que se invoca. Direito público
material, porque a ação é conceito de direito material, aí público. A
pretensão, que a ele se liga, de direito pré-processual é a pretensão à
prestação jurisdicional, à sentença.

b) A pretensão processual, que nasce do exercício da pretensão à tutela


jurídica: ai, o Estado não prometeu, apenas, a prestação jurisdicional; deve-
a, está obrigado a ela, porque a pretensão à tutela jurídica já foi exercida
pelo estabelecimento da relação jurídica processual.

c) A pretensão a exigir qtíe se rescinda a sentença, pretensão de direito


público.

A execução ou qualquer ato voluntário que constitua execução por parte do


vencido, futuro autor da ação rescisória, não obsta ao direito de ação. Pode
ser exercida tal faculdade e usado o remédio jurídico processual, ainda que,
em vez da execução compulsória, se haja procedido à execução voluntária,
em qualquer das suas formas.

Exercida a pretensão à rescisão e rescindida a sentença, ultima-se o juízo


rescindente. O julgamento do juízo rescisório, cujo processo de regra se
abriu simultaneamente, porém não sempre, nada tem com essa pretensão à
rescisão: já o julgamento encontra desfeita a sentença, e julga no processo
que antes se fizera, ou, em certos casos, o refaz. O pedido contém, de
ordinário, dois pedidos, o de rescindir a sentença e o de rejulgar
(rescissonum); mas nada obsta a que se separem (28 Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 9 de janeiro de 1942, R. F., 91,
191).127 O autor não está inibido se pedir somente o ofício rescindente, se
possível; posto que se haja de supor, na dúvida, que pediu os dois.’28

Temos, pois: a) A sentença, na ação rescisória, quanto ao juízo rescindente,


rompe, cinde a sentença: havia sentença; não há mais. Toda a eficácia, que
não depende de novas decisões, se opera. O que depende de nova decisão é
do juízo rescisório, que pode satisfazer-se com a prova feita no processo em
que se proferiu a sentença rescindenda, ou substitui-la pelo que se acolheu
no juízo rescindente, ou foi produzido segundo os princípios.

O juízo rescindente é que o marca. b) Se não houve pedido de rescisório, ou


a sentença rescindente o exaure, ou com o julgado se pede o rescisório. A
cumulação faz competente para o rescisório o juiz ou tribunal do juízo
rescindente.

Errada a afirmação do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 4 de


novembro de 1942 (A. J., 65, 478), de que se tenham de separar e de que as
competências necessariamente sejam diferentes. Se a decisão rescin127 A
cumulação dos dois juízos, rescindente e rescisório, é obrigatória, conforme
o au. 488, 1, do CPC.

128 vd. anota 127. Se acumulação é obrigatória, não cabe a suposição do


texto, de resto incompatível com o princípio dispositivo <CPC, aus. 20.
128) e com o direito de ampla defesa (Const. 88, au. 50, Lv), porque o réu
não saberia nem se deve se defender do pedido rescisório nem contra que
pedido deveria apresentar defesa.

dida não admitiu, ou não conheceu do recurso, e a sentença na ação


rescisória entende que foi violada a lei processual, aí sim, como em outros
casos, a matéria restrita do juízo rescindente importa em se cumprir a
sentença rescindente com a ida dos autos ao juízo que não admitira o
recurso, ou ao juízo do recurso. Certo, o acórdão das Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 3 de dezembro de
1942 (D. da J. de 8 de fevereiro de 1943, 471).

Por vezes, o juízo rescindente é exaustivo. Se a decisão que rescinde a


sentença apanha toda a petição inicial, como se diz que a nota promissória,
que foi fundamento da condenação, é falsa, ou não tem os requisitos da nota
promissória, a proposição mesma que rescinde indefere o pedido de
condenação. A sentença rescindente que acolhe alegação de preclusão ou de
prescrição indefere, igualmente, o pedido de constituição, de condenação,
de mandamento ou de execução. Há, portanto, rescisório implícito.

A exaustividade, quanto a um ponto da sentença rescindente, não impede


que, nos outros pontos, a sentença rescindente não exaura a relação jurídica
processual.

Se a rescisão não exaure a relação jurídica processual, tem-se de julgar o


processo em que se proferiu a sentença rescindenda.

Sempre que a atividade rescindente se circunscreve à sentença rescindenda,


tem o julgado de substituir o outro.

Portanto, há exaustividade. Se, porém, a substituição da sentença deixa


decisão anterior, tal decisão anterior é tratada como se a decisão rescindida,
posterior, não tivesse existido. Por exemplo: a) a sentença rescindenda foi o
acórdão do tribunal que não considerou apelável, ou agravável, ou
suscetível de outro recurso a decisão anterior; b) a sentença rescindenda foi
o acórdão do tribunal que deu provimento à apelação, ou ao agravo, ou a
outro recurso. Na espécie a), a rescisão tem a consequência de permitir o
recurso, que sobe ao tribunal próprio. Na espécie b), a decisão rescindente
ou tem o efeito de negar a recorribilidade, e então transitou em julgado a
sentença de que se apelou, ou se agravou, ou, em geral, se recorreu, ou
altera o julgado rescindendo, o que normalmente contém, implícito, o
rescisório.

À ação rescisória não importa se a sentença já está a produzir a sua eficácia,


ou não, se já a produziu, oujá se iniciou outra ação que seja efeito dela (e.
g., se já se propôs a execução, Supremo Tribunal Federal, 13 de Exemplo
remanescente dos comentarios ao CPC de 1939, onde a nota promissória
não era título executivo, porém condição da ação executiva, de natureza
cognitiva, apesar do nome.

janeiro de 1943, D. da J. de 26 de agosto, 3418; R. F., 95, 577, ou já se


ultimou). O que importa é que já haja coisa julgada formal. A ação
rescisória ataca-a. No acórdão das Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de
Apelação de São Paulo, de 30 de janeiro de 1941 (R. de D., 144, 70), foi
dito que: a) a decisão proferida em processo de inventário é atacável por
ação rescisória , b) quando a questão resolvida se tornou contenciosa pela
discussão surgi dano processo.

A proposição a) é verdadeira; a restrição proporcional b) não no é. Não se


precisa de discussão para que haja decisão.

O que o acórdão poderia ter acrescentado seria: “salvo se a decisão foi


apenas mencionante de ato jurídico das partes”.

O acórdão tinha de examinar, preliminarmente, se a decisão de que


setratava tinha eficácia de coisa julgada formal; depois, se entrava na
classe•das sentenças que são rescindíveis, segundo os textos do Código, ou
se somente rescindíveis com base no art. 486. Respondido que transitara
,formalmente, em julgado: ou há decisão que se rescinde por um dos
pressupostos objetivos do art. 485, ou se tratava de ato processual não-
sentencial, que entra na classe dos atos a que se refere o art. 486, ou de
decisão simplesmente homologatória.• d) A ação rescisória, que cabe nos
casos fixados pela lei; “ação de direito público”, como existem as ações de
direito civil. (Não se confunda com as ações públicas, em contraposição às
ações privadas, de que se compõe a doutrina das ações criminais, porque
tanto as ações públicascriminais quanto as ações privadas criminais são de
direito público.) e) O remédio jurídico processual da rescisória, que é a
figura processual, com os seus pormenores formais, a sua particularidade
em relação aos outros remédios jurídicos processuais, e a sua
inconfundibilidade com os “recursos”.

Não é essencial à ação rescisória produzir-se perante o juiz da primeira


instância e subir ao tribunal, que proferiu a última sentença, ou outro,
superior a ele; nem ter prazo longo, porque a maior ou menor extensão dos
prazos para a propositura não faz ser ação (no sentido de “remédio”), ou
recurso, o expediente ou instrumento processual (Wilhelm Kisch, Beitrage,
181; A Schoetensack, Uber Rechtsmittel u. Wiederaufnahmeklagen,
Festschríftflir Hugo vou Burckhard, 264). Mais: também noutros países as
causas, ou, pelo menos, algumas das causas ordinariamente aceitas como
fundamento de rescisão, permitem remédios, e não só recursos. Na tradição
luso-brasileira, vinda dos primeiros séculos do milênio, é a de ser ação e
não recurso a rescisão, tanto mais quanto rescisão de julgado, em recurso,
seria, evidentemente, contradição.

DA AÇÃO RESCISÓRIA

A ação rescisória é constitutiva negativa, como a ação de revisão criminal:


tende à eliminação da sentença que passou em julgado; é ação para destruir
a coisa julgada formal das sentenças proferidas. Não se fala de destruição
da coisa julgada material; porque há rescisão de sentenças que não têm
força nem efeito de coisa julgada material. Por outro lado, a

eficácia da nova sentença ou (1) é negativa, total ou parcial, da eficácia da


antiga sentença que acolheu o pedido, ou apenas repele o pedido de
rescisão; ou (2) é negativa, total ou parcial, da eficácia da antiga sentença
que não acolheu o pedido, e pode ter eficácia a mais do que a força
constitutiva, ou apenas repelir o pedido de rescisão. A questão de
classificação somente encontraria dificuldades no caso (2); porém o
elemento prevalecente é o constitutivo negativo.
Se a nova sentença declara, desconstitui (ou constitui positivamente, e. g.,
sentença rescindente que, no rescisório, decreta a nulidade do casamento),
condena, manda ou executa, é que o rescisório se enche desse elemento
próprio.

Esse é ponto extremamente importante. O juízo rescindente e ojuízo


rescisório são distintos, conceptualmente, porque tal distinção resulta da
natureza das coisas, dos fatos. Qualquer exame não-superficial do que é, na
realidade, processual, a ação rescisória mostra, crucialmente, que rescindir
a sentença não é decidir a matéria que fora por ela julgada. Se o legislador
funde as duas decisões, de natureza diferente, em verdade continua de ver-
se a fusão, porque, ainda quando a sentença no juízo rescisório seja
constitutiva negativa, não no é da sentença, como o é a que se profere no
juízo rescindente.

Quando a sentença já foi executada, ou a) porque era sentença executiva, ou


b) com eficácia imediata executiva, ou porque c) sobreveio, em virtude da
carga 3 de eficácia executiva, ação de execução de sentença, a rescisão da
sentença apanha, ali, a própria execução, ou torna sem causa qualquer
enriquecimento. E conveniente que o autor da ação rescisória, prevendo
demora no julgamento da ação rescisória da sentença, ou outro
inconveniente, junte o pedido de rescisão de qualquer sentença ou ato
processual rescindível praticado no processo de execução de sentença.

Afirmação evidentemente atrelada ao CPC anterior, cujo art. 798. capur,


não distinguia entre sentenças terminativas e definitivas. No Código atual, o
caput do art. 485 não deixa dúvida: só a sentença de ,nériro, geradora da
coisa julgada material, pode ser rescindida; não a terminativa. Volto a este
assunto sob o art. 485, como também faz Pontes de Miranda. O
comentarista sustenta que se deve interpretar o caput desse artigo com
abstração da palavra rné,-jÊo, em ordem a se admitir a ação rescisória
também de sentença terminativa, de extinção do processo sem julgamento
do mérito (an. 267).

(d) Das Ordenações Filipinas, Livro III, Tftulo 75, pr., e Título 87, * 1,
tiravam os juristas que a sentença dada com falsa causa era suscetível de
rescisão. Lição de 5. Scaccia, do Cardeal de Luca, de D. B. Altimaro e dos
portugueses Francisco de Caídas, Antônio da Gama, Manuel ÃlyaresPêgas
e outros (cf. Manuel Gonçalves da Silva, Cominentaria, III, 134 e 144;
Agostinho de Bem Ferreira, Suma da Instituta, 1, 27). Algumas vacilações,
casuisticamente expressas em exceções sutis, provinham de impreciso
conceito da falsa causa; mas nenhum deles incidia na ameaça terrível de
crer irrescindíveis as sentenças proferidas nos casos típicos de falsa causa.
A tendência das novas leis brasileiras de processo já eram para omitir a
falsa causa como pressuposto à parte. Não havia inconveniente prático,
desde que, ocorrendo um dos casos, o juiz a entendesse subsumida na
violação do direito em tese ou no pressuposto da falsa prova. Alguns
juristas achavam que não estava certo porquanto, muitas vezes, a falsa
causa não se enquadra em nenhum deles, devendo proceder-se à verificação
in hypothesi. No exemplo do testamento revocatório ou infirmatório, que
depois se achou, nem a prova foi falsa, nem se infringiu direito in thesi,
posto que sentença existia, haja passado em julgado e precise,
evidentemente, de ser rescindida. O Código do Processo do Paraná referia-
se, explicitamente (art. 933, 6), à falsa causa. Assim devíamos assentar que
a falsa causa permitia a rescisão quando o juiz não julgaria do modo por
que julgou, se objetiva ou subjetivamente tivesse reconhecido ou conhecido
a causa verdadeira.

Aparecendo novo testamento, rescindir-se-ia a sentença que se firmou no


revogado ou infirmado, porque o juiz, se dele tivesse ciência, não julgaria
como aconteceu julgar. Vindo-se a saber que os contratantes eram
brasileiros, domiciliados no Brasil, caberia rescisão da sentença que aplicou
a lei estrangeira, por falsa causa. Dir-se-á que houve violação do direito
expresso. Seria enganarmo-nos a nós mesmos ocultar o pressuposto
autônomo que se interpõe entre o julgado rescindendo e a violação,
mediata, do direito expresso. Não é certo que o juiz havia violado o direito
in thesi. Com os fatos da causa e o conhecimento, talvez perfeito, da lei,
concluiu pela aplicação dessa, sem ofender o direito objetivo invocado
pelas partes e único, então, que poderia aplicar. Alguma prova foi falsa (=
não verdadeira).
Posteriormente, já depois de entregue a prestação jurisdicional, é que se
vem a saber da causa verdadeira. Impor-se-ia a rescisão: houve a falsa
causa, inconfundível com a ofensa ao direito subjetivo da parte, e de tal
falsa causa é que resulta, já em segundo plano, que é o plano
conseqUencial, a violação do direito subjetivo.

Se fossemos considerar como de ofensa ao direito in thesi todos os casos


em que tal ofensa resulta dos verdadeiros fatos responsáveis pela rescisão,
só haveria pressuposto para o ingresso procedente no juiz rescindente: a
violação do direito expresso. Porque ojuiz incompetente violou tal direito; o
julgar com falta, ou defeito da parte, violação também seria; não no seriam
menos a decisão contra coisa julgada, contra o outro caso de erro, que é a
falsa prova, e a dada em processo nulo. Repare-se, porém, que, em todos
eles, como na hipótese da falsa causa, a infração do direito expresso não é
um prius: consegue, depende, resulta da falsa causa.

Se a sentença fosse proferida ex pluribus causis, das quais uma só


verdadeira, válida seria, pois que uma só causa bastaria (D. B. Altimaro,
Tracíatus, II, 449); “si vero sententia feratum ex pluribus causis, quarum
una fit vera, alie falsa, valida est sententia una existente vera”. Não, se,
havendo muitas causas, só numa se apoiou. Sim, ainda que se não referisse
a nenhuma explicitamente e apenas houvesse “considerado o que dos autos
consta”, como Graciano e o Cardeal de Luca explicavam.

Era preciso que o erro da causa fosse irrecusável. Se, por exemplo, o erro
consistiu em considerar empréstimo o que foi locação, mas a solução seria a
mesma, não seria violação de direito expresso, nem a falsa causa, na
espécie, bastaria; salvo se as consequências fossem diversas. Disso trataram
Bertoldo e 5. Scaccia.

Aliás, não era preciso que a sentença, direta e expressamente, se referisse à


causa. Uma vez que, no decidir, numa causa se apoiou o juiz, que era falsa,
o pressuposto surgiria. Não assim se dada generaliter ei enuntiative, sem
que se pudesse apurar qual a causa a que se referiu. É a espécie a que se
reportaram os velhos jurisconsultos (D. B. Altimaro, Tractatus, II, 449;
Manuel Gonçalves da Silva, Comentaria, III, 140), na qual o juiz diz Vis
actis, quia consíat, etc., depois prevista por algumas leis processuais.
Como, todavia, nem sequer se dá verdadeira omissão de fundamento, que
constitua nulidade formal da sentença, era de firma-se o seguinte: a) se
nenhuma das causas poderia ser verdadeira, dar-se-ia a rescisão; b) se
qualquer das causas obrigaria a julgamento diferente, também se formaria o
pressuposto; c) se a causa única, em que se poderia basear o julgado, é
falsa, impor-se-ia o remédio rescindente.

Com a regra jurídica do Código de 1973, art. 485, VII, tem-se a ação
rescisória da sentença sempre que, depois do seu proferimento, o autor
obtém documento cuja existência ele ignorava, ou de que não podia usar, se
tal elemento seria suficiente para lhe assegurar pronunciamento favorável.
Temos porém de atender a que, além disso, há sentenças em que se supõe,
em princípio, que não há outro documento, e o direito que se exerceu ou
declarou somente poderia ser alegado (só existiria) se outro não houvesse.
Vamos a exemplos. Em se tratando de achada do testamento, ou de novo
testamento, a ação, que cabe, após o cumpra-se, é a ação de petição de
herança.

Toda sentença que diz ser herdeiro B somente tem eficácia se testamento
não apareceu em que se pré-exclua, no todo ou em ‘parte, a B, ou se o
herdeiro A não se apresentar, com provas, em ação adequada, que o
apontem como excludente de B, no todo ou em parte.

Se foi posto cumpra-se a testamento e foi executado ou ainda não foi


executado, o aparecimento de novo testamento, que obtém o cumpra-se,
retira o mandamento concernente ao testamento anterior. Se, na execução
do testamento, houve alguma sentença, que atribuiu diferentemente bens da
herança, tal decisão ou entrega foi em virtude do cumpra-se ao testamento
anterior e cabe a ação de enriquecimento injustificado. Sempre que a
sentença é sentença que supõe anterioridade ou posterioridade de alguma
causa, a aparição de documento ou registro que negue a afirmação toma
ineficaz a decisão anterior. O prazo de dois anos que se estabeleceu no art.
495 não se refere ao que acima dissemos, porque se trata de prazo
preclusivo de direito processual quando haja necessidade de propositura da
ação rescisória.
~,Como se há de considerar o caso da sentença que julgou domiciliada no
Brasil a pessoa cuja lei pessoal seria de aplicar-se e tal pessoa não era
domiciliada no Brasil, ou vice-versa? Posteriormente, descobre-se a
falsidade da declaração de domicilio ou do documento apresentado. O
fundamento para a rescisão somente pode ser o do ari. 485, VI, ou VII.

4. Ação contra a coisa julgada formal (a) Em quase todos os povos a ação
rescisória é ação, qualquer que seja o nome que se lhe dê, qualquer que seja
a veste processual sob que apareça, se a lei lhe confere o caráter de ir
contra a coisa julgada formal. Ainda que tivesse o nome, não seria ação
rescisória, se as sentenças contra as quais dela se pudesse usar fossem
sentenças ainda não passadas em julgado. Quando as Ordenações Filipinas,
Livro III, Título 75, pr., estatuiam que “a sentença, que é por direito
nenhuma, nunca passa em coisa julgada, mas em todo tempo se pode opor
contra ela que é nenhuma e de nenhum efeito e, portanto, não é necessário
dela ser apelado”, ou não se referia às rescindíveis, mas às existentes e às
nulas ipso iure (hipótese a se pôr de parte) ou era “alusiva” ao prazo de
trinta anos para a ação rescisória. Não há sair-se do dilema. Admitindo-se
que fosse o primeiro o pensamento do velho direito luso-brasileiro, não
seria à altura da ciência jurídica do seu tempo, menos ainda de hoje. A ação
rescisória supóe a sentença que passou em julgado, isto é, de que não cabe
a recurso. Aparentemente, haveria contradição entre tal concepção e o caso
das rescisórias cujas sentenças rescindendas foram contra o principio de não
se poder decidir matéria idêntica (em pessoa, causa e coisa), uma vez que
algumas leis falam em não passarem em julgado tais sentenças. Já vimos,
porém, que isso não se dá. O direito de outrora refletia a heterogeneidade
das fontes e o romanismo ainda perturbava a depuração científica da
terminologia.

As sentenças que não passam em julgado (~sem eficácia de coisa julgada


formal!) não precisam de tal ação. Podem renovar-se os processos,
indefinidamente, posto que, enquanto não se renovam, tenham eficácia.
Nenhum princípio a priori, ou constitucional, impede que o legislador do
direito processual adote para as decisões válidas, porém que não fazem
coisa julgada, ação autônoma, como ocorrera nos antigos Códigos de
Processo Civil de São Paulo, art. 359, parágrafo único, e do Paraná, art.
939. Aí, categorizava-se demasiado a impugnativa: podia ser somente
recurso; e éação. Os “pedidos de reconsideração”, ou “de reforma”, ou “de
revogação”, quando alguma lei os permite, são ações de tal jaez, ações
“encurtadas”.

Aliás e esse é outro ponto da máxima relevância ‘ é confusão de graves


consequências indagar-se de ser a sentença dotada, ou não, de eficácia de
coisa julgada material, para depois se responder se é, ou não, rescindível.’3’
A rescindibilidade das sentenças nada tem com a produção da força, ou,
sequer, do efeito de coisa julgada material.’32 A coisa julgada, de que se
trata, quando se permite a ação tendente à rescisão da sentença passada em
julgado, é a coisa julgada formal, a força formal de coisa julgada.

A ação rescisória só se propõe contra sentença que transitou em julgado,


isto é, de que não cabe, ou não mais cabe recurso. Nada tem com o ter o
autor interposto, ou não, os recursos que a lei lhe permitia. Acertadamente,
o Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 17 de setembro de 1942 (A.
J., 64, 363). Hão de estar exauridos os prazos dos recursos, sem se indagar
da negligência ou anuência das partes, inclusive o autor da ação rescisória.
O autor, para propor ação rescisória, tem de interpor os recursos, ou deixar
que passe em julgado a decisão, não porque deva recorrer, e sim

131 Comentário obviamente vinculado ao CPC anterior (vd. a nota 130).


No atual Código, a coisa julgada material (isto é, sentença de mérito
coberta pela coisa julgada formal, decoifente do trânsito em julgado, ou
preclusão) é condição específica da ação rescisória, consoante o capur do
art. 485.

132 Vd.anota 131.

133 Aliter, no atual CPC (vd. as notas I30e 131).

porque um dos pressupostos da pretensão a rescindir é o ter passado


formalmente emjulgado a sentença?’ O que perdeu o prazo do recurso pode
pedir rescisão.
(b) A ia Turma do Supremo Tribunal Federal, a 7 de outubro de 1948 (R. F.,
123, 116), lançou verdadeira heresia jurídica quando disse que a ação
rescisória pode ser proposta antes de passar em julgado a sentença. Não há
pretensão à rescisão antes do trânsito em julgado.’35 A ação rescisória tem
por fito exatamente atacar a coisa julgada formal,’36 o que o sistema
jurídico só lhe permite em espécies estreitas (Código de 1973, arts. 485 e
486). Ainda a 4 de agosto de 1947, a ia Turma (D. da J. de 25 de fevereiro
de 1949) admitiu a ação rescisória se incabível o recurso; mas, aqui, a
questão é outra:

se a parte interpôs recurso de que não se conhece, a sentença transitou em


julgado antes; razão por que pode ser proposta a ação rescisória, pendente
tal recurso, para que o prazo preclusivo não se esgote; julgado o recurso, foi
eficaz, ou não foi eficaz a propositura. De qualquer jeito, não se pode julgar
a ação rescisória antes de se julgar o recurso: se dele não se conhece, julga-
se a ação rescisória; se dele se conhece e não se lhe dá provimento, a ação
proposta só é aproveitável por princípio de economia processual, porém
mais acertado seria propor-se outra, porque o prazo preclusivo só se inicia
com o trânsito em julgado da decisão no recurso. Se se conheceu do recurso
e se lhe deu provimento, está sem objeto a ação rescisória proposta.
Proposta a ação rescisória, não pode o juiz dizer se o recurso extraordinário
é de se conhecer ou não. Se houve interposição de recurso extraordinário
sobre ponto que não é aquele a que se refere o pedido da ação rescisória,
nada obsta a que se conheça da ação rescisória. ~,Quid iuris, se o ponto é o
mesmo? Dois caminhos têm sido apontados: a) aguardar-se que se
pronuncie acerca do recurso o Supremo Tribunal Federal; b) julgá-la desde
logo. Contra o segundo argúi-se que, decidido de um modo, pode o
Supremo

134 O(a) trânsito em julgado (b) da sentença de mérito são condições


daação rescisória, i.e., requisitos de um julgamento do mérito, se se seguir
a processualística italiana, prevalecente no Brasil. Seriam pressupostos
processuais, conforme a concepção alemã, o que terá levado o
comentarista a falarem pressupostos da pretensão, no texto. Sabe-se que a
ação pode ter condições específicas, além das gerais nomeadas no inciso ví
do art. 267 do CPC, onde, prudentemente, se faz enumeração enunciativa,
segundo indica o uso da conjunção conformativa con,o. Se se quiser
permanecer no esquema do inciso aludido, dir-se-á que, sem o trânsito em
julgado e sem a existência de sentença de mérito, não há possibilidade
jurídica do pedido porquanto, abstratamente, só são nascindíveis sentenças
(ou acórdãos) transitadas em julgado, e de mérito (art. 485, copia). Se
ainda não há trânsito em julgado quando se propõe a rescisória, faltará
também interesse processual porque o recurso será o meio de impugnar a
sentença.

Tribunal Federal julgar diferentemente, e contra isso se tem argumentado


que novo recurso extraordinário é interponível da decisão proferida na ação
rescisória e, então, se há de apresentar a coisa julgada do primeiro recurso
extraordinário.

O primeiro, diz-se, tem o inconveniente de obrigar as partes à espera de


pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, que pode tardar, obrigando a
renovação de instância, a despeito de já haver coisa julgada na ação e, pois,
possibilidade de rescisão. Houve terceira opinião, c), que entendia não
caber ainda a ação rescisória, devendo-se não conhecer dela, o que tiraria a
ação, porque o prazo corre da coisa julgada e pode ter havido coisa julgada
(Corte de Apelação do Distrito Federal, 13 de outubro de 1937).’ Só o
Supremo Tribunal Federal pode conhecer ou deixar de conhecer do recurso
extraordinário. Se o autor da ação rescisória entende que não cabe o recurso
extraordinário, exerce a pretensão à rescisão para que não preclua o prazo
de propositura. Se acha que cabe, arrisca-se a que vá correndo o prazo
desde que houve o trânsito em julgado, a despeito da interposição do
recurso incabível. Proposta a ação, tem de aguardar o julgamento do recurso
(cf. Seção Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de março de 1948,
R. dos T., 173, 1023). Nenhum risco há, porque a pretensão à rescisão foi
exercida. E esse um dos pontos a que se há de prestar toda a atenção.

Ainda a favor da solução a), absolutamente certa, há a consideração de que


o prazo para a propositura da ação rescisória de sentença é prazo preclusivo.
O autor exerce a ação alegando e provando que houve recurso
extraordinário, mas é incabível. A matéria não poderia ser apreciada na
ação rescisória. Tem-se de esperar o julgamento do recurso extraordinário
para que se possa julgar a ação rescisória.t3” Se dele não se conheceu, cabe
julgar-se a ação, considerando que houve a coisa julgada formal na
instância inferior. Se dele se conheceu e se confirmou a sentença
rescindenda ou acórdão rescindendo, nada obsta, por princípio de economia
processual, que se prossiga na ação, ratificado o processado, pois apenas se
passou a contar o prazo preclusivo da data em que transitou em julgado a
decisão quanto ao

137 Tratarei, em nota ao art. 495, do problema da tempestividade da ação


rescisória de julgado pendente de recurso que, afinal, não se admite.

138 Aqui. a ação rescisória ficaria condicionada ao julgamento do recurso


extraordinário (ou do recurso especial, acrescentaria o comentarista hoje),
o que é admissível, sabido que se podem praticar atos processuais
condicionais e se proporem ações condicionais. Na cumulação eventual de
pedidos, que, na verdade, é cumulação eventual de ações, ocorre isto, como
se vê no art. 289, onde se cuidou daquela espécie de cumulação, embora se
falando em pedido formulado em ordem sucessiva.

recurso extraordinário. Se do recurso extraordinário se conheceu o


provimento não atingiu o ponto ou os pontos sobre que versa a petição de
rescisão, dá-se o mesmo. Se do recurso extraordinário se conheceu e o
provimento altera o julgado ocorrido, no ponto ou nos pontos, ou em algum
ou alguns pontos que foram indicados para rescisão ou não tem objeto a
ação de rescisão, ou o prosseguimento somente pode ser com explicitação
do ponto ou dos pontos que ainda se querem examinados pelo juízo
rescindente.

(c) A propósito de ação rescisória, algumas proposições de não-cabimento


são extremamente vagas e contêm margem para graves erros. Se a nulidade
da sentença não é suprível e resiste ao trânsito em julgado, há mais do que
rescindibilidade; há nulidade do julgado. Não se pode dizer que, tendo
havido nulidade da sentença e sendo insanável pelo trânsito em julgado,
ainda se precisa rescindir o julgado: é nulo. Se a nulidade processual se
sanou, ou não mais é de pronunciar-se, não cabe a rescisória, porque a regra
jurídica de sanação, ou de pós-exclusão, por si só afasta que, incidindo, se
rescinda o julgado por violação da que teria tido o efeito nulificante se a
segunda regra jurídica não existisse.

Se a nulidade não se sanou, a sentença é nula. Então, na ação rescisória


pode o juiz ou tribunal decretar-lhe a nulidade, porque é o ensejo que se lhe
oferece, segundo os princípios, e a ação rescisória supóe que válida seja a
sentença.

Rescindir não é decretar nulidade, nem anular.

Alguns acórdãos têm insinuado que não há decisões interlocutórias com


força de coisa julgada formal (e. g., Tribunal de Apelação do Rio de
Janeiro, 3 de setembro de 1941, A. J., 60, 190). Coisa julgada formal
produz-se sempre que não mais se pode recorrer, ou não se poderia, por ser
irrecorrível a decisão. Onde quer que haja decisão irrecorrível, ou de que já
não caiba recurso, há pretensão a rescisão. ~~‘ O que se pode dar é que não
haja interesse (art. 3~) para a rescisão, mas essa é outra questão.

As sentenças, contra as quais só se admitem alterações para lhes corrigir, de


oficio, ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou retificação de
erros de cálculo, ou embargos de declaração, não são óbice à pretensão à
rescisão (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo,
20 de fevereiro de 1942, R. F., 91, 163; R.

de D., 144, 281). Inclusive para se excluir o recurso, ou para se mostrar que
cabia. No sentido do que dissemos na 1a edição dos nossos Comentários ao
Código de 1939, as Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 19 de novembro de 1947 (R. F., 117, 168).

139 Não sob o atual Código. Vd. as notas 130e 131.

(d) Quanto à rescindibilidade das decisões da Justiça do Trabalho, os


julgados que a negavam se apoiavam em bem mofinos argumentos, ou em
erros crassos, como o de não estar prevista a ação rescisória entre os
recursos (!) admissíveis no processo das questões de trabalho (Conselho
Nacional do Trabalho, 11 de maio de 1944; cf. 24 de junho de 1946).
Invocou-se, por vezes (e. g., 11 de maio de 1944 e 27 de novembro de
1943), o princípio de não se poder, na Justiça do Trabalho, conhecer duas
vezes da mesma questão (!). Todos esses argumentos foram trazidos à tona
no despacho do Vice-Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, a 31 de
maio de 1948. Não mereciam comentário. Tem-se hoje o Decreto-lei n. 229,
de 27 de fevereiro de 1967.

A ação rescisória é remédio jurídico processual previsto na Constituição


federal. A lei que rege todas as espécies éo Código de Processo Civil. No
mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da ia Região, a 16 de
agosto (R. dei.

B., 80,203; O D., 54, 327) e a 22 de dezembro de 1948 (D. da J. de 19 de


fevereiro de 1949); finalmente, a ia Turma do Supremo Tribunal Federal, a
27 de agosto de 1951 (D. dai. de 8 de junho de 1953); sem razão, a 2a
Turma,a l3dejulhode 1951 (D. daJ. de l6demarçode 1953) e a 17 de agosto
de 1951 (D. dai. de 14 de setembro de 1953). Certo, o voto vencido do
Ministro Delfim Moreira Júnior, no acórdão do Tribunal Superior do
Trabalho, a 26 de janeiro de 1950 (R. de J. B., 94, 78, R. F., 140, 499).

Imaginemos que haja recurso extraordinário para o Supremo Tribunal


Federal e se proponha, depois, a ação rescisória por um dos fundamentos
legais. <,Poder-se-ia postergar a regra jurídica da Constituição?

Afirmaram a existência da ação rescisória o Tribunal Regional do Trabalho


da ia Região, a 15 de fevereiro de 1950 (R.

dos T., 190, 461, R. F., 130, 564), a 30 de janeiro, a 16 de abril de 1952 (D.
dai, de 16 de junho e 14 de julho de 1952) e a 23 de setembro de 1952, o
Tribunal Regional do Trabalho da 2~ Região, a 1~ de outubro de 1951 (R.
dos T., 215, 389), e o Tribunal Regional do Trabalho da 3~ Região, a 9 de
julho de 1951(139,996).

Seria infringir-se a Constituição negar-se a ação rescisória de acórdão do


Supremo Tribunal Federal em matéria de legislação do trabalho.

Quanto ao argumento de não se prever na Consolidação das Leis do


Trabalho, ao se cogitar dos recursos, ação rescisória, é de repelir-se por sua
inépcia: ação rescisória não é recurso. Também não importa se a decisão
mesma é impugnada, ou somente impugnada quanto ao julgamento de
preliminar (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo,
6 de fevereiro de 1942, R. F., 90, 758).

171

(e) No acórdão de 6 de janeiro de 1943, decidiu o Supremo Tribunal


Federal (R. F., 96,83) que não cabe ação rescisória de acórdão que não toma
conhecimento de recurso extraordinário.’40 Por que não? Tal decisão passa,
formalmente, em julgado;””’ fechou a porta ao exame de questão de
inconstitucionalidade; na incognição é possível ter havido violação de regra
do Código de Processo Civil, do Regimento Interno que é direito e da
própria Constituição. A proposição do acórdão é insustentável.

Se o Supremo Tribunal Federal conheceu de recurso extraordinário, fez sua,


na parte da matéria versada, a decisão.’42

Naturalmente, nesse ponto, não pode ser rescindida pelo tribunal de cuja
decisão se interpusera o recurso, nem outro a que caiba julgamento de ação
rescisória. Porém isso, não quer dizer que a rescisão não possa ser pedida ao
próprio Supremo Tribunal Federal. Se o Supremo Tribunal Federal não
conheceu do recurso, pode ser pedida a rescisão desse julgado de não-
cognição, se ocorreu algum dos pressupostos do art. 485. Não tendo
conhecido do recurso, a matéria julgada continuou na sentença e essa pode
ter incorrido em algum dos casos do art. 485. Nada obsta a que se proponha
a rescisória de tal sentença: o Supremo Tribunal Federal somente faz sua a
matéria da sentença de que se interpôs recurso extraordinário quando dele
conhece e o julga, dando-lhe, ou não, provimento. Sem razão, o acórdão do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 24 de junho de 1943 (D. da i.
de 29 de setembro, 3879), que citou trecho nosso que só se refere aos
recursos extraordinários de que houve conhecimento.’43

(O É preciso ter-se muito cuidado em se fixar o momento em que a decisão


passa, formalmente, em julgado. A interposição de recurso somente adia
esse trânsito em julgado se o recurso a) é cabível, b) foi interposto e c) foi
julgado cabível (= dele se conheceu). Se havia a), e não ocorreu b), a
decisão transitou em julgado no momento em que expirou o prazo para a
interposição do recurso. Se não havia a) e houve b), tendo sido declarado
não cabível, a decisão transitou em julgado ao ser proferida ou ao se expirar
o prazo para outro recurso, que pudesse ser interposto eficazmente, ou para
o recurso eficazmente interponível de prazo maior. Se havia a) e ocorreu
140É preciso distinguir entte o acórdão do STF ou do STJ que diz não ter
conhecido, conhecendo,isto é, julgando o mérito do recurso e aquele em
que o não-conhecimento equivale a declararinadmissível o recurso. No
primeiro caso, a ação rescisória é cabível.141Vd.asnotas 130e
131.142Cf.oart.512.143O autor só se scfere ao recurso extraordinário e ao
STF porque escreveu sob a Const. 67 com aEmenda n0 1, de 1969, ainda
não instituidos nem o STJ nem o recurso especial aos quais.escrevendo
hoje, seguramente também aludiria.

b), mas a decisão foi não-b), isto é, de não-cognição do recurso, houve


infração de direito objetivo e poder-se-á propor a rescisão de tal julgado.
Enquanto não se rescinde, tem-se a sentença como trânsita em julgado no
momento em que foi publicada, ou na data em que se perfez o prazo para
outro recurso cabível. Se não havia a), mas houve b) e c), o prazo para a
ação rescisória começa do trânsito em julgado da decisão que conheceu do
recurso. Se se propõe a ação rescisória por ter havido c), a despeito de não
a), pode ocorrer que rescindida a sentença se haja de ter de ir contra a
sentença que transitou em julgado, por não haver a). Praticamente, a quem
propõe a ação rescisória convém fazer, desde logo, os dois pedidos, porque
um depende do outro.

(g)Quando se propõe perante Tribunal de Justiça ação rescisória de sentença


de que houve recurso extraordinário e a matéria atingida pelo pedido de
rescisão foi feita sua pelo Supremo Tribunal Federal, pois que conheceu do
recurso extraordinário, o que o Tribunal de Justiça deve fazer é julgar-se
incompetente. Se, por erro de técnica, o acórdão do Supremo Tribunal
Federal disse que não havia violação de direito expresso, mas usou da frase
“não se conhece do recurso extraordinário”, está-se diante de questão de
interpretação de sentença: ou houve erro de expressão, e o Supremo
Tribunal Federal decidiu o mérito do recurso, caso em que fez sua a decisão
da inferior instância, e a ação rescisória seria da competência do Supremo
Tribunal Federal; ou em verdade só não conheceu, e então competente é o
tribunal prolator do acórdão rescindendo.’44 Certo, o acórdão da 2~ Turma
do Supremo Tribunal Federal, a 27 de julho de 1943 (A. i., 68, 181; R. i. B.,
61,288; R. F., 98,362). Às vezes, o Supremo Tribunal Federal encambulha a
preliminar de conhecimento do recurso extraordinário e o mérito, o que
quase sempre acontece ao julgar recursos extraordinários com fundamento
no art. 119, III, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 “~ A
separação é fácil, e tudo aconselha a que os juizes do Supremo

Tribunal Federal não fundam preliminar e mérito. Se o recorrente invocou o


art. 119, III, a),’46 e apontou o texto violado, tem o Supremo Tribunal
Federal de conhecer do recurso; se violação não se deu, é caso de negar-se
provimento ao recurso extraordinário. O encambulhamento tem causado

144 Vd.anotal40.

145 Idem, o STJ, julgando recurso especial interposto com fundamento na


letra a do inciso III do art.105.

l46 A norma da alínea a do inciso III do art. 119 da Const. 67 com a


Emenda n’ 1, de 1969, foi Jc~dob,ada na alínea a do inciso III dos arts.
102 e 105 da Const. 88.

graves danos ájustiça. Nunca é demais encarecer-se a correção desse


grande defeito dos nossos tribunais, federais ou locais.

Se o Supremo Tribunal Federal não deu provimento ao agravo interposto do


despacho que negou seguimento ao recurso extraordinário, desse não
conheceu; portanto, não fez sua a matéria (Supremo Tribunal Federal, 5 de
janeiro de 1944, A. i., 71, 32): a competência é do tribunal que proferiu a
sentença. Aliter, se foi provido o agravo, porque, então, se conheceu do
recurso extraordinário, salvo se outra preliminar de não-conhecimento
sobreveio e foi acolhida.

Os pressupostos processuais e, antes deles, a pretensão à tutela jurídica e a


de rescisão, são preliminares na ação rescisória. A questão “a sentença, de
que se trata, é rescindível, ou não”, isto é, entra, ou não, na classe das
sentenças que têm força de coisa julgada formal, pertence à preliminar de
tutela jurídica, é mesmo pré-processual. As Câmaras Reunidas do Tribunal
de Apelação, em acórdão, aliás bem falto de conhecimento de processo (8
de janeiro de 1943, D.

dai. de 4 de outubro, 3952), assertou que “nas ações rescisórias não pode
haver preliminar de cabimento ou não-cabimento da ação (?!), tal como
sucede nos recursos, que podem ser ou não cabíveis, conforme sejam ou
não autorizados por lei”; “o que ocorre na ação rescisória, e pode ser objeto
de consideração e julgamento preliminar, é a verificação de ser ou não o
pedido fundado em algum dos pressupostos legais para o seu exercício”.
Mas logo a seguir o acórdão julga a preliminar, de que não admitira
solução: “...não procede a argúição de não serem suscetíveis de rescisão,
mediante ação rescisória, as decisões proferidas em processos
administrativos. É hoje pacífica ajurisprudência que assentou serem
passíveis de rescisão, por esse meio, aquelas decisões”. O pressuposto
primeiro é exatamente existir sentença trânsita em julgado. Se não cabe ou
se cabe, nessa classe, a sentença, é questão que pode e deve ser levantada
desde logo.

Enquanto pende o recurso extraordinário, entendeu o Supremo Tribunal


Federal que não corre o prazo preclusivo para o cabimento da ação
rescisória interrompe-se, diz o acórdão de 29 de agosto de 1942 (A. i., 67,
141). A questão é falsa questão: o prazo preclusivo da ação rescisória
começa de correr desde que passa em julgado a sentença; se foi interposta
apelação, ou agravo, ou opostos embargos infringentes do julgado, ou
recurso extraordinário, e o tribunal do recurso decide não conhecer dele,
claro está que a sentença “transitou” em julgado, e o prazo começou de
correr desde aquele momento. Sair daí é infringir princípio fundamental de
direito processual, o da preclusão. Se o Supremo Tribunal Federal conheceu
do recurso e lhe deu, ou não, provimento, aí a coisa julgada formal só se
estabelece de acordo com esse julgamento, que é o último e fez sua a
matéria. Não pode haver, em direito, nem nós os temos, dois conceitos
diferentes de coisa julgada formal. O que é preciso é que os membros do
Supremo Tribunal Federal e dos outros tribunais do país pesem bem as suas
responsabilidades de juristas quando acolhem preliminares de não-
conhecimento do recurso extraordinário. Se não conhecem, quando deviam
conhecer, embora negando provimento, fizeram antes do que devera ser o
momento da coisa julgada formal. Basta isso para se ver a relevância de tais
julgamentos.

Por exemplo: o Supremo Tribunal Federal tem de julgar recurso


extraordinário que se interpôs há um ano e meio; entendem alguns juizes
que foi bem interpretada a lei pelo tribunal de que vem o processo, com
recurso extraordinário baseado no art. 119, III, d),’47 da Constituição, e
outros, que não houve discordância. Se o acórdão diz que não se conheceu,
sem que os que afirmavam não haver discordância de jurisprudência fossem
a maioria, o acórdão não traduziu o que foi julgado dizendo que não cabia o
recurso extraordinário. Somente porque o disse, apenas seis meses restam
ao recorrente para propor ação rescisória do julgado de que se recorrera.
Admitindo-se que o julgamento do recurso extraordinário só se realizou no
segundo ano, tem-se resto de prazo, que pode consistir em meses ou dias.
Ou pode ter passado o prazo.

Todo ato de julgamento, perante a Justiça, ainda em caso de concurso para


provimento de cargos (Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de fevereiro
de 1941, R. dos T., 144, 252), é suscetível de rescisão, se ocorre um dos
pressupostos, pelo menos, do art. 485. Se se julga e há trânsito em julgado,
há rescisão.

Quando a sentença tem força formal de coisa julgada e não na tem material,
também cabe a ação rescisória. A ação rescisória nada tem, aí, com o
conceito de coisa julgada material.’45

O problema da existência (ou inexistência) da validade (ou nulidade) da


rescindibilidade (ou da irrescindibilidade) da sentença trânsita em julga-

147 Hoje, o comentarista aludiria ao recurso especial para o STJ, fundado


na alínea e do art.

105, III, da Const. 88.


148 Vd. as notas 130 e 131. No atua] Código, a ação rescisória tem tudo o
que ver com o conceito de coisa julgada material. Para sustentar o
contrário, o autor, como adiante se verá (comentário n0 1

ao art. 485>, assevera: “o que se há de assentar como interpretação


razoável é a de abstrair-se da expressão ‘mérito’ o que está no art. 485”.
Entretanto, não é possível aplicara au. 485 do CPC, mediante
interpretação que suprima do seu capu vocábulo essencial (ntérita. que lá
se encontra). Isso desmantelaria o sistema da lei. Se a norma jurídica.
restringindo a rescisória às sentenças de merito, não atende todos os casos
em que é necessário rescindir, o problema não se resolve mediante a
interpretação mutiladora. O defeito está na ordem jurídica, que deve ser
aperfeiçoada. Entrementes, buscar-se-á no sistema da lei a melhor solução
que ela possa oferecer.

do é da mais alta importância para o estudo introdutório da ação rescisória.


Somente após a obtenção de noções claras e precisas a respeito, é que se
podem interpretar, à satisfação, os arts. 485 e 741, 1, do Código.

O momento em que ocorre a perfeição da relação jurídica processual é


determinado pelo direito positivo (cf. art. 262).

A priori, constitui-se ela, se do tipo “autor-Estado”, quando o juiz defere o


pedido do primeiro ato processual (chamado “despacho da petição”), ou, se
do tipo “autor-Estado, Estado-réu”, quando se manda citar o réu
(angularidade). A concepção da formação no momento da comparência das
partes foi reminiscência romanistíca. A adoção do despacho da petição
como sendo o inicio da relação teria o inconveniente de desprezar o
impulso para a angularidade. No sistema do Código, é o Estado que marca a
constituição da relação: pelo despacho, se não há outra parte, ou se há de
começar inaudita altera parte; pelo seu impulso para a citação, se tem de
angularizar-se (autor-Estado, Estado-réu) a relação. É por isso que,
ordenada a citação e não feita, a angularidade da relação jurídica processual
se constitui, embora ineficaz; tanto que se completa, com a comparência, a
eficácia (art. 214, § 1”), e na execução o executado pode embargar a
execução da sentença, pela falta, ou nulidade da citação (art. 741, 1). A
citação é necessária, seja de cognição, ou executivo o processo, sob pena de
invalidade (art. 214), e não sob pena de inexistência. Lendo-se de tal
maneira, são acordes os arts. 214 e § 1~, e 741, 1. A angularidade e a
própria citação provêm de evolução relativamente recente do Estado, em
atenção aos interesses do individuo, às vantagens da defesa e à eficiência
social do princípio do processo “acusatório”. Alguns processualistas
sugeriram fosse a inscrição ou distribuição dos processos o momento da
formação, porém tomam eles a providência registrária, extraprocessual,
administrativa, como cognição da causa, o que orça pela mais primária das
confusões entre ramos do direito público.

Um deles afirmou que é no momento da inscrição (!) que nasce o dever


judicial do estatuir sobre a causa. Nem histórica nem sistematicamente seria
de acolher-se esse critério obtuso de seleção do momento inicial. A relação
jurídica processual começa com a iniciativa da parte (art. 262). Depois se
angulariza, se é o caso.

As dificuldades de construção da relação jurídica processual, nos sistemas


que exigem a citação (*Coeptum esse iudicium a citatione), se não houve
citação e o réu comparece, não são dificuldades de hoje. A solução de, se
ojuiz prossegue e o réu não comparece, ser a relação tida como relação
nula, em vez de inexistente, tem a vantagem de simplificar a explicação, de
evitar a alusão à “ratificação”, se o réu comparece: então, a noção de
“sanaçao~~ basta.

Tudo se reduz a tratarem-se no mesmo plano a não-citação

e a citação nula, no tocante à constituição da relação jurídica processual, se


o juiz, em nome do Estado, a deu como existente, e a conceberem-se
osembargos do devedor como ação mandamental negativa e a actio
nuílitatis como a ação própria contra os processos nulos ipso iure.

A actio veio após se superar o romanismo do nuílus = non existens, quando


se pensou em nulidade, defeito, eiva, vício.

Aqui, fere-se o ponto mais delicado: a ação de nulidade supõe que a relação
exista, posto que nula; a ação rescisória, que exista e valha, porém esteja
sujeita à impugnação rescindente.

Se a sentença é nula ipso iure, é sentença, porém não vale.

Assaz diferente é a situação, e. g., quando a sentença só infringe a coisa


julgada de outra sentença, porque, então, a relação jurídica processual existe
e precisa ser “rescindida” a sentença, isto é, partida, desconstituída em toda
a sua extensão e intensidade. Se não for iniciada nos dois anos, não mais
poderá ser proposta a ação rescisória, e, pois, estará sem remédio o bis in
idem, resolvendo-se o problema segundo os princípios que estudamos
noutro lugar deste livro.

Nos casos do art. 485, 1, II e V, não há ataque àrelação, só à sentença, salvo


quanto ao art. 485, V, se a eiva está na petição mesma ou na citação ou em
elemento processual que importe para a sentença.

(h) No julgamento das ações rescisórias, a leitura de livros e decisões


correspondentes ao direito anterior ao Código de Processo Civil levou os
juizes a erros graves. A fortiori, com o Código de 1973.

a) A alusão ajurisdição contenciosa e ajurisdição voluntária nenhuma


pertinência tem, hoje, no trato das questões sobre sentenças rescindíveis. A
imperdoável cincada vem do Decreto n0 16.273, de 20 de dezembro de
1923, art. 108, IV, e do extinto Código de Processo de São Paulo, que, no
art. 359, lançara a regra jurídica, de jure condendo reprovável: “A ação
rescisória só é admissível quando a sentença for definitiva e proferida em
feito contencioso”. O

Código de 1939 de modo nenhum permitiu que se lhe insinuasse tal


enunciado.

b) Tampouco há margem, no direito vigente, para se dizer que as sentenças


rescindíveis não passam em julgado antes de expirado o prazo preclusivo.
Primeiramente, a ação rescisória é ação para re-scindir; portanto, para cortar
o que não seria, por oUtro modo, afastável. Somente a respeito de sentenças
de que não cabia ou de que já não caiba recurso é que se pode pensar em
rescisão de sentença. E isso é a definição mesma de coisa julgada formal.
Nas Ordenações Manuelinas e nas Filipinas, conforme vimos, havia a
referência a não passarem em julgado as sentenças rescindíveis. No
revogado Código de Processo do Distrito Federal, art. 136, V, fora dito que
são destituídas da autoridade de coisa julgada as sentenças nulas. Ou tal
regra só se referia às sentenças “nulas”, e não às sentenças dependentes de
rescisão, ou se tratava de reminiscência inoperante dos enxertos reinícolas.
Em geral, a tendência das novas leis é para não entrarem em tais
particularidades. Quando a sentença somente pela ação rescisória pode ser
desconstituída, a matéria da nulidade não pode ser oposta em exceções. No
processo hodiemo, em simples via exceptionis não se desconstituem
sentenças válidas. Seria imperdoável romanismo, contrário aos princípios
atuais de organização judicial e de processo. Portanto, a expressão “nulas”
do Código de Processo do Distrito Federal devia ser lida como
“rescindíveis”.

O Reg. n0 737, de 25 de novembro de 1850, que foi lei até os Códigos


locais, art. 681, § 4, dizia poder ser anulada a sentença, por meio de ação
rescisória, não sendo proferida em grau de revista. Imitou-o o Código de
Processo da Bahia, art. 1.362, inciso 30 Não ocorria o mesmo no Distrito
Federal. A decisão já revistada, ou a que a revistou pode ser rescindida.
Éimperdoável que ainda hoje se discuta a matéria.

5. Rescindibilidade e ineficácia Outro assunto que merece exame é a


diferença entre rescindibilidade e ineficácia. A eficácia da sentença
rescindível é completa, como se não fosse rescindível. A impugnação em
ação rescisória, aliter em querela de nulidade, nada tem com os limites
subjetivos ou objetivos da eficácia da sentença. A legitimação para as que
dizem respeito à extensão da força ou do efeito da sentença é outra que a
legitimação para propor ação rescisória.

Adiante, art. 487.

Isso não quer dizer que as duas legitimações não possam coexistir.

6.Ação e recurso; ação rescisória de sentença e ação de revisão criminal (a)


O que caracteriza o recurso é ser impugnativa dentro da mesma relação
jurídica processual da resolução judicial que se impugna. A ação rescisória
e a revisão criminal não são recursos; são ações contra sentenças: portanto,
remédios jurídicos processuais com que se instaura outra relação jurídica
processual. A impugnativa, em vez de ser dentro, como a reclamação do
soldado contra o seu cabo, é por fora, como o ataque da outra unidade
àquela de que faz parte o cabo. O soldado foi pedir a atuação alienígena. É
erro dizer-se que ação rescisória ou revisão criminal é recurso, como falar-
se de reabertura extraordinária da lide trancada, pela força do caso julgado.
A ação rescisória vai, exatamente, contra a força formal da coisa julgada:
quebrada essa muralha de eficácia formal, lá está o processo, a relação
jurídica processual, que a preclusão fechara e fizera cessar; exsurge, não se
reibre; o juízo rescisório não é reinstalação, mas volta à vida, ressurreição.
Não se reconstrói a casa, que se fechara; abre-se a porta (= destrói-se a
sentença) e re-ocupa-se a casa. Nesses assuntos, de ciência difícil, como a
processualistica, todo cuidado é pouco se lançamos mão de imagens. A
cessação da relação jurídica foi ex nunc; não desaparecera. Resultara da
sentença. Destruída, rescindida, a sentença, a relação jurídica processual,
que lá estava até o momento c), quando cessara (com força formal de coisa
julgada), continua o tempo perdido, pois que se eliminou a causa da
cessação: a sentença e a sua força formal de coisa julgada. Às vezes, a
rescisão é de resolução concernente à formação da relação jurídica
processual, mas, aí, é pelo objeto da impugnação que se desce até lá.

A sentença não é rescindível somente por defeito oriundo da própria


sentença, mas por algum defeito de ato processual anterior, inclusive a
citação. O corte, a cisão, vai mais longe no pretérito processual, pode
alcançar diferente momento na duração da relação jurídica processual. E
possível que apanhe desde todo o começo, nada deixando de todo o
procedimento.

(b) Dentro e não por fora da relação jurídica processual, o julgador do


recurso encontra resolução judicial, talvez sentença definitiva, porém não
coisa julgada formal.

Historicamente, quando se estudam as impugnativas (as ações e as


impugnativas-recursos), verifica-se que houve ações que passaram a ser
recursos (e. g., só se permitiam as impugnativas se ainda pendente a lide) e
recursos que volveram ou se tornaram ações de impugnação de sentenças,
isto é, se fizeram impugnativas utilizáveis depois e a despeito da coisa
julgada formal. Outra classe é a das ações contra resoluções (de regra,
mandamentais) que abstraem da preclusão ou força formal de coisa julgada,
como os embargos de terceiro, oponíveis na ação de execução de sentença.

A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 15 de agosto de 1933 (A. J., 30,


240), enunciou que o terceiro prejudicado, que tem o direito de apelar ou de
opor embargos de terceiro, tem qualidade para propor ação rescisória. O
princípio, em sua generalidade, era e é falso. A legitimação para ação
constitutiva negativa, que é a ação rescisória, é diferente da legitimação
para se opor, como terceiro, em ação mandamental contra a eficácia da
sentença. É preciso que o terceiro tenha interesse jurídico, isto é, que seja
“juridicamente interessado” (art. 487, II).

7. Legitimação ativa e legitimação passiva O problema da legitimação ativa


e o da legitimação passiva têm de ser examinados quanto ao exercício do
remédio e quanto à ação. Cumpre não se confundirem as duas séries de
pressupostos subjetivos da ação rescisória.

Todos os que podem ir a juízo, em geral, podem lá ir para usar do remédio


jurídico processual da “ação rescisória” de sentença passada em julgado.
Têm “ação” aqueles que têm sentença a rescindir, nos casos apontados pelo
direito objetivo. No iudicium rescindens, decidir-se-á se procedente, ou não,
a ação intentada.

O que entre a sentença a rescindir e a propositura perdeu a personalidade,


ou a capacidade de direito, não pode ser chamado ajuizo, com direito à
prestação jurisdicional.

Os que ao tempo da sentença a rescindir não tinham personalidade ou


capacidade de direito e a têm ao tempo da propositura, têm e podem exercer
o direito público subjetivo e alegar aquela nulidade ou outros pressupostos
objetivos da rescisão. Exemplo: a sentença que foi proferida contra a
sociedade ainda sem capacidade.
Ao que foi parte, ou pessoa equiparada aparte, em sentença que passou em
julgado e subsumivel nas que se têm como rescindíveis, cabe a “ação”
rescisória.

Se é certo que o direito público subjetivo a usar do remédio rescindente não


oferece dificuldades, não sucede o mesmo em relação à legitimação ativa e
à legitimação passiva para a ação.

As leis fixam os pressupostos objetivos da ação rescisória. Não costumam


dizer quais os sujeitos da ação.

Em primeira plana, são o autor e sucessores, o réu e sucessores, o


reconvinte e os sucessores, o reconvindo e os sucessores. É útil separar a
ação e a reconvenção, porque há sentenças que julgam as duas e o pedido
rescindente não vai, necessariamente, às duas partes, separáveis, da
sentença, nem a decisão do iudicium rescindens precisa manter a
continência.

Cumpre notar que a ação pode ser intentada pelo que já não tem o direito
que lhe reconheceram, em parte, na sentença, e contra o que já não tem o
que a sentença rescindenda negara ao proponente, a favor do vencedor.
Exemplo: o que só em parte ganhou cede tal parte, e vem ajuizo pleitear a
rescisão da sentença contra o que já alienou a casa, objeto da reivindicação.

Partes da sentença rescindenda e, pois, da ação rescisória não são só os que


litigaram, mas também os herdeiros, os outros sucessores, os credores, os
fiadores e todos os que ficam sub-rogados nos direitos de outrem àrescisão.
E. g., o sócio de firma falida é parte legitima para pedir a rescisão da
sentença decretativa de falência (Corte de Apelação do Distrito Federal, 14
de outubro de 1925). Não é nulo o processo da ação rescisória, cumulada
com a rei vindicatória, se deixaram de ser citados para ela os possuidores do
imóvel reivindicando; o que é preciso é que as partes tenham sido citadas
(Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de abril de 1924). Não teria eficácia
contra eles a sentença. Os possuidores podem contestar a ação como
interessados. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, que só se referiu à
parte, foi mal redigido (8 de janeiro de 1916). Sem razão, o Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 10 de fevereiro de 1914 e a 21 de novembro de
1928.

A propósito de ação rescisória, convém ter-se sempre presente que, se


alguém, que teria de ser citado, não no foi, a sentença rescindente somente
tem eficácia contra os citados, continuando de correr o prazo preclusivo
contra o autor ou contra os autores a favor daquele que não foi citado.

Também podem intentá-la e intervir ao lado do réu os terceiros, com


interesse jurídico no resultado. Dissemos interesse jurídico. É a tal interesse
que se referiam as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 81, pr., onde se
diz “posto que a sentença não aproveita, nem empece mais que as pessoas,
entre que é dada, poderá, porém, dela apelar não somente cada um dos
litigantes que se dela agravado, mas ainda, qualquer outro a que ofeito
possa tocar e lhe da sentença possa vir algum prejuízo”. No Reg. n0 737,
de 25 de novembro de 1850, art. 738, tem o mesmo sentido a referência a
terceiros “prejudicados”.

Dissemos “interesse jurídico” e assim fizemos desde os nossos Comentários


ao Código de Processo Civil de 1939 e, antes mesmo, nas edições do
Tratado da Ação Rescisória. Acertadamente, na trilha do que escrevemos,
foi posto no Código de 1973 o art. 487, II.

O interesse jurídico do terceiro é (a) na sentença rescindenda e, pois, na


rescisória, ou (b) só na rescisória. Por isso não se precisa ter sido parte
naquela. A ação rescisória é suscetível de continência própria, como
quaisquer outras ações. A fórmula que veio em Jorge Americano (Da Ação
Rescisória, 2a ed., 112), segundo a qual “é parte legítima na ação rescisória
aquele para quem ou contra quem a sentença rescindenda faz coisajulgada”
não estava certa e contradizia o que escrevera antes. A coisa julgada só
opera inter partes, mas exi ste perante todos. ~Que é que significa “Para
quem ou contra quem a sentença rescindenda faz coisa julgada”?
Naturalmente, só as partes. ~,E os terceiros com direito de apelar, de opor
embargos ou de usar de recurso extraordinário? Trata-se da confusão entre
coisa julgada, conceito dependente da relação jurídica processual de que
resultou a prestação e invasão da esfera jurídica de outro.
Não são rescindíveis somente as sentenças que fazem coisa julgada
material,’49 razão maior para se ter de repelir a assimilação da legitimação

ativa ao fato de ser a pessoa atingida pelo efeito de coisa julgada material.
Exatamente a coisa julgada material é só entre partes.

O Ministério Público, sempre que foi autor da ação cuja rescisão se pede e
sempre que a lei lhe confere agravar, ou apelar, embargar, ou interpor o
recurso extraordinário, ou reclamar, pode propor a ação rescisória. Temos,
adiante, de cogitar do problema que advém do art. 487, III, sobre a
legitimação ativa do Ministério Público.

Finalmente: só o interesse de agir justifica que se proponha a ação


rescisória. A falta dele pré-exclui propositura.
Assim, ocorrendo que, sendo provido o pedido, não possa aproveitar, juridic
amente, ao que a propôs, deve considerar-se sem pretensão à rescisão o
autor. (Cf. Câmara Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 29 de
outubro de 1900 e 5 de agosto de 1901: Câmaras Civeis Reunidas, 2 de
junho de 1902, 10 de dezembro de 1903 e 16 de outubro de 1913.)

O interesse de agir é pré-processual. O principio que se formula no art. 30


do Código de Processo Civil é o princípio da necessidade ou interesse da
tutela jurídica. Não se trata de regra jurídica de direito formal, mas sim de
regra de direito material da justiça, devendo-se repelir a opinião de James
Goldschmidt (Der Prozess als Rechtslage, 395; Zivilprozessrecht, § 12, n0
4, c), que o punha no direito privado e a de Leo Rosenberg (Lehrbuch, ~a
ed., 367), que o considera pressuposto da sentença de fundo, isto é, mérito
da ação. A decisão sobre a falta de necessidade da tutela jurídica supóe que
o demandante possa alcançar a finalidade sem pedido à justiça, ou que a
justiça nada possa fazer. O

pressuposto é de ordem pré-processual (Tratado de Direito Privado, V, §


625; também, Tomos 1, XXIX e XXX, 58, 152 s., 211 s.).

Nas suas origens, a restituição contra o julgado estava ligada à lesão que a
parte sofreu, e muito se discutiu, depois, sobre o assunto, nos séculos XVI
até XVIII. No século XIX, alargou-se um pouco o conceito de lesão,
substituindo-se-lhe o de interesse na rescisão, evidentemente mais próprio,
por se tratar, indiscutivelmente, de ação autônoma.

Desde até onde podemos remontar, no direito português, portanto, até o


século XIII, a rescisão dos julgados constitui espécie inconfundível com a
rescisão dos atos jurídicos de direito privado. Nos tempos em que a
presença em juízo não tinha, por bem dizer, outra significação a não ser a
que tem, nos nossos dias, a presença perante os tabeliães, as actiones
rescissoriae e as restitutiones concerniam, indistintamente, a todos os atos
jurídicos, em juízo ou fora dele.

i,Os que desistiram por acordo, homologado por sentença, podem pedir-lhe
a rescisão? (1) A solução da jurisprudência era negativa, já desdeo século
passado (Relação de Ouro Preto, 10 de março de 1874; no mesmo sentido,
M. 1.

Carvalho de Mendonça, Da Ação Rescisória, 19). (2) Outra opinião


distingue o acordo, consequência direta da nulidade ou ilegalidade da
sentença, e o que provém do fato estranho à nulidade ou ilegalidade
verificada. Não é essa a distinção a fazer-se. No acordo homologado pelo
juiz, há dois atos: a) um, regido pelo Código Civil, por ser ato jurídico de
direito privado, e a ele se refere explicitamente regra jurídica de direito
material, que diz “a transação produz entre as partes o efeito de coisa
julgada, e só se rescinde por dolo, violência, ou erro essencial quanto à
pessoa ou coisa controversa”; b) o ato jurídico processual, inconfundível
com aquele. Esse é perfeitamente rescindível, como todas as sentenças, se
há algum dos pressupostos objetivos, previstos no direito processual, para a
rescisão.

O ter deixado o processo correr à revelia não tira ao réu a ação rescisória.
De regra, enquanto não precluíram todos os prazos, recebe-o ele no estado
em que se acha. Depois, com a preclusão completa e o trânsito em julgado,
o princípio há de ser o mesmo (Código de Processo Civil francês, art. 480);
cabe-lhe, pois, a ação rescisória, exercível nos dois anos.

Os ausentes, contra quem, em virtude dos editais publicados, se operou a


coisa julgada, foram partes na ação principal; pois a atividade do Ministério
Público, em tais casos, não exclui às partes a sua qualidade. Se se propõe
ação rescisória da sentença, tais ausentes têm de ser novamente citados
porque ação rescisória não é recurso, mas outra ação. Cumpre ainda
observar-se que os ausentes, no momento da propositura da ação rescisória,
podem não ser mais os mesmos, e sim sucessores deles, e os editais têm a
consequência de chamá-los.

Se houve revéis na ação em que se proferiu a sentença rescindenda, têm de


ser citados na ação rescisória.

Se de alguém era preciso o assentimento para alguma das partes litigar e a


situação perdura, tal assentimento é de exigir-se no processo da ação
rescisória. Assim, se assentira a mulher casada, de novo há de assentir ou
ser citada, com o marido, na ação rescisória. Passa-se o mesmo com o
marido que para a ação precisava do assentimento da mulher.

O Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 18 de maio de


1939,estabeleceu: “Entende Pontes de Miranda que podem usar da ação
rescisória, não somente os que foram parte na primeira ação, mas os
herdeiros sucessores, sub-rogados nos direitos e os terceiros com interesse
jurídico no resultado. Clóvis Beviláqua é de opinião que o terceiro que não
interveio no processo pode propor a rescisória, mas é essencial que prove o
prejuízo que teve com a sentença que pretende rescindir. Outros, mais
radicais, como R. Pothier e F. Laurent, entendem que somente podem usar
dessa ação aqueles que foram parte na primitiva ação... Garsonnet,
examinando a espécie, chega à seguinte conclusão podem propor a
rescisória:

a) todos os que pessoalmente figuraram na causa, cuja sentença se pretende


rescindir, embora no momento da propositura da ação hajam perdido a
qualidade em virtude da qual tomaram parte na causa de que se originara a
sentença rescindenda; b) todos os que, representados na primeira causa,
nela foram partes, por meio de seus mandatários. Assim, não considera
parte legitima na rescisória: a) os que se dizem lesados por sentenças
proferidas em processo em que não figuraram; b) os que, embora
figurassem, invocam para a rescisória qualidade diferente daquela pela qual
tomaram parte na ação cuja sentença se deseja rescindir. Esse, ainda, o
pensamento de Bartjean, na Encyclopédie Civil Belge. Mas, no direito
prático, há prevalecido o sentir de Pontes de Miranda, sem que a doutrina
seja levada ao exagero de permitir que o terceiro use dessa ação, sem a
prova de legitimo e irrecusável interesse econômico ou moral, ligado à
causa ou aos efeitos da decisão rescindenda”. (No mesmo sentido, as
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Pernambuco, a 25 de
fevereiro de 1946, A. F., 20, 369.) 8.Competência do juízo rescindente Não
há principio a priori que subordine a ação rescisória à competência do juiz
superior, nem à competência do mesmo juiz. O princípio, se o queremos
extrair, é o da par maiorve potestas (do juízo igual ou superior). A
atribuição ao juiz superior não torna “recurso” o remédio da rescisão, como
ao tempo da distinção (estranha às nossas fontes) entre a querela nuílitatis e
a actio nuílitatis. O que há de querela de nulidade contra a sentença ou
entrou na apelação, ou nos embargos de nulidade e infringentes do julgado,
ou no agravo de instrumento, ou no recurso extraordinário. Adiante, sob os
arts. 49 1-495.

9.“ludicium rescindens”, “judicium rescissorium” A ação rescisória do


sistema luso-brasileiro mantém o iudicium rescindens, talvez exauriente, e o
iudicium rescissorium, se é de abrir-se sem quebra dos princípios
fundamentais do processo. Se a sentença é atingida (uma vez que houve
sentença), e se pediu o rejulgamento “non solum super nuílitate, verum
etiam super iustitia vel iniustitia ipsius sententiae pronunciare potest eo
modo quo iudex primus pronunciare debebat”. Não assim, se se atingiu algo
antes da sentença, ou se alguma sentença não houve.

A restitutio in integrum era ação executiva; a ação rescisória, no sistema


jurídico brasileiro, é ação constitutiva negativa: a restituição resulta de
eficácia imediata se houve execução por força da sentença rescindenda ou
de eficácia mediata de tal sentença.

A evolução operou-se através da restitutio fundada na L.33, D., de re


iudicata et de effecru sententiarum et de interlocutionibus, 42, 1, com que o
direito comum atacou as sentenças por falsa prova, ou por se terem
encontrado novas provas. No intervalo, há a distinção quanto a menor e
maior.

A restitutio in integrum continuou com o duplo juízo, o rescindente e o


rescisório, tal como fora no direito romano (Steinberger, Restitution, J.
Weiske, Rechtslexikon, IX, 291 e 308; G. Chr. Burchardi, Die Lehre von der
Wiedereinsetzung in den vorigen Stand, 490 s.), posto que muitos negassem
a distinção (Gerh. Noodt, J. O.

Westenberg, Dompierre de Jonquiêres, J. A. Sinner). Havia a praetoria


cognitio, a que corresponde a lide sobre a restituição, e a restituição mesma
(eficácia executiva), mas foram os modernos que distinguiram as duas
fases, o iudicium rescindens, e o iudicium rescissorium (cf. M. Voigt, Uber
die condictiones und uber causa und titulus, 777; 5. G. Zimmern, De
ludicio, quod vocant rescindente ac rescissorio, disputatio, 315). Em
verdade, não se precisa restituir a coisa se coisa não se entregou, o que H.
de Cocceius e 5. L. B. de Cocceius viram. No direito contemporâneo, o de
que se abstrai é do intervalo entre o juízo rescindente e o rescisório, ainda
se necessariamente separados na espécie (cf. Chr. Fr. von Gluck, Dissertatio
de vita petendae restitutionis in integrum praetoriae, Opuscula iuridica, II,
401, e 474). A petição, hoje como outrora, podia conter os dois pedidos.

Seja como for, no direito brasileiro de modo nenhum se pode prescindir da


distinção que, no parecer de B. de Cramer, pertencia “ad inanem theoriam”.
A discussão sobre ser um só ou duplo ojuízo, no direito hodierno, é sem
pertinência: não há solução apriori; a rescisão do julgado pode bastar; se
não basta, tem-se de ter provocado ou de provocar outro juízo.

Se a rescisão apanha o processo (não só a sentença) e do rescindido


dependeu a sentença, todo o rescindido se há de completar, ou, tratando-se
de defeito inicial, não há mais processo, ou relação jurídica processual,
reservato iure apte agendi. Daí baixar o feito se não foi atingido todo o
processo, para que, recomposto o rescindido, o juiz dê a sentença e haja os
recursos. O juiz, ou o tribunal, se só se atingiu o processo em superior
instância, inclusive a do recurso extraordinário. Aqui, convém retificar a
regra (falsa) de que a ação rescisória devolvit negotium ad cognitionem
iudicis superioris ad instar appellationis. Isso só seria possível quanto às
querelas recursais de nulidade, posto que, ainda quanto à querela nuílitatis,
não fosse de admitir-se (a respeito, Piero Calamandrei, La Cassazione
Civile, 1, 177, s.).

10.Extraordinariedade do remédio A ação rescisória é remédio jurídico


extraordinário, razão por que, se a sentença não existe, ou é nula,cabe ao
juiz declarar-lhe a inexistência, ou a nulidade, em vez de rescindi-la. Qui
enim communi auxilio et mero iure munitus est, ei non debet tribui
extraordinarium remedium (Ulpiano, L. 16, pr., D., de minoribus viginti
quin que annis, 4, 4). Se por outro remédio jurídico se pode obter o mesmo
resultado, não se há de exercer a pretensão rescisória, que é contra julgado
(K. A. Schneider, Die allgemein subsidiãrem Klagen, 224 s.; G. Chr.
Burchardi, Die Lehre von der Wiedereinsetzung in den vorigen Stand, 99;
pela eletividade, W. Francke, Beitrãge, 67; Steinberger, Restitution, em J.
Weiske, Rechtslexikon, IX, 301).

11. Ação, e não exceção A rescisão da sentença não se pode pedir per
modum exceptionis, à diferença da integri restitutio romana, que era
pleiteável, em exceção, ou incidente. Johann Voet (Commentarius ad
Pandectas, 1, 178), criticou, injustamente, a Paulo (Sententiae, 1, 7, §
1:“Integri restitutio est redintegrandae rei vel causae actio”) só ter pensado
na actio, e não na actio e na exceptio; mas a palavra compreendia os dois
conceitos, como está na L. 1, D., de exceptionibus praescriptionibus et
praeiudiciis, 44, 1 (cf. A. Schulting, Jurisprudentia vetus anteiustinianea,
233). No sistema jurídico brasileiro, só há a ação, não a exceção de
rescisão. Nem a ação incidental rescisória. Que a restitutio podia ser em
exceção está claro em Ulpiano (L. 9, § 3, D., quod metas causa gestum erit,
4, 2). A propositura incidental era afirmada nos escritores, porém sem texto
que pudesse ser invocado fora do caso especial do menor.

Proposta a ação rescisória, pode o réu vir com a reconvenção.

Se foi pedido julgamento em iudicium rescissorium, depende do alcance da


rescisão se ainda cabe exceção ou reconvenção. Se o réu no rescisório opôs
exceção e o alcance da eficácia da sentença rescindente foi além, no
pretérito, do momento em que se podia apresentar exceção, a oponibilidade
restabelece-se. Se a rescisão não apanhou o momento em que a exceção
podia ser oposta, não pode o juiz ou tribunal do juízo rescisório dela
conhecer.

Os pontos que acima referimos são de máxima relevância, porque se tem de


saber como e até onde a sentença rescindente apanhou a sentença
rescindida. Pode ser que tenha atingido parte, ou o todo; mais: que haja
afastado qualquer cabimento da ação que foi invocada na sentença
rescindida. Então, só há rescisono.

12. Interesse E preciso, para se propor a ação rescisória, que haja interesse
(Código de Processo Civil, art. 30) No direito comum, exigia-se ter havido
dano (J. U. de Cramer, Wetzlarische Nebenstunden, 116), sofrido sem culpa
do autor, abstraindo-se das regras jurídicas especiais sobre menores. De
modo nenhum se pode entrar, hoje, em tal apreciação.

Não há ação rescisória, de ofício. As discussões em tomo de casos em que o


juiz poderia, excepcionalmente, restituir ao estado anterior, de oficio, são,
hoje, sem qualquer pertinência.

Aliás, seria contra os princípios que o juiz pudesse atacar o que transitou
em julgado, ou pudesse desatender à res iudicata, na suposição de haver
rescindibilidade.

Na ação rescisória, pode ser que o julgador encontre invalidade de algum


ato, ou mesmo inexistência, mas tais fundamentos não são fundamentos
para declaração de inexistência, ou decretação de invalidade, porém seria
para a rescisão da sentença. Daí a diferença, que é profunda, entre a
sentença que declara inexistência e a que decreta a invalidade. O juízo
rescindente vive o que se passou e corta a sentença, cinde-a, indo até onde
deve ir.

13. Considerações prévias sobre a ação rescisória A incidência das regras


jurídicas dá-se fatalmente, sem qualquer ato do homem. No mundo do
pensamento, foi concebido o direito para ser regula para a vida e para as
relação inter-humanas. Daí a perfeição que se atribui ao incidir das regras
jurídicas. A aplicação falha: ou falha porque se ignoram fatos ou se
perceberam mal ou se apreciaram mal as provas, ou porque se ignora a lex,
ou se percebe mal, ou se interpreta mal.

A finalidade da justiça é a de fazer o mais possível coincidentes a


incidência e a aplicação. Os erros surgem, ao longo dos caminhos. O
homem, que veio da assembléia e pela assembléia foi feito, confia no
reexame e na discussão. Daí os recursos. Mas ~que se há de fazer, se não há
mais recursos?

Surgem, então, os remédios jurídicos heróicos, os remédios jurídicos contra


a coisa julgada formal. Nada mais se devia dizer, nem alegar. Mas a técnica
legislativa admitiu, em casos excepcionais, que ainda alegassem os
interessados e ainda a Justiça falasse. Ou se entende, em tais espécies
dignas de sanção especial, que a decisão é nula, ou que é anulável, ou que é
rescindível, ou revisível; ou que é revogável, o que pre-exclui, como se se
preferiu a sanção de nulidade, a coisa julgada. Note-se a diferença das
soluções técnicas: ou não se admite a própria eficácia de coisa julgada
formal, ou se reconhece que tal eficácia se produz, mas, a despeito dela, se
anui em que se ataque a decisão.

Sem partir de conceitos claros como esses (nulidade, revogação; anulação,


rescisão), cada um inconfundível, em ciência, com os outros, arrisca-se o
jurista a encambulhar assuntos e a tecer raciocínios viciados. Infelizmente,
a matéria da ação rescisória tem sido vítima de tratamentos assistemáticos.
~,Não se viu a M. 1. Carvalho de Mendonça falar de combater-se com ela a
“nulidade” da sentença? ~,A Jorge Americano, de decretação de nulidade
ou ilegalidade da sentença? j,A Luis Eulálio de Bueno Vidigal, de ação pela
qual se pede a “declaração” de nulidade da sentença? No sistema jurídico
brasileiro, declara-se a inexistência, declara-se a ineficácia; desconstitui-se
o ato jurídico nulo, o ato jurídico anulável, o ato jurídico revogável
(desconstituição com a simples vox “revocatio”), o ato jurídico rescindível
ou o ato jurídico revisível (desconstituição do irrevogável, na espécie do
trânsito em julgado, e válido, pela rescisão, isto é, corte da decisão e da
relação jurídica processual até onde se deu o vício). Cisão até lá (rescisio).
Se se mesclam os dois conceitos, o de nulidade, que supõe invalidade e, de
regra, ineficácia, e o de rescisão, que nada tem com nulidade, anulação e
ineficácia, não se pode dar à ação rescisória o tratamento científico, que é
de mister. A rescindibilidade concerne a sentença que vale e é eficaz; se,
além de se comporem os pressupostos da pretensão à rescisão e da ação
rescisória, os da nulidade ou da ineficácia se apresentaram, tem o juiz
diante de si situação semelhante à que se lhe oferece a cada momento: além
da rescindibilidade (e. g., por vícios redibitórios da coisa>, a nulidade ou a
ineficácia do negócio jurídico (e. g., o comprador ou o vendedor foi menor
de dezesseis anos ou o outro condômino não tomou parte nas declarações
de vontade). Quando Luís Eulálio de Bueno Vidigal (Da Ação Rescisória
dos Julgados, 16) disse que a ação rescisória é a ação pela qual se pede a
“declaração” da nulidade da sentença, e considerou desconstitutiva a
sentença, caiu em contradição.
A ação contra julgado, que sucede ao vindex do tempo das legis actiones,
era, no direito romano, declaratório, porque o nuílum era inexistente, e não
o existente eivado de invalidade, como é hoje. Tratava-se de erro res in
procedendo. A via recursal era a única para o errores in iudicando. ação
rescisória do direito luso-brasileiro e do brasileiro é constitutiva negativa,
superadas as próprias consequências que se quiseram tirar do conceito
romano de sentenças

“nenhumas” (e. g., imprescritibilidade ou impreclusibilidade sustentada por


Francisco de Caídas Pereira e Jorge de Cabedo). A tese, vencedora e
assente, da preclusibilidade (Antônio da Gama, Álvaro Valasco, Gabriel
Pereira de Castro, Manuel Gonçalves da Silva), necessariamente afastou
que a sentença rescindível fosse nula, uma vez que havia a preclusão, sem
caráter de sanação. Foi isso o que se reafirmou com o Código Civil de
1916, art. 178, § 10, VIII, e o conceito de “ação rescisória” acabou por ser
conceito jurídico constitucional.

O que só é rescindível existe e vale.

Do que acima se disse se há de concluir: a) que, no sistema jurídico


brasileiro, a ação vai contra a coisa julgada formal’50 (é para se rescindir,
não para se decretar nulidade, ou anulação, nem para se revogar); b) que o
conceito é indeformável pela legislação ordinária, pois que se inseriu na
Constituição.

A propósito de sentenças inexistentes, nulas e rescindíveis a confusão é tão


grande em certos escritores que às vezes a atribuem a quem
deliberadamente a evitou sempre. Por exemplo: Luis Eulálio de Bueno
Vidigal (Da Ação Rescisória dos Julgados, 32) enumerou casos de
inexistência, dizendo que os apontamos. De modo nenhum. Basta ler-se o
que escrevemos à p. 72 s. da ia e p. 82 da 2~ ed. da Ação Rescisória das
Sentenças (que ele, aliás, cita), distinguindo, precisamente, sentenças
inexistentes e sentenças nulas:

inexistentes são as sentenças proferidas pela pessoa que não é juiz, ou que
não foi escrita, nem publicada. Depois indicamos sentenças nulas. É
estranho que o autor nos haja atribuído o que não dissemos. Nunca e em
lugar nenhum escrevemos que a sentença cognoscitiva, lógica, ou
moralmente impossível fosse inexistente. Reputamo-la nula, na 1a e na 2a
ed., devido àineficácia. Isso antes do trânsito formal em julgado. Nos
Comentários ao Código de 1939,11, ia ed., 456 e 484 s., reputamo-la
ineficaz e discorremos sobre o tema “Se há sentenças nulas ipso iure”. Já
uma vez o mesmo escritor nos atribui ter dito que alguém escrevera algo
que em verdade não escrevera, e apontamos a página do livro (Comentários
VI, ía ed., 722 s.)

14. Direito interespacial Em virtude da distribuição internacional, da


repartição intra-estatal das competências jurisdicionais (espaço) e da
ligação de todo direito a um lugar e a um momento (espaço-tempo), os
pressupostos comuns e gerais a rescisórias dependem de um juiz e de uma
lei vigente. Mas, ainda quando se abstraia de tal localização espácio-
temporal, a lei vigente possui regras jurídicas de localização por
competência e de prazo dentro do qual se pode propor a ação rescisória.

No caso de um território passar a pertencer a outro Estado, ou a outro


Estado-membro, naturalmente se decidirá com quem ficarão os processos,
sendo difícil, fora dos casos de jurisdição ligada aos imóveis, prever-se a
que juiz competirá conhecer da rescisória de sentenças proferidas antes da
anexação. Em todo caso, a regra é entender-se que os arquivos ficam no
mesmo lugar em que existia a antiga jurisdição territorial.

150 Vd .as notas 130e 131.

Tudo se passa conforme se deva resolver, a posteriori, o problema de


sucessão de jurisdição, seja intemacional, seja interprovincial. Nada obsta a
que as pessoas de direito público, responsáveis pela prestação jurisdicional
entregue, acertem, entre si, qual deva sera sucessora em cada juízo, ou, até,
em cada matéria. Os pressupostos somente podem ser os da lei da enfidade
sucessora. Essa, aliás, poderá resolver diferentemente, conservando, por
exemplo, os pressupostos do antigo direito, ou negando a rescisória, porque
não existia, ou concedendo, excepcionalmente, embora não a tenha, por ter
existido.
Se não existia ao tempo do trânsito em julgado, surge a questão de direito
intertemporal, principalmente a de vedação da retroeficácia das leis. Ou a) o
Estado sucessor respeita o princípio do Estado sucedido que não tinha a
ação rescisória, ou b) tal Estado sucedido não tinha a proibição da lei
retroativa, nem a tem o Estado sucessor, ou c) a tem o Estado sucessor. Na
espécie a), não há pensar-se em ação rescisória. Na espécie b), e a líbito do
Estado sucessor adotar a rescindibilidade ou a irrescindibilidade da
sentença. Na espécie c), o Estado sucessor infringe o seu próprio direito se
faz rescindível a sentença do Estado sucedido, que o não era.

15. Direito intertemporal Quanto ao momento a que se há de ligar a lei


reguladora da ação rescisória, é ele o do proferimento da sentença
rescindenda, e não o da propositura da ação rescisória (erradamente, não
tendo o relator estudado o problema de direito intertemporal, sobretudo
diante do principio constitucional sobre irretroatividade, a 2a Turma do
Supremo Tribunal Federal, a 14 de abril de 1947, R. F., 114, 396).

Assim, se no dia em que transitou em julgado a sentença não era


rescindível, não há pensar-se em lex nova que a faça rescindível. Se era
rescindível, pelos pressupostos a, b, c, d e e, não pode ser acrescentado o
pressuposto O prazo preclusivo não pode ser encurtado porque o direito e a
pretensão à rescisão já nasceram no dia em que transitou em julgado a
sentença, e diminuir o prazo é extingui-lo por lei nova (Não se confunda a
espécie com a da prescrição: o prazo prescripcional é para nascer a exceção,

ao passo que o prazo preclusivo supõe, aí, direitos e pretensões já nascidos.)


Adiante, sob o art. 495.

Art. 485.’~’ A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser


rescindida’)’6)t7)15) quando2)22): 151 A Medida Provisória n’ 1.577, na
quarta versão, de 02.10.97, no momento em que escrevo, acrescentou aos
casos do as-t. 485 uma Outra hipótese de cabimento da ação rescisória,
conforme o parágrafo único do seu art. 40• Essa hipótese ~ analisada
adiante, no texto, sob o comentário nº’ 22, como sempre impresso em
caracteres diferentes para a imediata distinção entre o que e do comentarista
e o que foi acrescentado pelo atualízador.
1 se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz3); liproferidaporjuiz impedido4) ou absolutamente incompetente5);

III resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida ),


ou de colusão entre as partes, afim defraudar

a lei7);

IV ofender a coisa julgada5);

V violar literal di.~posição de lei9);

VI se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo


criminal ou seja provada na própria ação rescisória’0);

VIl depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência


ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável”);

VIII houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação,


em que se baseou a sentença’2); IX fundada em erro de fato, resultante de
atos ou de documentos da causa’3).

§ lO. Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando


considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido’4).

§ 20. É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido
controvérsia’5), nem pronunciamento judicial sobre o fato’9)20)21).

1.Rescindibilidade da sentença (a) A expressão “será nula”, que estava no


Código de 1939, art. 798, era errada, pelo sentido ambíguo. O texto
enumerava exatamente casos de rescisão, e não de nulidade da sentença
casos de rescindibilidade. A preclusão do prazo de dois anos

para a pretensão a rescindir apaga a atingibilidade pela rescisória. Não era


nem é insanável. Não se pronunciava, nem se pronuncia de oficio, nem fora
do processo da ação rescisória; nem depois dos dois anos, contados do
trânsito em julgado da sentença referida no art. 485. Terminologia escorreita
aconselhava que se evitasse tão grave ambiguidade, ainda

152 O art. 40, cap~er, da medida provisória referida na nota 151 ampliou
para quatro anos o prazo da ação rescisória da União, estados, Distrito
Federal, municípios, autarquias e fundações instituidas pelo poder público.

com tais ressalvas. De modo nenhum as sentenças, a que se refere o art.


485, são sentenças nulas. São válidas e rescindíveis. O prazo para a
propositura não é prescripcional (= para que nasça a exceptio), mas sim
preclusivo de direito e pretensão. Não há sanação, com o advento do último
instante dos dois anos: se havia nulidade processual e a sentença a sanou,
nada tem isso com a rescindibilidade; se sanada não tivesse sido a
nulidade, não se precisaria da ação rescisória, porque a própria sentença
seria nula. A sentença ou nada encontra que sane, ou sana a nulidade que
existia, ou ela mesma é nula.

Por onde se vê que pode o juiz, de oficio, julgar precluida a pretensão.

A nossa exprobração ao texto de 1939, que confundia rescisão e nulidade,


rescindibilidade e decretabilidade de nulidade, foi atendida; e o texto de
1973 só se referiu a poder ser rescindida a sentença. O rigor terminológico,
em qualquer processo social de adaptação, máxime no Direito e na
Ciência, é um dos mais altos pontos a que ascendeu e ascende o Homem.

A sentença rescindível é menos eivada do que a sentença nula e ineficaz


enquanto não se rescinde por sentença trânsita em julgado.

Muito diferente é o que se passa com a sentença inexistente e a sentença


nula. Se o réu não foi citado inicialmente e a ação correu à revelia, claro
que pode opor-se à execução, por embargos de devedor (arts. 736,741, 1, e
745). A sentença, ai, é nula, e ipso iure, porque é nulo, e ipso iure, o
processo. Se houve a preclusão de todos os prazos, nem por isso deixa de
ser nula tal sentença. Se, intimada, a parte não recorreu, nem propôs, no
prazo preclusivo, a ação rescisória, a solução é a de se consultar o único
texto que pode responder: a lei processual da justiça que proferiu a
sentença. (Se há infração da distribuição interestatal das competências,
cabe, preliminarmente, decidir-se tal questão; porém não há lugar, aqui,
para o problema da sanação devido à comparência, se o defeito de
incompetência conceme ao direito supra-estatal. As sanções seriam a não-
homologação da sentença, se precisar disso, a reclamação diplomática, a
retorsão, etc. Mas é discutível, se o que sabia do risco de tal sentença não
propôs, em tempo, a ação rescisória.)

No direito brasileiro, a angularidade, embora tardia, perfez-se (arg. aos arts.


485, V. e 741, 1).

Distinguem-se: a) as sentenças inexistentes; b) as nulas; c) as reformáveis;


d) as rescindíveis (reformáveis antes de passar em julgado, isto é,
recorríveis; depois de trânsito em julgado, isto é, rescindíveis). A decisão
proferida pelo que não é juiz ou não no é no momento, como se o
pretor,substituto do juiz de direito, ou o juiz de direito, substituto do
desembargador, a proferiu quando já não substituia, é inexistente. Dá-se o
mesmo, se o pretor a deu como pretor quando já não no era, ou o juiz a deu
como tal quando já não era juiz. Bem diferente é o caso da sentença
proferida pelo juiz incompetente, isto é, que não era o que devia conhecer
do litígio, mas, na sua verdadeira qualidade, dele conheceu. Se a nulidade é
insanável, portanto absoluta, ou se há inexistência da sentença e não só
nulidade, em qualquer tempo poderá ser alegada e reconhecida. Aqui, sim, a
sentença seria “nenhuma”; ali, seria sentença, mas nula.

A regra é serem sanáveis as nulidades. Decorridos os termos para os


recursos, preclui o direito de se impugnar o ato. A sentença é impugnável
pela ação rescisória quando a infração, que era sanável, não se apagou. Mas
aí estamos em terreno tautológico: se a infração era sanável e não se
apagou, então foi a lei que determinou isso, permitindo, na espécie, a ação
rescisória.

A sentença inexistente, e. g., proferida por pessoa ou corpo julgador que


não é juiz, é objeto de ação declaratória de inexistência, sem necessidade de
“ação” (cf. 2& Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Pernambuco, 11
de dezembro de 1945, A. F., 17, 647). Às vezes, a ação a propor-se é
declaratória negativa incidental.
A sentença nula não precisa ser rescindida. Nula é; e a ação constitutiva
negativa pode ser exercida ainda incidenter, cabendo ao juiz a própria
desconstituição de ofício. Tais os exatos princípios.

Sentença proferida em processo em que não se citou o réu, ou em que a


citação foi nula, e houve revelia, é sentença que não precisa ser rescindida,
porque a angularidade da relação jurídica processual não ocorreu e nos
próprios embargos do devedor (art. 741, 1) pode ser alegada a falta de
angularização e pois a nulidade da sentença. Com o julgamento dos
embargos do devedor passam ao nada, o processo e a sentença. Foi erro
grave de Enrico Tuílio Liebman (Estudos sobre o Processo Civil brasileiro,
186) que, aliás, caiu em confusões entre nulidade e inexistência, hoje
“nula”.

Sentença, no art. 485, está em sentido amplo (sentença, acórdão). No art.


495 fala-se de decisão. Desde que algum juízo coletivo conheceu de
recurso, a rescindibilidade é quanto à sua decisão. Se dele não conheceu, o
que pode ser rescindível é a sentença ou o acórdão de que se recorreu. O
julgamento em agravo de instrumento não é rescindível, porque nenhuma
hipótese há de sentença de mérito ou sobre desistência, isto é, quanto ao
meritum causae. Advirta-se que, se não houve cognição de recurso,
qualquer que tenha sido a ocorrência (e. g., desistência, perda de algum
prazo ou de preparo), a sentença transitou em julgado.

No art. 485 do Código de 1973 fala-se da rescindibilidade das sentenças de


mérito; mas o próprio Código de 1973, que fez rescindível a sentença que
se fundou em desistência invalidável (art. 485, VIII), ao enumerar as
sentenças que extinguem o processo “sem julgamento do mérito”, pôs a
desistência da ação. ‘~

(b)O tractus temporis do prazo de dois anos da ação rescisória é de direito


pré-processual, que se não confunde com o processo em si. Tal diferença é,
hoje, profundamente estudada pela processualistica científica. Teremos
oportunidade de ver os efeitos sanatórios de tal prazo. Mas as sentenças
inexistentes não se fazem sentenças, nem pela preclusão, nem por haverem
decorrido os dois anos para a ação rescisória. Do nada, nada se tira. Se a
sentença proferida pelo que não é juiz (aliás, não seria “sentença”, no
sentido técnico), ou que não foi escrita nem publicada, pudesse vir a
convalescer, ter-se-ia de extrair ex nihilo o seu afirmado valor.

(c) A distinção entre sentenças inexistentes, nulas e rescindíveis, isto é, aqui


existentes, válidas, mas atacáveis a despeito do trânsito em coisa julgada,
suscita questão a que se há de responder antes de qualquer outra. Porque, se
a sentença é nula ipso iure, existe, porém não vale: se não vale, de pleno
direito, não se precisa de “ação” contra ela. Ao ser invocada, opõe-se que é
nula ipso iure. Se alguém quer alegá-lo, pode fazê-lo quando entenda, sem
esperar a citação na ação iudicati.

De nulidade é de inquinar-se a sentença que se proferiu contra ou a favor de


processualmente incapaz. Dissemos

“nulidade”, no senso exato; portanto, de sentença nula. Tal decisão, ainda


que em tudo mais tenha observado a lei (de acordo com os princípios de
direito, com citação inicial, e perfeita disciplina processual), não precisa,
sequer, de interposição de recursos, nem de proposição de ação rescisória.

153 Parece que o saudoso comentarista leu o inciso VIII sem o vincular ao
caput do art. 485: a sentença de mérito transitada em julgado pode ser
rescindida quando (...) houver fundamento para invalidar desistência em
que se baseou a sentença (de mérito). Então, se a sentença rescindenda se
fundou em desistência que se possa invalidar (v. g., diante da desistência
nula, o juiz, aplicando o art. 26, condenou o autor ao pagamento de
honorários, proferindo, nesse ponto, sentença de mérito) esse julgado é
suscetível de desconstituição pela ação rescisória, fundada no inciso VIII.
José Carlos Barbosa Moreira, atento ao capur do art. 485, diante do qual
“necessariamente deve tratar-se de sentença de mérito”, sustenta que não é
possível que o inciso VIII do art. 485 se refira à hipótese do art. 267, VIII,
acrescentando que ‘~por ‘desistência’, aí, há de entender-se, pois,
‘renuncia’: o caso é unicamente o do art. 269, n’ v.’~ (Comentários ao
CPC, vol. V, 6 cd., 2 tiragem, Forense, Rio, 1994, p. 127 e nota 89, onde
invoca ilustres processualistas). Essa interpretação, sem dúvida interessante,
parece artificiosa porque implica a confusão de duas figuras distintas
desistência e renúncia abstraindo-se a possibilidade, quiçá demonstrada
com o exemplo oferecido nesta nota, de sentença de mérito fundada em
desistência suscetível de invalidação.

Sentença ineficaz é a ferida de morte por alguma impossibilidade:

cognoscitiva (sentença incompreensível, ilegível, indeterminável), lógica


(sentença Invencívelmente contraditória), moral (sentença incompatível
com a execução ou a eficácia, como a que ordenasse a escravidão ou
convertesse dívida civil em prisão, coisa inconfundível com a detenção civil
nos casos especiais da legislação), jurídica (sentença que cria direitos reais
além daqueles que o direito permite, como, em direito civil brasileiro,
fideicomisso do terceiro grau).

Devemos aditar: material (física), científica (se, por exemplo, a sentença


ordenar medida que, agora, se verifica ser calamidade pública, segundo
descobertas da ciência), estética (se ordenava levantar platibanda e a lei
municipal caíra em desuso). É nula ipso jure: a) se o mesmo juiz publicou,
no mesmo processo, outra sentença (AdolfWach, Urteilsnichtigkeit,
Rheinische Zeitschrift, III, 389); b) se faltou ou foi nula a citação inicial,
tendo corrido à revelia o processo.

(d)Os meios para se evitar qualquer investida por parte de quem tenha em
mão sentença inexistente, ou nula ipso iure, ou ineficaz, são os seguintes:

a)Autor, reconvinte, réu ou reconvindo, ou qualquer pessoa que se ligou


subjetivamente à relação jurídica processual, pode volver a juízo, exercer a
sua pretensão à tutela jurídica, com os mesmos pressupostos de pessoa,
objeto e causa, sem que se lhe possa opor, com proveito, a res iudícata: as
sentenças inexistentes e as nulas ipso jure não produzem coisa julgada. A
respeito, a terminologia das leis é defeituosissima, como bem se tem
advertido e, noutro ramo, dissemo-lo nós mesmos (cf. Giuseppe Chio-
venda, Principii, 899, nota 1, nosso Tratado de Direito Privado, VII,

§§ 801, 802 e 807, sobre inexistência, nulidade e anulabilidade de


casamento); porém cumpre pôr de parte os termos, e ver as leis em regras
entrosadas, em sua compleição.
O terceiro que não se ligara nem se liga à relação jurídica processual não
pode propor a ação rescisória: falta-lhe interesse jurídico. (Assim se há de
entender o acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 8 de janeiro de 1916:

“Admitir a ação rescisóna proposta por terceiro fora engendrar estado de


inseguridade permanente para o direito.

Proferida uma sentença entre A e B, partes únicas interessadas na questão,


sempre poderia C, por exclusiva malevolência, tentar a anulação (?) da
sentença passada em julgado”.) Alizer, o terceiro, que opôs embargos de
terceiro, porque esse é autor, ou o que se ligou à relação jurídica processual,
ou o que a sentença atingiu, em sua força ou eficácia.

b)Opor-se a qualquer ato de execução, por embargos do devedor, ou por


simples petição; porque, ainda que impossível a prestação, hão ingresso à
execução: a sentença de prestação impossível não dá, nem tira; mas, como
aparência, vai até onde se lhe declare (note-se bem: declare) a
impossibilidade cognoscitiva, lógica, moral ou jurídica.

Atenda-se a que se está diante de impossibilidade da prestação. A sentença


rescindenda pode ter dito que houve impossibilidade, ou que não houve.
Mais: com a invocação do art. 485, VII, pode ter sido adquirido documento
novo, ou de que não pôde fazer uso o autor da ação rescisória.

Pode acontecer que contra a alegação de ser impossível juridicamente a


prestação (alguma lei a afastou) se invoque o art. 485, V; mas, aí, há um
fundamento a mais, que é o de ofensa à regra jurídica.

c) Usando-se o remédio jurídico rescisório, a corte julgadora ou o juiz


singular (se for o caso, segundo a legislação processual), na preliminar do
conhecimento, ou, se juntos preliminar e mérito, no julgamento de iudicium
rescindens, dirá que o autor não tem a ação rescisória, porque essa tende
àrescisão das sentenças, e a sentença que se pretende rescindir é inexistente
ou nula ipso iure. Ai mesmo pode ele declarar a inexistência de sentença,
tendo a sua decisão a natureza de sentença em ação declaratória, ou
decretar a nulidade de pleno direito da sentença, tendo eficácia constitutiva
negativa a sua decisão. Já se chamou atenção para esse ponto: no pedido
mais forte está compreendido o menos forte, se nele cabe. Por isso mesmo,
a ineficácia também é declarável. A ação rescisória de sentença não é
recurso: é ação. Assim, a sentença na ação rescisória, sejá trânsita em
julgado, cindiu o que existia e a decisão que fora vera sententia, coisa
julgada, deixou de existir, devido à rescisão.

(e) No decidir ação rescisória, ojuiz ou tribunal tem de enfrentar certas


questões prejudiciais, o que o levará a proferir sentença declarativa, ou
constitutiva negativa prejudicial, em ação rescisória, que é ação constitutiva
negativa.

(O A expressão “nula”, que exprobramos ao Código de 1939, art. 498, teve


a sua história, e é pena que isso só em 1973 se houvesse corrigido. Bastaria
dizer-se “rescindível”, em vez de “nula”. Veio-nos das Ordenações
Filipinas, Livro III, Titulo 75, pr., onde se lia: “A sentença que é por direito
nenhuma, nunca em tempo algum passa em coisa julgada, mas em todo
tempo se pode opor contra ela que é nenhuma e de nenhum efeito e,
portanto, não é necessário dela ser apelado”. No Reg. n0 737, de 25 de
novembro de 1850, não se disse o mesmo, porém o Decreto n0 3.084, de 5

de novembro de 1898, Parte III, arts. 99 e 825, que lhe reproduzira os arts.
680 e 681, § 40 acrescentou (arts. 101 e 102) que, “se o juiz julgar contra o
direito da parte, mas não contra direito expresso, a sentença não será por
isso nula”, e que “a sentença nula nunca passa em julgado”. O Código de
Processo da Bahia (art. 1.363) fez o mesmo, na esteira do consolidador de
1898. No projeto de Código de Processo de São Paulo (1922),
explicitamente se dizia que “a sentença nula produz todos os efeitos da
sentença válida, enquanto não for anulada por qualquer dos três meios”, que
anteriormente indicara, e eram o recurso, os embargos à execução e a ação
rescisória. Note-se que o legislador processual de São Paulo quisera
deslocar a rescindibilidade para o plano de eficácia, tendo de atender a que
pode ter eficácia sentença nula ipso iure, e assim encambulhou as duas
classes e os remédios jurídicos processuais dos embargos do executado (ou
do terceiro) e a ação rescisória.
Os bons juristas trataram de afeiçoar o texto reinícola à ciência. É evidente
que se confundiam nulidade ipso iure, isto é, independente da sentença, e
nulidade que o passar em julgado não punha acoberto. Um dos últimos a
notar o erro e a obviar aos seus danos foi J. A. Pimenta Bueno
(Apontamentos, 93): “Conseqúentemente, é visto que as próprias sentenças
viciadas de nulidade absoluta não perecem ipso iure no rigor da expressão,
e pelo contrário produzem seus efeitos até que sejam declaradas tais”. O
antigo Código de Processo Civil do Distrito Federal, no art. 302, falou em
sentença “nula” e, no art. 303, em “ser anulada a sentença” pelos recursos,
que mencionava um a um, e pela ação rescisória (inciso V). No art. 136,
cometeu o legislador a velha cincada: ao enumerar as decisões destituídas
de autoridade da coisa julgada, incluiu (parágrafo único, inciso V) “as
sentenças nulas” (!). Ora, todo o sistema do Código gritou contra isso. O
mesmo ocorreu nos outros Códigos de Processo Civil: São Paulo, arts. 348
e 358; Minas Gerais, arts. 173 e 174 (“a nulidade da sentença pode ser
pedida”); Rio Grande do Sul, art. 504; Rio de Janeiro, arts.

2.276 e 2.277; Pernambuco, arts. 162 e 163; Bahia, arts. 1.361 e 1.362;
Santa Catarina, arts. 1.844 e 1.845. Só o Espírito Santo, arts. 271 e 280, foi
feliz em manter as expressões “anulável” e “anulada” em perfeita coerência.
Ainda melhor seria dizer “rescindível”, ao tratar-se do caso de rescisória;
mas, adotado o sistema da enumeração dos meios (recursos e remédio), o
termo “anulável”, sem ser o melhor, satisfazia.

Para que alguma sentença não produzisse coisa julgada seria preciso que a
nulidade fosse ipso iure. No entanto, o próprio Código de 1939, depois de
preclusos todos os prazos de recurso, manteve todas as sentenças, permitiu-
lhes a execução, não admitiu que o mesmo juiz e os outros juizes a
desconhecessem, supôs que produzam efeitos perante todos, e 50 permítiu
contra ela: 1) os embargos do executado, nos dias posteriores à penhora,
por falta ou nulidade da citação inicial para a ação, quando esta houver
corrido à revelia do embargante nulidade especialissima,
manifestíssima,que compõe o pressuposto de uma restitutio ia iate grum; 2)
os embargos de terceiro, que só lhe cortam os excessos, a negação do
direito de outrem, estranho à relação jurídica processuab 3) a actio
nuílitatis, ou a exceptio nuflitatis; 4) enfim, a ação rescisória. ~Onde, pois,
a velha sentença “nenhuma” da Ordenação? Semente às classes 1) e 3)
serviria o nome.

A sentença que existe, e não é nula ipso iure, ou é inatacável, ou é


rescindível; ou é desfazível com a relação em que se proferiu. A relação
jurídica processual~ que existe e é nula de pleno direito, cai com os
embargos do devedor ou com a querela de nulidade. Para que se desse
“rescisão” da relação jurídica processual seria preciso que se houvesse
proposto a ação rescisória com fundamento na prevaricação ou na
concussão ou na corrupção do juiz, ou com fundamento em violação de
direito que diga respeito àformação da relação jurídica processual: fora daí,
não se atinge, no começo, a relação. A extinção do processos haja ou não
sentença, desfaz a relação que existia e podia ser válida e irrescindível. Já o
autor da Ordenação Afonsina do Livro III, Título 82, § 3, sentira a diferença
entre “rescindir” e

“desfazer”; “...em huuma sentença, da qual non fosse apelado por alguuma
parte, e depois alguum dos condenados desfizesse, e recendesse a dita
Sentença...” A restituição de menores e a absolvição da instância desfaziam;
procedência dá ação, fundada na infração da coisa julgada, rescindia a
sentença.

(g) No direito romano, a relação jurídica processual~ em casos do art. 485,


1 e II) era inexistente. A L. 1, C., si aba a competenti iudice iudicatum esse
dicatur, 7,48, dizia: “Iudex adcertam rem datus, si de aliis pronuntiavit
quam quod ad eam speciem pertinet, nihil egit.” (Algumas edições do
Codex, em vez de “eam speciem”, escrevem “eas res”; outras, “eam rem”.)

No direito brasileiro, se a incompetência é absoluta, a sentença é


rescindível, e desconstituível, pela decretação da nulidade processual~ a
relação (art.

485, II).

Na Sistemática dos Títulos IX e X, tratar-se-á da mudança que se operou


através dos séculos XII a XVI. Aliás, o direito processual civil brasileiro
contém solução nova.
Vê-se, pois, que se preferiu a categoria da rescindibilidade à da nulidade
ipso iure. Tratou-se a prestação jurisdicional como coisa que se entrega à
parte vencedora e à vencida, com vício semelhante àqueles que permitem a
ação de redibição. As sentenças do art. 485 são sentenças viciadas; por isso
mesmo, suscetíveis de rescisão.

(h) A parte ou o terceiro a que se atribui deserção de recurso pode intentar


ação rescisória. A ação rescisória nada tem com a exigência de se terem
exaurido os recursos, porque não se diz, a respeito da ação rescisória, que
ela somente cabe da decisão de única e última instância, como acontece
com o recurso extraordinário. O que se pressupõe é trânsito em julgado. A
decisão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, a 25 de julho de 1946 (A. J., 81, 33), fundando-se no argumento de
não se poder presumir renúncia a recurso que foi julgado deserto, se poder
presumir renúncia a recurso que foi julgado deserto, acertou na conclusão
de cabimento da ação rescisória, mas errou na argumentação. Quem deixa
de recorrer, ou renuncia a recurso, ou dele desiste, pode propor ação
rescisória (Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1945,
A. 1., 77, 155).

O art. 485 do Código de Processo Civil diz que pode ser rescindida a
sentença, nas espécies que se apontam, se “de mérito”; de modo que se
excluiriam todas as sentenças que extinguem o processo sem julgamento do
mérito (cf. art.

267). Ora, a desistência, por exemplo, está no próprio Código, art. 267,
VIII, como um dos fundamentos para que a sentença extinga o processo
sem julgamento do mérito, de jeito que não se pode dar acolhida
inexcetuável ao que se diz no começo do art. 485 (“a sentença de mérito
transitada em julgado”), pois haveria contradição entre os dois textos.’TM
Outro ponto de grande relevância para a meditação dos juizes e juristas é o
que está no art. 267, VI, relativa quando não ocorrer qualquer das condições
da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o
interesse processual. O que se há de assentar como interpretação razoável é
a de abstrair-se da expressão “mérito” que está no art. 485. Se o juiz julga
extinto o processo porque acolheu a alegação, de coisa julgada (art. 267, V,
iafiae), não se pode dizer que, com isso, não possa ter ofendido a coisa
julgada (art. 485, IV). Por exemplo: propôs A ação contra B para haver a e
b, e o juiz, diante da sentença de outro juiz, que havia condenado B a a e
não a e b, profere a sentença extintiva do processo, como se houvesse coisa
julgada quanto a a e quanto a b. Houve a ofensa à coisa julgada de que fala
o art. 485, IV. O que importa, para saber se cabe ação rescisória de
sentença, é que um dos pressupostos do art.

485 exista. Se o juiz indeferiu a petição inicial (art. 267, 1, que é relativo a
extinção do processo sem julgamento do mérito), mas a sentença resultara
de dolo da parte vencedora, em detrimento da parte vencida ou de colusão
entre as partes, a fim de fraudar a lei (art. 485, III), ou, após a sentença,
adveio decisão em processo criminal, ou na própria ação rescisória se prova
a falsidade (art. 485, VI), ou o autor obteve documento cuja existência lhe
era ignorada, ou de queagora pode usar para o julgamento favorável (art.
485, VII). Por exemplo: com a prova da falsidade da prova, ou com
aparição ou possibilidade posterior do uso do documento, provado está que
não houve ausência de pressuposto de constituição de desenvolvimento
válido e regular do processo 2. Eficácia das sentenças rescindíveis (a) Todas
as sentenças sobre as quais se pode propor a rescisória têm eficácia (força e
efeitos), se outra razão não milita. Todas as sentenças que se não for
proposta a ação rescisória, continuarão como estavam, sem serem nulas,
pois que não foi intentada a ação nos dois anos, são inimpugnáveis. A
sentença proferida à revelia e sem citação inicial da parte continuará,
suscetível de impugnação em embargos do devedor, sem preclusão possível,
porque, esta sim, nao e só rescindível é nula. Se o que foi citado e contra o
qual correu, à revelia, o processo, foi citado nulamente, a sentença também
é nula. Pode o nulamente citado opor-se a qualquer força ou efeito que se
pretenda atribuir a tal sentença. O art. 741, 1, é só o exemplo exemplo
limitado à força ou efeito executivo da sentença.

Já vimos que todos os casos de ação rescisória supõem a impugnabilidade;


porque, se fosse absoluta a invalidade de tais sentenças, dificilmente se
compreenderia que o remédio jurídico processual não fosse perpétuo. Se, no
fim do prazo preclusivo, nenhum remédio se concede contra a sentença,
necessariamente se incolumiza o julgado que antes se eivava de
rescindibilidade. Portanto, temos, a priori: rescindibilidade e sanabilidade
são para-lelas. Não se diga que assim se confere valor a sentenças
flagrantemente contrárias aos propósitos da organização e funcionamento
da justiça, como as de juiz absolutamente incompetente. Seria esse,
realmente, o caso mais grave, por faltar ou ser defeituoso o pólo da própria
relação jurídica processual. (Adiante mostraremos que o argumento não
procede. Quando alguma das causas de nulidade é de tal gravidade, nula, e
não só rescindível, é a sentença, ou o direito material previne a hipótese
com outra açao mais larga. Aliás, no tocante à falta de citação, já dissemos
o que era preciso.)

(b) No sistema brasileiro, o advento exaurante do prazo de dois anos é de


efeitos totais para todo o Brasil. Bem ou mal (não é mais oportuno
discutirmos). As justiças estaduais já antes de 1934 não ousavam dilatar o
prazo, nem tirar às sentenças, a favor das quais se operou o trânsito em
julgado (se “sentenças”), o só se impugnarem por ação rescisória.

Isso quer afirmar que o direito federal do Brasil não conhecia e não conhece
sentença, vale dizer prestação jurisdicional entregue, que deixe de ser
sentença, sem qu e intervenha a ação rescisória. Só as sentenças
inexistentes, que não são, por definição, sentenças, e as nulas ipso iure, que
são sentenças feridas de morte, escapam ao princípio implícito de que a
sentença, como a escritura pública, somente por processo se desconstitui.
Sentenças, entendamos, passadas em julgado (coisa julgada formal!).

Caso verdadeiramente digno de meditar-se é a sorte da segunda sentença


que infringiu a coisa julgada da primeira.

j,Que se passa com ela e com a outra quando preclui o prazo para se propor
a ação rescisória?

Se, após a segunda sentença, com intimação do réu, decorreram os dois


anos (fora do caso de caber qualquer outro remédio, hipótese que define a
nulidade ipso iure), não pode mais ser impugnada, nem rescindida:
portanto, convalesceu. No direito romano, a primeira continuaria a ser
válida e a segunda, nula; porém, no sistema adotado, a nulidade era
oponível em exceção, e não havia o prazo extintivo geral, que se criou no
direito brasileiro material, à semelhança do que ocorre no direito processual
alemão, onde as Wiederaufnahmeklagen não concernem às nulidades
insanáveis. No direito italiano, também se dera tal obnubilamento da
primeira pela segunda sentença, que com o esgotar-se do período de
rescindibilidade de rescindível se torna irrescindível. Extinto o último
momento para a propositura da ação de “rivocazione”, nada mais é possível
contra as sentenças simplesmente “revogáveis”, ou, na terminologia
brasileira, que éa melhor, e na alemã, respectivamente, “rescindíveis” ou
“restituíveis”.

A estrutura lógica e jurídica do que acabamos de dizer é fácil de entender-


se. Aliás, o que conteria absurdo seria ~dar-se prazo à rescisão de sentença
que “a todo tempo” fosse atacável! A coisa julgada formal não éprincípio
que se imponha necessariamente. Decorre de certas considerações,
mudáveis, de utilidade social. Uma vez formulado, entende-se que a res
iudicata opera e vale perante todos. Proferida a sentença e passada em
julgado, desde que não seja inexistente, nem nula ipso iure, que é
inconvalescível, só a rescisão pode cortá-la, rescindi-la; porque é cortar,
cindir, a prestação que ela estabeleceu, desdar o laço de preclusão que com
ela inter partes se deu. Efeitos há. Tem-se de arrancar a causa.

Se, após aquele acontecimento judicial, outra sentença entre as mesmas


partes, com o mesmo objeto e causa, vem a ser proferida, o Estado, que
assentou o principio, tira a consequência (que poderia não tirar, como
acontece em todos os processos em que há exceções de litispendência,
porém cujas sentenças não fazem coisa julgada) de ter havido infração da
regra legal e comina a rescisoriedade perpétua, trintenal, qêinqúenal ou de
menor prazo. A rescindibilidade perpétua teria o efeito de tomar insanável a
causa de rescisão, embora limitada a remédio jurídico processual (ação de
restituição ou rescisória). Ainda, aí, a nulidade, inapagável no tempo, não
seria ipso iure. Não seria ipso iure, pela hipótese mesma: só se permitiria o
processo autônomo, tendente à rescisão. Mas tudo isso tem de ser apagado
diante do princípio da preclusão e do prazo da ação rescisória.
Já aqui é o momento próprio para assentarmos: a) que o legislador poderia
fazer dependente de ação a decretação da nulidade absoluta (teve tal atitude
o legislador civil, quanto às nulidades absolutas do casamento), e não no
fez; b) que o legislador poderia reduzir todos os casos de impugnabilidade
da sentença à rescisão, apagando a classe das sentenças nulas ipso iure, e
não os reduziu, manteve as duas classes; c) que o legislador poderia
considerar inexistentes as sentenças que chamamos, agora, nulas, borrando
a linha discretiva entre essas duas classes, e preferiu conservar a distinção
entre o não-ser e ser nuíliter. Ser nulamente, para ele, conforme a tradição
ainda é ser. O jurista do direito romano clássico ficaria perplexo diante do
nulo diferente do inexistente. Porque outra era a sua filosofia.

3. Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz é pressuposto suficiente


para a rescindibilidade (a) O Código de 1973, como o de 1939, volve à
tradição das Ordenações Filipinas, que não consideravam a suspeição
pressuposto objetivo da ação rescisória (Livro III, Título 75); posto que a
incluíssem nos casos de sentença nula (Titulo 74). O

Reg. n0 737, art. 680, § 10, e as leis processuais dos Estados-membros o


haviam contemplado.

Desde que se provasse que a peita do advogado, ou de serventuários, ou


pessoal dos cartórios influira na sentença, devia ser julgada procedente a
rescisão, e só assim se compreenderia que a Ordenação falasse em peita,
devido à qual se deu a sentença, e em preço que o juiz houve. Não era
preciso que primeiro se procedesse ao julgamento criminal do juiz. Mas a
influência havia de ser subjetiva e seguramente provada. De certo modo,
assim é hoje. Mas, se houve influência, sem ser consciente disso o juiz,
peita não houve. Porque o Código de 1939 somente aludia ao ‘juiz peitado”.
Peita do advogado, ou de algum serventuário, que influiu na sentença, ou é
peita, tambem, do juiz, ou, de iure condito, não basta como causa de
rescisão.

O Código de 1973, no art. 485,1 e II em vez de falar de ‘juiz peitado,


impedido, ou incompetente ratione materiae”, como o Código de 1939,
art.798, 1 , diz caber a ação rescisória de sentença se houve “prevaricação,
concussão ou corrupção do juiz”, ou se a sentença foi “proferida por juiz
impedido ou absolutamente incompetente”. O étimo de prevaricação não
nos bastaria ao conceito (varix, variz). Nas Ordenações Filipinas, Livro 1,
Título 48, § 7, chegara-se ao que desde muito se usava: “E os Advogados,
que aconselharem contra nossas Ordenações, incorrerão nas penas, em que
incorrem os Julgadores, que julgam contra direito expresso. E os que
fizerem petição de agravo contra os autos, e não conforme a verdade, que
neles se contém, ou a fizerem manifestamente contra Direito expresso,
pagarão por cada petição, que assim fizerem, dous mil réis para as despesas
da Relação. E outros dous mil réis pagarão, quando fizerem embargos a
algum despacho, e se julgar, que não são de receber. E não sejam admitidos
a servir seus Ofícios, sem mostrarem como os têm pago.” No Livro II,
Título 26, § 24, após se tratar da perda dos bens para o Fisco (§ 23), disse-
se: “E bem assim os bens do Procurador deI Rei, que prevaricou seu feito, e
por cuja causa perdeu El Rei seu Direito”.

Pergunta-se: 6a prevaricação no art. 485, 1, do Código de 1973, tem como


pressuposto a má-fé? Não pensemos em figura de crime de prevaricação,
nem no simples erro do juiz; a culpa para a má solução, por falta ao dever
de exame e de deci são justa, é elemento necessário. Não é preciso que
tenha havido a peita, a que se referiu o Código anterior. A peita é plus, de
modo que, se houver peita, prevaricação houve. A definição de
praevaricatio está na L. 1 (Ulpiano, D., de praevaricatione, 47, 15): “O
prevaricador é como o que de pé se apóia em duas partes, o que ajuda a
parte contrária, traindo a própria causa”. E refere Labeão que apontou como
fonte o apoiar-se alguém numa e na outra parte, e mais na contrária (“quin
immo ex altera”).

O art. 485, 1, falou de concussão e de corrupção. A concussão, no direito


romano, a concussio, era o ato do funcionário, que, com a simulação de
ordem superior, extorquia dinheiro (L. 1, D., de concussione, 47, 13).
Porém Macro, na L. 2, foi adiante: “O juízo de concussão não é público;
mas se alguém recebeu dinheiro porque ameaçou com a acusação de crime,
pode haver juízo público em virtude dos senatusconsultos em que se
submete à pena da Lei Cornélia os que houverem levado à acusação de
inocentes, ou que houverem recebido dinheiro para acusação, ou não acusar,
ou denunciar ou não denunciar testemunha”. Ora, hoje, havemos de
entender que é concussionário quem quer que haja como juiz (ou como
titular de outro cargo público) para haver proveitos, ou por tê-lo auferido. O
art. 485, 1, somente cogita da ação rescisória da sentença se se trata de juiz
ou de membro de tribunal. Não se afaste a hipótese de serem acusados
algum ou todos na petição inicial da ação rescisória: se de um só se faz
prova suficiente, sem atingir o quanto necessário da votação, a rescisão não
ocorre.

Fala-se, no art. 485, 1, de corrupção do juiz. Na Idade Média muito se


confundiram a concussão e a corrupção. Ora, quem abusa da sua qualidade
e da sua função, para haver proveitos ou promessa de proveitos, ou por tê-
los havido, comete concussão. Não importa de quem venham os proveitos,
uma vez que há a ligação ao ato de concussão. O que se exige, na
corrupção, éo pactum sceleris, seja explícito, seja implícito, seja expresso,
seja tácito, como se o juiz deu a sentença a favor de A porque o irmão de A,
ou pai ou sogro de A, tinha de assinar ato de promoção com a escolha
dentre nomes um dos quais é o do juiz, ou se à A ou algum parente ou
íntimo amigo cabia nomear para algum posto o filho do juiz, ou algum
parente. A corrupção pode ser ativa (o juiz foi informado pelo extraneus, ou
por alguém em vez dele, do que se passaria se a sentença fosse a favor de
A), ou passiva (foi o juiz ou alguém por ele que informou ou disse o que se
passaria). Mas a distinção é sem relevância. O que importa é que tenha
havido a causação entre o proferimento da sentença e o que ocorreu, ou
teria de ocorrer. Frisemos que a ligação pode ter existido mesmo se o ato,
que o juiz esperou e o levou à decisão, não veio a realizar-se.

O Código de 1973, art. 485, 1, fez causas de rescindibilidade o ter-se


verificado que a sentença foi dada por prevaricação, concussão ou
cormpçáo do juiz. Prevaricar vem depraevari ca ri , cujo étimo está em
varicem, tumor, dilatação de veia, variz, donde também procedeu varicum,
que desvia as pernas. Prevaricação é o ato positivo ou negativo de desviar-
se do seu dever, de enganar a quem confia. Tanto prevarica o juiz que
retarda ou deixa de praticar, contra a lei, ato de eficácia, ou contra a lei o
pratica, qualquer que tenha sido o interesse ou o sentimento (econômico,
politico, moral, religioso, etc.).
A concussão é exigência criminosa, direta ou indireta, para si ou para
outrem, fundada em poder que se tem, para vantagem ilegal ou imoral. Em
vez de discutir, de ir à discussão, discussio, concutere, concutir, concussão.

A corrupção é a rotura, o rumpere, o corruptio (o cor seria coração?),’56 o


pedir ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem
ilegal ou imoral.

Não se atenha o intérprete do art. 485,1, a textos de direito penal, posto que
possam ser elementos para o conteúdo do conceito, porém, pelo fato de se
conhecer o texto penal em vigor, não se diga que basta.

156 Parece que o cor não sena coração, porêm derivação de cum. Assim
indica o Dicionário Saraiva, que mostra que corruptio tem por dtimo
corrunpere, formado este verbo de cor (cum) e rumpo, romper, quebrar, na
primeira pessoa do indicativo presente.

(b) O conceito de peita e, hoje, o de prevaricação são de direito pré-


processual, material, e não o do direito penal (erradas, nos fundamentos, as
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 3
de novembro de 1941, A. J., 60, 190). O suborno é uma das espécies de
peita; e não mais grave que outras, posto que mais ligada à cupidez material
do peitado. Pode ser concussão ou corrupção.

Nos arts. 135 e 136 o Código cogitou da exceção de suspeição. A exceção


tem de ser oposta no prazo de quinze dias, contado do fato que ocasionou a
suspeição (art. 305). Suspeição é eiva, que, ainda não sabendo dela a parte e
não sendo arguida, se apaga. Nada tem que leve à ação rescisória, porque
suspeição não é impedimento.

Ou a) os conceitos de prevaricação, concussão, ou corrupção, em direito


pré-processual, em direito judiciário material e em direito penal, são os
mesmos (= coincidentes em toda a extensão), ou b) aquele é mais largo do
que esse, ou c): o direito pré-processual e o judiciário material é que dão o
conceito; não, o penal.
A prevaricação, a concussão e a corrupção viciam a sentença, por
imperativo moral. O homem, em quem o Estado depositou a confiança de
julgar, traiu-o, traindo a sua função ele, que no seu papel, deve ser
indiferente aos grandes e aos pequenos e, até, acostumar-se a ver que o ato
de justiça exige dupla coragem, a de ferir a grandes, que estão em faltas, e a
pequenos, que também as cometem.

À questão de saber se o preço, a que se referiam as Ordenações Filipinas, é


a pecunia data ante sententiam ou post sententiam, em sendo árbitro ou juiz
estatal o prolator, respondiam acertadamente os velhos juristas que a
distinção não procedia, desde que se deu a corrupção (D. B. Altimaro,
Tractatus de Nuilitatibus sententiaruni, 510).

Acrescentemos: a prevaricação, ou a concussão.

Também constitui fundamento para a ação rescisória: a sentença proferida


em sinal de gratidão, ou ambição, ou por ódio (Manuel Gonçalves da Silva,
Comentaria, III, 136): “idem sententia lata per gratiaín, seu ambitionem, id
est, quod iudex volens parti gratificari pro consequenda aliqua dignitate, vel
officio, seu oh amicitiam, vel odium litigaioruín, aut quod precibus devictus
sententiam tulit, ipso iure teneret”.

c) Os termos “prevaricação”, “concussão” e “corrupção” ser em para


designar, numa palavra, as inúmeras fraudes em que pode incorrer o
julgador. Não se deve definir a priori. Entre elas há de achar-se aquela
mesma, de que menos culpado é ele do que os tempos: o temor de perder o
cargo, sob a espada da Dâmocles dos “poderosos”, a quem se referenciam
Ordenações, de todos os que, nos momentos de crise moral, alvoroçam os
tribunais sob as medievais coerções das aposentadorias e das demissões.
Tais sentenças são rescindíveis; foram frutos do medo, que pode ir da
suspeição à fraude. A peita, a que se referiam os textos de 1939, era a
prevaricação, com ou sem o caráter estrito de suborno. No revogado Código
do Processo do Paraná empregou-se expressão diferente (art. 933):
“prevaricação”. O

Código de 1973 quis evitar interpretações restritivas.


A traição, a peita do advogado, que J. A. Pimenta Bueno lia no texto das
Ordenações: “ou foi dada por peita, ou preço que o juiz houve”, não mais
aparece nas leis. Entretanto, seria de mister que estivesse: a peita do
advogado, com o fim de perder prazos, deixar de recorrer, perder
documentos, pactuar sobre quesitos ou deixar de reinquirir testemunhas,
louvar-se em pentos também peitados, precisava ser um dos pressupostos
objetivos, autônomos, da ação rescisória. A peita, a que aí se aludia, era a
de outras pessoas, e não a do juiz, peita de que pode o juiz não ter sequer
ciência, mas que influirá na sentença, porque se lhe alteraram os dados em
que se teria de fundar. Desde que se prove que a peita do advogado, ou de
serventuários ou pessoal dos cartórios influiu na sentença, deveria ser
julgada procedente a rescisão por peita do juiz, e só assim se compreende
que a Ordenação falasse em peita, devido à qual se deu a sentença, e em
preço que o juiz houve. Aliás, lá estava peita ou preço. Mas, diante do art.
485, 1, a peita (digamos hoje: a prevaricação, a concussão ou a corrupção)
há de ser do juiz, embora havendo intermediários, e. g., o filho, o genro, o
amigo íntimo, do advogado que influi no juiz.

Se é preciso que primeiro se proceda ao julgamento criminal do juiz, devia


responder a lei processual. Nada disse; portanto, dispensou-o.

A alegação e a prova da prevaricação, da concussão ou da corrupção têm de


ser feitas na ação rescisória e não dependem de se promover a ação
criminal.

4.Impedimento do juiz prolator da sentença Impedimento é conceito de lei


de direito processual de direito judiciário material; não de processo. As
regras jurídicas a propósito de impedimento escapam às regras sobre
suspeição, posto que se possa alegar o impedimento com o procedimento da
exceção de suspeição (arts. 134-138). As suspeições dos juizes são as do
art. 135; os impedimentos são fixados no art. 134. A incompatibilidade
supõe serem contemporâneas as funções; no impedimento, dispensa-se a
condição de serem simultáneas. A sentença proferida pelo juiz que era
suspeito não é nula, nem rescindível; a sentença proferida pelo juiz que era
impedido é eivada de rescindibilidade, sanável pela preclusão da pretensão
à rescisão.
Se o juiz se toma impedido, e. g., em virtude de casamento posterior à
propositura da ação, a sentença que proferiu é rescindível (2~ Turma do
Tribunal de Apelação do Espírito Santo, 28 de agosto de 1946, R. do T. de
J., 1, 327).

Se na composição do tribunal não entraram tantos juizes quantos eram por


lei exigidos, ou no julgamento tomou parte quem era impedido, há
rescindibilidade da sentença, ali, por infração de lei, e, aqui, com
fundamento no art. 485, 1

(Cf. 20 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 30


de abril de 1946 (R. dos T., 165, 240).

É preciso ter-se toda atenção para a preclusão da execução e a persistência


da causa de rescindibilidade. Ainda que se haja deixado de alegar, dentro do
prazo, no processo, a prevaricação, a concussão ou a corrupção do juiz, ou o
impedimento, há rescindibilidade da sentença, e o mesmo se passa quanto à
exceção de incompetência absoluta: como exceção, a atacabilidade preclui;
como causa de rescisão, persiste, somente precluindo após os dois anos.

5. Incompetência absoluta, pressuposto suficiente da rescisão (a) A


incompetência absoluta do juízo é causa de rescindibilidade da sentença.
Cumpre, porém, que se atenda a dois conceitos que aí se juntam
(incompetência do juízo e absolutidade), para se limitar pelo segundo o
primeiro.

Na expressão “incompetência do juízo” também há dois conceitos, um


positivo, “juízo”, e outro negativo,

“incompetência”. Para que haja incompetência do juízo, é de mister que


haja ‘juízo”, e não haja “competência”.

Concretamente: que um juízo se haja obrigado à prestação jurisdicional, ou


a tenha entregue, mas que, para uma ou outra coisa, houvesse sido
incompetente. Para a ação rescisória é preciso que a incompetência absoluta
seja no proferir a sentença. Não é pressuposto objetivo da rescisória a
sentença de quem não é juiz, ou deixara de o ser (o que vale o mesmo), pois
tal sentença não é sentença; pelo fato da inexistência do juiz, é inexistente.
Também não no é a sentença proferida pelo juiz, no seu ‘jornal íntimo”, ou
publicada em livro, ou revista, ou jornal, e não inserta nos autos; porque,
em tais casos, não existiu. Na sentença, cumpre atender-se a que possa ser
sentença por parte de quem a deu e substancialmente (materiais e
formalmente) como ato jurídico processual. Se não a deu juiz, nem a lei a
considera sentença por exemplo, deixou-a o prolator em casa, ou a perdeu
antes de, no prazo, entregá-la, escreveu-a e não a assinou, sobrevindo-lhe a
morte , sentença não há. As sentenças, de que se trata, não precisam
rescindir-se, porque não são. O que não é, não tem necessidade de ser
desfeito. Não se lhes pode atribuir eficácia, nem preclusão, nem, afortiori,
coisa julgada.

Rescindem-se sentenças que sejam as que precisam de rescisão para que


“deixem de ser”. No caso particular da incompetência absoluta de juízo,
nulidade ex defectu potestatis, o paralelismo é absoluto: se a sentença e,
mas o defeito de incompetência absoluta não se abluiu, cabe a rescisória
para rescindi-la”, isto é, fazê-la deixar de ser. Cinde-se, corta-sé o que a
sentença, que é, estabeleceu. Após o corte, a cisão, a sentença não é mais,
deixou de ser sentença.

A incompetência absoluta a que se refere a lei processual, como


fundamento para a ação rescisória, é só a que resulta de regras jurídicas
sobre incompetência em razão da matéria e da hierarquia (arts. 111 e 113).
Trazer para aqui outros conceitos, firmados para os processos vulgares, e
não para os processos sobre sentenças, constitui, sempre, fonte de graves
equívocos. Demais, cada lei processual tem ou pode ter o seu sistema, ou
por entender que as regras jurídicas da competência sejam absolutas, ou por
facilitar a sanaçáo,ou mais prestigiar o direito objetivo da competência em
razão da matéria ou da hierarquia.

(b)A referência do art. 485, 1 e II, à prevaricação, à concussão, àcorrupção,


e ao impedimento e à incompetência ratione materiae ou pela hierarquia,
como pressuposto suficientes da rescindibilidade da sentença, não é regra
jurídica restrin gente dos outros pressupostos suficientes (ofensa à coisa
julgada, violação de direito em tese, falsidade da prova, documento de
existência ignorada, invalidade da confissão, desistência, ou transação,
erro). As regras jurídicas do art. 485, 1 e II, são à parte e dilatantes dos
pressupostos da rescindibilidade. Admite a rescisão a propósito de
quaestionesfacti, que são a da prevaricação, concussão, corrupção, do
impedimento e a incompetência absoluta.

Se o juiz foi incluso no art. 485, 1, era impedido, ou absolutamente


incompetente, a sentença não cobre o defeito, como acontece, por exemplo,
à sentença do juiz incompetente ratione loci. A sentença que seria nula, por
incompetência do juiz ratione loci, deixa de ser nula ao transitar em
julgado. A sentença que seria nula, por incompetência ratione materiae, ou
pela hierarquia, passa a ser, com o trânsito em julgado, rescindível. A
exceção do art. 485, II, abre portas à rescisão, para as sentenças que o juiz
absolutamente incompetente proferiu, e não para as outras sentenças (cf. 2a
Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de dezembro de 1946, R. F., 110,
383, 10 de julho de 1947, 119, 382, A. J., 84, 25, e 24 de outubro de 1947,
R. F., 118,442; Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 3 de setembro de
1947, 119, 506).

O art. 485, II, 2a parte, permite a interpretação a contrario sensu: a


incompetência ratione loci não basta à rescindibilidade. Mas, se o juiz
deixou de aplicar regra jurídica sobre a incompetência ratione loci, por
entender, por exemplo, que estava revogada, infringe direito em tese, e cabe
a rescisória com fundamento no art. 485, V. Não está em causa a quaestio
facti, mas puramente a quaestio iuris. A referência do art. 485, II, 2~ parte,
à incompetência não exclui a rescindibilidade das sentenças que violem
regras jurídicas sobre competência (e. g., sobre competência ratione loci,
Tribunal de Justiça do Pará, 25 de abril de 1951, T. dei. do P., 1951, 66).

(c) As regras jurídicas sobre legitimação ad causam (2~ Turma do Supremo


Tribunal Federal, 14 de dezembro de 1948, R. F., 128, 67) e sobre
legitimação processual podem ser “disposição literal de lei”, no sentido do
art. 485, (d) À Constituição cabe proceder à devolução da competência
judiciária, isto é, da competência, que toca ao Brasil, na distribuição supra-
estatal das competência (direito das gentes). É matéria do direito
constitucional dizer quem legisla e quem organiza a justiça, poderes, no
Brasil, que aparecem juntos, mas seria possível se separassem.

Dito o que toca à organização judiciária geral e o que toca às organizações


judiciárias locais, ao problema dos pressupostos objetivos da ação
rescisória, concernentes ao juiz da ação primitiva, só nos interessa saber se
a sentença proferida pelo tribunal federal quando devia ter sido pelo
tribunal local, ou proferida por esse quando devia ter sido por aquele é: a)
inexistente; b) nula; c) rescindível. Inexistente não é tal sentença, porque a
deu um juiz. Seria difícil que alguma Constituição levasse o seu desvelo
pela nitidez das linhas discriminativas das organizações judiciárias a tão
absurdo requinte de caracterização. Nula, também não, porque a solução foi
a da rescindibilidade. A discriminação concreta, em cada caso, do que
pertence à jurisdição federal e do que pertence às jurisdições locais não é
simples.

Demanda, por vezes, meditação. Principalmente, a invocação de texto da


Constituição federal, que suscita a competência federal, constitui fonte de
julgados discordantes. Tudo aconselharia a que se não reputasse haver
nulidade da sentença, mas sim rescindibilidade; e o Código de 1973 atendeu
ao que disséramos. i,Será “atacável”, antes da coisa julgada formal, a
sentença? Não resta dúvida que sim. Então, ~,qual será o recurso ou
remédio jurídico para se decidir quanto a tal infração? O caminho, antes da
sentença, é o do conflito de jurisdição perante o Supremo Tribunal
Federal.’57 Depois da sentença, antes de passar em julgado, ainda o
recurso. Passada em

157 A Const. 88 fala, com mais apurada técnica. em e competência,


convindo verificar, para decidir qual o tribunal competente para o conflito,
o quanto nela dispõem os arts. 102, 1, o, lOS, 1, d, e 107, 1.

e.

julgado, a ação rescisória. Dir-se-á que, desse modo, se sana nulidade


decorrente de texto constitucional. Não importa. Se tivesse ocorrido um dos
graves casos de que cabe recurso extraordinário e as partes deixassem
precluir o prazo para ele, a situação seria idêntica. Além disso, a repartição
das competências é, aí, ratione materiae ou pela hierarquia, e a lei é
expressa. Mas a sentença do juiz do crime como se fosse do cível inexiste; e
více-versa.

O mesmo raciocínio que acima fizemos sobre a ação de jurisdição federal


julgada no tribunal local deve fazer-se quanto à de jurisdição local julgada
no tribunal federal; não, quanto à de jurisdição local A julgada pela justiça
local B, se não se trata de competência pela hierarquia.

A distinção a que por vezes nos reportamos entre sentença inexistente,nula


e rescindível é de importância, teórica e praticamente, capital.
Basta•considerar-se que as sentenças só rescindíveis, passados os dois anos,
não mais podem ser atacadas, o que supõe que as violações inapagadas com
a primeira sentença e a preclusão se apagam com o decurso legal. A
processualistica contemporânea esclareceu perfeitamente tais pontos.
Alguns dos nossos praxistas chamaram a atenção para a diferença. As
Ordenações, em vez de serem interpretadas com tal critério, foram
subordinadas a estudos•rápidos, muito à flor. A sentença em processo em
que se deu infração de regra jurídica sobre competência ratione valoris não
é rescindível (1~ Turma do Supremo Tribunal Federal), 18 de outubro de
1945, J., 29, 184), salvo se a espécie cabe no art. 485, V.• A sentença
rescindível por ter havido incompetência ratione materia e ou pela
hierarquia produz seus efeitos (Supremo Tribunal Federal, 29 de agosto de
1945, A. J., 78, 143) e, findo o prazo preclusivo para a sua propositura, não
mais se pode atacar. As outras causas de incompetência não operam após o
trânsito em julgado, ainda que se trate de incompetência ratione loci
(Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação da Bahia,20 de
dezembro de 1945, R. de J. B., 72, 221), salvo se há pressuposto
dehierarquia. Cumpre, porém, observar-se que as regras jurídicas sobre
com-petência interestatal (e. g., competente era o juiz brasileiro, e não o
francês ou o alemão) não são ratione loci, mas ratione materiae. 6. Dolo da
parte vencedora em detrimento da parte vencida Dolo é a direção da
vontade, aí vontade do vencedor, para contrariar direito. No
158 Óbvio que, hoje, o comentarista aludiria tambdm ao recurso especial.
O atualizador se sente dispensado de lembrar essa evidência cada vez que,
no sexso, aparecer menção ao recurso extraordinairio, desdobrado no
especial a partir da Const. 88.

suporte fáctico, estão o ato, positivo ou negativo, a contrariedade a direito e


a direção da vontade que atinja a outra parte. Pode ser que se trate de ato
imoral, sem que a parte vencedora o haja querido para detrimento da parte,
o que raramente acontece se foi causa da vitória, total ou parcial, no litígio.
Não se pode invocar o art. 485, III, se o vencedor ignorava a ligação entre o
seu ato, ou a sua missão, e a favorabilidade da sentença (cf. Richard Weyl,
System der Verschuldensbegríffe, 400). É da máxima importância atender-se
a que a contrariedade a direito, elemento do suporte fáctico, existe, quer a
pessoa ignore, quer não, a regra jurídica, que há de incidir ou incidiu,
porque a incidência das regras jurídicas se opera em determinação absoluta;
portanto, infalível.

Se a decisão foi favorável em parte a um dos figurantes e em parte ao outro


ou a outros, cada um dos vencedores pode alegar o dolo de quem
parcialmente venceu. Cada um pode propor a ação rescisória.

7.Colusão entre as partes, em fraude à lei Se houve conluio, ajuste, entre as


partes, inclusive o Ministério Público, quando presenta ou representa, ou
entendimento entre elas parafraus legis, há rescindibilidade da sentença.
Tem-se de alegar e provar. Ai, se há três ou mais partes e o conluio não foi
entre todas, há a legitimação ativa da parte ou das partes que foram
atingidas em seus direitos pela colusão entre as outras. O terceiro
juridicamente interessado também é legitimado. O elemento dafraus legis é
essencial; mas há fraude à lei mesmo se a combinação dolosa foi a respeito
de fatos que seriam elemento de suporte fáctico de alguma regra jurídica.

8.Trânsito em julgado, formalmente, e a ação rescisória (a) A coisa julgada


é fato formal; o trânsito em julgado, especificamente processual dominado,
no plano supra-estatal, pelo direito do Estado do juiz. Supóe, portanto, a
distribuição supra-estatal ou interestatal da competência para legislar sobre
direito processual, competência, nos nossos dias, ligada à competência para
a atividade jurisdicional.

Se há ofensa à coisa julgada, cabe a ação rescisória. Naturalmente, tem-se


de precisar sobre quais pontos se operou a preclusão; e aí, tratando-se de
sentenças declarativas ou de sentenças com efeito declarativo, ou de coisa
julgada material, intervém a questão do motivo, que é, em verdade,
argumento, e do motivo que é decisão (“considerando que constitui
fundamento indispensável”, Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 2 de
fevereiro de 1942, D. da J. de 2

de julho, 1778; aliter, se não é premissa necessária, Câmaras Civeis


Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 17 de abril de 1941,
A. J., 59, 480). A coisa julgada, a que se refere o art. 485, IV, é a coisa
julgada formal.’59 Ou, melhor, basta que ofendida tenha sido a coisa
julgada formal. Posto que o mais comum seja tratar-se de infração da coisa
julgada material, de que aquela é um dos ‘~

Se houve desrespeito à coisa julgada formal, tem-se de exercer a pretensão


à rescisão (ação rescisória), não a pretensão ao recurso extraordinário. Se a
propósito de coisa julgada formal ou material, ocorreu um dos pressupostos
constitucionais para o recurso extraordinário, há pretensão àcorreção, o que
permite que se evite o trânsito em julgado da decisão na segunda ação (cf.
2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 21 de abril de 1950,R. F.,
132,118).

Quando o autor deduz em juízo o bem da vida, para que o juiz decida,
entregando-lhe prestação jurisdicional cujo conteúdo normal é alternativo
(“sim~~ ou “não”) e escolhido pelo juiz, esse bem, res in iudicium deducta,
se toma, com a entrega, res iudicata. O conceito é esse, e continua de ser
esse: “Res iudicata dicitur, quae finem controversiarum pronuntiatione
iudicis accipit: quod vel condemnatione vel absolutione contingit” (L. 1, D.,
de re iudicata et de effectu sententiarum et de interlocutionibus, 42, 1). O
condenar e o absolver traduzem resíduos de tempos ainda mais remotos.
Tendo de pôr fim à controvérsia com a coisa julgada, o espírito romano
atribui ao estado de res iudicata certa eficácia de força material, impedindo
multiplicação das lides, com o risco de contradição entre sentenças: “ne
aliter modus litium multiplicatus summam atque inexplical5ilem faciat
difficultatem, maxime si diversa pronuntiarentur” (L. 6, D., de exceptione
rei iudicatae, 44, 2). A essa sinceridade romana se contrapuseram, depois,
interpretações diferentes da coisa julgada, como a presunção de verdade, o
ato de santidade do Estado, a lei concreta, a vontade da lei no caso concreto

e outras justificações econômico-políticas.

159 Na sistemática do CPC, a coisa julgada formal (preclusão) de sentença


terminativa, de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267),
não faria rescindível a sentença, ou acórdão, que decidisse contrariamente
a ela. Basta ler o art. 268, conforme o qual “salvo o disposto no art. 267,
n0

V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação”.


O entendimento contrário levaria à absurda conclusão de que toda vez que,
extinto o processo por sentença transitada em julgado com fundamento no
art. 267, o autor propusesse de novo a ação, como lhe permite o art. 268, a
sentença, que ele obtivesse, seria contrária à coisa julgada (formal) no
processo da ação anterior. A coisa julgada formal é pressuposto da coisa
julgada material porque esta só ocorre quando, pelo tránsito, faz coisa
julgada formal a sentença de mérito. Dessarte, correto será afirmar-se,
embora serpeantemente, que se torna rescindível pelo art. 485, IV, a
sentença que ofender a coisa julgada formal que cobriu o julgamento de
mérito porque, nesse caso, haverá também coisa julgada material,
condição da ação rescisória, como se colhe no caput doart. 485 (vd. as
notas 130e 131).

160 Vd.as notas 159, 130e 131.

Observe-se, porém, que o direito brasileiro faz irrescindível, após os dois


anos, a sentença infratora, o que a sobrepõe, portanto, à outra.

(b) Os elementos do pressuposto são dois: (1) sentença passada em julgado;


(II) outra sentença, com infração da preclusão, posterior, que também haja
passado em julgado. Assim, terá havido o fato jurisdicional “reiterante” de
outro fato jurisdicional. O conceito de mesmos pontos exige, para que
mesmidade se dê, a identidade de sujeitos, de causa e de coisa; portanto, da
própria relação jurídica ou da suposta relação jurídica, que se levou a exame
e sobre a qual se firmou a prestação jurisdicional. Uma vez que são dois os
elementos, desde que não se verifique um deles, o pressuposto não se
perfaz.

O primeiro elemento não se verifica: a) ou porque não houve sentença


passada em julgado, como se não houve sentença, ou é nula ipso iure, ou foi
dada sobre a matéria em que não cabe coisa julgada formal; b) ou porque a
coisa julgada formal foi destruída extraordinariamente (lei retroativa, em
caso de revoluções, ou de legalidade que desfaça atos de governos de fato),
ou em virtude de haver decorrido o prazo para a rescisão da segunda
sentença.

O segundo elemento não se verifica: (1) ou porque não houve sentença


posterior passada em julgado, como se não houve sentença, ou é nula ipso
iure, ou foi dada sobre matéria em que não cabe julgada formal; (2) ou
porque a coisa julgada formal foi destruída extraordinariamente, ou em
virtude de haver decorrido prazo para a rescisão, ou para a propositura de
rescisória de terceira sentença. Figurando-se o caso de ser a sentença em
matéria na qual pudesse fazer coisa julgada, temos que o pressuposto não se
perfaz sempre que falta o primeiro elemento.

Dissemos que falta o primeiro elemento “sentença trânsita em julgado que


se quer rescindir”, se precluiu o prazo para a rescisão de tal sentença. Uma
vez que se admitiu, de lege lata, a propositura somente dentro dos dois anos
a respeito da segunda sentença, o direito e a pretensão à rescisão
desaparecem, e a segunda sentença, tornada irrescindível, prepondera. Em
conseqUência, desaparece a eficácia de coisa julgada da primeira sentença.
Esse é um ponto que não tem sido examinado a fundo, pelosjuristas ejuízes:

há duas sentenças, ambas passadas em julgado e uma proferida após a outra


com infração da coisa julgada. Se há o direito e a pretensão à rescisão da
segunda sentença, só exercivel a ação no biênio, e não foi exercida, direito,
pretensão à rescisão e ação rescisória extinguiram-se. A segunda sentença lá
está, suplantando a anterior. De iure condendo, poder-se-ia conceber
diferentemente a situação, e. g., fazendo-se rescindível, sempre, a segunda
sentença.

Porém nenhuma solução de impreclusibilidade foi admitida: o biênio é


inexoravelmente preclusivo. Assim, há duas decisões que, exhypothesi, se
contradizem e a contradição tem de ser afastada pela superação da sentença
ofendida.

Salvo, conforme vemos, se a primeira sentença já foi cumprida.

Assim, não cabe a ação rescisória por ofensa à coisa julgada: (a) Quando a
primeira sentença é nula ipso iure, ou não é sentença (Manuel Gonçalves da
Silva, Commenta ria, III, 139). Se for proposta ação rescisória com
fundamento na coisa julgada e uma das sentenças for inexistente ou se for
nula, ocaso não é de se julgar procedente, mas de se julgar improcedente,
por ser inexistente ou nula ipso iure uma das sentenças. Tal conclusão julga
a nulidade ipso iure ou a inexistência, de modo que, ainda julgada
improcedente, teve o autor, ou o réu, acatada a outra sentença. Os outros
pressupostos objetivos da ação rescisória ficam sem razão de ser e, pois,
prejudicados. Se houve reconvenção à rescisória, por parte do réu ou
intervenção de pessoa com interesse jurídico, contra a outra sentença, que
se supõe não ser inexistente nem nula ipso iure, julgar-se-á tal pedido de
rescisão. Se ambas as sentenças forem inexistentes ou nulas ipso iure, a
decisão (só em iudicium rescindens) apenas poderá ser relativa a tais
situações, devendo ser proferida na preliminar do conhecimento. (b) Se a
primeira sentença, absolutória, foi em matéria em que o processo pode ser
renovado, com outras provas. (c) Quando a coisa julgada da primeira
sentença foi atingida por lei nova, segundo ditame de direito intertemporal.
(d) Se decorreram os dois anos, sem que se propusesse a ação rescisória
contra a sentença posterior. O que se disse sobre o primeiro aplica-se,
mutatis mutandis, ao segundo.

Em todo caso, se a primeira foi executada como se as duas sentenças


passaram, ex hypothesi, em julgado , prevalece, ainda teoricamente, a
primeira. Isso quer dizer que, tratando-se de sentença só declarativa, a
segunda prevalece sempre. Se a primeira sentença deixou para que se
apurasse no cível, ou no juízo criminal, algum ponto, ou ressalva, implícita
ou explicitamente, outra ação ou outro remédio (ainda que a ação seja a
mesma), e a nova sentença só nesse ponto decide, ou decidiu nesse e
noutros pontos que pela primeira não foram decididos, contradição entre
elas não se dá. As vezes, os juizes deferem, ou indeferem o pedido, por ser
obscura ou duvidosa a matéria, sem se considerar entregue a prestação
jurisdicional (violação do art. 126). Outras vezes (não se confunda com os
casos acima), é a sentença mesma que é obscura ou duvidosa, e só uma das
suas interpretações se chocaria com a posterior. Cabe pedir-se declaração,
ou interpretação, ao mesmo juiz, ou na execução, segundo a lei processual.

Volvamos ao exame das duas sentenças em contradição. Se a primeira não


foi cumprida, a segunda pode ser cumprida, porque a rescindibilidade não é
óbice à execução, e nenhum poder têm os juizes para deixar de cumprir a
sentença, que se lhes apresenta, por estar em contradição com outra
sentença anterior. Tal cognição só lhes cabe no iudicium rescindens. Se foi a
primeira que se levou à execução, passa-se o mesmo.

Proposta a ação rescisória e sobrevindo a rescisão da segunda sentença, há a


volta ao status quo, com as pertinentes restituições. Se transcorrem os dois
anos sem se propor a ação rescisória da segunda sentença, tal sentença
passa a ser incólume. Apenas, com ela, não se vai desfazer o que, em
cumprimento da primeira sentença, se fez.

Resta um problema. Se a segunda sentença, já irrescindível, absolveu o réu,


ao contrário da outra, ou se ambas condenaram mas em menos a segunda,
~há a ação de enriquecimento injustificado? Não. Se a primeira absolveu e
a segunda condenou, j,pode ser executada a segunda, tornada, pelo
transcurso do prazo preclusivo, irrescindivel? Sim.

Se duas sentenças forem absolutamente iguais, proferidas pelo mesmo juiz,


no mesmo processo, só a primeira vale. Se proferidas em dois processos
diferentes, na mesma espécie (identidade de ação), vale a primeira, ou,
passados os dois anos, a segunda, se não foi executada, ou não começou a
ser executada a primeira. Não sendo iguais, ainda que in minimis, dá-se a
ofensa à coisa julgada. A rescindibilidade pende, durante os dois anos, e
após ele vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se
executou, ou começou de executar-se. Se o último momento do prazo
preclusivo da segunda encontra a outra em execução, ainda não precluso o
prazo para embargos do devedor, pode o executado, a que a segunda
sentença interessa, opor-se à execução, sustentando a irrescindibilidade da
segunda sentença. A execução da primeira não pode ofender a
irrescindibilidade da segunda.

A decisão inconciliável com o julgado anterior, porém que, não obstante, já


se tornou irrescindível, prevalece. O

fundamento disso não é a renúncia à sentença anterior ou a aquiescência à


posterior. Tal renúncia pode ter sido a sugestão a fazer-se preclusivo o prazo
bienal; não é, por si, ato jurídico, ou de consequências jurídicas
interindividuais.

A segunda toma o lugar da primeira, porque a lei a fez só rescindível no


lapso. Não prevalece, porque a primeira se desvaleça , e sim porque,
convalescendo-se inteiramente, tornando-se inatacável, irrescindivel, torna
impossível o que lhe écontrário. O direito moderno repudiou o principio
romano da perenidade da exceção à sentença que viola a coisa julgada, o
*fp~~ iure nulíam esse posteriorem sententiam quae contraria sit priori. A
segunda sentença, ou outra, que após ela veio, torna indefectível a segunda,
ou outra posterior prestação jurisdicional; e o primeiro julgado é como se
não tivesse havido. Assim havia de ser pela descategorização que
processualmente ocorreu: o que era inexistente, para o direito romano,
passou a ser apenas rescindível.

(c) Os nossos dias precisam a distinção entre vícios deduzíveis por via de
recursos, vícios deduzíveis em qualquer tempo (indiferentes ao prazo para a
rescisão) e vícios deduzíveis no biênio. Aliás, não é necessariamente
sanável toda nulidade que precisa ser alegada; posto que, de lege ferenda,
fosse útil fazer decretáveis de ofício pelo juiz, até a sentença definitiva,
todas as nulidades insanáveis. Há, pois, vícios que, não encobertos por
ocasião da sentença, acompanham a coisa julgada são os que permitem
rescisão. E nulidades que afetam a própria sentença em si, impedindo-lhes a
existência, ou fazendo-as nulas ipso iure, e a todo tempo.

(d) A exceptio iudicati não é, em todos os casos, perene. Só onde há a


nulidade, no sentido de absoluta no tempo, independente de ação, é que se
pode falar de perenidade. Fora daí, não. Ora, a exceção de coisa julgada só
se pode referir aos processos em andamento. Não assim à sentença posterior
que passou em julgado e já se não pode reformar, nem rescindir. Não é
sententia perpetue nuíla: o art. 495 afasta os que lhe querem opor a res
iudicata de outra após os dois anos.

(A razão de ser perene a exceção romana de coisa julgada estava em serem


os povos romanos, como os outros povos antigos, atados à concepção da
perpetuidade, do eterno, atribuindo ao passado quase tudo do presente e do
futuro, A preclusividade da exceção e da ação por ofensa à coisa julgada
atende ao relativismo filosófico dos povos contemporâneos.)

Temos, portanto:

a) A exceção de coisa julgada só se opõe durante outra lide, portanto até


que se possa apresentar segundo as regras jurídicas processuais.

b) A ação rescisória por ofensa à coisa julgada supóe que tenha havido duas
coisas julgadas sobre os mesmos pontos, porém há de ser proposta no prazo
de dois anos.

A decisão das Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São


Paulo, a 22 de fevereiro de 1946 (R. F., 107, 93, R. dos T., 160, 779), que
julgou incompetente o tribunal local para a rescisão de acórdão seu, por ter
havido recurso para o Supremo Tribunal Federal, que dele não conheceu,
ofendeu a lei. Outro absurdo está na decisão das Câmaras Civis, a 22 de
março de 1946 (R. F., 108, 321), ao negarem cognição à ação rescisória de
acórdãos do tribunal local, tendo o Supremo Tribunal Federal confirmado o
despacho denegatório do presidente do tribunal.

Entendiam que se devia, antes, rescindir a decisão do Supremo Tribunal


Federal. Mas~ a decisão foi a denegação! A ação rescisória em que se
discutisse a legalidade do julgado do Supremo Tribunal Federal, sim; não a
em que, reconhecendo-se o trânsito em julgado após a publicação do
acórdão da Justiça local, se alega haver na decisão um dos pressupostos
para o recurso extraordinário.

9.Violação de literal regra jurídica, pressuposto suficiente da


rescindibilidade O primeiro elemento a ser explorado no conceito do art.
485, V, é de extensão: ~que é que cabe na expressão “lei”, “direito”? O
segundo, de qualidade: o que é que se entende por direito expresso,
constitutum, agora “literal”. Ou o juiz: a) se atém ao texto da lei, ou ao que
dele imediatamente resulta, e julga secundum legem; ou b) sem a lei, mas
junto (imediatamente à lei, praeter legem, cf.

nosso Sistema de Ciência Positiva do Direito, II, í~ ed., 275; III, 2~ ed., 289
s); ou c) contra o que está escrito na lei, contra legem. O secundum legem
pode ser subdividido: aplicação da lei, mecanicamente, ou aplicação
auxiliante, do que dela proximamente se tira, adiuvandi gratia. As duas
outras espécies correspondem à aplicação que suplementa, que estende, que
enche, que dilata e dinamiza, suplendi gratia, e a que altera a lei, ou a
destrói em parte ou a corrige, corri gendi gratia. Não há extensão escusada
se há regra de interpretação, que a determina.

A expressão erro contra literam, ou violação da regra jurídica (ou texto)


literal de lei, nenhuma referência contém a ser escrito ou não-escrito o
direito. O error contra literam legis sempre foi o sucedâneo do error contra
iuris rigorem, contra iuris formam, que aparece no Digesto (L. 19, D., de
appellationibus et relationibus, 49, 1) e no Código justinianeu (L. 2, C.,
quando provocare necesse non est, 7, 64), oposto ao error contra ius
litigato ris. A sentença do art. 485, V, é a sentença lata contra legis
tenorem, sentença que, já na linguagem de Baldo de Ubáldis, “non tenet”.

Contra ius, contra literam são sinônimos, e mais largos que contra ius
expressum. De modo que pode haver ação rescisória ainda quando a
infração do direito concerne àquelas regras sujeitas a interpretação, ou
quando se trata de costume ou direito extravagante ou singular, ainda que
não notório. A infração da ratio legis, com infração da regra jurídica
(contra literam), não escapa ao art. 485, V. E verdade que, sob a influência
do direito canônico, se quis fossem separadas, como o entendia o abade
Panormitano; mas houve repulsa, de que dá testemunho Jasão de Mano
(Commentaria, ad L. 122, 6, D., 45, 1, n. 521), que foi claro: o notável dito,
notabile dictum, do abade não é verdadeiro, porque, sendo contra a mens
legis a sentença, não se lhe pode ver com os olhos do corpo o erro (“puto
istud notabile dictum abbstis non esse verum, quia, cum sententia iudicis est
contra mentem legis, ilie error non potest oculis corporeis videri”). Formou-
se a doutrina, através de B. Socino, Baldo de Ubáldis, Alexandre Tartagno
de Imola, e outros, de valer, plenamente (então era de não valer e não de se
rescindir que se falava), a sentença contra si,nile legis. Essa exceção
atendia à repugnância

à analogia como regra de interpretação, o que já se não justifica. Foi o


jurista português Bento Pinhel (Selectarum luris Interpretatioflum, Cap. 19,
nos 33 s.) quem edificou, em linhas precisas, a figura de sentença contra
simile legis ou sentença contra similitudinem legis.

Os problemas, que aí se levantam, tornam-se falsos problemas se levamos


em conta que há povos em que as regras de interpretação das leis

inclusive para invocação de princípios gerais do direito e analogia jsáo


regras literais! É difícil torcer-se a via: pode mais do que o artifício... Regra
de interpretação das leis direito é.

(a) O direito, o ius, em todas as épocas, é o que se reputa justo, e se realiza,


o que se aplica secundum legem, pra eter legem e corrigendi gratia. Existe,
pois, uma parte secundum legem que não é direito, como aconteceu, no
Brasil, com a regra legal que proibia os seguros de vida. Outra, praeter
legem, que também não no é. Outra, finalmente, que não se considera
direito, nem é direito. Por onde se vê a gravidade de qualquer enunciado.

ODireito, em sua evolução incessante, ou, pelo menos, em sua


mutabilidade, porque lhe faltam os fatores de estabilidade, mais
características da Moral e da Religião, constitui o que, em cada momento, é
tido pelo mais justo e ao mesmo tempo realizável. Ao primeiro elemento
servem a lei, a doutrina e a dicção por parte dos juizes; ao segundo, o
processo como realizador do direito objetivo.

O princípio de que o juiz está sujeito à lei é, ainda onde o meteram nas
Constituições, algo de “guia de viajantes”, de itinerário, que muito serve,
mas nem sempre basta. Equivale a inserir-se nos regulamentos de uma
fábrica uma lei de física, a que se devem subordinar as máquinas: a
alteração há de ser nas máquinas. Se entendemos que a palavra “lei”
substitui a que lá devera estar, “direito”, já muda de figura. Porque direito é
conceito sociológico, a que o juiz se subordina, pelo fato mesmo de ser
instrumento da realização dele. E esse é o verdadeiro conteúdo do
juramento do juiz, quando promete respeitar a assegurar a lei. Se o
conteúdo fosse o de impor a letra legal, e só ela, aos fatos, a função judicial
não correspondena aquílo para que foi criada: apaziguar, realizar o direito
objetivo. Seria a perfeição em matéria de braço mecânico do legislador,
braço sem cabeça, sem inteligência, sem discernimento; mas anti-social e,
como a lei e ajurisdição servem à sociedade ‘ absurda. Além disso, violaria,
eventualmente, todos os processos de adaptação da própria vida social,
porque só atenderia a eles, fosse a Moral, fosse a Ciência, fosse a Religião,
se coincidissem com o papel escrito. Seria pouco provável a realizabilidade
do direito objetivo, se so fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das
lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos
omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio
direito a ser realizado.

É inegável que alguns princípios e regras jurídicas são tidos como cerne,
ou, melhor, como núcleo. Uma parte do direito muda com as leis fáceis de
ser feitas (alguns princípios são mais estáveis, por motivos que temos
estudado, como os ligados a religiões ou a razões morais); outra, muda
menos com as leis, porém não consegue pôr de acordo os tribunais, e
constitui aqueles pontos que nos repertórios de jurisprudência estão sempre
com dois ou mais partidos de interpretação; outra, dificilmente muda. Onde
o direito persiste controverso, o defeito é menos dele que da própria
sociedade (se defeito é): ou ele, no fundo, reputa irrelevante a regra, e
pouco se lhe dá que as opiniões e soluções variem (a decisão definitiva
apaziguará, posto que se não realize o direito objetivo), ou a controvérsia
demonstra a heterogeneidade mental da sociedade, em que há duas forças
que se opõem, sem que se possa achar a diagonal do paralelogramo. Por
isso mesmo, se bem que o direito busque, ou a integração social busque,
para ele, a unidade, por vezes fica evidenciado que não há grande
inconveníente em que o tribunal de um lugar divirja, em certas matérias, de
outro, porque a sua missão é realizar o direito objetivo no âmbito da sua
jurisdição territorial. Mas, onde isso não acontece, o direito processual tem
por função realizar o direito objetivo, em sua plenitude e inteireza.

A regra extralegal (no sentido de não-escrita nos textos), assente com


fixidez e inequivocidade, é direito, ao passo que não no é a regra legal, a
que a interpretação fez dizer outra coisa ou o substituiu. Pouco importa, ou
nada importa, que a letra seja clara, que a lei seja clara: a lei pode ser clara,
e obscuro o direito que, diante dela, se deve aplicar. Porque a lei é roteiro,
itinerário, guia.

Do que foi dito podemos tirar que o direito, a que se referem as leis
processuais, não é a lei; mas aquele cercado, não muito “fino”, em que os
textos são estacas, que às vezes, por serem duas ou mais, uma adiante das
outras, o arame só por uma passa, porque a outra ou outras ficaram “fora”
do que bastaria ao cercado ou seria preciso ao cercado. O

verbum legis é ínfimo, se nós lhe antepomos a vis ac potestas legis. O


conteúdo imanente da ordem jurídica obriga a que a lei mesma, que não é
prius, sofra a ajustação ao direito fixado, que ela não teve forças para
mudar. A opinião de que ao iudicium rescindens não vão somente as
sentenças proferidas contra direito “escrito” nunca deixou de ser a dos
grandes juristas. O direito, e não a lei como texto, e o que se teme seja
ofendido. Alguns escritores desavisados leram “direito expresso” como se
fosse “lei escrita clara”, “lei escrita explícita”. É grave erro. O direito de
que se fala é o direito em sua consistência de revelação. Tanto assim que a
communis opinio se tinha como direito expresso, desde que fixada (D. B.
Altimaro, Tractatus, II, 511; Antônio de Souza de Macedo, Decisiones, 184
s.; Manuel Gonçalves da
Silva, Commentaria, III, 139): “Et licet non desint au tenentes contrarium
(scilicet) sententiam latam contra communem opinionem esse nulíam sicut
latam contra legem”.

Ao lado do direito que se revela de texto à vista, embora sem o juiz se ater a
ele como exaustivo, está o costume.

(b)A boa lição dos jurisconsultos sempre foi no sentido de ser rescindível a
sentença que se proferiu contra consuetudinem. (Não se confunda com os
usos e costumes a que se recorre quando algo falta ao negócio jurídico, no
tocante à declaração de vontade, e que não são “direito”.) Não só os do
século XV, como os dos três séculos seguintes.

Aliás, até onde podemos ir para aquém do século XV, nenhuma dúvida
surge. Os grandes espíritos se limitam a enfileirar as opiniões concordantes:
desde Muscatelo. E. Schrader, P. Wesenbeck, D. B. Altimaro e Alexandre
Meyer, sobre as sentenças contra ius constitutum. D. B. Altimaro
(Tractatus, II, 512), por exemplo, é decisivo: “Nuíla esset sententia, si lata
esse contra consuetudinem”, compreendendo-se os costumes notórios, ou
de que se dê prova (consuetudinem notoriam, vel exactis probatam). Não
menos claro, escrevia Alexandre Meyer (De Nulitate sententiarum contra
ius constitutum latarum, 31): “Num sententia contra consuetudinem lata
nuíla sit, raro quasesitum est; revera intelligi non potest, cur minus sit nuíla,
quum generaliter eadem potestas sit iuris quod moribus et iuris quod legibus
constitutum est”. Costumes e regras jurídicas para que se interprete a lei por
analogia podem ser escritos, literais.

(c)Como acontece com o costume, a violação da ratio legis pode constituir


pressuposto objetivo da rescisão. E o mesmo que infringir a lei:

“Quare ratione legis correcta, dicitur correcta ipsa lex”, “Quia contra legem
facit, qui illius mentem offendit”; “Nuíla est sententia lata contra rationem
legis, sicut quae profertur contra legem”. Como se vê, os textos de Bártolo
de Saxoferrato, dos seus contemporâneos e dos pósteros não permitiam
dúvidas.
Toda regra de qualquer procedência que seja, tida como convicção jurídica
e, na prática (trate-se de doutrina ou de decisão judicial), realizável, de
preferência a outras que a excluiriam, ou modificariam é direito. A lei
brasileira fala em ‘‘analogia~~, ‘‘costumes’’ e ‘‘princípios gerais do
direito’’. Com isso, não se obstaram outras fontes. O juiz diz o direito, o
direito que é; por isso, não o faz com o propósito de legislar: a sua
atividade criativa éde revelação, de levar o arame de estaca a estaca,
compondo o cercado. Nesse sentido é que do juiz que mais criou, o Pretor
romano, se afirma:

Praetor ius dicere, ius facere non potest”.

A analogia, para se aplicar, ou para se não aplicar alguma regra jurídica,


pode dar ensejo à ação rescisória. Se o juiz ou tribunal diz que ao fato a
corresponde a regra jurídica b, porque falta a regra jurídica a, o juiz ou
tribunal ofende o direito constituído se a regra jurídica a existe, ou se seria
o caso de se aplicar a regra jurídica c, ou nenhuma regra jurídica. Daí não se
dever receber o que disse a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de
agosto de 1943 (R. F., 99, 73) ao afirmar que “a analogia ante-supõe
omissão, caso em que não pode haver erro judicial que justifique o uso da
ação rescisória”. Tampouco só se infringe o texto legal que é “claro”, como
insinuou o Supremo Tribunal Federal, a 22 de novembro de 1944 (R. F.,
105, 67): A existência da regra jurídica e, pois, a sua infringibilidade
independem de ser clara, ou obscura; o sistema jurídico existe em todos os
seus enunciados, independente do trabalho de revelação deles. O velho
aforismo *In claris nonfit interpretatio não mais se leva a sério.

Sobre o art. 798, 1, c), do Código de 1939, escreveu Álvaro Mendes


Pimentel (Observações, 136 5.): “Empregou o projeto a expressão literal
disposição de lei, usada pelo nosso Código Penal no art. 207, § 1~, e
também adotada na antiga Constituição federal de 1934, quando cogitou do
recurso extraordinário, em vez de direito expresso. Não vamos aqui
demonstrar a grande distância que vai de uma a outra. Para se ter a certeza
do erro grosseiro em que incorreu o autor do Projeto basta que se leia o que,
a respeito, com profundeza germânica e clareza latina, escreveu Pontes de
Miranda, na sua notável monografia. A Ação Rescisória, p. 169”. Desde que
existem regras escritas de interpretação, são literais como outra qualquer.

a) Ainda quando o juiz decide contra legem scriptam, não viola o direito, se
a sua decisão corresponde ao que “se reputa” direito. (No direito romano, a
interpretatio ficava entre o direito e a aequitas: ao aequum ius opunha-se o
ius iniquum; cf. Gaio, II, 25: iuris iniquitates. Vale a pena lerem-se as notas
de Theodor Kipp, Geschichte, 83; no direito brasileiro, nosso Sistema, fi 1a
ed., 276 s.; III, 2~, 289 s., sobre alguns casos típicos de aplicação contra
legem scriptam, absolutamente justos, por parte da justiça brasileira.) O
absolutismo da correlação necessária entre texto e direito, que o Estado
despótico pregara, o Estado constitucional herdou e as chamadas escolas
positivistas receberam como realidade social permanente, por falta de
conhecimento sociológico, foi aspecto de momento histórico. Felizmente,
em torno da expressão “direito expresso”, as mentalidades jurídicas dos
séculos XVI e XVII, que tiveram a missão de interpretá-la, livraram-nos da
dogmática oficial dos séculos XVIII a XIX

(a que só alguns filósofos católicos ou de formação sociológica se


contrapunham). O juiz tem de decidir. Diante de lei que contradiz a ela
mesma, ou a outra lei em vigor e por ela não revogada, cabe-lhe dizer o que
é o direito: não o faz, revela-o. (Também ao legislador deveria tocar, posto
que, com mais liberdade, a revelação. Resquícios de despotismo fazem com
que se creia mais destinado a fabricar as leis que a revelá-las. Por outro
lado, fazê-las é fácil; adotar a que, no momento, a ciência aponta como a
melhor, supõe que seja um técnico e que esteja em dia com a ciência.) b)
Tudo que se fixou, segundo o método de interpretação e fontes de sistemas
jurídicos a que pertence a matéria, é ius constitutum. Não é verdade que o
direito interpretado, a regra que se adquiriu pelos meios interpretativos,
ainda analógicos ou de princípios gerais, ou, até, a contrário senso
(argumento que não é dos melhores), não possa constituir-se, não possa
exprimir-se, não possa ser ius constitutum, ius expressum. Hoje afirmá-lo
seria absurdo, dadas as convicções da ciência vigente. Outrora, assim não se
entendeu, e só a obra da ignorância mete distinções onde não as há. Todos
sabem a enorme autoridade de D. B. Altimaro para o direito lusitano, de
que houvemos a expressão; pois bem: o jurista itálico grafou, mais de uma
vez, a persuasiva frase dos seus antecessores, e nas suas citações inclui a
dois portugueses: Antônio da Gama e Agostinho Barbosa. Esses só
excetuavam o caso de ser a afirmação a contrario sensu, contrária, por sua
vez, a ius expressum. D. B. Altimaro, depois de dizer ser nula a sentença
contra o costume notório ou provado, ensinava: “Idem dicimus de sententia
lata contra legem, sumpto argumento a contrario sensu”, o que se há de
entender quando contrarium non est in iure expressum”. Por outro lado, há
regras escritas de interpretação e fontes, suscetíveis, como as outras, de
violação in thesi. (No livro Da Ação Rescisória, 2~ ed., 149, Jorge
Americano fala de tese da lei, em vez de dizer direito em tese, ius in thesi.
O acórdão do Supremo Tribunal Federal que citou não lho permitia.
Engano, entenda-se, de expressão.) Na matéria do art. 485, V, o juiz tem de
dizer o direito, tal como entende que é e foi violado, sem se preocupar com
o fato de existir, ou não, ínterpretaçáo divergente. As diferenças de exegese
passam-se no sujeito, nos juizes, e não no ordenamento jurídico. São
subjetivas. Seria bem frágil o sistema jurídico se, ao simples fato do erro, da
meia-ciência, ou da ignorância de aplicadores e intérpretes, as suas regras
jurídicas pudessem empanar-se, encobrir-se, a ponto de não se poder
corrigir a violação da lei. Assim, quando as Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a 3 de dezembro de 1952, deixaram
de rescindir julgado que infringira regra jurídica, com o simples argumento
de que havia duas diferentes interpretações da lei, infringiram o direito,
porque o atacaram em sua própria integridade e o reduziram a algo de só
existente nas mentes dos juizes. Acertada foi, hoje, a inserção das regras
jurídicas dos arts. 477-479.

Às vezes, a jurisprudência muda entre o proferimento da sentença e o


último dia do biênio. Outras vezes, depois de proposta a ação. De modo
que, no momento em que se vai julgar a ação rescisória, o direito já se acha
diferentemente revelado. Dois acórdãos do Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro pretenderam (8 de junho de 1926, 10 de junho de 1928) que, sendo
outra a revelação ao tempo da sentença rescindenda, não pode ser julgada
procedente a ação rescisória. Estavam em erro. Não só é rescindível tal
sentença, como o são quaisquer outras sentenças que tenham revelado
erradamente o direito. A nova jurisprudência faz suscetíveis de rescisão a
todas e só o biênio pode cobri-las contra o exame rescindente.
(d) Os acórdãos do Tribunal e Justiça de São Paulo, de 21 de fevereiro e de
6 de junho de 1919, decidiram que a sentença que julga contrária à
Constituição regra jurídica de decreto ou lei não é suscetível de rescisão.
Escusado é argúir-se a improcedência palmar de tal conclusão: o direito
constitucional é direito, como os outros ramos; não no é menos; em certo
sentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se
trate de sentenças das Justiças locais, quer de sentenças dos tribunais
federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal.’6’

Disse a Corte de Apelação do Distrito Federal, a 10 de agosto de 1930:

“Os dispositivos legais violados, ao que assegura o autor, são os arts. 530-
532 do Código Civil e o art. 106,111, do Código de Processo (do Distrito
Federal) já aludido. Nessa ordem de idéias, sustenta que, admitindo o juiz,
como prova da propriedade do terreno, que o réu se arroga, certidão de
partilha, a que se procedeu, por força do falecimento de sua mulher, e da
qual consta que ao dito réu foram adjudicados os terrenos em apreço, sem a
transcrição no Registro de Imóveis, contraveio, de forma evidente, os
primeiros dispositivos do Código Civil, citados, pela carência da
formalidade essencial neles exigida para validade da aquisição do imóvel,
como identicamente transgrediu o último dispositivo processual citado,
porque esse documento, sem valor jurídico, não prova a transação, de que
resulta o direito do dito réu e a obrigação do autor como seria exigível para
a propositura da ação rescindenda. Nenhuma procedência jurídica encerram
essas arguições do autor. O art. 532 do Código Civil, fazendo remissão aos
arts. 531 e 530, determina que devem ser transcritas no Registro de Imóveis
as sentenças que, nos inventários e partilhas, adjudicarem bens de raiz, em
pagamento das dívidas da herança. Essa não é a hipótese dos autos”. Não
houve, pois, violação do direito em tese, considerado in concreto. Na
mesma Corte, o Procurador-Geral (19 de dezembro de 1928), falou “em ser
indispensável confrontar, acarear o texto da lei, que se diz violado, com a
espécie que serviu de base à sentença rescindenda”. Excelentemente,
acrescentou:

“Concluído esse exame, uma vez verificado que a sentença violou direito
expresso, não em abstrato, porque do contrário nunca teríamos um caso de
ação rescisória, mas sim, em relação imediata com o fato que ela apreciou,
deve-se julgar procedente o iudicium rescindens, que é a ação rescisória
propriamente dita, e em seguida o iudicium rescissorium, que é a espécie
cuja decisão tem por fim renovar, em consequência da nulidade da espécie
examinada”.

O acórdão atendeu ao parecer, mas foi assaz lacônico (cp. Corte de


Apelação, 1” de setembro de 1920, onde há lamentável confusão de
conceitos: direto objetivo, direito subjetivo, nulidade absoluta, nulidade
relativa).

a)Todo direito extralegal (fora dos textos) precisa de certos elementos de


fixação, porém não depende ela, somente, da reiterada jurisprudência.
Nada obstaria a que, no juízo rescindente, a Corte julgadora ferreteasse
como contra direito literal toda uma série inexcetuada de julgados; toca-lhe,
aí, a missão de velar pela realização relativamente perfeita do direito
objetivo, e falharia a ela se tivesse de se submeter aos julgados dos outros
corpos. Constitui um dos poucos argumentos a favor da competência das
câmaras mais altas e plenas para Q conhecimento da rescisória, em vez da
atribuição ao mesmo juiz.

b)Muitas vezes, o proponente da ação rescisória invoca princípio que não


está na lei, ou que colide com a literalidade de algum texto. Será devido,
talvez, à derrogação pelo costume, quando a regra jurídica já não
corresponde à convicção da sociedade ou à sua função adaptativa, como
acontece a uma porção de decretos e posturas municipais inaplicáveis, de
que se esqueceram os artigos derrogatórios das leis novas. Ainda onde um
Código diz que a lei só se derroga por outra, o que ocorre é a confusão do
legislador:

pretendeu legislar sobre direito intertemporal, ou sobre fontes e


interpretações das leis (dois ramos de sobredireito), e invadiu a mecânica
social; como se uma repartição, encarregada de punir os atentados às
árvores, decretasse que “não fossem mais suscetíveis de ser cortadas”,
atribuindo-lhes, assim, a dureza do aço. Algo parecido com aquela
Constituição espanhola, em que se postulava que “todos os espanhóis serão
bons c)A atuação dos outros processos adaptativos cria direito, sustenta
direito e derroga direito. Cria direito, como, por exemplo, e a cada
momento vemos, suscitando os projetos, todos ligados, em grande parte, a
interesses econômicos, morais, religiosos, artísticos, científicos, políticos.
Sustenta, como ocorre com a indissolubilidade do vínculo matrimonial,
regra jurídica com escoras religiosas. Derroga, como sucede com os
regulamentos sobre altura das casas, materiais de construção, transportes, à
medida que a economia muda. Se o juiz tiver de aplicar a lei que ordena
algum ato de que a ciência haja descoberto a nocividade pública, deixará de
aplicá-la, porque a convicção pública, confiante na técnica dos
investigadores, se opõe ao ius iniquum, à iniquia lex. Com a Religião e a
Ciência, a Moral, a Política e outros processos acontece o mesmo. Quase
sempre o juiz traz à balha as vagas alusões à cultura, à civilização, ou à
evolução social. Mas, fatos sociais, eles cortam o direito no sentido
progressivo, ou no regressivo, desde que se prossiga ou que volva sobre as
pegadas.

d) Algumas vezes, o juiz atende à mudança dos próprios fatos que


sugeriram a lei: cessante ratione legis, cessat lex ipsa; à semelhança do que
ocorre, nos atos jurídicos, com a cláusula rebus sic stantibus. No juízo
rescindente, o tribunal tem de verificar se a aplicação seria perniciosa, tola,
extemporânea. No caso de corresponder a parte da convicção pública, a
própria decisão do tribunal mostrará, por seus votos, se é suficiente, ou não,
para sustentar a lei.

Essa noção de suficiência na sustentação da lei constituía pedra-de-toque


para os juizes e, para os de fora, quanto aos juizes. O ideal de cada
momento seria o direito em que tudo estivesse claro e preciso; mas
ofenderia o outro ideal, dentro do tempo, que é o da função adaptativa do
direito. Por isso, o juiz deve afastar-se do texto legal, quando, deixando de
aplicá-lo, serve ao direito do seu momento, porque, com tal procedimento,
atende aos dois ideais aparentemente inconciliáveis: o da fixidez e o de
mutação. Afastamento consciente, motivado; ou, como acontece com os
velhos textos esquecidos, inconsciente. Na ocasião de julgar contra legem,
o juiz deve ter em vista se outro juiz, igual ou superior a ele, julgaria assim
(Ponhamos de parte as outras fórmulas: colega médio, juiz normal, outro
juiz, prudente colega, que são vagas e inexatas.) Principalmente, deve-se
evitar a infração hipócrita.

Tudo que é direito é suscetível de ser violado; portanto, de dar ensanchas à


rescisão. O que se entende por ius constitutum, passemos a ver. É costume
invocar-se, contra ou para as decisões, a parêmia. Lege non distinguente nec
nobis est distinguendum, regra estreita da escolástica, a que se substituiu,
com vantagem, o Bene iudicat, qui bene distinguit. Ao juízo rescindente
cabe verificar se era o caso, ou não, de distinguir. Quando a lei ordena que
se apliquem princípios gerais de direito, encampa todo o direito não escrito
e o escrito mas esparso.

(e) Por outro lado, é de grande importância fixar-se a natureza das regras
jurídicas: se cogentes (ius cogens), compreendendo as imperativas positivas
e as negativas, também chamadas imperativas e proibitivas; se dísposítivas,
que abrangem as dispositivas em sentido estreito e as supletivas; se,
finalmente, interpretativas. Direito é qualquer delas. Se uma regra cogente
foi violada negada, invertida, adulterada, destruída em parte, deformada, a
ponto de desaparecer ou dizer outra coisa que o que diz, temos o
pressuposto suficiente para a rescisão. Dar-se-á o mesmo, se dispositiva

a regra (Corte de Apelação do Distrito Federal, 12 de abril de 1933), porque


a violação de tais regras jurídicas também modifica o direito objetivo. Se a
interpretativa, também: as regras legais com que. se interpretam os atos
jurídicos são parte integrante do direito objetivo, e a função delas interessa
profundamente aos fins da justiça apaziguar e realizar o direito objetivo.
Além disso, constitui ofensa ao direito aplicar o juiz a regra jurídica
interpretativa, que só seria de invocar-se na dúvida, como dispositiva, ou a
dispositiva como cogente (imperativa, proibitiva), fazendo dizer como
imposto o que só devia incidir na falta de vontade dos figurantes ou do
figurante, ou a cogente, como dispositiva, ou a dispositiva, como
interpretativa, ou a interpretativa como cogente, ou a cogente, como
interpretativa. A regra jurídica interpretativa do art. 85 do Código Civil de
1916, por exemplo, não tendo sido aplicada, dá ensejo à ação rescisória, o
que obriga a exame do ato jurídico, para se verificar se foi atendida a regra
legal. Tal foi o que fez, na Ação rescisória n0 86, a Corte de Apelação do
Distrito Federal, 14 de dezembro de 1932, posto que pareça pretender seja
expressa (?!) a violação. Não é preciso que o juiz diga: “Dever-se atender
mais à letra que à intenção”, basta que, invocado o art. 85

explícita ou implicitamente, o juiz deixe de levá-lo em conta. Também não


é certo que a ação rescisória tenha por fito, como o recurso extraordinário,
manter a unidade do direito federal. O remédio da rescisão nunca teve tal
função. O

seu intuito éestranho à distinção “direito federal, diretos locais”. O direito,


constituído, que pode ser ofendido, é qualquer direito: o federal do Brasil, o
local de algum Estado-membro brasileiro, o do Distrito Federal, ou algum
Território, o municipal, o estrangeiro.’62

Se existe regra jurídica interpretativa, que foi infringida ao se interpretar


negócio jurídico, ou ato jurídico stricto sensa, cabe ação rescisória:

a regra jurídica interpretativa, ius interpretativum, é regra de direito, como


qualquer outra. Se o erro é na interpretação, sem se infringir ius cogens, ius
dispositivum ou ius interpretativum, então sim não há rescindibilidade. Sem
razão, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 20 de setembro de 1951 (R.
do T. de J. do E. S., VI, 315), afastou a rescindibilidade das sentenças se
interpretam contratos. Tinha o tribunal de distinguir: estava o juiz, ou não,
adstrito a aplicar regra jurídica cogente, dispositiva ou interpretativa.

O Supremo Tribunal Federal, no acórdão de 25 de junho de 1924, cLisse


que, excutida a hipoteca, a ação rescisória da sentença não pode ter por
objeto nulidades do contrato hipotecário que se reputou por válido, mas,
tão-só,

162 Este ponto é fundamental e nada aconteceu com a ação rescisória,


mesmo depois de instaurada a ordem constitucional de 1988, que pudesse
alterar a verdade proclamada, no texto, por Pontes de Miranda.

a nulidade da sentença. Cumpre atender-se a que a sentença pode ser válida


(de regra só as sentenças válidas se rescindem), e o fundamento da ação
rescisória ser exatamente a violação de direito objetivo em se tratando de lei
sobre nulidade do contrato hipotecário.

A decisão da Corte de Apelação de 13 de setembro de 1993, nos


fundamentos, excluira o direito subsidiário. Errou palmarmente. (O Chama-
se direito subsidiário àquele a que se reportavam as leis, como suficiente
para subsidiar, completar, integrar, o ius scriptum autóctone. Aliás, a
subsidiariedade podia ser entre dois domínios jurídicos do mesmo país Seja
como for, o direito subsidiário, desde que se dê a subsidiação, direito é,
como a communis opinio, a que se referiam os velhos jurisconsultos. A
propósito do recurso extraordinário, Pedro Lessa sustentou que se não
entendia com ele a função controladora do Supremo Tribunal Federal. Daí,
terem procurado aplicar tal restrição à rescisória (Pedro Lessa, Do Poder
Judiciário, 113; Jorge Americano, Da Ação Rescisória, 2~ ed., 149). Sem
razão; porque, se a coinínunis opinio é o direito cuja violação permite a
rescisão, nada justificaria que se excluisse o direito subsidiário. Hoje, de
regra, a lei não se reporta a fontes estrangeiras, ou religiosas, mas pode dar-
se subsidiariedade interna. De qualquer modo, o direito é um só, seja
escrito, seja não-escrito. No direito singular está o subsidiário.

Para se ver a que ponto erraram os que excluiram o direito subsidiário,


basta lerem-se velhos textos, que seria longo transcrever, dos séculos XIV,
XV e XVI, isto é, dos tempos em que se formaram a legislação e a doutrina
portuguesas, pré-história e história comuns à nossa, e dos séculos
posteriores, em que as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas se
aplicarem. Os estatutos só se consideravam ius constitutuin quando
repugnavam ao direito comum; e o direito canônico (Concílio Tridentino,
por exemplo) era ius constitutum onde fosse de seguir-se. Quando se fala de
sentença contra direito expresso, é a “sententia contra legem, vel statutum,
vel extravagantem, in corpore iuris clausam”. Ia-se até aos estilos, à
consuetudo iudiciaria, inclusive os da Cúria. Depois, todas as fontes,
segundo a lei pombalina.

g) ~,O direito, que a ação rescisória protege, é só o direito material, ou


também processual? Qualquer resposta simplista pecaria desastradamente.
Primeiro, porque o direito processual é tanto direito quanto o direito
material, e fora arbitrário distingui-los, considerando-se, a um, digno de
vigilância e de retomada da prestação jurisdicional, e ao outro não. E falso
que o processo só tenha por fim realizar o direito material; ele procura
realizar o direito objetivo, material ou formal. Direito processual e processo
são coisas diferentes: aquele é norma; esse, fato. Poderíamos invocar os
grandes reformadores do direito processual aqueles, dos quais disse
Wilhelm Sauer que o processo é velho e jovem a ciência do direito
processual ‘ para com eles fundamentarmos o que acima dissemos quanto à
possibilidade de constituir violação do direito expresso a ofensa do direito
processual. Mas, de lege lata,

~,que melhores autoridades poderíamos invocar se temos as que escreveram


ao tempo em que se redigiram as leis portuguesas? J. Menóquio e D. B.
Altimaro (Tractatus, III, 519) falavam de stylus iudicio rum circa processus
ordinationem et iudiciorum usam. Segundo se é certo que as nulidades do
processo são atendidas no rol dos atos e termos processuais substanciais ,
não é impossível pensar-se em nulidades de sentença, à parte dos.atos e
termos.

Aliás, a falta ou defeito de qualquer dos figurantes da relação jurídica


processual, a nulidade da sentença definitiva, não só propriamente
nulidades do processo, tal importância de tais fatos, que dizem respeito,
imediatamente, à formulação ou à terminação da relação jurídica
processual. Tem-se de repelir a esporádica jurisprudência que pretendia
afastar a violação do direito processual em tese como pressuposto da ação
rescisória (Corte de Apelação do Distrito Federal, 28 de setembro, de 1916,
cf. nosso A Ação Rescisória, ía ed., 187). Viola-se o direito, deixando-se de
aplicar princípios que dele fazem parte, escritós ou não, ou aplicando-se
outro que lhes seja contraditório, modificativo ou excludente. A
contrariedade, a subcontrariedade ou oposição de duas proposições
particulares, a contradição, a subalternação (diferença de quantidade, ou
inferência imediata, em virtude da qual se conclui da verdade da
subalternante a da subaltemada) e a exclusão, cada uma é suficiente para
que se componha a violação. Não importa se violado é o direito material, ou
o processual, ou, até, o constitucional. A violação do próprio direito
constitucional em tese não é mais suficiente como pressuposto da ação
rescisória que a violação do direito ordinário, processual ou material,
público ou privado. O recurso extraordinário, que está na Constituição,
seleciona direito; a ação rescisória não. A propósito, há certo ponto, que é
novo e de grande relevância. Ainda quando a ação rescisória se funda em
que se violou a Constituição por ter o Supremo Tribunal Federal, por
exemplo, repelido alegação de inconstitucionalidade de lei, apura-se a
violação da Constituição, em tese. O Supremo Tribunal Federal, não
acolhendo, indevidamente, a preliminar, violou, com a sua atitude de
abstenção, o direito constituído. Aliás, em matéria constitucional, como em
todo outro ramo, fura novit curia.

Alguns acórdãos insinuam que, não havendo mais, no Código, regra


jurídica que faça nula a sentença proferida em processo nulo (e. g., o das
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 6
de agosto de 1942, D. dai. de 12 de fevereiro de 1943, 894), não se rescinde
a sentença que infringiu a lei processual. Mas o sofisma ressalta, pois o art.
485, V, não distingue: se há a infração, ainda que não seja causa de
nulidade de processo, pode ser rescindível a sentença. Se, por exemplo, foi
decidido, com força de coisa julgada, que o procurador não tinha poderes
para o recurso e assim passou em julgado a sentença, pede-se a rescisão da
decisão sobre os poderes de procura judicial, e não a da sentença, pois,
rescindida aquela, o prazo corre depois de passar em julgado a sentença na
ação rescisória. Só se hão de cumular os pedidos de rescisão se a decisão no
interlocutório ou no que incide apenas influi na sentença posterior (certo,
em parte, o Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de dezembro de
1941, R. F., 91, 186). Se não se cumularem, após a ação rescisória do
interlocutório ou da decisão no incidente, pode ser proposta a da sentença
em que a decisão daquele ou dessa influirá (sem razão, o acórdão acima
citado). Se, sem algum julgado (o rescindendo) atos posteriores poderiam
ser diferentes, ou não se teria dado preclusão necessária a eles, esses atos
caem (art. 248).

(h) Modestino, na L. 19 D., de appellaiionibus et relationibus, 49, 1, falou


de sentença “expressim contra iuris rigorem data”, e “specialiter contra
leges vel senatus consultum vel constitutionem prolata”. Daí correntes
explicavam as palavras “expressim” e “specialiter” de Modestino. Uma
entendia ser necessária a violação expressa; outra, vitoriosa, com F. C.
Gesterding, M. Bardeleben e G. M. Schaffrath, Alexandre Meyer (De
Nuílitate Sententiarum contra lus Constitutum lataram, 9 s.) resumiu a
opinião deles: “Modestinum enim eo tantum consilio verba expressim et
specialiter adiecisse, ut sententias quibus ius solum litigatoris laedatur
seiungat ab iis, quibus iudex contra constitutionem decidens et quasí
deroget”. E acrescentou a opinião (o que para nós vale mais, como parte do
direito comum): “Idem Modestinum verbis expressim et specialiter hoc
tantum significare aiunt, iniustam sententiam non utique etiam contra ius
data videri, sed distinguendum, utrum ius tantum litigatoris laedatur (a
iudice puta in facto errante) an verso falsa iuris ratio subsit, qua iudex
legibus aut constitutionibus quase deroget.” Certamente, é de não se admitir
a ação rescisória em cujo processo o autor não cita o princípio ofendido ou
a lei violada (Corte de Apelação do Distrito Federal, lº de dezembro de
1930); mas isso não quer dizer que não possa invocar direito assente, desde
que seja direito, segundo foi definido. Na petição, explícita ou
implicitamente, ou na defesa, autor e réu podem ter exposto a sua situação,
ou o que pensam ser ou pretendem seja,. de modo a invocarem ius in thesi.
Tal invocação, ou resulta de citação de regras jurídicas, ou de alusão a
instituto, ou de referência a doutrina, ou dos fatos mesmos, narrados ou
aduzidos por eles. Só petição inepta poderia desenvolver pretensão, e só
defesa ineficiente, inconsistente, encadearia acontecimentos e
argumentações, que não estivessem em correlação implícita com o direito
objetivo. O julgamento existencial, a respeito desse, é elemento de tal modo
essencial, que a sua falta importaria a inépcia da petitio ou da resposta do
chamado à contenda. Por isso mesmo, ao ter de decidir, o prolator da
sentença necessariamente se reporta àquele julgamento, ou à simples
inexistência dele. Ai é que se dará, possivelmente, a violação. Convém
separar os dois assuntos: forma e lugar da violação; violação de direito não-
alegado. Por outro lado, se se diz que o juiz se afastou do direito objetivo
(preliminar), devendo afastar-se (improcedência), ou não (procedência),
julga-se mérito.

Alguns julgados exigiram que tenha havido discussão sobre a violação da


lei. De modo nenhum. Pode A ter discutido a aplicação da regra jurídica a,
afirmando que incidiu ou é de incidir, e B negá-lo, por entender que incidiu
ou é de incidir b, aplicando o juiz a regra jurídica c, porque Jura novit
curia. Seria absurdo repelir-se a ação rescisória se o juiz errou. Pode A ter
pedido a aplicação de a e B nada ter oposto, aplicando o juiz a, infringindo
o direito expresso, que seria b. Cabe a ação rescisória. Idem, se aplicou c,
erradamente. Na apreciação do pressuposto do art. 485, V, não pode o juiz
ou tribunal entrar em verificação de concordâncias ou de discordância
(mente das partes), nem de interpretações da lei (mente dos juizes e dos
juristas): o que lhe há de importar é o direito em tese; e a regra jurídica, que
é, somente pode ser uma A investigação que lhe toca é puramente objetiva:
~qual a regra jurídica que existe no sistema jurídico que rege a espécie? É
lamentável que tenha havido deslizes dos julgadores, entrando em
averiguações sobre a conduta das partes, pendente a lide (e. g., 2~ Turma do
Supremo Tribunal Federal, 18 de janeiro de 1949, R.

F., 126, 124; Tribunal de Justiça do Ceará, 9 de abril de 1952, J. e D., VI,
148). Ou tais erros provêm de ignorância do assunto, ou do propósito hostil
de afastar as rescisões.

A Corte de Apelação do Distrito Federal, a 16 de dezembro de 1936, julgou


caso de violação de direito processual expresso, mandando que se julgasse
o recurso cabível, do qual o acórdão não conhecera, desprezando o texto da
lei então vigente. A 25 de maio de 1938, o Tribunal de Apelação do Distrito
Federal assentou: “...em conhecer da ação rescisória, se bem que se não
houvesse invocado, no processo da sentença rescindenda, a lei que se diz
violada, desde que é aplicável de ofício (Pontes de Miranda, A Ação
Rescisória contra as Sentenças, 197 s.)”.

Se a parte não alegou, em tempo, a prescrição, não mais pode argúir estar
prescrita a pretensão. Se propõe ação rescisória, porque não foi julgada
prescrita a pretensão, tal ação é improcedente, porque não se deixou de
respeitar o direito: a prescrição teria de ser alegada, não se declara de ofício
(Supremo Tribunal Federal, 22 de novembro de 1946, R. F., 109, 370).

(i) A violação pode ser expressa, consciente, confessada, declarada, ou


inexpressa, inconsciente, dissimulada (cf.
Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de outubro de 1933), ocultada, velada,
disfarçada. Não importa como seja ela. O

que é preciso, para que se componha o pressuposto da rescisão é a violação


em si, a negação do direito, conforme foi definido. O direito é que há de ser
expresso, disse a Corte de Apelação do Distrito Federal (17 de julho de
1925); e não a violação, que pode ser implícita.

Quase sempre, a infração do direito não se opera de frente, abertamente: o


juiz ou tribunal recorre a livros estrangeiros, ou nacionais, tecendo a sua
argumentação; ou lança mão de exegesse capciosa (Tribunal de Apelação
da Paraíba, 26 de março de 1940, R. F., 82, 714).

Os erros ontológicos do juiz, erros de falta ou defeito de observação, nao


podem ser causa de rescindir a sentença. A lei entregou a depuração deles à
técnica dos recursos. Nesses, é que se apura se houve, ou não, equívoco dos
sentidos, má apreciação das provas, ou falha de inteligência no exame dos
fatos. Quanto aos erros nomológicos, nem todos foram tratados no mesmo
plano; porém, sempre que se trata de violação do direito em tese, cabem a
pretensão à rescisão e a ação rescisória. Há, porém, quanto a erro
ontológico, o caso do art. 485, VI (falsidade de prova), VIII e IX.

A regra jurídica do art. 131, í a parte (sem dúvida, a texto anterior se


referiu, desacertadamente, aliás, o acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 10 de abril de 1942, R.F., 91,
482), dificilmente poderia ser invocado como tendo sido objeto de erro
nomológico do juiz: o erro, proveniente de sua má aplicação, ou
inaplicação, seria ontológico. Não assim, se a forma foi exigida por lei
como essencial (art. 366), pois que, ai, há regra cogente, de outra natureza:
o art. 131, 1a parte, pertence ao princípio da prova racional, a despeito da
aparência de regra de julgar; a regra jurídica do art. 366, ao princípio da
prova legal. Não é de excluir-se, porém, a hipótese de sentença que infrinja
o arI. 131, e. g., a que reconheça certo fato, que está provado, inclusive pela
notoriedade, e o exclua no julgamento, “porque não foi alegado pela parte”.
Quanto ao art. 458, antes, no Código de 1939, art. 180,163 estaria errado o
acórdão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio
Grande do Sul (10 de abril de 1942). Sentença que não tem relatório é
sentença que infringiu “literal disposição de lei”. Sentença que não traz em
si os fundamentos de fato e de direito, também a infringe. Sentença que não
contém decisão, como as duas anteriores, é rescindível.

Também é rescindível a sentença em cujo relatório não se menciona o nome


das partes, o pedido, a defesa ou o resumo dos respectivos fundamentos,
salvo se noutra parte da sentença, fora do relatório, se satisfaz o requisito
que ao relatório faltou. Não há rescindir-se a sentença, se da omissão não
resultou qualquer prejuízo à parte (Arg. ao art. 249,

~ 20).

Má apreciação da prova não basta para justificar a rescisão da sentença. Ai,


só se daria ferimento do direito em hipótese (Supremo Tribunal de Justiça,
30 de agosto de 1873; Corte de Apelação do Distrito Federal, 24 de maio de
1901, l~ de setembro de 1930, 14 de julho de 1932; Tribunal de Justiça de
São Paulo, 6 de abril e 23 de novembro de 1904, 10 de agosto de 1908, 11
de maio de 1910, 10 de fevereiro de 1918, 14 de abril, 19 de setembro e 27
de outubro de 1931; Superior Tribunal de Justiça do Amazonas, 25 de
setembro de 1919; Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, 14 de março de
1872e27 de março de 1873).

A violação há de ser ao direito em tese (l~ Turma do Supremo Tribunal


Federal, 13 de março de 1946; Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 13 de junho de 1947, J., 29, 248). O fato de
haver divergência de interpretações não pré-exclui a ofensa à lei (sem razão,
as Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de
outubro de 1947, R. dos T., 171, 334). Pense-se, hoje, nos arts. 476-479,
acertadamente postos no Código de 1973. Também não a pré-exclui o ter
errado a sentença em considerar cogente a regra jurídica dispositiva, ou
vice-versa, ou em tê-la com interpretativa, em vez de cogente ou
dispositiva, ou vice-versa (sem razão, as Câmaras Civis Conjuntas do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de janeiro de 1948, 173, 450, a
respeito da regra jurídica Locus regit actum). Ao invés, tal qualificação
indevida contém, de si só, infração, se o julgado seria diferente.

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (Art. 485)

Alguns julgados se aferraram à noção de letra da lei, como se pudesse o juiz


distinguir onde acaba a interpretação não literal ou a interpretação literal (e.
g., ia Turma do Supremo Tribunal Federal, 27 de junho de 1946, A. J., 80,
11; Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal,
23 de agosto de 1945, D. da J. de 20 de fevereiro de 1946). Outros somente
entenderam por letra da lei a letra de regra jurídica de direito material;
dupla confusão com a distinção entre regra de direito material, que era e é,
de ordinário, federal, e regra de direito processual, que não era e hoje é
federal, e como recurso extraordinário. Nos pressupostos do recurso
extraordinário é que se têm de distinguir as leis em leis federais e leis
locais, mas, a propósito da lei processual, deixou de ter pertinência a
distinção, desde que se tornou federal a legislação processual. Assim,
absolutamente sem razão as Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de
Apelação do Rio Grande do Sul, a 10 de maio de 1946 (J., 28, 174), e a
Seção Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 23 de agosto de 1946
(R. dos T., 164, 323, R. F., 111, 157).

Certas, as Câmaras Civeis Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio Grande


do Sul, a 27 de dezembro de 1946 (J., 28, 624).

(j) Tem-se pretendido que a conclusão da sentença, e não os seus


fundamentos, é que deve conter a violação (Tribunal da Relação de Minas
Gerais, 16 de dezembro de 1914, R. F., 23, 340). Noutros termos: se algum
dos considerandos ou dos raciocínios intercalares do julgado ofende o
direito, sem que, na conclusão, haja ofensa, o caso é de ação rescisória.
Observe-se, desde logo, a arbitrariedade de tal exigência tópica. Se o juiz
armou o raciocínio com perfeição, o final de da sentença conterá as duas
premissas, a de fato e a de direito. Poderá ser que isso não se dê e
constituiria regra jurídica defeituosa que se apurasse onde ele pôs o seu
julgamento tético. É interessante notar-se que os críticos de tal
procedimento caíram no excesso oposto: sustentaram que a violação do
direito expresso está sempre nos fundamentos, nas argumentações
anteriores à conclusão.

Não há solução a priori. A infração pode estar no fundamento, como se o


juiz aludiu, no considerando da sentença, à inexistência de certo princípio,
ou a inatendibilidade de alguma lei, e o decisum só se mescla com
argumento de fato.

Em tudo isso, distinguem-se formalmente, fundamento e decisão, como se


fosse possível, sempre, a separação. Quase sempre o fundamento está
implícito no decisum ou o decisum apenas aparece como conclusão,
incidível, dos considerandos.

Em tudo isso há certa desatenção pelos caracteres lógicos de toda a


sentença. O juiz necessariamente considera o fato, depois o direito objetivo
(julgamento existencial), finalmente conclui. A conclusão contém um e
outro: ofaio e o direito. Se, teratologicamente, a conclusão não confere
como desenvolvimento lógico, nada importa. A sentença, ou afirmará a
existência de um direito objetivo, ou negá-la-á, ou dissimulará uma e outra
das atitudes. De qualquer maneira, violará direito, desde que, sem razão, foi
posto de lado, pela afirmativa do julgamento oposto, ou pela negação direta,
ou pela omissão, o julgamento existencial contido na petição ou na defesa.
A Ordenação falava em

“sendo-lhes alegadas”, o que fez supor que a violação da lei não alegada
não constituía violação. Dois textos são expressivos; um de D. B. Altimaro
e outro de Manuel Gonçalves da Silva. Dizia o jurista napolitano (Tractatus,
II, 513): “Secus esset, si probabiliter ignoravi potest, puta, quod esset lex
nova, aut statutum, seu localis constitutio, et causa verteretur in alio foro,
quam statuentium, et in quo statuta, seu leges huiusmodi estravagantes non
querint, neque sint publicatae, nec notoriae, quia his casibus cum possuit
talia a iudice probabiliter ignorari”. Insistia o jurista portuquês
(Commentaria, III, 139): “Intellige iterum de sententia lata contra legem in
corpore iuris clausam quae probabiliter ignorari possuit, puta, quod esset
lex nova, et non notoria; quia tunc a partibus allegari, ac produci debet”.
Tudo isso precisa, hoje, de revisão. O juiz é obrigado a conhecer o direito.
Desde que houve invocação, de qualquer espécie que haja sido, deve decidir
o juiz, aplicando ou deixando de aplicar o principio ou sistema invocado.
Dissemos

“sistema”, porque existem as ordens jurídicas dos diferentes Estados,


segundo a distribuição interestatal das competências, e a dos Estados-
membros, nas federações, conforme se dá no Brasil. Dentro do mesmo
Estado (no sentido próprio, de direito das agentes), o juiz éobrigado, pela
função, a conhecer as leis do país. Quanto às leis de outros Estados, foi
assunto de que tratamos em nossa obra sobre direito internacional privado,
a que nos reportamos.

Posto de lado o problema da obrigação e suposto que o juiz haja omitido a


aplicação do sistema jurídico estrangeiro ou de Estado-membro,
examinaremos o problema pelo ângulo que agora nos interessa: a ação
rescisória. Se as partes invocarem texto preciso, a questão por si mesma se
resolve. Se disseram, ou se só uma delas disse que dominante era a lei
estrangeira, sem precisar quais regras, a verificação da ofensa ao direito
estrangeiro autoriza o remédio rescindente.

Resta o caso do direito estrangeiro não invocado e dominante segundo os


princípios. O juiz pode e deve aplicá-lo de ofício. Se não o aplicou, em
assunto imperativo das competências, que é de direito das gentes, a
rescindibilidade é evidente.

Já o Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 25 de maio de 1938, na


esteira do que expusemos na 1a edição de A Ação Rescisória, proclamou
que o juiz tem de aplicar o direito ainda que não citado, nem referido.

Dir-se-á que o art. 337 cogita da prova do direito estadual, municipal,


costumeiro, ou estrangeiro. Mas o juiz pode

“dispensar a prova”. Juiz que aplicou direito nacional, ou direito do Estado


B, em vez de aplicar o direito do Estado A, que incidira, contra o que se
pediu, dispensou a prova e resolveu.
Para não dispensar a prova, tem ele de exigi-la, ou, em tempo, dizer que não
basta a que foi feita. Não nos esqueça que o princípio geral é Jura novit
curia. Se o juiz, diante da prova que se fez, decidiu conforme o que se
apresentou como prova, e errou (por exemplo, a lei constante do jornal
oficial estrangeiro ou de coleção de leis estrangeiras já fora ab-rogada ou
derrogada), a parte que foi ofendida com o julgado pode propor a ação
rescisória. Idem, se o juiz, crendo conhecer a legislação estrangeira,
dispensou a prova. Surge o problema de se saber se pode ser proposta a
ação rescisória pela parte que apresentou a prova errada, ou já impertinente.
A afirmativa de certo modo cobre o erro da parte, ou de seu advogado. A
negativa deixaria aberta a porta para se não corrigir a má aplicação da regra
jurídica (municipal, estadual, estrangeira, ou consuetudinária), ao mesmo
tempo que desatendia ao dever do juiz de bem examinar a espécie (exame
da prova feita). Nunca encontramos discussão do assunto, e não podemos
recusar a proponibilidade da ação rescisória, se não houve dolo do probante.

(k) Alguns juristas trazem à discussão trechos de autores portugueses em


que, comentando-se os Tftulos 60 das Ordens Manuelinas e 75 das
Ordenações Filipinas, só se falava em leis pátrias. Nenhuma pertinência
possuem, nos nossos dias, porquanto pertencem a época enormemente
diversa da hodierna, em matéria de direito internacional privado, ao auge do
absolutismo estatalista, em reação aos períodos anteriores. Se o juiz
brasileiro aplica à sucessão do estrangeiro a lei brasileira quando não devia,
tal sentença é rescindível. Dá-se o mesmo se anula testamento, ou o diz
nulo, por ter sido feito por estrangeiro de acordo com a forma da lei
competente. Tal juiz deu à regra Locas regit actum o caráter de regra
jurídica imperativa, ao mesmo tempo que deixou de atender à do Estado
competente, que permite aos seus adstritos, e. g., a forma da lexpatriae ou a
do lugar. Duas violações se quisermos olhar para os textos de dois países. A
regra jurídica brasileira poderia ser imperativa, mas sê-lo-ia somente para
os atos subordinados à lei brasileira. A lei dominadora de um ato é que lhe
dá a forma, ou decide quanto à lei-conteúdo que lhe deva ser aplicada: dirá,
em conseqílência, se a lex loci cabe, se é imperativa, alternativa, ou qual
deva ser o seu caráter. Se houve violação do direito objetivo, qualquer que
seja, a ação rescisória é de propor-se. O que há de ser nacional é a decisão
rescindenda.
(1) A sentença de eficácia impossível e as outras em que alguma
impossibilidade absoluta as fere são rescindíveis; são decisões ineficazes.

É o que acontece ao julgado impossível quanto ao objeto, ou quanto à


causa. A impossibilidade pode existir ao tempo da sentença, ou sobrevir.
Sobrevém, por exemplo: a) se personalíssima a prestação, passiva ou
ativamente, e falece o obrigado, ou o credor; b) se perece o objeto, nos
casos raríssimos em que não subsiste a obrigação; c) se a relação se
extingue sem ser por execução, novação, ou outro modo convencional, e. g.,
por lei nova, que proiba. Nos casos de superveniência da impossibilidade, é
a relação que ela atinge, e não a sentença. Nos de contemporaneidade, a
sentença existe, mas é decisão ineficaz. Proposta a ação rescisória, devem
os juizes, decretando, explícita ou implicitamente, a ineficácia, julgar, na
preliminar, ser caso dela, ou, se por acaso passou a preliminar do
conhecimento, ser improcedente a ação, mas julgar a ineficácia.

(Cumpre separar o assunto da sentença de eficácia impossível, o da


sentença cognoscitiva, lógica ou moralmente impossível, e o da sentença
que resolveu sobre impossibilidade da prestação. Essa, se violou direito
tético, como se infringiu, por exemplo, regra jurídica sobre a perda da coisa
devida, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente condição
suspensiva, ou regra jurídica sobre deterioração da coisa sem culpa do
devedor, é rescindível.) A sentença cuja eficácia era possível, mas se tornou
impossível, é também decisão ineficaz. Por isso mesmo, pode ocorrer que a
causa da impossibilidade cesse e volte a eficácia.

A sentença impossível, cognosciva, lógica ou moralmente, não é só


rescindível, mas decisão ineficaz. Passado o biênio não se torna, sã, imune à
alegação da ineficácia. Pimenta Bueno (Apontamentos, 112) falou do
seguinte caso: sentença que declara ser de direito, na espécie, a ação
ordinária, e com razão; porém a julga sumariamente. Aí, diz ele, há ofensa
a direito. Está certo. A complicação do exemplo foi escusada, a contradição
é meramente cênica; porque haveria ofensa, ainda que o juiz não
reconhecesse. Em qualquer assunto em que ojuiz reconheça o direito,
porém o viole, violação há. A violação independe das simulações e
dissimulações dos juizes, das suas tiradas eruditas, das suas referências e
louvaminhas ao próprio texto que vai violar, oujá violou. A violação
aprecia-se in concreto.

O julgamento ultra petita, ou citra petita, constitui violação de direito


processual, que é direito objetivo como qualquer outro. As Ordenações
Filipinas, Livro III, Título 76, § 1, previram a hipótese das duas nulidades, a
da sentença “extra petita” e a da sentença “ultra petita”: a parte que decide
fora do que estava em causa, prestação jurisdicional mal executada, porque
se presta o que não estava para ser prestado, e se resolve o que não tinha
deresolver; e a que decide além do pedido (Tribunal Superior do Amazonas,
29 de setembro de 1910), mais do que se devia decidir. Não precisaria tê-lo
dito a lei. No § 4 estatui-se que o juiz não pode pronunciar-se sobre o que
não constitua objeto do pedido, nem considerar exceções nas propostas,
para as quais a lei exija a iniciativa da parte. O

julgamento extra petita seja ultra petita ou citra petita violaria o § 4.

A infração das regras de direito processual, errores in procedendo, desde


que fira norma de lei não puramente instrucional (se as há!) e sempre que a
parte poderia ter mais exata apreciação judicial e mais justa decisão se
infração não tivesse havido, é pressuposto suficiente do art. 485, V. O que
importa, aí, é ser imaginável a relevância prática da regra legal como
processo técnico para se chegar a decisão justa. Não há, pois, separação de
valor entre a regra de direito processual e a de direito material, se a lei
mesma, excepcionalissimamente, não concebeu a regra como

“recomendação” (erro de técnica do legislador), ou de “arbítrio puro”.


Aliás, as regras de arbítrio puro são raríssimas; e as de arbítrio judicial
permitem que se veja se a lei foi atendida, em tese.

Quem propõe ação rescisória de sentença com invocação do art. 485, V,


pode levantar quaestiones iuris. Toda a matéria de fato está definitiva e
irrescindivelmente julgada.

No Código de 1973, art. 504, diz-se que “dos despachos de mero expediente
não cabe recurso”. Esses despachos não podem dar causa à propositura de
ação rescisória, salvo se o juiz teve como despacho de mero expediente
decisão que não o era. Aí, houve violação de regra jurídica concernente a
natureza da decisão, e cabe a ação rescisória se tal decisão foi sentença,
impugnável, portanto, no todo ou em parte.

10. Falsidade da prova, pressuposto suficiente da rescindibilidade No


Codex lustinianus, L. 1-4, si ex falsis instrumentis vel testimonjis judicatum
erit, 7, 58, quatro leis, de diferentes épocas, se inseriram, concernentes aos
casos de julgados exfalsis instrumentis vel testimoniis: “1. Si tabulas
testamenti, quas secutus proconsul vir clarissimus sententiam dixit, falsas
dicere vis, praebebit notionem suam non obstante praescriptione rei
iudicatae, quia nondum de falso quaesitum est. 2. Et qui non provocaverunt,
si instrumentis falsis se victos esse probare possunt, cum de crimine
docuerint, ex integro de causa audiuntur. 3. Falsam quidem testationem, qua
diversa pars in iudicio adversus te usa est, ut proponis, solito more arguere
non prohiberis, sed causa iudicati in irritum non devocatur, nisi si probare
poteris eum qui iudicaverat secutum eius instrumenti fidem, quod falsum
esse constiterit, adversus te pronuntiasse. 4. Judicati exsecutio solet
suspendi el soluti dari repetitio, si falsis instrumentis circumventam esse
religionem iudicantis crimine postea falsi ilíato manifestis probationibus
fuerit ostensum”. Tirando em vernáculo: “1. Se as tábuas do testamento,
atendendo às quais, o procônsul, varão esclarecido, proferiu sentença,
queres tu dizer falsas, cabe-lhe conhecê-lo, não obstante a exceção de coisa
julgada, porquanto ainda se não questionou do falso. 2. E os que não
apelaram, se podem provar terem sido vencidos por instrumentos falsos,
quando houverem documentado o delito, são ouvidos de novo (ex integro)
sobre a questão. 3. Falsa, como pretendes, a testação, de que se valeu em
juízo, contra ti, a outra parte, não se te proibe, na forma acostumada, argi.ií-
la. Mas a causa do julgado não será considerada irrita, salvo se puderes
provar que aquele que julgou, se pronunciou contra ti, atendo-se à fé
daquele instrumento, que se verifica falso 4. Sói-se suspender a execução
do julgado e dar-se repetição do pago, se, havendo-se deduzido, depois, a
acusação de falsidade, foi demonstrado, com provas evidentes, que com
falsos instrumentos se enganou a consciência do julgador”.

É instrutivo, evitando longos comentários, sublinhar, no texto latino de


imperadores diferentes, algumas expressões que muito elucidam: o
procônsul conhece da nova arguição, a despeito da coisa julgada, non
obstante praescriptione rei iudicatae; a causa o julgado pode tornar-se
irrita, in irritum devocatur; em sendo falsos os instrumentos, manifestis
probationibus, suspende-se a execução do julgado.

As Ordenações Filipinas, Livro III, Título 55, pr., falavam da rescisão “per
falsa prova”. O Reg. n0 737, art. 680, § 30

estatui, na esteira das três velhas Ordenações, que há rescisão “sendo


fundada em instrumento ou depoimentos falsos em juízo competente”. No
antigo Código de Processo Civil do Distrito Federal, art. 302, III, só se
falava de sentença fundada em prova falsa, e no paranaense, art. 933 50 em
prova falsa ou nula. No de São Paulo, art. 348, III, em instrumento ou
depoimento falso. No de Minas Gerais, art. 173,30, em instrumento ou
depoimento falso, como tal jájulgado em juízo competente. Como o de São
Paulo, o do Espírito Santo, art. 271, II. Como o de Minas Gerais e o velho
Reg. n0 737, o da Bahia, art. 1.361, 30 o do Estado do Rio de Janeiro, art.
2.273, c), o de Pernambuco, art. 162, 30 e ode Santa Catarina, art.
1.844,111. Um tanto ambíguo, o do Rio Grande do Sul, art. 504, c): “sendo
fundada em instrumentos ou depoimentos julgados falsos”.

Conforme o Reg. n0 737, art. 680, § 30, só após o julgamento em ‘juízo


competente” é que se podia, com o documento ou depoimento julgado
falso, propor a ação rescisória. No Distrito Federal e nas outras regiões de
igual regra jurídica de pressuposto, como em São Paulo, a falsidade podia
ser demonstrada na própria ação rescisória, ou resultar de sentença criminal
que a tivesse apreciado, embora a sentença absolutória não obstasse à
reapreciação da falsidade para as consequências de direito privado. O
Código de Processo Civil do Distrito Federal ainda permitia que a prova se
fizesse por via do incidente de falsidade, processado na pendência da lide
rescindente. Assim, se não houvesse decisão do juiz competente, tinha de
ser feita a prova de incidente.

O Código de 1939, pela redação que tinha o art. 798, II, não se satisfazia
com a falsidade provada em incidente cível, ainda que em incidente da ação
em que se proferiu a sentença rescindenda, nem com a falsidade provada
durante o processo da ação rescisória, como assunto da instrução. Exigia
que já existisse, para a propositura, sentença de juízo criminal, incidental ou
não. A Lei n0 70, de 20 de agosto de 1947, art. 10 (publicada no dia 27 de
agosto de 1947, D.

O., 11467), só referente a sentenças proferidas, pelo menos, nesse dia,


manteve o fundamento na provajulgada falsa no juízo criminal, e admitiu a
falsidade inequivocamente apurada na própria ação rescisória. Quanto
àquela espécie, está claro que nada se mudou, e em verdade a Lei n0 70
criou, apenas, outro pressuposto ainda concernente à falsidade da prova.

As duas espécies merecem trato separado; a) se há a sentença criminal,


ainda que incidental, trânsita em julgado; b) se a prova se faz, na ação
rescisória. Há, porém, princípios comuns. Naturalmente, supóe-se que não
tenha havido revisão criminal. Porém nada obsta a que tenha havido
qualquer outra exclusão da eficácia da sentença (anistia, indulto, etc.),
porque a anistia, o indulto ou outra medida semelhante, não retira a eficácia
probatória da sentença criminal transitada em julgado. Só a rescisão
criminal que atinja a prova para riscar o efeito importável pelo processo
civil.

(a) Para que haja o pressuposto da prova falsa’~ é preciso: 1) que se


apresente na petição inicial da ação rescisória a sentença criminal sobre a
falsidade (art. 283), ou que se faça a prova inequívoca na própria ação
rescisória; II) que só na prova falsa ou, pelo menos, nela, sem ser possível
eliminá-la, permanecendo a sentença, se haja apoiado a decisão.

A falsa prova, ou prova falsa, de que falam as Ordenações e o Código, tanto


pode ser pessoal quanto instrumental. É a lição de Agostinho Barbosa, de
Antonio Cardoso do Amaral e de Inácio Pereira de Sousa. Que a falsidade
tenha sido alegada, durante a ação primitiva, cuja sentença se quer rescindir,
ou que

164 Não se confunda prova falsa com prova obtida por meio ilícito porque
esta pode ser falsa, ou verdadeira, conforme espelhe a realidade, ou não.
Se a sentença se fundou em prova falsa, a rescisória cabe pelo inciso Vído
art. 485. Se se fundou em prova verdadeira, mas obtida por meios ilícitos,
cabe a rescisória pelo inciso \‘, por violação do ars. 50, LVI, da Const. 88 e
do axt. 332 do CPC. Se em prova, alêm de falsa, obtida ilicitamente, a
rescisória se admitirã pelos incisos V e VI.
só tenha sido descoberta após a prolação da sentença, não importa para a
rescisão. Nenhuma lei cogita disso. Sem razão, in abstracto, o Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 18 de março e 23 de julho de 1908, que, em
prestação de contas de depositários de bens penhorados, não admitiu ação
rescisória, por não ter havido reclamação, nem recurso.

Adiante, nota 11.

O Tribunal de Justiça de São Paulo disse não se considerar falsa a prova a


quem se baseou a sentença se consiste em certidão parcial produzida pelo
autor e não impugnada pelo réu (6 de junho de 1934). Sim, se não foi feita a
prova de falsidade de acordo com o art. 485, VI; porque o réu revel pode
propor ação rescisória e poderia propô-la ainda quando, comparecendo, não
a tivesse impugnado.

Nenhuma distinção se faz sobre o fato de haver sido levantada, ou não, a


questão a que se liga o pressuposto da rescisória. Pretender-se que o
“fundamento do pedido deve consistir em matéria não alegada e,
conseguintemente, não apreciada pelo tribunal”, constitui erro grave; e pena
é que apareça em julgado, aliás de nenhuma base jurídica (e. g., 3~ Câmara
Cível da Corte de Apelação do Distrito Federal, 13 de junho de 1928). A
decisão foi de grande infelicidade. Prescindamos das lições doutrinárias, de
outrora e de hoje, em Portugal e nos países estrangeiros do direito comum.
Limitemo-nos às leis. A Ordenação Afonsina do Livro III, título 108, § 6, já
resolvia com lucidez: “a qual falsidade nunqua fosse aleguada até esse
tempo em esses feitos, ou se foi aleguada, nom foi recebida”. Nas
Ordenaçóes Manuelinas, Livro III, Título 78, pr., reproduz-se o texto:
“especificando a falsidade, a qual nom fosse antes aleguada nesses feitos,
ou se foi aleguada non foi recebida”. Também nas Ordenações Filipinas,
Livro III, Título 95, pr.: “especificando a falsidade, a qual não fosse antes
alegada nesses feitos, ou se foi alegada, não foi recebida”. O

autor da ação rescisória pode só ter tido conhecimento da falsidade no


momento imediatamente anterior à propositura da ação rescisória; portanto,
já ao fechar-se o juízo rescindente no último dia do biênio.
Também seria preocupação perigosa, mas, principalmente, sem finalidade
plausível, estar-se a inquirir do que deve ter pesado no espírito da parte,
levando-a a guardar os elementos para iudicium rescindens. A
jurisprudência nem sempre tem sido no mesmo sentido. Alguns julgados,
inspirando-se em Pimenta Bueno e em M. 1. Carvalho de Mendonça,
repelem a ação rescisória quand9, ao tempo da sentença, já a parte conhecia
a falsidade, dizendo-se que aquiesceu no vício da prova. Não reparam tais
julgadores em que interpretam o silêncio como assentimento ao ato
criminoso de outrem. jQue coisa extraordinária seria negar-se a rescisão de
uma sentença, se passou em julgado a que se deu no crime contra o
responsável pela prova! Basta pensar-se em que o autor, ciente da falsidade,
pode ter pretendido munir-se de melhores elementos, aguardar o julgamento
criminal, evitando a leviandade de imputação tão grave quanto seria a do
falso. Demais, tem ele a pretensão à rescisão e o prazo preclusivo de dois
anos. Não há outro pressuposto quanto ao tempo. Trata-se de prazo
preclusivo. A rescindibilidade pode ser devida à prevaricação, à concussão,
à corrupção, ao impedimento ou incompetência absoluta, e não convir no
momento ao titular da pretensão à rescisão exercê-la (e.

g., ser poderoso nos primeiros anos165 o juiz, ou ser poderoso,


momentaneamente, quem o peitou, ou com quem se conluiou, ou ser
indecisa a jurisprudência quanto ao impedimento ou à incompetência pela
hierarquia ou ratione materiae). Pode ser devida a rescindibilidade à ofensa
à coisa julgada e não ter o autor vencedor tentado executar a sentença. Pode
a rescindibilidade ser devida a falso que está sendo objeto de ação penal.
Seja como for, não se tem de apurar qualquer elemento subjetivo do titular
da pretensão à rescisão. Pode ter sido causa da rescindibilidade infração de
direito em tese, que somente após a sentença rescindenda se revelou, para
os menos esclarecidos, na jurisprudência assente.

~A absolvição no juízo criminal obsta à propositura da ação rescisória com


fundamento no art. 485, VI, 2a parte (falsidade “provada na própria ação
rescisória”)? É a questão de coisa julgada material da sentença penal em
relação à ação cível ou à sentença cível. Os textos sedes rnateriae são os
que constam do Código de Processo Penal. Se, por exemplo, a regra jurídica
diz que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconheceu ter sido
o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Nenhuma
repercussão tem, no tocante à ação rescisória: o falso dificilmente poderia
ser praticado em estado de necessidade se o tivesse sido, não deixaria de ser
falso e produzir a rescindibilidade; a legítima defesa, com a prática de falso,
seria de mais rara ocorrência e de modo nenhum retiraria ao falso o ser
causa de rescindibilidade; quanto ao cumprimento de dever legal e ao
exercício regular de direito, não se compreende que existam em matéria de
falso. Se a lei penal estatui que, não obstante a sentença absolutória no juízo
criminal, a ação civil pode ser proposta quando não

165 Esta observação “nos primeiros anos” só fazia sentido sob o Código
de 1939, quando era de um lustro o prazo da rescisória. Com o advento do
atual CPC, não mais se podia falar em “primeiros anos”, pois só de um
bienio o prazo decadencial da ação (art. 495). Hoje, aumentado para
quatro anos o prazo da rescisória para a União, estados. Distrito Federal,
municípios e autarquias e fundaçóes instituidas pelo poder público (~ 40 da
Medida Provisória n0 1.577-4, de 02.10.97), o exemplo recuperou a
atualidade.

tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato,


ainda assim, a despeito da regra jurídica, se a sentença penal afirmara que
não foi usado o documento, ou produzida outra prova, ou não foi prestado o
testemunho (inexistência material do fato) e o documento ou do testemunho
ou outra prova foi fundamento da sentença cível, não se pode negar a ação
rescisória. Se noutra regra da lei penal está dito que “não impedem
igualdade a propositura da ação civil: 1, o despacho de arquivamento do
inquérito ou das peças de informações; II, a decisão que julgar extinta a
punibilidade; III, a sentença absolutória que decidir que o fato imputado
não constitui crime”, tal regra jurídica, em sua explicitude, tem de ser
atendida: a ação rescisória, a de.speito de qualquer dos atos judiciais
apontados, pode ser proposta.

Na espécie do art. 485, VI, ia parte, não há ofensa à coisa julgada na ação
cível por parte da sentença criminal: apenas a lei exigiu e julgou bastante
como elemento de suporte fáctico da regra jurídica sobre a rescisão da
sentença cível, por falsa prova, o existir ou sobrevir sentença criminal sobre
o elemento principal, de fato, do julgamento cível. A pretensão, para essa
espécie, é diferente da que surge ao trânsito em julgado da sentença cível,
se o fundamento é o do art. 485, VI, 2a parte. Antes do trânsito em julgado
da sentença criminal não há pretensão do art. 485, VI, ia parte, posto que
possa haver a do art. 484, VI, 2~ parte.

O art. 485, VI, ia parte, deu à declaração de falsidade em sentença criminal


ser pressuposto suficiente da ação rescisória da sentença em que tal prova
falsa foi o elemento principal do julgamento elemento probatório, entende-
se, porque não há compararem-se elementos de direito e elementos de fato,
nem se pode cogitar, a respeito de falsidade, de outro elemento que
elemento de fato. Tem-se, pois, que a rescisão é causada pela
fundamentação em elemento, falso, de fato prova falsa, quer na espécie do
art. 485, VI, 1a parte (“prova, cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal”), quer na espécie do art. 485, VI. 2a parte (“ou seja
provada na própria ação rescisória”) ~,Enquanto corre (ou não se iniciou) o
processo criminal, não pode correr o prazo para se propor a ação rescisória
da sentença com invocação do art. 485, VI, ia parte? O sistema jurídico
acolheu tal fundamento da rescisão exatamente para evitar a contradição
(incompossibilidade lógico-jurídica) entre a sentença rescindenda e o
julgado criminal, que lhe infirma o

“principal fundamento”. Seria contra os princípios que se desse ao tempo


tal importância que a eficácia declarativa do

166 Vd. os arts. 65 a 67 do Código de Processo Penal e 1.525 do Código


Civil.

julgado criminal não se exercesse se o trânsito em julgado foi após os dois


anos da coisa julgada da sentença rescindenda. Tem-se de atender a que se
completa, depois do trânsito em julgado da sentença criminal, o suporte
fáctico do art. 485, VI, ia parte, antes, dentro ou após o biênio: então, se o
trânsito em julgado da sentença criminal foi dentro do biênio, esse prazo
não correu para a espécie, pois ex hypothesi, só sobreveio a sentença
criminal que declarou a falsidade da prova; se depois, o não atender à
superveniência importaria em se manter a contradição no sistema jurídico,
pela divergência entre o julgado criminal e o julgado cível, o que o art. 485,
VI, 1a parte, tentou evitar. Temos, pois, de admitir que, na espécie do art.
485, VI, 1a parte, somente se começa de contar o prazo do dia em que
transitou em julgado a decisão criminal declarativa da falsidade, salvo se
ocorreu antes do trânsito em julgado da sentença cível. Teremos de voltar
ao assunto sob o art. 495.

No art. 352 diz-se que “a confissão, quando emanar de erro, dolo, ou


coação, pode ser revogada: 1 por ação anulatória, se pendente o processo
em que foi feita; II por ação rescisória, depois de transitada em julgado ~
sentença, da qual constituiu o único fundamento”. Ora, quando se anula,
não se revoga, o que põe ao vivo o erro de redação; e, quando se rescinde,
nem se revoga, nem se anula. A anulabilidade é do ato; a rescisão é da
sentença. Cumpre ainda advertir-se que as menções das causas foram
insuficientes, porque pode ter faltado poder ao procurador (art. 38, verbo

“confessar”), ou a confissão do outro cônjuge, se ação é sobre imóvel (art.


350, parágrafo único), ou tratar-se de algum direito indisponível. Não
obstante a referência estrita do art. 352 a erro, dolo, ou coação, tem-se de
admitir a ação rescisória em todas as outras espécies de invalidade. O art.
485, VIII, foi mais acertado, porque cogita da rescindibilidade se há
“fundamento para invalidar confissão”. Havemos de entender que, pendente
o processo, é proponível a ação anulativa, qualquer que seja o fundamento,
a despeito da limitação do art. 352 ao erro, dolo ou coação. Uma vez que a
parte teme que o juiz não atenda à sua argUição, é aconselhável a
propositura da ação do art.

352, 1. Após o trânsito em julgado, o ari 352, II, tem de ser interpretado
sem ofensa ao art. 485, VIII.

A sentença cível que declare a falsidade da prova, essa, não tem


conseqUência de abertura do prazo preclusivo, porque a ela não se referiu o
art. 485, VI: trata-se a decisão cível como elemento de prova para a ação
rescisória dentro do biênio. Seria argumento contra ísso que a contradição
se estabelece, como se estabeleceria se a sentença posterior fosse criminal;
mas a lei tem a sua razão: quem tem provas para ação cível as tem para
propor a ação rescisória com base no art. 485, VI, 2a parte, o que não se dá
a propósito das provas em processo criminal, às vezes estranhas ao
conhecimento do que tem como rescindível a sentença. Por outro lado, é
preciso atender-se a que a alusão do art. 485, VI, ia parte, à sentença
criminal, introduziu elemento a mais no suporte fáctico da regra jurídica
sobre rescisão de sentenças, de modo que a pretensão antes dele é nondum
nata: ao passo que, tratando-se de decisão cível, por não se ter referido a ela
o art. 485, VI, seria criar o intérprete outro caso de rescisão por falsa prova,
fora, portanto, da letra do art. 485, VI, “se fundar em prova, cuja falsidade
tenha sido apurada em processo criminal” (l~ parte); “ou seja provada na
própria ação rescisória” (2~ parte).

b) Às vezes, o fundamento do art. 485, V, é ligado ao do art. 485, VI. Então,


devem-se cumular os pedidos.

(c)Pode a parte que produziu o documento pedir a rescisão da sentença com


fundamento no art. 485, VI? Se no documento que foi apresentado pela
parte se firmou o juiz para dar ganho de causa à parte contrária, claro que
sim.

Igualmente, se se trata de processo inquisitivo ou de processo em juízo


dúplice. Restam os processos de caráter dispositivo em que não foi vencido
o que produziu o documento ou outra prova. Desde logo se há de excluir a
ação do que a apresentou de má-fé: falta-lhe, aí, mais do que a legitimação,
porque lhe falta a pretensão à tutela jurídica, ainda que interesse tivesse em
ver julgado, de novo, o processo. Se má-fé não houve na produção, muda de
figura: o vencedor não está privado de pedir outro contraditório, para que a
causa seja bem julgada, inclusive para se defender na ação de perdas e
danos, fundada no uso de prova falsa.

(d) Se a ação penal está prescrita, ou se está prescrita a condenação (2~


Turma do Supremo Tribunal Federal, 19 de setembro de 1950, R. dos T.,
215, 468), e ainda não precluiu o prazo para a propositura da ação
rescisória, a prova da falsidade pode ser feita no processo da ação
rescisória, conforme o art. 485, VI, 2~ parte.
Se está prescrita a condenação, a sentença penal pode servir de base à ação
rescisória, uma vez que o prazo preclusivo começa do trânsito em julgado
da sentença civil.

(e) O fundamento a que se alude no art. 485, VI, 1a parte, é o em que se


apoiou o juiz para decidir como decidiu. O

juiz da rescisão pode verificar qual foi ele, examinando o encadeamento


lógico da sentença. Se há dois fundamentos, somente não cabe a rescisão se
o outro bastaria para se decidir como se decidiu, isto é, se, admitindo-se a
falsidade, a decisão rescindenda teria sido a mesma que se deu. Não se
exige que tenha sido o fundamento único (Câmaras Civis Reunidas do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 19 de fevereiro de 1951, R. dos T., 192,
350).

Se, afastado qualquer dos fundamentos, seria diferente a decisão


rescindenda, qualquer deles pode ser matéria para a rescisão, inclusive
podem ser cumulados os pedidos.

(1) Pode ocorrer que a falsidade da prova só atinja o fundamento principal


para um dos pedidos. Então, a rescisão é parcial. O que foi julgado, sem se
apoiar na prova falsa, fica incólume à eficácia da sentença rescindente.

Cumpre, ainda, observar-se que a rescisão da sentença, por ter sido falsa a
prova, de modo nenhum declara que o réu na ação rescisória não tinha
direito, pretensão ou ação. A eficácia preponderante é desconstitutiva. O
elemento declarativo somente conceme à prova, não ao direito, à pretensão
ou à ação, ou à exceção. Por isso mesmo nada obsta a que, com outras
provas, o demandado e perdente, na ação rescisória, proponha de novo a
ação, se ainda não prescreveu. Aliás, o último ato no processo por ele
promovido foi a sentença mesma. Não importa se a sentença rescindida só o
foi em parte, ou no todo. A sentença rescindente, em se tratando de
falsidade da prova, como em se tratando de qualquer sentença que não
contenha julgamento explícito ou implícito do rescisório, somente
desfazendo o processo, ou parte dele, não contém eficácia de coisa julgada
material sobre o ponto rescindido. A sentença rescindente, que se baseou na
falsidade da prova, apenas tem a eficácia declarativa da falsidade da prova e
aí está toda a sua eficácia de coisa julgada material, se além desse
julgamento não foi.

11. Obtenção de documento novo O art. 485, VII, faz pressuposto suficiente
para a propositura da ação rescisória ter o autor obtido documento novo,
cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, se tal documento é
suficiente para que a sentença lhe fosse favorável. Ou ele prova a
ignorância ao propor a ação, ou já em momento do processo em que não
poderia apresentar, ou prova que o conhecia, mas dele não podia aproveitar-
se (por exemplo, o documento estava em cofre que fora roubado e só
tardiamente, com a descoberta do local em que pusera o cofre, pode o autor
saber da existência do documento; o tabelião não lhe podia dar certidão,
devido a incêndio do arquivo, e só mais tarde alguém encontrou o translado
ou a certidão).

O art. 485, VII, fala de obtenção “depois da sentença”, mas havemos de


entender quando não mais podia apresentá-lo para julgamento.

12. Confissão, desistência ou transação inválida, em que se baseou a


sentença Diante da técnica e das precisões conceptuais, o Código de
Processo Civil de 1973, no art. 485, VIII, sob influência de legislação
estrangeira, deu como causa de rescindibilidade haver fundamento para
invalidar confissão, desistência ou transação em que se baseou a sentença.
Ora, a desistência não faz, segundo o próprio Código de 1973, extinguir-se
com julgamento do mérito o processo (cf. art. 267, VIII), mas o art. 485,
VIII, abstraiu disso.’67 A transação, sim (cf. art.

269,111). Quanto à transação, ela é ato subordinado à homologação, de


modo que a ação rescisória teria de ser a do art. 486, e não a do art. 485.166
Mas temos de dar solução e explicação, porque essa é a função da doutrina
e do método de interpretação das leis. Pode ter sido proposta contra o ato
homologado a ação rescisória da homologação, por ser atingida de
invalidade a transação; e assim se apagam os dois atos, o das partes e o do
juiz, ato transparente.
Diante de tal coisa julgada poder-se-ia ir contra a eficácia da transação. O
Código de 1973 entendeu que seria o caso para se ir, desde logo, com a ação
rescisória do art. 485, abstraindo-se do art. 486, a despeito de ter havido
homologação.

A confissão, essa, é um dos elementos que podem levar à extinção do


processo com julgamento do mérito. A parte admitiu a verdade do fato
contrário ao seu interesse, seja judicial, seja extrajudicial (Código de
Processo Civil, arts.

348-350 e 353). Enquanto pende o processo em que ele foi feito, se houve
erro, dolo, ou coação, pode ser revogada (?) mediante ação anulatória
(confusão entre anulação, que é resultado de propositura de ação, e a
revogação, que não precisaria dos elementos de erro, dolo, ou coação, se de
revogabilidade se tratasse, pois revogar é retirar a voz). A eficácia da
sentença favorável impediria julgamento ou serviria de base para a rescisão
da sentença, que estaria fundada em confissão invalidada. Se a sentença já
fora proferida e trânsita em julgado, o que se estatui no art. 485, VIII,
atende ao que antes se dissera no art. 352,11: em caso de confissão emanada
de erro, dolo, ou coaçao, há a proponibilidade da ação rescisória da
sentença, se a confissão foi o único fundamento.

Evite-se confundir com desistência da ação processual a renúncia ao


direito, à pretensão e à ação, ou só à pretensão e à ação, ou só à ação (no
sentido do direito material). Porém advirta-se que, se houve a renúncia, nela
se baseou a sentença; apesar de ser inválida, só se pode pensar em
invocação do art. 485, VIII, a despeito da expressão infeliz (“desistência”),
tanto mais quanto, no art. 269, V, está explícito que se extingue o processo,
“com

167 Parece que não, O art. 485, VIII, não permite a rescisão, nem da
desistencia nem da sentença que a homologa, porém da sentença de mérito,
que se fundou em desistência (v.g., a que impôs honorérios ao desistente,
obedecendo ao art. 26), quando houver fundamento para anular a
desistência. Idem, quanto à confissão ou à transação.
168 Vd. a nota 167.

julgamento do mérito”, “quando o autor renunciar ao direito sobre que se


funda a ação”.

Na interpretação do art. 485, VIII, de modo nenhum havemos de entender


que a “desistência”, a que se refere, apenas é a desistência da ação
processual, o que se chocaria com “sentença de mérito” do art. 485, pr.;
nem tampouco, que a

“desistência” do art. 485, VIII, nada tem com a do art. 267, VIII. Temos de
entender que a “desistência” do art. 485, VIII, está em sentido largo
(renúncia e desistência). Basta qualquer fundamento de invalidade, desde
que seja básico (“em que se baseou a sentença”). Quando alguém renuncia à
ação, no sentido do direito material, ou, a fortiori, àpretensão e à ação ou ao
direito, à pretensão e à ação, a sentençajulga mérito, tal como está no art.
269, V, e a invalidade da renúncia (dita “desistência”, no art. 485, VIII)
serve de fundamento para a ação rescisória.

A renúncia pode ter sido apenas a um dos direitos, que se alegaram no


pedido, ou só a alguns deles, e a ação rescisória pela invalidade somente
apanha o direito ou os direitos a que se renunciou. Se só se renunciou à
ação (no sentido de direito material), é de entender-se que se continua com
o direito e a pretensão.

Quanto à confissão, tem-se de verificar se a conclusão ou alguma das


conclusões que levaram ao julgamento foi o fundamento da sentença.
Épossível que a um só dos pedidos ela se refira e outras também tenham
levado à decisão favorável. A eficácia rescisória só atinge o que serviu de
base à sentença na parte rescindida. Se a parte não tivesse confessado e a
sentença seria a mesma, não há rescindibilidade (cf. art. 352, II). Quanto
àespécie do art. 352, II, a lei exigiu dois pressupostos: ter havido erro, dolo,
ou coação, e ser a confissão o único fundamento da sentença. Todavia,
devemos entender que a confissão, no art. 352, II, tem de ser a base única
para a decisão quanto ao pedido a que ela corresponde, e não aos outros,
que nela não se basearam, ou ao outro, que nela não se baseou.
Resta saber-se se pode ser proposta ação de anulação da transação, a
despeito de ter sido homologada por sentença. A ação de invalidade, a que
se refere o art. 352, 1, quanto à confissão, só é proponível se pendente o
processo, solução acertada; depois, só a ação rescisória. Quanto à transação,
não podemos levantar dúvida: a homologação chamou ao processo, como
conteúdo de ato sentencial, a transação, e tinha o art. 485, VIII, de fazer
incidente o art. 485, em vez do art. 486.

(b) No art. 485, IX, cogita-se da rescisão de sentença que se fundou em erro
de fato, resultante de choque com ato, ou com atos, ou com documento, ou
com documentos da causa. Uma vez que o erro proveio de fato, que aparece
nos atos ou documentos da causa, há rescindibilidade. O juiz, ao sentenciar,
errou, diante dos atos ou documentos. A sentença admitiu o que, conforme
o que consta dos autos (atos ou documentos), não podia admitir, a despeito
de não ter sido assunto de discussão tal discrepância entre atos ou
documentos e a proposição existencial do juiz (positiva ou negativa). Em
conseqUência do art. 485, IX, e dos §* l~ e 20, a sentença há de ser fundada
em ter o juiz errado (se a sentença seria a mesma sem erro, irrescindivel
seria). Mais: se, pelo que consta dos autos (atos ou documentos), não se
pode dizer que houve erro de fato, rescindibilidade não há. Na ação que se
propusesse nenhuma prova seria de admitir-se. Se houve discussão, ou pré-
impugnação do erro, ou qualquer controvérsia a respeito, com ou sem
apreciação pelo juiz, ou se o próprio juiz, espontaneamente, se referiu ao
conteúdo do que se reputa erro e se pronunciou, afastada está a ação
rescisória do art. 485, IX. Os §~ 1~’ e 20 são expressivos. Há, portanto, o
pressuposto da incontroversidade no processo, em que se inseriu a sentença,
sendo a simples alegação por uma parte elemento suficiente (a fortiori, a
manifestação por outra, pró ou contra). Não se precisa exigir a discussão, de
modo que a admissão do alegado pela outra parte afastasse a invocabilidade
do art. 485, IX. Na espécie dos arts. 348 (confissão) e 334, III, se o juiz não
se pronunciou a respeito, errou, e há a ação rescisória. Se, pelos atos ou
documentos do processo, tinha o juiz de declarar, de ofício, prescrição ou
preclusão, o erro não foi de fato, mas de direito, e a ação rescisória é a do
art. 485, V. Se as partes afirmaram o mesmo fato (e. g., eram casados) e o
juiz desatendeu a atos ou documentos do processo, há erro de fato. Por
outro lado, se, antes da sentença ou na sentença, o juiz se manifestara
quanto ao que seria erro, não há rescindibilidade. A parte ou as partes
interessadas teriam recurso. O que importa é que, ao julgar, se o juiz tivesse
apreciado as provas dos autos, não teria decidido como decidiu, nem,
embora erradamente no plano jurídico, não tivesse examinado o que se
reputa erro e a respeito não se houvesse pronunciado.

Não se está, na ação rescisória do art. 485, IX, a apurar a justiça ou injustiça
da sentença, mas apenas o choque entre erro do juiz e as provas dos autos
(atos e documentos). Se foi justa, ou injusta, a sentença, é assunto estranho
ao art.

485, IX: o que importa é ter havido o erro de fato, tal como o define o art.
485, §~ V’ e 20.

Os fundamentos para a rescisão da sentença trânsita em julgado são todos


os dos arts. 485, 352, II, e 486, e nada obsta a que se cumulem os pedidos,
ou que se proponha uma ação rescisória, com fundamento a, e depois outra,
com fundamento b, ou outras. A decisão na ação rescisória desfavorável ao
autor não obsta à propositura de outra, com outro fundamento.

Tanto no direito brasileiro quanto noutros sistemas jurídicos, a enumeração


é taxativa (Paolo D’Onofrio, Commento ai Codice di Procedura Civile, 1,
682; José dos Santos Silveira, Impugnação das Decisões em Processo Civil,
458).

c)A confissão foi assunto dos arts. 348-354, §* l~ e 20. Tem ela de atender
às regras jurídicas processuais que lhe são concernentes, para que exista e
valha, quer se trate de confissão judicial (espontânea ou provocada), quer de
confissão extrajudicial. Um dos exemplos de invalidação da confissão éo de
não ter tido poderes suficientes o representante da parte. Outro, o de ser
exigida, na espécie, a prova literal (art. 353, parágrafo único). Se houve
erro, dolo ou coação, a confissão pode ser atacada em ação rescisória se foi
ela o “único fundamento” da sentença (art. 352, II). Legitimado ativo é o
confitente, mas, proposta por ele a ação rescisória, passa a seus herdeiros
(art. 352, parágrafo único).
Se há fundamento para a parte pedir a invalidação da desistência, em que se
baseou a sentença, pode ser proposta a ação rescisória. A desistência da
ação somente produz efeitos depois de homologada por sentença (art. 158,
parágrafo único); de jeito que a sentença há de existir, ser válida e eficaz. A
desistência por procurador é necessária a entrega de poderes especiais, a
despeito de não se falar no art. 38 de desistência.169 A desistência, uma vez
homologada, extingue o processo. As causas de invalidade são as do art.
243 e todas as que atingem as declarações unilaterais de vontade, o que
também ocorre com a confissão (e. g., coação).

Quanto à transação, é negócio jurídico bilateral. As eivas são as que a lei


processual e a lei de direito natural apontam.

13.Erro de fato, resultante de atos ou documentos da causa O art. 485, IX,


cogita da ação rescisória que se funde em erro de fato, oriundo de atos’70ou
documentos da causa. O erro foi do juiz, posto que a sua culpa possa ter
sido mínima, devido a atos, que constavam do processo, ou de documentos
apresentados. Pode ser que se tenha admitido fato que não ocorreu, e para
isso haja contribuído a atitude de alguma das partes, de assistentes, de
peritos, de técnicos ou de testemunhas, ou algum documento; ou que se haja
repelido a existência ou a continuidade de fato que não se dera, ou que
cessara.

169 O art. 38 menciona expressamente a desistência.

170 A referência a atos decorre de má traduçáo do CPC italiano, art. 395,


no 4, que empregou o substantivo atti, significando autos. Cabe, entáo, a
rescisória quando a sentença rescindenda estiver fundada em erro de fato,
decorrente dos autos ou de documentos da causa (cf. Barbosa Moreira,
Comentários ao C~PC, cit., p.

131).

14.Existência e inexistência de fato O erro pode consistir em se ter afirmado


que o fato acontecera, ou que não acontecera, ou acontecera no momento b,
que interessa a causa, ou que não acontecera em tal momento, e a afirmação
se referiu, erradamente, ao momento b, em vez de só admitir ter existido ou
não ter existido no momento a, ou c.

Além disso, pode ser que ao ato existente fosse estranho o elemento
subjetivo (ato praticado pelo autor, ou pelo réu).

O que importa é tratar-se do ato ou fato que seja ponto de exame para o
juiz.

15. Controvérsia e pronunciamento judicial O art. 485, § 2’, fez


indispensável, em se tratando de erro quanto à existência ou à inexistência
do fato, que não tivesse havido controvérsia entre as partes e interessados, o
que teria permitido investigação suficiente, nem pronunciamento judicial
sobre o erro. Tem-se de perguntar se afastaria a incidência do art. 485, IX,
ter havido controvérsia sem pronunciamento do juiz, ou o pronunciamento
do juiz sem ter havido controvérsia. Havemos de entender que sim, porque
as partes teriam de levar à decisão judicial, na primeira instância, ou em
superior instância, ou na única instância, aquilo que as levara à
controvérsia; e, se não houve controvérsia, mas o juiz se pronunciou,
tinham as partes de exercer as pretensões recursais. O que se afasta é a
rediscussão ou rediscutibilidade na ação rescisória.

16.Rescindibilidade de sentenças e de acórdãos Costuma-se invocar a


opinião do antigo Tribunal do Comércio da Corte (14 de março de 1872 e
27 de março de 1875), para se dizer que a rescisão pode ser pedida, não só
da sentença, mas também dos acórdãos que a confirmam. É fácil perceber-
se a confusão. A sentença, de que cabe recurso e de que ainda pode ser
interposto, apenas constitui apresentação da prestação jurisdicional, e não
entrega. Essa só acontece quando dela não cabe mais recurso, ou quando já
não cabe, ou a lei não o dá, de decisão que a confirmou ou a reformou. A
entrega, portanto, da prestação jurisdicional somente pcorre na última
decisão. Não há ação rescisória de uma sentença e dos acórdãos que a
confirmaram, ou que a reformaram. O que é rescindível é a última sentença,
ou, se houve recurso, o último acórdão que conheceu da matéria cujo
reexame se pede.’7’ Algumas vezes, o recurso, que se interpôs (o que
acontece freqUentemente, com os recursos extraordinários), não versava
sobre o ponto cujo julgamento se quer rescindir. Então, é a rescisão da
sentença, ou do acórdão anterior, que se pretende em juízo, caracterizando-
se o objeto da ação rescisória e a competência para dela se conhecer.

Se há causa para a rescisão, o que se tem de procurar saber, antes de tudo, é


qual o momento em que o ponto da decisão, em que a causa se deu, passou,
formalmente, em julgado. Pode tratar-se de acórdão no correr do processo,
sobre preliminar ou sobre questão prévia; pode ser ponto da sentença, ou
sobre a sentença, em si mesma; pode ser assunto de remédio estrito, como o
per saltum, o pressuposto, ou o recurso extraordinário.

Decisão sobre recurso de que não se conhece somente pode ser rescindida
no que toca a ela mesma ou à não-cognição.’72

Se não se conheceu do recurso, rescindível é quanto ao mérito a sentença.


Idem, quanto a preliminares da sentença.

Não quer isso dizer que o próprio acórdão no recurso não seja suscetível de
rescisão per se. São julgados diferentes e inconfundíveis, pela diversidade
do objeto de um e de outro. A decisão do juízo rescindente, que desconstitui
o acórdão que não admitiu embargos a uma sentença, ou a outro acórdão,
reabre o processo desde ele. Por isso mesmo, não foi exato o raciocínio da
antiga Corte de Apelação do Distrito Federal, há muitos anos, quando
entendeu que, decretada a rescisão de acórdão que julgara não serem
admissíveis os embargos, não aproveitaria. Ai, a espécie permite e
aconselha que se cumulem os pedidos, o de rescisão do segundo e o de
rescisão do primeiro acórdão. O

tribunal da ação rescisória, conhecendo de ambos, rescindirá o segundo e,


julgando-se os embargos, decidirá quanto a matéria desses e quanto à do
outro pedido, que pode ser a mesma. A cumulação não é, porém, necessária.

O fato de se pedir a rescisão da sentença, em vez dos acórdãos que a


confirmaram, não constitui nulidade, nem causa para não-provimento
(Corte de Apelação do Distrito Federal, 2 de maio de 1934; errado, o
acórdão do Tribunal do Comércio da Corte, a 14 de março de 1872, O D., 1,
276). Entende-se que houve, da parte do advogado, apenas lapso, ou falta
de técnica processual suficiente. O vulgo pensa que a decisão confirmada
éque é a decisão. Daí erros de advogados e de tribunais. Em todo caso, há o
problema da competência para cognição da ação rescisória.

Quando o acórdão rescindendo se formou em alguma sentença, atribuindo-


lhe coisa julgada, ou se tem de provar que não houve coisa julgada

172 Opinião incompatível com o caput do art. 485, que só admite a rescisão
da sentença (ou acórdão) de mérito. A decisão de mio conhecimento
encerra juízo negativo de admissibilidade de recurso e náo pode ser
desconstituída por ação rescisória.

e, nesse caso, o fundamento somente pode ser o da falsa prova; ou se


mostra que o acórdão rescindendo deu à sentença que constitui res iudicata
efeitos que de direito não lhe cabiam (extensão da coisa julgada), então o
fundamento é a violação de direito objetivo (Corte de Apelação. do Distrito
Federal, 13 de outubro de 1937).

17.Sentença estrangeira e homologação de sentença estrangeira

A sentença estrangeira não é suscetível de ser rescindida pelos juizes do


Brasil. A sentença de homologação da sentença estrangeira, que é prestação
jurisdicional do Estado brasileiro, pode ser objeto de ação rescisória perante
o Supremo Tribunal Federal. (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1,
art. 119, 1, g).’73 Revogada ou rescindida a sentença estrangeira, periclita a
de homologação, ainda que já se haja decidido desfavoravelmente a ação
rescisória dessa; mas a rescisão ou revogação da sentença estrangeira
precisa, a seu turno, de ser homologada. Não há dificuldades se se atende
aos princípios. Rescindida a sentença estrangeira, homologada a sentença
rescindente, caem a anterior e sua homologação. Idem, quanto à declaração
de inexistência e à decretação de nulidade.

18.Sentenças de juizes arbitrais e rescisão A sentenças dos juizes arbitrais


escapam, em alguns sistemas processuais, a pedidos de rescisão; não assim
a da justiça estatal que julgou o recurso (Decreto n0 3.900, de 26 de junho
de 1867, arts.
20 e 30; Código Civil de 1916, art. 1.046), a que homologou o laudo, ou a
do juiz estatal, que serviu de árbitro. A melhor solução, de legeferenda, é
submeter-se a sentença arbitral à rescisão.’74

Não cabe rescisória, se arbitral a sentença, com fundamento na violação de


direito, quando as partes deram aos árbitros o poder de julgarem por
eqUidade;’75 exceto por infração do art. 127 do Código (casos previstos em
lei).

19.Injustiça e má prestação da prova O direito objetivo, o direito

in thesi, é o que se não deve violar, sob pena de rescindibilidade. Uma coisa
é a sentença injusta em seu conjunto, ou em seus pormenores, contra o
direito subjetivo, a pretensão, invocada pela parte, já protegida pelos
recursos, e outra, a sentença que fere o direito objetivo, cuja realização é

173 Const. 88, art. 102, 1, h.

174 No sistema da Lei n0 9.037, de 23.09.96, da sentença arbitral só cabe a


açáo de nulidade do art.

32 desse diploma, ou a açáo de embargos do devedor (~ 33 § 30)


Considerado, entretanto, que, conforme o art. 31 dessa lei, “a sentença
arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgáos do Poder Judiciário e, sendo condenatória,
constitui título executivo”, dela também caberá a ação anulatória.

175 Vd. os arts. 20 e II, II, da Lei n0 9.037, de 23.09.96, que dispóe sobre a
arbitragem.

finalidade do processo promover e assegurar. Dai a diferença entre sententia


lata contra ius litigatoris (Manuel Gonçalves da Silva, Commentaria, III,
142, 143), que viola o direito in hypothesi, não suscetível de rescisão
(Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1933, 14 de janeiro e 5 de
setembro de 1914; Corte de Apelação do Distrito Federal, 10 de agosto de
1930, 24 de maio de 1933; Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de abril, 15
de maio e 19 de setembro de 1931; Câmaras Reunidas da Corte de
Apelação do Distrito Federal, 17 de agosto de 1916), e a sentença contra lex
expressa, ou, melhor, contra ius in thesi, contra o direito na totalidade da
sua existência social, do seu ser normativo.

A jurisprudência é torrencial (Supremo Tribunal Federal, 18 de outubro de


1920,9 de junho de 1923 e 23 de outubro de 1925; Corte de Apelação do
Distrito Federal, 9 de julho de 1920; Tribunal de Justiça de São Paulo, 15 de
março de 1931; Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 18 de março de
1930). Na velha jurisprudência, corretamente a Relação do Rio de Janeiro, a
13 de novembro de 1874 e a 24 de setembro de 1875.

As sentenças em que se infringe direito em tese são injustas e rescindíveis.


As sentenças em que se viola a coisa julgada são rescindíveis, posto que
possam não ser injustas. As sentenças que se apóiam em falsa prova são
injustas e rescindíveis, ou justas, se o fundamento na falsa prova não é o
único, e irrescindíveis. As sentenças injustas que não caibam numa das
espécies dos arts. 485 e 486 são injustas, porém não rescindíveis. Uma das
espécies de sentenças injustas não rescindíveis é a das sentenças que
apreciaram, sem exatidão, a prova.

Certa vez, o Supremo Tribunal Federal (13 de setembro de 1929) julgou ser
carecedora de ação pessoa que invocara a Lei n0 2.924, de 5 de janeiro de
1915, por ser matéria de injustiça, e não de violação de direito em tese, uma
vez que o juiz apreciara a qualidade, ou não, de funcionário federal. Disse o
acórdão: “O que decidiu o acórdão rescindendo foi o que o art. 125 da Lei
n0 2.924 não se aplicava ao autor, por não ser ele funcionário federal,
quando aquele dispositivo de lei outorgava somente aos empregados
federais a garantia da estabilidade no cargo, na hipótese de terem mais de
dez anos de efetivo exercício. É claro, pois, que a decisão rescindenda não
feriu o direito em tese ou expressa disposição da lei. Ao contrário, aplicou-
se à espécie, consoante a inteligência que lhe pareceu acertada e conforme o
modo por que conceituou o fato sujeito à sua apreciação. Se esse fato não
foi bem apreciado e se a decisão foi injusta, o caso seria de violação do
direito em hipótese, o que não dá lugar à ação rescisória, que, em
homenagem e em respeito ao princípio da coisa julgada, somente éadmitida
nos casos expressamente prefixados em lei”. Houve confusão. Certamente,
o decidir sobre a prova dos dez anos constituiria, por parte do juiz,
apreciação do fato; não assim o julgar sobre qualidade de funcionário
público federal, que é conceito legal, e não matéria de prova. A questão,
nesse ponto, era só de direito, podia, em conseqUência, ter havido a
violação do direito em tese.

Se o direito violado, para servir de pressuposto à ação rescisória, fosse in


hypothesi, ter-se-ia de verificar a justiça ou injustiça da proposição do juiz
sobre a matéria de fato. Não é possível isso: se a sentença apreciou bem ou
mal (iniusta contra ius litigatoris) a prova, isto é, se foi acertada, ou não,
quanto à hipótese, a decisão pode ser rescindida. O juiz rescindente, se o
tivesse de apurar, resolveria todo o processo, e julgaria de novo. Caberia o
dito da L. 5 de Diocleciano e Maximiano (C., 7, 52): “nec enim insturari
finita rerum iudicatarum patitur auctoritas”. Mas a exclusão de pressuposto
que está na lei ou a atribuição do que nela está constitui ofensa à lei, ao ius
in thesi. Outrossim, o limiar ou dilatar o campo da aplicação da regra
jurídica. A regra de direito são os seus pressupostos subjetivos
(legitimações ativa e passiva) e objetivos (inclusive forma e conditiones
iuris), a sua norma ou mando, a sua extensão material, a sua aplicação
espacial (direito internacional privado, interlocal, etc.) e temporal (início e
fim da sua incidência.

A violação que se aprecia não é do direito in hypothesi, e sim a do direito in


thesi. E bem certo isso. Também é certo que se não desce ao exame, sequer,
da injustiça manifesta, no caso. Porém nada disso quer dizer que se haja de
apreciar o direito in abstracto: o direito violado há de ser o direito in thesi,
mas concretamente considerado. O

exemplo esclarece. O juiz, que tinha de aplicar a regrajurídica de medidas


judiciais contra o pai dilapidador dos bens do filho (abuso do pátrio poder),
elogiou a lei, reconhecendo-lhe a alta significação social e por fim
suspendeu-lhe o pátrio poder, dizendo haver colisão de interesses (outra
regra jurídica). E caso de rescisão, porque a regra jurídica elogiada foi
violada. Outrossim, se, censurada a regra jurídica, a não aplicou.
Ocorrendo, porém, que o juiz viole o direito in abstracto, sustentando
princípios que não são os do direito, ou negando os verdadeiros, e, no
entanto, ao concluir, aplique a regra jurídica do pedido ou da defesa, sem
violar, in casu, o direito in thesi, a rescisão não se dá.

Acertou, a despeito da suas digressões.

Ordinariamente, a violação do direito in abstracto e a do direito in concreto


se separaram, quando se trata de ius non scriptum: ou o juiz reconhece a
regra jurídica e não a realiza (a aplicação do direito objetivo éessencial à
sua função), ou a realiza, negando-lhe a existência. Ali, viola o direito em
concreto, e não o em abstrato; aqui, o direito em abstrato, e não o em
concreto. Tal cisão poderá decorrer de ignorância, de erro, de simulação ou
dissimulação do juiz; mas só a violação do direito em tese, concretamente
considerado, torna rescindível a sentença. Pena é que alguns julgados
confundam o direito em tese (contrário a direito em hipótese) e o direito em
abstração (contrário a direito em concreto). Exemplo temos em decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (4~ Câmara Civil), a 15 de junho de 1932,
onde se diz “embora o acórdão rescindendo esteja abstratamente conforme
o direito”, quando se queria dizer “esteja, em tese e concretamente,
conforme o direito”, isto é, não só abstratamente e sem levar em conta a
hipótese.

Se aos juizes do Tribunal de rescisão chegar o feito, devem eles, ao darem


as razões de afastar a ação, mostrar o ponto em que só se violou o direito in
abstracto, porque não devem eles perder ensejo de servir à verdade jurídica,
ainda que não se dê, concretamente, a violação. São mesmo a isso
obrigados, pois que lhes cabe decidir na espécie e, no iudiciwn rescindens, a
violação do direito em abstrato, em vez da violação do direito em concreto,
constitui questão a ser por eles apreciada, dado o “julgamento de
julgamento”, que é a rescisória. A rescisão é de interesse público quanto à
expressão do direito e seu respeito.

20. Má apreciação da prova e ação rescisória de sentença A apreciação da


prova não é suficiente para fundamento da rescisão. Cumpre, porém,
entender-se o que se conceitua como “má apreciação da prova”. Aprecia-se
a prova, ou medindo-se e pesando-se o que vale como dados de fatos, sejam
embora indícios, para se saber se é verdadeira ou falsa alguma afirmação
(comunicação de conhecimento) das partes e dos que podem, nos processos,
afirmar (atividade do juiz que assaz se aproxima da atividade do cientista),
ou acede-se à prova porque a lei mesma ordenou que o juiz atendesse a ela.
Aí, a medida e o peso da prova não são próprios da prova, ainda quando
coincida ser o exato. O juiz deixa o campo do seu livre convencimento (art.
131), para obedecer a regras legais sobre admissão, valor e atendibilidade
da prova. Se é certo que, na teoria da livre apreciação da prova, a boa ou má
apreciação corre por conta do juiz, e é a isso que se alude, ainda restam
muitos casos da antiga teoria probatória formal, que ligava o juiz a regras
jurídicas fixas sobre a forma (regras de lei) De modo que ainda existem
regras legais sobre a prova, inclusive quanto ao valor dos documentos,
quanto a pessoa a quem a lei proibe de depor e quanto a presunções. Sirva
de exemplo o princípio para o qual a validade da confissão não depende da
aceitação da parte a quem beneficiar. Se o juiz aprecia a prova e funda o seu
julgamento em que, não tendo a outra parte aceito a confissão, prova não
houve, viola o princípio implícito no sistema jurídico e coerente com o art.
131 de não depender de aceitação a prova pela confissão. Não há somente,
nesse caso, má apreciação da prova, e sim

infração de princípio jurídico em tese. Assim, a respeito de todas aquelas


regras jurídicas de que falamos. Aí cabe a ação rescisória por infração do
direito em tese. Noutros termos: sempre que se deixa de atender a regra
jurídica sobre prova, a ação rescisória de sentença cabe.

A interpretação pode distanciar-se tanto da lei que não se considere


interpretação, mas violação: errar no interpretar e fazer dizer o absurdo não
são o mesmo (cf. Câmaras Civis Conjuntas do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 26 de maio de 1943, R. F., 95, 592).

21.Interpretação dos negócios jurídicos Na interpretação dos negócios


jurídicos (e não só dos contratos), sempre que o juiz procede a explicitação
do conteúdo das declarações de vontade segundo as regras de gramática, de
léxico e de lógica, a linguagem própria do assunto e o uso e costume do
lugar, interpreta os negócios jurídicos, ou errôneas ou acertadamente.
Existem, porém, regras legais de interpretação dos negócios jurídicos, e
regras jurídicas dispositivas, para o caso em que haja branco na expressão
da vontade do declarante (e. g., deixou de dizer qual o prazo da locação do
serviço agrícola, e a lei estabelece, em regra jurídica dispositiva, que seja o
de um ano agrário). As regras jurídicas interpretativas são para o caso de
dúvida na interpretação. Tais regras são regras legais: não as aplicar, por
ignorá-las, ou aplicá-las quando se tomem por interpretativas sendo
dispositivas, ou por dispositivas sendo interpretativas, ou por absurdamente
concebê-las como imperativas, é infringir lei. Não há, então, somente
“errônea interpretação do contrato”. Cabe a ação rescisória, com base no
art. 485, V.

Alguns exemplos de infração do ius in thesi, em se tratando de regra


jurídica interpretativa (ias interpretativum), melhor esclarecerem o assunto.

a) A regra de interpretação da lei e a regra jurídica interpretativa (dos atos


jurídicos) são inconfundíveis. A regra jurídica que diz “Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito” (e.g., Decreto-lei n0 4.657, de 4 de setembro de
1942, art. 40; cf. Código de Processo Civil, art. 126), é regra jurídica de
interpretação das leis. A regra jurídica de mais se atender à intenção do que
à linguagem das declarações de vontade, bem como a regra jurídica de, se
em testamento se há de enfrentar divergência de interpretação, dever-se
buscar a vontade do testador, é regrajurídica interpretativa. Tanto a violação
daquela, que é regra de sobredireito, quanto a dessa, que é regra de direito
substancial (e material), dá ensejo a ação rescisória, se ferido foi o direito
em tese (cf. Tratado de Direito Privado, Tomos 1, § 18, III; §§ 250, 1, e
256, 5; e VII, ~ 763, 3).

A regra jurídica sobre a presunção de serem iguais os quinhões dos


condôminos (Tratado de Direito Privado, Tomo XII, * 1.276, 5, 6) é regra
jurídica interpretativa. Somente em caso de dúvida, presumem-se iguais
quinhões dos condôminos. Se havia dúvida e o juiz a reconheceu, mas
resolveu segundo, por exemplo, o imposto que pagavam quando eram
locatários, infringiu a lei, em tese. Não assim se o juiz acha não haver
dúvida, porque, então está ele a decidir quaestiofacti (se foi estabelecida a
comunhão com os quinhões a, b e c, ou com os quinhões a, a e a).
b) É violar a lei, em tese, supor existir regra jurídica interpretativa que não
existe. Por exemplo: um dos figurantes da relação jurídica processual
sustentou haver solidariedade, porém não há a respeito lex specialis, nem os
fígurantes do negócio jurídico a estabeleceram. O juiz, devido à dúvida,
resolve pela solidariedade. Certamente, tal infração do direito em tese não é
tão profunda quanto, por exemplo, a que derivasse de, sem haver qualquer
dúvida, o juiz presumir a solidariedade, porém é igualmente grave, por ter
atribuido ao sistema jurídico regra jurídica que não está nele.

22. Rescisória na desapropriação’76 A Medida Provisória n” 1.5 77-4, na


quarta versão, de 2 de outubro de 1997, quando se redige este comentário,
estabelece, no parágrafo único do art. 4”: “além das hipóteses referidas no
art.

485 do Código de Processo Civil, será cabível ação rescisória quando a


indenização fixada em ação de desapropriação for fia grantemente
superior ao preço de mercado do bem desapropriado “. Se essa regra
satisfaz o requisito de relevância, deixa desatendido o da urgência,
igualmente exigido pelo art. 62 da Constituição Federal, que tem servido
de pretexto aos ucases do Poder Executivo, tanto mais ousados quanto
ineficiente o Congresso e frouxa a vigilância do Judiciário. A norma,
afrontosa do art. 62 da Carta política, é inconstitucional.

Abstraída a questão da constitucionalidade, deve-se reconhecer que a


mencionada medida provisória, no parágrafo único do art. 4” (cujo caput
aumentou para quatro anos o prazo das rescisórias da União, estados,
Distrito Federal, municípios, autarquias e fundações instituidas pelo poder
público vd. comentário especifico, sob o art. 495), acrescentou ao rol do
art. 485, sem, contudo, lhe somar outro inciso, um novo caso de
desconstituição da sentença.

Pode ser rescindida a sentença, obviamente condenatória, que, na ação de


desapropriação, estipular indenização fia grantemente superior ao preço
de mercado do bem desapropriado.
176 Comentarios do atualizador, impressos em caracteres tipográficos
diferentes para a dissociação do texto do autor.

Exclua-se a incidência da norma no caso de sentenças que, nas


denominadas ações de desapropriação indireta, não concederam a
indenização compatível com ressarcimento dos prejuízos decorrentes desse
esbulho possessório. Por sua natureza, a norma comentada demanda
interpretação restritiva, devendo-se limitar-lhe a incidência aos casos de
sentença proferida na ação de desapropriação, como tal entendida a que
éproposta pelo expropriante, ou terceiro eventualmente legitimado, não
importa a lei que a regule, nem a natureza do bem, já que todos os bens são
suscetíveis de desapropriação, como está no art. 2”do Decreto-lei n”3.365,
de 21 de junho de 1941, e se colhe no inciso XXIV do art. 5”da
Constituição de 1988. Aliás, na rescisória de que se trata não cabe
questionar a natureza do bem, a sua localização, bastando que se indague
se houve ação de desapropriação e se se proferiu sentença, nas condições
previstas no parágrafo único.

Conquanto inscrita no parágrafo único do art. 40 da Medida Provisória n”


1.577, a legitimidade para a ação rescisória, no caso dessa norma, não se
restringe às pessoas referidas no caput do dispositivo, que, na verdade, não
regulou a legitimação, porém dilatou para quatro anos o prazo decadencial
do exercício do direito de propor ação rescisória pelas pessoas nele
nomeadas. Por certo, será esse o prazo para a rescisória daquelas pessoas
também quando elas ajuizarem a ação, no caso do parágrafo único do art.
4”. No entanto, a legitimidade para a ação do parágrafo único não é
regida por seu caput, e sim pelo art. 487 do Código de Processo Civil.

A condição de procedência da ação rescisória, no caso comentado, éa


outorga de indeniza çãofiagrantemente superior ao preço de mercado do
bem. Não basta que a indenização supere esse preço. Exige a lei que a
diferença entre a indenização fixada e o preço de mercado seja flagrante.
Esse adjetivo, que nunca foi do uso freqUente dos clássicos, aparece nos
léxicos como evidente, manifesto. Procede de flagrans, cujo étimo é flagro,
de flagrare, arder, estar em brasa, assim designado o que é ostensivo e se
pode determinar sem hesitação.
A prova da diferença flagrante se faz pelos meios admitidos em juízo,
podendo resultar de perícia, de documentos e até de depoimentos, sem que
uma avantaje as outras, embora se deva reconhecer que peritos e
assistentes técnicos concorram de modo especial para aformação do
convencimento dos juizes.

A lei exige que a indenização concedida na ação de desapropriação seja


“fia grantemente superior ao preço de mercado do bem expropriado ~‘.
Com fundamento nesse dispositivo, de raiz constitucional, não se pode
pedir a rescisão da sentença que houver dado indenização inferior ao valor
do bem, flagrante ou não o descompasso, pois a norma fala apenas em
indeniza ção superior. Essa nova regra jurídica não exclui a ação
rescisória, nem do expropriante, nem do expropriado, quando a
indenização simplesmemíte nãofor justa, mas, aqui, o suporte jurídico da
pretensão será o inciso V do art. 485 do CPC por literal violação do inciso
XXIV do art. 5” da Constituição Federal.

Art. 486. os atos judiciais’), que não dependem de sentença2), ou em que


esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos
jurídicos em geral, nos termos da lei civil3)4)5).

1.Invalidade de atos judiciais que não dependem de sentença ou em que


essa seja meramente homologatória A lei processual assenta que “os atos
judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos
termos da lei civil”. A regrajurídica obriga à precisão de vários conceitos:

Atos “judiciais”, diga-se “atos das partes em juízo”, isto é, nele ínsertos, ou
nele praticados. A alusão à rescisão, se não houve homologação, apenas
frisa que a invalidade alcança o ato de inserção ou de prática no processo.
Houve o reflexo da processualidade.

O art. 486 não se refere aos atos jurídicos praticados fora do processo, salvo
os que vêm a ele para a homologação. Os atos têm de ser atos das partes, e
não do juiz, a despeito do adjetivo “judiciais”. A inserção no processo,
mesmo sem a homologação, deu ao legislador a razão para aludir
àjudicialização. A sentença homologatória pode ser rescindida, mesmo se
não se trata de pressuposto de anulabilidade do ato jurídico conforme a lei
de direito material. Por exemplo: o juiz, que homologou, era absolutamente
incompetente, ou impedido, ou fizera-o por prevaricação, concussão ou
corrupção, mas, aí, se a sentença homologatória atingiu o mérito ou
consistíu em homologação de desistência. Se nada disso ocorre, como se
não se trata de ato dito judicial não homologado, os pressupostos para a
desconstituição são os que a “lei civil” aponta. O direito material é que
incide e se há de invocar. Se não houve homologação, mas foi inserto no
processo o ato jurídico, o legislador empregou a expressão “rescindidos”
para distinguir da simples anulação conforme o direito material a cisão, a
rescisão, da íncursao no processo. Não só a homologação põe por cima do
ato jurídico o elemento transparente do ato judicial sentencial: o despacho
que permite ajuntada, ou a constituição em termo dos autos, ou outro meio
processual, é algo que cobre, transparentemente, embora menos
extensivamente que asentença homologatória, o ato jurídico das partes. De
ordinário, a anulação do ato das partes reflete-se no ato processual (ao lado,
como o despacho de juntada; ou de cima, como o que defere o requerimento
de manifestação de vontade ou de reconhecimento em termo dos autos, ou
de cima e encobrinte, como se há homologação).

Qualquer causa de anulabilidade, que se refira ao ato dito judicial, seja


causa prevista em direito privado, ou em direito público (a expressão
“direito civil” foi infeliz antes e no Código de 1973, art. 486), é pressuposto
suficiente para que se vá, no prazo do art. 495, contra o ato das partes, ou da
parte. Há-os unilaterais e até plurilaterais.

A sentença homologatória pode ser atacada sem se atacar o ato jurídico,


bem como qualquer decisão que faça “ato judicial” (no sentido do art. 486)
o ato da parte, ou das partes. Pense-se no art. 485, VIII (fundamento para
invalidar confissão, desistência ou transação), em que se alude ao ato da
parte ou das partes, mas também no impedimento ou incompetência
absoluta do juiz (art. 485, II), ou na própria prevaricação, concussão ou
corrupção do juiz (art. 485, 1).

Pode haver interesse só na rescisão da sentença homologatória.


Homologar é tomar o ato, que se examina, semelhante, adequado, ao ato
que devia ser. Quem cataloga classifica; quem homologa identifica. Ser
homólogo é ter a mesma razão de ser, o que é mais do que ser análogo e
menos do que ser o mesmo. A homologação pode ser simples julgamento
sobre estarem satisfeitos os pressupostos de forma, ou sobre estarem
satisfeitos os pressupostos de fundo e de forma, ou sobre simples
autenticidade. A escala vai da simples resolução com apreciação dos
requisitos exteriores até a homologação, que desce ao exame dos
pressupostos de fundo, como se dá com homologação do suplemento de
idade. Há homologações integrativas da forma, ou simplesmente
verificativas, e homologações integrativas de fundo.

Homologação há de atos jurídicos de particulares e de atos jurídicos do


Estado. Homologam-se desistências e transações em processo.
Homologam-se partilhas. Homologam-se sentenças estrangeiras.

A homologação é sempre julgamento sobre o que até então se passou.


Examina-se o pretérito, para se atribuir certo efeito, ou se atribuírem certos
efeitos, ou se marcar a terminação de certa fase, nos procedimentos que
precisam de exame do que ocorreu. Daí haver em toda homologação
preclusão, que só a admissão de recurso ou de remédio jurídico infringente
pode romper. Ato judicial, ou ato administrativo, a homologação apanha o
que se produziu para a declaração de estar homólogo ao que devera ser, ao
modelo abstrato. É essencial à homologação ser em certo momento, a
respeito de certo ato e por determinada autoridade judicial, ou
administrativa, que tenha competência quanto à matéria em exame e diga a
última palavra, só atacável em via recursal, ou em impugnativa à resolução.
Aí, intervêm os princípios de hierarquia.

Quando se homologa algum ato, reputa-se esse ato o homólogo do ato in


abstracto, que se tem por modelo, ou idéia.

Não se pode homologar o que, no momento da homologação, não


corresponde ao que, na instância, no grau, na fase, não é definitivo, ou pode
ser alterado, sem ser por deliberação ulterior de quem homologa
(reconsideração de despacho administrativo, decisão de procedência de
embargos infringentes do julgado, de prejulgado, decisão de procedência de
ação rescisória) ou de autoridade superior (decisão de provimento do
recurso, ou de procedência de ação de nulidade ou de ação rescisória). Não
se concebe que a autoridade A, subalterna de B, possa alterar a resolução ou
o julgamento, depois que B o homologou infringir-se-iam princípios de
hierarquia e deturpar-se-ia, até a contradição, o conceito de homologação. O
superior diria que está homólogo ao que seria o ato in abstracto, decisão
declaratória, com maior ou menor elemento constitutivo; e o inferior,
retirando sustentáculos ao julgamento, faria ruir o que a autoridade superior
afirmara.

Nas espécies de ação rescisória em que houve homologação de negócio


jurídico ou de qualquer ato jurídico de direito material, a lei de direito
material que os rege estabelece os pressupostos para que possam ser
atendidos pela rescisão.

Há explícita remissão ao direito material que lhes atribui existência,


validade e eficácia. Dá-se o mesmo com atos judiciais que acolhem atos
jurídicos que independem de sentença. (A alusão à “lei civil” que aparece
no art. 486 do Código de 1973 e já aparecia no Código de 1939, art. 800,
parágrafo único, deve ser entendida no sentido de alusão a qualquer direito
material, privado ou público, que se refira ao ato jurídico em exame para a
rescindibilidade.) O

assunto é de grande relevância, porque pode haver diferença entre o prazo


preclusivo para ação rescisória e o prazo preclusivo ou prescripcional
relativo ao ato jurídico, independente ou não de homologação, mas
judicializado por sua inserção no processo civil (verbis “atos judiciais”).
Pense-se em ação sobre vício redibitório, em ação de hospedeiros e
estalajadeiros, cujo prazo se conta do último pagamento, em ação de
revogação de doação, e em ação de médicos e dos advogados pelos seus
serviços. Em todos esses exemplos e em muitos mais a ação rescisória de
atos em processo que não dependem ou que dependem de homologação, ao
ser proposta, pode já encontrar precluído o prazo, ou prescrita a ação para
atingir tais atos.
A lei processual distinguiu o ato jurídico e a sua processualização, ou o ato
jurídico e a sua processualização seguida de homologação. O que se
rescinde é o ato processual, e não só o ato de direito material, que está
dentro dele.

Brevitatis causa, disse-se “poderão ser rescindidos os atos processuais que


não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória”.
A elipse ressalta: “Os atos judiciais (de inserção de atos de direito material)
que não dependerem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatóna, podem ser rescindidos (nos casos em que os atos insertos ou
homologados podem ser invalidados), como os atos jurídicos em geral, nos
termos da lei civil”.

Há dois atos jurídicos, quer se trate de simples processualização por


inserção (ação 486, 1a parte, verbis “que não dependem de sentença”), quer
se trate de processualização com homologação (verbis “meramente
homologatória”).

(1) O ato jurídico da parte, suscetível de desconstituição segundo os


princípios do direito que o rege, seja material (e.

g., renúncia à res deducta, isto é, a pretensão de direito material, e


transação), ou processual (e. g., desistência da ação proposta), ou ato do juiz
em lugar da parte (e. g., se as partes acordaram em que o juiz determinasse
alguma prestação ou contra-prestação).

(2) O ato jurídico processual do juiz, pelo qual ele manda inserir, ou tomar
por termo nos autos o que declara a parte, ou declaram as partes, ou pelo
qual homologa simplesmente o que foi inserto ou tomado por termo nos
autos.

A processualização por inserção e a processualização em tomada por termo


distinguem-se em que, naquela, o ato jurídico precedeu ao ato judicial e,
nessa, há simultaneidade entre a declaração e a processualização. Espécie
intennédia é aquela em que, a despeito de se apresentar o que poderia ser
inserto no processo, o juiz manda que se tome por termo.
A processualização com homologação sobrevém, necessariamente, à
inserção ou juntada. E o momento a mais, que a lei exige para a eficácia
processual de certos atos das partes.

O ato de inserção, se se trata de despacho que transita, formalmente, em


julgado, pode ser atacado, em si, como decisão judicial que é; bem assim o
de tomada por termo. Se no processo que corria perante autoridade
competente por hierarquia ou ratione materiae e não impedida, foi junta
escritura pública de cessão de direitos por despacho de juiz incompetente
ratione materiae ou por hierarquia e, a despeito disso, foi atendido o
negócio jurídico, tal despacho é atacável como as decisões em geral, e
atacável é a cessão mesma.

Se houve partilha amigável por instrumento particular (art. 1.029, 2~ parte)


e homologação por juiz impedido, há duas impugnações: uma, contra a
decisão, e outra, contra o negócio jurídico da partilha. Se a homologação foi
sem vício, permite-se por sua transparência que se ataque o negócio jurídico
da partilha e, só consequência, a decisão meramente homologatória, que, ex
hypothesi, cobrirá o atacável, mas só transparentemente. Se a partilha
amigável foi por instrumento público, “reduzida a termo nos autos do
inventário” (art. 1.029, ia parte), a ação rescisória pode ser contra o negócio
jurídico, ou contra o termo nos autos.

A regra jurídica do art. 486, 2~ parte, deixa ver-se, sob a decisão


meramente homologatória, o ato jurídico que se

“processualizou” (= se inseriu no processo), ou processual. Tal


transparência da decisão homologatória de modo nenhum a exclui: também
se vê o ato judicial, a despeito de ser transparente. Daí poderem ser
atacadas, com invocação do art. 485 e do art. 486, conforme a natureza do
ato rescindendo, a decisão e o ato jurídico envolvido.

A lei processual assenta que “os atos judiciais, que não dependem de
sentença, ou em que essa for meramente homologatória, poderão ser
rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos de lei civil”. O art.
486 obriga à precisão de vários conceitos: (a) “Atos judiciais” é expressão
que aí está por “atos processuais”, como acontece em todo o Código: porém
livremo-nos de entender que “todos” os atos processuais que não dependem
de sentença, ou em que a sentença seja meramente homologatória, se
rescindam segundo a lei civil. (b) Os atos processuais que não dependem de
sentença são os atos jurídicos das partes, ou em lugar das partes, que sejam
redigidos pelo direito material. c) Os atos processuais que exigem simples
homologação são os atos jurídicos das partes, ou em lugar das partes, que
sejam regidos pelo direito material, porém cuja eficácia processual dependa
de sentença, sendo essa meramente homologatória. d) A referência à “lei
civil” foi feita brevitatis causa: entenda-se “lei material”, porque o ato
jurídico inserto no processo, ou tomado por termo, pode ser regido pelo
direito público, ou pelo direito comercial, ou pela legislação do trabalho, ou
outra legislação especial, ou, até, por direito estrangeiro (e. g., renúncia a
direito oriundo de negócio jurídico regido por lei estrangeira, homologação
de partilha em que há incapazes sujeitos a lei pessoal estrangeira.

(a) “Atos judiciais” é expressão que ai está por “atos processuais”, como
acontece em todo o Código; porém livremo-nos de entender que “todos” os
atos processuais que não dependem de sentença, ou em que a sentença seja
meramente homologatória, se rescindam segundo a lei civil.

A ação, no tocante ao ato jurídico, sobre o pais o qual se pôs a decisão


judicial transparente, pode ter o seu prazo prescripcional, ou o seu prazo
preclusivo (e. g., se a alegação fosse de vicio redibitório), ou não estar
sujeita a prazo.

Se a alegação é de anulabilidade, rege o direito material. Se a alegação


fosse de vício redibitório, regeria outra regra jurídica com prazos
preclusivos. Se a eiva é de nulidade ou de existência, não há prazo. Mas, em
qualquer das outras espécies, que concernem ao ato jurídico (verbis
“meramente homologatória”), é preciso que não haja decorrido o prazo
preclusivo da ação rescisória, que é de dois anos.

A decisão transparente pode ser rescindível com fundamento no art. 485.


Então, tem de ser proposta, dentro do prazo, a ação rescisória fundada em
algum dos itens do art. 485. Ao ato jurídico a que a sentença se refere pode
ser decretada nulidade ou anulação se cabe invocar-se o art. 486,
respeitados os prazos de prescrição, ou de preclusão, que se refiram ao ato
jurídico, e o prazo do art. 495, que é concemente a qualquer ação rescisória.

Se não expirou o prazo para a rescisão do julgado, nem para a


desconstituição do ato jurídico de direito material, o art.

486 é invocável.

(b) Os atos processuais a que se refere o Código, art. 486, são os atos
processuais que “envolvem” declaração de vontade, como a desistência e a
transação, o compromisso, a outorga de poderes de procuração feita nos
autos, etc.

Alguns deles não permitem ao juiz, na integração da forma, qualquer


alteração do declarado pela parte, seja unilateral seja plurilateralmente; e
por vezes a homologação, mera integração superficial de forma, épedida ou
requerida em peça diferente, de modo que a declaração de vontade consta
de escritura pública ou do termo, e a comunicação de vontade, de petição ou
requerimento. Ainda que essa separação material não se dê entre a
declaração de vontade e a comunicação de vontade, que solicitou a
resolução judicial homologatória, a ação para impugnar o negócio jurídico é
a do art. 486, e não a do art. 485. Se a declaração não exige, sequer, a
comunicação de vontade, e não há a resolução judicial, a questão de ser
rescindível segundo o art. 485 nem se poderia pôr, uma vez que falta
elemento da própria definição da “ação rescisória de sentença”. O problema
só existe para os casos de declaraçôes de vontade seguidas de homologação
(resolução judicial), sendo essa só integrativa de forma ou não, ou de
despacho de inserção ou de tomada por termo.

A sentença de homologação é ato jurídico processual transparente. Se é


anulado o negócio jurídico da transação, ou outro metido no processo, por
alguma das causas que o direito material prevê, cai a homologação, porque
a eficácia anulatória, por dentro do ato jurídico global (homologação e
negócio jurídico homologado), cinde (rescinde) o ato jurídico envolvente.

AI está a única escusa para se ter dado ao art. 486 a redação que se lhe deu.
Temos, pois, anulação interior e conseqúência rescindente exterior. O
direito material diz qual a causa de anulação; o direito processual civil
aludiu a isso, porque a ele cabe reger o ato jurídico processual envolvente.
Também pode dar-se que não se trate de anulabilidade, e sim, por exemplo,
de nulidade da transação. Qualquer juiz pode decretar, se competente para a
ação proposta, a nulidade da transação. Com eficácia de coisa julgada, a
sentença homologatória fica sem conteúdo, oca: para se pensar conforme se
teve de raciocinar diante do art. 486, a ablação do efeito extintivo tem de ser
requerida no próprio juízo que fez a homologação. Porque, se é certo que
qualquer juízo, no exercício da função que lhe compete, pode decretar
nulidade da transação, ou de outro negócio jurídico levado aos autos de
processo em que se atribui à transação homologada o efeito extíntívo da
relação jurídica processual, a decisão sobre esse efeito extintivo toca ao
juízo da relação jurídica processual que se teve por extinta e não está.

Aqui surge problema de classificação de decisão judicial, que não é de


somenos importância. j,A decisão do juiz do processo extinto, ao atender à
alegação de nulidade da transação homologada, se não foi ele mesmo que a
proferira, é declaratória ou é constitutiva?

Frisemos a espécie. Outro juiz decretou a nulidade da transação, negócio


jurídico de direito material; e vem o interessado requerer que se continue o
processo, porque a transação era nula. A decisão que o juiz do processo tem
de proferir é desconstitutiva da homologação esvaziada pela decretação de
nulidade, se ele reputa nula transação.

Portanto, constitutiva negativa.

Dir-se-á que, ao ser proferida a decisão de anulação do negócio jurídico da


transação, também esvaziada fica a homologação. Não tem acolhida o
argumento. O juiz que pode pronunciar a anulação do negócio jurídico de
transação, se há referência à homologação, somente pode ser o juiz do
processo em que tal homologação ocorreu. O

pedido de decretação de nulidade é pedido de desconstituição do negócio


jurídico, e da homologação, porque o efeito, que se tem, é a continuação do
processo, e a decisao desconstitui o negócio jurídico envolvido e o ato
processual envolvente. Se acaso foi pedida, fora, a decretação da nulidade,
sem qualquer alusão àhomologação, por se tratar de negócio jurídico
instrumentado fora dos autos, a decisão do juiz do processo que se tivera
por extinto, ainda que de simples “cumpra-se”, contém desconstituição da
homologação. Não seria o cumpra-se puramente mandamental que se dá às
decisões dos juízos superiores, em caso de recurso, ou de decisão de
instância superior desconstitutiva.

Na terminologia é que se pode discutir acerca do nome que há de ter essa


desconstituição da homologação, sem ser por anulação do negócio jurídico
homologado: (decretação de nulidade” ou “rescisão da homologação”?

Se se tratasse de nulidade da homologação, dir-se-á, o juiz de outro juízo


poderia decretá-la quando decretasse a nulidade do negócio jurídico. O
argumento seria sem valor, porque há as nulidades processuais que nenhum
juiz de fora poderia decretar. Outro argumento é o de não haver
anulabilidades processuais, no sistema do Código de Processo Civil, e ter-se
de considerar nula a decisão. Mas trata-se de sentença, trânsita em julgado.

A solução mais acorde com os princípios científicos e o sistema da lei


processual é a de se ter a decisão desconstitutiva da homologaçao como
rescisória conseqUente, à semelhança do que ocorre com a homologação de
negócios jurídicos concluídos no processo, se se tem de decretar a nulidade
de que fala o art. 486.

O acórdão da 2~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do


Sul, a 28 de abril de 1943 (J. 23, 439), que negou ação rescisória, com base
no art. 485 (ao tempo do Código de 1939, art. 798), da decisão de venda de
bens e da decisão de arrematação, revelou completo desconhecido de direito
processual: primeiro, negou coisa julgada formal a tais decisões; segundo,
reputou-as atos de direito material, em vez de atos processuais, chegando a
ponto de reputar a arrematação “homologação” da venda (!). A reVação
jurídica entre o adquirente e o dono ou os donos, na arrematação, é oriunda
de ato de direito civil, ou comercial, ou público (administrativo), em
qualquer caso de direito material; a decisão de alienar e a de entregar o
bem, por parte do juiz, são de direito processual, sem qualquer caráter
homologatório se a venda dependia de autorização ou julgamento judicial.
Também sem razão, a propósito de adjudicação, a 1a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça deMinas Gerais, a3 de agosto de 1950 (R. F., 143,319).

Quanto à arrematação, a carta de arrematação é sentença. Nao se trata de


ato processual de figurantes que não dependam de sentença: o ato é do juiz,
e não do dono dos bens, e há sentença, que é carta de arrematação. A
arrematação, em si, é ato de alguém, que está de fora e arremata, ou,
estando dentro da relação jurídica processual, atua como se fora estivesse.
Contra a carta de arrematação “sententia vero addictionis” (vulgo carta de
arremata ção) cabe ação rescisória. Tudo se cifra em saber-se se o
arrematante pode propor a ação do art. 486, contra o ato de arrematação, em
que ele figura diante do juiz. É terceiro com interesse jurídico, o que o
legitima. Advirta-se, porém, em que a carta de arrematação vai sobrevir, se
não se desfez a arrematação, e a carta de arrematação é sentença. Dela
somente cabe a ação rescisória do art. 485. (Depois de repetir esse trecho,
inteiramente certa a Procuradoria-Geral da República, a 19 de junho de
1963, D. da J. de 26 de junho.) Incluir-se a arrematação entre os atos
processuams que não dependem de sentença é desconhecerem-se as fontes
mesmas do nosso direito a respeito da arrematação e carta (e.

g., Odilou de Andrade, Comentários ao Código de Processo Civil, IX, 87;


Tribunal de Apelação de Goiás, 7 de agosto de 1946). A distinção entre
jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa também é estranha ao
assunto, e não há qualquer diferença que se reflita no ato de arrematação e
na carta de arrematação (sem razão, as Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 12 de julho de 1946, J., 28,
397).

Rescindida a decisão sobre adjudicação, ou com fundamento no art. 485,


caso em que o juiz teria de sentenciar de novo, ou com fundamento no art.
486, caso em que o juiz teria de aceitar, ou não, o pedido de adjudicação e
sentenciar, ficariam a avaliação e a admissão dos créditos. Por conseguinte,
não bastaria propor a ação rescisória da sentença, dentro do prazo; teria sido
preciso propor a ação rescisória, para desconstituir os atos judiciais
concementes à admissão do crédito e à avaliação dos bens, o que não é o
mesmo que rescindir a sentença de adjudicação.

As regras jurídicas sobre invalidade da transação são invocáveis a respeito


das transações que não se fazem em juízo e das transações que se fazem em
juízo. Numa e noutra espécie, anula-se por dolo, ou por violência, ou por
erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Como há a
homologação judicial, se a transação foi levada aos autos, ou se foi por
termo nos autos, a lei processual, sob cujo regime se faz a homologação,
viu de cima o ato jurídico em seu conjunto (primeiro, visto de cima, a
homologação; depois o negócio jurídico da transação) e referiu-se a

“rescisão”, que somente se entenderia se atinente ao ato processual.

Direito processual Direito material

Homologação Transação

Rescisão Anulação

Os negócios jurídicos de direito material, levados aos autos processuais ou


por termo nos autos, são negócios jurídicos sujeitos, quanto à sua
desconstituição, às regras de direito material.

Os atos processuais, envolventes desses negócios jurídicos, regem-se pelo


direito processual.

Vendo de cima, o legislador processual abstraiu da ordem cronológica


(negócio jurídico de transação; depois, homologação) e falou da “rescisão”
(da homologação e do negócio jurídico), em vez de tratar da anulação do
negócio jurídico e sua repercussão na sentença de homologação, que em
verdade é “rescindida” por efeito que vem de baixo (da constituição do
negócio jurídico envolvido).

c) O Código não disse que a ação rescisória não caberia se a sentença fosse
“meramente homologatória”: disse que, sendo meramente homologatória a
sentença, os atos processuais poderão ser “rescindidos”, isto é, decretada a
sua anulação, ou a sua rescisão (e. g., vícios redibitórios), como aos atos
jurídicos em geral, nos termos da lei civil. (ou comercial ou especial).

Se, por exemplo, o juiz, em vez de simplesmente homologar, interveio no


conteúdo (integração ou transformação do fundo), a ação rescisória de
sentença é imprescindível.

Se se trata de autorização, ou outro ato do juiz, que não seja de exame


externo, a ação rescisória há de ser proposta.

A afirmação do relator do acórdão das Câmaras Civis Reunidas do Tribunal


de Apelação de São Paulo, a 23 de agosto de 1943 (R. F., 95, 370), de que
prescinde de ação rescisória de sentença todo ato de jurisdição voluntária (!)
é completamente destituída de razão.’17 Por outro lado, o acórdão, em vez
de se ater ao conceito de eficácia de coisa julgada formal, foi buscar o de
coisa julgada material. Contra direito, todo o acórdão. Nomeação de tutor
ou de curador, destituição ou remoção, homologação de partilha amigável
em que se tenha feito mais do que integrar forma, e muitos outros atos que
o acórdão considera de jurisdição voluntária, passam formalmente em
julgado e são suscetíveis de rescisão fundada no art. 485.

De modo nenhum se há de estar a discutir, a respeito de ação rescisória, se a


decisão foi proferida em jurisdição contenciosa ou em jurisdição voluntária.
Nada nos adiantariam a invocação e a consequente pesquisa do que não é
contencioso. É pena verem-se emaranhar em tais conceitos, que a lei evita,
a propósito de ação rescisória, alguns tribunais (e. g., Câmaras Cíveis
Reunidas do Tribunal de Justiça do Rio de Grande do Sul, 9 de maio de
1947, J., 29, 377).

Quanto às decisôes meramente homologatórias, não há perguntar-se se o


processo é de jurisdição administrativa ou voluntária, ou não. A simples
homologação de ato jurídico pode dar-se em processo de jurisdição admi
177 Note-se. porem, que o art. 1.111 estatul que a sentença de jurisdição
voluntária poderá ser modificada sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se
ocorrerem circunstanciais supervenientes. No caso, pois, de circunsíãncias
supervenientes, isto ~, fatos ocorridos postersormente à sentença, e não os
acontecidos antes mas descobertos depois dela, a ação será a cognitiva de
modificação.

Administrativa ou voluntária, ou em processo de jurisdição contenciosa, e a


sentença não meramente homologatória numa e noutra (sem razão, as
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação da Bahia, a 20 de
dezembro de 1945, R. dos T. da Bahia, 37, 513; 2& Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1945; certos, o
Tribunal de Apelação de Goiás, a 7 de agosto de 1946; e a 4~ Câmara Civil
do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 19 de dezembro de 1945, R. dos
T., 164, 236).

A ação do art. 486 é ação sobre invalidade, embora, aí, se empregue o


termo “rescindidos”. O que se faz sujeito à decretação de invalidade é o ato
processual, praticado pelas partes, e~ não o ato do juiz, que pode não ter
existido (art.

486, verbis “que não dependem de sentença”), ou ser transparente (=


“meramente homologatória” a sentença).

No desquite amigável, por exemplo, a cláusula de acordo sobre bem é


atacável por erro (Conselho de Justiça do Distrito Federal, 25 de setembro
de 1947,0. D., 50,259), violência, dolo, simulação e fraude contra credores.
Idem, se, tratando-se de partilha, ou divisão, a decisão foi meramente
homologatória (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas
Geraís, 30 de outubro de 1947). A “rescisão” aliás anulação é o ato
homologado (Seção Civil do Tribunal de justiça de São Paulo, 9 de abril de
1947, R. F., 115, 137). Reflete-se, rescindentemente, no ato judicial.

Não se pode dizer, a priori, que a sentença é meramente homologatória: a


sentença de desquite amigável, por exemplo, é, de regra, meramente
homologatória, mas, no que o juiz intervém, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, deixa de ser meramente homologatória, e cabe, nesse
ponto, ou nesses pontos, a ação rescisória do art. 485. Também aqui
qualquer apego aos conceitos de jurisdição voluntária e de jurisdição
contenciosa é nocivo à doutrina e à jurisprudência. A propósito da ação
rescisória do art. 485 e da ação do art. 486, o Código evitou-os.

O art. 486 não apanha os casos em que a sentença é mais do que integratíva
deforma. Por exemplo: a homologação de demarcação, se não houve

acordo pleno das partes (art. 486, cf. 1a Turma do Supremo Tribunal
Federal,26 de abril de 1943, D. da J. de 7 de dezembro, 4716; R. F., 96,
323; A. J., 69, 112). Nem exclui a ação do art. 485 cumulada com a do art.
486.

Se foi a própria sentença de homologação que deu causa à pretensão à


rescisão, é a rescisória de sentença que se propõe.

Sempre que se impugna a homologação, em si, a ação competente é a ação


rescisória de sentença, e. g, se incompetente ratione materiae ou pela
hierarquia o juiz (art. 485, II), ou se houve infração da coisa julgada (art.
485, IV), como se, na sobrepartilha meramente homologada, se partilhou
bem já partilhado no mesmo juízo, ou noutro, ou se houve infração da lei
em tese (art. 485, V), ou se a homologação se fundou em prova falsa (art.
485, VI).

Mais uma vez frisemos: o art. 486 não é regra jurídica de exclusão, a priori,
de ação rescisória de sentença; mas regra de permissão das ação de
anulação (ou rescisão) dos negócios jurídicos ou simples atos jurídicos,
trazidos ao âmbito do processo, ou nele concluídos.

Cabe ação rescisória da sentença proferida na ação de desquite, ainda por


mútuo consentimento (Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação
do Distrito Federal, 12 de agosto de 1943, R. dos T., 156, 763), da sentença
que decreta a falência (Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 10 de maio
de 1944, R. dos T., 153, 260), e da sentença que está implícita na carta de
arrematação (2~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais,
12 de fevereiro de 1940, R. dos T., 129, 317).

Os votos vencidos, apostos ao acórdão das Câmaras Civeis Reunidas do


Tribunal de Apelação do Distrito Federal, datado de 14 de janeiro de 1943
(A. J., 66, III), levantaram o argumento de que, tendo havido recurso de
decisão que permitira venda de bens fora da hasta pública, tal decisão não
podia ser meramente homologatória. O argumento servia apenas para
sublinhar o absurdo do julgado que considerava meramente homologatória
a permissão de venda de bens pelo juiz. O acórdão fora injusto e contra
direito porque, in casu, os bens tinham de ser vendidos em hasta pública.

Mas a discussão toda se afastou de ser vendidos em hasta pública. Mas a


discussão toda se afastou do problema: primeiro, discrepou-se de ser
meramente homologatória (qualquer decisão judicial de venda ao público
não é homologatória, salvo quando se trata de venda que não precisa de
decisão que permitia); segundo, não é verdade que não transitem formal-
mente em julgado as sentenças homologatórias, inclusive as meramente
homologatórias. Aí está confusão lastimável. Um pouco devido a não terem
os juizes entendido o art. 288 do Código de 1939. O art. 288 só se referia à
coisa julgada material; ao passo que a coisa julgada, de que se fala, para se
indagar se cabe, ou não, ação rescisória, é a coisa julgadaformal. Demais,
estavam a ler, apressadamente, o art. 800, parágrafo único, do Código de
1939, hoje art. 486 do Código de 1973, como se dissesse: “Os atos judiciais
que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, somente poderão rescindidos como os atos jurídicos em
geral, nos termos da lei civil”.

Lá não está o “somente”. O art. 486 do Código de 1973, como o art 800,
parágrafo único, do Código de 1939, não é exceção ao pressuposto de
rescisão de sentença, mas permissão de impugnação por outros
fundamentos. Nem se compreenderia que a prevaricação, a concussão, a
corupção, oimpedimento, a incompetência pela hierarquia ou ratione
níateriae, a ofensa à coisa julgada, a falsidade da prova pudessem
prevalecer, para afastar as ações constitutivas negativas ligadas ao negócio
jurídico.

(d) Outra confusão, que importa erro crasso, é dizer-se que o art. 486 influi
na interpretação da regra jurídica sobre prazo preclusivo para ação
rescisória (art. 495), de modo que esse só se refere a sentenças proferidas
em processo contencioso (!). Tal absurdo, que aparecera no acórdão das
Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, de 26
de janeiro de 1942 (R. F., 91, 474), precisou ser evitado. O art. 486 nada
tem com o art. 469, que se refere à coisa julgada material. Nem a ação
rescisória tem semelhança ou parentesco com a de anulação de negócio
jurídico; nem o art. 486 exclui a de rescisão da sentença. O juiz A,
impedido, julgou a partilha amigável entre B, C e D, partilha por alguma
razão anulável, conforme o direito civil: a anulação é pleiteável dentro do
prazo, suscetível de suspensão e de interrupção a prescrição, de modo que,
se foi suspensa durante dois anos, ou interrompida, ainda persiste a
pretensão àanulação, a despeito de ter precluido o prazo de dois anos para a
ação rescisória. A homologação, em si, tomou-se inatacável, mas o seu
conteúdo constitutivo continuou atingível pelas ações de anulação de
partilha.

Se algum dos interessados, estando prescrita a ação de anulação de partilha,


entende que o juiz homologante estava impedido, ou era incompetente pela
hierarquia ou ratione materiae, pode atacar, pela ação rescisória, a sentença,
e o que fica a partilha amigável vale e é eficaz, como valia e era eficaz
antes da homologação.

Qual esse valor e qual essa eficácia responde o direito material; a questão já
escapa ao direito processual.

Se a sentença não foi meramente homologatória, e. g., se foi judicial a


partilha, também ai no fim do prazo prescripcional expira a atacabilidade
conforme o direito material e o art. 486, mas persiste a rescindibilidade da
sentença segundo o art. 485. Há, porém, uma diferença: não se poderia
interromper ou suspender a prescrição, além dos dois anos da ação
rescisória: a preclusão se deu, por força do art. 495.

(e) A declaração de vontade a que se refere o art. 641 é declaração feita


pelo Estado, em vez da parte; a rescisão dela é pedida com a rescisão da
sentença, cujo conteúdo é, e rege-se pelo art. 485, e não pelo art. 486.

Algumas considerações a propósito dos arts. 639-641 do Código de


Processo Civil.
a) Trânsita em julgado, formalmente, a sentença que condena o devedor a
emitir declaração de vontade, dá-se a execução: o que devedor de
declaração de vontade devia prestar tem-se por prestado pelo Estado. Tal
sentença é rescindível, nos dois anos que se seguirem à coisa julgada
formal.b) Se os efeitos da declaração de vontade dependem do
adimplemento da contraprestação, ou a declaração de vontade, prestada
pelo Estado, não compôs o negócio jurídico, por ser necessário que outra
declaração de vontade ou algum ato de credor seja emitido, ou a declaração
de vontade só tem os efeitos obrigacionais ou reais após contraprestação.
Esses pormenores não importam no que concerne a rescindibilidade da
sentença que presta a declaração. Se, depois, deixa de ser contraprestada a
declaração que se fazia mister e o prazo para ser contraprestada preclui,
tudo se passa como a respeito da oferta a que se não seguiu aceitação: o
negócio jurídico bilateral nao se conclui. Todavia, a decisão que declara não
se haver concluído o negócio jurídico é sentencial declarató ria e pode ser
rescindida de acordo com o art. 485, contado o prazo do seu trânsito formal
em julgado.

c) Se já se trata de negócio jurídico concluído, isto é, de negócio jurídico


que se compôs com a sentença condenatória trânsita em julgado (sentença
condenatória, diz o art. 641, verbis “condenado o devedor”, mas, em
verdade, executiva-condenatória), ou porque se decidiu quanto a negócio
jurídico unilateral, ou porque se integrou com a declaração feita pelo Estado
o negócio jurídico bilateral, tudo se passa como a respeito de qualquer
sentença rescindível do biênio.

(1) Os protestos, notificações e interpelações são rescindíveis com


fundamento no art. 486; não, com fundamento no art. 485. As decisões que
indeferem o pedido de protesto, notificação, ou interpelação, essas, se
examinam mérito ou não, são rescindíveis com invocação do art. 485.

Nas justificações, há sentença após audiência das testemunhas, que podem


ser contestadas e reinquiridas, e apreciação dos documentos. Não se trata,
portanto, de sentença meramente homologatória, embora irrecorrível.
Pergunta-se: ~,a ação rescisória do art. 485 é proponível? A resposta tem de
ser afirmativa, porque se trata de sentença e não é meramente
homologatória tal sentença, de modo que não há pensar-se em
invocabilidade do art. 486.

(g) A sentença que julga a falência é rescindível conforme os arts. 485 e


486 (Tribunal de Justiça do Ceará, 17 de março de 1948, A. J., 86, 325).
Não importa se negou a falência ou se deferiu o pedido.

Quanto às concernentes, preliminarmente se advirta que não há


confundirem-se ações rescisórias de sentenças sobre concordata e as ações
rescisórias de concordatas, que correspondem às ações rescisórias do art.
486, mas preexcluem-se essa na espécie (= o art. 486 não é invocável a
propósito de atos jurídicos de concordata, regidos pelos arts. 150-152 do
Decreto-lei n0 7.661, de 21 de junho de 1945). Aliter, quanto ao art. 485.

As sentenças sobre concordatas são a do art. 144 do Decreto-lei n0 7.661,


no caso de não terem sido apresentados embargos, a do art. 145, se
embargos houve, isto é, a do art. 161, * 10, do Decreto-lei n0 7.661, e a do
art. 183.

(h) O art. 486 empregou, para se referir à atacabilidade dos atos


processuais, à rescindibilidade, as expressóes elípticas

“como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”. De início,


afastemos que houvesse exigido haver, in casu, a rescindibilidade segundo a
lei civil. O termo “rescindíveis” está no art. 486, como está “rescisória” em
relação à ação de ataque à sentença. E, evidentemente, conceito de direito
processual, e somente conceito de direito processual. Há referência a
princípios da lei civil (= lei de direito material), mas sem haver explicitude
quanto ao campo desses princípios.

Daí ter-se de indagar: sendo nulo, e não só anulável, o ato jurídico a que se
não exige sentença, ou para o qual a decisão foi meramente homologatória,
~,pode ser decretada a nulidade segundo o direito material, que permite a
alegabilidade por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando
lhe cabe intervir, e a regra jurídica, que dá ao juiz o dever de pronunciá-la
quando conhecer do ato e de seus efeitos e as encontrar privadas, sem
possível suprimento?
A favor da resposta negativa estaria o argumento de ir o ato do juiz que
conhece da arguição de nulidade, ou que a decretasse de ofício, contra a
sentença meramente homologatória do outro juiz. A favor da resposta
afirmativa estão os argumentos maiores de ter a lei processual reduzido, nas
espécies do art. 486, a significação da sentença meramente homologatória, a
ponto de permitir a rescisão do ato jurídico, ainda que não haja fundamento
para a rescisão da sentença, e de não se dever permitir que a sentença
meramente homologatória cubra o ato nulo.

Tem-se, portanto, de entender que a lei somente se refere às anulabilidades


e às rescindibilidades dos atos jurídicos, não às nulidades. Se o louco ou o
menor de 16 anos transigiu, o ato de transação é nulo, e não se precisa de
propor a ação rescisória do art. 486, para que se lhe decrete a nulidade, pelo
simples fato de haver alhures sentença meramente homologatória. O ato
nulo não produziu qualquer efeito, nem produz. Quando a lei, a despeito de
se tratar de nulidade, exige a ação ordinária (e. g., Decreto-lei n0 7.903, de
27 de agosto de 1945, arts. 83 e 157), tem-se de atender à lex specialis.

(i) Estatui o art. 486: “Os atos processuais que não dependem de sentença,
ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como
os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil”. O que logo surpreende é
que o legislador não haja dito (a) “podem ser anulados”, ou (b) “podem ser
julgados nulos ou anulados”, e tenha chamado (c) “rescisão” à
desconstituição segundo o art. 486:

“podem ser rescindidos”. Não se poderia dizer como em (b), porque se


estaria a postular que a sentença meramente homologatória ou a simples
processualidade (inserção do ato jurídico no processo) cobriria a nulidade.
Ora, a permissão de se atacar o ato jurídico anulável, inserto no processo ou
homologado meramente, mostra que não fez obstáculo a desconstituição de
tal ato jurídico o fato da inserção no processo ou da sentença meramente
homologatória.

Se o ato jurídico inserto no processo ou meramente homologatório énulo,


não se precisa de propor ação de desconstituição, que tem o rito
ordinário:178 o princípio da alegabilidade da nulidade por qualquer
interessado e o princípio da decretabilidade de ofício incidem. E
interessante observar-se que não se reputou incursão indevida do juiz
estranho ao processo pronunciar a nulidade do ato jurídico inserto em
processo de outro juízo ou homologado por outro juiz, nem haver obstáculo
para o próprio juiz que presidiu ao processo decretar a nulidade do ato
jurídico inserto no processo ou meramente homologado. Assim, se a
qualquer tempo o juiz descobre que era louco o co-herdeiro que fizera
partilha amigável, pode e deve decretar a nulidade, quanto ao que concerne
à declaração de vontade do louco.

Não importa se a simples homologação foi a instância superior, desde que


não se tomou controverso algum ponto ou o tribunal não fez mais do que
meramente homologar.

O art. 486 só se refere à anulabilidade, segundo as regras de direito privado


(verbis “nos termos da lei civil”), mas a anulabilidade pode resultar de
direito público. A expressão “rescindidos” está em vez de “anulados”;
porém, não há grande inconveniente em que se fale de rescisão, porque o
legislador como que acolhe as anulabilidades para rescindir a
processualização.

A partilha, uma vez feita e julgada, só é anulável pelos vícios e defeitos que
invalidam, em geral, os atos jurídicos. No art. 486, estabelece-se que “os
atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente
homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos
termos da lei civil”.

(j) A ação de nulidade da partilha é imprescritível. A ação de anulação é


que prescreve no prazo que a lei fixa (Tratado de Direito Privado, VI, §678,
12). A prescrição não corre contra o incapaz; corre contra os outros
interessados, salvo incidência da regra jurídica que, em caso de credores
solidários, só o permite em relação aos outros. Se indivisível o objeto de
obrigação (53 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, 2 de
setembro de 1936, R. dos T., 105, 228; 2~ Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Rio Grande do Sul, 14 de agosto de 1946, J., 28, 34). Errado o
acórdão da ja Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 17 de
abril de 1944 (R. dos T., 155, 670, e 151,687), que afirmou a contagiação do
benefício. Sobre pormenores da ação de anulação de partilha, Tratado de
Direito Privado, Tomo VI, §§ 707,4, 711, 1, e 717, 1.

A ação de nulidade da sentença de partilha é imprescritível. A de nulidade


da partilha, também (sem razão, a 2~

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de dezembro de


1931, R. dos T., 81, 358, e a 4~ Câmara Civil, a 10 de abril de 1936, 125,
175).

A 43 Câmara Civil da Corte de Apelação de São Paulo, a 4 de dezembro de


1935 (R. dos T, 107, 203), julgou que, tendo havido recurso, sem dele se
haver tomado conhecimento, o prazo prescripcional somente começa a
correr do trânsito em julgado da decisão na instância superior, o que não
está certo. Os atos processuais em que se argúi o vicio ou defeito
interrompem; mas o prazo começa de correr com o trânsito em julgado da
sentença de partilha. Se não se tomou conhecimento, não houve extensão do
tempo:

a sentença passou em julgado.

6Como se hão de conciliar a regra jurídica sobre a prescrição da invalidade


da partilha que conceme à ação de anulabilidade da partilha, tenha sido, ou
não, meramente homologatória a sentença, e o prazo preclusivo (art. 495),
que se refere à ação rescisória?

O art. 486 nada disse sobre prescrição da ação constitutiva negativa contra o
ato jurídico apenas inserto no processo por efeito de tomada por termo ou
juntada, ou homologado. Nem cogitou da preclusão da ação constitutiva
negativa contra o ato judicial de inserção ou de permissão de tomada por
termo, ou de homologação. O de que tratou a lei foi do ato jurídico de
direito material “processualizado”. Tinha, porém, de ver o ato
processualizante, a despeito da sua transparência nas espécies sobre as quais
incíde a sua regra jurídica. O problema não se apresentara, com igual
feição, ao legislador do direito material. Esse, de ordinário, evita a regra
jurídica processual. Em todo caso, tem, a respeito da ação anulatória da
partilha, no tocante à prescrção, a atitude que deveria ter, exatamente por
poder ser meramente homologatória a sentença e sem causa de rescisão,
mencionando-a e, fixando o prazo prescripcional. O Código de Processo
Civil atende ao fato para o legislador do direito processual mais em relevo
de haver a inserção ou a inserção e a homologação. ~Como haveria ele de
desconhecer o efeito processual, por fato ocorrido durante a relação jurídica
processual, se o próprio direito material conferia efeitos à invalidade de que
se trata?

O legislador do direito material podia atribuir às causas (vícios) de que


resultam as sanções aludidas à consequência de não existir, de ser nulo, ou
de ser anulável o ato jurídico de direito material. Preferiu a sanção da
anulabilidade. Se o legislador do direito processual somente se referisse às
causas de rescisão segundo o art. 485, ficariam os atos jurídicos processuais
de inserção e de homologação expostos a perderem o conteúdo sem se
aludir, sequer, à coisa julgada formal daqueles atos, algumas vezes
sentenciais. A situação não seria a mesma do processo em que se produziu
ato jurídico de direito material nulo, que, inserto ou tomado por termo, ou
meramente homologado, irradiou efeitos dentro do processo ou alhures, por
se tratar de nulidade, e do ato de outro juiz, ou do mesmo juiz, noutro
processo, que repute nulo aquele ato jurídico de direito material.
(Certamente, não nos referimos a atos jurídicos que foram objeto de
declaração de validade, isto é, não-nulidade; ou de qualquer modo
reputados válidos com eficácia de coisa julgada material, o que só ocorre,
de regra, quando há sentença não meramente homologatória.) (1) Entenda-
se que a ação do cônjuge desquitado, em caso de coação, erro, dolo, ou
simulação, quanto ao acordo sobre os bens e sua partilha, não havendo,
portanto, partilha judicial, prescreve no prazo legal (sem razão, o Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 27 de julho de 1929, R. dos T., 81, 523). Salvo se
se há de abstrair de causas de anulabilidade, tratando-se, apenas, de
aparição de bens, que se desconheciam, ou que o cônjuge, com dever de
inventariar, sonegou, e a ação a ser proposta é a de sobrepartilha; talvez,
também, a de sonegação.

(m)O negócio jurídico da adoção pode ser nulo. Pode ser nulo, ainda, por
absoluta incapacidade do adotante, ou por infração de regra jurídica de
forma. Pode ser anulável, por erro, dolo, incapacidade relativa, coação,
simulação, com prazo prescricional, contados de quando cessar a
incapacidade, ou a coação, ou, nas outras espécies, da data do ato (cf.

l~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 30 de agosto de 1949,


R. dos T., 182, 856).

(n) A carta de arrematação, que é sentença (nossos Comentários ao Código


de 1939, VI, 310 s.), é suscetível de rescisão (ação rescisória, com o prazo
preclusivo do art. 495). A sentença nos embargos do devedor ésuscetível de
rescisão. Bem assim, a sentença nos embargos de terceiro.

Pode ser nula, e pois sujeita a simples decretação de nulidade, a qualquer


tempo. Se houve erro, dolo, simulação, ou coação, aventurou, sem razão, a
43 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 24 de abril de
1940 (R. dos T., 128, 520, e 134, 475), que cabe a ação de anulabilidade, e
prescreve no prazo legal. O arrematante não tem qualquer ação de garantia
por vícios fácticos. Quanto aos vícios de direito, não há, no direito material,
regra jurídica, a respeito de evicção, que corresponda à de afastamento da
evicção em caso de hasta pública: o terceiro, que se crê com direito sobre a
coisa, tem de apresentar os seus embargos de terceiro (nossos Comentários
ao Código de Processo Civil de 1939, VI, ía ed., 451 s.); se os não
apresenta até antes da carta de arrematação, preclui a pretensão contra a
arrematação, de modo que, regularmente, não mais pode ocorrer evicção.
Resta saber-se se contra o ato da arrematação pode o arrematante arguir
vícios e defeitos de vontade. A pretensão seria dele contra o Estado: ou pela
coação o ato do Estado seria ato ilícito absoluto, afastável por mandado de
segurança, ou por habeas-corpus, ou gerador de responsabilidade ex delicto;
ou pelo erro

o arrematante teve todas as indicações sobre o que adquiria, salvo ressalva


feita no próprio edital e no ato de arrematação; ou pelo dolo ou pela
simulação e só ação pelo ato ilícito do funcionário do Estado poderia ter o
arrematante, ou pela fraude contra credores, o que não seria absurdo, dada a
publicidade da arrematação ou adjudicação e o prazo para os embargos de
terceiro. Não há ações de anulabilidade do ato de arrematação, que é ato de
direito público e subordinado a princípios processuais próprios. O art. 463
do Código, sobre inexatidões materiais, é invocável, segundo os princípios
peculiares.

(o) Se à ação de anulação se cumula ação real, e. g., a de reivindicação, a


prescrição daquela obsta à decisão dessa, que seria execução da sentença
(aí, primeira parte da sentença) na ação de anulação (2~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de julho de 1949, R. dos T., 181, 760).

(p)A regra jurídica sobre prescrição da ação de anulação por erro, dolo,
simulação ou fraude, de modo nenhum incide quanto à pretensão à
retificação do registro de imóveis, em caso de inexatidão. Disse-o, com
razão, o acórdão da 2~

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de junho de 1948


(R. dos T., 175, 626). Porém a ação de retificação é imprescritivel, por sua
natureza, e aí errou a 2~ Câmara, atribuindo-lhe a prescrição das ações
reais. A ação de retificação é ação real, mas imprescritível. A divergência,
na doutrina, está exatamente entre os que afirmam que ela cessa quando
prescreve a ação do direito a que a inexatidão ofende, ou se, ainda em tal
caso, ela não cessa.

Havemos de entender, por ser a pretensão à retificação efeito de efeito


(pretensão oriunda do direito real), que ela cessa com a prescrição da ação
oriunda do direito que a inexatidão ofendia (W. Turnau-K. Fõrster, Das
Liegenschaftsrecht, 1, 33 ed., 306; Heinrich Willenbucher, Das
Liegenschaftsrecht, 42; C. Predari, Die Grundbuchordnung. 2~ ed., 185; G.
Planck, Komentar, III, 1,246 s.). Martin Wolff (Lehrbuch, III, 27~-32~ ed.,
133, nota 19) entendia que ação de retificação não cessa ainda com a
prescrição da rei vindicatio. Seja como for, a pretensão à retificação é
imprescritível.

(q) A regra jurídica sobre o prazo da prescrição para a ação de anulação não
é do prazo para a ação de indenização, que, ou contra o figurante, ou contra
o terceiro, segundo os princípios, toque ao que for vitima da coação, ou do
dolo, ou da simulação. Tal ação de indenização prescreve no prazo geral (G.
Planck, Kommentar, 1, 4~ ed., 309 s.; Otto Warneyer, Komentar, , 197).

No direito brasileiro, considerou-se o prazo, para a propositura das ações de


anulação, prazo prescripcional, e não prazo preclusivo. Todavia, salvo onde
excepcionalmente se pode opor depois, como exceção (e. g., exceção de
simulação), a ação constitutiva negativa não é exercível ope exceptionis.

A declaração de vontade a que se refere a regra jurídica sobre a ação para


tal prestação é declaração feita pelo Estado, em vez de pela parte; a rescisão
dela é pedida com a rescisão da sentença, cujo conteúdo é, e rege-se pelo
art. 485, e não pelo art. 486. O Estado presta pelo devedor, executa.

(r) O que se disse sobre declarações de vontade nos processos cabe também
para o silêncio e para os atos quando tidos como declarações de vontade.
Não cabe, porém, para aquelas declarações de vontade qiiejazemn. parte do
processo, de modo que a sua eficácia se limita ao procedimento, tais como a
ratificação de atos processuais e outras declarações de vontade, as
comunicações de conhecimento (como o chamamento à autoria, a
nomeação à autoria) e os atos ditos

“reais” (exibição e retirada de documento, indicação de meios de prova).

(A nítida distinção entre a ação do art. 485 e as do art. 486 foi feita por nós
no livro A Ação Rescisória, 259, diante da confusão eíin que incidiam M. 1.
Carvalho de Mendonça, Da Ação Rescisória, 33, e Jorge Americano, Da
Ação Rescisória, 2~ ed., 124, a propósito do art. 255 do Reg. n0 737 e do
art. 229 do antigo Código de Processo Civil de São Paulo. Chamava-se
“ação de nulidade ou rescisão de atos jurídicos de direito material”. O art.
486, como o art. 800, parágrafo único, do Código de 1939, tem iínportância
teórica e prática, que ressalta, hoje, ainda mais do que então.) (s) Uma das
consequências de ser atribuida eficácia extintiva do processo à transação
homologada está em que, com a desconstituição da homologação, continua
o processo à transação homologada está em que, com a desconstituição da
homologação, continua o processo, que se trata como se não tivesse havido
o efeito extintivo. A rescisão da sentença homologatória com fundamento
no art. 485 é rescisão só do ato processual sentencial, de modo que o
negócio jurídico da transação pode não ser atingido e ser suscetível de
determinar outra decisão homologatória. Mas, ato processual envolvente, a
sentença homologatória, se se desconstitui, por exemplo, o negócio jurídico
transacional, é atingida pelo vazio de conteúdo que se estabelece: a sua
permanência seria permanência de homologação do nada, porque éo nada
que fica após toda desconstituição ex tunc. A queda desse envoltório oco é
rescisoriforme; donde ter o legislador falado, no art. 486, de rescisão.

Desde a rescisão, segundo o art. 485 do Código de Processo Civil, ou a


rescisão consequente, segundo o art. 486, o processo deixa de ter sido
extinto.

(t) Já vimos qual a razão por que a transação, como outros negócios
jurídicos homologados, se rege pelo direito material, e a homologação pelo
direito processual. E com a homologação que se produz o efeito extintivo
quanto à relação jurídica processual. Todavia, se se desconstitui o negócio
jurídico transacional, a homologação fica vazia, e dá-se a rescisão
consequente.

A rescisão por ação ordinária contra a sentença homologatória é de propor-


se dentro do prazo preclusivo dos dois anos. A rescisão consequente é
decretável enquanto não preclui ou prescreve a pretensão desconstitutiva
contra o negócio jurídico da transação ou de outro. A transação, no tocante
a litígio, pode ser para evitar a lide, ou para lhe pôr fim. Ou não se inicia o
processo, ou se põe termo a ele. Se ainda não transitou em julgado a decisão
proferida, a transação encerra o processo, e a relação jurídica processual
extingue-se. Daí, ser licito aos interessados prevenirem ou terminarem o
litígio mediante “concessões mútuas”. Se a sentença já transitara em
julgado, a transação é extrajudicial.

Se pendia recurso, qualquer que fosse, que poderia ter provimento, a


transação é judicial, e apanha o processo, o litígio. Quando a transação
judicial se conclui e se eficaciza, para prevenir litígio, a propositura da
ação, a que ela se referia, é sem fundamento, porque se retirara o conteúdo
da possível petição.
Quando a transação judicial é feita, com a homologação, para dar termo ao
processo, a relação jurídica processual foi desfeita ex tunc, e de modo
nenhum se pode invocar a inexistência de qualquer julgado que ocorrera.
Tudo foi apagado, porque a transação, com a homologação judicial, tudo
retirou do mundo jurídico processual, a partir da petição.

A transação, homologada em juízo, depois de ter havido sentença, ou antes


dela, põe fim ao processo, mas ex tunc. O

processo, a relação jurídica processual, que existia, deixou de existir. Há o


conteúdo do negócio jurídico da transação, que é de direito material, e o
revestimento homologatório que tem a mesma eficácia que teria a
homologação de desistência. Quem desiste de “ação” (= demanda, litígio)
retira tudo que deu ensejo à propositura, e a relação jurídica processual
desaparece, ficando nenhuns todos os atos processuais. Quem figura em
transação, referente a litígio em que foi autor, obtém, com a homologação, a
destruição de toda a relação jurídica, de jeito que os figurantes do processo
deixaram de ser figurantes porque processo houve, porém não mais há. O
que persiste no terreno do direito material

é a transação, negócio jurídico. O processo, que está correndo, não


persistiu: desapareceu totalmente. A decisão, que existe e não existia, é a
decisão homologatória, que, transparente, fica por cima do negócio jurídico
da transação.

Se, no processo desfeito, alguma decisão,fora proferida, qualquer que tenha


sido a instância, deixou de ser. Não se pode atribuir qualquer sentido a
qualquer dos pontos que a transação atingiu e a homologação judicial pôs
fora do mundo jurídico qualquer ato do processo extinto ex tunc.

A homologação dos negócios jurídicos é uma das espécies de atividade da


jurisdição voluntária. Aí, há participação do Estado para integração dos
negócios jurídicos, como existe nas funções registrárias e certificativas. A
homologação de negócios jurídicos serve, quase sempre, à solução de
contendas, porém aí não há sentença que decida a questão ou as questões.
Um dos pontos principais, a respeito de jurisdição voluntária, é aquele em
que se há de evitar a classificação de todos os atos de jurisdição voluntária
como se fossem só homologatórios de negócios jurídicos.

Se a transação foi nula, nula continua de ser. Qualquer juiz pode decretar, se
competente para a ação proposta, a nulidade do negócio jurídico.

A nulidade de transação, que foi homologada, implica o esvaziamento do


conteúdo da homologação. Se a transação foi feita “por termo nos autos”, o
negócio jurídico consta do processo, pela forma escolhida, ou em
instrumento público ou particular, juntado aos autos. A diferença não afasta,
na primeira espécie, a apreciação da validade do negócio jurídico, que se
rege pelos princípios de direito material, por outros juizes ou tribunuais, que
tenham de verificar se é nulo, ou anulável, a transação. Quanto ao ato
processual da homologação, a decretação da invalidade, ou a rescisão, tem
de obedecer ao que se estatui no direito processual civil. Assim, se algum
juiz ou tribunal examinou o negócio jurídico da transação e decretou a
nulidade, tal decisão é base para que se decrete a nulidade da homologação,
o que há de ser feito pelo juiz que homologou, ou pelo tribunal, de
competência originária ou recursal, onde ocorrera a homologação ou se
repeliu qualquer recurso contra ela. Somente se preexclui a decretabilidade,
mesmo de oficio, da nulidade da homologação por ser nula a transação, se o
assunto foi, por exemplo, conteúdo de atitude processual de terceiro e
houve coisa julgada formal e material sobre a validade.

Se foi decretada a nulidade (o que pode ser mesmo de ofício) noutro


processo e noutro juízo, com o trânsito em julgado de decisão, para que se
reviva a relação jurídica processual que a transação homologada extinguira,
é preciso que se peça ao juiz, ou tribunal, onde se homologou a transação,
que se volva ao invocamento processual, no estado em que se achava ao
tempo da sentença de homologação trânsita em julgado.

Aí surgem alguns problemas. Se a eficácia desconstitutiva ex tunc, que tem,


quanto ao processo, a homologação da transação, começou quando ainda
pendia algum recurso, ou fora apenas interposto, à data em que passar em
julgado a decisão de restauração da relação jurídica processual é que se vai
ter como reiniciado qualquer prazo, respeitado o princípio Dies a quo non
computatur in termino. A data, que importa, não é da decisão, mesmo se de
oficio a desconstituição, mas sim a do trânsito em julgado.

Ainda quando a decretação da nulidade do negócio jurídico homologado


não tenha sido de ofício, mas em ação adequada, nada obsta a que o juiz ou
tribunal homologante, diante da decisão trânsita em julgado, desconstitua de
ofício a homologação.

Uma vez que foi decretada a nulidade da transação e transitou em julgado a


decisão, quaisquer efeitos que se atribuiram à transação, negócio jurídico de
direito material, não se podem ser invocados. Apenas se tem de cogitar da
volta à relação jurídica processual, se é conveniente a todos, ou a alguns, ou
a algum dos transatores.

A relação jurídica processual somente se restaura depois de transitar em


julgado a decisão relativa à desconstituição da decisão que homologou a
transação. Pode acontecer que não haja interesse em promover a decisão
constitutiva negativa. Porém o suscitamento por outrem pode levar o
figurante da transação, que a decretação de invalidade favorecera, a ter de
atuar para que o incoamento, ou alguma irrecorribilidade, ou mesmo res
iudicata, não aconteça.

Se há prazo preclusivo, ou se há prazo prescripcional para se desconstituir o


negócio jurídico homologado, é indiferente para se saber se a pretensão
contra a homologação preclui ou prescreve: o que importa é que ainda se
possa decretar a desconstituição do negócio jurídico de transação, como
qualquer outro negócio jurídico homologado, pois que, se já não se pode
decretar, se tomou incólume, a seu tumo, a homologação.

2. Discussão da matéria A meia-ciência que andava por aí não admitia a


ação rescisória de sentença proferida em ação preventiva ou cautelar (arts.
796-889), porque, disse-se, tal sentença não transita em julgado, por
explícita regra jurídica do art. 469, III. Ora, as pessoas que chegam a tal
conclusão partem de premissa falha: a de que a coisa julgada, no art. 469,
III, seja a coisa julgada formal; o art. 469, III, apenas se refere à coisa
julgada material. O mais estranho é que os próprios sustentadores de tão
errada conclusão lamentavam que o sistema jurídico preexcluia da
atingibilidade pela ação rescisória as sentenças proferidas em processos de
ação de segurança. Os que defendiam a tese e a atribuíam ao sistema
jurídico argumentavam que, acessórias tais processos, não há vantagens na
ação rescisória de tais sentenças, que teriam de ser examinadas no processo
principal. Nova confusão: aqui, entre acessoriedade de processo e
preparatoriedade.

3.Solução do problema Nas ações de segurança não preparatórias não há, de


regra, o prazo do art. 806 para a propositura da ação principal. A sentença
transita em julgado, formalmente, e pode ter ocorrido algum do
pressupostos do art. 485. Quanto a algumas espécies, a própria lei livra-as
de necessariedade da propositura da ação principal. Nos processos
preparatórios em que se tem o ônus da propositura “sob pena de perder”
eficácia a decisão, nem por isso deixa de haver sentença trânsita
formalmente em julgado. É preciso que se não confunda a revogabilidade
ou modificabilidade com a coisa julgada formal. No juízo da superior
instância pode-se ter confirmado ou reformado a sentença, deferindo-se, ou
não, o pedido de segurança. Não se pode mais reexaminar a decisão,
formalmente; mas a medida mesma pode ser objeto de revogação (retirada
da vox), ou modificada, com outro reexame em via recursal, até que se dê a
nova coisa julgada formal.

As sentenças proferidas em processos preventivos e preparatórios não têm a


força ou a eficácia de coisa julgada material, mas têm a de coisa julgada
formal. Não há pensar-se em invocação do art. 486, porque não há qualquer
ato jurídico a ser apreciado como entre figurantes de negócio jurídico; mas
o art. 485 pode incidir.

180 O art. 485 só pode incidir, quando a sentença é cautelar, no caso em que
ela compuser a lide, como ocorre na hipótese da 2 parte do art. 810, ou em
qualquer outra, na qual, em vez de se pedir medida cautelar típica,
transitória e urgente, se usou o processo cautelar para se obter satisfação do
que James Goldschmidt (Derecho Processual Civil, Madrid, Labor, 1936, p.
747) chamou necessidudes primários, cuja tutela não pode aguardar o
trãmite normal do processo.
(Aliás, pode dar-se que à ação de segurança se cumule ação declaratóna, ou
haja questão prévia declaratóna, sobre a qual se haja de manifestar, em
decisão, o juiz. Mas esse elemento acidental não importa, porque a ação
rescisória não vai apenas contra decisões que têm força ou eficácia,
imediata ou mediata, de coisa julgada material vai contra quaisquer
decisões que transitem, formalmente, em julgado.)

A diferença entre falta de coisa julgada formal e revogabilidade ou


modificabilidade, passadas as circunstâncias que permitiram a medida de
segurança, é assaz importante. Nas próprias ações cuja sentença pode ser
modificada, se mudam as circunstâncias, há coisa julgada formal das
sentenças. As sentenças é que, embora trânsitas em julgado, são suscetíveis
de certa variação de conteúdo, juridicamente prevista como possível.

O assunto tem o interesse de sublinhar que a ação rescisória só se dirige


contra a coisa julgada formal, mas, também, consta a coisa julgada formal
de qualquer decisão (sentença ou não).’8’

4. Alterações materiais na sentença e ação rescisória Dissemos acima que o


art. 463 do Código de Processo Civil é invocável, de modo que pode haver
alteração só exterior da sentença em qualquer processo. A alusão foi apenas
a respeito da arrematação e, por conseguinte, da adjudicação ou da remição;
poi~m há problemas que se ligam à aplicação, em geral, do art. 463.

A decisão que corrige erro de escrita ou de cálculo, existente na sentença,


não é decisão que transite, formalmente, em julgado. A declaratoriedade é
tão rente à materialidade da alteração, sem lhe atingir o conteúdo e a
eficácia, que não merece ser tida como eficácia sentencial. Não se poderia
equiparar à declaratoriedade dos embargos de declaração, que descem ao
conteúdo e à análise da eficácia sentencial. Contra as decisões a que se
refere o art. 463 não há pedir-se rescisão. Basta que o interessado que não
foi ouvido, ou foi ouvido e discordou, reclame. Se o juiz insiste na alteração
que lhe parece apenas material e não há mais recurso, devido a ter
transitado em julgado a sentença a que se alude na correção de erro de
escrita ou de cálculo, pode o interessado opor embargos do devedor, se é o
caso, reclamação, ou mandado de segurança, ou, até, se os pressupostos se
compõem, habeas-corpus.

Se a sentença transita em julgado com emenda que se não pode considerar


simples corrigenda de inexatidão material, o prazo para a propositura da
ação rescisória começa a correr do dia em que se procedeu, com

181 Posição peculiar do autor ilustre, contudo não seguida nem pela
doutrina nem pelos tribunais, diante do capuz do art. 485, que só dá a ação
rescisória de sentença de mérito.

trânsito em julgado, a essa mudança de conteúdo sentencial razão por que,


se o biênio se escoa, a restituição do conteúdo primitivo não mais se pode
obter.

Se a emenda na sentença não é de simples inexatidão material, há sentença


modificativa da anterior, portanto com eficácia que seria contra a coisa
julgada (Tribunal de Apelação do Ceará, 9 de março de 1942, R. dos T.,
1942, 1, 54:

“...claro está que a mesma decisão transitou em julgado e não se podia


alterar qualquer de seus efeitos por simples reclamação, com fundamento
no art. 1.276 do Código de Processo Civil do Ceará, e isso porque, se este
permite, independente de embargos, pedido de emenda de erro de conta da
quantia exeqúenda, ou de contas, tal não é a hipótese sujeita, pois o que se
pediu a tal pretexto foi verdadeira modificação da sentença que julgou a
penhora, e não mera emenda de erro de conta”).

Quando alguma sentença, acórdão ou outra decisão judicial é rescindida e


transita em julgado a decisão rescindente, tem-se de saber o que se cindiu,
porque a apreciação, na ação rescisória, pode ser restrita à nulidade ou à
anulação processual, ou ter-se estendido ao mérito. Se a invalidade de ato
do processo foi inicial, ou somente do julgamento final, ou de algum ato
intercalar, é da maior relevância apurar-se qual o momento de que começou
a cisão, porque o que não foi atingido continua existente e não foi
rescindido. Se sentença foi rescindida porque não foi profenda pelo juiz ou
tribunal competente, ou o foi do prazo, com impedimento, ou feita de
julgador ou de julgadores, .ou ofensa à coisa julgada, ou violação de alguma
regra jurídica relativa ao proferimento, só a sentença se rescinde, e não
desce a rescisão a outros atos e momentos processuais. Se a sentença, como
ato processual, não infringiu regra jurídica, mas a infração ocorreu no início
do processo, de modo que a rescisão baixou até a petição inepta, ou sem os
pressupostos necessários, não houve, sequer, o petitum. Se foi até a citação,
a eficácia da sentença rescisória elimina a relação jurídica processual. Para
os efeitos sentenciais, nada se salva, exceto se à sentença lex specialis
atribuiu efeito que seja erga oínnes, ou à parte da permanência do ato
sentencial.

Se a causa da rescindibilidade fora a falta de citação, de jeito nenhum se


corta direito, pretensão, obrigação, ação, ou exceção, que teria de ser
assunto do mérito. O que pode acontecer é que, pela falta de citação, tenha
precluído ou tenha prescrito a pretensão, ou a ação, porém isso é assunto
para se apreciar noutra “ação” (de direito processual), isto é, quando, de
outra vez, se proponha a mesma ação (de direito material).

Se a ação, que se intentara e não qual se lavrou a sentença, que veio a ser
rescindida, era a ação declarativa típica, ou outra ação declarativa, ou
simplesmente de eficácia imediata ou mediata de declaratividade, seria
absurdo sustentar-se que a rescisão da sentença extinguiria direito,
dever,pretensão, ação, ou exceção de quem fora autor. No tocante à rescisão
por falta de citação, ou de invalidade de citação, o mesmo se passa com as
outras espécies de ações (constitutivas, condenatórias, mandamentais,
executivas).

5. Ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória Em 1934 (A


Ação Rescisória, 257 s.), levantamos a questão da ação rescisória de
sentença proferida em ação rescisória, frisando a contradição moral em que
incidira a opinião contrária: “Para que a sentença rescindente não seja
sujeita à rescisão, é preciso que o diga a lei processual. No Brasil, nenhuma
lei processual excluiu de tal exame as sentenças proferidas em juízo
rescindente ou em ambos os iudicia.. Os tribunais devem evitar que se
excluam da rescisão sentenças suas, ou das câmaras, ou dos juizes, sem que
o diga a lei, explícita ou implicitamente, mas claris verbis, porque é preciso
que não pairem dúvidas sobre quais sejam, ou não, as sentenças
rescindíveis. Aqui, se o texto não é claro, tudo aconselha a que se não corte
cerce, por precipitado “Não conhecemos”, ação de tão alto interesse
público”.

O Código de 1939, no art. 799, atendeu à nossa argumentação, sem


permitir, todavia, a rescisão da sentença proferída em ação rescisória pelo
fundamento de nova infração do direito. Disse o art. 799: “Admitir-se-á,
ainda, ação rescisória de sentença proferida em outra ação rescisória,
quando se verificar qualquer das hipóteses previstas no n0 1, letras a e b, ou
no caso do n0 II do artigo anterior”. Apenas confirmou o cabimento, com a
preexclusão da ação rescisória com o fundamento de ser a sentença
rescindenda “contra literal disposição da lei”. De legeferenda, não estava
certo. Se a rescisão admitira ação (reconvenção, embargos do devedor ou de
terceiro), a violação nessa escaparia à limitação do art. 799: há outra ação.
Foi o que então escrevemos. Ocorre, agora, que se retirou tal texto, no
Código de 1973.

No prazo para a propositura, podem-se propor duas ou mais ações


rescisórias se diferentes os fundamentos de todas (cp. Câmaras Civis
Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 4 de junho de 1946, R. dos
T., 169, 309). A ação de rescisão contra a sentença que foi objeto de outra
ação rescisória, por outro fundamento, não é ação rescisória de sentença em
ação rescisória. A mesma sentença pode dar ensejo a pluralidade de ações
rescisórias, cujos pedidos podem ser cumulados, ou feitos
separadamente.’82

182 Feitos separadamente, incide o art. 103 porque o pedido será de


desconstituição de uma sentença, rompida na sua inteireza, ainda que a
ação só vise à rescisão de uma das suas partes, também chamadas
capítulos.

Nada obsta a que se proponham duas ou mais ações rescisórias, cumuladas


ou não, simultânea ou sucessivamente, contra a mesma decisão. Por
exemplo: uma, por prevaricação, concussão, ou corrupção; outra, por
impedimento do juiz: outra, por incompetência absoluta; outra, por ofensa
à coisa julgada; outra ou outras, por violação de direito em tese; outra por
falsidade de prova; outra, por ter resultado de dolo da parte vencedora, ou
de colusão entre as partes, in fraudem legis; outra, por ter o autor obtido
documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde usar; outra,
se há fundamento para decretar a invalidade de confissão, desistência, ou
transação; outra, por erro de fato.

Pode-se rescindir duas ou mais vezes. As ações contra a mesma sentença


são cumuláveis. Não há limite ao número de sentenças sucessivas
rescindíveis. Se há duas ou mais sentenças rescindentes, relativas a questões
conexas, nada obsta a que se cumulem os pedidos. Idem, se há relação de
consequência entre as duas ou mais sentenças.

Escreveu Luís Eulálio de Bueno Vidigal (Ação Rescisória dos Julgados, 17)
que a ação rescisória é a única, dentre os remédios destinados àcorreção das
sentenças, que, repelida, pode ser renovada. Absolutamente não. A
confusão ressalta. Quando, no art. 799, o Código de 1939 permitiu ação
rescisória de sentença proferida em outra ação rescisória, de modo nenhum
se aquiesceu em que se renovasse o pedido de rescisão que tenha sido
repelido. A sentença dada na ação rescisória, quer se tenha julgado
inadmissível (preliminar), quer procedente, quer improcedente (no sentido
técnico português e brasileiro, e não no sentido atécnico de outros povos), a
ação, é outra sentença, inconfundível com a sentença rescindenda. Se autor
ou réu na ação rescisória, ou outro legitimado ativo, propõe ação rescisória
contra a sentença que se proferiu na ação rescisória, não renova pedido: o
pedido, que faz, é outro pedido.

Não poderia renovar o que fez. A ação rescisória, que então se lhe permite,
é por algum dos fatos mencionados no art.

485, ou mesmo no art. 486, ocorrido na relação jurídica processual da ação


rescisória. A sentença na primeira ação rescisória foi julgamento de
julgamento; a segunda é julgamento do “julgamento de julgamento”, e não
outro julgamento do julgamento de que se pedira, antes, rescisão.
Riscou-se o art. 799 de Código de 1939. Portanto, cabe, hoje, ação
rescisória de sentença em ação rescisória, se houve: a) prevaricação,
concussão, ou corrupção, de algum juízo rescindente; b) impedimento ou
incompetência absoluta do juízo rescindente; c) dolo da parte vencedora em
detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes com fraude à lei;
d) ofensa à coisa julgada por parte da sentença na ação rescisória (em
qualquer dos iudicia, rescindente ou rescisório; e) violação de literal
enunciado de lei;fl fundamentação em prova cuja falsidade se tenha
apurado no juízo criminal, ou se apurar, na própria ação rescisória; g)
obtenção de documento, cuja existência o autor ignorava, ou de que não
pudera fazer uso, se com ele lhe seria favorável a sentença; h) fundamento
para invalidade, confissão, desistência, ou transação, em que se basear a
sentença; i) erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa (art.
485); j) infração do art. 486.183 Se o rescissorium foi separado e o juiz
desse infringe o julgado do iudicium rescindens, cabe a rescisão por ofensa
à coisa julgada. Se o rescissorium foi separado e se deu nova violação de
lei, isto é, estranha à rescisória, cabe Outra rescisória. Se o rescissorium se
procedeu em juízo incompetente ratione materiae, ou nele houve outra
razão para pressuposto de nova rescisória, é inegável o remédio.

A vedação da segunda rescisória (ação rescisória de sentença em ação


rescisória), se o fundamento era o do art. 485, V, procurava estabilizar as
relações jurídicas de direito material e firmar o respeito às decisões (cf. ia
Turma do Supremo Tribunal Federal, II de outubro de 1943, D. da 1., de 17
de dezembro, 4887; R. F., 98, 357). Mas verdade é que a infração poderia
ser diferente; e esse erro ex novo mereceria ser tratado com a regra jurídica
adequada. E foi.

Não há hoje limitação.

Art. 487. Tem legitimidade’) para propor a ação:

1 quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou


singular; II o terceiro juridicamente interessado3);

Iii o Ministério Público2):


a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção;
b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim defraudar a lei.

1. Legitimação ativa e partes Tem legitimidade a parte, que tenha sido o


autor, ou o réu, ou o reconvinte, ou o reconvindo, ou o litisconsorte ou
assistente equiparado a litisconsorte (art. 54), ou quem substituiu a parte
(artigos 41-43), o assistente na espécie do art. 52, parágrafo único, ou do
art. 55, em que se diz que, trânsita em julgado a sentença, na causa em que
interveio o assistente, ele não pode, em processo posterior, discutir a justiça
183 Acrescente-se o caso do parágrafo único do ~ 40 da Medida Provisória
n0 1.577-4, de 2.10.97 (vd. o comentário n0 22 ao art. 485). da decisão,
salvo se, pelo estado em que recebera o processo, ou pelas declarações e
atos do assistido, fora impedido de pedir provas suscetíveis de influir na
sentença, ou desconhecia a existência de alegações ou de provas, de que o
assistido, por dolo ou culpa, não se valeu. Ternos, pois, que lhe assiste
invocar o art. 485 ou o art.

486, para ação rescisória.

Além das partes, são legitimados ou seus sucessores, quer universais, quer
singulares, quer por ato entre vivos ou a causa de morte. art. 352, II, fala-se
da ação rescisória, se houve erro, dolo ou coação no ato de confissão, e o
parágrafo único, atendendo ao interesse pessoal na ação de anulação ou de
rescisão da sentença em que a confissão põe o único fundamento, estatuiu
que, seja iniciada a ação de anulação (art. 352, 1), ou de rescisão (art. 352,
II), pela parte, passa, com a morte, aos sucessores. Se não iniciada pela
parte que morreu, extinguiram-se as duas ações.

Quanto ao Ministério Público, pode ele ter sido parte no processo, como
pode ter recorrido, quando em simples função de fiscal da lei (art. 499, §
20). O art. 487 apenas se refere a outros casos de legitimação ativa: tinha de
ser ouvido, e não foi (arts. 82, 1-111, 84 e 246); houve colusão das partes,
com o fim de fraude à lei. Aliás, sempre que se deixa de ouvir e sempre que
se frauda à lei, há violação de regra jurídica.
No caso de oposição de terceiro (arts. 56-61), a despeito de serem as causas
julgadas na mesma sentença (art. 59), há dois conteúdos sentenciais, de
modo que a ação rescisória que o opoente há de propor é da parte da
sentença em que se julgou a oposição. Idem, se ojuiz não tem de julgar ação
a oposição na mesma sentença (art. 60, 1ª

parte). Em se tratando de nomeação à autoria (arts. 62-69), se o autor aceita


a nomeação à autoria e o nomeado reconhece a qualidade que lhe é
atribuida, é contra ele que corre o processo (art. 66, lã parte), e ele é que é o
réu. Na denunciação à lide, com a litisdenunciação, feita pelo autor, o
litisdenunciado que comparece assume a posição de litisconsorte do
denunciante e pode mesmo fazer aditamentos à petição inicial (art. 74);
feita pelo réu, se o litisdenunciado aceita, ou é revel, ou comparece apenas
para negar a qualidade, que lhe foi atribuida. A sentença que julga
procedente a ação tem de julgar o direito à evicção ou às

184 Cabe assinalar que o art. 40 da Medida Provisória n0 1.577<4’


versão, de 02.10.97) não ampliou o rol dos legitimados nem dispôs sobre
legitimidade. Ela apenas aumentou para quatro anos o prazo da ação
rescisória da União, estados, Distrito Federal, autarquias e fundaçôes
instituidas pelo poder público, cometendo vistoso exagero porque, embora
notoriamente precária a representação das pessoas referidas, o prazo de
dois anos lhes chegaria para a ação rescisória, Não bastasse, seria o caso
de reformular a representação dessas pessoas, em vez de conceder-lhes um
prazo que deixa por mais tempo vulnerável a sentença transitada em
julgado.

perdas e danos, razão por que não se pode recusar ao litisdenunciado a


legitimação ativa à ação rescisória. Quando a espécie foi de chamamento ao
processo (arts. 77-80), o chamado ao processo é legitimado à ação
rescisória.

2.Ministério Público O art. 487, III, atribui a legitimação ativa do


Ministério Público à ação rescisória: a) se não foi ouvido no processo em
que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando houve colusão das partes
para fraudar a lei.
Tem-se de perguntar: i,só em tais hipóteses pode propor ação rescisória o
Ministério Público? Sempre que a causa foi proposta pelo Ministério
Público, conforme o poder e o dever que lhe dá a lei, o Ministério Público
atuou como parte, e é como parte que se há de tratar. Vamos aos exemplos:
órgão do Ministério Público, segundo a lei, pediu decretação de nulidade ou
anulação de documento; ou interveio em causa em que há interesse de
incapaz; ou em causa concernente ao estado da pessoa, ao pátrio poder,
tutela, curatela, interdição, declaração de ausência, ou disposições de última
vontade (art. 82,1-111). Nas ações de desquite, o Ministério Público apenas
fiscaliza, não litiga. Mas o art. 487, III, a), permite que o Ministério Público
proponha ação rescisória “se não foi ouvido no processo, em que era
obrigatória a intervenção”, o que faz surgir o problema de interpretação da
expressão “intervenção”: i,está no sentido do art. 82, ou no 82 e no do art.
83? Na espécie do art. 83, se obrigatória a intervenção, tinha de ser citado,
para ser ouvido; se o não foi, o art. 487, II, a), fá-lo legitimado ativo à ação
rescisória, porque houve nulidade (art. 84).

Quando ele foi parte (art. 82), pode ser proposta por outrem (art. 487, 1) a
ação rescisória, com fundamento no art.

485, III, IV, V, VI, VII ou IX.

Se o Ministério Público impugnou declarações de crédito pelo falido ou


pelo síndico, ou tinha de ser ouvido e não foi, toca-lhe a ação de
impugnação e, pois, a ação rescisória contra a sentença ou decisão (Tratado
de Direito Privado, Tomo XXIX, §§ 3.399 e 3.400). A função do órgão do
Ministério Público, nas ações dos credores retardatários, é semelhante
àquela que tem quanto aos créditos dos credores declarantes. Apenas, em
vez de serem legitimados ativos da ação incidental, são sujeitos passivos.
Sempre que faltou audiência do Ministério Público ou de sua assistência,
em ação de falência ou de concordata, há rescindibilidade.

Quanto aos testamentos, o art. 82, II, foi explícito no tocante àintervenção
do Ministério Público.
3.Terceiro juridicamente interessado Qualquer terceiro que se inclua no que
se estabelece no art. 42, § 20 (na espécie do art. 42, § jO, se fez parte, em
substituição), ou no art. 43, § 30 (isto é, mesmo se não foi 0

pedido o ingresso, ou se não assistiu, como adquirente ou cessionário),


élegitimado à ação rescisória. Se a pessoa tinha de figurar como
litisconsorte e não foi citada, ou não foi intimada da sentença, é legitimado
ativo à ação rescisória. Se o litisconsórcio era necessáriô unitário (art. 47), a
sentença não tem eficácia contra ele: há a ação declarativa de ineficácia’ de
sentença contra ele (cf. art. 49). Se foi pedida assistência e não ocorreu
tomar-se litisconsorte o assistente, pode ele pedir a rescisão da sentença
com invocação dos arts. 55 e 487, II (cp. art. 50: “o terceiro que tiver
interesse jurídico”). O opoente, esse, é parte na ação que propõe. Nas
espécies de nomeação à autoria, pode aquele que tinha de ser nomeado à
autoria propor ação rescisória da sentença, em cujo processo não figurou e
nomeado não fora, ou o fora e o autor recusara a nomeação, ou esse foi
atendido pelo juiz na recusa (cf. arts. 62-68). Os fatos mencionados no art.
69 não são óbice àpropositura da ação rescisória. O terceiro, em caso de
litisdenunciação, que foi ofendido com a decisão que se prevê no art. 76, é
legitimado à ação rescisória.

Art. 488. A petição inicial 1)2)6) será elaborada com observância dos
requisitos essenciais do art. 282, devendo o auto?) ~):

1 cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da


causa4) 8) 9); II depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o
valor da causas), a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de
votos, declarada inadmissível, ou improcedente.

Parágrafo unico. Não se aplica o disposto no n011 à União, ao Estado, ao


Município e ao Ministério Público’0).

1. Regras jurídicas do art. 282 Analisando-se, a respeito da ação rescisória,


o art. 488, tem-se: a) que a petição há de indicar, precisamente, qual o
tribunal ou juiz a que se dirige, com o pedido de rescisão da sentença; b)
que se há de dizer nome e prenome, residência ou domicílio, profissão e
estado civil do autor e do réu, ou dos autores e dos réus; c) que se hão de
narrar os fatos que se consideram causa de rescindibilidade e de expor os
fundamentos jurídicos para se entender rescindível a sentença, com clareza
e precisão, de modo que possa o réu ou possam os réus apresentar defesa; d)
que se há de fazer o pedido de rescisão, com as suas especificações (e. g.,
toda a sentença, ou somente a partir do julgamento do mérito, ou somente
no tocante a ter acolhido ou não ter acolhido exceção, ou quanto à carga de
eficácia a, b, ou c); e) que se hão de apontar os meios de prova
concementes às alegações do autor, conforme as regras jurídicas sobre ônus
da prova; f) que se hajam de citar os réus, ou o réu, segundo as indicações
feitas; g) que se dê valor à causa. O art. 282 tanto incide na ação rescisória
de sentença quanto nas outras ações. Porém há mais requisitos da petição
inicial: h) ter-se cumulado ao pedido de rescisão o de novo julgamento da
causa (pode-se pedir apenas a rescisão do julgado, ou, se é o caso,’85 tem-
se de fazer a cumulação, cf. art. 488, 1); i) tem o autor ou têm os autores de
depositar cinco por cento sobre o valor da causa, a tftulo de multa, se for
julgada inadmissível ou improcedente a ação rescisória (art. 488, II).

2. Petição inicial O art. 488 exige à petição inicial da ação rescisória a


observância das regras jurídicas do artigo 282, que cogita dos requisitos da
petíçao inicial: a) a indicação do juiz ou tribunal, a que é dirigida, assunto
que supõe conhecerem-se os arts. 49 1-493, sem se afastar a legislação de
organização federal ou estadual que venha admitir a competência do juiz
cuja sentença transitou em julgado; b) os nomes, prenomes, estado civil,
profissão, domicílio e residência do autor e do réu, que podem ser
sucessores daqueles que foram autor e réu na ação em que foi proferida a
sentença rescindenda; c) o fato e os fundamentos jurídicos do pedido, que
somente podem ser os que os arts. 485 e 486

apontam; d) o pedido, com as suas especificações, isto é, com a referência


suficiente ao todo ou à parte ou às partes da sentença, de que se pede a
rescisão; e) o valor da causa, que não pode ser tido como maior do que o da
sentença rescindenda, com a correção monetária, e se, com a sentença
favorável, não é possível a volta aos status quo tem de haver a indenização
do bem ou dos bens ao tempo em que teria de ser ou teriam de ser
restituidos, mais, mesmo se há a restituição, o que corresponda ao valor do
uso e da fruição; f~ as provas com que o autor pretenda mostrar a verdade
dos fatos alegados; g) o requerimento para a citação do réu ou dos réus, que
há de ser pedida e deferida dentro do prazo preclusivo. Se há mais de um
pedido de rescisão (e. g., duas sentenças, ou pontos diferentes da mesma
sentença), pode o autor cumulá-los. Se o pedido é de rescisão, implica novo
julgamento da causa, e deve o autor cumulá-los, se éo caso (art. 488,1). O
art. 488,11 exige que o autor deposite a importância de cinco por cento do
valor da causa, a título de eventual multa, isto é, caso a ação seja, por
unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente. Não incide
esta regra jurídica se autora é a União, ou se autor é

185 Nem sempre é o casa de fazer-se a cumulaç5o. veja-se, para lembrar


repetido exemplo, o caso da aç5o rescisória cujo autor, fundado no inciso V
do art. 485, pede a desconstituição da parte excrescente da sentença, que
deu mais do que o pedido (violação literal dos arts. 20. 128, 459 e 460 do
CPC).

Estado-membro, Município ou o Ministério Público (art. 488, parágrafo


único). Quanto ao Ministério Público, entenda-se, a exclusão somente
concerne às espécies em que ele é parte.

3.Propositura da ação rescisória A petição inicial deve ser instruída com a


certidão da sentença rescindenda (Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 10 de dezembro de 1947, R. dos T., 172, 336). As
regras jurídicas dos arts. 282 e 488 têm de ser observadas.

Também aqui rege o princípio Jura novit curia. O juiz ou tribunal que há de
conhecer e julgar a ação rescisória precisa que se lhe narrem os fatos e se
lhe exponham, com clareza e precisão, os fundamentos do pedido de
rescisão. Quanto aos textos e aos próprios princípios gerais e regras
jurídicas não escritas, tem ele de conhecê-los, e não se escusa de julgar,
nem pode considerar inepto ou deficiente o pedido somente porque não
foram apontados os artigos de lei.

4. Ação rescisória e remédio jurídico processual A ação rescisória é


remédio jurídico processual autônomo. Não é recurso. O que processual-
mente se passa com os remédios ordinários, dele é suscetível o rescisório,
remédio como os outros. Errar-se-ia, se outras afirmações fossem feitas,
fundadas na natureza sui generis do juízo rescindente.
Processualmente, ainda em matéria de efeitos da citação e de competência
tal natureza sui generis não existe.

O processo da ação rescisória é suscetível dos incidentes processuais a que


estão sujeitos os outros processos.’86

Particularmente as exceções são as mesmas. Não se tratando daqueles


documentos, cuja juntada imediata a lei exige, nem dos que, por texto legal,
não possam ser juntos posteriormente, os juizes do iudiciu,n rescindens
podem converter o julgamento em diligência para que se juntem e se
examinem documentos referidos durante o processo em exame (28

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de novembro de


1932). Por outro lado, é preciso ver-se de que momento processual parte o
procedimento atingido pela rescisão. Conforme já temos dito, no ataque à
sentença, a pretensão à rescisão pode só ter por fito destruir a sentença, ou
ir, em sua investida, até outro momento da relação jurídica processual em
que a sentença se proferiu. Por vezes a desconstitui desde a citação, o que
desfaz toda a angularização da relação jurídica processual. Outras vezes, a
sentença é rescindível porque a prova foi falsa, ou por outra causa de
rescindibilidade ocorrida após a citação e outros atos processuais
inatingidos.

186 Sobre a ação cautelar na rescisória, vd. o comentário n0 2 ao art. 489.

Nenhuma particularidade processual, dissemos, tem a reconvenção na ação


rescisória. O réu alegará qualquer dos pressupostos objetivos para ela ou
um dos casos, pois que são separáveis, do mesmo pressuposto. A
reconvenção é, aí, outra ação (Seção Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, 15 de outubro de 1947, R. dos T., 171, 332).

5. Valor da ação rescisória O valor de uma ação rescisória não pode ser
considerado maior do que o da sentença rescindenda. Para o ingresso no
juízo da rescisão (rescindens e rescissorium), não é preciso haver pago as
custas da sentença rescindida (Câmaras Civeis Reunidas da Corte de
Apelação do Distrito Federal, 24 de janeiro de 1907). Nem, sequer, ter-lhe
suportado a execução. Já há medida que previne a importuna propositura
(art. 488,11). O assunto já foi objeto da nota 2), a propósito da petição
inicial.

6.Coisa julgada sobre rescisão Também contra a ação rescisória se pode


opor já se haver julgado a matéria, isto é, a rescisão da mesma sentença,
com os mesmos pressupostos (J. T. B. Linde, Handbuch, II, 734, 737). Éo
campo normal da exceptio rei iudicatae. Nada obsta, porém, a que se
proponham diferentes ações, cada uma com o seu pressuposto, ou com
alguns dos pressupostos (A. W. Heffter, System, 2~ ed., 567). Não são
necessariamente ligados entre si.

Se a sentença rescindenda, ao ver das partes, ou de alguma delas, infringiu


ou versou algum ponto de que caberia recurso extraordinário e não foi
interposto o recurso extraordinário, i,não pode ser utilizado depois, pelo
mesmo fundamento, por ocasião da ação rescisória? Entendeu o Supremo
Tribunal Federal (19 de abril e 30 de agosto de 1929) que seria dar nova
oportunidade a recurso cujo prazo precluiu. Sem razão, porque se trata de
outro julgamento, tanto mais quanto ainda se está a discutir. As exceções
processuais podem ser opostas. O recurso na outra ação pode ser
reexercido.

Ainda assim, cumpre verificar se a matéria de que se poderia ter interposto


o recurso continua, ou não, julgada, com preclusão, a despeito da rescisão
parcial da sentença; ou se, diante da sentença que se proferira e agora se
rescinde, o autor da ação rescisória ainda tem interesse. Se a matéria do
recurso extraordinário não é a mesma, ou se, só após a rescisão, seria útil ao
autor da ação rescisória interpor o recurso extraordinário, não se podem
invocar os acórdãos de 19 de abril e 30 de agosto de 1929.

Se a rescisão apanha a sentença, com base no art. 485,1 e II, a matéria toda
é atingida. Também vai ao passado se só apanha fase anterior do processo.

7.Transação, desistência e compromisso na ação rescisória As partes que


tiveram sentença passada em julgado, contra a qual uma delas se ache com
ação para a rescindir, podem transigir, desistir, ou comprometer-se. Cf. arts.
267, VII e VIII, e 269, III.

(a) Quanto à transação, há dois problemas: o da rescindibilidade da


sentença homologatória de transação e o da transação na ação rescisória.
Quanto ao primeiro, não há discutir-se. A lei mesma previu a transação
como extintiva da relação jurídica processual. A transação pode ser feita
antes, durante ou depois da execução. Feita por termo nos autos,
homologada pelo juiz, é possível ser rescindida a sentença homologatória,
cumulada com a de rescisão da transação, que é ato jurídico de direito
privado (art. 486). Feita fora dos autos, sem homologação, produz o efeito
de negócio jurídico, mas só se anula por dolo, violência, ou erro essencial,
quanto à pessoa ou coisa controversa: o prazo é o da prescrição do ato
jurídico de direito privado. A ação rescisória, se houve homologação, é a do
art. 486. Salvo se conceme à homologação em sí.

Resta saber-se se pode haver transação sobre a rescisão da sentença.

O problema merece maior exame.

A transação é negócio jurídico; não há sentença de transação; há sentença


que homologa a transação, para que se extinga a relação jurídica processual.
Todavia, o negócio jurídico conceme ao que compunha a res in iudicium
deducta; donde a repercussão sobre essa. Há ato de disposição sobre o
objeto litigioso, mas a decisão não é, propriamente, sobre o mérito, ponto
que no art. 269, III, se fale de mérito; a litispendência termina sem decisão
judicial (Adolf Schõnke, Lehrbuch, 73 ed., 20.8: “ohne gerichtlichen
Spruch”).

Pode ser entre as partes, o que é regra, mas nada obsta a que se celebre
entre a parte ou as partes e terceiro, que pudesse ser prejudicado pela
sentença.

Em qualquer caso, há eficácia de coisa julgada material da transação e há a


exceção de transação, similar à exceção de coisa julgada, conceito em que
se fundou a l~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 2 de dezembro de
1946 (R. F., 109, 377), e foi repetido, em tom de doutrina, pela 2~ Turma, a
5 de setembro de 1947 (117, 145). A exceptio transactionis era à
semelhança da exceprio dou, da exceptio metus, ou da exceptio iusiurandi,
porque o direito civil não levava em conta essas situações e o direito
pretório teve de atender a elas, que deixavam intacto o dare oportere
(diferentemente, se o réu alegava pagamento, isto é, se se defendia). A
exceptio rei iudicatae prendia-se à consumpção do direito de demandar,
onde tal consumpção não se c~esse e precisasse o Pretor de estabelecer
cláusula expressa, para cada caso concreto, proibindo que se volvesse a
processar e julgar o que uma vez, no procedimento formular, se houvesse
levado a iudicium (Gaio, IV, §§ 106 e 107). No iudicium legitimunt, tinha-se
de entender que a lei impunha aoPretor o dever da inserção (exceptio
civilis!); se se agia imperio continenti iudicio, tinha o Pretor arbítrio
(Moritz Wlassak, ZLIr Geschichte der Cognitur, 67; Romische
Prozessgesetze, II, 356). Veja-se Tratado de Direito Privado, XXV, § 3.043,
3.

Se o autor volve a demandar sobre aquilo que foi objeto de transação, o reu
tem de defender-se com os termos do negócio jurídico transacion ai; não há
exceptio pode haver objeção. Não há diferença entre a eficácia da transação
extrajudicial, homologada, e a eficácia da transação judicial, no tocante à
res deducta in iudicium.

Quando se indaga quanto ao que foi regulado em transação, não é na


sentença, simples homologação, que se há de pesquisar, mas sim no negócio
jurídico transacional, de modo que afirmativas como a da 7a Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 17 de dezembro de 1946 (O D.,
50, 310) revelam que se não entendeu o direito vigente.

Pode haver transação sobre a res in iudicium deducta da ação em que se


proferiu a sentença rescindente (transação sobre o que seria objeto do juízo
rescisório). Note-se que se salta por sobre o juízo rescindens.

Outra coisa seria a rescisão da sentença, por meio de transação. A transação


é sobre o que a sentença pode vir ajulgar, ou sobre o que a sentença julgou;
não sobre a sentença mesma.
Não há transação em que se admita rescisão total, ou rescisão parcial da
sentença. O que se concede é por fora, e pós-sentença rescindenda, contra
não-rescisão.

(b) Quanto ao compromisso, velha doutrina entendia que não podem as


[artes louvar-se em árbitros para o iudicium rescindens (Manuel de Almeida
e Sousa, Tratado prático compendiário de rodas as Ações Sumárias, 100;
Dias Ferreira, Comentário ao Código Civil Português, 1, 240). Estava certa.

A ação rescisória dirige-se contra o julgado, que foi prestação jurisdicional


do Estado. Só o Estado pode examinar, por seus juizes, o ato dos juizes.
Seria chocante que o juízo arbitral decretasse a nulidade, a anulação ou a
rescisão das sentenças.

Aliter, para o rescisório, se separados.

(c) O autor pode desistir da ação rescisória, como de qualquer outra ação
(art. 267, VIII). A pretensão à rescisória por motivo do art. 485, VI, só é
irrenunciável quando o for o objeto da própria ação em que se proferiu a
sentença rescindenda.

É efeito da desistência da instância o de restabelecer o status quo anterior à


citação, desconstituindo a relação jurídica processual. Alguns

efeitos são ex tunc. A citação não preveniu a competência, nem produziu


litispendência, mas interrompeu prescrição, ou constituiu em mora. E,
contudo, possível que, durante a lide de que se desistiu, se haja dado a
prescrição da ação ou outro fato extintivo da ação, ou a constituição da
mora do credor-autor, ou do devedor-autor. Os efeitos da homologação da
transação são os do negócio transacional, salvo para os efeitos da resolução
da questão judicial, na parte declarativa, entre as partes. Não os da
desistência.

A eficácia da desistência, depois de trânsita em julgado a sentença, éa de


fazer cessar a relação jurídica processual.
Não há mais litispendência. As sentenças que foram proferidas e não
transitaram em julgado perdem toda eficácia (Alfred Bosch,
Klageríicknahme nach Urteilserlass, 1 s.). Também perde eficácia a
litisdenunciação. (A sentença homologatória da desistência é rescindível
conforme o art. 486.)

A reconvenção não é atingida pela desistência da ação; nem a desistência da


reconvenção atinge a ação.

Ao demandante tocam as custas do processo e as da desistência, salvo se


sobre custas já havia alguma decisão trânsita em julgado. Se o desistente
não paga as custas, pode a parte contrária provocar decisão sobre elas, no
mesmo processo, de jeito que, quanto a custas, a relação jurídica processual
continua. Não há forma especial para essa condenação, nem se precisa de
audiência: há cálculo e há julgamento, se é preciso, in casu, o cálculo.

Se o autor volve a propor a ação, o demandado pode exigir que antes pague
as custas anteriores, de modo que há, aí, exceção dilatória, a que pode
corresponder, da parte do autor, exceção de dolo, se o réu renunciara ao
ressarcimento das custas do processo anterior, ou levara, por dolo, o autor a
desistir da demanda.

A desistência, homologada por sentença trânsita em julgado (coisa julgada


formal), também pode ser atacada pela ação do art. 486, com fundamento
em princípio de direito material, porque a desistência é negócio jurídico.
Antes do trânsito em julgado, se a parte alega, no recurso, ter havido vício
de vontade, o tribunal tem de apreciar a espécie (sem razão, a ~a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 22 de abril de 1947, O
D., 45, 361).

Se a causa está no ato judicial como tal, pode ser invocado o art. 485, 1, II,
e IV.

8.Relação jurídica processual oriunda da propositura de ação rescisória de


sentença e entrega da prestação jurisdicional (a) A relação jurídica
processual, que se estabelece com o ato daquele que veio a juízo pedir a
rescisão de uma sentença, extingue-se, normalmente, com a entrega da
prestação jurisdicional. Tal prestação, que é o julgamento, ou consiste na
afirmação de não-conhecimento, como se incompetente o juízo perante o
qual se propôs o remédio, ou outra razão, ou na de ser carecedor de ação o
autor, ou na de procedência ou improcedência do pedido.

O modo normal de extinguir-se a relação jurídica processual é a sentença.


Há outros modos de extinção: a homologação da transação, a desistência e
outras causas de extinção do processo.

Se há transação sobre o que seria o juízo rescisório, a repercussão é no que


foi julgado pela sentença rescindenda; não sobre a sentença mesma. Não há
transação para rescindir. Quem pediu a rescisão da sentença ou foi
demandado em ação rescisória pode ir até o fim e obter o trânsito em
julgado, ou sofrê-lo, ou desistir, ou deixar de recorrer e assistir ao decurso
do prazo, sobrevindo a res judicata. Não pode transigir sobre a rescisão em
si.

No terreno do direito material, a ação rescisória pode extinguir-se, sem que


a relação jurídica processual se extinga: transação ou renúncia de direito
material; lei nova, que extinga as ações rescisórias na espécie.

A eficácia da sentença em que se julgou, na preliminar, não se conhecer do


pedido, é a de todas as sentenças de tal natureza e dependem dos
fundamentos da decisão. Se por incompetência o autor ficou livre para a
propositura noutro juízo.’5~ Se por não haver sentença rescindível (e. g.,
por se não tratar de decisão com força de coisa julgada), o não-
conhecimento firma, definitivamente, esse ponto. Se foi julgado que o autor
é terceiro, estranho à lide cuja sentença se queria rescindir, a eficácia da
decisão no iudiciu,n rescindens limita-se a esse juízo. Na execução da
sentença rescindenda, poderá opor os seus embargos. A sentença nos
embargos, quando passar em julgado, será suscetível de exame em juízo
rescindente e rescisório.

O julgamento da improcedência, se a ação foi proposta por um dos


pressupostos, ou por certo caso de um deles, não impede outra ação
rescisória por outro pressuposto, ou por outro caso do ínesmo pressuposto.
Aquele que tem interesse jurídico contra uma sentença passada em julgado
não possui somente wna ação rescisória, mas tantas ações rescisórias
quantos os fundamentos de que dispõe. Propõe A a ação, por lhe parecer
que houve violação de determinada regra jurídica. Perde. Não fica A inibido
de volver a juízo, por não o terem atendido quanto a outra regra jurídica
invocada.

A sentença em ação rescisória, que fora fundada em prevaricação,


concussão, corrupção, ou falsidade da prova, não impede novo exame que

187 Não há extinção do processo por incompetência do juízo, salvo se a


autoridade judiciária brasileira não for competente. Reconhecida a
incompetência do órgão jurisdicional perante o qual se ajuizou a ação
rescisória, leva-se o feito ao tribunal competente.

se baseie em alegações novas, distintas, com provas autonomas, inclusive


com fundamento no art. 485, VII (documento novo). Pleiteou A a rescisão
de uma sentença, por ser falso um dos documentos em que se fundou.

Perdeu. Não se lhe veda articular a falsidade de outro. Aliás, se novos


elementos surgem que provem, por si, a falsidade do mesmo documento,
éoutra ação, e deve ser examinada. A falsidade não é in abstracto; o mesmo
documento é suscetível de diferentes acusações de falso, só uma das quais
ou algumas sejam verdadeiras. Dentro do biênio, as ações separáveis,
distintas, podem ser usadas, na ordem em que se entenda.

Se tem bom êxito o remédio jurídico rescindente, a prestação jurisdicional,


que fora entregue, é retomada pela Justiça.

O que decorreu da sentença rescindida desfaz-se ex tunc. Se por nulidade


antenor a ela, desde tal ato se rompe todo o laço jurídico processual que ela
parecia confirmar. Não se fale em retroatividade da sentença da rescisória,
porque a terminologia seria imprópria: a sentença corta, rescinde, dilui,
destroca a outra não se opõe à outra, indo até ela.

Desfeita, tudo que entre uma e outra aconteceu desapareceu ou


juridicamente deve desaparecer. Mas, se a rescisão não importa em mais do
que na situação antes da lide, sem que se decída a pendência, só o rescisório
poderá resolver quanto às situações das partes. O fato de se ter ganho no
juízo rescindente nem sempre corta cerce a questão.

Dificilmente a cortará. A decisão que rescinde, por violação do direito in


thesi, pode deixar ao juiz o novo exame da causa. A cumulação dos dois
juízos tem por fito evitar que se dê o corte sem replantio a retirada da
prestação jurisdicional, sem a entrega de outra, sobre a causa primitIva. O
julgamento da ação pelo juiz que proferira a sentença rescindida pode dar
ensejo a outra ação rescisória.

(b) Discutiu-se se o direito romano separava, ou não, os iudic ia. Gerh,


Noodt, A. Vinnius, i. O. Westenberg, Bachovius, Dompierre de Jonquiêres e
Sinner pugnavam pela repulsa à distinção (J. A. Sinner, Dissertatio de
Actione Rescissoria, §§ 37-39). A. Vinnius levava assaz longe as suas
afirmações. O erro proveio de grande ignorância do processo romano, ex
veteris iuris ignorantia; e não seria preciso o iudiciuni rescissoríufll vel
restitutorium. Aqui, não tinha razão. Certamente, não seriam precisos os
dois libelos, as duas contestações da lide, as duas sentenças; mas implícito
existia o segundo juízo (A. Vinnius, Selectarum luris Quaestionum Libri
duos, 19:

“Alter error interpretum est, quod duplex hic intervenisse iudicium


imaginantur,rescindens et rescissorium, duplicem litis contestationem et
sentetitiam”. Cp. Crh. Fr. von Glúck, Pandecten, V, 410, 411). Leiamos a
Gaio (III, 84; IV, 58), as Institutas (§ 5, de actionibus, 4, 6), a L. 46, § 3, D.,
de procutarionibus, 3, 3, etc.

Muitos tratadistas dos séculos XVI e XVII falam de juízo rescindente como
preâmbulo, ou preparatório, do rescisório.

Alguns, mais prudentes, ou para -atenuarem a errada assimilação, corrigem


para “quoddam preambulum, et quasí praeparatorium.”. Ora, o que se dá é
que os dois se podem cumular, sem que o iudicium rescindens precise de ser
seguido daquele, ou o prepare. Basta pensar-se na sentença condenatória,
que, sendo rescindida, é suficiente para as consequências que da rescisão
espera o proponente do remédio.’88 Por outro lado, havia os que não
reputavam autônomo o iudicium rescissorium, como se tivesse de seguir
àquele. Não há dúvida que o juízo rescindente abre o caminho ao rescisório,
mas fora inexato considerar o simples remover de impedimento (J.
Schneidevin falava em via aperta est et impedimentum remotum) como fato
subordinativo do juízo rescisório ao rescindente. Em verdade há cumulação,
sendo a decisão no juízo rescindente causa prejudicial.

Os nossos tempos permitem a cumulação dos dois juízos, em princípio.


Portanto, nem é preciso que se cumulem nem se forcem os casos em que o
cumulá-los seria absurdo ou danoso para a Justiça. Se a nulidade é de
processo, e não da sentença somente, não é possível, em todos os casos,
cumular dois juízos, o rescindente e o rescisório. Porque, nulo o processo,
volta-se ao estado anterior à nulidade, ou a nenhum, se foi ab initio a sua
eiva. Só se concede cumulação das duas questões, quando o estado da
controvérsia, rescindida a sentença, processualmente o permita. Assim, se
houve incompetência ratione materine ou por hierarquia, cuja sentença se
rescinde, não pode ser cumulado o rescisório (Supremo Tribunal Federal,
26 de julho de 1929), porquanto nada se salvaria do processo desfeito. A
infração no novo julgamento, suscitando causa de rescisão, se houve baixa,
não é causa de rescisão. O julgado não é rescisório: é ex novo. Em todo
caso, atende-se ao art. 113, § 2~.

O juiz do iudicium rescindens, diante do pedido de restituição


(rescissorium), que seria absurdo, dele não conhece, para que se promova a
ação devida, no juízo competente e vulgar. Se lhe parece que melhor será
que o juiz da sentença rescindenda o aprecie, não lhe é dado dizê-lo, porque
a sua competência, ná espécie, é extraordinária e ordinária a do outro.

A sentença proferida na ação rescisória nem sempre corta todo o julgado,


rescindindo-o. Sempre que há questão prejudicial e a sentença na

188 Vd. a nora 185.

ação rescisória a deixa intacta, rescindido não foi até aí o julgado. O juiz
que tiver de julgar a ação, por terem descido os autos para o cumpra-se e o
eventual prosseguimento, apõe o cumpra-se e aguarda que se provoque a
continuação do procedimento, se o julgado rescindente o atingiu, ou apõe o
cumpra-se e ordena que se prossiga se a decisão contém atendimento tal
que importa se supor provocada a atividade do juízo rescisório.

Rescindida somente a sentença sobre a execução, subsiste a sentença na


ação. Rescindida a que se proferiu na ação, não subsiste o que se lhe seguiu.

Se, eliminado, pela alegação na ação rescisória, um dos fundamentos da


sentença, a decisão seria a mesma, não há rescindir-se ojulgado (Câmaras
Civeis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 19 de fevereiro e
29 de abril de 1948, M. F., 11,42).

(c) Não é possível darem-se à sentença na ação rescisória os mesmos efeitos


.que aos recursos. Não é recurso. Se o fosse, a prestação jurisdicional não
teria sido entregue, mas apenas apresentada. Como ação autônoma que é, o
remédio jurídico rescindente supõe que a prestação jurisdicional já foi
entregue e que se vai apenas rediscutir não mais a pretensão de direito
material, e sim a subsistência daquela entrega. G. Wurzer disse, muito bem,
que a ação rescisória só tinha de comum com a ação primitiva, que se quer
rescindir, o ser, também ela, ação como as outras. Não se pode raciocinar
com elementos do direito civil. Por uma razão muito simples: a de não
estarmos nesse terreno, e sim em pleno direito processual civil.

A força da decisão rescindente é desfazer a outra sentença e permitir o


rescissorium. O efeito do rescissorium é redar, isto é, entregar, com outro
conteúdo, no sentido próprio, ou sob outra forma (rescisão por nulidade), a
prometida prestação jurisdicional.

Há o rescisório implícito, que é o rescisório que resulta da rescisão mesma.


Há o rescindente sem rescisório. Infringiu-se a coisa julgada; rescinde-se a
sentença, que não poderia infringi-la, ainda que se não houvesse oposto
exceção de coisa julgada material. A rescisão ocorre porque se violou a
coisa julgada formal, posto que as mais das vezes haja infração da coisa
julgada material. Tal infração basta, porém não é necessária. Basta, porque,
para que haja coisajulgada material, é preciso que tenha havido coisajulgada
formal. Há o rescindente que deixa possível o rescisório, de jeito que o
juízo rescisório tem de ser provocado explicitamente.

Rescisório implícito ocorre se, ao rescindir, a própria sentença rescindente


tem eficácia rescisória, como se deixou de ser respeitada, na sentença, regra
jurídica in thesi: a sentença rescindente cinde e a sentença implícita aplica a
regra jurídica.

É sem rescisoriedade a sentença rescindente e não deixa margem, sequer, ao


rescisório, se negou a pretensão à tutela jurídica, ou a pretensão processual
(exercício daquela), ou afirmou o impedimento ou a prevaricação,
concussão ou corrupção do juiz (ab initio!) ou a sua incompetência absoluta
ou a falsidade do documento ou da prova cuja falta não pode ser suprida por
outra, ou a nulidade ab initio do processo.

Há rescisão com rescisoriedade que pode ser suscitada, ou o foi


(explicitação simultânea do pedido de juízo rescisório), como se a eiva da
rescindibilidade só estava na sentença mesma e fica para ou por ser julgado
o feito, ou se alcançou algum momento entre o pedido e a sentença e se tem
de completar o procedimento e julgar-se o feito, conforme o pedido, ou se
for promovida a continuação do processo.

Cumpre observar-se que a rescisão que cinde a sentença e vai até o inicio de
um prazo, por se ter julgado que não o perdeu o autor da ação rescisória,
reabre o prazo desde que o juiz põe o cumpra-se à decisão rescindente que
baixou, ciente a parte que tem o prazo.

Quando a sentença é constitutiva, às vezes surgem questões assaz delicadas.


Nos outros casos, não. Os mais complicados exemplos não resistem à
análise cuidadosa e à meditação costumeira dos juristas. Reivindicou A a B
o imóvel (sentença x) e vendeu a terceiro, C. D reivindica-o de C (sentença
y), com fundamento anterior à reivindicação contra B. O título poderia ser
posterior, como, por exemplo, venda de A a D. B consegue rescindir a
sentença que deu ganho de causa a A (sentença z). Qual a eficácia? M. 1.
Carvalho de Mendonça (Da Ação Rescisória, 33, 34) e Jorge Americano
(Da Ação Rescisória, 2a ed., 255) se enganaram na solução, em parte; por
não terem analisado os casos possíveis. Entedia aquele que somente resta a
C reclamar contra A perdas e danos. Ao segundo, reivindicar de D ou pedir
perdas e danos. (a) Se o título de D foi anterior ou posterior à reivindicação
por A, oriundo de fato de A, B

reivindica o imóvel contra D. (b) Se foi posterior e por fato de outrem,


portanto estranho a A, à reivindicação por D

terá B de opor-se por embargos de terceiro. (c) Se foi anterior ou posterior e


por fato de B, a sentença z, que venha rescindir a decisão x, apenas
reafirmará a sentença y, pela qual D reivindicou de C. No caso (a), a
sentença z vai livrar a A das consequências de evicção, que sofrera C (fato
em que aqueles dois juristas não prestaram atenção) e sujeitá-lo às de
evicção de D. No caso (b), nos embargos de terceiro é que se vai dirimir a
contradição das sentenças. No caso (c), a juridicidade perfeitamente se
estabelece, e A responderá a C, pela evicção, pois que, ex hypothesi, lhe
vendera o imóvel. A ação rescisória apenas rescinde a sentença x, supondo-
se, aliás, cumulados os dois iudicia, o rescindente e o rescisório. A
contradição é entre duas sentenças, a do iudiciu,n rescissorium B contra A e
a do juízo da reivindicação D contra C, portanto entre duas sentenças de
reivindicação. Se, na luta com D, B (caso b) perde os embargos de terceiro,
ou, se já foi executada a sentença y na ação de reivindicação, não cabe a
reivindicação contra D, que seria o remédio único fica sem eficácia a
sentença.

O sistema da transcrição no registro de imóveis simplifica muito tudo isso,


porque, se A constava do registro e C

adquiriu dele o imóvel e obteve transcrição, não há mais reivindicabilidade,


pois que foi adquirida a propriedade.

Ocorre o mesmo se a aquisição é em virtude de posse de boa-fé (aquisição a


non domino), como em se tratando de títulos cambiârios e cambiariformes.

(d) Questão delicada é a de se saber se a rescisão da sentença de divórcio,


nos países que o têm, deixa válido o segundo casamento. Não toca ao nosso
direito, mas pode ser substituida por outras, que lhe conservem todu
interesse: a) Se foi rescindida a sentença que anulou o casamento, ~vale o
segundo, celebrado quando aquele estava anulado, em virtude de res
iudicata? b) £,São simplesmente ilegítimos ou são adulterinos’59 os filhos
do desquitado, se foi rescindida a sentença do desquite?

Em contraposição a G. Planck e Heinrich Dernburg, que atendiam àeficácia


ex tunc da sentença rescindente, adotou Konrad Hellwig a opinião contrária:
em vez de valer o primeiro, como queriam aqueles, pugnou ele pela
validade do segundo casamento.

A polêmica já atravessou mais de setenta anos. Iniciou-a Karl Friedrichs,


em 1899. Parecia-lhe que, rescindida a sentença dissolutiva do primeiro
casamento, ficava o homem duas vezes casado. G. Planck, em 1901, já
havia considerado nulo o segundo, e veio à arena impugnar a tese de Karl
Friedrichs: sendo ex tunc a eficácia, a verdadeira situação foi restaurada
pelojulgado, uma de cujas consequências teria de ser, em virtude da
validade do primeiro casamento, a nulidade do segundo (G. Planck,
Sprechsaal, Deutsche Juristen-Zeitung, IV, 38). Faltava falar um
processualista; Konrad Hellwig (Grenzen der Ríickwirkung, Geisser
Festschríft, 51) impugnou ambas as opiniões.

Para ele, vale o segundo, e a ação de restituição (no direito brasileiro, a ação
rescisória) pode trazer à vida o primeiro casamento que foi dissolvido. As
suas razões foram as seguintes: o ato de divórcio é ato de estado,
constitutivo; opera diante de todos. A sentença rescindente tem dois
elementos: um, relativo ao pleito inter partes. a culpa, com as
consequências de ordem individual; outro, que é o ato constitutivo,

189 A Const. 88, art. 227, § 60, assegurou aos filhos. havidos ou não da
relação de casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discnminatórias relativas à filiação.
Assim, não subsiste, juridicamente, a classificação de filhos em adulterinos.

e o ato extinto não reaparece com a rescisão. Friedrich Oetker (Gultikeit der
zweiten Ehe trotz Authebung des Scheidungsurteils, Deutsche Jurisren-
Zeitung, IX, col. 1.030-1.032) respondeu a Konrad Hellwig, colocando-se,
com argumentos reforçados, ao lado de G. Plank. Nos comentários e nas
revistas, a discussão prosseguiu. Davidsohn, J.

Erler, H. O. Lehmann, O. Opet, A. B. Schimidt e outros ficaram do mesmo


lado que G. Planck. Waldecker veio engrossar-lhes a fileira: chamou
atenção para o fato, bem discutível aliás, de não ter importância para o foro
criminal a sentença de divórcio, a que se seguiu, no prazo, a rescisão; se a
primeira sentença foi constitutiva de estado, não no é menos a segunda.
Como G. Planck, também A. Engelmann, Otto Warneyer e outros (ver
nosso A Ação Rescisória, 267-270>. Do lado de Konrad Hellwig, Josef
Kohler, M. Scherer, Friedrich Endemann e G. Wurzer; na Suíça, August
Egger.

Em toda a polêmica ressaltou o pôr-se em segunda plana o direito


processual, como se ele não tivesse princípios próprios. Dentro dele é que
se tem de colocar o problema, porque é direito objetivo, como os outros
ramos do direito, e trata-se, não de direito material, mas de direito
processual: eficácia da rescisão de uma sentença, retomada e limites da
retomada da prestação jurisdicional, que se entregou. Se a questão for
levada ao plano internacional, não é a lex patriae que tem de ser consultada,
mas a lexfori. Porém não se pode negar que a rescisão da sentença de
divórcio ou de anulação restaura o que antes estava; e foi para obviar a isso
que o direito canônico estabeleceu o casamento putativo.

Osegundo casamento passa a ser atacável, mas pode ser declarado putativo.
Desconstituiu-se a eficácia da sentença constitutiva negativa; e agora há
dois casamentos, um dos quais não pode subsistir (cf. Tratado de Direito de
Família, 1, 371 s.).

(e)O que trata com o curador nomeado pelo juiz, já passada em julgado a
sentença, não pode ter rescindidos os seus atos jurídicos, perfeitos com toda
a diligência, nem se lhe poderia adivinhar a rescisória futura. Àmulher que
casou com o homem divorciado, ou ao homem que casou com a mulher
divorciada, não seria justo cortar-se, no passado, o laço matrimonial. A
rescisão da sentença que decretou a interdição do incapaz não destrói os
negócios jurídicos consumados com o curador (Konrad Hellwig, Gultigkeit
der zweiten Ehe trotz Aufhebung des Scheidungsurteils, Deutsche Juristen-
Zeitung, IX, col. 837). O dolo e outros vícios (exceto nas espécies do art.
485, III) constituem questão nitidamente à parte.

9.Cumulação de pedidos e conexão Não ação rescisória, pode cumular-se


com o pedido rescindente o pedido rescisório. Não quer isso dizer que
exista princípio a priori. Às leis é dado adotar outro critério: subordiná-los
à condição de terem o mesmo rito, como se um remédio jurídico processual
é sumário ou sumaríssimo e outro também; só os admitir separadamente;
permitir a cumulação, mas, julgado o pedido rescindente (iudicium
rescidens), remeter-se ao juiz ordinário o pedido rescisório (iudicium
rescissorium); só os admitir juntos, ou, até, subentender que foram
cumulados. Tampouco existia, no Brasil, princípio constitucional. Um podia
ser o sistema federal; e outro ou outros, os dos Estados’ federados. A regra
de lege lata, e por interpretação, é a de admitir-se a cumulação. A lei una
pôs termo a disparidades.

Todavia, a natureza das coisas impõe certos princípios de legeferenda: a) se


só a sentença é que se há de rescindir, nada obsta a que no tribunal de
superior instância se decida; b) se a rescisão alcança processo que só se fez
na instância superior, na instância superior é que se há de recompor o
processo que a rescisão atingira; c) se a rescisão também apanha a sentença
da instância inferior, que fora, por exemplo, confirmada, não é preciso que
o sistema jurídico diga permitir a supressão de instância, para que o juízo
superior rescinda a sua sentença e a outra, pois rescindindo a sua tem de
dizer o que fica no lugar da que rescindiu, proferida em grau de recurso; d)
se a rescisão vai mais fundo, isto é, para aquém da sentença de inferior
instância, rescindindo ato jurídico processual anterior a ela, não é de supor-
se que se haja atribuído ao corpo julgador superior a competência para o
procedimento a renovar-se.

Ao tempo da pluralidade de leis processuais, a lei processual de Minas


Gerais, a do Distrito Federal e outras adotavam o rito sumário para a ação
rescisória. Na Corte de Apelação do Distrito Federal, suscitou-se, certa vez,
a questão de saber-se, se, sendo ordinário o rito no iudicium rescissorium,
se podia cumular o pedido com o rescindente, e a solução foi favorável
(Corte de Apelação do Distrito Federal, 29 de dezembro de 1931: “é
jurisprudência pacífica deste Tribunal poder, na ação (rescisória), ser feito o
pedido com a cumulação, pouco importando ser a ação rescisória de rito
sumário”; 4 de outubro de 1933). Desde que se aproveitava o processo da
sentença rescindida, a sumariedade seria mais superposta que substituida à
ordinariedade.

Cumpre atender-se, ainda, a que o aproveitamento é do procedimento que


existia: o juízo rescisório trabalha com o que ficou salvo, a despeito da
rescisão da sentença. Se tivesse sido atingido procedimento anterior à
sentença rescindida, não se poderia admitir a solução que a antiga Corte de
Apelação do Distrito Federal pretendia.

No momento em que o juiz ou juizes do iudicium rescidens julgam


procedente a ação, rescindida está a sentença e restabelecida a relação
jurídica processual: quem entregará a prestação jurisdicional, uma vez que a
outra foi retirada, o direito processual respectivo responderá. Juridicamente,
o julgamento podia ser pelo tribunal do iudiciu,n rescindens, ou pelo juiz
ordinário. O problema de politica jurídica e o direito processual brasileiro
consideravam mais sábio incidir o princípio de economia processual.

Devemos entender que há pedido implícito se é só para se rescindir a


sentença, ou se foi definido só para se rescindir a sentença, porque se diz
por que se rescinde e pois o que há de ficar no lugar. Se se pede a rescisão
de ato jurídico processual praticado na superior instância, onde se propôs a
ação rescisória, rescindindo está tudo, desde esse ato jurídico processual até
a sentença, e havemos de entender, que se pediu o rescissorium, e não só o
rescindens, mesmo porque, praticamente, se não se pediu, se pode pedir.
Tudo se cifraria em localização temporal do pedido cumulado ao pedido do
rescindens, dispensando-se, com o trânsito em julgado da sentença
rescindente, ato de iniciação do rescissorium (petição nova e nova citação),
ou tendo de ser feito pedido posterior, passado em julgado a sentença
rescindente, com petição nova e nova citação.

Resta saber se podem ser cumulados pedidos estranhos ao rescissonum. A


situação não é a mesma. Aqui, a cumulação é de pedidos que se têm de se
apresentar com os pressupostos do art. 292. §~ l~ e 20. Acrescente-se que a
competência para a ação concernente ao pedido cumulado não pode ser
postergada, e. g., eliminado-se instância. Os princípios da cumulação devem
ser aplicados com prudência. Talvez já haja pedido de rescissorium
cumulado ao de rescisão da sentença. Ter-se-ão duas séries de cumulações
os pedidos cumulados ao que se fez em’ juízo rescisório. Quanto aos
primeiros, as dificuldades surgiriam se não as cortasse, cerce, o princípio de
que a ação rescisória de regra se processa e julga na mesma Justiça e no
mesmo juiz ou tribunal da sentença rescindenda e provavelmente não se
possa dar a cumulação.

Dentro da mesma competência para conhecer de duas ou mais ações


rescisórias, quer quanto ao iudicium rescindens, quer quanto ao iudicium
rescissorium respectivo, nada obsta a que uma ou mais pessoas demandem
diferentes réus e os réus sejam demandados por diferentes autores, desde
que a causa petendi na relação jurídica processual extinta tenha sido a
mesma, ou seja o mesmo o pedido da nova demanda (na espécie, remédio
rescindente). Assim, A, que teve três processos de locação, no juízo B,
contra C, perdeu-os. Pode pedir a rescisão das três sentenças, no mesmo
processo. Também A teve dez processos separadamente, contra locatários
do mesmo prédio, por força do mesmo contrato. As sentenças, ainda que
por diferentes motivos, foram-lhe desfavoráveis. Pede, por isso, a rescisão.
Pode fazê-lo no mesmo processo.

A cumulação não relativa ao processo cuja sentença se quer rescindir menos


facilmente se dá. Perdeu A o processo contra B, que o movera com assento
em çontrato de locação. Perdeu, e quer propor a rescisória. Tem, todavia,
outra ação de perdas e danos, ligada ao mesmo contrato, que não fora
proposta. 4~,Pode cumular ao pedido, que faz, de rescisão da sentença, o de
rescisória, tocante ao processo cuja decisão espera seja rescindida, e todos
aqueles que poderiam cumular ao juízo rescisório? Aqui, cumpre verificar-
se se o rito de tais processos novos cabe no rito da rescisória; porque, se e
certo que o rescissonium de processo ordinário pode ser cumulado ao
rescindens especial, no foro que lhe confere especialidade, não se pode
pretender o mesmo em relação a causas cumuláveis à ação que foi proposta
e decidida. A respeito dessas não há o argumento, que foi decisivo quanto
àquela, de ter sido processada ordinariamente.

Pode haver conexidade das ações pela identidade das partes e da causa de
pedir (art. l04).’~> Cabe falar-se de conexão dos pedidos rescindentes,
quando, por exemplo, duas ações rescisórias são de tal modo ligadas que o
julgamento de uma importa no julgar a outra, ou quando, embora diferentes
as pessoas, como nas rescisórias de duas sentenças que reputaram
inexistente uma enfiteuse, o julgamento de uma prejulgaria o da outra (cf.

art. 103).

A conexão também pode existir entre os pedidos de iudicium rescissorium


ou entre o pedido de tal juízo e ação em vulgar andamento.

Cumpre, portanto, distinguirem-se:

a) A cumulação em profundidade: ação rescisória (iudicium rescidens) +


rejulgamento do que foi rescindido (iudicium rescissorium). É a cumulação
do rescisório ao rescindente.

b) A cumulação horizontal, por sobre julgados: ação rescisória da decisão a


+ ação rescisória da decisão b. E a cumulação de duas ou mais ações
rescisórias, isto é, cumulação de rescindente ao rescindente.

c) A cumulação em profundidade e horizontal por baixo dos julgados (= no


espaço esvaziado pela rescisão): ação rescisória + ação em iudiciuni
rescissorium (+ ação conexa ou consequente à ação em iudicium
rescissonum). É a cumulação de rescisório a rescindente, seguida de
cumulação de ação ao rescisório.

d) A cumulação em profundidade e horizontal por sobre e por baixo dos


julgados: ação rescisória + ação rescisória +

ação em iudiciui,n rescissorium + ação em iudicium rescissorium. E a


cumulação das rescisões de duas ou mais sentenças, com o pedido de
processo e julgamento ou só julgamento em iudicium rescissorium.
As espécies são inconfundíveis.

190

referencia

deveria ter sido feita ao art. 103.

10.Depósito; União, Estado-membro, Município ou Ministério Público A


lei afasta o dever de depósito se estatal o autor, ou o Ministério Público.

O depósito de importância que corresponde a cinco por cento do valor

da causa é exigido a qualquer autor da ação rescisória, salvo se é a União,


Estado-membro ou Município. Se o autor perde a ação, a quantia do
depósito passa ao réu, a título de multa, se o julgamento foi unânime, quer
se trate de inadmissibilidade da ação, quer de improcedência. Salvo se a
pessoa que propõe a ação tem beneficio da justiça gratuita (cf. Lei n. 1.060,
de 6 de fevereiro de 1950, art. 30, a que se há de juntar a espécie do art.
488, II, do Código de Processo Civil), o depósito há de ser feito antes de se
levar a despacho a petição. Se não foi feito, tem o juiz de indeferir a petição
inicial (art. 490, II). Todavia, pode o autor, em vez de requerer, antes da
apresentação da petição inicial, o depósito, na petição requerê-lo e então se
há de entender que o juiz determina a expedição da guia de depósito, e
aguarda, durante cinco dias, a entrega, com a respectiva prova, e o
momento para despachar a petição inicial.

Art. 489. A ação rescisória não suspende a execução da sentença


rescindenda’)2).

1. Eficácia da propositura da ação rescisória (a) A ação rescisória não tem


efeito suspensivo, não suspende, por exemplo, a execução. Nem qualquer
outro efeito imediato ou mediato da sentença rescindenda. No art. 489 fala-
se de não se suspender a execução da sentença rescindenda. Entenda-se:
execução em sentido lato e em sentido estrito.
Portanto, não suspende o mandado, que seja efeito imediato (4) da sentença.
Nem mesmo a mandamentalidade mediata (3). Pode dizer-se: as apelações,
de regra, devolvem e suspendem (art. 520); o recurso extraordinário (art.

497)191 devolve, mas não suspende; a ação rescisória nem devolve nem
suspende.

Ação rescisória não é recurso, nem é reexame do que foi apreciado pela
sentença rescindenda é ação contra a sentença, para a abrir e lhe mostrar o
erro ou o defeito grave, segundo a enumeração taxativa da lei. Rescindir a
sentença é julgá-la. A propósito do julgamento da ação rescisória, não há
regra jurídica que corresponda, o que seria absurdo, à do art. 520, que
somente se formula para as apelações.

191 A redação do art. 497 foi alterada pelo art. 42 da Lei n. 8.038, de
28.05.90, que nele incluiu o recurso especial, que. tanto quanto
o.extraordinário, só produz o efeito devolutivo (art. 542, * 20, com a
redação do art. 20da Lei n0 8.950, de l3.12.J-994).

O Decreto-lei n0 1.030, de 21 de outubro de 1969, acrescentou ao art. 822


do Código de 1939 o seguinte parágrafo único: “Se proposta ação
rescisória, ficará sobrestada, em relação à União, Estados, Municípios e
Distrito Federal, a execução da sentença rescindenda referente ao domínio
ou posse de imóveis, ou a reclassificação, equiparação ou promoção de
servidor público civil ou militar, desde que a parte autora for uma das
entidades”. De iure condendo, desacertadissimo atribuir-se eficácia superior
à propositura de ação rescisória. Tratava-se de simples aditamento ao
Código de 1939, de modo que não mais persiste com a vigência do Código
de 1973, com o art. 489.192

Se foi proposta a ação rescisória ejá tinha sido iniciada a execução da ação
rescindenda, ou se iniciou pendente a ação rescisória, nada pode obstar à
continuação até que advenha sentença favorável ao autor da ação rescisória
e transite em julgado. Se há o trânsito em julgado da sentença de rescisão, a
execução fica desfeita, como desfeita cindida a sentença que deu ensejo à
ação executiva de sentença. Idem, se a execução foi de título extrajudicial,
ou se a sentença foi predominantemente executiva, ou com 4 de
executividade. Não se trata de execução provisória (arts. 587 e 588, 1), mas
havemos de atender a que houve danos, ou pode ser que os tenha havido, e
não seria justificável que se reputassem irreparáveis tais danos causados ao
réu pelo autor da ação.

(b) A citação, na ação rescisória, produz litispendência. Seria absurdo que,


pendendo já uma lide de iudiciu,n rescindens, se permitisse outra. A ação
rescisória, que é um dos remédios jurídicos contra a multiplicidade de
decisões sobre a mesma coisa, com o mesmo objeto e entre as mesmas
pessoas, não poderia acoroçoar a multiplicidade de lides de que resultaria a
de decisões. As duas exceções, a de litispendência e a coisa julgada, são
perfeitamente cabíveis quanto ao juízo rescindente. Evitam que se dê ou
que prevaleça a variedade de julgados.

A respeito de litispendência, como de coisa julgada, é preciso atender-se a


que: a) A citação na rescisória por prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz que proferiu a sentença rescindida, ou de um dos juizes, não induz
litispendência a respeito de outra ação rescisória por prevaricação,
concussão ou corrupção, se o alegado é diferente, ou se refere a outro juiz.

b) A citação, na ação rescisória por prevaricação, concussão ou corrupção


do juiz que proferiu a sentença rescindenda, não gera exceção de
litispendência contra outra ação por impedimento, ou incompetência ratione
materiae ou por hierarquia do mesmo juiz.

c)A citação, na ação rescisória por impedimento, não gera exceção de


litispendência contra outra ação rescisória em que o impedimento apontado
é outro; ou em que se alega prevaricação, concussão ou corrupção, ou
incompetência ratione materiae ou por hierarquia.

d)A citação na ação rescisória por incompetência ratione materiae ou por


hierarquia não gera exceção de litispendência quanto a outra rescisória em
que se invoque outro fundamento para a incompetência ratione nlateriae ou
por hierarquia, ou por prevaricação, concussão ou corrupção, ou
impedimento.
e)A citação, na ação rescisória por ofensa à coisa julgada, somente gera
exceção de litispendência quanto a outra ação rescisória em que o ponto
julgado que se diz ofendido seja o mesmo.

1)A citação, na ação rescisória por violação do direito em tese, somente


gera exceção de litispendência se o ponto de direito que se aponta é o
mesmo.

g)A citação, na ação rescisória por falsidade, apurada no juízo criminal, não
gera exceção de litispendência contra a ação rescisória em que se pede que
se apure, na própria ação rescisória, a falsidade; e vice-versa. Nem se o
falso ou a falsificação, que se argúi, é diferente.

(c)Devem ser citados para a ação rescisória todos aqueles a quem tocou a
eficácia da sentença rescindenda, por terem sido litisconsortes ou
intervenientes equiparados a litisconsortes. Os litisconsortes necessários
supervenientes têm de ser citados e os arts. 46-49 e 52-55 são aplicáveis.

Também se pode dar que, ao tempo da sentença, não fosse interessada


pessoa que depois se tornaria, como se o réu não era casado ao tempo em
que foi proferida a sentença favorável. A citação é indispensável. Não é a
superveniência do casamento o único fato que estabelece a necessidade da
litisconsorciação. Se C e D adquiriram de A o bem, a propósito do qual A
obtívera sentença favorável, a ação de B contra A há de ser dirigida contra
A, C e D, se a sentença na ação rescisória pode alcançar a esses. Se são
omitidos, nenhuma eficácia sentencial se há de esperar a respeito deles.

Absurda a decisão das Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do


Rio de Janeiro, a 17 de dezembro de 1952, entendendo que na ação
rescisória de sentença que julgou ação sobre bens imóveis é prescindível a
citação do cônjuge.

Sempre que, na ação cuja sentença se pretende rescindir, o cônjuge foi parte
(às vezes a citação do cônjuge é como parte, e.g., condômino, comuneiro
em virtude de regime matrimonial de bens), ou teve de assentir, igual
exigência há de ser feita na ação rescisória. Se deixou de ser citado o
cônjuge, a relação jurídica processual não se formou a respeito dele. Idem,
se havia comunhão não-matrimonial, que cessou.

(d)O saneamento só é necessário nas ações rescisórias em que, conforme o


art. 331, não haja ocorrido alguma das hipóteses previstas nos arts. 329 e
330.193 Na determinação do que se entende ser regra jurídica de
organização judiciária e do que se considera regra jurídica de regimento
interno, devemos assentar que o regimento interno pode inserir em seus
artigos o que não foi posto em lei processual, nem em lei de organização
judiciária, se a regra jurídica inserta não se choca com o direito processual
nem a lei de organização judiciária vigente, sem que essa inserção, que
preenche branco, afaste a legislação processual posterior, ou a lei posterior
de organização judiciária.

É preciso que se separem as duas questões: a questão de legeferenda, a


respeito da qual, se há inconvenientes para se adotar o despacho saneador
na superior instância, havemos de assentar que a priori não é de afastar-se
que se receba a formalidade só referente à primeira instância, sobretudo no
processo e julgamento de ações da competência originária dos tribunais; a
questões de lege lata, que poderia ser resolvida conforme a resolveu, então,
a comissão do Supremo Tribunal Federal, supondo existente a regrajurídica
sobre despacho saneador limitada ao primeiro grau ou aos feitos de única
instância dos juizes singulares, ou conforme está no art. 331, que remete aos
arts. 329 e 330.

A Constituição de 1967, art. 119,1, m),’94 também atribuiu ao Supremo


Tribunal Federal a competência para julgar, originariamente, as ações
rescisórias de seus julgados. Idem, quanto aos Tribunais Federais de
Recursos, o art. 122, ‘1, a).’95

193 O art. 491 manda aplicar à ação rescisória. no que couber, o disposto
no Livro 1, Título VIII, Capítulos IV eV”. Incidiria, então, o art. 331, que
determina uma audiência de conciliação. sea causa versar sobre direitos
disponíveis (redação do ari. l0 da Lei n0 8.952, dc 13.12.94) 7 Não, no
tocante à rescindibilidade do julgado (sentença ou acórdão) rescindendo,
que não se integra na categoria dos direitos disponíveis. Nada obsta,
porém, a que se promova a tentativa de conciliação do art. 331

porque. por meio dela, as partes podem transacionar quanto ao juízo


rescisório, se este versar direitos disponíveis, bens como desistir da ação. A
renúncia ao direito sobre que se funda o pedido de rescisão e o
reconhecimento da procedéncia dele são inadmissíveis porque não se
inserem no poder de disposição das partes. Então, a conciliação do art.
331, na sua atual redação, deve ser tentada.

194Const. 88, art. 102, I,j.

195Consi. 88. art. los. 1. e, quanto ao Superior Tribunal de Justiça, que


sucedeu o extinto TFR (vd. o art. 27 do ADCT).

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (1970) no art. 242


estabeleceu que, “distribuída a inicial (art. 73), o relator mandará citar o
réu, fixando-lhe prazo para a contestação (art. 106, a). No art. 243,
acrescentou-se:

“Contestada a ação, ou transcorrido o prazo, o relator proferirá despacho


saneador, deliberando sobre as provas requeridas (art. 22, III)”. E no art.
244: “Concluída a instrução, o relator abrirá vista, em comum, às partes,
por dez dias, para o oferecimento das razões; após ouvir o Procurador-
Geral, em cinco dias, lançará relatório nos autos (art.

83), passando-os ao revisor, que pedirá dia para o julgamento~’. O


despacho saneador está no art. 243, não pode ser dispensado se ocorre
algumas das espécies que o Código de 1973 prevê no art. 331 (arts. 329 e
330)i~~

A solução vitoriosa é a melhor. Ou a) O Supremo Tribunal Federal e o


Tribunal Federal de Recursos supõem que as regras jurídicas dos arts.331,
329 e 330 do Código de 1973 têm por suporte fáctico os processos
ordinários de primeira instância e os processos ordinários de única
instância, ou b) acharam que a matéria concernia à vida interna do tribunal.
A exigência de saneamento atende à singularidade do juízo e o ser o
procedimento, todo, perante o relator, satisfaz tal exigência, razão para
interpretarmos o art. 243 do Regimento Interno’95 como implicitamente
remissivo aos arts. 329 e 330, podendo o Regimento Interno explicitar a
remissão ou tê-la por implícita, como fez. Assim, não se atribui ao Supremo
Tribunal Federal nem ao Tribunal Federal de Recursos’99 mais poder do
que ao Congresso Nacional, ou vice-versa, isto é, poder dispensar a
remissão aos arts. 331, 329 e 330, contra regras jurídicas, diferentes, da
legislação processual, ou regra jurídica processual que dispense o despacho
saneador.

No Regimento Interno, ou se insere, comoditatis causa, o que, na legislação


processual ou na legislação de organizaçãojudicial, diz, de perto, com a
atividade dos tribunais, ou regra jurídica, não escrita, de qualquer dessas
legislações (função explicitadora do Regimento Interno), ou se edicta regra
jurídica que o legislador poderia ter feito e não fez, ou se cria regra jurídica
que aos tribunais pareceu necessária ao seu bom funcionamento, embora
não seja processual, nem de organização judiciária.

196 A ação tescisória é tegulada nos arts. 259 a 262 do vigente Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, O despacho saneador está previsto
no art. 261.

197 Obviamente, sob a Const. 88 o autor aludiria ao Superior Tribunal de


Justiça, cujo regimento interno regula a ação rescisória nos arts. 233 a
238. O art. 235 determina que o relator faça o saneamento do processo.

198 Art. 261 do atual RISTF.

199 Vd.anora 197.

(e) Quanto ao iudicium rescissorium, ele só se abre quando já não é mais a


sentença rescindenda. Seria difícil, se não dificiimo, poder-se alegar
litispendência, ou coisa julgada, salvo se, quando se rescindiu a sentença, já
outra existia sobre o mesmo caso, ou se rescindiu por outro pressuposto tal
decisão ofensiva da coisa julgada, tendo-se também rescindido, antes, a
sentença ofendida e estando em andamento o respectivo rescisório. O réu da
ação rescisória, a que foi também lesiva a sentença rescindenda, e que
poderá também propor ação rescisória, pode reconvir. Para que funde a
reconvenção, é preciso que lhe caiba ação rescisória contra a mesma
sentença, dado que, por vezes, a rescisão à sentença interessa juridicamente
aos dois, por lhes ter sido contrária no todo ou em parte. Nenhuma
particularidade processual apresenta a reconvenção na ação rescisória. O
réu alegará qualquer dos pressupostos objetivos para ela, ou um dos casos,
pois que são separáveis, do mesmo pressuposto.

(ti Na sessão de 6 de janeiro de 1937, a Corte de Apelação do Distrito


Federal, na Ação Rescisória n0 147, entendeu, e bem, que o juiz, prolator
da sentença rescindenda, desde que o fundamento do pedido de rescisão não
seja, hoje, assunto para o art. 485, 1 e II, pode, estando no cargo de
desembargador, tomar parte no julgamento da ação rescisória.

Aliter, se foi prolator, na primeira instância,2m da decisão proferida na ação


rescisória e ora recorrida.

2.Ação cautelar em rescisória20’ Sob o art. 489, cabe indagar acerca da


admissibilidade da ação cautelar, preparatória ou incidental da ação
rescisória, destinada a suspender a execução da sentença ou do acórdão
rescindendo, uma vez configurados os pressupostos de outorga liminar ou
final dessa tutela.

O direito positivo brasileiro consagra a possibilidade de sustação da


eficácia da sentença rescindenda. O art. 71, parágrafo único, da Lei n0
8.212, de 24.07.91, na redação do art. 2”da Lei n0 9.032, de 28.04.95,
autoriza a concessão de liminar (providência cautelar embutida no
processo cognitivo da ação rescisória) nas ações rescisórias e revisional,
para suspender a execução do julgado rescindendo ou revisando, em caso
defraude ou erro material comprovado. Também o art. 50 da Medida
Provisória n0 1.577 (40 versão de 02.10.97) enxertou um art. 50

(renumerados os demais) na Lei n08.437,

200 A ação rescisória é processo da competência originária dos tribunais,


como mostram a Constituição Federal, as constituições estaduais e o CPC.
Assim, não cabe a cogitação do texto, onde se alude, genericamente, a ação
rescisória julgada na primeira instancia, o que se admitiria se se tratasse
da ação do art. 486, também chamada rescisória pelo comentarista, a qual
se ajuiza no primeiro grau de jurisdição.

201 Comentário do atualizador legislativo, por isso impresso em tipo


diferente.

de 30.06.92, que dispõe sobre medidas cautelares contra atos do poder


público, o qual estatui que, “na sações rescisórias propostas pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como pelas autarquias e
fundações instituidas pelo Poder Público, caracterizada a plausibilidade
jurídica da pretensão, poderá o tribunal, a qualquer tempo, conceder medida
cautelar para suspender os efeitos da sentença ~‘. Interessante assinalar que,
se no art. 71 da Lei n0 8.212 o penculum in mora fica implícito, no novo
art. 50 da Lei n0 8.437 ele foi simplesmente dispensado para a concessão da
cautelar, bastando o fumus boni iuris: “caracterizada a plausibilidade
jurídica da pretensão ~ diz a lei.

Decerto que pode haver plausibilidade jurídica da pretensão, sem que


ocorra o perigo na tardança da presta ção jurisdicional, com a intensidade
que a lei o exige para a proteção cautelar.

Não se acoimem de inconstitucionais os dispositivos legais que se acabam


de referir porque não é incompatível com a Constituição que se suste a
execução da sentença, transitada em julgado, como, aliás, ocorre quando a
ela se opõem embargos do devedor (art. 739, s~ 1”, com a redação do art.
JO da Lei n0 8.953, de 13.12.94). Se a própria carta admite a
desconstituição da coisa julgada, quando defere aos tribunais competência
para a ação rescisória (arts. 102, 1, j; 105, 1, e; 108, 1, b), ela consente, a
fortiori, que se suste a execução da sentença coberta pelo fenômeno.

A regra do art. 489 é supérflua porque a sentença rescindenda subsiste


íntegra até o trânsito em julgado do acórdão rescindente. Ela declara, em
consonância com a lei, com os princípios e a doutrina, que a ação rescisória
não tem efeito suspensivo. Nada mais. Não obsta, no entanto, à concessão
de medida cautelar, instituída afim de assegurar a eficácia prática da
providência jurisdicional dem.andada, inclusive na ação rescisória, que
desencadeia um processo de conhecimento do qual o cautelar, preparatório
ou incidente, é fâmulo.

2112

Sobre o assunto há divergências doutrinárias. A jurisprudência também se


mostra vacilante, inclinando-se pela inadmissibilidade, porém
condescendendo com a cautelar em casos graves. Posição algo contraditória
porque a cautelar ou cabe ou não cabe.2<0 Tanto mais se deverá
compreender admissível a cautelar em rescisória quanto se considerar que o
cabimento da m.edida se encontra expressamente consagrado no direito
positivo brasileiro, como se demonstrou com as normas antes mencionadas.

Art. 490. Será indeferida’) a petição inicial: nos casos previstos no art. 295;

202 No meu livro Direito Processual Civil Estudos e Pareceres, 1’ série,


Saraiva, 5. Paulo, 1983, p. 272 e ss., invocando idêntica e pioneira posição
de Galeno Lacerda (Comentários ao CPC, vol. VIII, tomo 1, Forense, Rio,
1980, pp. 64 e 65), juntei-me à corrente dos defensores da admissibilidade
da ação cautelar como preparatória ou incidente da ação rescisória.

203 Vd. a nota 4 do ~PC e legislação processual em sigo,; de Theotonio


Negrão, 28 cd., cit.

II quando não efetuado o depósito2), exigido pelo art. 488, II.

1.Indeferimento da petição inicial A ação rescisória é uma ação como as


outras. A petição inicial é indeferida em qualquer dos casos que o art. 295
aponta, um dos quais é o de extinção do prazo preclusivo, tendo, porém, de
ser levada em consideração a hipótese do art. 485, v~, V parte.

2.Depósito O art. 488, II, exige que o autor da ação rescisória deposite
cinco por cento do valor da causa, a título de multa eventual (o que não se
aplica às entidades estatais e ao Ministério Público). Se o não faz, há o
indeferimento da petição inicial, pois, se ainda não fora feito o depósito,
tem o juiz de marcar prazo para que se satisfaçam os arts. 248 e 490, II.
Art. 491. O relator mandará citar o réu, assinando-lhe prazo nunca inferior
a quinze (15) dias nem superior a trinta (30) para responder aos termos da
ação. Findo o prazo com ou sem resposta, observar-se-á no que couber o
disposto no Livro 1, Título VIII, Capítulos IV e V 1)2)

1.Problema de técnica legislativa da competência O Código de 1973


nenhuma regra jurídica sobre competência contém que seja explícita quanto
às instâncias. Nos arts. 49 1-493 fala de “relator”, de Supremo Tribunal
Federal, de Tribunal Federal de Recursos2~ (art. 493, 1) e de lei de
Organização Judiciária dos Estados-membros (art. 493, II).

Temos de partir do plano interestadual e chegar ao plano estatal do Brasil. O


problema técnico consistia em se atribuir (1) ao mesmo tribunal ou juiz, que
proferiu a sentença, (2) ou a tribunal superior, (3) ou a um só, para todos os
casos, a competência para julgar a ação rescisória. Não há princípio a
priori, exceto contra a solução (1), se o fundamento é prevaricação,
concussão, corrupção ou impedimento do juiz.

(a) A Justiça de um Estado pode negar exequatur ou homologação à


sentença de outro Estado; não pode rescindir a sentença que a Justiça de
outro Estado proferiu. Dentro do mesmo Estado, federativo, de
organizações judiciárias diferentes, a questão depende do direito
constitucional de tal Estado (direito interno), de modo que é estranha ao
problema de distribuição internacional das competências (direito das
gentes) e ao direito processual internacional.

Nem a justiça brasileira pode rescindir sentenças proferidas por juizes


estrangeiros, nem as justiças estrangeiras podem

204 Leia-se Superior Tribunal de Justiça, embora ainda não modificado o


inciso 1 do art. 493.

rescindir sentenças proferidas por juizes brasileiros; nem os juizes de


qualquer Estado podem rescindir sentenças interestatais. No grau atual da
organização internacional, as sentenças dos Estados não são suscetíveis de
rescisão pela justiça supra-estatal, nem por tribunais interestatais. Em casos
especiais, poderão ser tidas como “fatos”.
Cumpre, porém, advertir-se em que, rescindida a sentença estrangeira
homologada, a homologação cai com a homologação da nova sentença.
Idem, em caso de inexistência, ou de nulidade ipso iure.

A qualificação dada pelo Estado a que pertence a justiça que proferiu a


sentença é assaz importante. Se a legislação de tal Estado entendeu que a
sentença não existe, ou que a sentença é nula, sem qualquer necessidade de
se propor ação desconstitutiva negativa, devendo o juiz a que foi
apresentada negar-lhe qualquer efeito (declaração de ineficácia), o juiz do
outro Estado procede como procederia o juiz do Estado em que se proferiu
a sentença, ali nenhuma, aqui nula e sem efeitos. Se, em vez disso, a
legislação do Estado em que se proferiu a sentença estabelece que a
nulidade depende de ação em que se peça a desconstituição da sentença, ou
se edicta regra jundíca de competência para as declarações de inexistência
das sentenças, ou das decretações de nulidade de sentenças, não pode o
Estado de importação do julgado desatender à decisão estrangeira, a
despeito da falta de pressupostos sentenciais de existência ou de validade.

A fortiori, se o Estado em que se proferiu a sentença tem a espécie como de


anulabilidade.

O que acima se disse não afasta que o Estado de importação repute


infringida regra jurídica de competência supra-estatal ou interestatal que
torne existente ou nula a sentença, ou infringida certa regra jurídica supra-
estatal ou interestatal de pressupostos. Aí, a qualificação é dada pelo direito
acima do direito estatal.

Tratando-se de exequatur, a homologação da sentença estrangeira éato de


importação, que se rege por seus princípios.

Se houve a homologação, símplífícam-se os problemas: cumpre-se a


sentença, até que eventualmente se homologue, depois, a sentença que
decrete a inyalidade ou a rescisão da sentença que fora homologada.

Também pode dar-se que decretada seja a invalidade ou a rescisão da


própria sentença de homologação: o ato de importação passa a ser como se
nunca houvesse existido.
(b) No Estado federativo, de diferentes organizações judiciárias, a regra é só
serem rescindidas as sentenças pelos juizes que as proferiram ou por
tribunais do mesmo Estado-membro ou pais. Não é, porém, princípio
necessário. No Estado unitário, dentro da divisão da Justiça, tudo se passa
segundo os seus métodos hierárquicos. Só ao direito constitucional do
Estado é possível responder, em se tratando de Estado federativo. Ou ele
resolve, ou dele depende, se adotou o sistema da competência cumulativa.
No Brasil, os textos constitucionais de 1891 e os revistos só autorizavam
atribuir-se aos Estados-membros a competência para legislar sobre os juizes
rescindentes das sentenças proferidas por seus juizes. A competência
(interestatal e interlocal ou interdepartamental ou, como se diz no Brasil,
em termo generalizado, interestadual) da Justiça do Estado, Estado-membro
ou Província, que proferiu a sentença rescindenda, para conhecer da ação
rescisória, nada tem com a competência pela conexão de causa (continentia
causarum), fundada na necessidade de evitar julgamentos contraditórios e
despesas inúteis. Trata-se de normal incindibilidade da função judicial do
Estado. Demais, se uma justiça pudesse rescindir a sentença de outra, quer
no plano internacional, quer no intra-estatal, teríamos verdadeiros conflitos
e infindável jogo de tênis de julgamentos. No Brasil, nunca se pôs em
dúvida, salvo em julgados e votos confusionistas de alguns membros do
Supremo Tribunal Federal, que as sentenças federais se devessem rescindir
em juízos federais e as locais em juízos locais. Se algum Município
organizasse a sua justiça dos feitos municipais, uma vez que a Constituição
estadual o permita, nada obstaria a que a mesma lei providenciasse sobre
competência para a rescisão das sentenças dos juizes de origem municipal.
A Lei n0 1.661, de 19 de agosto de 1952, art. 1~, na esteira do art. 801 do
Código de 1939, criou para os juizes locais a regra jurídica da competência
em instância superior.

No Código de 1973, arts. 485-495, a ação rescisória foi posta como


Capítulo IV do Título IX, só referente ao processo nos Tribunais. <,Tem-se
de entender que não há mais ação rescisória em juiz singular? O Supremo
Tribunal Federal (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1,

e os Tribunais Federais de Recursos (art. 122, 1, a),2<’5 têm a competência


parajulgar as ações rescisórias das suas sentenças e demais decisoes. Nada
se disse sobre as ações rescisórias dos julgados dos juizes federais. j,Podia o
Código de 1973 atribuir ao Supremo Tribunal Federal e aos Tribunais
Federais de Recursos o julgamento das ações rescisórias de juizes federais?
Não. Podia impor a competência da superior instância se estadual o juízo?
Também não.

No art. 80, XVII, b), diz-se competir à União legislar sobre direito civil,
comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,

205Const. 88, au. 102. I,j.

206Const. 88, au. 105, 1, e.

207Const. 88, ais. 22, l.

marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. No art. 80, XVII, t),208 sobre


organização administrativa e judiciária do Distrito Federal e dos Territórios.
Não, sobre organização judiciária dos Estados-membros. Portanto, a
competência para as ações rescisórias e as ações de revisão criminal
pertence aos Estados-membros, que podem seguir, ou não, o que se estatuiu
nos arts. 491-493. O art. 493, ií, é ambíguo, porque se fala sempre de relator
(arts.

491 e 492), inclusive no art. 493, pr., e nele se fala de julgamento “nos
Estados, conforme dispuser a norma de Organização Judiciária”. Temos de
interpretar que os arts. 491-493 regulam o quodplerumquefit, sem afastar,
portanto, regra jurídica de Organização Judiciária estadual que faça
competente para a rescisão das sentenças de primeira instância, que
transitaram em julgado como tais (aliter, se houve recurso que foi
conhecido e julgado procedente ou não, porque, aí, a sentença é do juízo
recursal).

Os Estados-membros poderiam fazer de juízo coletivo a competência para


julgar ações rescisórias de sentença e decisões de juízo singular. A União,
absolutamente não, porque os arts. 119, 1, m), e 122, 1, a), da Constituição
de 1967, com a Emenda n0 l,~ de modo nenhum permitem outra espécie de
competência originária do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais
Federais de Recursos2t0 para processar e julgar ações rescisórias que não
sejam suas.

(c)Dentro de cada organização, os sistemas variam. No processo austríaco,


o mesmo juiz que proferia a sentença conhecia da restitutória. No italiano, a
ação era proposta no mesmo juízo. Ocorre o mesmo à requête civile
francesa.

Tal subordinação não é, porém, necessária. Trata-se de outra ação e de outro


remédio jurídico processual, de modo que a independência de uma e a do
outro devem ser levadas em conta. Nem se diga que existe continentia
causarum e que, sendo conexas a ação da sentença rescindenda e a ação
rescindente, haja sugestão de não se dividir a continência das causas. O
instituto da conexão nada tem a ver com o pretendido princípio processual
de que a pretensão ao rescisório deva ser exercida perante o mesmo juiz
prolator da sentença rescindida. Primeiro, porque a conexão supõe a
identidade de título, ou a ligação, que permita se unirem ou se fundirem os
processos. Ora, a ação rescisória nada tem de comum com a ação da
sentença rescindenda: a sentença rescindenda é, por si só, objeto de exame
do iudicium rescindens. Segundo, porque o exame mais aconselha a
verificação por outrem do que pelo próprio juiz. Aliás, em certos casos,
como o de prevaricação, concussão, ou corrupção, de certa forma se impõe.

208 Const. 88. ais. 22, Xvií.209Const. 88, arts. 102, I,j, e lOS, 1, e.210Leia-
se Superior Tribunal de Justiça.

Incorreu no engano de invocar a continência de causas ajurisprudência do


Supremo Tribunal Federal, e isso durante muito tempo. Em 1913, adotou-
se, porém, em regra jurídica regimental, o sistema de ser processada a
ação nos juizes federais e julgada, em instância única, pelo próprio
Supremo Tribunal Federal. Aliás, anteriormente, alguns julgados, escapos
ao argumento heterotópico da conexão e da continência de causas, se
haviam libertado do sistema de ser processada e julgada pelo mesmo juiz
da sentença rescindenda. Nas Justiças locais, refletia-se a solução do
Supremo Tribunal Federal. Nesse, trouxe-se à balha, por ocasião da
emenda do Regimento, a própria questão da constitucionalidade.
Devemos, pois, separar os problemas: a) o da possibilidade dos dois
sistemas; b) o da possibilidade de se julgar em primeira instância a ação
rescisória de decisão do tribunal mais alto (Supremo Tribunal Federal e
Tribunais de Justiça, em relação aos juizes locais; c) o da
constitucionalidade da emenda do Regimento; d) o da solução, no direito
positivo federal e dos Estados-membros. De legeferenda, os dois sistemas
são perfeitamente admissíveis. A escolha não constitui ato de preferência
jurídica. Mais se prende a considerações políticas. Problema, portanto, não
de direito constituído, mas de política jurídica.

Em todo caso, a prática era no sentido de se fazerem julgar pelos juizes


federais de primeira instância as ações rescisórias do Supremo Tribunal
Federal, contra o que, então, se insurgiu o Procurador-Geral da República
(Edmundo Muniz Barreto). Constituía, para ele, “anomalia judiciária” poder
um juiz ou tribunal inferior “revogar as decisões do poder supremo da
Justiça”. Maior argumento ainda invocou: “É contra a ordem natural das
coisas, contra todos os princípios da ordem judiciária, que um tribunal
inferior anule sentença de tribunal superior. É o que se daria, sempre que,
tendo-se pronunciado a Justiça de primeira instância, não houvesse
apelação”. Também se trouxe à comparação o caso dos embargos: fazia-se
na primeira instância o processo; ao se terem de julgar, subiam os autos ao
Supremo Tribunal Federal. Dos dez juizes presentes à sessão do Supremo
Tribunal Federal em que se emendou o Regimento, somente três votaram no
sentido de se manter a antiga jurisprudência que permitia processar-se e
julgar-se no juízo de primeira instância a ação rescisória de sentença do
Supremo Tribunal Federal. Chefiava tal corrente Pedro Lessa, que invocara,
em abono da sua tese, acórdão da Relação de Lisboa, no qual prevalecera a
opinião de Alberto Carlos de Meneses, autor do conhecido livro sobrejuízos
divisórios, contra a de Antônio Joaquim de Gouveia Pinto, a quem se deve a
obra, durante tanto tempo clássica, sobre testamentos.

A decisão lisboeta era explícita no seu propósito de subordinar a rescisão ao


rito vulgar das ações: “Sendo, pois, permitido usar da ação ordinária
rescisória da sentença, ou seja proferida na primeira ou na instância,
éforçoso haver juizes que dela conheçam; ora, não o podendo ser a Relação,
ou os juizes que proferiram os acórdãos, porque não conhecem senão em
segunda instância, é consequente e claro que em primeira instância devem
conhecer as autoridades ordinárias, e por isso ojuiz recorrido se devia julgar
competente e autonzado pela lei para conhecer. Esta é a inteligência que àlei
tem dado o estilo do foro.” Antônio Joaquim de Gouveia Pinto, juiz de
primeira instância, considerando que a sentença rescindenda fora proferida
por tribunal superior, entendera que não estava autorizado para decidir a
questão e julgou-se incompetente. Na sentença, aludira ao Alvará de 30 de
outubro de 1751, que ordenava não se intrometessem os juizes inferiores a
julgar, ou conhecer de negócios decididos ou julgados pelos superiores
tribunais, devendo remeter-lhes quaisquer embargos que se opusessem aos
seus despachos e decisões.

Achava ser absurdo um juiz inferior haver por bem ou mal julgado o que
julgara no superior legítimo, ou em Relação, em que entra maior número de
juizes e a lei supõe serem de maior saber e experiência. Mas a Relação de
Lisboa não aceitou tais argumentos: “Menos lugar tem a legislação
apontada pelo juiz a quo na sua sentença, porque não é aplicável às ações
ordinárias rescisórias, mas sim aos recursos diretos por meio de embargos
ou de revista, de que unicamente trata”. Foi reformada a sentença e os autos
reverteram ao juiz, para que conhecesse da ação e decidisse do mérito. O
erro foi lamentável.

Contraditoriamente, Pedro Lessa reconhecia: “Não há dúvida que julgar um


juiz de primeira instância, reformando ou anulando, ou, mais precisamente,
declarando que é nula sentença de tribunal de instância superior, é violar o
princípio da subordinação hierárquica na judicatura”; mas, veementemente,
também se insurgia contra a emenda do Regimento, porque, ao seu ver,
importaria postergação de princípios básicos: 1) “Estatuir, em regime do
tribunal de segunda instância, matéria estranha e descabida, pois o
Regimento do Tribunal só pode encerrar normas concernentes à sua
economia interna, ou a transcrição de leis e regulamentos que o Tribunal
julgue conveniente reproduzir no Regimento.

Nunca poderá conter normas de processo, contrárias às leis interpretadas


pelo mesmo Tribunal, e muito menos regras aplicáveis à primeira instância.
Não se compreende, absolutamente, no regime de um tribunal de segunda
instância, um preceito ou um conjunto de preceitos que devem vigorar na
primeira instância. 2) Violar o principio de direito judiciário que serve de
fundamento à instituição das duas instâncias, princípio que importa garantia
para os direitos das partes. Se a reforma do Regimento fosse feita no
sentido de suprimir a segunda instância, certo que nenhum litigante, a quem
fosse contrária a decisão da primeira, deixaria de recorrer, considerando
uma ilegal privação de garantia a extinção do recurso. A eliminação da
sentença de primeira instância não deixa de ser uma redução, ou, antes,
abolição de uma garantia de ordem pública. 3) Finalmente, infringir a
Constituição federal, que no art. 59, enumera os casos em que o Tribunal
julga originária e privativamente, preceituando que em todos os demais
decidirá em segunda instância”. Concluía o defensor da velha praxe, já
então em crise naquele Tribunal: “Em suma, o dilema é este: ou violamos o
princípio que não permite seja uma sentença de segunda instância
reformada por um juiz de primeira, ou violamos: 1, a regra fundamental
incontestável de que o Regimento de um tribunal de segunda instância não
poderá encerrar preceitos aplicáveis à primeira instância e que importem
reforma do direito judiciário; 2, o princípio que garante às partes litigantes
duas instâncias; 3, o artigo da Constituição federal que determina
expressamente os casos únicos em que este Tribunal julga originária e
privativamente, prescrevendo que nas demais espécies julgará em segunda
instância. Eu prefiro ofender o primeiro princípio, a violar os outros.
Parece-me que é menos grave; muito menos. E por esses fundamentos voto
contra a emenda ou reforma apresentada. A ação rescisória, qualquer que
seja a sentença rescindenda, deve ser processada e julgada na primeira
instância, com recurso para a segunda. Isto no estado atual do nosso direito,
por cuja reforma nesta parte faço votos”.

O Ministro Enéias Galvão rebateu os argumentos de Pedro Lessa,


lembrando o que se passava com a Justiça local do Distrito Federal e
entendendo que o contrário seria repelido pela ordem natural, por se não
poder compreender que decisão de justiça local, por exemplo, declare
ofensivo das leis e da Constituição acórdão do Supremo Tribunal Federal.
Canuto Saraiva, que costumava votar de acordo com o julgado lisboeta,
diante da nova orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
achou oportuna a emenda. Os argumentos foram concisos, mas certos:
“A emenda não fere nenhuma disposição de lei. É verdade que a ação
rescisória é uma ação, de fato, mas uma ação muito especial, só cabível em
casos restrita-mente expressos em lei. Uma vez que não vai de encontro a
lei alguma, não vê como se deixe de incluir no Regimento a emenda em
debate. Fazendo-o, o Tribunal apenas consolida a jurisprudência atual, ~ão
excedendo de sua competência”. Punha-se em regra jurídica escrita a regra
jurídica não escrita.

As duas correntes não deram o exato valor ao princípio de hierarquia


judiciária, fazendo ressaltar o princípio superior de não submeter os
julgados dos tribunais ao exame e, portanto, à crítica dos juizes inferiores. É
de lamentar que os chefes, de uma e de outra, partissem, um de premissa
falsa e conclusão verdadeira, outro de premissa verdadeira e conclusão
errada. O Procurador-Geral reputava recurso a ação rescisória; Pedro Lessa,
diante dos exemplos francês, italiano e alemão, que não admitem a
subversão hierárquia da decisão lisboeta, achava que em tais processos só
existe recurso e que sendo ação o remédio brasileiro e não recurso tinha ele
de começar pelo juízo de primeira instância. O

estudo, que fizemos, em 1934, no livro A Ação Rescisória contra as


Sentenças, evidenciou a sem-razão de se atribuir o caráter de recurso aos
remédios jurídicos alemães e italianos. Veremos em seguida que a
conclusão de Pedro Lessa não era de admitir-se.

A questão da inconstitucionalidade da emenda ao Regimento do Supremo


Tribunal Federal foi levantada, alegando-se que se lhe atribuía mais um
caso, extraconstitucional, de competência irrecorrível. O art. 59 da
Constituição de 1891 e os arts. 59 e 60, alínea 2~, 1, do texto revisto em
1926, consignavam os casos de competência originária do Supremo
Tribunal Federal. Na regra de 1926 apenas se falou, e ainda, da competência
para processar e julgar originária e privativamente: a) o Presidente da
República, nos crimes comuns, e os Ministros de Estado, nos casos do art.
52; b) os Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade; c) as causas e conflitos entre a União e os Estados-
membros, ou entre esses, uns com os outros; d) os litígios e as reclamações
entre nações estrangeiras e a União ou os Estados-membros; e) os conflitos
dos juizes ou tribunais federais entre si ou entre esses e os dos
Estadosmembros, assim como os dos juizes e tribunais de um Estado-
membro com os juizes e os tribunais de outro. A enumeração constituiu um
dos argumentos para se não querer que o Supremo Tribunal Federal criasse
competência originária, qual a de julgamento das ações rescisórias.
Conforme se viu anteriormente, já um, pelo menos, se lhe havia conferido:
o concernente aos crimes comuns dos juizes do próprio Supremo Tribunal
Federal. Ao ministro, que tal objeção fizera, nenhuma resposta lhe deram os
contendores. As argumentações de M. 1. Carvalho de Mendonça (DaAção
Rescisória, 22-29), Jorge Americano (Da Ação Rescisória, 89-94) e alguns
juizes, antes e após eles, de modo nenhum convencem de que andasse
errado o Supremo Tribunal Federal em corrigir o seu Regimento. Depois,
uma vez que a revisão constitucional nem sequer tocou no assunto, em foco
na época em que a ela se procedeu, ficou afastado o problema, e entendeu-
se que tal competência foi acertadamente revelada e juridicamente assente
pelo Supremo Tribunal Federal, à semelhança do que ocorreu com o
julgamento dos seus membros em crimes comuns, competência que lhe veio
de decreto anterior à Constituição de 1891 e da Lei de 1894. Foram duas
regras jurídicas de devolução de competência jurisdicional, à parte da letra
da Constituição. Revelação judiciária de regra constitucional. A
Constituição de 1934 resolveu o novo caso, e assim ficou até o Código de
1939. Na Constituição de 1946, o art. 101, 1, k), fez da competência do
Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento das ações rescisórias
dos seus acórdãos; e o mesmo principio adotou, no art. 104, 1, a), a respeito
dos Tribunais Federais de Recursos. Nada estatuiu, em todo ocaso, quanto
às justiças locais. A situação, que se encontrava era a dos arts. 145, 1, e 801,
do Código de 1939, mas ressaltava que o assunto pertence à lei de
organização judiciária. Volveu-se, portanto, à posição do passado quanto à
legislação de iure condendo.

De lege lata, as Justiças vacilavam, por falta de texto. Alguns juizes se


apegavam à conexão de causas, incabível na espécie; outros, às razões de
hierarquia judiciária; outros, a verdadeiras misturas desconexas de
argumentos. Não havia lei que previsse a hipótese. De certo tempo em
diante, começaram as leis processuais locais, como, por exemplo, o Decreto
n0 9.263, de 28 de dezembro de 1911, art. 141, a regular a competência, e
provavelmente a tendência para subordinar a ação rescisória ao julgamento
do juiz ou tribunal prolator acabaria por ser a solução única, em vez do
apego a simetria com os outros remédios processuais, pela consideração
ingênua de que, sendo a ação rescisória

“ação” (no sentido de remédio processual), e não recurso, se impunha a


passagem pela primeira instância. Esbarrava tal assimilação forçada diante
dos fatos constituídos pelas outras ações de competência primária dos
tribunais superiores. Por outro lado, o exemplo estrangeiro fortalecera a
corrente contra a velha decisão lisboeta. Refugada a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal e de alguns tribunais locais, que confirmavam o
julgado português, aliás errado na interpretação do explícito Alvará de 30
de outubro de 1751, e tornada definitiva a regra jurídica do Regimento do
Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência não resistiu aos argumentos de
se corrigir, dentro da própria interpretação, o critério velho mas heterodoxo.

Na Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, a situação é a mesma de


1946, e foi assunto que antes versamos (arts.

119, 1, m), e 122, 1, a).

Quanto às sentenças dos juizes inferiores ao Tribunal de Justiça, entendia-


se, de regra, que eles mesmos processavam as ações rescisórias. O princípio
manteve-se para os casos de sentença do Tribunal Federal de Recursos, se
haveria recurso e não se recorreu, ou se houve e foi afastado,
preliminarmente, pelo Supremo Tribunal Federal.

(d) A ação rescisória suscita litispendência: o processo da ação do juizo


rescindente é bastante para que se alegue a litispendência noutro processo
de rescisão de sentença que tenha o mesmo fundamento (= seja a mesma a

211 Const. 88, arrs. 102, I,j, e 105, 1, e.

ação); o processo da ação rescisória, quanto ao juízo rescisório, pode ser


causa de exceção de litispendência, se, rescindido o julgado, em vez de se
aguardar que o tribunal rescindente julgue o rescisório, se propõe outra
ação, e nele pode ser apresentada exceção de litispendência se, rescindida a
sentença, outro processo existe, ou, rescindida decisão de superior
instância, e. g., por infração de forma, o tribunal não pode entrar no juízo
rescisório, por ter de ser recontinuado o processo. Certa vez ocorreu, no
foro do Distrito Federal, haver três sentenças sobre compra-e-venda de
prédio, com infração de direito em tese, não tendo sido alegada
litispendência em qualquer delas, nem coisa julgada: ao ser proposta a
rescisão de duas delas, uma das partes opôs, quanto ao rescisório, a
exceção de litispendência, porque a primeira estava pendente de recurso e,
rescindidas, que fossem, as duas outras, a litispendência do outro processo,
então em grau de recurso, ficaria sozinha.

2.Regras jurídicas sobre competência O Código de 1939, arts.144,1V,


145,1, e 801, veio põe claro, para todo o país, as regras de competência. O
Código de 1973 não teve a mesma explicitude. Já antes mostramos o que se
passara.

Convém que ponhamos claros alguns pontos.

(a) Quando a sentença rescindenda foi proferida por juiz federal de primeira
instância, de que haveria recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal
ou para o Tribunal Federal de Recursos, competente é, por força da
Constituição, o próprio juiz de primeira instância.

Nem a Constituição, nem o Código de 1973 se referem a ações rescisórias


de sentenças em que haveria competência recursal do Supremo Tribunal
Federal ou do Tribunal Federal de Recursos, e recurso não houve, ou dele
não conheceu o tribunal para que se recorreu.

A ação rescisória, a que se refere o art. 493, 1, é a ação rescisória do art.


485. Não a ação rescisória do art. 486. A competência, para essa, é do juízo
em que se produziu o ato processual (cf. Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 3 de outubro de 1947, R. F., 115,
159; ja Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de maio de
1947,R.dosT, 168,548;R.F., 114,155).

(b)Se o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em recurso


extraordinário, sobre a matéria da rescisória, dela não pode mais conhecer o
Tribunal de Justiça, porque rescisória, se houver, terá de ser do acórdão no
recurso (Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1919; Corte de
Apelação, 10 de outubro de 1928). Em todo caso, cumpre verificar,
precisamente, se a decisão do Tribunal abrange o que se traz como
pressuposto da ação rescisória. O simples fato de ter havido recurso de
modo nenhum estabelece que a sentença haja sido substituida, confirmativa
ou reformativamente, pelo acórdão federal. Se ele apenas diz que não cabe
o recurso, dificilmente se terá pronunciado sobre pressuposto objetivo de
ação rescisória. Seria contraditório.

Pode bem ser que no Supremo Tribunal Federal se haja julgado recurso
extraordinário, e a) a decisão só se tenha referido a ponto da sentença ou a
pontos da sentença que não são aqueles ou não é aquele a respeito dos quais
ou do qual se propôs a ação rescisória, ou b) a decisão a propósito do ponto
ou dos pontos que se discutem na ação rescisória tenha sido a de que não
houve, ou houve recurso extraordinário, e dele não se conheceu. Tanto na
espécie a) como na espécie b), não se estabelece a competência do Supremo
Tribunal Federal. O que importa é saber-se se o que se quer rescindir é ou
não é a decisão do Supremo Tribunal Federal. Pode acontecer que a mesma
sentença haja de ser rescindida em três juízos diferentes ojuizo de primeira
instância, o juízo de superior instância e o Supremo Tribunal Federal. O
Supremo Tribunal Federal julga a ação rescisória do que ele decidiu, ainda
que se trate de acórdão em que se disse não caber recurso extraordinário. O
tribunal superior (Tribunal Federal de Recursos213 ou Tribunal de Justiça)
julga a ação rescisória do que ele decidiu, ainda que se trate de acórdão seu
de que disse não caber recurso. O Supremo Tribunal Federal invoca o art.
119, 1, in), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1; o Tribunal
Federal de Recursos, o art. 122, 1, a); ou o Tribunal de Justiça, o art. 13, IX,
§ 10.214

O juízo de primeira instância julga a ação rescisória da sua sentença; na


parte em que não foi substituida pela decisão em via recursal, em se
tratando de ações da competência recursal do Supremo Tribunal Federal ou
do Tribunal Federal de Recursos.216 Se a ação é da competência recursal
do Tribunal de Justiça, tudo depende de se saber se foi mantida, ou não, a
regra jurídica deixada à lei de organização judiciária?17
Se houve recurso extraordinário e a matéria sobre que versa a rescisão foi
decidida pelo Supremo Tribunal Federal, só o Supremo Tribunal Federal é
competente para conhecer e julgar da ação rescisória de sentença (ai,
213Leia-se Superior Tribunal de Justiça.214Const. 88, arts. 102, I,j, e 105,
1, e. O art. 125 náo trata da competência dos tribunais estaduais para a ação
rescisória, mas o art. 101, § 30, da Lei Complementar n0 35, de 14.03.79,
prevendo a criação de seções especializadas, lhes confere competência, na
alínea e. para as ações rescisórias dos julgamentos de primeiro grau, assim
reconhecendo que essa ação é da competência originária do tribunal.215De
modo algum. A ação rescisória do art. 485 é processo da competência
originária dos tribunais.Compete, todavia, ao juízo da primeira instáncia
processar e julgar a ação do art. 486, que ocomentarista também denomina
rescisória.216Leia-se Superior Tribunal de Justiça.

217 Vd.anota 2l4.

acórdão). Firmou-se no que dissemos a jurisprudência (e. g., as Câmaras


Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 24 de junho
de 1943; Tribunal de Apelação, a 27 de janeiro de 1944; Supremo Tribunal
Federal, 11

de junho de 1945 (D. da J., de 6 de dezembro de 1 945)~ 5 de dezembro de


1958, relator Ministro Luís Gallotti: “Na verdade, quando o Supremo
Tribunal Federal houver decidido a causa, ainda que através da declaração
de não ser cabível o recurso extraordinário, seja no julgamento deste, seja
no do agravo contra despacho que não o admitira, será competente
originariamente para o julgamento da ação rescisória, se esta tiver por
objeto argUições formuladas naquele recurso. Quando, porém, se alegar na
ação rescisória matéria que não foi objeto do recurso extraordinário, aquela
ação, proposta contra o acórdão do tribunal local, será por este julgada
originariamente. Esse entendimento é hoje pacífico e, de acordo com ele,
tem o Supremo Tribunal, em mais de um caso, devolvido os autos ao
Tribunal local, para que julgue a rescisória. E não discrepa a doutrina.
Pontes de Miranda, no seu Tratado da Ação Rescisória, que acaba de
aparecer em 3a edição, aumentada, de 1957, depois de observar que, se o
Supremo Tribunal já se manifestou em recurso extraordinário sobre a
matéria de rescisória, dela não pode mais conhecer o Tribunal de Justiça,
pondera que cumpre verificar, precisamente, se a decisão do Tribunal
abrange o que se traz como pressuposto da ação rescisória (374). E
esclarece: Pode acontecer que a decisão do Supremo só se tenha referido a
ponto da sentença ou a pontos da sentença que não são aqueles ou não é
aquele a respeito dos quais ou do qual se propôs a ação rescisória; em tal
caso, não se estabelece a competência do Supremo Tribunal; importa saber
se é a decisão deste que se quer rescindir”.

Havemos de interpretar o art. 493, II, como se não houvesse cerceado a


escolha dos Estados-membros quanto à concentração da competência para o
processo e julgamento das ações rescisórias das decisões de primeira e de
superior instância, ou quanto à distribuição conforme o grau em que se
proferiu a decisão.216

Discutiu-se no Tribunal de Justiça de São Paulo, e freqUentemente se


discute em todo o Brasil, o caso de ação rescisória em que o Supremo
Tribunal Federal se haja pronunciado sobre o não-cabimento do recurso (se
não é isso o que se quer rescindir) e julgou-se bem, por unanimidade, pela
competência da Justiça local, na espécie (Tribunal de Justiça de São Paulo,
9 de maio de 1931, grau de embargos, 10 de julho de 1931, 9 de setembro

218 ‘Vd.as notas 2l4 c2l5.

de 1931; Corte de Apelação do Distrito Federal, 12 de abril de 1933). Havia


regra jurídica no Código de Processo Civil de São Paulo, art. 365, III,
evidentemente feliz: “Não se pode reproduzir na ação rescisória matéria já
arguida e julgada pelo Supremo Tribunal Federal em recurso
extraordinário”. Supunha-se o ter sido decidida. Naturalmente, se a causa
de rescisão está no não conhecer do recurso, a rescisão é do acórdão do
Supremo Tribunal Federal. Aí, não se vai contra a sentença recorrida, que
transitou em julgado; vai-se contra a decisão de não-cognição.

(c) Não é impedido para o julgamento da ação rescisória o desembargador


signatário do acórdão rescindendo, ou o juiz prolator da sentença de
primeira instância, convocado para o tribunal (1~ Turma do Supremo
Tribunal Federal, 20 de dezembro de 1951, D. da J., de 21 de dezembro de
1953), ou ojuiz de tribunal de segunda instância, convocado para o
Supremo Tribunal Federal,219 salvo em se tratando de ação rescisória
fundada no art. 485, 1 e II. No caso de prevaricação, concussão ou
corrupção, o juiz que éacusado não toma parte no julgamento da ação
rescisória. Aí, submeter-se ao juiz acusado o julgamento da ação rescisória,
que no art. 485, 1 e II, se baseia, constituiria o mais incoerente sentenciar
em causa própria ao mesmo tempo que o postergamento de todas as regras
jurídicas de corrupção ou impedimento. Se, na ação, foram invocados dois
diferentes pressupostos da rescisão, como o do art. 485, 1 ou II, e a falsa
prova, ou a violação do direito em tese, o juiz que deve substituir o acusado
somente poderá julgar a ação na parte da prevaricação, concussão,
corrupção ou impedimento. Não procedente, o prolator da sentença julgá-

la-á quanto aos demais fundamentos. Do contrário, seria dar à parte meio
fácil de mudar o juiz, ou de tornar impedidos juizes do tribunal julgador.

(d) O art. 119,1, m), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1 ,221)


atribui ao Supremo Tribunal Federal processar ejulgar, originariamente, as
ações rescisórias de seus acórdãos. Rescindido o acórdão, a sorte do julgado
anterior é dependente do que se pôs ou deixou no lugar. Se o acórdão
concernia à prestação jurisdicional, entra no lugar dele que se decidir
(rescisão e rescisório) Aliter, se apenas dizia respeito à terminação do
processo sem julgamento do mérito: se a rescisão exaure o que se julgara,

219 Para substituição no Supremo Tribunal Federal, convocam-se, se


necessário, ministros do Superior Tribunal de Justiça. Não se elimine,
contudo, a possibilidade de convocação de juizes de tribunal de segunda
instãncia, considerada no texto, bastando imaginar-se a hipótese dc
impedimento ou suspeição de todos do STJ. Sobre substituição nos
tribunais por meio de convocação, o art. 118 da Lei Complementar n0 35,
de 14.03.79.

220 Const. 88, ars. 102, l,j.


ou se apanha tudo que se decidiu depois, tem de ser decidido o mérito, e
não se pode fazer tábua rasa das regras jurídicas sobre competência. A
rescisão do acórdão que entendera não caber apelação para o Tribunal de
Justiça, embora tenha transitado em julgado a sentença de que se apelara,
tem por eficácia permitir a apelação, isto é, atribuir ao Tribunal de Justiça o
julgamento em grau de recurso.

Se foi rescindido o acórdão que julgara prescrita a ação, o tribunal ou o juiz,


que a julgara prescrita, tem de apreciar o restante do mérito, porque só se
rescindira o acórdão concernente àquela questão prévia. Se houve recurso
extraordinário, surgindo, após a coisa julgada, a ação rescisória, o Supremo
Tribunal Federal só aprecia o que fora por ele apreciado.

(e) O art. 122, 1, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá ao


Tribunal Federal de Recursos o julgamento das ações rescisórias dos seus
acórdãos.22’ Tudo se passa como a respeito de (d).

(1) Se foi rescindido o acórdão do Tribunal de Justiça, em assunto que não


apanha o que ojuiz julgara, mas implica que não o poderiajulgar, tem-se de
proceder ao julgamento no juízo competente para a ação em que se
proferira a sentença rescindenda. Esse juízo pode ser o próprio Tribunal de
Justiça, se a decisão seria sua.

(g) Se foi rescindida a sentença de juiz, de que não houvera recurso, ou dele
não se conheceu, o Tribunal de Justiça pode julgar o recurso interposto da
sentença rescindente e ordenar que o juiz julgue, conforme a espécie.
Somente julga se a rescisão afirma que não há ação, ou está prescrita a
pretensão, ou a ação, ou que se terminara, sem julgamento do mérito, o
feito. Fora dai, é o juiz que tem de julgar.

(h) O art. 119,1, m), e o art. 122, 1, a),222 não regulam a ação rescisória de
sentenças que, proferidas por juizes ou tribunais, dos quais haveria recurso
para o Supremo Tribunal Federal, ou para o Tribunal Federal de Recursos,
não foram objeto de recurso, ou dele não conheceu aquele ou esse tribunal.
Tais sentenças são rescindíveis no juízo em que foram dadas, com recurso
para o tribunal federal competente. A competência recursal
221Const. 88, art. 105, 1, e, defere igual competência ao Superior Tribunal
de Justiça.

222Referência a dispositivos da Const. 67 com a Emenda n0 1 de 1969, dos


quais são correspondentes, na Const. 88, os arts. 102. l,j, e 105, 1, e.

223Posição isolada de Pontes de Miranda, não acolhida nem pela doutrina


nem pela jurisprudência. A ação rescisória é processo da competência
originária dos tribunais. Competente para ela, se proposta para rescindir
sentença, será o tribunal que teria competência para o recurso que da
sentença se interpusesse (salvo se a norma de organização judiciária
dispuser o contrário, como, s’. g., se, havendo Tribunal de Alçada e de
Justiça, atribuir a este a competência para todas as rescisórias de
sentenças). Se proposta para rescindir acórdão, o próprio tribunal que
proferiu o acórdão e, nele, o órgão designado pela norma de organização
judiciária, ou pelo regimento.

quanto à sentença rescindente é a mesma que existiria para a sentença


rescindenda.

Art. 492. Se os fatos alegados pelas partes dependerem de prova, o relator


delegará 2) a competência ao juiz de direito da comarca onde deva ser
produzida, fixando prazo de quarenta e cinco (45) a noventa (90) dias para
a devolução3) dos autos’).

1.Extensão da regra jurídica Posto que, no art. 492, se aluda a relator, o que
supõe referência à organização judiciária federal, o conteúdo
processualístico da regra jurídica apanha também os juizes singulares
estaduais, que sejam competentes para processar e julgar as ações
rescisórias das suas sentenças.224 Se a prova tiver de ser feita alhures,
qualquer que ela seja, o relator delega a competência para isso, ou ojuiz
singularprecata, deprecata, outro juízo. Aí, não há falar-se de delegação.

Surge, porém, a questão de se saber, tendo o Código de 1973 somente


falado de ação rescisória de sentença como da competência dos tribunais
(Título IX, Do Processo dos Tribunais), se foi abolida a competência dos
juizes singulares.
No art. 119, 1, m),225 a Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, diz-se
que é da competência originária do Supremo Tribunal Federal processar e
julgar as ações rescisórias de seus julgados”. A propósito dos Tribunais
Federais de Recursos, o art. 122, 1, a),~26 estatui ser da competência
originária processar e julgar “as ações rescisórias dos seus julgados”.
Pergunta-se: <,podia o Código de Processo Civil atribuir ao Supremo
Tribunal Federal ou a Tribunal Federal de Recursos a competência para
julgar, originariamente, as ações rescisórias de sentenças proferidas por
tribunais inferiores ou por simples juizes singulares? O intuito do Código de
1973 foi esse, por ter metido no Título IX

a ação rescisória. Tratou a ação rescisória à semelhança dos recursos, a


despeito da explicitude dos arts. 119, 1, m), e 122, 1, a), da Constituição. A
solução é a de

atender-se ao Código de 1973, em se tratando de justiça estadual, cuja lei de


organização judiciária entenda respeitar a lei processual federal. Não, se a
justiça é federal, para se não ferir o art. 119, 1, m), nem o art. 122, 1, a): Se
estadual, pode ser que a Constituição do Estado-membro haja repetido, a
respeito dos seus tribunais, o que consta da Constituição federal.

224 Vd. a nota 223.

225 Const. 88. art. 102. I.j.

226 Const. 88, art. 105, 1. e, quanto ao STJ.

227 Vd. as notas 225 e 226.

228 ‘Vd. as notas 225 e 226.

Todavia, como é raro acontecer que se intente ação rescisória de sentença


de que não houve recurso, com decisão confirmativa, ou alterante, ou de
provimento do recurso, a competência cabe, quase sempre, ao tribunal que
conheceu do recurso e o julgou. E pena que não se houvesse previsto na
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, a ação rescisória com
fundamento no fato de ser arguida a prevaricação, a concussão ou a
corrupção do juiz, porque então se justificaria a apreciação pelo juízo
coletivo.229

2.Precação ou delegação interna de funções judiciais Para que possa haver a


precação ou delegação de funções de que cogita o art. 492 épreciso: a) que
a prova do alegado na petição inicial, ou na contestação, ou na
reconvenção, ou em algum.a exceção, dependa de depoimento, ou de exame
pericial, ou de qualquer outra prova que alhures se há de produzir; b) que se
trate de ação rescisória proposta perante tribunal ou em recurso de acórdão
em ação rescisória. O

texto de 1939 somente falava de prova testemunhal ou de exame pericial,


mas havíamos de entender que a regra jurídica também concernia aos
depoimentos de parte, que tinham de ser tomados alhures, e as outras
provas. Dai a interpretação que déraínos ao art. 801, ~ 30 do Código de
1939, e hoje consta, sem limitações, do art. 492 do Código de 1973.

O prazo marcado é o prazo razoável, ajuizo do tribunal. A prova de ter


havido força maior incumbe ao juiz delegado.

Os incidentes no exercício da função delegada são de cognição do juiz


delegado, com o recurso de agravo de instrumento, se os pressupostos desse
recurso se compõem.

3.Prazo para a devolução O art. 492 não se satisfez com deixar ao juízo
deprecante ou delegante a fixação do prazo, a seu arbítrio. Há de ser de
quarenta e cinco a noventa dias, sem se poder diminuir ou aumentar, se bem
que possa o deprecante ou delegante informar que há urgência, como se há
razão para se temer a morte da parte ou da testemunha.

O prazo máximo tem de ser respeitado, rigorosamente, pelo juiz delegado


ou deprecado.

Art. 493. Concluída a instrução’), será aberta vista, stícessivam ente, ao


autor e ao réu, pelo prazo de dez (10) dias, para razões finais. Em seguida,
os autos subirão ao relator, procedendo-se ao julgamento: 1 no Supremo
Tribunal Federal e no Tribunal Federal de Recursos, na forma dos seus
regimentos internos2); II nos Estados 3), conforme dispuser a norma de
organização judicia ria.

1.Conclusão da instrução e prazo para razões finais O art. 493 refere-se ao


procedimento em superior instância. A ação rescisória pode ser julgada no
juízo singular. Tem-se de atender ao que se estabelece para as ações
ordinárias em geral: há a petição inicial, a resposta do réu, com a
contestação e as exceções (e. g., incompetência, impedimento, suspeição)
231 As regras jurídicas sobre revelia incidem. Pode dar-se que o tribunal
atenda ao art. 330, proferindo, desde logo, a decisão, se a questão relativa à
rescisão da sentença é unicamente quaestio iuris, ou se, sendo de direito e
de fato, não há necessidade de produção de prova na audiência, ou se ocorre
revelia.

Se ocorre alguma das hipóteses que se prevêem nos arts. 267 e 269, II-V,
declara-se extinto o processo. Quanto às provas, a instrução e o julgamento,
tem-se de respeitar os arts. 332-457.

2.Supremo Tribunal Federal e Tribunal Federal de Recursos -- -

Os Regimentos Internos têm de estabelecer o que é necessário ao processo


das ações rescisórias, sem que possa referir ao procedimento em inferior
instância.

3. Estados-membros Os Estados-membros podem, na lei de organização


judiciária, regular o processo das ações rescisórias, nos tribunais, deixando
parte das regras jurídicas ao Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e
nos juízos singulares,233ou só admitirem ações rescisórias em tribunais de
Justiça ou outros tribunais, como os de Alçada. Diante da Constituição de
1967, com a Emenda n0 1, arts. 119, 1, mmm), e 122, 1, a), há dois planos
de competência, conforme a origem da sentença trânsita em julgado: o da
competência do Supremo Tribunal Federal ou o do Tribunal Federal de
Recursos,233 e dos juizes singulares.236

230Vd. a nota 223


231As exceções de incompetência, impedimento ou suspeição processam-se
na forma do regimento do tribunal onde foi proposta a ação rescisória (art.
265, § 4’, última parte). O prazo para a exceção é o regimental. Omisso o
regimento, aplica-se ao CPC, cujas regras incidem quanto aos efeitos da
exceção.

232Leia-se Superior Tribunal de Justiça, ou Tribunais Regionais Federais.


A referência ao extinto TFR

subsiste por mero e irrelevante esquecimento do legislador.

233Vd. a nota 223.

234Const. 88, arts. 102, 1,]. e 105, 1, e.

235Vd. a nota 232.

236Vd. a nota 223.

Art. 494. Julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença


1)2), proferirá, se for o caso6)7)8), novo julgamento e determinará a
restituição do depósito; declarando inadmissível ou improcedente a ação, a
importância do depósito reverterá a favor do réu sem prejuízo do disposto
noa art. 20 3)4)5)9)•

1.Julgamento da ação rescisória (a) No julgamento da ação rescisória,


primeiro se apreciam os pressupostos pré-

processuais e processuais da própria demanda rescisória. Somente após é


que se passa ao mérito. Então, o que pertenceu aos pressupostos pré-
processuais e processuais da demanda em que se proferiu a sentença
rescindenda precisa ser alegável como mérito da ação rescisória. A
demanda rescisória precisa ter satisfeitos todos os pressupostos pré-
processuais e processuais para que se lhe possa julgar o mérito. Esse mérito
é o julgamento da sentença que se proferiu na ação em que se deu a
sentença rescindenda. Tal sentença pode não ter julgado mérito. Ainda aí
ela é objeto do mérito da ação rescisória.237
(b) Quando a ação rescisória é baseada em dois ou mais pressupostos do art.
485, ou a ação rescisória de sentença proferida em ação rescisória se baseia
em dois ou nos três pressupostos do art. 485, 1, II, IV e VI, tem-se de adotar
ordem dos julgamentos. Primeiro se aprecia o que se referir a pressupostos
pré-processuais ou processuais de demanda de cuja sentença se pede a
rescisão; depois, o que se prende a mérito. O art. 485,1 e II, contém três
fundamentos diferentes: prevaricação, concussão, cormpçáo, impedimento e
competência absoluta, devendo esse vir em primeiro lugar, depois do
impedimento e, finalmente, o da prevaricação, concussão ou corrupção. Se
a alegação de violação de lei (art. 485, V) se refere a regra jurídica
concernente à admissão da demanda, por ser sobre pressuposto pré-

processual ou processual, fora dos que mencionam no art. 485, 1 e II, tem
de ser apreciada antes de se apreciar a alegação de ofensa à coisa julgada.
Somente após essa é que se examina a afirmação de ser falsa a prova, ou de
ter havido dcci são que a declarou falsa, cru juízo criminal.

As mesmas distribuições hão de ser observadas no julgamento da ação


rescisória de sentença proferida em ação rescísona.

(c) Se a sentença, na ação rescisória, rescinde a sentença cuja rescisão se


pediu, tem-se de verificar a que ponto e até onde a decisão rescisória

237 Como antes assinalado, só da sentença de n1~rito se admite a ação


rescisória, veja-se o c~-iput do art. 485.

atinge tal sentença, e fixar-se o que, com a rescisão, cai no processo da


ação em que se proferiu a sentença rescindida.
a) Se a sentença rescindida foi sentença de inadmissibilidade da demanda,
ou por falta de pretensão à tutela jurídica (incapacidade de ser parte,
indemandabilidade de prestação futura, desnecessidade da tutela jurídica),
ou de pressuposto processual, a rescisão faz admissível a demanda, que tem
de continuar, na instância em que se proferiu a decisão rescindida.235 Se a
sentença que se quer rescindir somente foi de admissão da demanda (art.
485,1,11,1V e V), a rescisão tem a eficácia desconstitutiva, sem que se
possa pensar em juízo rescisório.239

b) Se a sentença, na ação rescisória, rescinde sentença que julgou questão


prejudicial, que foi acolhida como matéria de defesa, sem se poder
prosseguir no julgamento do mérito, a eficácia sentencial da rescisão é a de
permitir que, desprezada ou afastada a preliminar, se prossiga no
julgamento do mérito. Se a sentença rescindente desconstitui a decisão que
repeliu a questão prejudicial, por inadmissível, ou por ser sem fundamento,
passa-se a julgar a questão prejudicial, ou se julgar fundada a alegação, e
nada mais há por fazer-se, salvo se a questão prejudicial fora levantada pelo
que é autor da ação rescisória. 24<)

Ao julgar-se a ação rescisória, tem-se de decidir quanto ao depósito dos


cinco por cento do valor da causa, que o autor fizera. Ou a quantia é
restituida ao autor, ou aos autores, ou reverte em benefício do réu, ou dos
réus. Há, aí, dever dos juizes, pois não é preciso que tenha havido qualquer
requerimento da parte, ou das partes. Ou a ação rescisória é julgada
procedente, ou improcedente, isto é, se tinha razão o autor, ou se não tinha,
ou se tinham razão ou autores, ou se não tinham. Está em causa o iudicium
rescindens, a razão para a rescisão, ou a falta de razão; e não o iudicium
rescissori um. A decisão rescindente é constitutiva negativa; se foi julgada
improcedente, apenas declarativa negativa: não havia o direito, a pretensão
e ação a rescindir-se a sentença (É erro dizer-se que, se houve julgado de
improcedência, se declarou a “anulação”. Anulação não se declara; e a
sentença na ação rescisória, se a tem por improcedente, rescinde, não anula.
O assunto nada tem com a validade.)
238 vd.anota237.239Não se conhece sentença (sei. 162, § l~) somente de
admissão da demanda porque a sentença que a admitir tambêm lhe julgará
o mérito.244)Vd. a nota 237.

O depósito é entregue ao autor, em restituição, sem se ter de pensar em que


é que vai ocorrer no iudicium rescissorium. Pode acontecer que a nova
sentença seja igual à anterior, salvo, evidentemente, em hipóteses como as
do art. 485, V (violação de direito em tese) e IX (erro de fato).

Há o art. 488, II, onde, a respeito da perda do depósito dos cinco por cento
pelo autor, dita a tftulo de multa, se fez pressuposto para a reversão a favor
do réu, ou dos réus, ter havido unânime votação quanto à declaração
negativa. Não se fala disso no art. 494, porém não pode ser interpretado
sem se volver ao art. 488, II. Tal requisito da unanimidade foi fruto da
emenda que se fez ao Projeto. Assim, se foi julgada inadmissível ou
improcedente a ação rescisória por maioria, mesmo absoluta, a falta da
unanimidade afasta qualquer ensejo para a perda a tftulo de multa. Com
isso, o Código de Processo Civil achou que não devia punir quem propôs e
perdeu a ação rescisória, mas algum juiz ou alguns juizes achavam que ele
tinha razão para o pedido.241

Pergunta-se: a) Se a decisão na ação rescisória não foi unânime, mas houve


recurso, e no julgamento do recurso a unanimidade dos votos foi pela
inadmissibilidade ou improcedência, há a perda a favor do réu ou dos réus?
b) Se foi unânime a decisão que disse inadmissível ou improcedente a ação
rescisória, mas, na ocasião de se julgar o recurso, não houve a unanimidade,
a perda a favor do réu, ou dos réus? c) Se a decisão de competência
originária foi favorável ao autor, mas na de competência recursal foi
unânime a declaração de inadmissibilidade, ~,há a perda a favor do réu, ou
dos réus? Quanto a a), a resposta é afirmativa: o autor ou os autores sofrem
a pena de multa. Quanto a b), não: ao autor ou aos autores é restituida a
quantia depositada. Quanto a c), evidentemente, sim: o autor ou os autores
perdem o depósito.

Se a ação rescisória foi julgada procedente só em parte, como se foi


proposta contra os enunciados a, b e c da sentença, e foi unanimemente
julgada inadmissível ou improcedente quanto a b, ou quanto a b e c, tem-se
de atender a que o valor da causa foi atingido e foi ele que serviu de base à
percentualidade. Se a a correspondeu um terço do valor, a b a metade do
valor e a c um sexto, e o autor ou autores só tiveram decisão desfavorável
quanto a b, o autor ou autores perdem a metade dos cinco por cento postos
em depósito; se só tiveram decisão desfavorável quanto a c, só um sexto.
Admita-se que é requisito essencial para a multa ou perda do depósito ou
parte do depósito a votação unânime.

241 Se o julgamento de inadmissibilidade ou improcedência não for


unânime, não cabe a entrega do depósito ao réu, ainda que isso ocorra em
embargos infringentes, em embargos de divergência, ou em embargos dc
declaração, quando a estes se conferem efeitos

A perda a favor do réu ou dos réus, mesmo a total, nada tem com o
pagamento das despesas antecipadas, nem dos honorários advocatícios
(arts. 494 e 20). Nem o autor ou autores, que perderam a ação sem ser
unânime o julgado, podem cogitar de escapar ao art. 20.

Trânsito em julgado o acórdão, ou o depósito vai ao réu ou aos réus, ou se


devolve ao autor ou aos autores, ou logo na decisão se ordenou o mandado
de retirada, der guia contra a retirada.242

2. Recursos Os recursos são os comuns: da sentença definitiva cabe


apelação, se a ação rescisória correu na justiça, de primeira instância,
excepcionalmente,243 embargos infringentes do julgado, se foi processada
na instância superior local ou federal (quanto à instância superior local, 2~
Turma do Supremo Tribunal Federal, 17 de julho de 1945, R.

.F., 107,408), mas dizer-se outro nome não constitui erro grosseiro, í a
Turma, 6 de agosto de 1945, 105, 506; se os embargos não foram opostos, a
decisão não é de única ou última instância para o efeito da interponibilidade
do recurso extraordinário, 2~ Turma, 29 de janeiro e 22 de abril de 1946, O
D., 39, 280 e 41,411, R..F., 110, 68; quanto aos tribunais federais, idem. O
art. 530 do Código de 1973 foi explícito quanto a embargos infringentes em
caso de ação rescisória na superior instância.
A embargabilidade da decisão em ação rescisória processada na instância
superior independe da câmara, turma, ou plenário que a proferiu (Supremo
Tribunal Federal, 6 de abril de 1946, A. J., 83, 187).

São permitidos embargos de declaração e embargos infringentes do julgado


(Tribunal de Apelação do Ceará, 10 de abril de 1944, R. de D., 148, 300;
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 3 de janeiro de 1944, D. da J. de
8 de dezembro, 5697); o recurso extraordinário, se cabe.2~ Se o rescisório
foi julgado por outro tribunal que o competente para o juízo rescindente,
não há a limitação de recursos no tocante a acórdão do Supremo Tribunal
Federal. Outrossim, suando, rescindido o julgado, cabe rejulgar-se a causa,
no juízo originário.2 Errados, os acórdãos das Câmaras Cíveis Reunidas do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 19 de julho de 242Texto
obscuro, ininteligível na última proposição cujo sentido apenas se intui.
Ainda assim, nãoo alterei, diante do reiterado propósito de preservar a
incolumidade da obra.243\‘d. a nota 223.244Idem, o recurso especial e os
embargos de divergência (Const. 88, art. 105, III. e CPC, art. 546,na
redação do ati. 20 da Lei n0 8.950, de 13.12.94).245 Aliter, o art. 494: o
próprio tribunal da ação rescisória proferirá novo julgamento (de mérito.
jáque uma sentença de mérito é.

conforme o art. 485, condição específica da ação rescisória, nada obstante a


opinião do comentarista, atrelada ao código anterior, não seguida nem pela
doutrina nem pela jurisprudência).

1941, A. J., 59, 379, e a 6 de novembro de 1941, A. .1., 62, 133, que não
admitiram embargos infringentes do julgado.

As leis de organização judiciária é que têm de se afeiçoar ao Código de


Processo Civil, e não o Código de Processo Civil às leis de organização
judiciária (Certos, o Supremo Tribunal Federal, a 20 de abril de 1942, A. J.,
63,346, e 19

de maio de 1942, A. J., 63,352; a 2~ Turma, a 28 de julho de 1942, A. J.,


64, 189; e o Tnbunal de Apelação do Distrito Federal, a 30 de julho de
1942, D. da J. de 8 de agosto, 2745; e a 3 de janeiro de 1944, D. da J. de 8
de dezembro, 5696).

Em processo de ação rescisória, qualquer que seja a decisão não unânime,


na superior instância cabem embargos infringentes do julgado. Pressuposto
comum é apenas o não ser unânime a decisão no recurso. Se foi unânime,
os embargos infringentes do julgado são recursos inadmissiveis, cf. art. 530.

3.Recurso extraordinário e ação rescisória Problema assaz delicado é o do


se saber se de decisões proferidas na ação rescisória cabe recurso
extraordinário, se não se trata do decisum sobre a rescisão.247 Antes de
referirmos acórdão da 2~ Turma do Supremo Tribunal Federal a 4 de junho
de 1947 (D. da J. de 22 de setembro de 1947), atendamos a que: (a) o
processo da ação rescisória é outro processo, durante o qual podem ocorrer
pressupostos para interposição de recurso extraordinário e, até, para a
propositura da ação constitutiva negativa do art. 486; (b) quanto ao mérito,
a) a decisão rescindente põe solução necessariamente diferente da que se
deu na ação a que corresponde a sentença rescindenda, e é irrecusável que
se pode interpor recurso extraordinário, sempre que se lhe componham
pressupostos; mas, pergunta-Se, b), ~no em que se nao rescíndiu a sentença,
ou se a decisão é desfavorável ao autor, não se pode admitir recurso
extraordinário, porque de há muito necessariamente há mais de

246 Não unanime o acórdão, admitem-se os embargos infringentes atnda


quando a ação rescisória haja sido julgada pelo tribunal na sua
composição pletsilria. Neste caso, os embargos serão recurso reiterativo,
que permite a retratação pelo próprio órgão prolator do aresto recorrido.
O relator nunca será o mesmo, como se extrai, a forriori, do parágrafo
único do art. 533 (redação do art. 10 da Lei n0 8.950, de 31.12.94), onde se
determina que a escolha dele recaia, quando possível, em juiz que não haja
participado do julgamento da apelação ou da ação rescisória.

247 Do acórdão que julga a ação rescisória, seja terminativo, seja


definitivo, bem como do acórdão, proferido em agravo regimental da
decisão individual do relator quanto á extinção do processo, cabem o
recurso extraordinário, o especial, ou ambos, atendidos os pressupostos
específicos dos arts. 102, III, e 105, III, da Const. 88 e os genéricos,
relativos à admissibilidade dos recursos em geral. Também se admite, em
tese, a interposição dos dois recursos de qualquer acórdão proferido ao
longo do processo da ação rescisória.

como, s’.g., o que decidisse incidente de impugnação ao valor da causa, ou


julgasse agravo regimental de alguma decisão do relator.

248 Cf. a nota 247.

dois anos se implantara a coisa julgada, que resistiu, ex hypothesí, a


tentativa de rescisão? O assunto merece exame profundo. O acórdão da 2a
Turma, de que acima se falou, apenas cogitou de alguns exemplos de (b),
b): “Sendo, assim, a ação rescisória com conteúdo próprio, o recurso
extraordinário sobre ela somente pode versar matéria referente à rescisória,
e não se voltando à relação de direito cuja soluçao provocou a rescísorla
como no caso, inverossímil mas possível de entender que, apesar de estar
violada a lei, não cabe ação rescisória, ou não cabe, apesar de se tratar de
juiz subordinado ou suspeito; enfim, quando se censura a lei sobre ação
rescisória, aí caberá recurso extraordinário desta. Do contrário, a parte
poderia de sentença vuíneradora da lei manifestar recurso extraordinário e
ação rescisória; teria dois ensejos de apreciar a matéria da ofensa da letra da
lei: na ação rescisória própria e, depois, no recurso extraordinário, em outra
instância, onde se voltariam a discutir os próprios termos do primitivo
julgamento”. A decisão, certa em alguns pontos, tem o defeito de baralhar
as espécies (a) e (b), a) e (b), b).

Quanto a (a), desde que se compõem os pressupostos do recurso


extraordinário, ainda que se repita a questão levantada na ação a que
corresponde a sentença rescindenda e tenha havido recurso, inclusive
recurso extraordinário, porque se trata de outra relação jurídica processual
a respeito da qual nenhuma coisa julgada formal do outro processo pode
ter qualquer significação, inclusive se a ação rescisória é por infração de
regra jurídica processual. A nova infração, durante o procedimento da ação
rescisória, é outra infração. Se, ao rescindir a sentença, a decísao
rescíndente comete infração de lei, há recurso extraordinário.249 Há
problema, surgido com o Código de 1973, que merece profundo exame para
que se não volva ao passado, cuja regra jurídica agora está apagada. No
Código de 1939, o art. 799 limitava a proponibilidade da ação rescisória de
sentença proferida em outra ação rescisória quando se verificasse “qualquer
das hipóteses previstas no n0 1, letras a e b, ou no caso do n0

II do artigo anterior”.250

Apenas se afastou, então, a rescindibílidade por ser a sentença “contra


literal disposição de lei”. Com base nesse texto, que se apagou totalmente,

não se admitia na ação rescisória recurso extraordinário por ofensa ao


direito

249 Sob a Const. 88, a referência seria ao recurso especial.

250 Desapareceu do atual CPC a regra do art. 799 do código anterior.


Cabe ação rescisória de acórdão que julgou ação rescisória, e assim
sucessivamente, desde que o acórdão que se quer rescindir (ele próprio e
não o aresto objeto da ação rescisória por ele julgada) se enquadre em
algum dos casos do art. 48 5.

em tese. Hoje, acertadamente, não mais se limitou o cabimento da ação


rescisória, a ponto de poderem os juizes rescindentes e rescisórios violar a
lei, sem se poder exercer a pretensão à rescisão ou ao recurso
extraordinário, conforme o art. 119, III, da Constituição de 1967, com a
Emenda n0 1 ~

No que se refere ao mérito, a decisão proferida na ação rescisória, que não


seja negando a rescisão no ponto de que se trata, é outra decisão noutro
processo, porque se abre ex hypothesi, com ela, a coisa julgada formal, e
tudo é já noutro plano. De tal decisão pode interpor-se recurso
extraordinário, mesmo porque poderia caber ação rescisória se a decisão
tivesse sido em recurso extraordinário. Por exemplo: a sentença rescindenda
afirma que à posse são de mister o corpus e o animus; a sentença
rescindente rescinde-a por se entender que o Código Civil brasileiro
abstraiu do animus~ há o recurso extraordinário de tal decisão, proferida na
ação rescisória. O Supremo Tribunal Federal poderá dizer, julgando-o, que
o Código Civil brasileiro abstraiu do corpus e do animus.252

Se a decisão, na ação rescisória, é no sentido de não rescindir ojulgado, há o


recurso da sentença desfavorável, porém não o recurso extraordinário,
porque se encontra a coisa julgada formal que a decisão não rompeu.253
Salvo se distinta a questão suscitada, isto é, peculiar à sentença rescindente.

Pode acontecer que sobre o ponto que se discute em recurso não assente o
fundamento da ação rescisória, tendo a sentença transitado em julgado
sobre os outros. Então, o recurso é sobre a matéria estranha à ação
rescisória (cf.

Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 6 de


junho de 1946, R. de J. B., 81, 88).

Cabe recurso extraordinário de sentença proferida em ação rescisória se há


violação dos pressupostos da ação rescisória (28 Turma do Supremo
Tribunal Federal, 5 de novembro de 1946, R. F., III, 429), ou se no decisum
do iudicium rescissorium se compõe alguma das espécies do art. 119, III, da
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, estranha ou não às propostas do
decisum na sentença rescindenda.254

251 Vd. os arts. 102,111, e 105,111, da Const. 88.

252 Sob a Const. 88, o exemplo seria relativo ao recurso especial e não ao
extraordinário, que tem por pressuposto questão constitucional.

253 o acórdão, que julga a ação rescisória, dá pela improcedência do


pedido de rescisão, o limitado efeito devolutivo do recurso extraordinário
ou do recurso especial, que dele se interpusesse, impediria o STF ou o STJ
de, provendo o recurso para desconstituir o acórdão rescindendo,
proferirem também o juízo rescisório. Para esse fim, a causa deve voltar ao
tribunal de origem. O acórdão que contivesse o judícium rescissoríum seria
igualmente impugnável por embargos infringentes, se apenas majoritário, e
por recurso extraordinário ou especial, conforme houvesse questão
constitucional ou de direito federal.
254 Na Const. 88, a referência seria ao recurso especial do art. 105, III.

A respeito de ação rescisória, tem-se de distinguir o que se passou a) na


relação jurídica processual em que foi proferida a sentença rescindenda e o
que se passou b) na relação jurídica processual em que se pede a rescisão.
Não pode haver recurso extraordinário, na relação jurídica processual b),
quanto ao que se passou na relação jurídica processual a). Seria entrar-se na
relação jurídica processual extinta (ex hypothesi, a sentença rescindenda
transitou em julgado e ação rescisória é ação contra a res iudicata) para se
admitir recurso extraordinário. Se a sentença ou qualquer decisão na relação
jurídica processual b) deixa intacta a decisão proferida na relação jurídica
processual a), ainda que só a reproduza, argumentando (= não a rescinde
quanto ao ponto examinado), não seria possível deixar-se de admitir o
recurso extraordinário (cp. 28 Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de
junho de 1947, R. F., 116, 121). Na relação jurídica processual b) pode
ocorrer o que perfaça algum dos pressupostos do art. 119, 111:255 não se
poderia negar o cabimento do recurso extraordinário. Se é no tocante a
algum dos pressupostos que ocorre a infração corrigível pelo recurso
extraordinário, é evidente que se tem de abstrair do que se passou na
relação jurídica processual a), pois ou se julgue procedente ou se julgue
improcedente a ação rescisória a decisão sobre a matéria é a decisão na
ação rescisória, julgamento de julgamento. Porém não se pode dizer que
somente em tais casos se componha pressuposto do recurso extraordinário.
A infração pode ser a outros respeitos, como se a decisão é terminativa do
feito sem julgar o mérito, ou se julga precluso o prazo da ação rescisória, ou
se reputa ilegítima, processual ou materialmente, a parte, autor ou réu, ou se
deixou de admitir recurso, ou se admitiu recurso que não cabia. Na
jurisprudência da 28 Turma do Supremo Tribunal Federal, a 6 e a 10 de
junho de 1947 (R. F., 115, 115) e 4 e 8 de julho de 1947 (R. F., 115, 458; A.

J., 86, 132), afirmou-se que só a infração dos arts. 485 e 486
correspondentes aos arts. 798, 1 e II, e 800, pará~rafo único, do Código de
1939, pode dar causa a recurso, extraordinário,25 mas o erro salta aos olhos
e fere fundo o direito processual civil.
4. Recursos nos processos de ação rescisória Cabem das decisões finais em
ações rescisórias, se em acórdãos, os embargos de declaração, os
infringentes e o recurso extraordinário.257 Quanto às sentenças, de que não

255 Falecido antes do advento da Const. 88, o saudoso comentarista não se


refere ao recurso especial, instituído no art. 105, III, na nova carta, como
hoje faria.

256 Sob a Const. 88, o recurso por contrariedade á lei federal seria o
especial (art. 105, III) e não o extraordinário, este reservado a questões
constitucionais (art. 102, III).

257 Ou o recurso especial, manifestado simultaneamente com o


extraordinário, se o recorrente interpuser ambos.

cogitou o Código de Processo Civil, temos de atender a que não se pode


com textos de lei processual emendar o que está na Constituição de 1967,
com a Emenda n0 1, cujos arts. 119, 1, m), e 122, 1, a),255 só fizeram de
competência originária as ações rescisória ‘ide seus julgados”.

Para que caibam embargos de declaração o pressuposto é apenas o de haver


obscuridade, dúvida ou contradição, ou ter sido omitido ponto sobre o qual
devia ter-se pronunciado o tribunal (art. 535, cf. arts. 463,11, e 464).259
Para a oposição de embargos infringentes é preciso que não tenha sido
unânime o julgamento da procedência, ou da inadmissão ou improcedência
da ação rescisória (art. 530). O pressuposto tanto é relativo à decisão de
admissibilidade, quanto à do iudicium rescindens ou à do iudicium
rescissoriumn. Se no tocante a determinado ponto ou a determinados pontos
da matéria houve divergência, há restrição parcial (art. 530, 2~ parte), O
processo dos embargos infringentes é o dos arts. 53 1-534.

Para a interposição do recurso extraordinário é preciso que ocorra um dos


fundamentos que a Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, III,
aponta.26<> No parágrafo único do art. 119 estatuiu-se que “as causas a
que se refere o item III, alíneas a e d” são indicadas pelo Supremo Tribunal
Federal no Regimento Interno, que há de atender “à sua natureza, espécie
ou valor pecuniário”. No art. 308 do Regimento Interno diz-se: ‘Salvo nos
casos de ofensa à Constituição em discrepância manifesta da jurisprudência
predominante no Supremo Tribunal Federal, não caberá o recurso
extraordinário, a que aludo o seu art. 119, parágrafo único, das decisões
profendas: IV nas causas cujo benefício patrimonial, determinado segundo
a lei, estimado pelo autor no pedido, não exceda, em valor, de sessenta
vezes o maior salário-mínimo vigente no País, na data de seu ajuizamento,
quando uniformes os pronunciamentos das instâncias ordinárias; e de trinta,
quando entre elas tenha havido divergência, ou se trate de ação sujeita a
instância unica.

Cabem embargos infringentes quando não foi unânime o julgado na ação


rescisória. Se o desacordo foi parcial, restringidos estão os embargos

258 Const. 88, arts. 102, I,j, e 105, 1, e.

259 A reforma do Código de Processo Civil ab-rogou o art. 464 e suprimiu


a palavra dúvida do inciso

1 do art. 535, que disciplina os embargos declaratórios em todas as


instáncias (arts. 1” e 30 da Lei n0

8.950, de 13.12.94).

260 A Const. 88, art. 102, III, tornou obsoleto tudo o quanto se diz neste
parágrafo dos comentários, que só não foi suprimido pelo propósito de se
preservar a inteireza da obra.

261 ‘Vd.a nota 260.

à matéria objeto da divergência (art. 530). Portanto, se a decisão foi


unânime, então é interponível o recurso extraordinário: - Se não foi,
primeiro se hão de opor os embargos infringentes de cuja decisão pode ser
interponível o recurso extraordinário.263 O que acabamos de dizer se refere
assim ao iudicium rescindens como ao iudicium rescissorium. (É óbvio que
de modo nenhum se pode pensar em ainda haver recurso da sentença
rescindenda.) Depois do trânsito em julgado da decisão da ação rescisória,
contra ela somente há a proponibilidade da ação rescisória da decisão
proferida na anterior ação rescisória.

5. Particularidades devidas à instância em que se proferiu a sentença


rescindida (a) O art. 119, 1, n~), da Constituição de 1967, com a Emenda n0
1, atribui ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente,
as ações rescisórias de seus acórdãos.2~ Repitamos: com a rescisão, a sorte
do julgado anterior é dependente do que se pôs ou se deixou no lugar. Se o
acórdão concemia à prestação jurisdicional, entra no lugar dele o que se
decidir (rescisão e rescisório). Aliter, se apenas dizia respeito à terminação
do processo sem julgamento do mérito: se a rescisão exaure o que se
julgara, ou se apanha tudo que se decidiu depois, tem de ser decidido o
mérito, e não se pode fazer tábua rasa das regras jurídicas sobre
competência. A rescisão do acórdão que entendera não caber apelação para
o Tribunal de Justiça, ou para o Tribunal Federal de Recursos, embora tenha
transitado em julgado a sentença de que se apelara, tem por eficácia
permitir a apelação, isto é, atribuir ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal
Federal de Recursos265 o julgamento em grau de recurso. O Supremo
Tribunal Federal não poderia, aí, julgar o feito em juízo rescisório.

Estamos a reproduzir o que antes dissemos.

Se foi rescindido o acórdão que julgara prescrita a ação, o tribunal ou o juiz,


que a julgara prescrita, tem de apreciar o restante do mérito, porque só se
rescindira o acórdão concernente àquela questão prévia. O Supremo
Tribunal Federal só aprecia o que fora por ele apreciado.

262 Ou o recurso especial, se o acórdão se enquadra numa das três alíneas


do art. lOS, III. da Const.88.

263 vd. a nota 262.

264 A Const. 88 dá essa competência ao STF e ao STJ (arts. 102, I,j, e lOS,
1. e).

265 Na Const. 88, a referência do texto seria aos Tribunais Regionais


Federais (art. 108, II).
(b)O art. 122, 1, a), da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá ao
Tribunal Federal de Recursos o julgamento das ações rescisórias dos seus
acórdáos.2~ Tudo se passa como a respeito de (a).

(c)Se foi rescindido o acórdão do Tribunal de Justiça em assunto que não


apanha o que o juiz julgara, mas implica que não o poderia julgar, tem-se de
proceder ao julgamento no juízo competente para a ação em que se
proferira a sentença rescindida. Esse juízo pode ser o próprio Tribunal de
Justiça, se a decisão seria sua.

(d)Se foi rescindida a sentença do juiz, de que não houvera recurso, ou dele
não se conhecera, o Tribunal de Justiça pode julgar ou ordenar que ojuiz
julgue, conforme a espécie. Assim, julga, se a rescisão afirma que não há
ação ou está prescrita a pretensão, ou a ação, ou que se terminara, com
julgamento do mérito, o feito. Fora daí, é o juiz que tem de julgar.
Tínhamos de repetir esses pontos, para chegarmos à questão.

(e)Não é competente o Supremo Tribunal Federal ou o Tribunal Federal de


Recursos, para ação rescisória de sentenças que, proferidas por juizes ou
tribunais, das quais haveria recurso para o Supremo Tribunal Federal, ou
para o Tribunal Federal de Recursos, não foram objeto de recurso, ou dele
não conheceu aquele ou esse tribunal.267 Tais sentenças são rescindíveis no
juízo em que foram dadas, com recurso para o tribunal federal competente.
A competência recursal quanto à sentença rescindente é a mesma que
existiria para a sentença rescindenda. Não é escusado reproduzir-se tudo
isso e o que se segue:

Rescindida somente a sentença sobre a execução, subsiste a sentença na


ação. Rescindida a sentença que se proferiu na ação, não subsiste o que se
lhe seguir.

Quando se rescinde parte da sentença, supõe-se a separabilidade dessa


parte. O que não foi atingido pela rescisão continua eficaz. Os efeitos que
não foram atingidos não mais o podem ser. Os efeitos atingidos
desaparecem ex tunc.
Por isso mesmo, as questões prejudiciais cujas decisões não foram
rescindidas operam em relação ao que se mudou, ou ao que se há de pôr em
lugar do que foi rescindido.

Se, eliminado, pela alegação na ação rescisória, um dos fundamentos da


sentença, a decisão seria a mesma, não há rescindir-se ojulgado (Câmaras
Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 19 de fevereiro e
29 de abril de 1948, M. F., II, 42).

266 Const. 88, art. 102, 1, e, quanto ao STJe art. 108, 1, b, quanto aos
Tribunais Regionais Federais.

267 Nesta letra, faz-se referência ao extinto Tribunal Federal de Recursos


como tribunal detentor da competência recursal ordinária, que, na Const.
88, é dos Tribunais Regionais Federais (art. 108, II).

6.Após a rescisão, juízo rescisório e resto do julgado Trânsita em julgado a


sentença rescindente, tudo que foi rescindido é posto fora do mundo
jurídico: a sentença, que antes existia e era eficaz, desaparece. Se houver
execução (carga 5 ou 4 de eficácia), a ação rescisória apanha a própria
retirada do bem e faz com que volte: não se precisa de propor ação iudicati;
tudo se passa nos próprios autos da ação rescisória, sem necessidade de
outro despacho, inclusive quanto ao que o autor há de restituir (cp. L. unica,
C., de reputationibus, quaefiunt in iudicio in integraum restitutionis, 2, 47).
A restituição deve ser de tal modo que cada um receba o seu.

Há três partes a serem consideradas da sentença rescindida:

1) O que foi rescindido (= o que a sentença rescindenda cindiu e, com o


trânsito em julgado, deixou de ser nada).

2) O que, tendo algo sido escapo à rescisão, se tem de recompor desde essa
parte incólume para preencher o vazio deixado pela eficácia constitutiva
negativa da sentença rescindente (iudicium rescissoriunl).
3) Aquele “algo escapo à rescisão”, de que acima se falou.

Pode somente haver 1), se todo o procedimento foi atingido pela eficácia
constitutiva negativa da sentença rescindente.

Pode somente haver 1) e 2), se a sentença rescindente apenas deixou


inatingida a petição, com o despacho de deferimento do pedido de citação,
porque, se deixou intacta a citação, há resto, isto é, 3).

7.Rescisão de sentença cível e execução a fazer-se ou feita A sentença cível


ou a) é dotada de força executiva, ou b) é de carga imediata de
executividade, ou c) de carga mediata de executividade, ou d) apenas
apresenta parcela mínima de eficácia executiva. Somente as espécies a), b)
e c) suscitam o problema que aqui nos interessa. Na espécie a) e na espécie
b) não há outra ação, que seja a ação de execução de sentença. Ou a
sentença foi preponderantemente executiva, ou a sua executividade, sendo
imediata, se produziu desde logo. Na espécie c), a sentença, com carga
mediata de executividade (3), foi, mediante nova relação jurídica
processual, executada. A rescisão da sentença, nas espécies a) e b),
desconstituindo, desconstitui todos os seus efeitos. Na espécie c), tem-se de
alegar a inexistência do título sentencial que serviu de base à execução.
Aqui surge o problema: ~,há de ser tratada a execução como inexistente,
nula ou rescindível?

A sentença cível, que ex hyporhesi, foi rescindida, passou a não existir, ex


tunc, por efeito da sentença constitutiva negativa de rescisão. A ação
iudicati fundou-se na sentença que depois se rescindira, de modo que ou (a)
se há de considerar nulo todo o processo de execução, por falta de pretensão
à tutela jurídica, julgada, implicitamente, na ação rescisória, ou (b) se há de
ter como re,ycindidas todas as decisões no processo executivo de sentença,
por se entender implícito no pedido de rescisão da sentença executada o de
rescisão das decisões no processo de execução. A verdadeira solução é a
segunda, o que torna quase iguais as soluções às espécies a), b) e c).

Se a rescisão foi anterior à execução, óbvio é que não mais se pode executar
a sentença, ou, sejá iniciado o processo de execução é de pedir-se a
decretação da nulidade por falta do pressuposto da tutela jurídica.

8. Revisão da sentença penal a que se dera execução cível segundo

o direito processual penal Se a lei processual penal diz que, transitada em


julgado a sentença condenatória, podem promover-lhe a execução, no juízo
cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido seu representante legal
ou seus herdeiros, tal execução supõe a eficácia executiva cível mediata da
sentença penal, de jeito que a regra jurídica há de ser interpretada como
declaração legal dessa eficácia. Há relação jurídica processual nova,
iniciada com a execução cível, razão por que os meios para se atacar
qualquer decisão que durante o processo executivo se profira são os
mesmos que se teria em se tratando de decisões proferidas durante o
processo de execução civil de sentença cível.

Suponhamos, porém, que não se promoveu a rescisão de qualquer decisão


proferida durante o processo de execução cível da sentença penal, mas que
se promoveu a revisão do processo penal, obtendo-se ganho de causa.
~Qual a sorte das decisões no processo de execução cível da sentença penal
se foi revisto o processo e se desconstituiu a sentença penal?

Sendo a execução cível da sentença penal apoiada na carga de eficácia. que


tem essa, tem-se de entender que o pedido de revisão da sentença penal
inclui o de ineficacização das decisões no processo executivo. Temos,
assim, que o prazo preclusivo da ação rescisória não incide, porque a
atacabilidade da sentença penal pela ação de revisão é sem qualquer prazo,
ou tem prazo especial. Se, no julgamento da procedência da revisão, o
tribunal alterou a classificação do delito, ou modificou a pena, sem que a
sentença perdesse a carga de eficácia executiva e sem que se houvesse de
rescindir, em conseqUência, embora em parte, as decisões no processo de
execução cível da sentença penal, nenhuma eficácia desconstitutiva tem a
sentença de revisão da sentença penal no tocante à execução cível que se
lhe deu. Não assim se a decisão revisora absolve o réu, ou, desclassificando
o delito, deixa de ser suscetível de executividade civil, no todo ou em parte,
a sentença penal.
9. Problemas que surgem Outro ponto em que se têm cometido injustiças,
devidas a escritores que não aprofundaram o assunto, é aquele em que se
supõe que somente a sentença sobre o mérito, ou, para outros, somente a
sentença sobre o mérito e a que põe termo ao processo sem julgar o mérito,
podem ser rescindidas. Não; a rescisão pode ser de sentença que poderia ter
posto termo ao processo e julgar o mérito e da própria sentença que pôs
termo ao processo, sem julgar o mérito.2~5 Aliter, da decisão que ordenou a
prisão, que nomeou curador à lide, que confirmou o despacho que negou
apelação, ou a julgou deserta, ou relevou da deserção (art. 519 e §~ 1~ e
20), 2 que negou alimentos provisionais, que entregou bens sem ser em
virtude de sentença e sem caução. A rescisão é da sentença se o ato anterior
não importa julgado àparte, em que seja de se apreciar o decidido, qualquer
que venha a ser ou tenha sido, posteriormente, a sentença.

Se houve sentença e transitou em julgado, mas fora pedida, antes, a rescisão


do acórdão que permitira ato ou dispensara ato, ilegalmente, sem se poder
invocar qualquer das regras jurídicas dos arts. 243-250, a sentença
favorável proferida no processo da ação rescisória desfaz o que se julgara
quanto a esse momento processual, de modo que a desconstituição do
processo atinge a sentença.

Resta saber se isso também se dá se, no momento de se propor a ação


rescisória da decisão do art. 486 já havia transitado em julgado a sentença
sobre o mérito ou alguma sentença de que caberia apelação.

Os problemas exigem a maior atenção. Antes, os casos concretos.270

268 Assinale-se, mais uma vez, que só é vulnerável à ação rescisória do art.
485 a sentença de mérito, isto é, a que acolhe ou rejeita o pedido formulado
pelo autor. Se se quiser chamar também ação rescisória à prevista no art.
486, ainda assim se excluirão do âmbito da sua incidência as sentenças
terminativas porque a sentença homologatória é definitiva, de mérito
portanto. Excluiram-se as sentenças terminativas da incidência do art.

485, porque, embora façam coisa julgada formal, elas não obstam à nova
propositura da mesma ação, salvo quando acolherem a alegação de
perempção, litispendência ou coisa julgada. Assim está no art. 268. Quid
juris, se a sentença terminativa preclusa acolhe a alegação de perempção,
litispendência, ou coisajulgada, sem que, efetivamente, haja ocorrido um
desses fenômenos? Nesses casos, como o autor ficaria proibido de ajuizar
de novo a ação, a sentença terminativa se tomaria rescindível, por
equivalente à prestação jurisdicional de mérito, pois se estaria,
indiretamente, rejeitando o pedido do autor, proibido de formulá-lo de
novo. E de improcedência do pedido a sentença, formalmente terminativa,
que põe fim ao processo com fundamento no inciso V do art. 267, sem que
se tenha verificado um dos fenômenos ali previstos porque consubstancia
um julgamento obstativo da demanda. Conseguintemente, é suscetível de
desconstituição pela ação rescisória, com fundamento no art. 485, em cujo
n0 V, tirante outros, ela sempre caberá por violação literal do art. 267, V.

269 O art. 10 da Lei n0 8.950, de 13.12.94, revogou o caput do art. 519. ali
colocando a norma do anterior *

1~, mas alterada na redação, tanto quanto a do anterior § 20,


transformado em parágrafo único. Vd. os respectivos comentários.

270Na contemplação dos casos em seguida abordados, não se pode


abstrair da opinião isolada do insigne comentarista de que se admite a
ação rescisória do art. 485, ainda quando não seja de mérito o julgado
rescindendo.

a) Se o juiz indeferiu o pedido de execução com fundamento em entender


que o titulo extrajudicial não era tftulo executivo e houve recurso, provido,
para a superior instância, esse acórdão, se algum dos pressupostos do art.
485

ocorreu, pode ser rescindido. Não é preciso que se aguarde a sentença do


juiz, para se propor a ação rescisória desse acórdão, nem a propositura da
ação rescisória obsta, como é óbvio, ao prosseguimento do processo. Se, ao
ser rescindido o acórdão, não havia sentença, ou havia, porém não passara
em julgado, a rescisão dele apanha o procedimento executivo desde o
início, e não há dificuldades em doutrina, porque a invalidade do ato
prejudica os atos posteriores, que dele dependam ou sejam conseqUentes
(art. 248). Sejá havia sentença, trânsita emjulgado, ao tempo do trânsito em
julgado da decisão na ação rescisória, posto que a ação rescisória tivesse
sido proposta antes do trânsito em julgado da sentença sobre o mérito da
ação executiva condenatória, nem por isso deixa de ser atingida, porque
fora sentença que se pronunciara em processo ainda vulnerável. Não se
poderia admitir outra solução sem graves ofensas aos princípios. Não se
tratava de nulidade processual que pudesse ser afastada na sentença, porque
a sentença supôs que não existisse, e a pretensão executiva estava em causa.
Donde poder-se concluir que, fora das espécies do art. 249,

§ 20, não há pensar-se em se poderem aproveitar o ato atingido pela


rescisão e os atos conseqUentes.

b) Se o tribunal não conheceu de recurso interposto de decisão que não


atingira o mérito, inclusive recurso extraordinário, e se prosseguiu no
processo, tendo sido proposta ação rescisória do acórdão de não-congnição,
durante cujo processo se deu o trânsito em julgado da sentença sobrevinda,
a decisão, na ação rescisória, que julgou que se devera ter conhecido do
recurso, tem a conseqUência de se fazer subir e julgar o recurso. Tal recurso
pode ser provido ou não. Se não provido, tollitur quaestio. Se provido, tem-
se de atender à matéria julgada e saber se o procedimento posterior ao ato
judicial de que se recorre foi completamente atingido, ou, pelo menos, nao
se poderia julgar o mérito se não respeitada a decisão no recurso.

No tribunal em que se aprecia o recurso é que se pode alegar suprimento da


falta (art. 250), ou que a sentença foi favorável ao recorrente (art. 249), ou
que não houve prejuízo para as partes (art. 249, * la). O juízo do processo
em que sobreveio a sentença, trânsita, ou não, em julgado, não mais pode
apreciar aquelas alegações, devido à coisa julgada formal ou ao princípio de
irrevogabilidade das sentenças, salvo nas espécies em que há agravo de
instrumento e sustentação do juiz. Depois da eficácia da sentença
rescindente que apanhou o ato e, em conseqUência, os atos posteriores até a
sentença, é que pode o juízo prosseguir, ex tunc, no procedimento, como se
recurso e ação rescisória não tivessem havido. Os princípios que aplica são
os que qualquer juiz aplicaria.
c)Se o tribunal não conheceu do recurso, se prosseguiu no processo,
sobreveio sentença e só após ela, com a coisa julgada, propôs a parte a ação
rescisória do acórdão proferido no recurso, tem ela de pedir a rescisão da
própria sentença (isto é, até a sentença), porque a ação rescisória do ato
intercalar não poderia existir sem respeito à coisa julgada da sentença
proferida e trânsita em julgado. A coisa julgada da sentença final na ação
em que se deu, fora da sentença, o pressuposto para a rescisão de alguma
decisão, não permite rescisão de qualquer decisão anterior sem que se peça,
também, a rescisão da sentença já trânsita em julgado. O processo, após a
coisa julgada formal da sentença final (que conheceu do mérito, ou que pôs
termo ao processo sem lhe julgar o mérito), está fechado. Não há abri-lo em
qualquer momento do seu curso, sem se abrir, também, a sentença final.

d) Se o tribunal conheceu do recurso e lhe dera provimento ou não, e a ação


rescisória se propõe antes da coisa julgada formal da sentença final que
sobreveio no processo de cuja decisão se recorrera, tudo se passa como se
disse em a).

e) Se o tribunal conheceu do recurso e lhe deu provimento, ou não, e a ação


rescisória é proposta após trânsito em julgado, formalmente, da sentença
final que sobreveio no processo de cuja decisão se recorrera, seria contra os
princípios que se não respeitasse a coisa julgada formal da sentença final
que sobreveio, mas que precedera à propositura da ação rescisória. A
solução é a de exigir-se que se peça a rescisão da sentença final, uma vez
que repousa, ex hypothesi , na eficácia da decisão rescindenda.

Não se poderia preexcluir a ação rescisória de decisão que passa em


julgado, formalmente, antes de se proferir a sentença final. Tanto naquela
quanto nessa pode ocorrer algum dos pressupostos do art. 485. Além disso,
algumas vezes, normalmente, ou por precipitação do juiz, há julgamento de
parte do mérito, questão prejudicial ou não (e. g., decisão sobre prescrição),
e seria inadmissível, de legeferenda como de lege lata, que se não
considerasse, nas espécies do art. 485, rescindível tal sentença. Se a decisão
érescindida antes de passar em julgado a sentença final, ou depois de passar
em julgado a sentença final, ou se a ação rescisória é proposta antes de
transitar em julgado a sentença final, ou depois, tudo se resolve conforme
dissemos acima em d) e e), respectivamente.

Enfim, a solução. A rescisão que poderia atingir a sentença final,


superveniente, trânsita em julgado, à decisão rescindenda, teria de ser
rescisão de decisão em que se apoiou a sentença final. Se a sentença final
poderia subsistir sem subsistir a decisão rescindenda, inútil seria a rescisão.
Os exemplos mais sim pies são o da rescisão de decisão sobre nulidade, que
se dera e foi decretada na sentença rescindente, se, depois, se operou
repetição do ato (art. 250), o da rescisão da decisão sobre nulidade, que fora
decretada pela sentença rescindente, se, ao julgar o feito, o juiz decide do
mérito a favor da parte a que aproveitaria a decretação da nulidade (art. 249,
§ 20).

Se a sentença só transitou em julgado depois de estar proposta a ação


rescisória de ato judicial anterior a ela e com a decisão que se pede como
objeto da rescisão (= a decisão que fica no lugar da decisão rescindida), a
sentença não pode subsistir, a coisa julgada formal depende da decisão na
ação rescisória. Contou-se com esteio que talvez viesse a faltar ao edifício.
E faltou.

O ato intercalado pode ser ato processual envolvente, de modo que a


rescisão dele e do ato jurídico envolvido tenha de ser segundo o art. 486, ou
segundo o art. 485, se a causa é própria do ato processual envolvente.

O propósito da lei, no art. 486, não foi afastar a ação rescisória nas espécies
de que ele trata (sentença meramente homologatóna e decisão ou despacho
não-sentencial). Se, por exemplo, por prevaricação, concussão ou
corrupção, o juiz homologou partilha intercalar, ou se a homologou sem ser
homologável, o vicio está na sentença, e não na partilha: o art. 486 não
poderia ser invocado, posto que o possa ser o art. 485, 1, ou 485, V.

A respeito, alguns intérpretes superficiais cometem o grave erro de entender


que as sentenças meramente homologatórias e as decisões nãosentenciais
não passam em julgado. Até já houve quem escrevesse que não transitam
em julgado julgamentos de arrematação, adjudicação ou de remição de
bens, julgamentos de que note-se bem cabe recurso e contra os quais,
precluso o prazo de interposição, ou julgado recurso eventualmente cabível,
não há remédio fora da ação rescisória: a res iudicata estabelece-se.

Uma das conseqUências do que acima dissemos é a de ter-se de fazer, a


respeito das rescisões de atos processuais intercalares quando envolventes,a
mesma distinção que apontamos em geral, atendendo-se a ter já transitado,
ou não, em julgado a decisão envolvente.

Também aqui o juiz se apoiou em esteio, que faltou. A falta é sempre


relevante, mas se transitou em julgado a decisão que serviu de esteio tem de
ser também rescindida.

A rt. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue ‘)em dois (2)
anos, contados do trânsito em julgado da decisão2)3)4)5)6)7)

1. Prazo paiii a propositura da ação rescisória da sentença27’ Os velhos


jurisconsultos muito discutiam o prazo para a propositura das ações
rescisórias, sendo de citar-se Baldo de Ubáldis, Bártolo de Saxoferrato, J.

H. Bender e Crevett. Fizeram-se, depois, extinguíveis em trinta anos,


sobrevindo leis especiais. D. B. Altimaro (Tractatus, 1, 8) já afirmava ser
trintenal: “per viam actiones, durat triginta annis”. Manuel Gonçalves da
Silva esclareceu, no seu tempo, o direito português ( Commentaria, III,
130):

“Si per viam actionis agatur, potest dici de nuílitate usque ad triginta annos,
quia tunc competit officium iudicis nobile, quod eatenus durat, quatenus
durant reliquae actiones personales, videlicet triginta annis”. O fato de não
se poder, após o prazo, pleitear a rescisão da sentença é de extrema
importância. Qualquer que haja sido o seu vício, nenhum remédio jurídico
resta. Por isso, é imprescindível saber-se quais são as sentenças rescindíveis
e quais as que não são. No direito anterior ao Código Civil de 1916
(Supremo Tribunal Federal, 21 de setembro de 1912), o texto de Manuel
Gonçalves da Silva foi o “direito”. Exemplo eloqUente de direito fora da
lei. Era a communis opinio. ~Lá se foi o “em todo tempo” da Ordenação! Se
o direito só fosse o texto legal, melhor exemplo não teríamos de violação de
direito.

(a) O Código Civil de 1916, art. 178, § 10, VIII, fixou-o em cinco anos, em
vez de trinta. Restava saber-se se o prazo era de prescrição e, pois,
suscetível de interrupção e suspensão, ou preclusivo e, assim, como tais
prazos, de ordinário, indefectivelmente contínuo. A questão só assumia
aspecto mais interessante porque se meteu no direito material o que
concerne essencialmente a instituto de direito processual. A desatenção de
Rui Barbosa continuou a causar dúvidas e dificuldades. É pena que o
Código de Processo Civil de 1939 não tivesse incluído no seu texto essa
regra jurídica, pois que nele é que devia estar. Nem se compreendia que se
dessem os pressupostos de uma pretensão, de uma ação, e se lhe esquecesse
o prazo extintivo. Como ficou, tínhamos a pretensão e a ação no Código de
Processo Civil, e estava certo, e o prazo de preclusão da pretensão... no
Código Civil, e estava errado. A feitura das leis envolve responsabilidades
enormes.

(Note-se que se preferia a expressão “nulidade”, em vez de “rescisão”, mas


a chamada nulidade era, apenas, desconstituibilidade, pois havia o prazo.
Tal como passou a ser o direito brasileiro, as vantagens de terminologia
eram evidentes, a despeito do inoperante “nula” do art. 798, do Código de
1939, sobrevivência que chocava.)

As nossas críticas ao que se passava no direito civil e processual antes do


Código de 1973 foram integralmente atendidas. O texto sobre o prazo
preclusivo passou a constar do Código de Processo de 1973, art. 495, o que
importou ab-rogação do art. 178, § 10, VIII, do Código Civil de 1916. Nos
outros textos do Código de Processo Civil repeliu-se referências a sentença
“nula” e só se fala de rescisão.

No Código Civil de 1916, art. 178, introduziram-se nos tempos de


prescrição vários prazos preclusivos, de que são exemplos os do mesmo
artigo, §§lo, 20, 40 fi 50 J (Decreto-lei n. 4.529, de 30 de julho de 1942, art.
1~, pr.), II e III.
Nada obstaria, portanto, a que se reputasse preclusivo, e não prescripcional,
o art. 178, § 10, VIII. Tivemos ensejo de defender a nossa opinião, que
passou àjurisprudência. Examinemos, apenas, hoje, com intuito de
exposição histórica, as duas interpretações possíveis: 1) Hipótese do prazo
de prescrição: interromper-se-ia pela citação pessoal, ordenada por juiz
incompetente (propositura da ação em juízo que não pudesse conhecer da
rescisória); e pelo protesto, nas mesmas condições; e suspender-se-ia:

entre cônjuges; entre incapazes e o titular do pátrio poder, tutor e curador;


se contra os absolutamente incapazes, ou contra os ausentes do Brasil em
serviço público, ou contra os que se achassem servindo nas forças armadas
em tempo de guerra (arts. 172, 168 e 169 do Código Civil de 1916). II)
Hipótese do prazo preclusivo: ter-se-ia de atender ao tempus continuum;
correria contra os absolutamente incapazes, bem como contra as outras
pessoas designadas no art.

169, II e III, do Código Civil, e entre as pessoas designadas no art. 168. As


diferenças eram teóricas e praticamente importantes. Se A, na hipótese de
ser prescripcional o prazo, tivesse contra B ação rescisória a propor, desde
três anos passados, e com B se casou, deixaria de correr e somente após o
desquite se retomaria o curso (o Código Civil falou em “na constância do
matrimônio”, mas devia-se entender da “sociedade conjugal”). Se B tivesse
ação rescisória contra C, que passou a ser, antes de expirar o prazo, seu
curador, deixaria de correr desde o dia da entrada em exercício. D herdou de
E ação rescisória contra seu pai, titular do pátrio poder: o prazo não correria
enquanto não suplementado, ou não atingisse a maioridade, ou não perdesse
o pátrio poder o pai. Tudo isso seria muito grave, porque se não conservaria
a restituição fundada nos iura minorum e casos semelhantes. Na hipótese de
prazo preclusivo, nada disso se daria: o tempo se escoava sem que causas
interruptivas e suspensivas pudessem atuar. Se o Código Civil houvesse
respeitado o caráter de instituto de direito processual, portanto público, que
tem a rescisão das sentenças, nenhuma dificuldade teríamos, e fora de
responder-se ser preclusivo o prazo, dispensando-se argumentações. Dado o
incidente do art. 178, § 10, VIII, tivemos de procurar saber até que ponto a
preclusividade normal do prazo relativo à ação rescisória resistiria à
vizinhança dos prazos prescritivos. Outros, evidentemente, resistiriam
conforme acima se disse.

A favor da prescrição poder-se-ia alegar o seguinte: tratar-se de ação


pessoal, segundo a velha concepção dos jurisconsultos portugueses, aliás de
influxo canônico. A favor da preclusão, não se tratar, na rescisória, de
proteção a direitos subjetivos, mas de fatos de interesse público a “causa”
para se retomar a prestação jurisdicional. O objeto, e não o sujeito, está em
foco. Os partidários da primeira opinião aduziam que se tratava de ação, ao
que os outros responderam que à prescritibilidade não basta tratar-se de
ação: por trás e à base dos prazos preclusivos, por vezes se acham ações.
Demais, estávamos no terreno do direito processual, onde mais função tem
a preclusão que a prescrição.

Cumpria examinar-se o prazo em si mesmo. Certamente, não se podia


firmar a distinção entre prescrição e prazo preclusivo na insuspensibilidade
ou ininterruptibilidade desse, como pretendia A. Grawein (Verjahrung and
gesetzliche Befristung, 93, cp. M. Biermer, Frist und Verjãhrung, 19);
porém, é claro que os prazos preclusivos escapavam, na maioria dos casos,
aos arts. 168-176 do Código Civil de 1916. Houve quem entendesse ter-se
prazo de prescrição onde se suspende, e de preclusão onde não se suspende;
porém o critério seria, igualmente, petitio principii.

Outros sustentaram conhecer-se o prazo preclusivo pela não-intermpçáo no


caso de haver reconhecimento do devedor (Christian Weiss, Verjãhrung und
gesetzliche Befristung, 69, 72). Tudo isso, ao tempo em que classificamos o
prazo como preclusivo e hoje, não é de admitir-se:

há prazos preclusivos suscetíveis de suspensão, como para abatimento no


preço ou perdas e danos, no caso de disposição contrária do contrato, ou no
caso do art. 170, II, do Código Civil de 1916 (L. Enneccerus, Lehrbuch des
Btirgerlichen Rechts, 30a~34a ed., 1, 593).

A prescrição é mais fato, com efeitos jurídicos, ao passo que o prazo


preclusivo é mais determinação temporal. Esse atende mais ao “pedaço de
tempo” em si, para que não deixe em aberto a questão, ou ao exercício do
direito indispensável à sua existência, como acontece com a alegação de
defloramento da mulher, por parte de outrem que o marido, com os vícios
redibitórios e com os prazos para impugnação da legitimidade. A prescrição
leva mais em conta o que se passa dentro de tal tempo. (Quase assim,
Ottmar Rutz, Die gesetzliche Befristung, 1; Die Wesensverschiedenheit von
Verjãhrung und gesetzlicher Befristung, Archiv fíir die civilistische Praxis,
101, 439.) Na preclusão, mais se considera o objeto; na prescrição, mais o
sujeito. A pretensão à cobrança prescreve; a rescindibilidade por vicio
redibitório preclui. A prescrição concerne à pretensão; o prazo preclusivo
quase sempre ao direito. (Note-se que o Código Civil de 1916, no art. 178,
posto que falou de ação a propósito de prazos preclusivos, no § 10, VIII,
pela única vez, de “direito”: “o direito de propor ação rescisória”.) Tudo
mostrava que o prazo para a rescisória era prazo preclusivo.

Após as nossas argumentações sobre se tratar de prazo preclusivo, o


Supremo Tribunal Federal, a 17 de abril (2~

Turma, A. J., 62, 337) e a 12 de setembro de 1942(laTurma,D. daJ. deiS de


abril de 1943). Naturalmente, havemos de comparar os fatos, semelhantes,
da preclusão para o mandado de segurança e os embargos de terceiro e do
devedor.

O prazo preclusivo para a propositura da ação rescisória conta-se do trânsito


em julgado da sentença rescindenda. Não importa se sobreveio ação
executiva de sentença (2~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 6 de janeiro
de 1947, R. F., 118, 442), que tem as suas decisões também suscetíveis de
ação rescisória, conforme os princípios.

Se por acaso, sobrevém pátrio poder, tutela, ou curatela, nos casos em que a
ação devia ser proposta pelo incapaz e não no foi, responde por perdas e
danos o representante do incapaz. Se o representante, ou pessoa que devia
assistir, seria o próprio réu da ação rescisória, casos em que se infringiu a
regra jurídica sobre o curador especial se colidem os interesses ou sobre
prescrição de nomeação, a mesma ação caberá. Se o interesse do pai, tutor
ou curador sobrevém, é caso da nomeação de curador especial, ou da
remoção do tutor ou curador. São princípios que se põem com todo relevo
pelo fato de ser preclusivo o prazo.

Se a rescisão se funda em pressuposto objetivo concernente a pressuposto


subjetivo da ação cuja sentença se pretende rescindir, o prazo para a
propositura começa a contar-se da data em que transita em julgado a
sentença. Tal é ocaso das decisões rescindíveis por incompetência do juízo
ou vício quanto à parte. Tal força formal supõe ciência. Outrossim, se o
pedido concerne à violação do direito (ius constitutum), ou à falsa prova.

Se foi julgada a falsidade da prova, em juízo criminal, <,o prazo preclusivo


somente começa de correr com o trânsito em julgado da sentença penal?

Tratando-se de invocação do pressuposto objetivo da falsa prova, o biênio


principia com a passagem em coisa julgada, e não com a obtenção dos
elementos informativos e probatórios da falsidade. Ao trânsito em julgado
da sentença rescindenda liga-se o prazo para a rescisão por infração da
coisa julgada.

Falando, acima, da preclusão da ação rescisória, cujo prazo se inicia com o


trânsito em julgado da sentença rescindenda, aludimos à falsidade da prova
(art. 485, VI, ia parte: “cuja falsidade tenha sido apurada em juízo
criminal”). A sentença criminal que declara falsa a prova pode ocorrer
dentro do prazo para preclusão da ação rescisória, ou depois. Entenda-se
por “ocorrer” o transitar em julgado. Se transita em julgado dentro do
prazo, é de discutir-se (a) se só se inicia a contagem desde que passou em
julgado a sentença criminal, ou (b) se continua de correr o prazo bienal. Se
posterior, a questão (c) cifra-se em se saber se se abre novo prazo. Se há
afirmativa quanto (a), (c) está resolvido; se (b), tem-se, ainda, de discutir
(c). A opinião verdadeira é (a) e, pois, (c). Aliás, não se abrira o prazo
preclusivo.

Se a lei faz pressuposto da ação rescisória a prova tida como falsa por
sentença de juízo penal, trânsita em julgado, seria perturbante do sistema
jurídico que se desse por precluso o prazo para a ação rescisória se nos dois
anos não houve o julgado criminal, ou só passou em julgado após a
preclusão. Daí termos, desde muitos anos, procurado no excepcional
iniciamento a solução mais aconselhável. Com o advento do Código de
1973 surgiu outro problema, que é o que resulta do começo do prazo na
espécie do art. 485, VII (“depois da sentença, o autor abtiver documento
novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si
só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”).

Dir-se-á que teríamos de seguir a mesm~i trilha que abríramos para a


espécie de superveniência de coisa julgada, em processo criminal, sobre a
prova, em que se fundara a sentença rescindenda (art. 485, VI, 1a parte).
Mas advertimo-nos de que, na espécie do art. 48S, VI, ia parte, se evita
contradição entre a coisa julgada no juízo cível e a coisa julgada no juízo
criminal, ao passo que, na espécie do art. 485, VII, se trata de documento
que foi achado, ou obtido, ou descoberto, e não foi objeto de apreciação.
Daí não devermos ir a mudança no alcance da regra jurídica do art. 495.

(b) ~,Quando começa a coisa julgada formal da sentença? Só a lei


processual pode responder: desde que da sentença não cabe, ou já não cabe
qualquer recurso. Para a ação rescisória, alguns sistemas de processo
adotaram a data da intimação como dies a quo do termo para o remédio
jurídico processual. Não existe, todavia, princípio a priori. Desde que o
acórdão rescindendo anulou o processo por impropriedade do remédio
jurídico proposto e se alegam preclusão do prazo bienal para a propositura
da ação rescisória e prescrição da ação que fora proposta, cumpre separar,
com precisão, o juízo rescindente e o juízo rescisório. Decidido que a
preliminar levantada no juízo rescindente não procede e o tribunal a
despreza, passa-se, então, ao mérito do juízo rescindendo. No mérito do
juízo rescindente é que se discute se o acórdão deve ser rescindido.
Respondido que não, toilitur quaestio. Respondido que sim, passa-se ao
juízo rescisório. Aí é que se pode arguir a prescrição da ação que foi
proposta e que teria de ser julgada. (Inversão injustificável, por confusão
entre juízo rescindente e juízo rescisório, deu-se no acórdão da antiga Corte
de Apelação do Distrito Federal, plena, a 24 de julho de 1935, posto que se
possa entender que tal decisão julgou procedente o judicium rescindens e
improcedente o juízo rescisório.)
A despeito do art. 495 do Código de Processo Civil de 1973, como a
despeito do antigo texto heterotópico do Código Civil, continuamos
entendendo que a rescindibilidade pode depender, na espécie do art. 485, vi,
ia parte (“prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal”),
do trânsito em julgado da sentença penal. Por exemplo: B foi condenado a
pagar a A cheque falso, ou nota promissória falsa, ou outro documento
falso, e ficou em situação econômica gravíssima (e.g., foi à falência) e o
processo criminal contra A foi retardado para que se pudesse alegar a
preclusão da ação rescisória. Durante os dois anos, B não podia fazer a
prova contra A, porque, durante os dois anos, não se havia concluído a
prova no processo criminal. j~É justo que B sofra o que sofreu, condenado
como foi, e se saiba que foi vencido com prova falsa?

Continuamos com a opinião de que o art. 495 não incide em caso do art.
485, VI, 1a parte; mas aconselhamos que o perdente da ação proponha a
ação rescisória com alusão ao processo criminal. Pode ser que a prova da
falsidade da outra prova (a prova falsa) somente haja aparecido depois dos
dois anos e então se inicie a propositura da ação criminal. ~Qua1 a atitude
que há de ter o Estado? O ari. 495 é explícito, mas havemos de atender que
a rescindibilidade da sentença, na espécie do art. 485, VI, ja parte, depende
de outro trânsito em julgado. O erro, na omissão, é semelhante àquele que
tanto exprobramos e estava no adjetivo “nula” do art. 798 do Código de
1939.

Esperemos que o Supremo Tribunal Federal e os outros tribunais e juizes


atendam à relevância do pressuposto dos dois trânsitos em julgado (o da
sentença rescindida e o da sentença no juízo criminal).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 30 de maio de 1951


(Jurisprudência, 1952,343), entendeu que o prazo preclusivo (chamado por
ele, erradamente, prescripcional) começa de ser contado da data da
publicação do acórdão no recurso extraordinário, ainda se desse recurso não
conheceu o Supremo Tribunal Federal. Sem razão. Se se conheceu do
recurso extraordinário, como de qualquer recurso que se interpôs da senten
ça que, portanto, ainda não transitou em julgado, o que vai transitar em
julgado é a decisão no acórdão que examine a sentença: o prazo preclusivo
e para a rescisão desse acórdão, que confirmou ou reformou a sentença. Se
não se conheceu do recurso extraordinário, como de qualquer recurso, é que
a sentença transitou em julgado, uma vez que dela não cabia o recurso
interposto, e sentença trânsita em julgado é a sentença de que não cabe ou
de que já não cabe recurso.

A ação rescisória é proponível desde que transitou em julgado a decisão que


se quer rescindir. A relação jurídica processual pode ainda estar pendente de
sentença que a faça cessar. A afirmativa de que, pendendo a lide, ainda não
há coisa julgada formal é falsa. Se transitou em julgado decisão que não foi
afinal, coisa julgada formal estabeleceu-se para o ponto ou os pontos dessa
decisão.

Se, durante a ação rescisória, surge questão que já deu ensejo a recurso
extraordinário e foi julgado, não se pode de novo recorrer, porque, ex
hypothesi, transitou em julgado a decisão do Supremo Tribunal Federal, que
teria de ser rescindida.272 Isso nada tem com o cabimento da ação
rescisória se teria sido caso de recurso extraordinário e não fora usado
(confusão grave em Luís Eulálio de Buneno Vidigal, Da Ação Rescisória
dos Julgados, 35, que nos atribui, e ao Supremo Tribunal Federal, opinião
que seria justamente a contrária à nossa).

A propositura da ação rescisória nada tem com o já se ter, ou não, iniciado a


execução, ou com ainda não se ter executado ou iniciado a execução. A
sentença rescindível é executável como as outras; pode dar-se que se tenha
a pretensão à execução provisória (arts. 587, 2~ parte, e 588) e se haja
exercido; ou que a execução possa ser nos próprios autos (eficácia imediata
de executividade), ou que se trate de ação executiva de cognição plena ou
não-plena (adiantamento de execução, e.g., art. 585).

Se, na execução de sentença, o executado apresenta embargos (art. 741, 1),


por falta ou nulidade da citação inicial e por ter corrido à revelia a ação,
primeiro hão de ser julgados esses embargos do devedor, por se tratar de
ação de nulidade, incidental, e ser subsidiária a rescisória (= não ser
remedium ordinarium), e não haver eletividade entre ela e a ação de
nulidade. O juiz, que encontra o nulo, desconstitui o ato jurídico, ou a parte
do ato jurídico em que ele ocorre. Têm-se, primeiro, de julgar os embargos
do devedor, que são suspensivos; mas ainda que o não fossem.

Proposta ação rescisória, processa-se; o julgamento da ação rescisória é que


tem de ser após o julgamento dos embargos do devedor.

A regra * Quae ad agendum temporalia, ad excipiendum perpetua sunt não


se aplica, hoje, à ação rescisória. Só temos a ação; não temos a exceção. E é
bem que assim seja. <,Por que havia de ser perpétuo o que se quer que se
peça no biênio? G. Chr. Burchardi (Die Lehre von der Wiedereinsetzung,
496; sobre o direito romano e a observação de G.

Chr. Burchardi, ver Marco Vita Levi, De restitutione in integram, 118)


desenvolveu as razões para que os nossos tempos repelissem, aí, o princípio
romano. <,Quem proporia a ação, se tivesse a exceção? <Que significaria o
remédio, com as suas garantias e cautelas, se mais fácil fosse a via da
exceção? O elemento canônico atuou no instituto. A actio de nuilitate vel
querela nuilitatis, ação pessoal, passou a prescrever em trinta ou quarenta
anos. A noção da sanatio interveio: “Sanatio autem intelligebatur, si assensa
adversarii vel tractu temporis vel aliis rebus supervenientibus ius infirmum
convalescebat”. Se a nulidade ipso jure teve, em parte (art. 741, 1), esse
tratamento, não se entenderia a perpetuidade da pretensão à rescisão.

Mais: a exceção não é pretensão. O seu caráter defensivo, em contraposição


à pretensão, à ação, não permite à ciência modema que se incida em erro de
tê-la como contraprestação, contra-ação. (Ainda nisso incidiram Konrad
Cosack, Lehrbuch des deutschen biirgerlichen Rechts, 1, 255; Wilhelm
Abegg, Die Verjãhrung der Einreden nach rõmischem, gemeinem und
biirgerlichern Recht, 66). A pretensão e a ação definem-se por certa
agressividade (Otto Hoffmann, Die Verjãhrung der Einreden, 66). A ação
rescisória, por exemplo, ataca o julgado. Se pudessem ser alegados, em
exceção, os pressupostos objetivos da rescisão, teríamos a exceção
agressiva, a ação dentro da exceção, a ação dissimulada em exceção. Ora,
se há exceções inatingíveis pela prescrição (as verdadeiras exceções), não
se dá o mesmo com as exceções concorrentes, como seria o caso, e a
execução correspondente à rescisão, se hoje existisse, cairia com a
prescrição da ação. *Tant dure 1 ‘action, tant dure 1 ‘exceptiou. Não se
pode dizer que prescreva, ou preclua: extingue-se. A prescrição da
pretensão acarreta-lhe o apagamento (Paul Langheineken, Anspruch and
Ejurede, 183 e 287; Max Flegel, Der Begriff der Einrede im BGB, 48; Kurt
Geier, Der Begriff der Einrede, 25 e 26); do outro lado, nasce outra
exceção, que é a da prescrição (Otto Hoffmann, Die Verjãhrung, 28). As
interrupções e suspensões, que concemem à prescrição, não se aplicam à
exceção (Paul Langheineken, Anspruch, 287; Rudolf Leonhard, Der
Aligemeine Te ii, 231), o que bem prova não prescrever com a ação;
extingue-se. (Sem razão o parecer

de R. Salmann, Uber deu Satz Quae ad agendum sunt temporalia, ad


excipiendum sunt perpetua, 19 s., que sustentava a prescrição das exceções
concorrentes.) Sobre as exceções puras nenhum influxo tem a prescrição,
bem assim sobre as exceções concorrentes reais; as concorrentes pessoais
extinguem-se com a prescrição da pretensão ou direito com que concorrem;
as autônomas verdadeiramente não constituem classe à parte (Otto
Hoffmann, Dier Verjãhrung, 34; cp. H. Berent, Die Vernichtung der sogeu
konkurrierenden Einreden, 72 s.).

No art. 495, o prazo é preclusivo,273 dito extintivo, conceito que


impusemos à própria redação heterotópica e errada do Código Civil. Com
isso, o legislador atende a que o ataque à coisa julgada, por meio de ação
(alguns sistemas jurídicos concebem o remédio jurídico processual como
recurso, o que destoa dos princípios de ciência dó direito). Extinguem-se o
direito à rescisão, a pretensão à rescisão e a ação à rescisão. Trata-se de
direito potestativo extintivo (ou, digamos, formativo extintivo), só exercivel
em “ação” (de direito processual). Nem se suspende, nem se interrompe. Se
ocorre o despacho dentro do prazo, conforme resulta da regra jurídica do
art. 220, que remete ao art. 219, a eficácia é à data do despacho em que se
pediu a citação (art. 219, § 10)274 Citação fora do prazo para ser feita
éineficaz para se ter como proposta a ação de rescisão. A citação, ou, se ela
é eficaz, o despacho há de ser feito no prazo preclusivo. Daí a ocorrência
excepcional: despacho no último dia do biênio, citação nos dez dias do ari.
219, § 20,275 ou noventa dias (§ 30), se houve prorrogação.
2. Influência da coisa julgada na decisão de outra ação Ocorre às vezes que
a coisa julgada de um processo serve de base ao julgamento de outro, e.g.,
foi vencido o autor da ação de despejo na ação que contra ele se propusera
de reivindicação, e foi julgado nulo o titulo creditório em que o réu era
coobrigado; em tais casos, na ação rescisória contra a segunda sentença, não
se pode pretender a rescisão da coisa julgada da outra: ou previamente se
propõe a ação rescisória da primeira (a parte da segunda ação é interessada
para propô-la, posto que não seja parte na primeira, como no exemplo que
demos em segundo lugar), ou se propõe a ação rescisória da segunda, se o
que se lhe quer rescindir é o seu próprio julgamento, independentemente da
subsistência da primeira sentença.

273 Prazo decadencial. conforme a doutrina e a jurisprudência do artigo


comentado.

274 Em virtude da redação dada ao ~ l~ do art. 219 pelo ao. l~ da Lei n0


8.952, de 13.12.94. a eficácia é à data da propositura da ação (art. 263).

275 Combinados o art. 220 e o * 20 do art. 219. na redação do art. l~ da


Lei n0 8.952, de 13.12.94, écerto que também o autor da ação rescisória
não fica prejudicado pela demora da citação imputável exclusivamente ao
serviço judiciário.

3. Embargos de terceiro e rescisão A propositura da ação rescisória da


decisão que julgou provados os embargos de terceiro, ou que os julgou não
provados, ou os rejeitou in limine,276 pode ser dependente e pode não no
ser. De regra, se os julgou provados, não é preciso que se rescinda, antes, a
sentença proferida na ação principal (Tribunal da Relação do Rio de
Janeiro, 17 de novembro de 1933; Tribunal da Justiça de São Paulo, 23 de
novembro de 1931). Se os julgou não provados e a ação principal foi
julgada improcedente, ou nulo o processo, ou inutilizada por alguma
preliminar, não é de mister que se proponha a ação rescisória da sentença
proferida na ação principal. Tem-se de rescindir o que seria incompatível
com o julgado na rescisória da decisão sobre os embargos.
4. Rescindibilidade total e rescindibilidade parcial (a) A rescisão da
sentença, por prevaricação, concussão, ou corrupção, ou impedimento ou
incompetência absoluta do juiz (art. 485, 1 e II), apanha a sentença toda;
salvo quanto à incompetência ratione materiae, ou pela hierarquia, se há
duas ou mais sentenças numa só (cumulação de pedidos) e para uma ou
mais era competente, ratione materiae ou pela hierarquia, o juiz.

(b) Se a causa da ação rescisória é ter havido dolo da parte vencedora em


detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, para fraudar a lei
(art. 485, III), a sentença é atingida no que o dolo da parte vencedora, ou a
colusão entre as partes, infraudem legis, levou ao resultado da decisão, de
modo que pode só em parte sofrer rescisão.

(c) A ofensa à coisa julgada pode não ser em todos os pontos da sentença,
só ser em algum ou alguns pontos separáveis, ou, em caso de pluralidade de
sentenças numa só, só em algum ou alguns deles haver a ofensa.

(d) A ofensa à lei, segundo o conceito de “literal disposição de lei”, que é o


do art. 485, V, pode ser só em um ou alguns pontos separáveis, ou, em caso
de pluralidade de sentenças numa só, só numa ou em algumas delas haver a
ofensa.

O princípio da incolumidade do separável intervém, de modo que a


rescisão, dentro do que acima se expôs, pode ser total ou parcial.

(e) Se o fundamento principal da sentença foi prova declarada falsa em


juízo criminal, ou de falsidade apurada na própria ação rescisória (art. 485,
VI), a rescisão abrange toda a sentença. Se houve pluralidade de

276 Se são rescindíveis as sentenças de procedência ou improcedência do


pedido formulado nos embargos de terceiro, não no são as decisões
terminativas de extinção do respectivo processo, proferidas liminarmente
ou não, porque, não julgando o mérito, não cabem no eoput do art. 485.

sentenças numa só, somente se rescinde a sentença ou somente se


rescindem as sentenças a que serviu de fundamento principal a prova falsa.
(O Se o fundamento para a propositura da ação rescisória foi o de ter autor
obtido documento, cuja existência ele ignorava, ou de que não pudera fazer
uso suficiente para lhe ser favorável a sentença (art. 485, VII), a sentença é
rescindida naquilo a que serviu para a decisão favorável, ignorando o
vencido a existência do documento, ou não ter podido dele usar.

Se a favorabilidade, toda, foi oriunda disso, ou daquilo, a rescisão é total.

(g) Se a rescisão conceme a sentença proferida em ação rescisória, cumpre


saber se tal sentença se compõe de sentença única, ou se em verdade houve
pluralidade de sentenças numa só (cumulação de pedidos de rescisão). Se
pluralidade houve, nada obsta a que só se peça ou que só se defira o pedido
de rescisão de uma ou de algumas delas.

(h) Tratando-se de atos processuais que não dependem de sentença, ou em


que essa foi meramente homologatória (art.

486), a rescisão é deles, nos casos em que se pode decretar a invalidade dos
atos jurídicos em geral.

(i) A rescindibilidade pode somente existir a propósito de um, ou de alguns


pontos de sentença, ou ser apenas de alguma decisão anterior àsentença
final, devendo-se pedir a rescisão desde aquela até essa, uma vez que essa
só se conceberia subsistindo aquela.

A rescisão só apanha o ponto em que era rescindível a sentença, ou os


pontos em que o era. Se algum ato processual ocorreu que pode ser
rescindido segundo o art. 486, e a sentença também o é, há dois pedidos de
rescisão com diferentes pressupostos.

As Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 15 de


outubro de 1947 (R. dos T., 171, 323; R. F., 116,506), sustentaram, sem
qualquer razão, que a rescisão da sentença há de ser de toda ela, ou não
pode haver rescisão. Não haveria rescindibilidade parcial. Nada mais
aberrante dos princípios. Pode dar-se que tenha havido violação de direito,
no tocante a certo ponto, separável dos outros; e nada impediria que só se
rescindisse, em parte, a sentença.
5. Término do prazo preclusivo A preclusão não tem a eficácia da
prescrição, que apenas encobre a eficácia do direito, da pretensão e da ação.
Não é preciso que se exerça exceção, tal como se passa com a prescrição. O
relator pode indeferir a petição inicial (art. 490, com remissão ao art. 295,
porém não ao art. 219, § 50 a despeito do art. 220).

Se não foi edictado qualquer princípio a respeito, entende-se o que


dissemos. Se alguma regra jurídica de lei posterior diminuísse o prazo para
a propositura de ação rescisória, feriria o princípio constitucional. Se nada
disse, entende-se o que antes dissemos quanto às duas hipóteses.

No momento de julgar a ação rescisória, pode qualquer membro do tribunal


julgador declarar a preclusão, e, com a coisa julgada, extingue-se o
processo. É aconselhável que, se o não fez o relator, o faça o primeiro
membro do corpo coletivo, como preliminar. Julgada procedente a alegação
e extinto o processo, há novo prazo preclusivo para a propositura da ação de
rescisão da decisão proferida na ação rescisoria.

Com a preclusão, a ação rescisória da sentença proferida na ação rescisória


não mais pode ser rescindida.

Tratando-se de rescisão por infração da coisa julgada, se para a primeira


sentença precluiu o prazo para a propositura, a posterior sentença é que não
é atingida. Tal a doutrina brasileira, contra L. 1, C., quando provocare
necesse non est, 7, 64: “Datam sententiam dicitis, quam ideo vires non
habere contenditis, quod contra res prius iudicatas, a quibus provocatum
non est, lata sit, cuius rei probationem si promptam habetis, et citra
provocationis adminiculum quod ita pronuntiatum est sententiae
auctoritatem non obtinebit”. Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Titulo 75,
pr., também se entendia que era “nenhuma” a sentença “contra outra
sentença”. Isso proveio das Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 78, pr.,
para as quais a sentença “he nenhuila per Direito”, se “contra outra
Sentença jaa dada”; e “nem pode já mais em alguum tempo passar em cousa
julguada, mas em todo tempo se pode dizer contra ella que he nenhuôa, e
sem alguum effeito”. Concepção, essa, superada, a despeito, por exemplo,
de ainda a ter recebido o Código de Processo Civil português, art. 675, ia
alínea.

Uma vez que se tem no sistema jurídico a ação rescisória, com prazo
preclusivo, o advento de outra sentença que infrinja a coisajulgada dá
ensejo à propositura da ação rescisória dentro do prazo. Recusar eficácia à
preclusão é contra-senso. Quem tinha direito, pretensão e ação a que fosse
rescindida a sentença colidente não exerceu o direito, a pretensão e a ação, e
tem de sofrer as conseqUências, uma vez que a outra também tem coísa
julgada.

Se pensamos em que pode ser proposta terceira ou outra posterior ação, em


que o autor ou réu queira opor exceção de coisa julgada, ~,qual das
sentenças anteriores é que se há de levar em consideração? Tem-se de
admitir que contra a exceção de coisa julgada, com invocação da primeira
sentença, ou outra anterior à que também passara em coisa julgada, não se
pode recusar eficácia. A eficácia da segunda ou posterior sentença é que
persiste. Assim é que entendem muitos juristas, de diferentes Estados, como

apenas para exemplo Arwed Blomeyer (Zivilprozessrecht, 247, s.), na


esteira de Konrad Hellwig e outros, e P.

Lacoste (De la Chosejugée, 270).

Os efeitos já produzidos na primeira sentença subsistem. Bem assim os que


concemem à parte da sentença que não foi atingida pela segunda, tal como
ocorre com a nova coisa julgada da decisão só prejudicial, que só ofende
esse ponto da outra.

6. Direito intertemporal O prazo preclusivo para apropositura da ação de


rescisão era de cinco anos, conforme o heterotópico e errado art. 178, * 10,
VIII, do Código Civil de 1916. Passou a ser de dois anos (Código de
Processo Civil de 1973, art. 495). Se alguma decisão transitou em julgado
antes de 10 de janeiro de 1974, o prazo para a propositura é ode cinco anos,
porque a lei nova não pode ofender direito adquirido e antes do Código de
1973
nasceram o direito, a pretensão e a ação de rescisão de sentença (cf.
Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art.

153, § 30 ía parte).277 Se o novo prazo tivesse sido, por exemplo, de seis


anos, ter-se-ia de atender àdilatação, que não prejudicaria o direito
adquirido: beneficiá-lo-ia. São as soluções acertadas (cf. Supremo Tribunal
Federal, 4 de abril de 1963; R. dos T., 343, 510; Tribunal de Justiça de São
Paulo, 5 de agosto de 1969, 412, 186; 6 de julho de 1970, 418, 160;
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 9 de junho de 1970,419, 204). Na
Lei de Introdução ao Código Civil alemão, art. 169, deu-se solução
semelhante quanto ao prazo mais curto de acordo com as leis anteriores e
quanto ao prazo mais longo de acordo com as leis anteriores, mas só a
respeito de prazo prescripcional. No Brasil, regra jurídica diferente daquilo
que expusemos seria inconstitucional, porque há o art. 153, § 30 ía parte: já
se adquirira o direito e tal como era e é tem de ser respeitado.

As sentenças que só passaram em julgado a 10 de janeiro de 1974, ou


depois, estão regidas pelo art. 495 do Código de Processo Civil de 1973,
porque só então se irradiou o direito formativo extintivo.

7. Rescisória em quatro anos 278 A Medida Provisória n0 1.577 (quarta


versão em 02.10.97) aumentou para quatro anos o prazo, sempre
decadencial, da ação rescisória, nos casos previstos no seu art. 4”, que tem
a seguinte redação:

“O direito de propor ação rescisória por parte da União, dos Estados, do


Distrito Federal, dos Municípios, bem como das

277Const. 88. art. 50, XXXVI.

278Comentário do atualizador.

autarquias e fundações instituidas pelo Poder Público, extingue-se em


quatro anos, contados do trânsito em julgado da decisão ~‘.

Não aludiu o dispositivo a sentença de mérito, como faz o caput do art. 485.
A melhor interp reta ção, todavia, é no sentido de não se admitir a ação
contra qualquer decisão (o que implicaria o absurdo de estendê-la às
interlocutórias e despachos). Deve-se tomar o substantivo, restritivamen te,
como sinônimo de sentença de mérito transitada em julgado, considerando-
se que a vontade do art. 4”foi dilatar para um quadriênio o prazo da ação
rescisória, no tocante às pessoas ali mencionadas, sem alterar a condição
objetiva dessa ação: a existência de sentença de mérito transitada em
julgado. O parágrafo único do art. 4” contribui para essa interpretação, na
medida que se referiu ao art. 485 do CPC, para acrescentar uma hipótese
de rescindibilidade ao elenco dos seus incisos, sem lhe derrogar o caput.

A norma só beneficia a União, os estados federados, o Distrito Federal, os


municípios, as autarquias, as fundações instituidas pelo poder público, e
ninguém mais, não se admitindo uma interpretação extensiva da regra
jurídica que, a rigor, não confere legitimação, que já tinham as pessoas
nomeadas. O art. 4” da Medida Provisória n”1.577 não derrogou o art.
495 do Código de Processo Civil, pois não o revogou parcialmente. Apenas
justapôs à sua norma, uma outra, especial, deixando aquela de incidir onde
recair esta (s~ 2” do art. 2” da Lei de Introdução ao Código Civil).

Oprazo maior, de quatro anos, beneficia a União, os estados, o Distrito


Federal, os municípios, as autarquias, não importa a sua natureza, e as
fundações instituidas pelo poder público, seja este federal, estadual,
municipal. Não assim as empresas públicas, as sociedades de economia
mista, as fundações instituidas por particulares, Ou algum território, que
venha a ser criado. A ação rescisória dessas pessoas continua a submeter-
se ao prazo decadencial do art. 495.

Onovo prazo apanha o prazo da ação rescisória que já estivesse em curso


quando do advento do art. 4” da Medida Provisória n” 1.577, o qual fica
estendido para quatro anos. Essa, aliás, a opinião de Pontes de Miranda,
no comentário n0 6, precedente, onde ele escreveu que “se o novo prazo
tivesse sido, por exemplo, de seis anos, ter-se-ia de atender àdilatação, que
não prejudicaria o direito adquirido: beneficiá-lo-ia “. Entenda-se, porém,
que, sejá houvesse chegado ao termo final o prazo bienal da ação
rescisória de qualquer das pessoas referidas no art. 40 da medida
provisória, esse prazo, coberto pela decadência, não se reabriria coní o
advento daquele dispositivo.

Os legisladores precisam conhecer o conteúdo exato dos conceitos que


empregam. Nos regimes democráticos, é dificil que se não trave discussão
em torno de algum conceito menos adequado à expressão da regra jurídica
que se adota.

Nos regimes autocráticos, é impoliciada a feitura das leis e podem surgir


monstruosidades como a do art. 15, parágrafo único, do Decreto-lei n0
4.657, de 4 de setembro de 1942: “Não dependem de homo-logação as
sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas”. Se
“declaratórias” se refere às ações declarativas de filiação, é extremamente
grave conceder-se tal liberalidade a sentença que reputem B filho do
brasileiro A, ou do estrangeiro A (casado com brasileira, ou com filhos
brasileiros, ou cuja herança haja de ir, se ele não deixou filhos, à Fazenda
Pública do Brasil).

Seria esse o conceito científico de sentenças declaratórias. Se o tomamos a


classificações de sentenças já superadas, como a binária, a trinária e a
quaternária, então o absurdo do art. 15, parágrafo único, é maior, e teria de
levar a aplicações desconcertantes, como a da 3a Câmara Cível do Tribunal
de Apelação do Distrito Federal (29 de outubro de 1943, D. da J. de 18 de
fevereiro de 1944), que, partindo da classificação binária (ações
declaratórias ou de cognição, ações executivas), concluiu que sentença de
divórcio a vínculo é meramente declaratória e, pois, por ser desprovida de
efeito executivo, não precisa de homologação. ;Quantas afirmações erradas!
A sentença de divórcio a vínculo, como a própria sentença de desquite, é
sentença constitutiva (negativa); tem efeito executivo, inclusive pode ter de
executar-se no Brasil quanto a bens. Pelo acórdão do Supremo Tribunal
Federal, datado de 16 de maio de 1944 (R. J. R., 64, 192), vê-se que as
próprias partes não levaram em conta o art. 15, parágrafo único, revelador
da superficialidade de conhecimentos jurídicos dos redatores do decreto-lei,
e pedem homologação ou não se sabe por que pedem e por que se lhes
defere exequatur.
A vênia ou licença que alguns sistemas jurídicos possuem para execução
testamentária de estrangeiro não é sentença integrativa do testamento regido
pela lei brasileira, salvo a aplicação da regra Locus regit actum. Se o
testamento foi regido pela lei brasileira, ainda que feito no estrangeiro, e é
suficiente, não há sentença a ser homologada, porque seria exigir-se
homologação do supérfluo: tal testamento apenas precisa de cumpra-se, no
Brasil, como se fosse testamento feito no Brasil. Certo, o Supremo Tribunal
Federal, a 23 de junho de 1943 (R. F., 99, 670).

Aliter, se se regeu pela lei local e há algum ato judicial integrativo da forma,
ou do fundo, ou de ambos, exigido pela lei local.

1- UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

(a) As medidas que se tomaram nos arts. 476-479 são de grande relevo.
Primeiro, porque supôem que os juizes se ponham a ver o que há de
dívergencia na jurisprudência, ou quando tal divergência ocorre entre os
próprios membros da turma, câmara, grupo de câmaras, ou do tribunal em
plenário. Segundo, nos recursos têm os juizes de se informar do que outro
juízo coletivo haja julgado acertada interpretação de alguma regra jurídica,
ou de, mediante exegese, haja revelado como regra jurídica.

(b) Há dever dos juizes a esse respeito; e há a legitimação de qualquer uma


das partes, ou assístentes, a inserir no texto do recurso ou em requerimento
avulso, que diante dos fundamentos que aponta os juizes decidam antes
quanto a esses pontos, que são quaestiones imuris.

Os juizes decidem se há, ou não, a divergência, que algum deles ou alguns


deles comunicaram; e, depois de tal enunciado declarativo, têm de votar os
membros do tribunal quanto à interpretação que a maioria absoluta ou a
unanimidade julga certa.

E indispensável a fundamentação de cada voto. Não basta dizer-se que se


vota de acordo com o juiz A, ou com o juiz B.

A publicação obrigatória foi outra medida que merece elogio.


II- DECRETAÇÃo DE INCONSTITUCIONALIDADE

(a) Também a respeito da decretação de inconstitucionalidade, que pode ser


a única ou uma das alegações, criou-se o dever do relator de, ouvido o
Ministério Público, logo submeter a questão à decisão do juízo coletivo a
que incumba o conhecimento do processo, seja de competência originária,
ou não. Lavra-se o acórdão, mas a quaestio iuris vai ao Tribunal pleno,
qualquer que se~a o juízo coletivo. O acórdão é que se remete a todos os
juizes do Tribunal pleno.

279 Const. 88, art. 97: “somente pelo voto da máioria absoluta de seus
membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público’. Art. 93, XI: “nos tribunais com número superior a vinte e cinco
julgadores poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o
máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições
administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal pleno”.
Portanto, a competência para a declaração de inconstitucionalidade será
do tribunal pleno, referido pelo comentarista, ou, onde houver, do órgão
especial.

(b) u,Qual a natureza do ato de remessa e qual a do julgamento?


Rigorosamente, o que se tem de entender é que houve deliberação, de que
se lavrou o acórdão e implicitamente se recorreu de ofício,
obrigatoriamente.

III - HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

(a) A pretensão à homologação da sentença estrangeira nasce a quem tem


interesse (art. 3”) na produção de eficácia de tal sentença no Brasil. A ela
corresponde a ação de homologação. Nem aquela depende da pretensão de
direito material, tal Vez privado, que se invocou por ocasião da dedução in
iudiciumn, nem essa da ação que foi, então, exercida.

A propósito de homologação de sentença estrangeira, cumpre advertir-se


que, se era de repelir-se ter-se a sentença como resultado de contrato (e. g.,
G. Massé, Le Droit commercial dans ses rapports avec le Droit des gens et
le Droit civil, II, 66; André Weiss, Traité íhéorique et pratique de Droit
international privé, VI, 8), é inegável que se trata de prestação jurisdicional,
que o Estado, monopolizando a justiça, prometera. Outra prestação
jurisdicional é a decisão que a homologa, ou lhe nega homologação.

O que se tem de examinar, para a homologação, o que se tem de examinar,


para que haja o exequatur,25<> e a sentença estrangeira. Há de tratar-se de
sentença e há de ser estrangeira. Provê-se a isso em regras jurídicas gerais,
ou em tratados, sem que se possa estender o instituto às decisões
extrajudiciais que não tenham eficácia de sentença. A decisão arbitral está
incluída, quer a legislação, que a rege, exija a homologação judicial,28’ ou
qualquer outro meio de cognição judicial (e. g., o recurso obrigatório), quer
lhe atribua eficácia de decisão judicial; porque o que importa é haver
eficácia de decisão de que se pretenda, noutro Estado, a importação, como
sentença estrangeira. Quanto às decisões de outro poder que o judiciário,
dotado de eficácia sentencial, como a decisão constitutiva negativa de
autoridade administrativa, e. g., Chefe de Estado, a que se atribui tal
eficácia, não é possível falar-se de importação da eficácia sem se homologar
a sentença. O que se há de levar em conta é a decisão conforme a
concepção do Estado de importação, e não conforme a do Estado de
produção da decisão. Esse, indubitavelmente, diz se foi atribuida a eficácia
que se quer exportar; mas aquele é que discrimina o que precisa e o que não
precisa de homnologação.

280O art. 102. 1, h, da Const. 88 manteve a distinção entre hotnologoçdo da


sentença estrangeira e conce.çsâo de exequorur ás cartas rogatórias, tal
como faz o RISTF, tratando da primeira no capítulo II (arts. 215 a 224), e da
segunda, no capítulo II (arts. 225 a 229) do título \‘lII da sua parte II.

281O art. 35 da Lei n0 9.307, de 23.09.96, que dispãe sobre a arbitragem,


condiciona o reconhecimento ou a execução da sentençá arbitral estrangeira
unicamente á homologação do Supremo Tribunal Federal.

Se atendemos a que há decisões ‘judiciais” do Poder Legislativo e do Poder


Executivo, não se pode, a priori, enunciar que somente as decisões do
Poder Judiciário são suscetíveis de homologação e precisam de
homologação.

Quanto ao requisito da homologação, não concerne ele à produção de


eficácia da decisão estrangeira, mas só à sua importação. Nem se há de
pensar em que a eficácia, por ser de decisão estrangeira, não se produziu;
produziu-se, sim, porém, ainda não foi importada. Nem, com a exigência da
homologação, se reduz a sentença estrangeira a julgamento lógico, algo de
ajurídico, como queria Dionizio Anzilotti (nota a sentença, Rivista di
Diritto internazionale, 1907, 354; cf. Esecuzione delle sentenze straniere,
1910, 137), nem seria de admitir-se a concepção de que a sentença
homologatória destrói a sentença estrangeira e de que se põe no lugar dessa
a sentença que homologou (G. Fusinato, L

‘Esecuzione delle sentenze straniere, 54).

O Estado de importação é que tem de dizer se a eficácia é sentemicial e se é


de mister a homologação. Não vem ao caso discutir-se se o Estado a que
pertence a decisão atribuiu ao Poder Judiciário, ou ao Poder Legislativo, ou
ao Poder Executivo, a competência para decidir; porque o que se está a
verificar é a legitimidade, ou não, da importação da eficácia. Assim, para o
Brasil, foi sentencial a decisão do rei da Dinamarca que desconstituiu
casamento, e era de exigir-se a homologação (certo, Haroldo Valíadão,
Homologação da sentença estrangeira, 14 s.; sem razão, Clóvis Beviláqua,
Código Civil Comentado, III, 145, e 5. Sentis Melendo, La Sentencia
extranjera, 38 s.). E preciso que se não confundam com os pressupostos da
homologação os pressupostos da sentença estrangeira. O problema torna-se
gritante a propósito de eficácia sentencial conferida, no estrangeiro, a
decisões de outros poderes que o Poder Judiciário, e de eficácia sentencial
conferida, no estrangeiro, a laudos arbitrais independentemente de exame,
homologatório ou recursal, pelos juizes. Ao Estado de importação o que
interessa é a eficácia sentencial, que se quer importar, sem que o seu direito
sobre laudos arbitrais possa ser imposto à decisão do Estado estrangeiro de
que procede o laudo (sem razão, entre outros, Paul Brachet, De 1
‘Exécution internationale des sentences arbitrales, 5). Se o laudo produz
eficácia sentencial é o Estado competente para o processo arbitral que pode
dizer: foi ele que, competente para a distribuição da Justiça, permitiu o
julgamento por árbitro, com os pressupostos que a sua legislação
estabeleceu. Se a eficácia sentencial e aqui ao Estado da importação é dado
verificar a sentencialidade da eficácia pode ser importada, é o Estado da
importação que há de decidir.

As decisões em jurisdição voluntária estão sujeitas aos mesmos princípios.


Se o Estado de importação considera sentencial a eficácia que o Estado de
produção confere à decisão, a homologação da decisão estrangeira é de
mister.

Com isso, tomam-se sem interesse as discussões em tomo do conceito de


jurisdição voluntária. Qual a eficácia que a decisão em jurisdição voluntária
tem, di-lo o Estado de produção da eficácia; e não se pode generalizar a
outros Estados o que o jurista sabe sobre o seu sistema jurídico. Dai não se
poder, no Estado de importação, enunciar-se que a homologação ou
exequatur não é de mister para decisões em jurisdição voluntária (e. g.., E.
Bartin, Principes de Droit international privé, 473; Charles Lachau,
Observations sur 1 ‘Exécution des jugements étrangers en France, II, 5). Se
partimos do que acima se disse, não cairemos nas perplexidades ou nas
contradições de tantos juristas, nem nas generalizações contra a
importabilidade, ou porque se negue, a priori, a eficácia sentencial (e. g.,
Lodovico Mortara, Comenta rio, V, 76), ou a priori se lhe atribua eficácia
sentencial, ou na interpretação literal de Alberto M. Rodriguez
(Comentarios aí Codigo de procedimiento civil, II, 584; não se distinguiu,
na lei; portanto, não se há de distinguir).

Desde o momento em que, noutro Estado, se entregou prestação


jurisdicional, com eficácia sentencial, e se quer a importação, porque dela
se precisa, tem-se de atender à legislação do Estado de importação. O
Estado de produção tem a iurisdictio e a distribui, conforme os seus
princípios constitucionais e legais; ao Estado de importação somente cabe
reconhecer, ou não, aquela iurisdictio, sem indagar se a repartição que o
Estado de produção fez coincide, ou não, com a sua. O Estado de
importação e que há de dizer se é preciso haver homologação, para que se
importe; e, pois, se éimportável a eficácia sentencial que se produziu lá
fora.

Entre a sentença na ação de homologação de sentença estrangeira e a


sentença na ação rescisória há de comum terem ambas por objeto exame de
sentença: a res in iudicium deducta é sobre sentença. Aquela lhe confere
eficácia no país em que se importa a sentença; essa lhe tira a existência,
pois que a rescinde. Na ação de homologação, a sentença homologada é
prius; a sentença de homologação, posterius. Na ação rescisória, a sentença
rescindenda é prius; a sentença do juízo rescindente, posterius. Pode ojuízo
rescisório restaurar a relação jurídica processual, de modo que a sentença,
então proferida, é sucedânea da primeira. A sentença na ação de
homologação e a do juízo rescindente têm carga de eficácia que se não
confunde com a carga de eficácia da sentença homologanda e a da sentença
no juízo rescisório.

(b) A sentença na ação de homologação é constitutiva de eficácia,. portanto


integrativa, ainda que a sentença homologada seja declaratória,
condenatória, mandamental, ou executiva, e não constitutiva. Na sentença
homologatória, pode haver a retirada de algum elemento para se perfazer a
carga de eficácia constitutiva. Salvo algumas variantes, o que se passa pode
ser posto na tabela seguinte:

(c) A invocabilidade da ordem pública, para corte de eficácia das leis


estrangeiras, resulta de diferença de tempo social entre as legislações, isto é,
entre a legislação aplicada, que não é necessariamente a legislação do
Estado da produção de eficácia (Estado aplicador da lei), e a legislação do
Estado de importação da eficácia. Se esse Estado corta a eficácia da
legislação estrangeira, é porque a regra jurídica, na escala da evolução
social, está muito abaixo, ou muito acima, do grau de evolução da
legislação do Estado a que se pede a homologação ou exequatur.

(d) A eficácia das sentenças nunca é uma só. Temos frisado que há a
eficácia preponderante, dita força, que serve à classificação quinária das
sentenças, e as demais eficácias, cuja soma é constante. Não há ações puras,
nem sentenças puras. Referiu-se Henry de Cock (Effets et Exécution des
jugements étrangers, Recueil des Cours, 10, 437) a algo como os raios do
espectro solar, mas a imagem é inadequada, porque as cargas variam e os
cinco elementos se distribuem sem ser em espectração.

A homologação pode importar a irradiação da sentença com todas as suas


cargas de eficácia, ou somente importar algumas, ou alguma delas. De jeito
que a seleção negativa se pode fazer, reduzindo-se a eficácia importada a
menos do que era e é, no Estado da produção a eficácia da sentença.

As teorias que só exigiam a homologação para eficácia executiva (5, 4, 3)


eram apegadas a certa assimilação da importação à permissão da constrição
executiva. As imagens, que empregavam, refletiam o medievalismo do
“braço armado” (cf., por exemplo: Pietro Cogliolo, Se la sentenza straniera
per avere in Italia l’autorità di cosa giudicata debba essere sottoposta ad un
giudizio di delibazione, La Legge, 1883, 1, 538; L. Mattirolo, Trattato di
Diritto Gitidizia rio Civile Italiano, VI, 636 e 653).

a) A eficácia declarativa é que dá ensejo à exceção de coisa julgada


material. A declaração pode ser de se ter constituído, ou de se ter
desconstituído a relação jurídica, ou de se haver infringido obrigação, ou de
se não haver infringido; pode mesmo ser de ter havido, ou não, relação
jurídica, que dê base à execução. ~,Como seria possível deixar-se de exigir
a homologação de tal sentença? Tinham razão, de sobra, os que lutaram
contra a atitude de só se atender à necessidade de homologação em se
tratando de eficácia executiva e foram explícitos em exigi-la, a propósito da
eficácia declarativa (Giuseppe Saredo, em 1874; C. F. Gabba, em 1875;
Pasquale Fiore, Questioni di diritto su casi controversi, 436; Dionisio
Anzilotti, desde 1901; A. Diana, la sentenza straniera e il giudizio di
delibazione, Rivista di Diritto internazionale, 1908, 72 e 85;.Julio Julianez
Islas, Procedimientos civiles y comerciales, 45; Çarlos Dose, Sentencia,
Fuero extraterritorial en eI derecho privado, 35 s.; Alberto A. Day, Efectos
internacionales de las sentencias civiles y comerciales, 70). Não importa se
é em exceção que se alega ter havido sentença declarativa, ou com eficácia
declarativa imediata ou mediata (sem razão, Hugo Alsina, Tratado teórico
prá ctico de Derecho procesal civil y comercial, III, 126). Atender-se a
exceção é atender-se a eficácia.
A produção da sentença como elemento de prova é produção de meio de
prova, e não importação de eficácia sentencial, mesmo declarativa. O que
se quer, então, é provar fato, e o juiz aprecia, com o princípio do livre
convencimento, aprova que se produziu. Não se importa eficácia sentencial;
a sentença é apresentada como fato. Por exemplo: se a dívida foi cobrada no
estrangeiro a 10 de janeiro e houve sentença, não se pode admitir que tenha
havido falsificação do documento em março, se o conteúdo atual e o
daquele momento coincidem; se houve pedido de suplemento de idade e se
produziu, no estrangeiro, prova de economia própria, o juiz do Estado em
que se produz prova, com a sentença estrangeira, pode atribuir valor
probatório a esses dados produzidos alhures.

b) A eficácia constitutiva só se importa mediante a homologação da


sentença estrangeira. Se negativa a constitutividade, ou a) algo há, no
Estado em que se alega a desconstituição, que ainda não foi desconstituído,
ou ainda não foi retirado por mandamento, ou b) o Estado, em que se argúi
a inexistência (o desconstituído não é), é estranho ao que se passou. Assim,
tem ele de ignorar o casamento que se fez alhures, sem que o regesse a sua
lei, se transitou em julgado sentença estrangeira desconstitutiva (de
nulidade, de anulação, ou de dissolução).

Se a sentença constituiu fora e se alega tal constituição, e. g., ter sido


interditada a pessoa, é de mister a homologação, pois o que se quer
éimportação de eficácia sentencial.

c) A eficácia condenatória não pode ser importada sem homologação da


sentença estrangeira. O que se disse, a respeito da eficácia declarativa, a
fortiori há de pesar quanto à eficácia condenatória, pois condenatoriedade é
plus.

d)Tampouco se pode pensar que a eficácia mandamental se importe sem


que tenha havido homologação ou dação de exequatur. Quer se trate de
constrição, quer não se trate de constrição; porque o mando estrangeiro, de
si só, ofenderia a soberania.
e) Não há execução no Estado de importação, se não houve homologação
ou dação de exequatur. Porque seria ofensivo à soberania a constrição no
interior do Estado em que se não produziu a eficácia executiva.

(e) No art. 15, parágrafo único, do Decreto-lei na 4.657, de 4 de setembro


de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), disse-se:

“Não dependem de homologação as sentenças meramente declarativas do


estado das pessoas”. No art. 119,1, g, 2~

parte, da Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, dá-se ao Supremo


Tribunal Federal a competência para processar e julgar, originariamente, “a
homologação das sentenças estrangeiras”.283 As sentenças meramente
declarativas do estado das pessoas são raríssimas. Se alguém quer provar
que nasceu no dia 13, e não no dia 2, a declaração opera-se no Estado em
que se dá a sentença, e envolve o mandamento de retificação se houve
registro no Estado da produção da eficácia. Mas, se o registro foi alhures,
não; porque o Estado em que se fez o registro estaria a importar eficácia
mandamental de sentença estrangeira. No fundo, só se dispensaria a
homologação se não se precisasse de importar eficácia sentencial, por todos
os elementos terem ocorrido alhures e apenas se atender ao que consta dos
documentos sobre a pessoa. Responsável pela afirmação errada de que as
sentenças sobre o estado e capacidade são “meramente declarativas” foi
Clóvis Beviláqua (Princípios elementares de Direito internacional privado,
446), que, em verdade, nunca se interessara pelo assunto, árduo, da
classificação das ações e das sentenças. Ora, as ações sobre o estado e
capacidade rarissimamente são declarativas. Quem interdita não só declara.
Quem suplementa idade faz mais do que declarar. Quem decreta desquite
ou dissolução de casamento desconstitui. Diante do texto constitucional, de
hoje e de antes, não se podia nem se pode admitir que alguma lei abra
exceção ao princípio da necessária homologação das sentenças
estrangeiras. Por isso, temos de considerar nulo qualquer ato em que ojuiz
ou alguém repute importado o efeito declarativo ou mesmo a força
declarativa de sentença estrangeira sobre estado das pessoas.
(O A expressão “comerciante brasileiro” estava no art. 786 do Código de
1939, em vez de “comerciante com a nacionalidade brasileira”. Tratava-se,
ai, de nacionalidade da pessoa jurídica, ou da empresa, ainda individual,
registrada no Brasil. O estrangeiro, que é comerciante no Brasil e no Brasil
está domiciliado, é “comerciante brasileiro”, para que se lhe não possa
decretar falência no estrangeiro, com importação da eficácia sentencial pelo
Brasil. Nem a sentença de sua falência, decretada no estrangeiro, pode ser
homologada no Brasil, e os seus efeitos importados apenas não atingem o
estabelecimento que o mesmo tenha no Brasil. Não se precisava da inserção
da regra jurídica que estava no Código de 1939, art. 788.254

Se o comerciante é estrangeiro e domiciliado no estrangeiro, há


homologabilidade; mas, antes de homologada a decisão estrangeira, podem
os síndicos, administrador, curadores ou representantes legais da massa
requerer diligências cautelares, exercer ações de cobrança e outras, sem que
se lhes possa exigir caução às custas; a seu turno, os credores domiciliados
no Brasil, que antes da homologação intentaram ações, podem prosseguir e
executar sem concurso os bens do falido situados no Brasil.

(g) A hipoteca judiciária (art. 466 e parágrafo único) somente pode fazer-se
no Brasil depois de homologada a sentença estrangeira. Trata-se de efeito
anexo, constitutivo (é absurdo considerá-lo declarativo, como Enrico la
Loggia, L.a Esecuzione delle sentenze straniere, 21).

(h) A ação de homologação de sentença estrangeira é um exercício da


pretensão à homologação. Não é continuação da ação exercida no
estrangeiro; é outra ação. O direito do Estado de importação é que permite
que se importem eficácias sentenciais e promete a tutela jurídica. Os
pressupostos para homologação, fixa-os o direito processual do Estado de
importação.

É preciso que haja a necessidade da tutela jurídica, o interesse de agir. O


próprio vencido na ação que se julgou no estrangeiro pode ter interesse em
que se homologue a sentença estrangeira; não só o vencedor (certos, e.
Bartin, Principes de Droit international privé, 486; Santiago Sentis
Melendo, La sentencia extranjera, 1 54)~255
O Estado de importação exerce o seu poder de distribuir justiça; não é
parte. Não está em causa soberania, posto que tenha de examinar se é legal
a importação da eficácia sentencial (sem razão, G. Fusinato, Delibazione,
Giudizio di, Enciclopedia Giuridica Italiana, IV, 618). A ação não é de
direito público, mas sim de direito privado, ou, se a eficácia que se importa
é de direito público, de direito público é a ação de homologação.

A sentença homologatória da sentença estrangeira é sentença, importa


eficácia sentencial; o momento b, posterior à homologação, é diferente do

284 Essa regra, que excluia dos efeitos da sentença estrangeira de falencia
do comerciante estabelecido no território nacional o seu estabelecimento
no Brasil, não foi repetida. nem no CPC, nem no RISTF, cujo art. 216
declara apenas que “não será homologada sentença que ofenda a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”, deixando ao
Supremo a fixação desses conceitos indeterminados.

285Por isso mesmo, o art. 218 do RISTF declara que ‘a homologação será
requerida pela parte interessada”, ampliando assim a legitimação.

momento a, anterior a ela. Sentença, portanto, constitutiva. Não se pode


dizer que se trate de simples “visto”, porque isso reduziria a homologação a
puro ato administrativo, reminiscência da atribuição de homologar, de dar
exequatur, que tinha o Poder Executivo, mas, ainda para esse tempo, não
seria adequada a redução em todos os sistemas jurídicos.

Alguns autores tinham a sentença homologatória como declarativa, porque


entendiam que a eficácia sentencialjá estava no Estado homologante e a
sentença apenas declararia essa importação automática; outros, porque não
sabiam bem qual a diferença entre a declaratividade e a constitutividade.
Outros confundiam o exame da sentença estrangeira, que é objeto do
processo homologatório, com a eficácia da sentença de homologação, que
importa a eficácia da outra sentença (e. g., G. Fusinato, Delibazione,
Giudizio di, Enciclopedia Giuridica Italiana, IV, 919). Certos, Giuseppe
Chiovenda (Principii, 306) e Gaetano Morelli (II Diritto processuale civile
internazionale, 289 s.).
A retroeficácia é segundo os princípios: o que se constitui é a importação;
de modo que se importa, de regra ex tunc.

Se a eficácia sentencial importada é no futuro (condicional ou a termo), só


se importa com tal protraimento.

IV - AÇÃO RESCISÓRIA

(a) Os errores in procedendo produziam, em direito romano, a inexistência


do julgado: eram, pois, razão para se declarar a nuilitas; não para se
decretar a desconstituição. A impugnação da sentença para a desconstituir
foi criação do século XII (conforme A. Skedl, Die Nichtigkeitsbeschwerde,
54 s.), que levou mais de dois séculos para se desenvolver. A ação
rescisória não nos vem daí, porque essa nos chegou no século VII, desde a
Lex Visigothorum, sob influência romana. Ainda em 1939, aquele obsoleto
e contraditório “nula” do Código de 1939, art. 798, e ‘juiz peitado” foram
ecos do século VII. O “nula” é romanismo; estava, aí, em vez de
“rescindível”, e o juiz peitado, pelo juiz que “male iudicaverit per quodlibet
commodum”. Desapareceu o caso do juiz que errou, “per ignorantiam
iniuste iudicaverit”, mas perseverou a infração do direito expresso, sob
outras designações. O direito visigótico já transformara em nulidade a
inexistência, surgindo a ordem do juiz rescindente para emendare. A
competência pertencia ao superior; e as ações rescisórias, quando, hoje, são
atribuidas só aos tribunais, denunciam a regressão psíquica, assaz
explicável no tempo em que recentemente se edictou a regra jurídica,
rememorando a reclamatio aos reis.

Antes de se haver caracterizado nos estatutos italianos a querela nuílitatis,


já o direito visigótico havia mudado o tratamento das sentenças:

em vez da inexistência romana dos julgados, era de não-validade que se


falava, porém não ipso iure. Daí não se mais distinguir o error in
procedendo e o error in iudicando.

A querela de nulidade fez dupla evolução uma, fusionante, que foi a de


cumular-se com a apelação e, mais tarde, enchê-la; outra, diferenciante, que
foi a de despregar-se dos traços comuns com a apelação. (Sobre isso, Josef
Kohler, Prozess und Nichtprozess, 125 s., e A. Skedl, Die
Nichtigkeitsbeschwerde, 110 s., que estudaram as duas fases, acentuando-as
a seu jeito.) Veio até nós a fusão, quer na apelação, quer nos embargos
infringentes do julgado. A querela-ação acantonou-se no reduto dos errores
in procedendo, quando a sentença mesma não os sana (art. 741, 1), ou
quando estão na própria sentença. O princípio germânico da validade
formal da sentença e os princípios romanos da nuílitas encontram, aí, uma
das suas melhores sínteses.

A bifurcação da evolução, a que aludimos, levou-nos ao *Nttllitas venit


accessorie et incidenter in appellatione, que se transformou em simples
Nuílitas venit in appellatione, e ao *Nitllitas principaliter deducta est actio
ordinaria.

A actio nuílitatis, isto é, a demanda de nulidade per viam principaliter


petitionis, podia ser proposta perante o juiz da sentença, já no século XVI.
A prescrição (?) passou a ser de trinta anos, como para as outras ações. Foi-
se-lhe o efeito suspensivo; depois, o próprio efeito devolutivo.

A distinção entre nulidades sanáveis e nulidades insanáveis da sentença foi


resultante da influência romana, após a aceitação do princípio germânico da
validade formal da sentença: a “insanabilidade” era o broto, em tempos
novos, da perpetuidade da nuílitas (= inexistência) das sentenças romanas.
O art. 741,1, é reminiscência disso; mais ainda, a ação de nulidade ipso iure
e a exceptio nuílitatis, alegável pelo que, em pleito, vê o seu contendor opor
a exceção de coisa julgada.

No século VII, com a Lex Visigothorum, teve a península hispânica, além da


querela por denegação de justiça, a ação contra o juiz suspeito, com
restituição em íntegro, e remédio contra a sentença injusta, em caso de
corrupção (per quodlibet co,nmodum), ou erro (per ignorantiam iniuste
iudicaverit), o que dava ensejo a sanção de nulidade (quod iudicabit non
valeat). Resta saber-se era não valer mesmo (existir e ser nulo), ou, segundo
o direito romano republicano e clássico, não existir. W. Seelmann (Der
Rechtszug, 911) tentou mostrar que era ação declarativa, porém não o
conseguiu; e prevaleceu o que demonstrou A. Von Bethmann-Hollweg (Der
Civilprozess, IV, 122 s), sobre ser constitutiva.

A ação rescisória, julgamento de julgamento como tal, não se passa dentro


do processo em que se proferiu a decisão rescindenda. Nasce fora, em plano
pré-processual, desenvolve-se em tomo da decisão rescindenda, e somente
ao desconstituí-la, cortá-la, rescindi-la, é que abre, no extremo da relação
jurídica processual examinada, se se trata de decisão terminativa do feito,
com julgamento, ou não, do mérito, ou desde algum momento dela, ou no
seu próprio começo (e. g., vício da citação, art. 485,1,11 e V), a relação
jurídica processual. Abrindo-a, o juízo rescindente penetra no processo em
que se proferiu a decisão rescindida e instaura o iudicium rescissorium, que
é nova cognição do mérito. Pode ser, porém, que a abra, sem ter de
instaurar esse novo juízo, ou porque nada reste do processo, ou porque não
seja o caso de se pronunciar sobre o mérito. A duplicidade de juízo não se
dá sempre; a abertura na relação jurídica processual pode não levar à
tratação do mérito da causa: às vezes, é limitada ao julgamento ~de algum
recurso sobre quaestio iuris; outras, destruidora de toda a relação jurídica
processual; outras, concernente à decisão que negou recurso (e então a
relação jurídica processual é aberta, para que se recorra); outras, apenas
atinge o julgamento no recurso, ou para não o admitir (preclusão), ou para
que se julgue o recurso sobre quaestio iuris. A sentença rescindente sobre
recurso, que continha injustiça, é abertura para que se examine o que foi
julgado no grau superior, sem se admitir alegação ou prova que não seria
mais admissível, salvo se a decisão rescindente fez dessa inadmissão
motivo de rescisão. (Sem razão, ainda no direito italiano, Francesco
Camelutti, Istituzioni, 3a ed., 1, 553.) Tudo que Ocorreu, e o itidicium
rescindens não atingiu, ocorrido está: o que precluiu não se reabre; o que
estava em preclusão, e foi atingido, precluso deixou de estar. Retoma-se o
tempo, em caso raro de reversão, como se estaria no momento mais remoto
a que a decisão rescindente empuxa a sua eficácia, se a abertura na relação
jurídica processual foi nos momentos anteriores à decisão final no feito.

A sanação da nulidade da sentença, precluso o prazo, tal como ocorre nas


execuções (art. 741, 1), mostra, de si só, como, depois que a ação de
nulidade tratou os defeitos da sentença como causadores de invalidade, em
vez de causadores de inexistência, ainda se permitiu a sanação (“imo
sententia sit et habeatur pro valida et soleniter lata et data”). Isso não quer
dizer que, nos outros casos, a sentença fosse inexistente: a sentença nula
ipso iure existe ainda precisa de ser desconstituida, pois, sem isso,
continuará de nulamente existir. O prazo para a ação tendente à sua
desconstituição não começa a correr antes de ter de falar: se ainda cabe
recurso no recurso; se já transitou em julgado, quando a sua eficácia atinja o
interessado. O prazo é o do art. 738, 1, ou o do art. 632, se se trata de
sentença condenatória. Será outro, conforme a força ou efeito da sentença.
A alegação de nulidade ipso iure da sentença constitutiva há de ser quando
se integre a constituição; da sentença mandamental, quando se dê
cumprimento ao mandado; da declaratória, quando se promova a prestação
a preceitação, ou se lhe dê alguma outra eficácia; da sentença executiva,
imediatamente à citação (arts. 213, 585, 598, e 641, por exemplo); do
mandado executivo (elemento sentencial), dentro dos prazos dos arts. 738 e
746. Mas sempre ciente o interessado.

(b) O juiz da execução não pode admitir ação constitutiva negativa contra a
sentença, salvo se de nulidade ipso iure, ou nos embargos do devedor, e. g.,
se se trata de caso do art. 741, 1. Não precisa o executado propor, no juízo
próprio, a ação de nulidade ipso iure (constitutiva negativa). Tal atitude do
nosso direito mostra que cedo acordamos para a concepção publicistica do
processo e não poderíamos tratar a sentença como os negócios jurídicos
privados, mantendo a relação “nula = inexistente” que permitia ao direito
romano ações declaratórias da nulidade da sentença. Isso seria, para a
dogmática de hoje, contradição. Tanto quanto ação de restituição contra a
sentença.

(c) Não há princípio a priori que subordine a ação rescisória à competência


do juiz superior, nem à competência do mesmo juiz. O princípio, se o
queremos extrair, é o principio daparmaiorvepotestas (do juízo igual ou
superior). A atribuição ao juiz superior não torna “recurso” o remédio
jurídico da ação de rescisão, como ao tempo da distinção (estranha às
nossas fontes) entre a querela nuílitatis e actio nuílitatis. O que há de
querela de nulidade contra a sentença entrou ou na apelação, ou nos
embargos infringentes do julgado, ou no agravo de instrumento, ou no
recurso extraordinário.258

Conforme expusemos, com o fato de as Constituições federais, inclusive a


vigente (Constituição de 1967, com a Emenda n0 1, art. 119, 1, in), e art.
122, 1, a), referentes ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Federal
257 de Recursos), nao atnbuírem aos tribunais federais a competência
originária para julgar ação rescisória de juízos infenores,- a lei ordinária não
pode retirar dos juízos singulares federais a competência para o processo e
julgamento das ações de rescisão das suas sentenças.289

286 Por certo, o autor mencionaria, hoje, o recurso especial.

287 Const. 88, art. 102, I,j; art. 105, 1, e.

288O que faz a Const. 88, no ai. 108, 1, b, dando competencia aos
Tribunais Regionais Federais para as açôes rescisórias de julgados seus ou
dos juizes federais da região.

289 Opinião insustentável na vigência da Const. 88, diante do seu art. I08.
1, b, referido na nota 288.

(d) A ação rescisória do sistema luso-brasileiro mantém o iudicium


rescindens, talvez exaunente, e o indicium rescissorium, se é de abrir-se
sem quebra dos princípios fundamentais do processo. Se a sentença
éatingida (uma vez que houve sentença), e se pediu o rejulgamento “non
solum super nuílitate, verum etiam super iustitia vel iniustitia ipsius
sententiae pronunciare potest eo modo quo iudex primus pronunciare
debebat”. Não assim, se se atingiu algo antes da sentença, ou se alguma
sentença não houve.

Se a rescisão apanha o processo (não só a sentença) e do rescindido


dependeu a sentença, todo o rescindido se há de completar, ou, tratando-se
de defeito inicial, não há mais processo, ou relação jurídica processual,
reservato iure apte agendi. Daí poder baixar, para que, recomposto o
rescindido, o juiz dê a sentença e haja os recursos. O juiz, ou o tribunal, se
só se atingiu o processo em superior instância, inclusive a revisional e a do
recurso extraordinário. Aqui, convém retificar a regra (falsa) de que a ação
rescisória devolvit negotium ad cognitionem iudicis superioris ad instar
appellationis. Isso só seria possível quanto às querelas recursais de
nulidade, posto que, ainda quanto à querela nuílitatis, não fosse de admitir-
se (a respeito, PIERO CALAMANDREI, La Cassazione Civile, 1, 177 s.).

Cumpre advertir-se em que a rescisão tem os seus limites: se ela deixa ao


juízo inferior julgar, porque só se rescindiu a sentença, ou desde outro ponto
processual de que se possa prosseguir e sentenciar de novo, cabe ação
rescisória do que for julgado, no rescisório, com base no art. 485, V, e ex
hypothesi não houve sentença rescindente quanto ao julgado no rescisório.

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