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1. A CURVA DE PARETO E A
INTERPRETAÇAO DE LEIS
ECONÔMICO-SOCIAIS
Em 1897, no seu Cours d'économie poli tique,
Rodolfo Hoffmann • Pareto mostrou que as distribuições de renda
em vários países obedeciam à relação:
A
u=----
onde:
v = renda por pessoa
u = número de pessoas com renda maior que v
A, K, a = parâmetros.
Pareto considerava que a distribuição da
renda e da riqueza nas sociedades humanas
tendia a se ajustar à lei que ele estabeleceu, in-
dependentemente da sua organização econô-
mico-social. 1 Ele verificou que a sua "curva
das rendas" era semelhante para diferentes
países e em diversos períodos (Inglaterra,
Prússia e Saxônia no século XIX, no Peru no
século XVIII, na Basiléia medieval, etc.). Com
base em dados apresentados por Huberman,2
verificamos que a curva de Pareto se ajusta
bastante bem à distribuição dos escravos entre
seus senhores, nos EUA, em 1850 (neste caso
ú passa a ser o número de senhores que possuem
v ou mais escravos cada um). O sistema social
(capitalista, feudal, escravista) varia, mas a
lei de distribuição - como afirmava Pareto -
• Professor livre-docente do permanece válida. Lange 3 cita várias pesquisas
Departamento de Ciências que mostram que as rendas de um grupo so-
Sociais Aplicadas da Escola cial homogêneo se distribuem segundo uma
Superior de Agricultura curva normal simples ou logarítmica, e que
Luiz de Queiroz da Universidade a distribuição dos trabalhadores e empregados
de São Paulo. O autor na Polônia, segundo seus salários no mês de
agradece à Fundação Ford que, setembro de 1965, se ajusta à distribuição loga-
através de convênio com o rítmica-normal (denominada distribuição de
mencionado Departamento, Gibrat), e não à distribuição de Pareto. Lange
forneceu recursos financeiros conclui, então, que a lei descoberta por Pareto
para a realização da pesquisa não-é uma lei natural, válida em todos os sis-
básíca da qual se originou temas sociais. Essa lei é, portanto, uma carac-
este trabalho. terística de sistemas sociais em que a riqueza
R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, 13(4) : 7-17, out';dez. 1973
flator usado foi o índice 2 de Conjuntura Econômica, com base que ocorreu, e provavelmente ainda está ocor-
no triênio 1965-67. Os dados básicos utilizados podem ser en- rendo no Brasil. (Ver itens 3.1 e 3.2 deste tra-
contrados nas páginas 35 e 36 de Estatísticas Básicas, suple-
mento de Conjuntura Econ~mica, v. 26, n. 11, novo 1972. balho.)
Distribuição da renda no Brasil
Uma das características notáveis de recente Como as variáveis "políticas" não entram no
trabalho de Langoni sobre a dishibuição da modelo de Langoni, boa parte das conseqüên-
renda no Brasil em 1960 e 1970 é a ausência de cias da ação do governo está sendo "explica-
qualquer análise da política salarial como uma da" pela variável educação. (O que se pode
das causas do aumento da concentração no de- conseguir com um bocado de econometria I)
cênio. O autor procura mostrar que a aceleração Sem negar o fato de que o rápido aumento
do crescimento econômico leva, necessaria- da demanda por mão-de-obra altamente qua-
mente, a um aumento no grau de concentração lificada contribuiu para elevar os salários mais
da distribuição da renda. 14 Ao analisar as cau- altos, deve-se assinalar a existência de um fe-
nômeno bastante distinto que também deve es-
sas das mudanças na distribuição entre. 1960
tar associado ao aumento da "explicação" dada
e 1970, Langoni desenvolve um modelo de re-
pela variável educação no modelo de Langoni,
gressão múltipla equivalente, no caso, a uma de 1960 para 1970. Queremos referir-nos aos
análise de variância, em que as variáveis "ex- indivíduos que, já ocupando cargos com re-
plicativas" (no sentido estatístico) são: edu- muneração elevada, procuram, por isso mesmo,
cação (cinco níveis: analfabeto, primário, giná- obter um diploma de curso superior. A proli-
sio, colégio e superior), setor de atividade (pri- feração de cursos superiores particulares, nos
mário, secundário ou terciário), idade (nove últimos anos, certamente facilitou a tais pes-
níveis), região (distinguindo seis regiões) e sexo. soas a obtenção do diploma, que então funcio-
O modelo "explicou" 15% das diferenças obser- na como símbolo de status e não como compro-
vadas de renda em 1960 e 59% em 1970.111 O vação de conhecimentos especializados neces-
autor mostra que as maiores diferenças de renda sários ao exercício de uma função. A existên-
estão associadas às diferenças em níveis de cia de correlação entre as duas variáveis, renda
educação 16 e ressalta, como resultado mais in- e educação, não prova, absolutamente, que a
teressante, o substancial aumento de importân- segunda seja causa da primeira.
cia das diferenças em níveis de educação na Mesmo o rápido crescimento da demanda
parcela explicada das variações de renda, pas- por mão-de-obra altamente qualificada não
sando de 31% em 1960para 41% em 1970.Assi- pode ser encarado como "necessário", no sen-
nala, ainda, que esse último valor é aproxima- tido de que seja independente de decisões de
damente o dobro da participação da segunda política econômica. Até certo ponto essa de-
variável em ordem de importância que é manda depende da distribuição da renda. Se o
idade. 17 crescimento econômico se faz com distribuição
da renda relativamente mais igualitária, cres-
Langoni lembra que se uma variável X, não
ce mais rapidamente a demanda, e, conseqüen-
incluída na regressão é positivamente correta-
temente, a produção de bens de consumo geral
cionada com a variável Xj presente na regres- que exigem uma tecnologia menos sofistica-
são, então o coeficiente de XJ será superestima- da que os bens cuja demanda cresce mais no
do. 18 O autor reconhece, portanto, que a au- caso de maior concentração.
sência de variáveis como riqueza e status social
da família, que certamente são positivamente
10 correlacionados com o nível educacional, está 3. OS íNDICES DE' CONCENTRAÇAO
levando a uma superestímação da influência DA RENDA ENTRE ASSALARIADOS
desta variável. Mas, quando se pensa em expli- DO SETOR URBANO
car as variações na distribuição da renda, há
3. 1 A distribuição da renda entre os emprega-
problemas ainda mais graves em relação ao mo-
delo desenvolvido por Langoni. A política sa- dos dos setores secundário e terciário, de acordo
larial do governo (redução do valor do salário com os dados do SEPT, 19 para o período 1967-71
mínimo real, ação contra os sindicatos de tra-
balhadores, etc.) certamente contribuiu para O SEPT tem construído, com base em amostra-
manter baixa a remuneração de pessoas anal- gem dos formulários referentes à "Lei de 2/3"
fabetas e com educação primária (e, "desafo- (ou "Lei de Nacionalização de Trabalho"),
gando" a folha de pagamentos das empresas, quadros em que são apresentadas as distribui-
permitiu aumentar o salário dos escalões su- ções dos empregados na indústria, no comércio
periores dos empregados administrativos). e nos serviços (exclusive funcionários públicos)
Revista de Admintstração: de Empresas
por estratos de salário, incluindo o total de sa- Admitindo que o salário mínimo representa o
lários recebido em cada estrato. Para conhecer estrato de salários mais baixos e considerando
as tendências recentes do grau de concentração que os estratos de salários mais altos não so-
dessas distribuições, analisamos os dados do frem o mesmo tipo de oscilação anual, con-
SEPT referentes ao período 1967-71.20 Os re- cluímos que a distribuição da renda dos assa-
sultados obtidos estão nos quadros 3, 4 e 5. lariados apresenta uma maior dispersão (e
Ao analisar os índices obtidos é importante maior índice de concentração) logo antes de
lembrar as datas a partir das quais começaram um reajuste do salário mínimo; logo após o
a vigorar os aumentos no salário mínimo, que reajuste a dispersão é relativamente pequena
são, para os anos que estamos analisando, as e depois vai aumentando até o novo reajuste.
seguintes:
01-03-1966
Quadro 2
01-03-1967
26-03-1968 Variação do valor real* do salário mínimo em São
01-05-1969 Paulo e na Guanabara
01-05-1970
01-05-1971 Mês 119661196711968119601197011971 11972
01-05-1972 74,7
Janeiro 76,9 72,4 73,4 73,6 73,9 74,3
O valor real do salário mínimo sofreu, nos Fevereiro 74,8 71,2 71,9 72,4 72,9 73,1 73,2
últimos anos, oscilações cujo período é de, Março 92,8 86,8 73,7 72,0 71,6 71,5 72,3
Abril 88,7 84,7 84,7 71,2 71,2 70,4 71,4
aproximadamente, um ano. Isso pode ser visto Maio 86,5 83,3 83,6 84,8 84,3 83,2 84,3
no quadro 2 e na figura 1, onde apresentamos, Junho 85,1 82,7 81,5 83,0 82,5 81,4 83,5
Julho 82,4 80,8 80,5 80,8 81,0 80,3 82,5
mês a mês, o valor real do salário mínimo em Agosto 80,8 80,2 79,5 79,6 79,3 79,4 81,2
São Paulo e na Guanabara. Setembro 78,5 78,9 78,1 78,0 77,7 78,3 80,2
Outubro 77,1 77,8 76,2 76,1 76,4 77,5 79,5
Verifica-se que logo após os reajustes, o valor Novembro 76,4 76,6 75,3 75,0 76,1 76,7 78,8
Dezembro 75,7 76,1 74,9 75,0 75,5 76,0 78,4
real do salário mínimo é relativamente alto; a
seguir, o valor real vai caindo, devido à infla- Bconõmica
* O deflator usado foi o índice 2 de Crmjuntura
ção, até que se dê o novo reajuste. com base no triênio 1\)65-67.
Figura 1
Variação do valor real do salário mínimo em São Paulo e na Guanabara, no período de 1966-1972
11
J M M J S N J M M J S N J M M J S N J M M J S N J M M J S N J M M J S N J M M J S N
1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972
Quadro 3
Valores correntes
índice de Gini «([>, suas modificações (P e Q)*, re-
dundância (R) e lndice de Theil (T) da concentração 347 413
Indústria 172 231 278
da renda (recebida como salário) entre empregados na
indústria, comércio e serviços, no Brasil, no período Comércio e serviços 211 285 347 434 517
1967-71 (dados básicos obtidos pelo SEPT, por amos- Total 187 252 307 385 459
tragem dos formulários da "Lei dos 2/3")
Análise de regressão dos índices de concentração P (em percentagem) da renda recebida como salário na indús-
tria, obtidos a partir dos dados do SEPT (5 observações referentes a abril de 1967 a 1971) e do IBGE (4 obser-
vações referentes a abril de 1966 e novembro de 1968, 1969 e 1970)
Os valores das estimativas dos coeficientes de ficientes em questão são geralmente negativas,
regressão das várias medidas de crescimento há, inclusive, conflito com a mencionada tese
econômico testadas foram, em geral, negativos; de Langoní.
em nenhuma vez obtivemos, para essas variá- Os resultados apresentados no quadro 7
veis, um coeficiente positivo e estatisticamente mostram, também, que o coeficiente da variá-
diferente de zero. Eliminando-se previamente a vel X, (tempo) é positivo e significativamente
influência do nível do salário mínimo, não se diferente de zero. As demais regressões ajusta-
constata, portanto, a existência de uma rela- das confirmam esse resultado. Conclui-se, en-
ção positiva entre taxa de crescimento econô- tão, que, após excluída a influência do nível
mico e grau de concentração da renda, no pe- do salário mínimo, resta, ainda, uma tendência
ríodo analisado. Como as estimativas dos coe- do índice de concentração crescer.
Df8tribuição àa renda no Brasil
1 Pareto, Vilfredo. corso di economia política. Itália, 7 Tawney. op. cit., p. 53.
Giulio Einaudi editore, 1949. p. 344.
8 Fishlow, Albert. Braz1lian size distribution of
2 Huberman, Leo, Nós, o povo - a epopéia norte- income. American Economic Review, v. 62, n. 2, May
americana. São Paulo, Editora Bras1liense, 1966. 1972.
p. 147.
9 Hoffmann, Rodolfo & Duarte, João Carlos. A dis-
3 Lange, Oskar. Introdução à econometria. 2. ed. tribuição da renda no Brasil. Revista de Adminis-
Brasil, Editora Fundo de Cultura, 1967. p. 151-69. tração de Empresas, v. 12, n. 2, íun. 1972.
4 Champernowne mostrou que a lei de Pareto cor- 10 Langoni, Carlos Geraldo. Distribuição da renda e
responde à versão estável de uma cadeia de Markov, desenvolvimento econômico do Brasil. Estudos Eco-
admitindo-se que os elementos da matriz de probabi- nômicos, v. 2, n. 5, São Paulo, IPE-USP, 1972.
lidades de transição entre estratos de renda obedecem
a certas características. Este e outros fatos relacio- 11 Ver DIEESE em Resumo, ano 5, n. 1, jan.jfev.
nados com a lei de Pare to são analisados por Steindl de 1972.
e Bronfenbrenner. (Ver Champernowne, D. G. A
model of in come distribution. Economic Journal, 12 Singer, Paul Israel. O "milagre brasileiro",'
v. 63, p. 318-51, 1953; Steindl, Josef. Random processes causas e conseqüências. São Paulo, CEBRAP, 1972.
and the growth 01 lirms - a study 01 tne Pareto law. caderno 6, p. 60.
New York, Hafner Publishing Company, 1965; e
Bronfenbrenner, Martin. Income distribution theory. 13 Esta idéia, assim expressa por Edmar Bacha, é
New York e Chicago, Aldine-Atherton. Steindl (p, 145) apresentada, entre outros, por Mills que mostra que
concluiu que a lei de Pare to deve ser vista apenas os executivos e os grandes proprietários estão intima-
como a expressão de uma restrição para a velocidade mente associados na "elite do poder". Ver: Bacha,
com que se pode alterar a distribuição da renda, Edmar Lisboa. Sobre a dinâmica de crescimento da
assinalando que esta idéia é muito diferente da de economia industrial subdesenvolvida. Brasília, Uni-
Pare to, que encarou a sua "curva das rendas" como versidade de Brasília, ICH, Departamento de Eco-
uma expressão da imutabilidade da sociedade. As in- nomia, 1973; e Mills, C. wright. A elite do poder.
terpretações conservadoras de Pare to, entretanto, ain- 2. ed. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968.
da são adotadas em certos trabalhos; o recente artigo
de Kingston e Kingston sobre a distribuição da renda 14 Langoni, Carlos Geraldo. Distribuição da renda
no Brasil é um exemplo caricatural dessa posição. e desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Ja-
(Ver Kingston, Jorge & Kingston, Lucia S. A distri- neiro, Editora Expressão e Cultura, 1973.
buição da renda no Brasil, 1960-70. Revista Brasileira
de Economia, v. 26, n. 4, 1972') 15 Idem, p. 111.
5 Tawney, R.H. Equality. London, Unwin Books,
16 Ibid. p. 110.
1964. p. 53.
25 Ibid. p. 145-6 (1970) e p. 208 (1971). Johnston, J. Econometric methoâs. 2. ed. New
York, McGraw-Hill, 1972.
26 Bímonsen, Mario Henrique. Brasil 2002. Rio de
Janeiro, APEC Editora, 1972. p. 52.
Kingston, Jorge & Kingston, Lucia S. A distri-
27 Langoni, Carlos Geraldo. Distribuição da renda buição da renda no Brasil, 1960-70.Revista Bra-
e desenvolvimento econômico do Brasil. cito sileira âe Economia, v. 26, n. 4, 1972.
28 Wells, John. The distribution ot earnings in
Brazil. Cambridge, England, Center of Latin Ame- Lange, Oskar. Introdução à econometria. 2. ed.
rlcan Studies, 1973, versão preliminar, p. 35. Brasil, Editora Fundo de Cultura, 1967.