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É moralmente aceitável usar animais em testes científicos?

Neste ensaio filosófico vou abordar o problema: será que é moralmente aceitável usar
animais em testes científicos? Irei defender a tese de que geralmente o uso de animais em
testes científicos é errado.
O debate deste problema é algo de grande relevância pois a pesquisa com animais tem
sido fundamental para quase todas as descobertas médicas desta época. Porém, isso
implicou infringir muito sofrimento a seres inocentes, aos animais.
Primeiramente vou esclarecer os conceitos de animal e de senciência:
1. Animal é um ser vivo eucariótico, pluricelular, macroconsumidor, heterotrófico por
ingestão, dotado de sensibilidade, capacidade de locomoção e de resposta a
estímulos.
2. Senciência é a capacidade de sofrer ou de sentir prazer ou felicidade.
Para sustentar a minha tese vou defender o seguinte argumento:
(1) Animais são seres sencientes e, por isso, têm interesses. (2) Esses interesses, segundo o
princípio da igualdade da consideração de interesses, têm tanto valor como os interesses de
um ser humano e não devem ser ignorados. (C) Logo, uma experiência apenas é
moralmente correta se esta respeitar, ao máximo possível os interesses dos animais. Isto
implica: usar animais apenas quando estes são indispensáveis, a experiência ser em prol de
um bem necessário para a humanidade, usar o mínimo de animais possível e recorrer aos
procedimentos científicos viáveis menos dolorosos.
Animais sentirem dor e serem conscientes do próprio sofrimento, é algo que já está
provado há muito pela neurociência (em 2013 a Declaração de Cambridge comprovou este
facto com provas inegáveis). O facto de eles sentirem dor, fá-los terem pelo menos alguns
interesses, como o interesse de não sentir dor, por exemplo. Se os animais têm interesses,
então o princípio da igualdade da consideração de interesses, de Peter Singer, aplicasse a
eles também. Ou seja, os nossos interesses e os deles têm o mesmo peso. Assim, se não é
moralmente aceitável imprimir dor a um ser humano (porque estaríamos a desrespeitar o
interesse deste de não sentir dor), então também não é moralmente aceitável imprimir dor
a um animal. Portanto, já que em algumas experiências é impossível a não utilização de
animais, devemos, nestes casos, tratá-los da maneira mais respeitosa e indolor possível.
Para isso acontecer, devemos cumprir os requisitos que eu mencionei acima no argumento.
Irei agora explicar a escolha dos mesmos. “Usar animais apenas quando estes são
indispensáveis”: hoje em dia o uso de animais em experiências científicas ainda é muito
comum, mas em alguns casos já existem métodos de obter melhores resultados sem causar
sofrimento desnecessário. Um exemplo é utilizar células e tecidos cultivados in vitro. Para
além de este método não causar nenhuma dor a animais, os resultados das experiências são
mais relevantes e reprodutíveis, uma vez que as células se aproximam mais das
características humanas. O controle da experiência também é maior e mais fácil.
Infelizmente, este método não pode ser usado em todas as ocasiões pois ainda não
consegue simular as respostas do sistema circulatório e nervoso a estímulos. Outra boa
opção para substituir o uso de animais em testes de cosméticos, por exemplo, é a pele em
3D. Esta tem uma composição muito mais próxima à da pele humana o que leva a
resultados muito mais fidedignos do que os resultados obtidos com animais. Estes dois
métodos, entre outros, não implicam o sofrimento de nenhum animal e apresentam
resultados mais autênticos. Por isso, devem ser usados sempre que possível. “A experiência
ser em prol de um bem necessário para a humanidade”: muitas das vezes as pessoas
pensam que todas as experiências com animais servem para objetivos médicos essenciais e
se podem justificar com base na ideia de que aliviam mais sofrimento do que ao que
causam. Porém, isso não passa de uma mentira. Em muitos países as forças armadas
efetuam experiências em animais que em nada contribuem para evitar o sofrimento
humano. Por exemplo: na Base Aérea de Brooks, no Texas, Estados Unidos treinaram-se
chimpanzés para pilotarem um avião num simulador. Para os treinar a fazer os gestos
necessários foram ministrados choques elétricos repetidamente. Depois de os chimpanzés
estarem devidamente treinados, são expostos a doses de um gás neurotóxico utilizado na
primeira guerra mundial. Este gás provoca imenso sofrimento e, em doses que não precisam
de ser muito elevadas, a morte. O objetivo das experiências feitas com os chimpanzés era
determinar a dose a partir da qual um piloto da Força Aérea, contaminado com esse gás,
deixaria de conseguir pilotar o seu avião. Esta experiência em nada forneceu um bem
necessário há humanidade, apenas causou um sofrimento prescindível aos macacos, logo,
não foi moralmente correta. “Usar o mínimo de animais possível”: se nos apresentarem um
caso hipotético em que podemos fazer uma experiência usando cem macacos, ou realizar a
mesma experiência usando apenas dez (obtendo níveis comparados de informação),
devemos escolher usar apenas dez macacos. Assim, evitamos o uso desnecessário de
animais e o sofrimento destes. Isto é conseguível melhorando o desenho experimental e a
análise de estatísticas, partilhando dados e recursos com outros grupos de pesquisas e
organizações, e usando técnicas de imagiologia (diagnóstico por imagem) modernas.
“Recorrer aos procedimentos científicos viáveis menos dolorosos”: devemos sempre tentar
usar os procedimentos científicos que minimizem a dor, o sofrimento e a angústia causada
aos animais e maximizem o bem-estar destes. Fazer isto não vai apenas beneficiar o animal,
vai também melhorar a qualidade dos resultados, já que o animal, se for bem tratado, não
está sobre qualquer tipo de stress. Algumas formas de o fazer são, por exemplo: o uso de
técnicas não invasivas, o uso de anestésicos e analgésicos para o alívio da dor, garantir que a
forma como se alojam os animais atenda às suas necessidades específicas (por exemplo
oferecendo oportunidades dos animais de se esconderem e de fazerem ninho), entre
outras. Considero assim, que se uma experiência cumprir estes requisitos, então não estará
a cometer um erro moral grave, já que, em algumas situações, o uso de animais é mesmo
inevitável.
Porém, há bastante gente que alega que é sempre errado usar animais em experiências
científicas pois não é justo serem os animais a serem usados quando quem beneficia com a
obtenção dos produtos é maioritariamente o homem. Eu não discordo totalmente com esta
crítica. É verdade que num mundo ideal não seria justo submeter animais a estes testes e
que, nesse mesmo mundo, humanos também não seriam a substituição, mas sim métodos
alternativos eficazes que não prejudicassem ninguém. Porém, com a tecnologia de agora
ainda é inviável deixar de usar animais em testes científicos. A única alternativa que temos é
tentar reduzir ao máximo a dor causada nestes e investir no desenvolvimento de métodos
alternativos para que, no futuro, possamos abdicar totalmente do uso de animais.
Concluo assim que, infelizmente, nos dias de hoje ainda é impossível não usar animais em
estudos científicos. Porém, nestes casos, devemos tentar minimizar ao máximo a dor e o
sofrimento causado a estes. Caso me apresentem bons argumentos, que contrariem a
minha posição, estou aberta a mudar de opinião.

BIBLIOGRAFIA
Charro, Franciele (s/d). “Ética na experimentação animal”, Infoescola. URL:
https://www.infoescola.com/medicina/etica-na-experimentacao-animal/, disponível em
21/5/2022.
DGAV (2021). “Política dos 3Rs”. URL: https://www.dgav.pt/animais/conteudo/animais-
para-fins-cientificos/bem-estar-animal/bem-estar-introducao/politica-dos-3rs-2/, disponível
em 22/5/2022.
Langey, Liz (2016). “As maneiras surpreendentemente humanas como os animais sentem
dor”, National Geographic. URL:
https://www.nationalgeographic.com/animals/article/animals-science-medical-pain
disponível em 20/5/2022
Porto editora (s/d). “Animal”, Dicionário infopédia da Língua Portuguesa. URL:
https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/animal, disponível em 21/5/2022
Singer, Peter (1979). Ética prática. Gradiva.

Marta Jesus, Nº33, 10ºB

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