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Ricardo L. Viana
Universidade Federal do Paraná, Departamento de Fı́sica,
81531-990, Curitiba, Paraná, Brazil.
15 de setembro de 2020
1 Introdução
A Termodinâmica é uma teoria fenomenológica da matéria. Ela sistematiza as leis empı́ricas sobre o com-
portamento térmico da matéria macroscópica, não necessitando de qualquer hipótese sobre a constituição
microscópica da matéria.
A apresentação da Termodinâmica no curso de Fı́sica tende a seguir a sua complicada evolução
histórica, enfatizando as Leis da Termodinâmica e suas aplicações. Na presente apresentação, procuramos
abordar a Termodinâmica sob uma diferente perspectiva, apresentando a sua estrutura formal: a partir
de um conjunto de postulados e de uma série de suposições fı́sicas e matemáticas, deduzimos as fórmulas
básicas da Termodinâmica. Nossa apresentação é baseada no livro do Callen, que pode ser usado como
referência para essa parte do programa.
As expressões termodinâmicas para quantidades como energia interna, entropia, energia livre, etc.
serão empregadas ao longo de nosso curso para estabelecer as conexões entre os tratamentos microscópico
e macroscópico.
2 Postulados da Termodinâmica
Sistemas termodinâmicos simples são macroscopicamente homogêneos, isotrópicos, sem carga elétrica,
quimicamente inertes e suficientemente grandes. Um fluido puro é um sistema simples com um ı́nico
componente, e na ausência de campos eletromagnéticos e/ou gravitacionais externos. Um exemplo de
fluido puro é um gás de partı́culas eletricamente neutras. Por simplicidade, neste trabalho limitaremos
nossa análise a fluidos puros e suas misturas.
O estado termodinâmico de um fluido puro é caracterizado por um número reduzido de variáveis
macroscópicas:
1
Figura 1: Dois subsistemas separados por uma parede adiabática.
Se encararmos os dois subsistemas como duas metades de um mesmo sistema, de(2) temos
E V N
S(E, V, N ) = 2 S , , . (3)
2 2 2
2
ou seja, a entropia é uma função homogênea de primeira ordem das suas variáveis. Fazendo λ = 1/N
temos
E V 1
S , ,1 = S(E, V, N ). (5)
N N N
Além disso, podemos inverter formalmente a relação S(E, V, N ) para colocar em evidência a energia interna,
obtendo
E = E(S, V, N ), (11)
chamada equação fundamental na representação da energia. As representações da entropia e da energia
são equivalentes.
Postulado IV: os estados para os quais
∂E
= 0. (12)
∂S V,N
N
n= (13)
V
permanece finita.
3
3 Parâmetros intensivos da Termodinâmica
A diferencial total da energia na relação fundamental E(S, V, N ) é
∂E ∂E ∂E
dE = dS + dV + dN. (14)
∂S V,N ∂V S,N ∂N S,V
• Temperatura
∂E
T ≡ , (15)
∂S V,N
• Pressão
∂E
P ≡− , (16)
∂V S,N
• Potencial quı́mico
∂E
µ≡ , (17)
∂N S,V
4
Figura 2: Dois subsistemas separados por uma parede rı́gida, impermeável e (a) adiabática, (b) diatérmica.
4 Equilı́brio termodinâmico
Para ilustrar as condições para o equilı́brio termodinâmico, vamos considerar novamente dois subsistemas
separados por uma parede adiabática, rı́gica, e impermeável [Fig. 2(a)]. Os subsistemas não podem, assim,
trocar energia, volume, ou partı́culas. Nesse caso tanto a energia total como a entropia são aditivas
E = E1 + E2 , (24)
S(E, V, N ) = S1 (E1 , V1 , N1 ) + S2 (E2 , V2 , N2 ) (25)
Supondo, agora, que a parede entre os subsistemas seja substituida por uma parede diatérmica, que
permite a troca de energia entre eles na forma de calor [Fig. 2(b)]. Logo E1 e E2 podem mudar, desde
que E = E1 + E2 permaneça constante. Portanto dE = dE1 + dE2 = 0, e
dE2 = −dE1 . (26)
5
,
Figura 3: Dois subsistemas separados por uma parede diatérmica, móvel e (a) impermeável, (b) porosa.
de forma que (27) implica em dE1 < 0: a energia do subsistema 1 diminui, devido à transferência de
energia (sob a forma de calor) de 1 para 2. Como, por hipótese, T1 > T2 , então o calor passa do corpo
mais quente para o mais frio, de acordo com a segunda Lei de Termodinâmica (no enunciado de Clausius).
Nesse caso a parede entre os subsistemas é diatérmica e móvel [Fig. 3(a)]. Supomos que a parede mova-se
quase-estaticamente, tal que possamos desprezar perdas de energia devido ao atrito. Assim, tanto E1 e
E2 como V1 e V2 podem mudar, desde que E = E1 + E2 e V = V1 + V2 permaneçam constantes. Portanto
dV = dV1 + dV2 = 0, e
dV2 = −dV1 , dE2 = dE1 (30)
T1 = T2 , P1 = P2 (32)
ou seja, além do equilı́brio térmico, o sistema estará em equilı́brio mecânico quando os dois subsistemas
tiverem as mesmas pressões. Desse modo a força resultante sobre a parede móvel será nula.
A situação mais geral tem parede diatérmica, móvel e porosa, ous eja, permeável à passagem de partı́culas
[Fig. 3(b)]. As energias, volumes e números de partı́culas podem mudar, mantendo constantes E = E1 +E2 ,
6
V = V1 + V2 e N = N1 + N2 . Logo dN = dN1 + dN2 = 0, e
dN2 = −dN1 , dV2 = −dV1 , dE2 = dE1 , (33)
de forma que (25) é
∂S1 ∂S1 ∂S1
dS = dE1 + dV1 + dN1 +
∂E1 V1 ,N1 ∂V1 E1 ,N1 ∂N1 E1 ,V1
∂S2 ∂S2 ∂S2
dE2 + dV2 + dN2
∂E2 V2 ,N2 ∂V2 E2 ,N2 ∂N2 E2 ,V2
1 1 P1 P2 µ1 µ2
= − dE1 + − dV1 − − dN1 ,
T1 T2 T1 T2 T1 T2
onde usamos também (23).
No equilı́brio, fazendo dS = 0 em (27), donde as condições
T1 = T2 , P1 = P2 , µ1 = µ2 , (34)
de modo que o sistema estará em equilı́brio quı́mico quando os subsistemas tiverem os mesmos poten-
ciais quı́micos, após trocarem partı́culas através da parede permeável. O equilı́brio termodinâmico é a
combinação dos três tipos de equilı́brio: térmico, mecânico e quı́mico.
5 Equações de estado
A aditividade tanto da entropia como da energia interna permite-nos escrever [vide (4)]
S(λE, λV, λN ) = λ S(E, V, N ), (35)
E(λS, λV, λN ) = λ E(S, V, N ). (36)
7
onde usamos (6), (7) e (8). Observe que T , P e µ são funções de apenas duas variáveis intensivas (no caso
s e v). Portanto deve existir uma relação entre elas: em outras palavras, T , P e µ não são independentes.
Por exemplo, tomando as duas primeiras equações de estado
E = T S − P V + µN. (45)
Dividindo (45) por N temos uma relação de Euler para variáveis intensivas
e = T s − P v + µ. (46)
Diferenciando (45) e usando (18) obtemos as chamadas relações de Gibbs-Duhem (na repre-
sentação da energia):
Como não podemos variar T , P e µ de maneira independente, usamos a relação de Gibbs-Duhem para
obter a variação de uma delas em termos da variação das outras duas.
Isolando a entropia na relação de Euler e diferenciando obtemos
1 1 P P µ µ
dS = E d + dE + V d + dV − N d − dN. (49)
T T T T T T
Comparando com (19) e dividindo por N obtemos a relação de Gibbs-Duhem na representação da entropia:
µ
1 P
d = ed +vd . (50)
T T T
8
6 O gás ideal monoatômico
Sabemos que o gás ideal corresponde a um comportamento universal de qualquer gás a pressões sufici-
entemente baixas. As leis empı́ricas de Boyle-Mariotte (P V = cte.), Charles (V /T = cte.), Gay-Lussac
(P/T = cte.) e Avogadro (V /n = cte.) foram combinadas em 1834 por Clayperon na forma da equação de
estado dos gases ideais:
P V = nRT, (51)
onde n = N/NA é o número de moles do gás (NA = 6, 022 × 1023 mol−1 é o número de Avogadro), e
é a constante dos gases (k = 1, 381 × 10−23 J/K é a constante de Boltzmann). Usando (52) a equação de
estado (51) pode ser reescrita em termos do número de moléculas
P V = N kT. (53)
A equação de estado (53) foi também obtida por Krönig (1856) e Clausius (1857), usando a teoria
cinética dos gases. Nesse contexto foi demonstrado, e também comprovado experimentalmente, a energia
interna de um gás ideal monoatômico (gases nobres e vapores metálicos, por exemplo) é uma função apenas
da sua temperatura
3 3
E = nRT = N kT, (54)
2 2
que desempenha o papel de segunda equação de estado para esse tipo de fluido puro.
Usando (53) e (54) obtemos
P k 1 3k
= , = , (55)
T v T 2e
que, substituı́das na relação de Gibbs-Duhem (50), nos levam a
µ 3k k
d = − de − dv, (56)
T 2e v
que integramos obtendo
µ µ 3k e v
− = − ln − k ln , (57)
T T 0 2 e0 v0
onde e0 , v0 e (µ/T )0 são valores num certo estado de referência.
Uma vez conhecido o potencial quı́mico do gás ideal, a sua entropia pode ser determinada usando
a equação de Euler (45):
E PV µN
S(E, V, N ) = + − . (58)
T T T
Usando (55) e (57) obtemos para a entropia por partı́cula
( )
3/2
e v
s(e, v) = s0 + k ln , (59)
e0 v0
onde
5 µ
s0 = k− , (60)
2 T 0
9
Figura 4: Funções (a) côncava e (b) convexa.
7 Concavidade da entropia
Uma função f (x) é côncava no intervalo (a, b) se, para todo c tal que a < c < b, temos que f (c) > g(c),
com d2 f /dx2 < 0 [Fig. 4(a)]. Uma função f (x) é convexa nesse mesmo intervalo se, para todo a < c < b,
é f (c) < g(c), com d2 f /dx2 > 0 [Fig. 4(b)].
Ex.: f (x) = x ln x para x > 0. Como f 0 (x) = ln x + 1 e f 00 (x) = 1/x > 0 então f é uma função
convexa de x > 0.
10
Figura 5: Entropia como uma função (a) convexa e (b) côncava da energia.
Considere um sistema em equilı́brio dividido em dois subsistemas idênticos (mas sem uma parede
que os separe). Se N e V têm os mesmos valores fixados para ambos os subsistemas, espera-se que as
energias correspondentes também sejam iguais, digamos, a E0 . A aditividade da entropia implica que a
entropia do sistema como um todo é
Vamos mostrar que, se S fosse uma função convexa da energia interna E, o equilı́brio termo-
dinâmico seria instável, para V e N fixos. Para isso vamos perturbar o equilı́brio descrito por (62) de
modo a que o lado esquerdo tenha energia E0 − ∆E, e o direito, E0 + ∆E, onde ∆E é arbitrariamente
pequena.
Se a entropia do sistema S(E) fosse convexa terı́amos [Fig. 5(b)]
1
S(E0 ) < S̄ ≡ [S(E0 + ∆E) + S(E0 − ∆E)] (63)
2
tal que
ST = 2S(E0 ) < S(E0 + ∆E) + S(E0 − ∆E) (64)
ou seja, a soma das entropias dos subsistemas seria maior que a entropia anterior, o que implicaria num
aumento ilimitado da entropia para uma variação infinitesimal da energia. Em outras palavras, o estado
de equilı́brio seria instável.
Mas isso não pode ocorrer devido ao Postulado II da Termodinmica, que ensina que o sistema
sempre evolui para a maximização da entropia. Portanto a entropia não pode ser convexa. Ela deve ser
uma função côncava [Fig. 5(a)]:
1
S(E0 ) > S̄ ≡ [S(E0 + ∆E) + S(E0 − ∆E)] (65)
2
ST = 2S(E0 ) > S(E0 + ∆E) + S(E0 − ∆E), (66)
11
Figura 6: Entropia como uma função da energia e outras variáveis (X). (a) plano com E = const.; (b)
plano com S = const..
de forma que a entropia total será máxima quando ambos os subsistemas tiverem a mesma energia E0 : o
equilı́brio será estável pois uma perturbação ∆E traz novamente o sistema ao estado inicial.
De forma geral, a entropia S = S(E, V, N ) deve ser uma função côncava de todos os seus
argumentos:
∂2S ∂2S ∂2S
2
< 0, 2
< 0, < 0. (67)
∂E ∂V ∂N 2
12
a superfı́cie entrópica e o plano vertical E = E0 [Fig. 6(a)]:
Supomos, agora, que a entropia S é que seja fixada no valor S = S0 . Então, se não há restrições à
variável X, o estado de equilı́brio é aquele que minimiza a energia em E = E0 . Este último é a coordenada
do ponto A de interseção entre a superfı́cie entrópica e o plano horizontal S = S0 [Fig. 6(b)]:
E0 − E1 = dQ = T dS,
o que provoca um aumento da entropia de dS. No estado final o sistema teria sua energia restaurada ao
valor inicial mas ao custo de ter aumentado sua entropia. Mas isso contradiz o postulado de que o estado
de equilı́brio inicial deve ser um máximo da entropia. Logo, a energia inicial teria de ser um mı́nimo, aliás
como previsto pelo princı́pio de mı́nima energia. Esse exemplo ilustra a equivalência dos dois princı́pios.
9 Transformações de Legendre
Seja uma função arbitrária f (x), com derivada
df
p= (70)
dx
Como podemos encontrar uma função que contenha toda a informação de f (x), mas que dependa de p
ao invés de x? Esse problema aparece com frequência na Termodinâmica, pois nem sempre conhecemos a
equação fundamental em termos das variáveis (S, V, N ) ou (E, V, N ).
Uma solução poderia ser inverter a relação (70) para obter x em termos de p. Inserindo o
resultado na função original terı́amos
g(p) = f (x(p))
13
Figura 7: (a) Famı́lia de funções deslocadas horizontalmente. (b) Uma curva como envoltória de suas
tangentes.
mas g(p) não carrega a mesma informação contida em f (x). Considere o exemplo f (x) = ax2 + bx + c,
com p = f 0 (x) = 2ax + b. Colocando em evidência temos
p−b
x= ,
2a
de modo que
p2 − b2
p−b
g(p) = f = + c.
2a 4a
Vamos definir a mesma função mas com um argumento deslocado de x0 :
2
f˜(x) = f (x − x0 ) = a(x − x0 ) + b(x − x0 ) + c.
Uma álgebra simples mostra que g̃(p) = g(p), ou seja, a transformação para g(p) nos faz perder alguma
informação, já que ela é indiferente ao deslocamento x0 . Isso é verdade para qualquer função f (x): a
transformação não é capaz de distinguir f (x) de f (x − x0 ).
A figura 7(a) ilustra uma famı́lia de funções deslocadas umas das outras de uma quantidade fixa
ao longo do eixo x. Para cada função a inclinação da curva em f = f0 é a mesma. Como a inclinação da
curva é igual à derivada da função p = df /dx, ao escrever a função tendo p como argumento, teremos o
mesmo valor de g(p) para cada função pertencente à famı́lia.
Uma alternativa melhor para transformar a função f (x) consiste em observar que qualquer curva
pode ser descrita como a envoltória das retas tangentes em cada ponto dela [Fig. 7(b)]. A reta tangente
à curva de f (x) no ponto x0 tem equação
y = px + b,
onde p = f 0 (x0 ), e f (x0 ) = px0 + b. O coeficiente linear da curva será, portanto b = f (x0 ) − px0 . Nesse
caso, a transformação desejada será
g(p) = f (x) − px,
14
de modo que g(p) fornece a ordenada da reta tangente à curva no ponto onde ela tem inclinação p = df /dx.
De fato, se x = 0 então y = b. No ponto x = x0 teremos
y = f (x0 ) − px0
Dizemos que
df
g(p) = f (x) − px, p= , (71)
dx
é a transformada de Legendre da função f (x). Derivando em relação a p
dg df dx dx
= −x−p = −x. (72)
dp dx dp dp
A transformada de Legendre g(p) contém toda a informação de f (x): conhecida a função g(p)
nós podemos obter f (x) a partir dela, construindo todas as retas tangentes
y = px + g(p).
Para ilustrar essa definição, vamos considerar novamente f (x) = ax2 + bx + c, tal que p = f 0 (x) = 2ax + b
e
g(p) = f (x) − px = −ax2 + c.
Considerando, como antes, a mesma função mas com um argumento deslocado de x0 :
2
f˜(x) = f (x − x0 ) = a(x − x0 ) + b(x − x0 ) + c,
a transformada de Legendre correspondente é
2
g̃(p) = f˜(x) − px = a(x0 − x) − bx0 + c,
diferente de g(p).
Formalmente, a transformada de Legendre é definida como
Definida dessa maneira, g(p) torna-se independente de x, e a condição de extremo garante que p = df /dx.
10 Potenciais termodinâmicos
A representação da energia envolve as variáveis S, V e N . Mas em muitas situações é mais natural con-
siderar a temperatura T constante, ao invés da entropia; a pressão P ao invés do volume; ou o potencial
quı́mico µ ao invés do número de partı́culas. Nestes e outros casos é necessário construir novas repre-
sentações, que permitam considerar T , P e µ como variáveis fundamentais, ao invés de S, V e N . Como
desejamos fazer isso sem perder as informações contidas na equação fundamental, é necessário definir novas
quantidades termodinâmicas usando transformações de Legendre adequadas.
15
10.1 Energia Livre de Helmholtz
Uma formulação onde a temperatura T seja uma variável independente, ao invés da entropia S, é obtida
fazendo a transformação de Legendre da energia E(S, V, N ) em relação a S. Fazendo x → S, f (x) → E(S),
e usando (15):
df ∂E
p= → T (S, V, N ) = (75)
dx ∂S V,N
em (71), a transformada de Legendre
A = −P V + µN (83)
16
10.2 Entalpia
Caso queiramos usar a pressão como quantidade independente, ao invés do volume, fazemos a trans-
formação de Legendre de E(S, V, N ) em relação a V . Fazendo x → V , f (x) → E(V ), e usando (16):
df ∂E
p= → −P (S, V, N ) = (84)
dx ∂V V,N
é chamada entalpia:
H(S, P, N ) = E(S, V (S, P, N ), N ) + P V (S, P, N ). (85)
H = T S + µN (91)
17
10.3 Energia Livre de Gibbs
Quando for conveniente usar a temperatura e o potencial quı́mico como variáveis independentes, ao invés
de S e N , fazemos uma dupla transformação de Legendre da energia E(S, V, N ) em relação a S e N , e
definimos o grande potencial
∂E ∂E
Σ=E− S− N (98)
∂S V,N ∂N S,V
Usando (15) e (17)
Σ(T, V, µ) = E − T S − µN. (99)
18
11 Princı́pios de extremo para os potenciais termodinâmicos
Devido ao princı́pio de máxima entropia, S é uma função côncava de seus argumentos, e pelo princı́pio de
mı́nima energia, E é uma função convexa. Princı́pios de extremo semelhantes são também aplicáveis aos
demais potenciais termodinâmicos.
Um reservatório de calor é um corpo de dimensões tão grandes que sua temperatura não se altera quando
ele recebe ou cede calor para um dado sistema em contato com o reservatório. O sistema de interesse é
descrito pelas variáveis (S, E, T ), e o reservatório de calor por (SR , ER , TR ). Considerando o volume e o
número de partı́culas constante no reservatório, temos de (15) que
∂ER
= TR . (103)
∂SR V,N
Supondo que seja adicionada uma quantidade de calor dQ = T dS ao reservatório, sua variação
de temperatura será 2
∂TR ∂ ER
∆TR ≈ dSR = 2 dSR . (104)
∂SR V,N ∂SR V,N
Como tanto ER como SR são grandezas extensivas, os seus valores aumentam com o número de
partı́culas no reservatório NR . Assim
2
∂ ER NR 1
2 ∼ 2 ∼ → 0, (NR → ∞),
∂SR NR NR
de modo que ∆TR → 0 no limite.
De forma análoga, podemos definir um reservatório de pressão como um sistema tão grande
que sua pressão PR não se altera mesmo quando há um movimento da parede que o separa do sistema
de interesse. Um reservatório de partı́culas pode trocar partı́culas com um sistema (por meio de uma
parede permeável), mas seu potencial quı́mico µR não se altera por causa disso. Um reservatório pode ser
simultaneamente de calor, pressão e de partı́culas.
Um sistema é colocado em contato diatérmico com um reservatório de calor, com o qual pode trocar
energia, mas com TR invariável. Se o sistema está em equilı́brio térmico com o reservatório, então T = TR .
Podemos, então, perguntar como fica o estado de equilı́brio se alguma restrição interna no sistema é
removida.
Pelo princı́pio de máxima entropia, a energia total
ET = E + ER
é constante, enquanto a entropia total
ST = S(E) + SR (ER ) = S(E) + SR (ET − E)
19
deve tender a um máximo.
Como o reservatório de calor é um corpo de dimensões muito maiores do que o sistema de
interesse, temos ER E, de modo que E ET = E + ER . Por isso podemos expandir em série de Taylor
a entropia do reservatório de calor
∂SR E
SR (ET − E) ≈ SR (ET ) − E = SR (ET ) − .
∂ER VR ,NR TR
| {z }
=1/TR
E
ST = S(E) + SR (ET ) − .
TR
A energia livre de Helmholtz do sistema, no equilı́brio térmico, é
A(T, V, N ) = E − T S = E − TR S,
de modo que
A
ST = SR (ET ) −, (105)
T
Como SR (ET ) é uma constante, se ST deve ser um máximo, a energia livre A deve ser um mı́nimo.
Portanto, o estado de equilı́brio de um sistema em contato diatérmico com um reservatório de calor é tal
que a energia livre de Helmholtz é um mı́nimo.
Um sistema é, agora, posto em contato com um reservatório de calor e pressão por meio de uma parede
diatérmica e móvel. O reservatório de calor e pressão tem temperatura TR e pressão PR fixas. A energia
total e o volume total devem ser conservados
20
No equilı́brio TR = T e PR = P donde, usando a energia livre de Gibbs do sistema,
G = E + P V − ST = E + PR V − STR
de modo que
G
ST = SR (ET ) − , (111)
T
e, para que ST seja um máximo, a energia livre G deve ser um mı́nimo.
De forma similar, o estado de equilı́brio de um sistema em contacto com um reservatório de
pressão será aquele que minimiza a entalpia H(S, P, N ). Também, o estado de equilı́brio de um sistema
em contacto com um reservatório de calor e partı́culas será aquele que minimiza o grão-potencial Σ(T, V, µ).
12 Relações de Maxwell
É um conjunto de relações entre derivadas parciais dos potenciais termodinâmicos. De (15) e (16)
∂E ∂E
= T, = −P, (112)
∂S V,N ∂V S,N
21
e assim por diante. Procedendo analogamente para outros potenciais, resultam as demais relações de
Maxwell:
∂V ∂T
= , (118)
∂S P,N ∂P S,N
∂S ∂V
= − , (119)
∂P T,N ∂T P,N
∂P ∂S
= , (120)
∂T V,N ∂V T,N
∂T ∂P
= − , (121)
∂V S,N ∂S V,N
∂N ∂T
= − , (122)
∂S µ,V ∂µ S,V
∂S ∂N
= . (123)
∂µ T,V ∂T µ,V
13 Funções de resposta
Na Termodinâmica algumas quantidades, chamadas funções de resposta são mais facilmente mensuráveis
que outras. As relações de Maxwell permitem calcular qualquer derivada de quantidades termodinãmicas
em termos dos valores medidos dessas funções de resposta.
3. Compressibilidade isotérmica
1 ∂V
κT = − (126)
V ∂P T,N
4. Compressibilidade adiabática
1 ∂V
κS = − (127)
V ∂P S,N
22
As funções de resposta podem ser expressas como a derivada segunda de algum potencial termo-
dinâmico:
∂2A
CV = −T (129)
∂T 2 V,N
2
∂ G
CP = −T (130)
∂T 2 P,N
1 ∂2G
κT = − (131)
V ∂P 2 T,N
1 ∂2H
κS = − (132)
V ∂P 2 S,N
2
1 ∂ G
α = (133)
V ∂T ∂P N
Usando as relações de Maxwell podemos obter relações entre as funções resposta. Por exemplo
∂P CP − CV
= (137)
∂T V,N TV α
Outras relações úteis são obtidas aplicando dois teoremas do cálculo diferencial: seja a relação
f (x, y, z) = 0, então:
∂y 1
= (138)
∂x z (∂x/∂y)z
∂x ∂y ∂z
= −1 (139)
∂y z ∂z x ∂x y
23
Analogamente obtemos
T V α2
κS − κT = − (142)
CP
Essas fórmulas são úteis para determinar as funções de resposta para fluidos puros. Para o gás
ideal, por exemplo, temos
3 5 1 1 3
CV = nR, CP = nR, κT = , α= , κS = (143)
2 2 P T 5P
14 Estabilidade termodinâmica
Um equilı́brio é estável se, fazendo pequenas perturbações do mesmo, o sistema retorna ao equilı́brio. Já
se for instável, as perturbações levam o sistema para longe do equilı́brio. Este é chamado princı́pio de
Le Châtelier: o sentido do processo espontâneo induzido por um desvio do equilı́brio tende a restaurar o
equilı́brio do sistema.
14.1 Entropia
Os postulados da termodinâmica nos asseguram que a entropia S(E, V, N ) deve ser uma função côncava
nos seus argumentos. Mostramos anteriormente que, se S é côncava na energia, o estado de equilı́brio
termodinâmico é estável. Portanto as condições de estabilidade equivalem às condições de convexidade da
entropia em relação a seus argumentos.
Vamos considerar, por simplicidade, N constante. Se S é côncava em E e V podemos generalizar
(66) na forma
2S(E, V ) ≥ S(E + ∆E, V + ∆V ) + S(E − ∆E, V − ∆V ), (144)
Supondo ∆E E e ∆V V , podemos expandir o lado direito em série de Taylor até termos quadráticos
em ∆E e ∆V , com o resultado
2 ∂2S ∂2S 2
2∂ S
(∆E) + 2(∆E)(∆V ) + (∆V ) ≤0 (145)
∂E 2 ∂E∂V ∂V 2
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Caso a energia seja constante (∆E = 0) temos
∂2S
≤ 0. (150)
∂V 2 E,N
Vimos, também, que a energia E(S, V, N ) deve ser uma função convexa das suas variáveis. O mesmo
raciocı́nio empregado para a entropia leva às seguintes condições para a convexidade da energia:
2
∂ E
≥ 0. (153)
∂S 2 V,N
2
∂ E
≥ 0. (154)
∂V 2 S,N
2 2
∂2E ∂2E ∂ E
− ≥ 0 (155)
∂S 2 ∂V 2 ∂S∂V
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Analogamente, a energia livre de Gibbs G(T, P, N ) deve ser côncava em T e convexa em P :
2
∂ G
≤ 0. (159)
∂T 2 P,N
2
∂ G
≥ 0. (160)
∂P 2 T,N
De maneira geral, os potenciais termodinâmicos (E, A, G, H, Σ) são convexos nas variáveis extensivas
(como S e V ) e côncavos nas variáveis intensivas (como T e P ).
15 O postulado de Nernst
O Postulado III da Termodinâmica foi enunciado por Walther Nernst em 1905, e é também chamado
terceira lei da Termodinâmica: a entropia de um sistema à temperatura absoluta nula (T = 0) é uma
constante universal, que pode ser considerada igual a zero. Assim, para qualquer sistema fı́sico
S(T = 0) = 0 (161)
independentemente de qualquer outro parâmetro.
A partir deste postulado, a entropia de um estado A é dada por
Z A Z TA
dQ dT
S(A) = = C(T ) , (162)
0 T 0 T
onde C é a capacidade térmica a pressão ou volume constantes. Se TA → 0, como S(A) → 0 temos que
C(T ) → 0, ou seja, as capacidades térmicas se anulam no zero absoluto.
Usando (125) e (119) obtemos
2
∂CP ∂ V
= −T . (163)
∂P T,N ∂T 2 P,N
1 T ∂CP 1 T ∂2V
Z Z
dT
α = − = dT (164)
V 0 ∂P T,N T V 0 ∂T 2 P,N
( )
1 ∂V ∂V
= − . (165)
V ∂T P,N ∂T P,N,T =0
Como a entropia anula-se quando T → 0, concluimos que α → 0 nesse limite. Analogamente podemos
mostrar que
∂P T →0
−→ 0 (166)
∂T V,N
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onde x > 0 é uma constante, e os coeficientes (a, b, c, . . .) são funções da pressão P . Substituindo em (164)
e integrando termo-a-termo
0
b0 T
Vα a −1
=− + + . . . a + bT + cT 2 + . . . (168)
CP x x+1
onde os primos denotam derivadas em relação a P . No limite T → 0 essa razão tende a uma constante
finita
V α T →0 a0 a−1
−→ − = const. (169)
CP x
T dS = CP dT − αT V dP (170)
Se T → 0, o termo entre parênteses é uma constante finita, donde a variação da pressão ∆P , necessária
para obter uma variação finita na temperatura ∆T , é arbitrariamente grande. Em outras palavras, mesmo
que ∆T seja muito pequena, a variação de pressão necessária é ilimitadamente grande. Assim, o zero
absoluto é inatingı́vel por uma sequência finita de processos envolvendo variação de pressão.
De modo geral, um sistema não pode ser resfriado até o zero absoluto por meio de uma variação
finita de seus parâmetros termodinâmicos. Esta é uma formulação equivalente ao postulado de Nernst
(“inatingibilidade do zero absoluto”).
Referências
[1] K. Huang, Statistical Mechanics (Ed. Livraria da Fı́sica, São Paulo, 2004)
[2] S. R. A. Salinas, Introdução à Fı́sica Estatı́stica (EDUSP, São Paulo, 1997)
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