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Christina Dodd - Entre Seus Braços - Série The Governess Brides 05
Christina Dodd - Entre Seus Braços - Série The Governess Brides 05
Tiamat World
The Governess Brides 05
Christina Dodd
Entre seus Braços
(Lost In Your Arms)
Série Instrutoras ou The Governess Brides 05
Enid MacLean vive por fim uma vida tranquila quando recebe a notícia
de que uma explosão feriu ao marido que pensava, aliviada, nunca
voltar a ver. Embora não goste, aceita o dever de cuidar dele mas,
exceto por seus inconfundíveis olhos verdes, o homem ao que tem
que devolver a saúde não é nem longe o que ela recorda...
E ele não recorda nada. Do abismo de sua amnésia, estende a mão à
mulher que acredita sua esposa, a põe a prova com ardentes palavras
e uma paixão asfixiante às que ela não pode resistir. E enquanto Enid
rende seu coração a este dolorosamente familiar estranho se
pergunta como pôde seu marido se converter neste homem altamente
sedutor... e que segredos guardará em sua memória perdida...
Capítulo 1
Londres, 1843
— Por favor, senhora MacLean, você quer nos falar de seu casamento?
Com a boca cheia de bolo, Enid contemplou o círculo de rostos femininos
que a rodeavam no salão de lady Halifax, todos eles radiantes de felicidade, e
à moça loira e de cara arredondada em cuja honra se reuniram. A jovem
formulara a pergunta. A jovem que em menos de quinze dias se converteria na
tímida noiva do mordomo de lady Halifax. Enid tragou saliva e respirou fundo.
— Minhas bodas? OH, não queiram saber nada de minhas bodas!
— Pois claro que queremos!
Respondeu um animado coro, um coro formado pelas criadas do andar
superior de lady Halifax, as criadas do andar inferior e as criadas da cozinha,
todas elas moças com a cabeça cheia de sonhos de amor que eram como
folhado1.
Enid, à amadurecida idade de vinte e seis anos, tinha pelo menos cinco
1
Aqui, a autora se refere ao folhado como algo gostoso de saborear. Fazendo assim uma analogia aos
sonhos de amor de alguém que não teve de provar algo ruim, ou menos saboroso quanto ao ”folhado”.
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mentira.
— Se casou em uma grande igreja? — quis saber Ardelia, feúcha, gordinha
e morena, enquanto recolhia os últimos miolos do bolo os pressionando com o
polegar.
Enid colocou o garfo no prato e deixou tudo na mesinha de canto que
estava a seu lado. Decidira que, se ia dizer uma mentira, muito bem poderia
ser colossal.
— Um bispo em uma catedral me casou.
— Uma catedral? - Os olhos castanhos de Sarah se abriram como pratos.
— Me casei numa formosa e ensolarada manhã de junho, com um ramo de
rosas silvestres no braço e acompanhada por todos os meus amigos.
— Vestia de branco, como a rainha Vitória? — Ardelia estremeceu de
emoção.
— Não, de branco não.
As donzelas balbuciaram, decepcionadas.
— Sua Majestade ainda não havia se casado, e esse não era então o estilo
de moda. Mas usava uma blusa azul de algodão, muito elegante— com o
trançado mais barato, — uma esplêndida saia, luvas de renda negras —
emprestadas pela esposa do vigário — e um chapéu de veludo azul com véu
negro - que Stephen lhe dera; Deus sabia onde o conseguira, e era de esperar
que tivesse sido por meios legais. Transportada por seu entusiasmo, Enid
acrescentou: — E as botas negras estavam tão lustrosas que podia ver minha
cara refletida nelas.
— Com seus olhos azuis e o cabelo negro, devia ter um aspecto
esplendido, senhora MacLean - a adulou Glória, uma moça insossa que
admirava Enid de uma maneira extravagante. — Como ia penteada?
Enid tocou o frouxo coque recolhido em uma rede para cabelo negra na
base do pescoço.
— É tão liso que nunca posso fazer muito mais que isto.
Com os longos olhos cheios de inocência, Ardelia perguntou:
— Por que não pediu a sua donzela que a penteasse?
Empenhada em contar o melhor relato, o mais espetacular que as garotas
já tivessem escutado, Enid lhes disse:
— Não tinha donzela.
As moças trocaram olhares de compreensão.
— Minha família teve alguns reversos... — Enid enxugou os olhos
perfeitamente secos.
Senhor, aquelas garotas acreditariam em tudo!
— Ah. — Sarah adorava uma boa representação teatral mais que a
ninguém, e sabia qual deveria ser o final daquela história: sua família perdeu
sua fortuna, mas seu Stephen a resgatou.
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amargura não chegava a tal extremo, mas se atrevera a sonhar que algum dia
seria livre. — Se enviuvasse, não vejo nenhuma razão para repetir a
experiência matrimonial.
— As garotas de hoje não têm sentido do decoro. — Lady Halifax franziu os
lábios como se chupasse um limão, e as rugas do lábio superior pareceram
ravinas na pele. — Fazer unguentos. Grande bobagem.
— Não é tão uma tolice. Seria proprietária de meu destino. — O peito de
Enid se esticou enquanto considerava a realidade. — Temo que quando
descobrir o verdadeiro alcance das dívidas de MacLean me encontrarei de novo
na pobreza.
— Se preocupa por nada. Será recompensada por haver feito o correto, se
não aqui, pelo menos no céu.
Enid ouvira essas promessas anos atrás, aos membros das instituições de
beneficência que a aconselhavam a aceitar seu destino com resignação, algo
que ela rechaçava tão vigorosamente então como agora.
— Sou uma pobre e infeliz criatura mortal que quer ir ao céu, mas ainda
não, e, certamente, não morrendo de fome.
Lady Halifax se arriscou a dar uma breve palmada na mão de Enid.
— Prometo que isso não acontecerá. Conseguirá essa terra que deseja.
Enid se imaginou caminhando por seu jardim, umas tesouras na mão
enluvada e um cesto no braço.
— Sim, conseguirei. Só confio em que MacLean...
— É inútil que se preocupe disso agora. — Lady Halifax se moveu inquieta
nos travesseiros. - Muito em breve descobrirá a verdade.
Enid viu as sombras sob os olhos de lady Halifax e alisou o cobertor em
um vão esforço por contribuir com comodidade por meio do esmero.
— Não quero abandonar a casa Halifax, senhora.
Enid se deu conta de que sua voz tremia, e compreendeu também que
chegara a ter um vínculo afetivo não só com a mansão, mas também com sua
proprietária.
— Sim, bom, se requer energia.
Lady Halifax não admitia a piedade, nem para Enid nem para si mesmo.
Entretanto, seu afeto mútuo se cimentou em noites de insônia e dias de
sofrimento, e já eram muito poucos os que ficavam a lady Halifax.
Provavelmente Enid não voltaria a ver à anciã viva, e ambas sabiam. Esse era
o inferno que amedrontava Enid. A dor da separação, a angústia do ingrato
dever.
Enid piscou para conter as lágrimas. Lady Halifax não lhe agradeceria que
se mostrasse muito sensível.
— Deixei um pote de creme de romeiro para você. Peça a sua nova dama
de companhia que esfregue suas costas com ela cada noite, e que lhe dê a
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Capítulo 2
Uma negra porta de ferro forjado com a letra T, com vistosos arabescos e
gravada no metal, se achava na entrada do inferno. O carro do inferno tinha
boas balestras, assentos acolchoados e estofos de veludo e cortinas
combinando que, devido à insistência do senhor Kinman, permaneceram
fechadas durante a maior parte da viagem. Só agora, enquanto esperavam ao
porteiro, o senhor Kinman permitiu que Enid desse uma olhada no exterior.
O inferno se parecia muito a Suffolk. As flores de verão brilhavam nas
colinas ondulantes, e a estrada que se estendia ante eles produzia uma
sensação de isolamento rural. Suffolk, o mesmo que o inferno, tinha a
reputação de ser um lugar remoto, pois os pântanos ao norte e o bosque de
Epping ao sul apresentavam obstáculos ao caminho das vias férreas, e as
estradas eram escassas. Se Enid tivesse capacidade de se surpreender - e
naquele momento não se acreditava capaz de experimentar nenhuma emoção
que fosse - teria se maravilhado ao descobrir que era difícil se aproximar do
inferno. No fim das contas, sempre ouvira dizer que todos os caminhos
conduziam ali.
Quando o porteiro se aproximou da carruagem, o senhor Kinman baixou o
guichê.
— Saudações, Harry. — Sua voz evidenciava débeis restos de um acento
do leste de Londres. — Trago sua esposa.
Para Enid essas palavras soaram sinistras, quase como se ela fosse um
pacote, envolta cuidadosamente em papel marrom e atada com cordão.
Harry subiu ao estribo do lacaio e examinou o interior. Era bonito, jovem, o
rosto de feições duras. Examinou os cantos do veículo, mas no chão não havia
mais que dois pares de pés, e a bolsa de Enid, por isso fez um gesto de
assentimento e, com um acento educado, disse:
— Muito bem. Vão diretamente ao jardim.
Seu olhar se deteve em Enid, em seu arrumado vestido de viagem
marrom, o chapéu de palha e as luvas de pelica de cor canela.
O senhor Kinman também olhava com fixidez para Enid.
A mescla de cautela e esperança que mostravam aqueles homens
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coisas a respeito dela, e isso não gostava. Descobrira que o anonimato é muito
melhor que a notoriedade. — Com sua permissão, preferiria estar de pé.
— Como você desejar. — Segurou o braço dela e a conduziu pelo pequeno
círculo que formava o caminho no interior do jardim. — Imagino que a notícia
da lesão sofrida por MacLean a perturbou.
— É a pior noticia possível. — Porque a fizera abandonar lady Halifax. —
Me diga, senhor Throckmorton, quanto tempo você acredita que estarei aqui?
Deixei a uma querida paciente em uma situação muito crítica e queria retornar
a seu lado o antes possível.
O senhor Throckmorton arqueou altivamente uma sobrancelha.
— A Distinta Academia de Instrutoras lhe proporcionou outra enfermeira,
não é certo?
— Lady Halifax está se deteriorando muito, e sei o que necessita, como
pensa. — Seu coração se encolhia ao pensar na anciã que com tanta coragem
a despedira. — Eu gostaria de estar com ela.
O senhor Throckmorton a observou atentamente, e então emitiu seu
julgamento crítico:
— Você é uma boa enfermeira.
— Assim é.
— Pois bem, seu marido necessita de uma enfermeira neste momento.
A saia de Enid girou sobre as corolas das flores que se balançavam, e tal
era seu estado de ânimo que de boa vontade as teria pisoteado. Pobres flores,
ser umas substitutas daquele descarado do Stephen MacLean!
— O que MacLean fez? — inquiriu mordazmente. — Entrou em um
dormitório alheio e recebeu um tiro de um marido irado? Apostar que podia
tocar a seus cavalos pelo caminho de pedágio e derrubar o carro? Se
embebedar e ser trapaceado por seus velhos amigos?
A amargura que aparecia em suas palavras não surpreendeu ao senhor
Throckmorton. Pelo contrario, respondeu como se sua censura fosse o mais
natural do mundo.
— Uma explosão o afetou.
Enid pensou que deveria se envergonhar de suas acusações, mas não era
assim. Não eram acusações irracionais, não quando se tratava de Stephen
MacLean.
— Uma explosão. Acaso estava brincando com bombas?
— Foi uma bomba. Encontrava-se na Crimea. Em um lugar inadequado e
um momento inoportuno. Um agente russo causou a explosão. O companheiro
de MacLean morreu.
— Um agente russo? — se interrompeu e, com os olhos muito abertos,
transbordantes de compreensão, olhou fixamente ao senhor Throckmorton.
Não era de estranhar que tivesse aquele ar de autoridade! Na realidade, nunca
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Capítulo 3
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Recuperava o sentido pelo menos uma vez ao dia, mas agora... está tão fraco
que esses momentos são menos frequentes. — O senhor Throckmorton a
olhava sem pestanejar. — A menos que possamos alimentá-lo, não há
esperança. Não pedimos a você que se ocupe da tarefa mais dura. Há uma
enfermeira, e o doutor vem diariamente.
— Então por que me fizeram vir?
— Confiamos em que o som de sua doce voz possa fazê-lo voltar a si.
— Da borda da morte? As possibilidades que isso aconteça são escassas.
Digo a verdade. Ele não sente nenhum carinho pelo som de minha voz.
Mas Enid estava liderando uma batalha perdida, e sabia.
— Me nego a abandonar a esperança. Todos quantos o conhecemos nos
negamos a abandonar a esperança.
— É obvio. — Ela compreendia esse sentimento. Fora abençoada, ou
amaldiçoada, segundo como se olhasse, com uma alma em que, apesar de
suas penalidades, florescia uma eterna esperança. Por muito que repreendesse
a si mesma, por muito frequentemente que exigisse a si mesma bom senso,
sempre acreditava em uma vida melhor... amanhã. Seu vigário de Londres lhe
dissera que sua fé era inquebrável, mas ela se dizia que o que tinha era uma
insensatez insondável. — Mas se, como temo, não posso ajudá-lo...
— Se você não pode lhe ajudar e ele está condenado a uma morte que
não merece... se tal for o caso, a família desejará que se transporte o cadáver
a Escócia. E você, como sua esposa, o acompanhará, é obvio.
As coisas estavam cada vez pior. Enid elevou a voz, em um raivoso tom de
desafio.
— Lady Halifax me necessita. E... e o clã MacLean não quer saber nada de
mim.
— Stephen MacLean poderia ter deixado a você uma herança.
A insinuação a cobiça a impulsionou e fez que Enid ficasse lívida. Ficando
em pé, olhou de frente ao senhor Throckmorton.
— Estive casada com o Stephen MacLean, e asseguro que o mais provável
é que tenha me deixado um montão de dívidas.
O senhor Throckmorton reconheceu essa possibilidade, pois replicou:
— A família MacLean é rica. Poderiam estar dispostos a ajudá-la.
— E aceitaria qualquer ajuda, senhor Throckmorton, porque mantive a
meu marido durante os três meses que durou nosso casamento. Não seria mais
que um pagamento de atrasados. Mas não procuro a ajuda dos MacLean.
Depois do casamento, o Senhor deixou claro na carta que me escreveu: meu
marido carecia de fortuna própria, e Kiernan MacLean preferiria apodrecer
antes de manter a uma pessoa tão oportunista como eu.
Pela primeira vez durante a conversação, o senhor Throckmorton pareceu
confuso.
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Quando estava são e eram marido e mulher, ela nunca experimentou algo
assim. Talvez a tragédia o tivesse alterado, ou possivelmente os anos o fizeram
maturar, impregnaram sua essência até tal ponto que ela os discernia. Talvez
fosse ela a que mudou, se abrandou, estava disposta a perdoar. Ou
possivelmente percebia que a morte pairava por cima deles como um grande
corvo negro, disposto a arrebatá-lo antes que os dois pudessem escrever novos
capítulos de sua história.
Enid ouviu o ruído de homens que se moviam abaixo, uma saudação e
então o som de passos na escada. Atrás dela, o senhor Kinman se movia e
gemia, um homem tão volumoso que se assustava ao ver sangue. Mas agora
só uma coisa era importante, dar a MacLean uma oportunidade de viver.
— MacLean — repetiu seu nome, pensando que sem dúvida o ferido
responderia a essa palavra mais que a quaisquer outras. — Um fragmento de
vidro poderia ter te deixado sem um olho, mas nesse aspecto também teve
sorte, E a fratura da perna é tremenda. — Enquanto o som de uns pés
embainhados em botas se aproximava, iniciou a operação cruelmente dolorosa
de tirar a bandagem da extremidade. — Mas de algum jeito se livrou de
qualquer infecção. Voltará a caminhar. Assim me diga, MacLean, por que ainda
está dormindo?
— Está dormindo, jovem senhora, devido ao golpe que sofreu na cabeça.
— Um cavalheiro de grande bigode estava no alto da escada, vestido de tweed
marrom e emitindo um aroma de tabaco.
Um cavalheiro com ares de suficiência e, a julgar por sua expressão, com
tendência ao desdém e a uma altivez injustificada. — Sou o doutor Bridges, e
exijo saber o que você acredita que está fazendo!
O senhor Throckmorton estava atrás dele, na penumbra, e apesar de ter
permitido que o doutor Bridges tomasse a iniciativa, Enid fez caso omisso do
médico e se dirigiu somente a ele.
— Estou lavando MacLean, senhor Throckmorton. Estava sujo. — Jogou o
trapo na bacia. — Senhor Kinman, seria tão amável de atirar esta água e trazer
mais, limpa e quente?
O senhor Kinman voltou a se queixar, e então avançou engatinhando para
ela e elevou as mãos. Enid lhe deu a bacia e advertiu:
— Não a derrame!
— Não o farei — sussurrou o senhor Kinman.
Levantou-se cambaleando e foi para a escada.
O doutor Bridges estava tão indignado pelo descaso que a dama lhe dirigia
que as pontas do exuberante bigode tremiam.
— Olhe, jovem, sou um médico experiente, graduado por Oxford, e o que
você está fazendo é um engano.
— Talvez seja, mas o que você faz o está matando.
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Capítulo 4
Cada vez que MacLean despertava, a via, brilhante como uma vela na
escuridão. No princípio machucava seus olhos, tal era o brilho que irradiava de
seu interior, mas a olhava tanto como lhe era possível antes de deslizar uma
vez mais no vazio.
Mais adiante ouviu uma voz feminina que lhe falava, e soube que era ela.
Enchia sua mente com imagens de árvores coalhadas de flores rosadas, de
gente bruscas e alegres, de canções entoadas na véspera do sábado. Cada
imagem desaparecia logo que ele tentava agarrá-la, e qualquer esforço lhe
causava dor. Dor na perna, no peito, na cara. Estava cansado de lutar contra a
dor, por isso procurava refúgio no vazio.
Então brigava com ele, o chamava, e a lembrança daquele rosto radiante
o fazia voltar a si. Cada vez que abria os olhos, ela estava ali.
Sempre se precipitava sobre ele, o elevava, o enchia de todo tipo de
líquidos, e essa imprecisão o turvava vagamente. Seu corpo não ansiava nada,
mas sua mente exigia vê-la, e se ser alimentado era o preço que teria que
pagar, pagaria.
Ele sempre cumpria com suas obrigações.
Em geral, voltava a si quando a luz do sol penetrava no quarto, mas uma
vez ouviu o estrépito dos trovões e abriu os olhos na noite, ela também estava
formosa então, a chama mais brilhante em uma sala cheia de velas. Movia-se
com tal elegância quando se inclinava sobre ele, a bata rosa com rendas
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Capítulo 5
A mulher o olhava com fixidez, seus assombrosos olhos azuis sem piscar,
os lábios rosados algo abertos, como se estivesse surpreendida. Inalou longa e
lentamente, e em um tom moderado respondeu:
— Quem... sou... eu?
Se ela fosse um homem, teria lhe quebrado seu nariz por essa idiotice,
mas as mulheres eram sua fraqueza, todas as mulheres, e aquela jovem era
atraente. Tão atraente, na realidade, que o surpreendia não recordar seu nome.
A vira antes, e não desejava mais que tocá-la, mas se contentou olhando-a tão
só por que... por que... por que não recordava dela? Fez um esforço de
memória. Sua excelente memória, que nunca falhou até então. Por que não
recordava dela?
O que lhe fizera aquela mulher?
A voz de MacLean era áspera, carregada de suspeita, quando perguntou:
— Quem é? Recordo de você, radiante, o cabelo caído sobre os ombros,
mas... não posso recordar... seu nome.
— Louvado seja Deus, está acordado! — exclamou outra mulher atrás
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dele.
Tentou se voltar para ver quem estava ali, a suas costas desprotegidas.
A dor invadiu suas articulações, os músculos, a perna. Lançando uma
virulenta maldição, se deixou cair na cama. A mulher que estava ajoelhada a
seu lado ficou em pé e o agarrou pelos ombros. A outra mulher também o
agarrou.
— Cãibras musculares, senhor, não é surpreendente em seu estado — lhe
disse.
As mulheres, fossem quem fosse, não o deixaram quieto até que o tiveram
colocado de barriga para cima. A perna, o centro daquela dor lacerante, resistia
a se mover até que a segunda mulher a levantou e a pôs sobre um travesseiro.
Então o doente caiu para trás, ofegante.
A outra mulher era mais velha, gordinha e de olhos vivos, segundo todos
os indícios uma típica aldeã inglesa. Não representava nenhuma ameaça.
Agora não. Olhou a seu redor. Ao outro lado das janelas abertas oscilavam as
copas das árvores, o teto estava inclinado e com as vigas visíveis... assim, se
encontrava em um sótão. Com que objetivo?
O que lhe ocorria? Onde estava?
Quem era?
Estava entrando em pânico. Um pânico que dominou em seguida,
enquanto permitia que o furor aumentasse, porque desconhecia a resposta à
pergunta mais básica de todas. Mas obteria essa resposta. E imediatamente.
Olhou de novo à moça. Devolveu-lhe o olhar, os olhos muito abertos e
brilhantes. A conhecia, sim, mas lhe era impossível recordar seu nome.
Recordava ter ouvido sua voz suave lhe contando as anedotas da jornada.
Recordava ter visto sua cara em forma de coração inclinada sobre ele quando
despertava. Recordava como seus olhos se iluminavam quando sorria, como
suas tenras mãos lhe alisavam os lençóis, como seu cabelo espesso e escuro
caía ao redor de seus ombros e acariciava sua face. Recordava a deliciosa
curva de seu seio aparecendo da bata.
Mas não recordava ter se intimado com ela na cama e, por que outra
razão a veria vestida com um objeto tão íntimo? O que estava ocorrendo? O
que recordava?
Nada. Absolutamente nada.
Tratou de se levantar por que seu corpo não se movia? e perguntou: —
Quem diabos sou?
A mulher soltou uma exclamação e deslizou um braço sob sua cabeça.
— Como vê, prezado senhor, não está em condições de brigar — disse a
outra mulher, a suas costas, e o agarrou pelos ombros. — Quero me sentar.
Dificilmente se poderia expressar a irritação que sentia por sua fraqueza.
Um espaço em branco foi crescendo em sua mente até enchê-la por completo.
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Por muito que tentasse, por muito que procurasse lembranças, não encontrava
nada.
Assumiu o comando como o fazia sempre, dando ordens naquele tom
cortante que obtinha uns resultados instantâneos. Mas como sabia isso?
— Vão me dizer agora mesmo quem sou e o que estou fazendo aqui. — Se
não respondiam, iriam pagar caro... mas como? Quem era ele?
— Tranquilamente, mais devagar.
A mulher de cara suarenta, a que tinha aqueles extraordinários olhos azuis
e os seios vivazes, se inclinou sobre ele enquanto MacLean manobrava na
cama, tratando de encontrar uma postura cômoda.
— Esteve muito doente — lhe disse.
— Isso já deduzi, boba.
Ofendida, lançando um breve bufo, a mulher se apressou a se erguer. Mas
ele não era propenso a ter tato.
— Estou na cama, é de dia, e não me deito de dia a menos que esteja
doente. Tenho muitas coisas a fazer.
Mas que fazia?
A outra mulher, a do cabelo cinza e semblante maternal - ele também a
reconhecia, mas por quê? aproximou-se. Olhou aos olhos e, em um tom de voz
que devia ter aperfeiçoado no transcurso de inumeráveis sermões, disse-lhe:
— Você tinha um aspecto de inquietação inclusive quando estava
inconsciente, Agora me escute, jovem. Sou a senhora Brown e vou em busca
do senhor. Ele explicará tudo, mas enquanto isso esta jovem dama cuidará de
você. Não faça nenhuma estupidez. Não tente se levantar, porque não será
capaz de fazê-lo. Seja obediente e faça exatamente o que esta amável senhora
lhe diga.
— Por que deveria fazê-lo? — replicou ele, como um menino mal-
humorado.
— Porque foi ela quem o fez voltar da beira da morte, e eu sou quem
limpou seu traseiro.
MacLean a olhou fixamente.
Ela sustentou o olhar.
Sabia que era um guerreiro, e um guerreiro reconhece quando foi
derrotado. Assentiu a contra gosto e, arrastando as solas de couro de seus
sapatos, a mulher mais velha saiu da sala.
A mulher mais jovem se pôs a rir, com uma mão sobre os olhos.
— O que é tão divertido? — perguntou ele em tom brusco, como se não
soubesse.
Ela ergueu a cabeça.
— Nos preocupava tanto que nunca despertasse... e agora que o fez, é
mais inculto do que já foi algum dia.
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— O que me ocorreu?
— Estava de visita na Crimea.
— Sem você? — perguntou ele no tom mais neutro de que era capaz, e
observou um momento de vacilação na mulher.
— Sim — disse ela depois da breve pausa. — Houve uma explosão.
Resultou ferido, o outro homem morreu.
A península da Crimea. Não recordava essa viagem, embora sabia bem
que Crimea era uma extensão de terra e areia que se internava no mar Negro.
Por que recordava isso?
Uma explosão. Tratou de se endireitar e examinar seu corpo, mas seus
fracos esforços anteriores tinham esgotado suas forças, e essa constatação o
enfureceu ainda mais.
— Tenho todos os membros intactos? — quis saber.
— Sim.
Não acreditava. Moveu os dedos dos pés. Moveu braços e pernas, sem
deixar de sentir dor.
— Dê a volta, se tiver recato — pediu à mulher.
O obedeceu, mas quando teve terminado de se apalpar, depois de
encontrar que as partes importantes seguiam realmente ali, observou que um
intenso rubor invadia o pescoço da jovem.
— Não posso acreditar que esteja sobressaltada, moça. Aqui me tem sem
mais que umas calças cortadas pelos joelhos, e certamente há muitas
correntes de ar nesta sala.
— Assim nos resultava mais fácil cuidar de suas feridas - se defendeu ela
com rigidez.
— Já pode se voltar.
Ela se voltou com cautela, e quando viu que ele tinha as mãos sobre o
cobertor da cama, o olhou de novo.
— Se fosse na verdade minha esposa, deveria se alegrar que ainda possuo
os meios para te dar prazer.
— Se fosse um marido como é devido, me alegraria.
— Se pudesse me levantar desta cama, não me diria isso à cara.
— Não me conhece absolutamente.
Sentia-se algum afeto por ele, se tinha um ápice de carinho, o ocultava
atrás de uns traços inexpressivos, disciplinando a si mesma como um sargento
militar encarregado da intendência.
Uma prova mais de que não era sua esposa.
— Quando teve lugar a explosão?
— Faz seis, quase sete semanas.
Ele soltou um bufido.
— Vamos, senhorita, não espera que eu acredite nisso. Em seis semanas já
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teria morrido.
— Deveria estar morto.
Não parecia uma mulher enganosa, mas ele conhecera antes
embusteiras... onde? E a suspeita o acossava por que... por quê? O que o fazia
observá-la de uma maneira tão cínica, quando tudo nela refletia sinceridade?
— Quererá beber algo, não é? Foi rapidamente à mesa onde estava a jarra
e verteu água em uma tigela.
— Sim, obrigado. —- Seu estômago retumbava, e compreendeu que as
exigências de seu corpo dominaram às da mente. — E comer! — Astutamente,
inquiriu — estive na prisão? Passei fome?
— Em certo modo, sim. — Se aproximou de seu lado, apoiou o quadril na
cama e deslizou o braço por trás de seus ombros para levantá-lo. Ele tentou
pegar a tigela, mas ela a manteve fora de seu alcance.
— Cairá de suas mãos.
— Uma tigela?
— O que você acha?
Ele pensou que gostaria de se apertar contra seu seio. Parecia que já o
fizera antes. Reconheceu o leve perfume de gardênia que saia dela.
Intimidade... uma intimidade familiar.
Deixou que aproximasse a tigela de seus lábios e bebeu com avidez, o
sabor antigo em sua pureza. Era possível que estivesse equivocado? Que
tivesse se esquecido de quando fazia amor com ela, que fosse realmente sua
esposa?
Não, Por Deus, não poderia ter se esquecido de uma coisa assim.
— O senhor Throckmorton fez que lhe trouxessem água de um manancial
de Yorkshire — lhe disse. — De vez em quando recuperava a consciência, o
suficiente para nos deixar te dar água e caldo, mas não falava e não parecia
nos ouvir. — Suas mãos tremeram, e a tigela tilintou contra os dentes de
MacLean. — Recorda agora? As lembranças voltaram?
Ele ofegou enquanto bebia a água... inclusive uma atividade tão mínima o
extenuava.
— Não. — Fez um esforço para lhe agarrar o pulso e mantê-la ali. — Quem
é o senhor Throckmorton?
— É o dono da casa familiar Blythe, a pessoa que a senhora Brown foi
procurar. É... seu amigo? Havia outra pergunta por baixo daquela: "Recorda
dele?". MacLean respondeu fazendo um gesto negativo com a cabeça.
— O senhor Throckmorton é o proprietário deste imóvel em que se está
recuperando. — Se afastou antes de acrescentar — deixe que vá te buscar algo
de comer. Encaminhou-se à escada, o deixando indignado porque escapou dele
com tão pouco esforço, desolado pela perda do contato com ela e ressentido
por depender até tal ponto de uma mulher, embora fosse uma mulher que
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nome nem minha casa nem por que sofro nem como aconteceu. Então estou
procurando uma lembrança e, se for minha esposa, então é a chave. A única
coisa aqui em Suffolk, na Inglaterra, que me parece familiar. Por isso me
conceda o beijo que te peço, porque preciso saber quem sou, e estou muito
fraco para te reter.
O sentimento de culpa lhe concedeu o que a força não podia lhe dar. Ela
mordeu o lábio e então suspirou com uma petulância extravagante, fechou os
olhos e franziu os lábios.
Ele riu baixinho e lhe inclinou a cabeça. Ah, o contato da tenra boca
feminina com a sua! Não importava que ela não quisesse ou que estivesse
exasperada. Da mesma maneira que ele sabia onde estava situada a Crimea,
que era um guerreiro e escocês, e que tinha motivos para suspeitar de suas
circunstâncias, também sabia como suavizar com beijos a uma mulher
relutante.
Beijou Enid uma e outra vez, uns beijos breves, leves, rápidos, nas
comissuras da boca, no lábio inferior, inclusive na ponta do nariz. Sua
encantadora careta de desdém foi se dissipando à medida que tratava de
conservar a serenidade, de compreender a estratégia de MacLean. Foi então
quando a boca deste se amoldou com precisão à sua. Explorou os contornos de
seus lábios, sua textura felpuda aquela doce depressão no alto, a largura que
fazia maquinar a um homem deleites eróticos. Enquanto isso, ela retinha o
fôlego uma e outra vez, como se a surpreendesse cada um dos avanços de
MacLean. Por um momento ele pensou em separar e lhe perguntar durante
quanto tempo estiveram separados. Então chegou à conclusão de que isso era
uma loucura e deslizou os dedos entre a cabeleira feminina para lhe segurar a
cabeça.
Ela observou em seguida que a aprisionara. Tentou se retirar, mas ele não
estava tão fraco como ela teria gostado. Pelo menos quando tinha uma boa e
justificada razão para empregar sua força. A reteve, a persuadiu, a coagiu... e o
beijo se fez mais profundo. A boca de Enid se abriu sob a dele, e o estremeceu
com sua doce umidade, o sabor de especiarias e o calor estupendo. Ela retirou
a língua, por isso ele foi procurá-la, pequenas incursões nas profundidades de
sua boca, em busca de seus segredos, que foi achando um após o outro, e lhe
mostrando quão bem podia usar esses segredos contra ela. Enid reagiu com
vacilação no começo, e então, à medida que se acostumava a ele e a sua
perversidade, elevou as mãos e lhe rodeou com elas a cara tal como ele
rodeara a sua.
Uma mulher o deixava cativo. Uma mulher que afirmava ser sua esposa e,
embora não fosse, não demoraria para se agitar debaixo dele, embargada de
gozo.
Não havia no mundo maior prazer que o de persuadir a uma mulher
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relutante.
MacLean desejou rir quando seu corpo - enfermo, ferido, fraco -
experimentou um acesso de vitalidade. Mal podia elevar a cabeça, a perna lhe
ardia e, pelo que ele sabia, esteve à beira da morte. Mas seu membro viril,
valente, agressivo, não muito judicioso, ainda erguia sua impudica cabeça e
exigia que o mimassem. Ah, que grande coisa era ser homem, estar vivo
naquele dia ensolarado... Estar beijando a aquela jovem ossuda que lhe dava
semelhante incentivo para ficar bem. Mas não agora. Algo que tentasse agora
terminaria em um desmoronamento ignominioso. Além disso...
Se retirando pouco a pouco, pôs fim ao beijo. Beijou-lhe o pulso, alisou o
cabelo, o afastando da cara, e aguardou que ela abrisse os olhos. As pálpebras
caídas e a expressão aturdida alimentavam seu orgulho masculino, e por um
instante quase voltou para a perseguição. Mas carecia da força necessária, e
por isso lhe disse:
— Temos companhia, querida.
Capítulo 6
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Me deixe lhe pôr outro travesseiro debaixo dos ombros e lhe daremos um
caldinho.
— Caldo! Não quero caldo, quero comida de verdade.
Despertara em toda extensão da palavra.
— A senhora MacLean é quem tem a última palavra quanto ao que
convém a seu estado. — A senhora Brown se voltou cortesmente para Enid. —
O que diz você a isso, senhora MacLean?
— Mm... — Enid fez um esforço mental para desentender de suas emoções
e voltar para a vida prática. —Olhe, agora lhe daremos o caldo, e quando nos
certificarmos que te sente bem, começaremos com mantimentos leves.
O doente gemeu.
— Eu gosto muito dos pêssegos.
— Amanhã — ela prometeu, mas sem o olhar.
Não podia olhar para ele. Presumido, cheio de si. Quando aprendeu a
beijar daquela maneira? E com quem? E por que agora ela tinha ciúmes de
alguma mulher sem rosto quando durante oito anos tudo o que pedira ao
destino era que MacLean permanecesse longe, o mais longe possível dela?
Dispôs-se a ajudar à senhora Brown, que ia erguer ao doente na cama,
mas se viu suplantada pelo senhor Throckmorton e o senhor Kinman, que
ajudou à senhora Brown sem esforço. Enid observou enquanto a mulher
pegava a tigela de caldo da bandeja, e chegou à conclusão de que não a
necessitavam e se alegrou disso.
— Sou Throckmorton — se apresentou, — e este é Kinman, meu braço
direito. Ali, junto à porta, está Harry, encarregado do portão, e esse homem de
braços cruzados é Jackson. O contratei como seu camareiro, para que cuide de
você e de seus objetos de vestir, o barbeie e banhe como deseja.
Um camareiro? Enid olhou para Jackson, que se aproximou da cama e
saudou com uma inclinação de cabeça. Era um homem de estatura e idade
medianas, o cabelo castanho, ligeiramente espadaúdo, com óculos de aros
dourado e as costeletas mais impressionantes que ela jamais vira. Poderia ter
sido inofensivo, salvo por seu ar de superioridade, que tantos camareiros
consideravam uma parte imprescindível de sua natureza.
Um camareiro. Os deveres de Enid desapareciam com rapidez.
A jovem se encaminhou à escada, onde estava Harry.
— MacLean despertou - disse sem necessidade.
— Assim é. — Harry não desviava o olhar da cama. — Se recuperará?
— É muito cedo para saber — replicou ela, vacilante. — Mas sim. Acredito
que sim. Se a pura força de vontade pode obter tal coisa, se recuperará.
— A força de vontade. — Harry parecia cético. — Tanto significa isso?
— É tudo. Cuidei de muitos pacientes, e é sua vontade o que os mantém
com vida além de sua hora. A força de vontade é o que os conduz à
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— Bom, querida moça, vai me dar uns leves golpes para que arrote?
Os homens riram, aliviados da tensão criada ao ver um dos seus
alimentado como um bebê.
As mulheres trocaram olhadas exasperadas.
Enid pegou a tigela e a sustentou para que MacLean tomasse. Nesta
ocasião ele o fez mais lentamente e com muito mais cautela. O observou como
tinha feito nas últimas semanas, confiando em que lhe sentaria bem, rogando
para que desta vez, quando dormisse, voltasse a despertar. Agora estava
acordado, e ela não podia deixar de vigiá-lo. Não era saudável para um homem
ser o centro da existência dos que o rodeavam, levando em conta que os
homens já tinham umas ideias exageradas sobre sua importância.
O senhor Throckmorton olhou a seus homens.
— Embora já sabem, devo insistir na importância do silêncio. Terão que
evitar que no exterior se conheça a recuperação de MacLean. A data de meu
casamento se aproxima, e a casa Blythe estará cheia de convidados. Um só
engano poderia pôr sua vida em perigo.
Todos os semblantes tinham um aspecto sério. Todas as cabeças
assentiram. Todas exceto a de MacLean, quem olhava ao senhor Throckmorton
com um cínico interesse.
Tampouco Enid assentiu, e uma vez mais se perguntou o motivo que
estendessem semelhante rede protetora sobre a pessoa de seu marido.
— Falarei a sós com MacLean - disse o senhor Throckmorton.
Sally foi a primeira a sair, fazendo uma reverência, e a senhora Brown a
seguiu. Jackson voltou a inclinar a cabeça e então desceu a escada. O senhor
Kinman se encaminhou à porta e se deteve ao lado de Harry, quem
permanecia imóvel, os olhos castanhos fixos em MacLean e logo em Enid,
aquele seu olhar sério e intenso.
A maneira em que os olhava fez que Enid se sentisse incômoda. Deu-se
conta que a cabeça de MacLean repousava em seu braço dobrado, e que esse
gesto devia parecer protetor e... carinhoso.
Tentou retirar o braço.
MacLean pegou sua mão e a sustentou com firmeza.
Ela poderia ter se liberado, porque os músculos atrofiados do
convalescente careciam de força. Mas pelo pouco que sabia daquele MacLean,
não cederia sem lutar primeiro. Uma luta que careceria de dignidade.
O senhor Kinman pôs a mão sobre o ombro de Harry.
— Vamos, homem, temos que beber para celebrar, e logo voltar ao
trabalho. Há muito que fazer nas semanas que faltam para o casamento.
Depois de um último e circunspeto olhar, o porteiro desceu a escada.
Enid tentou se mover para deixar a tigela na mesa e partir, mas MacLean
lhe deu um ligeiro apertão nos dedos e desafiou o senhor Throckmorton com
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seu tom.
— Você não, você é minha mulher.
— Agora sou sua mulher? — zombou Enid. — Que mudança em tão só uma
hora.
— Claro que você é sua esposa — disse o senhor Throckmorton, — e
deveria ficar.
MacLean esfregou a face contra a mão da jovem.
— Aí tem. Uma autoridade o opinou. Somos marido e mulher.
Enid queria lhe dar uma réplica engenhosa, mas ficou em segundo plano
enquanto os dois homens se olhavam receosamente, como se medindo. Sua
concentração, a sensação de poder que emanava de cada um deles,
assombraram Enid. É obvio, o senhor Throckmorton possuía esse infatigável ar
de autoridade, mas também MacLean parecia o ter, e isso era toda uma
novidade para ela.
— Então aqui vai ter um casamento — disse MacLean. — Quem se casa?
— Eu. — O senhor Throckmorton se dirigiu à abertura no chão, fechou a
porta que dava acesso à escada e a sala de baixo.
— Senhora MacLean, queria que você fechasse a porta sempre que estiver
a sós com seu marido.
— Por quê? — perguntaram os dois ao uníssono.
— Com a ocasião de meu casamento virá aqui um grande número de
forasteiros, e me sentiria muito mais tranquilo se soubesse que não os têm
descoberto.
Semelhante resposta não era absolutamente uma resposta, mas antes que
Enid o pudesse interrogar mais, MacLean interveio.
— O felicito por suas núpcias iminentes. Não posso imaginar que tipo de
mulher seria tão tola que se uniria a um filho de puta taciturno como você.
MacLean pareceu surpreso de seu engraçado e amigável comentário.
— Espera até que a veja — replicou o senhor Throckmorton. — Celeste é
formosa, é encantadora. É muito inteligente para seu próprio bem. Então sim
que se perguntará no que está pensando.
— É rico?
O senhor Throckmorton assentiu.
— E se encontra ela em similar circunstância?
— É mais pobre que um camundongo de igreja, mas me ama por mim
mesmo.
Nem um indício de sarcasmo coloriu seu tom; o senhor Throckmorton era
um homem feliz e não lhe importava quem soubesse.
As comissuras da boca de MacLean se inclinaram para baixo.
— Seriamente acredita nisso?
Enid interveio então, consternada.
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recorda tudo, mas temo que posso ter te traído. Não obstante, se tivesse algo a
ver com a explosão, agora estaria morto.
Encontra-se em minhas terras; não teria sido nenhum problema acabar
com sua vida.
— Posso ter uma informação que precisa - disse MacLean sem rodeios.
— Assim é.
A tensão que havia entre eles inquietou Enid.
— Acreditamos... — disse o senhor Throckmorton — confiamos em que
tem certo conhecimento de quem pôs a bomba, matou a nosso homem e o
feriu. Se não tivesse querido que essa informação se soubesse, poderia ter
feito que o matassem. E agora que sabe isto, devo te perguntar de novo... é
certo que não recorda nada?
Enid reteve o fôlego.
— Nada — sussurrou o doente, como se estivesse triste, e fechou as
pálpebras. — Não recordo nada.
— Muito bem — disse o senhor Throckmorton. — Acredito em você. Não
tenho alternativa.
— Onde...? — MacLean pareceu se esforçar por permanecer acordado. —
Onde estão minhas coisas?
Enid se sobressaltou.
— Suas coisas?
— Devo ter alguns pertences. Se pudesse ver, tocar e cheirar os objetos
de meu passado, talvez pudesse recordar...
— Saiu da explosão tão só com a saia escocesa3 e a bolsa.
— Minha bolsa. Quero minha bolsa. — Com tanta rapidez como MacLean
despertou, desabou agora sobre os travesseiros.
Presa do pânico, Enid se inclinou sobre seu rosto. Aplicou os dedos no
pulso do pescoço e comprovou que os batimentos do coração eram fortes.
Aliviada, respondeu à pergunta tácita do senhor Throckmorton.
— Está bem, só exausto.
— Voltará a despertar?
— Quando se trata da saúde humana, não se pode afirmar nada de um
modo terminante... mas sim, acredito que sim.
O dono da casa suspirou. Encaminhou-se à janela e contemplou o jardim.
— Quanto durará esta perda de memória?
— Não sei. Careço de experiência nos enigmas da mente. — Deixou a
tigela sobre a bandeja e observou que seu marido tremia. — Ouvi pacientes
dizer que não recordavam nada, mas sempre me pareceu uma tolice, uma
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É preciso explicar que, sempre ouve implicância dos ingleses com essa vestimenta dos
homens escoceses. Tanto que, foi proibido o uso após o último levante, o de 1745, como é
citado no livro. Então quando um inglês se refere ao traje, ele diz “saia escocesa”, mas quando
é um escocês falando, ele fala corretamente “kilt”. Explicação do Matias.
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cabeça e lhe deu outro gole de água. — Tem razão. Poderia ter feito que o
matassem a qualquer momento.
— Se tiver descoberto uma informação que ele quer, e a informação existe
somente dentro de minha mente, então Throckmorton desejará me manter
com vida até que lhe dê essa informação.
Quando a tiver, poderá me matar.
— Certo. — Ela não pensou nisso. — Nunca me destaquei por minha
lógica.
— Para isso me tem. — MacLean fechou as pálpebras e sua voz se fez
indistinta. — Talvez Throckmorton não seja um aliado. Muito bem poderia ser
meu verdugo.
— Então é certo que não o recorda.
Ele sacudiu a cabeça, sorridente.
Entretanto, Enid começava a compreender o labirinto de desconfiança e
ceticismo pelo que os dois erravam.
— Mas trabalho para o senhor Throckmorton, e não recorda que sou sua
esposa.
— Não tem uma lógica tão má, depois de tudo. — Lhe dirigiu aquele
sorriso cruel, cortante. — Você também poderia ser meu verdugo. — suas
pálpebras fecharam. — E não posso fazer absolutamente nada a respeito. —
Adormeceu.
Ela permaneceu ali, o olhando. O inchaço da cara baixara, deixando a
áspera estrutura óssea sem o acolchoado de carne sã que a suavizaria. A pele
tinha cortes e cicatrizes, o fino nariz se tornou farpado por causa da fratura,
tinha uma barba espessa, loira e castanho avermelhado com alguns fios cinza.
Seus lábios... no princípio da estadia de Enid na casa os tinha gretados por
causa da febre. Ela lhes aplicou unguento e lhes devolveu a suavidade, embora
estivessem pálidos. Não ia chegar tão longe como imaginar outro beijo, mas a
forma daqueles lábios, sua textura aveludada, a maneira em que podiam lhe
roçar o pescoço, o seio, o... bem, sua textura aveludada procurou prazer.
Ainda não reconhecia Stephen MacLean, mas com o passar dos dias,
concentrada exclusivamente no homem que jazia na cama, as velhas
lembranças se desvaneceram. Nunca voltaria a se parecer ao homem com
quem se casou, mas talvez isso fosse bom, pois ele dava todos os indícios de
querer... coisas que ela não estava preparada para lhe dar.
A beijou. Mais importante ainda, ela devolveu o beijo. O êxito daquele
beijo se devia a que MacLean a pegou despreparada. Sim, era isso. A pegou de
surpresa, e sua resposta foi mais uma reação aos anos de abstinência que uma
autêntica paixão. Precisava recordar quem era ele, o que fez, a ela e também a
outras pessoas. A Stephen MacLean nunca interessou dizer a verdade ou
permitir a outros que retivessem o que era dele. Brigaram por isso, e em
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muitas ocasiões ele zombou dela, lhe disse que era uma órfã que não
compreendia a maneira de viver de quem era melhor que ela.
Quando aquele homem recuperasse a memória, voltaria a ter sua
irresponsável personalidade anterior. Ela sabia. Nenhum homem mudava como
MacLean o fez. Ela precisava recordar isso por que... porque se seguisse sendo
o homem que foi durante aquela breve hora, poderia se apaixonar por ele.
Já sofreu uma vez por causa do amor, e as consequências quase a fizeram
se ajoelhar. A ideia de voltar a cair na mesma armadilha a assustava como não
lhe ocorrera em oito longos anos. Fixou o olhar no homem inconsciente,
separou os dedos entrelaçados com os dele e se separou da cama.
Acossado em seu sonho por terrores, ele estremeceu e exalou um gemido.
Abriu os olhos e olhou freneticamente a seu redor. Ao ver Enid, suspirou.
— Fica comigo.
Ela percebeu a corrente subterrânea de desespero em sua voz. Não queria
sentir lástima dele. Não queria fazer promessas.
MacLean tentou se erguer sobre os cotovelos.
— Fica — insistiu.
— Estarei aqui quando despertar.
Ele estendeu a mão.
Incapaz de resistir, ela voltou.
MacLean agarrou seus dedos.
Sem dúvida não havia nenhum mal em lhe prometer algo tão simples.
— Não partirei.
Tranquilizado por essa segurança, ele dormiu. Desta vez dormiu
seriamente, mas inclusive em seu torpor se agarrava a ela.
Enid exalou um suspiro e com o pé aproximou a cadeira de respaldo reto
para se sentar.
— Quero que entenda uma coisa — disse ao homem dormido. — Não te
prometo que irei ficar para sempre.
Capítulo 7
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— Sim.
— Quem o escreveu?
— Mary Shelley. — Ele compreendia agora Enid, e lhe disse: — Desconheço
por que sei esse dado, mas o certo é que sei. Posso citar versículos da Bíblia as
centenas, e recitar todo o solilóquio de Hamlet. — Fez um gesto imponente e
acrescentou: — "Ser ou não ser, eis a questão; se é mais nobre sofrer no ânimo
os tiros e flechadas da insultante Fortuna, ou se erguer em armas contra
muitas agitações...".
— "E se enfrentando com elas" — o interrompeu Enid. — Acredito em você
quando diz que recorda Hamlet.
— Posso te dizer como apanhar um coelho— prosseguiu ele — e tratá-lo
para o assado, e como fazer pelo menos uma dúzia de nós. Mas não recordo
quem sou, e isso é o que quero saber.
— De acordo.
Ele não acreditava que ela tivesse aceito sua explicação, e lhe exigiu em
silêncio que o fizesse.
— De acordo! — Enid abriu os braços, as mãos estendidas. — Não
compreendo como isto funciona, admito. Concederá-me que tenha momentos
de dúvida.
— Pode duvidar do que queira, mas não de mim. Aqui sou o único homem
que está te dizendo a verdade.
— Como sabe isso?
— Por instinto. — Que ela interpretasse esta resposta como melhor lhe
parecesse.
Ergueu de novo o espelho e tocou ligeiramente as cicatrizes com as
pontas dos dedos. Aquilo explicava por que notava a face rígida e dolorida
quando falava. Alargou os olhos, flexionou a mandíbula, inclinou a cabeça. O
homem refletido no espelho fazia também os movimentos, mas não o
reconhecia. Aquela justaposição de linhas muito marcadas, cicatrizes pálidas e
barba escura parecia totalmente alheio a ele.
Não obstante, Enid não parecia encontrar nada fora do comum em seus
traços.
— Se reconhece?
— Absolutamente.
— Você é um homem na flor da vida — comentou a senhora Brown
enquanto ia de um lado a outro da sala, recolhendo as roupas de cama.
— Se tiver que limpar um traseiro, se alegra que seja o meu, não é certo?
— brincou ele.
Enid sufocou um grito.
— MacLean!
Mas a senhora Brown soltou uma gargalhada.
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— Estou ficando velha, senhor, mas tenho boa vista e o que vejo nessas
ocasiões é do mais agradável.
— Senhora Brown!
Enid parecia inclusive mais escandalizada pela criada que pelo próprio
MacLean.
O senhor MacLean e a senhora Brown trocaram sorrisos.
Deu o espelho a Enid.
— Por um momento me perguntei se esbanjara a vida dormindo.
— Seria mais apropriado de você que a tivesse esbanjado no jogo.
Ele franziu o cenho. Não a compreendia.
— Eu não jogo.
— É um vício que tem.
Tampouco compreendia esta última afirmação. Sabia que existiam as
cartas, sabia de homens que passavam dias e noites em salas cheias de
fumaça apostando seus pagamentos a um só arremesso de jogo de dados, mas
ele não era assim. Levava a mal a insinuação de que ele era um fracote como...
o pensamento se esfumou quase com a mesma rapidez com que surgira. Como
quem? Alguém cujo rosto via, cheio de agitação até resultar grosseiro
enquanto apostava tudo por uma ilusão.
A emoção de MacLean remeteu antes que tivesse oportunidade de
desenvolver a cena. Os rostos desfilavam por sua mente em um contexto que
não se diferenciava do de um sonho, e até que pudesse resgatar as
lembranças das profundidades se veria impossibilitado de entendê-los.
Impossibilitado... estava impossibilitado, por todos os diabos! Estendeu a
tigela.
— Quero mais caldo — pediu, — e desta vez que contenha verdadeiro
alimento.
Ela imitou sua voz profunda.
— Por favor, Enid, poderia me dar um pouco mais de caldo?
— Se não lhe rogar isso, seguirá me matando de fome?
— Não quero que me rogue, só quero que me trate com um mínimo de
cortesia. Mas me esqueci! — Estalou os dedos. — Não mostra ter maneiras a
menos que o esforço o beneficie.
O mau era que ele se inclinava a acreditar que Enid estava certa. Dar
ordens lhe parecia correto, o mesmo que revelar impaciência. Palavras como
"por favor" e "obrigado" lhe pareciam estranhas, alheias a seu vocabulário.
— Por favor, Enid — disse em um tom de absoluta irritação. — Quer me
dar um pouco mais de caldo?
Ela pegou a tigela.
— Será um prazer para mim te dar mais caldo.
— E desta vez acrescente algum alimento sólido.
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A chama que era Enid ardia vibrante e incansável, mas contida por sua
força de vontade, e seu sorriso refletia altivez. Jogou garbosamente a cabeça
atrás e de novo umas mechas frisadas e errantes se sobressaíram da rede para
cabelo e lhe caíram sobre os ombros. A saia lhe rangia enquanto descia a
escada.
Ele a olhou até que a última mecha de cabelo desapareceu de sua vista.
— Aonde vai? — perguntou à senhora Brown.
— Abaixo temos um fogão com alguém sempre preparado para cozinhar,
se por acaso você deseja algo. — Se aproximou ao lado da cama, os braços
cheios de roupa branca, o semblante simples, amável, enrugado pelo sorriso.
— O senhor Throckmorton se incomodou muito por você.
— Não me cabe dúvida. Também há guardiães abaixo?
— Noite e dia. Muitos incômodos, certamente.
— Considera que sou digno de que se incomode tanto.
— Mas que arrogante chega a ser você. — O olhou até que teve a
sensação que podia ver através de sua pele. — Não está morto de medo,
senhor?
Ele estremeceu, e o movimento lhe produziu uma sensação dolorosa em
todo o corpo.
— O que quer dizer?
— Todo mundo se pergunta se você está fingindo com isso de que não
recorda nada. Sei que não é assim, porque nesse caso não gritaria e se
mostraria desagradável para ocultar seu terror.
— Não estou apavorado.
Não estava!
— Claro que não. Criei a uma dúzia de filhos, e algo sei dos homens. —
Deixou um amontoamento de toalhas sobre a mesa que estava ao lado da
cama. — Para seu banho dessa manhã.
— Não vou me banhar.
— Já falamos sobre isso, a senhora MacLean e eu, e vamos lava-lo com
uma esponja, tal como nós o fazemos a cada dois dias.
— Um caralho que farão isso.
Negava-se a mostrar a ninguém seu corpo branco e enfraquecido, e
certamente não o mostraria a uma mulher que certa vez o lisonjeara por sua
força e sua masculinidade. Lisonjeara-lhe o suficiente para se casar com ele, se
a acreditava.
O sorriso da senhora Brown se alargou.
— Vê? Aí o tem. Está tão apavorado que salta por qualquer coisinha.
— Não é nenhuma coisinha —replicou ele com os dentes apertados.
— A questão é que tenho um grande afeto à senhora MacLean. Observei
como o fazia voltar da beira da morte, lhe falar quando me parecia louca por
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fazer tal coisa, a vi dar a volta a seu corpinho inerte para que não lhe saíssem
úlceras de decúbito, quando é uma mulher frágil que não deveria levantar nem
sequer sua xícara de chá. — A senhora Brown apoiou as mãos em seus largos
quadris. — Agora compreendo que você é um homem com seus temores, como
compreendo que é um homem acostumado a mandar, mas quando ouço como
é tão desagradável com a senhora MacLean, penso que deveria explicar a ela
quão assustado está, para ela não se ofender.
Ele olhava com fixidez à mulher, e via a robustez sob a amabilidade. O
ameaçava de contar a Enid que, por debaixo de suas maneiras ásperas, havia
um menino assustado. Enid seria amável com ele, certamente, mas ele sabia
que a capa de sua cortesia ocultaria a condescendência que todas as mulheres
sentem pelos homens fracos.
Mas ele não era débil. Não o assustava a grande brecha aberta em sua
mente nem tampouco a possibilidade de não voltar a encontrar jamais a si
mesmo. Isso não era certo... mas não importava.
A senhora Brown diria que o era e o rechaço de MacLean chegaria a
ouvidos surdos.
— É obvio, só sou uma criada, e o que devo fazer é manter a boca
fechada. — O rosto da senhora Brown perdeu por completo sua amabilidade e
brilhou com uma determinação demoníaca.
— E não diria nem um pio se você tivesse a consideração de ser um pouco
mais cortês com nossa querida senhora MacLean.
Um trato. A senhora Brown lhe estava oferecendo um trato! E viu uma
maneira de aumentar a aposta.
— Você me liberará de tomar o banho.
— É que cheira.
— As mulheres são muito suscetíveis a respeito da limpeza.
— Não tomou um banho de verdade pelo menos em sete semanas. As
vacas do estábulo se queixaram do fedor.
— Não vou permitir que ela me banhe — replicou ele com uma enunciação
lenta e precisa.
— Ah, então põe obstáculos a que seja ela. —A mulher assentiu. — Não
quer que o banhe. Bom, posso arrumar isso.
A senhora Brown se separou da cama antes que ele pudesse dizer algo
mais, e então MacLean ouviu os passos de Enid na escada. Quando entrou na
sala, a criada estava no outro extremo, limpando a mesa.
Enid sustentava uma tigela e, sob o braço, um pacote envolto em papel
marrom. Aproximou-se dele e lhe ofereceu a tigela. Ele a olhou como se fosse
uma beberagem com poderes sobrenaturais.
— Basta de caldo.
— Espessado com papa — assegurou Enid.
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Excelente! Naqueles momentos, umas papa eram para ele como o maná
celestial.
Enid deixou que ele segurasse a tigela, equilibrando-a como se fosse um
menino que poderia se sujar. E ele admitiu que tal coisa seria possível, pois
suas mãos tremiam de fraqueza e queria engolir tudo de uma vez.
Ela não permitia. Depois de cada gole lhe retirava a tigela e lhe dava
água.
Seu estômago se encheu com rapidez, Não podia acreditar que meia tigela
de caldo e umas papas leves bastassem para satisfazê-lo.
Enid o compreendeu sem dizer uma só palavra. A senhora Brown
permanecia ao fundo, os observando com uma inquietação que desmentia sua
brutalidade anterior. Enid lhe deu a tigela.
— Não leve isso muito longe.
— Logo quererá mais — disse a senhora Brown ao paciente. — Seu
estômago encolheu, e essas papas são mais do que tomou em várias semanas.
Ele voltou a olhar as mãos. Estendeu os braços para frente, logo a um lado
e finalmente atrás até uni-los. Os músculos tremiam por causa do esforço, mas
seria possível adestrá-los para que se rendessem de novo a sua vontade. Em
troca, do outro aspecto de sua situação não sabia nada, não tinha a menor
ideia de como evoluiria sua mente.
— As minhas lembranças voltarão?
— Quando tiver recuperado as forças— assegurou Enid.
— É isso o que diz o doutor?
— Despedi o doutor.
— Então sabe do que está falando.
— Não.
Ele ficou olhando fixamente. Precisava ser uma mulher muito audaz para
acreditar que estava melhor informada que um profissional da medicina.
Entretanto, ele conheceu alguns médicos - embora não recordasse
detalhes concretos de nenhum deles - e foram uns tolos, e arrogantes além
disso. Preferia pôr sua vida nas esbeltas mãos de Enid que nas daqueles
idiotas.
— De acordo — se limitou a dizer.
Enid se tranquilizou, e ele se deu conta que esteve esperando que
destrambelhasse contra ela. A jovem lhe estendeu o pacote.
— O senhor Throckmorton envia isto.
Enid teve que cortar a corda que o atava, mas quando abriu o pacote de
papel marrom, ele não reconheceu os restos chamuscados do kilt escocês. As
cores dos quadros eram vermelhas, um verde tão escuro que era quase negro
e um fio amarelo. A pele da bolsa estava queimada e o fechamento de couro
tão deteriorado que era impossível abri-lo, mas aquela era sua bolsa, embora
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Capítulo 8
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Já que Enid sabia tais coisas, por que queria avançar no vazio de seu
silêncio, lhe tocar a mandíbula coberta pela curta e escura barba e saborear
seus lábios? Por que imaginava o que sentiria ao apoiar os seios em seu peito
para se abandonar aos beijos longos, lentos e profundos e notar as carícias das
mãos masculinas em sua pele?
Abriu a boca enquanto sua respiração acelerava, embriagada pela
iminência do contato. Um calor delicioso invadia sua pele. A tensão que
experimentara sem cessar desde que ele despertou ia aumentando e percorria
suas terminações nervosas, se instalando em sua matriz como uma carga que
respirava e se movia e exigia atenção.
Teria desviado a vista... se pudesse. Concederia de bom grado a vitória a
ele em sua pequena batalha se tão só pudesse evitar aquela... aquela o que?
Aquela humilhação? Aquela armadilha? Aquele prazer?
— Senhora MacLean? — Uma vibrante voz feminina desconhecida a
chamava de baixo.
O feitiço se rompeu. Enid piscou. Suas mãos descansavam sobre o
colchão, estava se inclinando para ele... jogou a cabeça para trás com
brutalidade.
— Bonjour madame! Você está aí?
Enid olhou a seu redor, perplexa pelo abrupto retorno à realidade,
agradecida que alguém, uma mulher, uma desconhecida, a tivesse resgatado.
— Sim, aqui estou — respondeu, e se encaminhou à escada.
Mas MacLean pegou sua mão, disposto a não soltá-la até que o olhasse.
Contemplou-a sem sorrir.
— Salva — sussurrou. — Mas não por muito tempo.
Capítulo 9
Enid fingiu que não lhe entendia, mas a MacLean não importou. Era
evidente que o entendia. Sabia que quase acontecera. A paixão entre eles
pulsava e ardia como sangue fresco e um novo fogo.
Com sensual lentidão, deslizou um dedo por seu braço e o deteve no
pulso.
Ela liberou a mão de um puxão e se dirigiu à escada, onde se ouvia um
som de pegadas.
Uma cabeça surgiu da abertura, uma mulher bonita e sorridente, revestida
de alegria como se fosse um objeto, uma dessas mulheres que fazem felizes a
quantos as rodeiam. Ao ver Enid, perguntou-lhe:
— Madame MacLean?
Quando a mulher entrou na sala, Enid viu que era miúda e bonita, e
inclusive sem necessidade de apresentações soube que era a mulher com a
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Capítulo 10
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— O que está fazendo? Ficou louco? — Ela olhou aos homens que
embainhavam suas pistolas. — OH. — Adotou o papel de cuidadora. — Não se
preocupe. São Harry e Sandeman. Não lhe farão mal.
MacLean queria lhe dizer que não gostava que o tranquilizasse como a um
menino que despertou de um pesadelo, sobretudo diante dos homens, mas ela
pôs um braço ao redor dos ombros para o ajudar enquanto ele se esforçava por
se sentar, e os braços femininos eram um lugar de primeira classe onde
permanecer.
O sustentando como se fosse um menino que, ao tropeçar, abrira uma
brecha na cabeça, Enid se dirigiu aos homens armados.
— Vocês! Harry, Sandeman! Me ajudem a deitá-lo de novo.
MacLean tinha a força suficiente para afastá-la.
— Se calce primeiro. Vai se cortar com a porcelana quebrada.
— Nós o levaremos, senhorita.
MacLean reconheceu ao homem que falou. Harry.
— Faça o que MacLean lhe diz e calce os sapatos - disse Harry.
— Quero ajudar...
MacLean observou que os dois homens olhavam fixamente o teto. Olhou
para Enid.
Céu santo, salvo pela longa e transparente camisa de dormir de verão,
estava quase nua.
Olhou-a porque não podia evitar. E gozou porque um homem teria que
estar morto para não gozar. Então lhe disse em voz baixa e pronunciando
lentamente:
— Vá vestir uma bata.
Ela baixou a vista para se olhar.
— Homens! — exclamou, em um tom que expressava a repugnância
absoluta que sentia por uns seres que, em um momento de crise como aquela,
pensavam na nudez de uma mulher.
MacLean poderia ter dito a ela que os homens eram capazes de pensar na
nudez de uma mulher durante a mais atroz das torturas, durante uma
audiência com a rainha, inclusive sob os raios de uma tormenta. Mas às vezes
um excesso de conhecimento era mau para uma mulher.
Se afastou exagerando os movimentos do corpo, os homens olhando ainda
a outra parte, e assim que se foi, Harry se ajoelhou ao lado de MacLean.
— Quebrou algo?
— Não.
— Sangue?
— Não.
— Muito bem, então.
Os dois homens elevaram MacLean e, com um mínimo de dificuldade, o
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deitaram de novo.
MacLean gemeu enquanto assimilava os diversos incômodos e dores que
acrescentara as que já possuía, mas não se fez um dano permanente, e
observou a seu guarda-costas. Harry esteve no quarto aquele primeiro dia em
que MacLean abriu os olhos, e embora embainhara sua arma, o ferido não
esqueceria facilmente que, com a pistola na mão, parecia totalmente à
vontade.
— Sempre estão abaixo? — perguntou.
— Há alguém a todo momento. — Olhou detrás dele. — Aqui está.
Enid tinha vestido a bata de algodão rosa e os sapatos rapidamente, e
Harry e seu amigo se fizeram a um lado. A mulher se inclinou sobre MacLean,
cheia de preocupação. A trança lhe caía sobre o ombro, e ele notou o aroma de
flores e brisas primaveris que era fruto de seu passeio.
— Você caiu da cama?
— Não, tentei me levantar para beber água.
— Não seja tolo. Cair da cama não é nada embaraçoso... — Enid sacudiu a
cabeça, como se tivesse compreendido por fim a frase de MacLean. De algum
jeito se deu conta que lhe dizia a verdade, e ali, ante os olhos do ferido, a
cuidadora se transformou em uma esposa indignada. Apertou o cinto da bata e
lhe perguntou: — Está me dizendo que, quando só faz dois dias que se
alimenta e com suas lesões, acreditou que poderia caminhar até a mesa?
— Não podiam ser mais de três passos. — Subtraiu dois de seu cálculo
inicial.
— Está a dois meses sem caminhar! Tem a perna quebrada! — Soltou um
bufido de irritação. — Será que não tem senso comum?
— Não! — gritou ele. — Não o tenho! Só sou um estúpido que não
compreende de onde vêm os bebês, recorda?
Se fez um silêncio opressivo na sala. Os homens armados, depois de trocar
um olhar, posaram a vista no chão.
Enid olhou fixamente para MacLean e logo aos homens. Voltou a lhe olhar
e se pôs a rir. Ele exalou um suspiro de alívio. Detectava uma nota de histeria
no júbilo de Enid, mas a histeria era melhor que a alternativa... pensou que ela
voltaria a lhe quebrar a perna.
Enid cobriu a testa com a mão.
— Pensou que poderia ir por você só em busca de água? — Se aproximou
da janela e voltou a rir.
— Para que usam armas, moços? — perguntou MacLean com naturalidade.
— Alguém tratou de lhe matar na Crimea, e isso preocupa ao governo de
Sua Majestade — respondeu Harry.
— Só três passos! — exclamou Enid.
MacLean mantinha uma calma notável.
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Ela tentou lhe tirar o pedaço de pão, e ele o pôs fora de seu alcance.
— Mas comerei isso.
— Pouco a pouco — ela o aconselhou, e então se ajoelhou para recolher os
restos da bacia quebrada. Um incômodo formigamento percorreu a espinha
dorsal de MacLean. Não gostava de vê-la de joelhos, recolhendo o desastre que
ele causara. O fazia se sentir... incômodo.
— Chama uma criada para que o faça.
— Estão dormindo — replicou ela, a cabeça inclinada enquanto recolhia os
fragmentos. Era evidente que fazia de bom grado aquela tarefa. — Além
disso... fiz coisas piores.
O pão tinha sabor de levedura, era suculento e tão delicioso que ele
desejava meter todo o pedaço na boca. A curiosidade o deteve. Queria fazer
algumas perguntas a Enid.
— Coisas como o emprego de instrutora?
— Nunca fui instrutora.
— Mas disse que trabalhou para a Distinta Academia de Instrutoras.
— Não, disse que lady Bucknell me encontrou meu último emprego. —
Jogou os fragmentos maiores da bacia ao balde do lixo e foi ao canto em busca
da vassoura. — Sou enfermeira.
Ele era um homem orgulhoso. Sabia que era. E não obstante permitira que
sua esposa se separasse dele? E aquela mulher se viu obrigada a realizar um
duro trabalho entre desconhecidos para ganhar a vida? De enfermeira? As
enfermeiras eram pouco melhores que as prostitutas.
Enid deve ter lido sua mente, porque deixou de varrer e lhe perguntou:
— Teria preferido que um homem me mantivesse?
— Não.
MacLean olhou para Enid. Esbelta, erguida, de olhar claro. Parecia como se
nenhum homem jamais a tivesse tocado. Certamente, não dava a impressão
de ter passado anos entre a sujeira dos quartos de doentes. Ele não acreditava
que tivesse trabalhado de enfermeira. Não acreditava que ele tivesse permitido
semelhante coisa.
Não obstante... não obstante ela exsudava desdém, ressentimento,
desconfiança... e tudo isso causado por ele. Sem dúvida nenhuma mulher
poderia fingir semelhante intensidade de suas emoções.
— Cuidava de... gente. De quem?
— De pessoas doentes.
Enid sabia o que ele estava perguntando, e zombava dele lhe dando muito
pouca informação.
— Homens?
— Sim.
MacLean quis lhe gritar. Em vez de fazer isso, pediu em um tom
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suplicante:
— Me fale, Enid.
Apoiada na vassoura, ela exalou um suspiro e cedeu.
— Deixei de me ocupar dos cavalheiros. Até os mais anciões retrocediam
da beira da morte para me oferecer a posição de sua querida.
MacLean se irritou. Notou a raiva escondida em suas vísceras, mas era
uma raiva pelas circunstâncias que se interpunham entre eles, por sua perda
de memória, pelo ressentimento para ele contra o que não podia fazer nada.
Não queria escutar, e ao mesmo tempo precisava compreender.
— Como se fez... enfermeira?
— Havia um doutor no povoado onde vivemos algum tempo.
— Onde você e eu vivemos?
— Sim. — Ela varreu sob a cama, sob a mesinha de noite, procurando
fragmentos de porcelana em todos os cantos.
— Um povoado da Escócia?
— Não, em Little Bidewell, ao norte dos York.
— Por que eu vivia na Inglaterra?
— Provavelmente o jogaram da Escócia. — Enid reuniu os fragmentos na
pá. — Vamos encontrar lascas neste chão durante meses.
— Enid.
Em silêncio, ele pediu que contasse tudo.
— Você não vai gostar disso — advertiu ela, e pareceu que a jovem
lamentava ter que dizer. — Foi um aventureiro, um jogador. Sempre foi de um
lado a outro. Vivíamos em alguma parte umas duas semanas, e então
estragava a acolhida que nos dispensaram ao ganhar do chefe de polícia
jogando às cartas ou apostar com o hospedeiro e ficar com sua melhor baixela
de prata. E então nos púnhamos de novo em caminho.
— Não posso acreditar tal coisa.
Se Enid dizia a verdade, era o tipo de homem que ele desprezava. E
entretanto... entretanto, não podia deixar de acreditar nela. Não sabia nada de
si mesmo. Não recordava nada de seu passado. E mais ainda, nos últimos dias,
submetido a seus cuidados e entre contínuas discrepâncias, adquirira uma
crescente confiança nela.
Enid irradiava um brilho como o da chama mais clara de uma vela.
Cumpria com seu dever sem a menor queixa: recolheu os fragmentos da bacia
e deixou a vassoura e a pá em seu lugar; dava-lhe de comer a qualquer hora,
respondia com engenho e suas réplicas sérias eram como as ondas que
rompiam no mar do Norte. O fazia pensar, o fazia sentir, o fazia querer. Ele
desejava esquentar as mãos em seu corpo, estreitá-la contra si até que o
enchesse de sua luz... e ele a enchesse de si mesmo.
— Posto que você despertou — disse ela, — pensei que sofrera uma
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mudança.
Precisava haver uma razão para que ela desdenhasse de um modo tão
inflexível ao homem que ele foi antes. Não podia estar tão equivocado.
Ao olhá-la, via uma mulher bonita vestida com uma desgastada bata rosa,
bela por sua inteligência e a força de sua personalidade. O tipo de mulher que
examinaria uma situação determinada, decidiria como era e se ateria a sua
opinião à margem do toscamente equivocada que estivesse. Isso devia explicar
a discrepância entre o homem que ele era e o que recordava. Via sua relação
com os olhos de uma juventude inflexível, e o que recordava não podia ser a
verdade.
Sim, isso tinha que ser. Quando recuperasse a memória, descobriria que
seu casamento fora uma série de enganos juvenis, que no caso dela o tempo
alterou os fatos e que com a maturidade de sua idade atual poderiam corrigir
os antigos enganos.
As seguintes palavras que ela disse o fizeram abandonar abruptamente
suas reflexões e atendê-la.
— Mantenho a esperança de que nos anos que estivemos separados tenha
se reconciliado com sua família. Sempre disse que seus parentes eram
importantes para você, mas desafiá-los era o que guiava todas as suas ações.
— Estava renhido com minha família? — Teria jurado que era o mais
entregue a sua família de todos os homens. Provavelmente ela se equivocava
também nesse aspecto.
— Por isso se casou comigo. Eu não era a noiva que os MacLean teriam
escolhido. — Sua boca se curvou em um sorriso amargo. — Seu primo, o
senhor do clã MacLean, se opunha por completo a nosso casamento.
— Tinha um primo. — A lembrança da moça sobre a rocha cruzou por sua
mente uma vez mais, e ele perguntou astutamente. — Alguém mais? Mãe, pai,
irmã?
— Tinha a sua mãe, mas não mostrava o menor interesse por ela. Só
falava de Kiernan. Kiernan era seco como um pau. Kiernan se acreditava muito
inteligente. Contava maravilhas de Kiernan. Morria de inveja de Kiernan.
— Kiernan. — Ele se ergueu lentamente. O nome lhe soava. — O recordo.
Ela correu a seu lado, a voz vibrante de esperança.
— Seriamente?
— Não, quero dizer... lembro o nome, ou pelo menos não me resulta
desconhecido.
Tentou. Pôs todo seu empenho, se esforçando por avivar a memória, mas o
que havia atrás do nome o evitava. Como todas as pessoas e todo o resto,
Kiernan se abatia fora do alcance nas brumas de sua mente.
Extenuado pelo esforço, se deixou cair sobre os travesseiros.
— Não está aqui.
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Capítulo 11
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MacLean com o Apolo por qualquer motivo que não fosse o da libertinagem.
— Deveria vestir uma camisa — disse Enid, inquieta.
A senhora Brown olhou para MacLean.
— Por quê? Uma mulher de minha idade não tem frequentemente ocasião
de dar a seus olhos um prazer semelhante.
— Senhora Brown! — exclamou Enid, escandalizada pela sincera
apreciação da mulher mais velha, pois as mulheres de sua idade não deveriam
olhar aos homens.
— Alguém teria que estar cega ou morta para não apreciar a beleza deste
homem. — A senhora Brown riu entre dentes. —Mas suponho que por essa
razão você quer lhe vestir. Mal se dirige a você, assim suponho que não
compartilha sua cama.
— Isso não é seu assunto — disse Enid com arrogância.
— Então é que não — concluiu a senhora Brown. — Já me parecia. Seria
muito mais fácil estar com vocês dois se dançassem o minueto na hora de se
deitar.
Enid não necessitava uma confidente nem uma assessora. Era
perfeitamente capaz de organizar sua vida sem a ajuda de ninguém.
Naturalmente, teria gostado de falar com alguém do verdadeiro problema
de MacLean e ver se ele poderia perdoá-la algum dia. Pois foi ela a iniciadora
daquele frenesi de desenvolvimento muscular. Lhe disse quem era, e ele não
gostara de se inteirar que jogava, enganava e passava a vida indo de um lugar
a outro. Lhe enfurecera a relação de suas faltas. E quando lhe disse que foi ele
quem a abandonou, a tachou de farsante, de impostora, de hipócrita.
Se compadecia daquele homem. Era evidente que suas revelações o
desconcertaram. Por isso permitira que a insultasse sem dizer uma só palavra,
e o que conseguira em troca? Ele mal se dignava olhá-la. Depois disso não
mantiveram uma verdadeira conversação. Não houve ocasião de ver se ela
tolerava de novo uma de suas manhas de criança.
Pior ainda, ele se exercitava para alcançar uma perfeita forma física, a fim
de poder se mover, averiguar a verdade e, quando soubesse, enfrentar a Enid.
Ela sabia que, assim que lhe pedisse para se levantar, e face aos temores de
que a perna fraturada não o sustentasse, ela o permitiria. Que ele já não
tivesse tratado de se levantar era surpreendente.
Mas não podia confiar na senhora Brown. Certo que esta não necessitava
um convite para comentar a tensa situação na sala onde jazia o doente. Ao que
parecia, a mulher mais velha considerava Enid como uma filha, e amontoava
sabedoria sobre a cabeça da jovem, tanto se Enid a aceitava de bom grado
como se não.
— Não quero aprender.
— Então é uma tola. Todas as mulheres têm que saber tratar a seu
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homem. Do contrário, como vai conseguir que o muito bobo faça o que você
deseja?
— Não quero que faça nada — replicou Enid, com a sensação que estava
gritando ao vento.
E a senhora Brown parecia presa de uma contida exasperação.
— Tem que romper esse hábito de dizer falsidades, senhora MacLean. Isso
é mau para o espírito. Não sei o que disse ao senhor MacLean para que ele
tivesse semelhante arranque de fúria, mas...
— Eu disse que foi um esbanjador de proporções olímpicas.
— Aí tem. Vê? Não tem que lhe dizer essas coisinhas. Se lhe dissesse que
era um príncipe entre os homens, talvez representaria esse papel. Em troca,
você se deixa levar pelo rancor e protesto por cada pequena dificuldade...
A cabeça de Enid doía, e a sustentou entre as mãos.
— Você diz que não deveria dizer falsidades. Por que deveria então afirmar
que era um príncipe entre os homens?
— Dizer uma falsidade a seu marido não é realmente uma falsidade, mas
sim se trata mais de forçar a verdade. O senhor a perdoará se o faz porque
busca a felicidade de seu marido.
— Não me importa que seja feliz ou não.
— O que vai! É seu marido. Você não tem alternativa. O casamento é para
sempre, e será melhor que se adapte e se conforme, como fazem todas as
mulheres casadas.
Enid nunca ouvira a senhora Brown falar com tanta franqueza.
— Foi isso o que você fez? Se conformar?
— Sim, querida. O homem com o que me casei não estava a minha altura,
como acontece a todas as mulheres. — A senhora Brown terminou de costurar
as anáguas e fez um gesto de assentimento, como se estivesse satisfeita. — Se
hoje já não for me necessitar, senhora, irei aos aposentos dos meninos para
cuidar da senhorita Penélope e da senhorita Kiki. Quando só falta um mês para
as bodas, estão transbordantes de entusiasmo.
— Já imagino.
Enid desfrutara escutando os detalhes dos preparativos cada vez que
Celeste a visitava, coisa que fazia pelo menos um par de vezes à semana,
sempre com flores, algum objeto de penteadeira e, em ocasiões, um livro. Enid
teria estado agradecida à mulher por sua consideração se não fosse porque
MacLean falava com Celeste, brincava com ela. E Enid estava cansada de
permanecer à margem, cansada de sentir inveja de uma amiga, da inquieta e
vagamente culpada sensação cada vez que via MacLean totalmente
concentrado em recuperar as forças.
Em uma palavra, estava farta.
— Vá se ocupar dos meninos — disse à senhora Brown. — Eu atenderei
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MacLean.
— Parece um pouco cansada — observou a senhora Brown, mas nada
turvava a placidez daquela mulher. — Não seja muito brusca com ele, você só
tem a perder.
Enid teria posto objeções a essa última afirmação, mas embora pensava
que poderia vencer MacLean e seu estúpido ressentimento, sabia que jamais
sairia vitoriosa se enfrentava a uma mulher tão prática como a senhora Brown.
Enid enlaçou as mãos e baixou a cabeça, com uma fingida docilidade.
— Lerei o jornal de Londres para ele.
— Isso ele gosta. — A senhora Brown dobrou as anáguas e as guardou no
cesto de costura. — Assim o tempo passa com rapidez enquanto se exercita.
— Como você sabe? — perguntou Enid.
— Ele me disse isso. — A senhora Brown se dispôs a descer a escada. —
Deveria lhe falar alguma vez, querida. Em realidade é um homem muito
simpático.
Simpático? MacLean era mais ou menos tão simpático como um
conquistador romano saqueando uma aldeia. E no espaço de uma manhã, Enid
o comparou com um deus grego e um conquistador romano. Logo seria um
cavalheiro medieval, e ele não tinha nada de cavalheiresco. Nada
absolutamente.
Ao lhe olhar descobriu que ele a estava olhando ao mesmo tempo em que
se voltava para um lado e outro e apoiava o cotovelo no joelho oposto, uma e
outra vez. Tinha aquela expressão no semblante, como se queria abrir sua
cabeça e examinar seu conteúdo.
Vá, aquilo era interessante. MacLean decidira de repente que podia se
interessar por ela. Não o surpreenderia descobrir seus pensamentos?
Enid pegou o Sunday News of the World, que o senhor Throckmorton lhe
enviava todas as semanas, e se aproximou ao lado da cama.
— Quer que leia o jornal para você?
Ele assentiu, como sempre fazia, pois exercitava a mente tanto como o
corpo. Escutava as notícias, pedia explicações e, em ocasiões, contribuía um
comentário que demonstrava que recordava... algo. Entretanto, insistia em que
não recuperava a memória, e ela não tinha razão para duvidar dele. Ao fim e
ao cabo, se recordasse, saberia quem era e quem foi, e Enid lhe pediria
desculpas por ter duvidado dele.
Satisfeita ao descobrir que seu senso de humor não a abandonara, ela
sorriu.
Colocou a cadeira ao lado da cama, se sentou, abriu o jornal e leu um
artigo sobre o SS Great Britain, o primeiro grande vapor com casco de ferro e
propulsado por hélice, que seria lançado em 19 de julho.
— Não poderá cruzar o Atlântico — resmungou ele.
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Ela leu que estavam elevando a estátua de lorde Nelson ao alto da coluna
levantada no Trafalgar Square.
— Já era hora — disse ele, e flexionou o torso para diante e atrás, uma e
outra vez, até que o estômago de Enid doía tão só de vê-lo.
Estava lendo um artigo cujo autor atacava o príncipe Albert por ser
estrangeiro, quando MacLean a interrompeu sem cerimônias.
— E sua família? Quem são?
Aí ficava isso. Uma pergunta pessoal exposta no tom mais abrupto. Ela
deixou o jornal sobre o colo.
— É a primeira vez em três semanas que me pergunta algo pessoal, e
quer se informar a respeito de minha família? Não me diz "Sinto ter sido um
velhaco" ou "Me senti muito só sem sua amável conversação", mas sim me
pergunta por minha família.
Ele não se deixou impressionar, arqueou uma sobrancelha e elevou o peso
mais pesado.
— Bom, quem são?
É obvio, foi direto à essência do assunto. Queria saber por que razão o
ogro que estava à frente de seu clã considerou Enid uma noiva inapropriada.
Pois bem, ela podia responder facilmente a essa pergunta.
— Não tenho família.
— Todo mundo tem família.
— Os bastardos não.
Este último chamou a atenção do convalescente. Deixou de elevar os
pesos e lhe dirigiu um olhar crítico. O que importava que ele soubesse? Quando
recuperasse a memória, jogaria em sua cara o fato de que era filha ilegítima.
Sempre o fez.
— Nem mãe nem pai?
Seu peito nu se elevava e descia, uma bomba potente que insuflava ar a
seus pulmões.
O olhou, viu os músculos que se ondulavam sob a pele, a capa de
encaracolado pelo avermelhado que lhe cobria os peitorais, e imaginou o
aspecto que teria quando tivesse recuperado toda sua força.
— Não... pelo menos uns pais dos que valha a pena falar. — Precisava se
concentrar na conversa em vez de opinar. — Minha mãe morreu durante o
parto. Meu pai me pagou o ensino na escola de senhoritas da senhora Palmer
até que cumpri os quatorze.
— Então tem pai. Quem é?
— Era, MacLean. Foi o honorável conde de Binghamton.
— Por suas veias corre sangue inglês nobre. — Seu acento escocês se fez
mais marcado. — Sangue dos estúpidos, vãos e inúteis conquistadores
aristocráticos.
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— Sou inglesa de pura cepa e estou orgulhosa de sê-lo — replicou ela com
veemência. — Nunca poderá fazer nada para trocar essa circunstância, mas
ninguém é menos nobre que uma menina educada entre quem são melhores
que ela.
— Suas companheiras de classe eram melhores que você?
— Acreditavam sê-lo. — Viu mentalmente os longos corredores da escola
da senhora Palmer, cheios de meninas insípidas e espinhentas com má
dentadura, todas elas depreciativas para aquela senhorita Enid que não tinha
sobrenome. — Filhas legítimas de condes e barões, filhas legítimas de clérigos
e cavalheiros, filhas legítimas de ricos e arrivistas mercadores. Aos olhos da
sociedade, todas são melhores que eu.
— Então, se foi à escola da senhora Palmer, era uma organização
excelente e prestigiosa?
— Acredito que tinha essa reputação.
— Isso explica muitas coisas de você. — Olhou para Enid como se pudesse
retirar as capas de equanimidade e ver a menina trêmula escondida debaixo.
— Fala com um acento de classe alta britânica, conhece os clássicos, faz ponto
de agulha e te ouvi falar em francês com a senhorita Celeste. Muito
impressionante.
Ela não apreciou o catálogo de suas virtudes recitado por um rude e
bárbaro esbanjador cuja única habilidade verdadeira eram os jogos de jogo de
dados, tão melhor se jogava no chão de um estábulo. Altivamente, e Enid tinha
aprendido a altivez de quem era melhores que ela, replicou:
— Não se esqueça de meu conhecimento do piano-forte e minha
habilidade para dançar a valsa.
Lhe dirigiu um olhar penetrante.
— Além disso, tem um ágil engenho... suponho que o desenvolveria para
se defender das outras garotas e de seus sarcasmos. O conde de Binghamton
te possibilitaria se mover em círculos superiores.
Sem dúvida estará agradecida a ele.
— Agradecida...
Enid pronunciou a palavra em um tom sarcástico. Em sua infância lhe
disseram frequentemente que deveria estar agradecida a seu pai por mantê-la,
mas gratidão não era o que sentia, mas sim experimentava mais uma profunda
impaciência ante o fato de que julgassem generoso e até honorável a um
homem incapaz de manter suas calças grampeadas. Certamente, não deixou
estipulado que quando ele morresse Enid tivesse suas necessidades cobertas,
e procurou que nunca o visse.
— Não está agradecida, não é? Não é estúpida, senhora MacLean.
— OH, por favor, senhor MacLean. Semelhante adulação fará esta pobre
garota perder a cabeça.
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pulso, detendo sua fuga antes que pudesse iniciá-la. — Me conte essas
circunstâncias.
— Seria melhor que também as esquecêssemos.
— Eu as esqueci. Esqueci tudo, mas você está tão ofendida por essas
circunstâncias que nunca as esquecerá. — Agarrava o pulso dela sem apertar
mas ela não tinha chance de escapar. — Então me conte para que os dois
saibamos.
— Não— sussurrou ela, o olhando aos olhos. — Não quero fazê-lo. — Não
se referia a sua conversação a não ser ao fato que ele a atraía inexoravelmente
para si. — Não, MacLean.
— O que? — Ele rodeou sua cintura com o braço e a ergueu até pô-la em
cima de seu corpo. — Não o que?
Estava suado, e sua pele era pegajosa ao tato. Cheirava como um
operário. E mesmo assim ela deslizou os braços no travesseiro ao lado de sua
cabeça e inclinou a cara para a dele.
— Por que faz isto? É algum tipo de vingança porque te disse a verdade a
respeito de si mesmo?
— É minha mulher, minha outra metade. Se me vingo de você, prejudico a
mim mesmo.
O fôlego de MacLean sussurrava sobre a pele de Enid. Sua voz era baixa e
profunda. Sua proximidade vibrava através dela, seduzindo-a, e se sentia uma
tola por querer lhe beijar como ele a beijou umas semanas atrás.
— O casamento é um voto até que a morte nos separe — ele seguiu
dizendo. — Não posso te matar, por muito que em ocasiões deseje fazê-lo.
Ela tentou se separar, mas se encontrou com a jaula dos braços
masculinos e replicou fracamente:
— Eu o desejo mais que tão só em ocasiões.
Ele a agarrou com mais força.
— Não podemos nos liberar um do outro, por isso aprenderemos a
conviver.
Ela compreendeu.
— Esteve falando com a senhora Brown.
— Tenho-o feito. E você também.
— Sim — admitiu Enid sem entusiasmo.
— Tem razão, sei. — Afastou o cabelo que cobria o rosto de Enid. — E você
também sabe.
— Não quero estar junto a você.
Enid preservava com teimosia uns poucos centímetros de espaço entre
seus corpos.
— Vou dizer à senhora Brown que disse isso.
— Não fará tal coisa!
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Capítulo 12
Com as mãos nos quadris, Kinman ficou olhando à mulher que desaparecia
escada abaixo.
— O que lhe ocorre? — inquiriu no tom perplexo de homem que felizmente
carece de ataduras conjugais.
— É preciso que pergunte? — MacLean se ergueu e se voltou, de modo
que seus pés penduraram fora da cama. — É mulher.
Kinman olhou para MacLean, e seu largo rosto se escureceu lentamente.
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era, deveria ser submissa de modo que ele tivesse a frigideira pelo cabo.
Quando voltassem a ter uma proximidade tão íntima, e esse momento não
demoraria para chegar, ele a enrolaria e seduziria, e faria que seu casamento,
à margem do que foi no passado, fosse exemplar.
Kinman empurrou a banheira do canto onde estava.
— Quer fazer à senhora MacLean feliz? Diga a ela que pode caminhar.
— Ainda não. — Durante as últimas semanas aumentou a sensação de
perigo que sentia MacLean. O desastre se abatia sobre o horizonte, não sabia
por que nem como, mas devia estar preparado, e ainda não recuperara a
plenitude de suas forças. Não queria que as pessoas soubessem o que era
capaz de fazer. Precisava ter a seu lado o elemento da surpresa. — Onde está
Throckmorton? — perguntou, pois o dono da casa acudia diariamente para
conversar e lhe informar de qualquer acontecimento, e também, MacLean se
dava conta disso, para comprovar se recuperou a memória.
— Está a caminho — respondeu Kinman. — Acreditava que já estaria aqui,
mas começaram a chegar os convidados das bodas. Hoje foi um dia muito
atarefado para ele.
— Já? — MacLean percorreu a sala de um lado a outro, contando as vezes
que o fazia. — Falta um mês para as bodas.
Kinman deu de ombros.
— Estes aristocratas não têm nada mais a fazer que visitar as grandes
casas familiares, e a hospitalidade de Throckmorton não pode ficar em
interdição.
Quando MacLean deu tantas voltas como no dia anterior, acrescentou
outras dez.
— Serve um bom brandy?
— O melhor.
MacLean indicou a escada com um gesto da cabeça, e Kinman desceu.
Quando subiu de novo disse:
— Não há mouros na costa.
Agarrando a bengala, MacLean desceu e subiu a escada uma e outra vez
até que seus músculos enrijeceram. As coxas, sobretudo, ardiam por causa do
esforço, mas não abandonou até ter superado seu recorde anterior. Então
voltou a passear pelo sótão de um lado a outro, exigindo-se sempre um esforço
mais. Só quando caminhou tanto que temia que Enid retornasse, se deixou cair
em uma poltrona para descansar.
— Está preparado para o banho? — perguntou Kinman.
MacLean assentiu, aspirando fundo, satisfeito de sua melhoria ao mesmo
tempo que amaldiçoava sua fraqueza. Precisava estar preparado. Não sabia
para que era premente que estivesse preparado.
— Então pedirei que subam a água.
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simples a faria passar por uma criada, ou uma das de mais categoria, e que os
aristocratas não se fixariam nela.
Mas os aristocratas sempre faziam o contrário. A alta e robusta dama
vestida de reluzente shantung de cor lavanda, da sombrinha com rendas até a
prega da ampla saia, e as papadas lhe tremiam enquanto examinava Enid
através do monóculo.
— Quem é esta jovem, Celeste?
— É... uma de minhas amigas da Distinta Academia de Instrutoras —
respondeu Celeste. Enid sentiu desejos de aplaudir a Celeste por sua rapidez
de reflexos. Em rigor, não era uma mentira, mas sim uma patranha que as
levaria por mau caminho.
— Não querem ver os crisântemos, senhores? — disse Celeste, apontando
a abundância de flores douradas e alaranjadas que brilhavam no caminho do
serpenteante atalho.
— Primeiro nos apresente a esta encantadora jovem. — O ancião deu uns
passos cambaleantes, escrutinou o rosto de Enid e até lhe deu um ligeiro
beliscão na face.
Quando lady Halifax lhe disse que não havia maior tolo como um velho
tolo, poderia ter se referido concretamente a aquele homem. Alto e magro,
tocado com a cartola mais alta que Enid já vira, o cavalheiro lhe sorria e movia
as sobrancelhas como se ela fosse uma senhorita inexperiente que não
conhecesse nada melhor que paquerar com um lorde. E diante de sua esposa!
Enid desejava lhe dar um soco. Mas isso seria fatal.
— A apresentar. Sim, claro, a apresentar que estupidez a minha. — Celeste
sorriu como a mais tola das garotas. — Às vezes me escapa a cortesia mais
elementar. Isso se deve a que sou a filha do jardineiro. Sim, devo lhes
apresentar.
E Enid recordou que seu sobrenome a trairia.
Celeste aspirou fundo.
— Lorde e lady Featherstonebaugh, os apresento a...
Com o tom vivo e prático de uma mulher que não está acostumada aos
rituais corteses, Enid disse:
— É um prazer lhes conhecer, senhores. Sou Enid Seywell.
Lady Featherstonebaugh franziu o cenho, pensativa, e então se animou.
— Seywell? É o sobrenome do conde de Binghamton.
Enid se sobressaltou. Céu santo, aquelas pessoas conheciam seu pai!
— Você está aparentada com o conde de Binghamton? — inquiriu lorde
Featherstonebaugh.
— É possível. — Enid manteve a voz firme e o olhar sereno, mas não pôde
dominar o rubor que lhe cobria o peito, o pescoço e as pontas das orelhas.
Lady Featherstonebaugh elevou o monóculo, examinou Enid da cabeça
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escapadas de MacLean. Ele já estava bem. Era hora de o abandonar. Isso seria
justo, o abandonar como ele a abandonou em seu dia, e retornar quando a
necessitasse.
Meteu a mão no bolso e tocou a carta de lady Halifax. Naquelas missivas
semanais a velha dama parecia tão robusta e valente como sempre, mas Enid
sabia a verdade. A morte pairava muito perto, e nenhuma das animadas cartas
com que lhe respondia eram o mesmo que estar pessoalmente ao lado da
querida e arisca idosa.
Mas resistia a imaginar a cena quando comunicasse a MacLean que partia,
por isso prescindiu de seus próprios problemas e por um momento considerou
os de Celeste.
— O senhor Throckmorton a adora. Estou segura que esse é o motivo de
que seja irracional.
Celeste se deixou cair no banco.
— Quer dizer que os homens necessitam de uma desculpa para ser
irracionais?
Enid sorriu e tomou assento ao lado de sua amiga.
A irritação de Celeste remeteu.
— Os Featherstonebaugh são velhos amigos da família, uns idosos
amáveis...
— Não reparei nisso — replicou Enid, com a frieza do orgulho ferido.
— Não, com você não foram amáveis, e sinto muito. — Celeste olhou a um
e outro lado. — E se tiver que ser justa, não me caem tão bem como outros
membros da família Throckmorton. A verdade é que os Throckmorton
desculpam a má conduta dos Featherstonebaugh dizendo que são os
fofoqueiros mais terríveis de toda a Inglaterra, mas eu aguentei o mais robusto
de sua fofoca, e é bastante fastidioso.
— Nem tampouco é desculpável. — Enid tratou de abordar o tema com
delicadeza. — Devo te agradecer que não tenha me rechaçado. Sei que não é
nada agradável descobrir que alguém com quem foi amável é filha ilegítima,
mas...
A ira abrilhantou os olhos de Celeste.
— Não diga nenhuma palavra mais ou me sentirei ofendida. Não escolho a
minhas amigas por quem são seus pais, nem você tampouco, pois do contrário
não seria tão generosa comigo, a filha de um jardineiro.
— Para mim não tem a menor importância...
— Para mim tampouco. — Celeste ficou em pé e sacudiu a saia. — De
modo que assunto concluído. É minha amiga, temos uma afinidade e acredito
que partirá logo, mas quando sua aventura terminar me visitará. Me promete
isso?
— Prometo.
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Capítulo 13
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a razão com as mãos. Ao abrir os olhos viu a maneira em que ele a estava
observando, e no tom de uma mulher levada ao limite da paciência lhe disse:
— Sabe? Não queria vir à mansão Blythe e cuidar de ti. Tinha um posto na
casa de lady Halifax. Tinha uma responsabilidade para aquela dama. E a
abandonei para vir aqui e cuidar de meu marido. Esse marido que é um
velhaco, um inútil que não serve para nada, e que me abandonou faz nove
anos. Há algo irônico, se parar para examinar, mas não vou fazê-lo. — Tirou os
alfinetes do colarinho. — Não vou fazê-lo.
Tirou também os alfinetes dos punhos, e os atirou sobre a mesa, em cima
das forquilhas. Ela, que até então nunca se desabotoou um só botão diante
dele, despiu-se sem pensar nas consequências.
Depois de descalçar-se, sentou-se ao lado da mesa.
— Não vais recolher os sapatos? — inquiriu ele.
— Por quê? Estarão aqui pela manhã. — Fez a um lado o montão de roupa.
— Não é como se você tivesse que recolhê-los.
Aquela mulher sempre estava arrumando a sala, dobrando as toalhas e as
guardando quando ao cabo de cinco minutos precisava as desdobrar para
limpar algo. "Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar", dizia
sempre.
— Quando podia andar, jamais recolhia nada.
É cruel. Aquela mulher que lhe cuidava meigamente se mostrava cruel.
Lhe teria perguntado o que lhe ocorreu... mas ela subiu a saia até os joelhos.
Ao MacLean lhe secou a boca.
— Sabe o que foi? Um jogador ambulante. — Disse as palavras em um tom
de mordaz desdém. — Foi bonito, elegante. Recitava poesia pronunciando-as à
escocesa, atraía-me com a promessa de aventura, e eu era tão débil mental
que sortiu efeito.
Ele teria se sentido ofendido e furioso de não ser por um vislumbre das
brancas calcinhas de Enid, as lisas e brilhantes panturrilhas embainhadas nas
meias e a liga colocada perto do joelho.
— Tinha um posto de instrutora, e fugi contigo para nos casar. — Desatou
as ligas e tirou as meias, que também deixou cair ao chão.
Quando ficou em pé e sacudiu a saia, ele deixou escapar um suspiro
entrecortado. O coração lhe pulsava acelerado e com força, e aspirava grandes
baforadas de ar.
— Isso aconteceu faz muito tempo, Enid. Não pode seguir zangada... não
é...?
Lhe dirigiu um olhar letal, os extraordinários olhos azuis cheios de
escárnio, e então foi à cômoda, tirou uma de suas singelas camisas de dormir
brancas e a apertou contra seu peito.
— Meu posto em casa da senhora Halifax foi o segundo trabalho que
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deixei por ti, mas só porque ela me disse que devia fazê-lo. Aprendi a lição
quando abandonei minhas responsabilidades como instrutora e recebi o que
merecia. Abandonou-me. Já está, tornei a dizê-lo. Abandonou-me, a mim.
Estava-lhe provocando. Aquela mulherzinha de tornozelos esbeltos e
cabeleira negra e agreste lhe estava cravando como se ele fosse um urso ao
que acossar!
— Por quê? — perguntou ele com a fronte enrugada.
Poderia lhe haver perguntado por que o provocava, mas não lhe daria a
resposta.
— A que te refere?
— Por que te abandonei?
Lhe respondeu fazendo uma torpe e zombadora imitação de seu acento
escocês.
— "Porque é uma âncora ao redor de meu pescoço, querida."
Interessante.
— E era isso certo? Era uma âncora ao redor de meu pescoço?
— Certamente. Queria me estabelecer, estar casada e viver em um lar
autêntico com um jardim e uma cerca. Ter filhos. Ser normal.
Lhe gostaria de fazer todo isso com ela, começando pelo que se requeria
para ter filhos.
— Você queria ser irresponsável, temerário e imaturo — seguiu dizendo a
jovem.
Mas ele teria que chegar primeiro ao fundo do desconcertante e ilógico
temperamento daquela mulher. Estavam a sós, a porta fechada com ferrolho, a
sala iluminada pela luz oscilante das velas, e uma brisa cálida que conduzia os
aromas do verão entrava pelas janelas abertas. Era uma noite adequada para
fazer confissões.
— Assim no Little Bidewell, quando te teve jogado o cavalo, roubou-o e
fugiu como um ladrão, coisa que foi, abandonou-me e tive que pagar suas
dívidas.
Ele dirigiu a vista à jarra de água que estava sobre a mesa ao lado da
cama.
— Por favor, posso tomar um gole de água?
Enid se aproximou.
— Isso foi jogo sujo, Stephen MacLean, e nunca te perdoei. Sabe o perto
que estive do asilo de pobres? — Verteu água no copo, derramando-a em
parte. — Todos aqueles anos de vergonha, sabendo que a meu marido
importava tão pouco me deixar em uma situação desesperada, e nunca
perguntou sequer por meu bem-estar. Finalmente consigo um posto de
trabalho em uma casa cuja senhora me necessita, necessita-me seriamente...
e tenho que deixá-la para me ocupar de ti. Não posso... — tremeu-lhe a voz, —
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não posso acreditar que me deixasse convencer por lady Halifax para vir aqui
quando ela estava tão... — Aproximou-se. Ele tomou a mão de Enid e a atraiu
para si. — ... tão doente e próxima à morte...
Embora Enid se mantivesse com os pés bem firmes no chão, MacLean a
puxou com força e a fez sentar-se na cama. Então lhe tirou o copo da mão e o
deixou sobre a mesa. O quadril de Enid tocava o seu. Não lhe olhava. Sua voz
era quase inaudível quando acrescentou:
— E agora não voltarei a vê-la jamais.
Como era possível que ele tivesse interpretado mal os sinais? Enid se
debatia não contra uma paixão fora de lugar a não ser contra a culpa e o pesar.
Lady Halifax morrera, e sua orgulhosa e desafiante esposa se desmoronava
ante seus olhos.
— Veem aqui, carinho. — Rodeando-a com os braços, atraiu-a a seu lado
de modo que a cabeça feminina descansou sobre seu ombro. — Chist...! —
Beijou-a na fronte, separou-lhe o cabelo da cara. — Não tem nada do que te
arrepender, querida. Ela te enviou aqui para que fizesse o que estava bem, e o
fez, e agora as duas demonstraram suas resoluções.
— Mas ela morreu — sussurrou Enid, e lhe quebrou a voz.
Os ombros lhe agitaram, e as lágrimas que contivera brotaram como uma
corrente. Apertou a boca contra a pele nua do MacLean para afogar os soluços.
Ele a ergueu, fez-lhe adotar uma postura mais cômoda, apoiar nele todo seu
corpo.
— Deus cuidará dela. Me deixe cuidar de ti.
A jovem ainda tinha a camisa de dormir nos braços, agarrando-a como se
o suave e desgastado algodão pudesse lhe dar consolo em um mundo
desolado.
MacLean a tirou de um puxão e lhe enxugou as faces com a borda. Então a
pôs no nariz.
— Lhe assoe — lhe ordenou.
Ela pareceu horrorizada, e os soluços interromperam quase cada uma de
suas palavras.
— Não... vou ... me soar o nariz... com mi... camisa de dormir.
Se ela não estivesse vivendo uma tragédia, MacLean poderia ter rido.
— Então segue sendo a Enid de sempre — lhe disse com ironia.
Ela se ergueu, retirou uma toalha do amontoamento que estava sobre a
mesa ao lado da cama e, inclinando a cabeça, soluçou nela. Não compreendia.
Nem sequer agora compreendia. Ele voltou a tomá-la em seus braços e pôs a
face contra seu peito.
— Não importa quantas vezes te separe, seguirei aqui para te abraçar.
Ela não podia conter os soluços.
— Está... morta. Fria... só na tumba. Morrer... vi o que é.
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Claro que o vira, pois se dedicara a cuidar dos doentes. Mas ele não
pensara em como lhe afetaria. Os dedos de Enid lhe aferraram os braços, e se
contorsionou como se os soluços lhe fizessem mal.
— Morrer é tão... tão solitário.
Ele se sentia profundamente de causar pena. Passou uma perna por cima
da sua, para lhe procurar consolo envolvendo-a com seu corpo, e deslizou as
mãos acima e abaixo de suas costas.
— Eu queria... queria lhe sustentar... a mão... quando ela... chegasse ao
fim.
MacLean acariciou ao Enid, murmurou-lhe ao ouvido fragmentárias
expressões de fôlego, e se maravilhou de quão profundo era seu afeto para
aquela pessoa a que servira. E pensou que ela devia estar no certo, que ele
devia ser um porco egoísta, pois do contrário não estaria abraçando-a
enquanto ela soluçava, desejando consolá-la e, ao mesmo tempo, desejando
sua ardente entrega.
Por Cristo que lhe adoraria com todo o ardor e a paixão de seu ser.
MacLean se encarregaria de que assim fosse. Mas de momento ocultava suas
intenções com murmúrios consoladores e carícias longas e lentas.
— Agora... não posso... ajudá-la. Agora... não posso fazer... nada. — Elevou
a voz e lhe golpeou uma só vez, em pleno peito.
Ele reteve o fôlego. A dama destrambelhava contra o destino, fazia
responsável ao MacLean e tinha o punho duro.
— Quero retroceder no tempo. Quero estar com ela. — Moveu a cabeça de
um lado a outro sobre o peito masculino. — Arruma-o... Arruma-o!
— Farei-o. — O cabelo do Enid ficou aceso da barba que lhe cobria o
queixo, e o leve aroma de gardênias e ar livre se elevou dos fios. — O
arrumarei tudo.
Por fim os soluços remeteram. enxugou os olhos com uma toalha,
esfregou-lhe com os dedos o lugar onde lhe golpeou e deixou que se
emaranhassem com o sedoso pelo peitoral. Estava muito turvada. Não sabia o
que estava fazendo, não percebia como afetaria a ele seu mais breve contato.
Pela primeira vez ele estreitava o corpo de uma Enid aquiescente. Seu próprio
corpo lhe exigia consolá-la de uma maneira física. Era o bastante sensato para
lhe fazer caso omisso; seu pênis dirigia a outros órgãos, e seu pênis nunca lhe
dava bons conselhos. Mediante um esforço de concentração, conservou um
mínimo de bom julgamento.
— Mostre-me a carta.
Ela se ergueu, tirou do bolso a folha enrugada e a sustentou um momento
como se não pudesse soltá-la. A estendeu lentamente.
— Tem-na escrito o advogado de lady Halifax. Oxalá pudesse ler uma das
que me escrevia ela. Engenhosa e ... — voltou a lhe tremer a voz — e mordaz.
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Muito bem. Enid estava tomando séria nota de suas boas intenções. Talvez
lhe seriam reconhecidas, pois bem sabia Deus que não obtinha nenhuma
satisfação do rechaço.
Com voz vacilante, ela disse:
— Me sinto cansada de me sentir zangada, e de morder a língua quando
você... quando me repreende.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Mordeu a língua?
— Estou cansada de fazer o que é correto, de estar sozinha, de suportar...
uma cama fria.
Tudo no corpo ingovernável de MacLean estava em expectativa.
— Estou cansada de desejar... desejar...
Agora ela não podia se deter!
— O que?
O separou de um empurrão, se levantou da cama e lhe deu as costas,
esfregando os braços acima e abaixo. MacLean soltou uma maldição silenciosa.
Se ela queria lhe fazer pagar por seu mau caráter, estava fazendo maravilha.
Desejava gritar com ela, mas os ombros encurvados e a cabeça encurvada da
jovem o detiveram. Durante todas aquelas semanas foi forte como uma torre.
Uma Enid frágil, era uma nova experiência que afetava seu coração tanto como
o corpo.
— Não vá. Não vou me jogar sobre você.
— Eu... sei. Não se trata disso. — se voltou e o contemplou, a cabeça
inclinada. — Estava recordando... o muito que o amei uma vez.
Foi ele realmente um homem tão espantoso?
Ou acaso ela ia lhe amar de novo?
— Não fique aí. — Ergueu as roupas de cama com um gesto tentador. —
Pode voltar para meus braços.
Ela se aproximou cautelosamente ao leito, pegou a mão e entrelaçou os
dedos com os seus. MacLean esfregou a palma dela com o polegar e notou as
durezas produzidas pelo duro trabalho.
— Deixei tudo por você, porque é meu marido. Tive todos os deveres e
nenhum dos privilégios. Nem seu apoio econômico nem seu afeto, nem sequer
sua presença. — Ergueu o queixo. — Então, só por esta noite, vamos fazer as
coisas a minha maneira.
O coração de MacLean pulsou com força. A atraiu para si.
Ela se sentou na cama a seu lado.
— Tudo o que quero é a você.
Capítulo 14
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estava pedindo.
Cessou a precipitação para a euforia. Os traços imóveis de MacLean
poderiam ter estado esvaziados em aço; suas cicatrizes, o nariz quebrado, a
rude mandíbula refletiam a um guerreiro, um homem dotado de uma força
selvagem que se retinha.
Só seus olhos tinham vida. Aqueles olhos sem par, uma mescla de verde e
ouro, e lhe ordenavam que o aceitasse, que decidisse livremente se unir a ele.
— Necessito que me aceite - disse, - que fique comigo... para sempre.
O silêncio no sótão aumentou até adquirir umas proporções imensas. Ela
ansiava correr, se esconder, não ter que efetuar jamais aquela escolha. Pois
quando o fizesse seria sua esposa, não só por aquela noite, a não ser para
sempre. Tal era o preço que pagava pela dissipação daqueles momentos; se se
negava, ele não insistiria. Tinha um caráter o bastante forte para fazer isso...
mas reataria o ataque outro dia. Mais tarde ou mais cedo, ele se imporia.
Enid tragou saliva. Sentia que se avivavam todos seus temores.
Ninguém jamais a amou. Não de uma maneira eterna. E ela podia amar,
amou, muitas vezes, e se vira a um lado do caminho e sozinha. Mas MacLean
era seu marido. Mudara. Era um homem diferente. Parecia honorável. E ao fim
e ao cabo, se se equivocava com ele não importaria, porque não o amava. Pela
manhã, como todas as manhãs, seguiriam unidos pelas promessas que fizeram
nove anos atrás, mas não o amaria.
Aquela noite Enid poderia correr o risco porque não se permitiria amar.
Não voltaria a se deixar embargar pela angústia e pela aflição. Estaria sempre
livre da emboscada do amor. Lentamente, ela deslizou a mão entre os dois e
colocou seu pênis exatamente no lugar correto. Se adaptou e empurrou para
baixo.
Ele sorriu, com um sorriso leve, duro, breve.
Então demonstrou quão profunda era sua duplicidade. Deslizou as mãos
ao redor das coxas do Enid, a abriu mais, empurrando para cima com os
quadris. E a penetrou. Centímetro a centímetro foi entrando nela. Enid fazia
caretas, sempre a beira do desconforto, decidida a não se encetar em um inútil
combate enquanto tratasse de se liberar. Oito anos era muito tempo, ela fora
muito jovem, seu corpo se recuperou dos antigos assaltos de MacLean e voltou
a se fechar.
Mas ele seguiu entrando, inexorável, a dilatando de tal maneira que ela
soube que jamais experimentaria prazer. Exatamente como no passado. Ia ficar
insatisfeita. Tratou de ocultar sua decepção, mas ele viu o apuro em que se
achava. Observava tudo. Era muito perceptivo, e ela lamentava, assim fechou
os olhos e voltou a cabeça. E ele deslizou uma mão entre eles. Utilizou dois
dedos para que a adaptação fosse melhor. Tocou-a, e esse contato foi o mais
tênue retalho de voluptuosidade. Ela reteve o fôlego. Flexionou as coxas e se
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Capítulo 15
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Era um milagre. Outro milagre, tão grande como o que se produziu quando
abriu os olhos e falou. Podia andar!
E o fogo ia lhe matar...e a ela também.
Os golpes na porta continuavam.
— Despertem! Despertem! Fogo!
Fogo. Céu santo. Fogo. A fumaça penetrava pelas fendas das pranchas do
chão. Uma estranha luz iluminava o lado oeste do quarto. MacLean já vestira as
calças. Se ajoelhou aos pés de Enid e a ajudou a calçar um de seus sapatos,
enquanto ela colocava o braço na outra manga e atava o cinto.
— Não se preocupe por mim — disse ela com a voz enrouquecida. —
Segue adiante!
MacLean se movia sem nenhum sinal de angústia, como se não visse
motivo algum para se apressar, como se enfrentasse todos os dias a uma crise,
como se nunca tivesse deixado de caminhar. Ela queria lhe gritar que se
apressasse, que tomasse cuidado. O espreitavam todo tipo de perigos. Poderia
cair. A perna fraturada poderia voltar a quebrar.
O fogo poderia acabar com ele.
Enid calçou o outro sapato enquanto ele tentava abrir o fecho da porta no
chão. Afastou bruscamente a mão e a sacudiu como se tivesse se queimado.
Lhe lançou uma toalha. Ele envolveu os dedos com o tecido, abriu o fecho e
puxou a porta. Quem quer que estivesse debaixo empurrava ao mesmo
momento. A porta se abriu para trás e se chocou com o chão. Uma fumaça
penetrou no quarto. Enid ouviu o fragor das chamas que consumiam as
paredes de madeira no interior da quinta.
Cobrindo a cara com uma toalha, Harry subiu a escada e fechou a porta do
quarto atrás dele.
— Abaixo a saída está bloqueada. Temos que sair pela janela.
— MacLean não pode sair pela janela — protestou Enid, e tossiu por causa
da fumaça que envolvia sua cara. — A perna...
Mas os homens não a escutavam. Puseram mãos à obra, e tiraram uma
corda de uma bolsa que MacLean tinha guardado debaixo da cama. Em um
abrir e fechar de olhos, Enid se encontrou a ponto de se meter entre as
espessas roseiras que cresciam ao lado da quinta. Umas mãos a agarraram de
baixo, a afastando das sarças.
Os homens lançaram a MacLean gritos de incentivo quando começou a
descer. Ela também queria gritar, mas não podia. O terror fechava sua
garganta. Temia muito por ele. Então MacLean chegou a seu lado e a puxou
pelo braço. Foram até a cerca de estacas.
— Fique aqui até que venha te buscar — disse, e foi ajudar Harry, que
descia pela corda, e se assegurar que não ficava ninguém mais no interior da
casa.
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Capítulo 16
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ontem à noite minha cautela nos salvou a vida, a de minha mulher e a minha.
Throckmorton baixou a voz.
— Sally desapareceu— informou.
— Sally? — MacLean recordou a jovem que o atendeu e que parecia tão
desejosa de agradar. — A donzela?
— Ontem à noite foi à quinta para falar com o vigia. Harry a encontrou
inconsciente, e os carvões da lareira estavam disseminados pelas pranchas do
chão.
MacLean expressou seu pensamento em voz alta.
— Alguém lhe pagou. Alguém queria que me eliminassem.
— Se soubessem que podia caminhar, a ação teria sido mais direta.
— Não é de estranhar que tenha tanta pressa para que partamos daqui.
Throckmorton meteu as mãos nos bolsos e golpeou com o pé o degrau.
— O acompanharia se não estivesse a ponto de casar — lhe disse.
— Certamente, precisa estar presente na cerimônia. — MacLean passou a
palma da mão pelas cicatrizes da face. — Não tem ideia de quem está atrás de
mim?
O dono da casa voltou a baixar a voz.
— Ainda não, mas vai partir nesta carruagem à vista de qualquer um que
possa estar observando. Dentro de umas horas se deterão em uma estalagem
para a mudança dos cavalos. Ficarão ali enquanto outro casal sobe à
carruagem para reatar a viagem. Você...
— E Enid.
Throckmorton assentiu.
— Você e Enid ficarão para trás, e então subirão a um trem particular que
os levará a Edimburgo. Uma vez ali, subirão a outra carruagem e partirão com
direção a Oban, de onde um transportador os levará a Mull. Nossos homens os
acompanharão na viagem. Não posso prometer que não acontecerá nada,
como é evidente, depois de ontem à noite, não posso prometer tal coisa, mas
os dotei com o maior amparo possível.
— Minha família sabe que estamos a caminho?
— Ninguém deve saber.
— De modo que adiantaremos às dificuldades.
— A retirada é nossa primeira linha de defesa.
A necessidade de saber fez que MacLean adotasse uma atitude
beligerante.
— Já é hora que me diga a verdade.
Throckmorton titubeou, como se estivesse tentado.
— Já conhece a maior parte da verdade. Sabe o que te ocorreu, que
alguém quis que morresse. Temo que se lhe dissesse tudo isso antes que o
recorde por si mesmo, suas lembranças seriam confusas.
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Capítulo 17
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norte, ou talvez inclusive tivessem cruzado o limite com a Escócia. Ela não
sabia quanto tempo levava viajar até tão longe.
Era a primeira vez que viajava de trem.
Se ergueu na cama, piscando. Alguém a agasalhou com uma manta leve,
supôs que Kiernan MacLean. Se perguntou aonde teria ido ele e então se
amaldiçoou por sua curiosidade. Estava a seu lado quando ela dormiu; não a
deixou nem um momento desde que partiram da casa familiar Blythe,
conversou com ela, acariciou seu cabelo, atuou de tal modo como um marido
amoroso, que ela sentiu desejos de chorar ou gritar ou se agarrar a ele e rogar
que lhe dissesse que tudo ia sair bem. Não o fez. Manteve um aspecto de
serenidade, mas temia que não o enganava absolutamente.
Enid desceu do beliche e realizou pausadamente suas abluções.
Não podia importunar MacLean. Certamente, não podia fazer o amor com
ele de novo. Não era seu marido. Não podia tratá-lo como se fosse.
Embora - se olhou no espelhinho pendurado sobre a mesa do canto -
atuava como um marido. Desatara o lenço de seda de lã vermelha que ela
levava no pescoço e afrouxara os botões da jaqueta de veludo verde, a abrira,
despindo seu colarinho até o V que formavam os seios. Talvez o fez para que
ela se sentisse cômoda, mas sabia que ele se deleitou na visão de sua pele nua
e em seu direito de despi-la.
Sorveu pelo nariz, sacudiu a saia, calçou as robustas botas negras de
viagem e adquiriu de novo um aspecto de respeitabilidade. Pelo menos ele não
tentara fazer amor com ela. Ela não poderia lhe permitir tal coisa. Era certo
que já deram uma dentada à maçã, mas agora ela conhecia os fatos. Distinguia
o bem do mal.
Se agarrando a sua moral em tempos difíceis, quando abandoná-la teria
feito a vida muito mais fácil. Nunca poderia fazer de novo amor com MacLean,
e a irritava se sentir doída por isso.
Quase desejava poder dizer a ele, mas o senhor Throckmorton lhe dera
umas instruções muito precisas, e Enid temia que aquele homem estivesse
certo. Talvez se dificultassem a MacLean a recuperação de suas lembranças,
ele nunca descobriria a verdade que espreitava sob a superfície de sua mente.
Ouviu o murmúrio de vozes masculinas no compartimento anexo ao
dormitório. Abriu a porta e apareceu com cautela.
MacLean estava sentado, as pernas apoiadas no assento da frente,
falando com Harry.
Harry adotara uma postura similar, e entretanto, apesar de seu aparente
repouso, os dois homens davam uma impressão de estar à espreita que
contrastava com suas posturas. Ambos vestiam de negro e marrom, umas
cores monótonas que lhes davam um aspecto de empresários de pompas
fúnebres. Jaquetas negras, calças negras, botas negras que não foram
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lustradas até lhes tirar brilho mas sim tinham uma tonalidade apagada, como
se o couro tivesse sido desgastado de propósito. Os coletes eram de cor
marrom escura e as gravatas combinavam.
Havia uma mesinha entre eles com um candelabro fixo que tinha cinco
velas, uma garrafa de vinho aberta e dois copos cheios pela metade.
Enfrascados na conversação, não repararam nela. Enid voltou com cautela ao
beliche, se sentou e contemplou o chão. Ainda não compreendia como
MacLean fizera para passar com semelhante rapidez de ser um inválido a um
homem de ação.
Quanto mais fácil seria tratar com ele se seguisse preso na cama.
O que ia fazer ela nos dias seguintes, enquanto os homens de
Throckmorton os levassem de um lado a outro e MacLean estivesse cada vez
mais perto de seu lar? O nó que sentia no estômago se esticou ainda mais.
Considerava a si mesma uma mulher que raciocinava bem e tinha lógica, com
um excesso de etiqueta e um toque de saudável instinto de conservação, mas
se estava deixando levar pelos acontecimentos porque não sabia que outra
coisa fazer.
Certamente, não existia nenhum precedente com o qual se orientar. Ele
não tinha necessidade de pensar que ela mentira. Ou teve um tremendo
engano, ou lhes mentiram a ambos, e MacLean só teria que escutar suas
explicações antes de derrubar sobre ela seu desprezo.
Enid não merecia o desprezo e não o aceitaria.
— Despertarei. —A voz de MacLean lhe chegou do outro lado da porta. Em
um tom humorístico, e como resposta a um comentário que o outro murmurou,
disse: — Não, obrigado, Harry, posso me ocupar eu sozinho de minha esposa.
Enid se levantou com tal rapidez que as botas que chegavam até seus
tornozelos produziram um ruído surdo ao golpear o chão.
Ele abriu a porta e ficou olhando à mulher que estava frente a ele com o
queixo elevado.
— Ouviu isso, não foi? — Dirigiu-lhe um olhar muito afetuoso. — Está tão
bonita como sempre. —Antes de que Enid pudesse replicar, ele seguiu dizendo:
— dentro de pouco mais de uma hora chegaremos a Edimburgo.
Teremos que descer do trem a toda pressa.
Ela poderia ter se mostrado surpreendida, mas já eram tantas as
surpresas recebidas que nada poderia pegá-la despreparada.
— Estou preparada.
Ele estendeu seu longo braço e a atraiu para si.
— É assim eu gosto, é uma garota resolvida.
Harry riu alegremente a suas costas.
Harry. Seguia sem gostar daquele homem, embora sem mais motivos que
o fato de que emitia julgamentos quando não deveria fazê-lo e utilizava a
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cautela como se fosse um escudo. Então, como ela sabia que sua hostilidade
carecia de lógica, sorriu placidamente para ele enquanto se liberava do abraço
de MacLean.
— Se formos seguir viajando, cavalheiros, espero que os dois durmam.
Harry fez uma inclinação de cabeça.
— Sim, senhora. Sou um soldado e durmo quando tenho um momento
para fazê-lo.
— E eu. Dormi com você até uma hora atrás. — MacLean passou um dedo
pelo seu lábio inferior. — Estava extenuada. Se sente melhor agora?
Tudo em MacLean refletia preocupação: sua voz, profunda e vibrante, seus
olhos, cheios e vibrantes, a maneira em que a tocava como se fosse preciosa
para ele.
E por isso ela voltou a retroceder.
— Estou melhor — disse. — Só quero me assegurar de que minhas coisas
estão...
O trem se deteve em seco de repente e Enid caiu sobre MacLean. Ele
cambaleou para trás, levando-a com ele. Harry saltou por cima dos assentos.
Os freios chiaram, os revestimentos de madeira do vagão rangeram, os vidros
se quebraram e duas das velas caíram ao chão e se apagaram. O silêncio que
se fez então aterrou Enid. Dois vagões mais adiante a locomotiva soprava
lentamente, mas não chegava som algum dos vagões, onde se encontravam os
restantes homens do senhor Throckmorton.
Harry foi o primeiro a recuperar o fôlego e soltou uma maldição, com
virulência e sem ter em conta a delicada sensibilidade de Enid; isso satisfazia
uma profunda necessidade que ela sentia, por isso esteve agradecida a ele.
MacLean acabava de se levantar de seu leito de doente, e agora foi jogado
com violência ao chão.
— Está bem, MacLean?
— Não pesa tão pouco como parece — grunhiu ele, e a pôs a um lado.
Ela tentou mantê-lo imóvel.
— Que tal os joelhos? E a perna? Está sangrando?
Ele se levantou, a agarrou pelos ombros e, a imobilizando, a olhou aos
olhos.
— Estou bem. E você?
— Eu? Claro que estou bem. Mas você...
— Não sou um inválido. — Disse em um tom tão cortante e seu aspecto
era tão imponente que ela se tranquilizou.
Mas o observou com atenção enquanto ele se levantava sem ajuda e lhe
estendia uma mão.
— Eu também estou bem, obrigado por perguntar — disse Harry, enquanto
o ajudava a se levantar.
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Quando o sol iluminou por fim o triste dia, estavam subindo por uma costa
solitária em um bom ritmo, mas Enid se sentia a ponto de desfalecer.
MacLean o observou, certamente. Naquela excursão pelo campo às
escuras demonstrou uma e outra vez que se fixava em tudo. Conseguira evitar
as casas de campo que apareciam de vez em quando em seu caminho.
Conduziu Enid sem pausa ao redor de penhascos e por acidentados atalhos. E
quando lhe comentou que devia estar muito cansado e necessitava um
descanso, procurou uma rocha atrás da que se ocultar de modo que ela tivesse
intimidade para fazer suas necessidades.
Não achava engraçado que ele a compreendesse tão bem.
E no fim das contas, por que ele não necessitava descansar? Percorreram
uma grande distancia a passo vivo e ele seguia adiante sem parar, enquanto
que ela...
— Faremos uma parada aqui. — MacLean deixou sua bengala junto a um
montão de pedras brutas. — Descansa e eu vigiarei o terreno, verei aonde
vamos, verei se nos seguem.
Ela deixou cair sua bolsa e o olhou furiosa, com a respiração entrecortada.
— Esteve... doente. Por que... não está... esgotado?
— Estou um pouco cansado, moça. — Seu acento escocês foi se tornando
mais marcado à medida que entravam no campo. — Mas você também está
indo bem.
— Estou... ofegando! — Se apoiando em uma rocha, Enid levou uma mão
ao flanco.
— As mulheres inglesas não fazem exercício como deveriam. Ar fresco,
isso é o que faz falta, e bons passeios ao sol.
Ela jogou a cabeça para trás.
— É um burro.
— Se pode me insultar, é por que se sente bastante bem — observou ele.
— Toma.
Ofereceu-lhe uma pele de água que encheu em um arroio pelo menos dez
anos atrás e a meio caminho de distância.
— Obrigado — disse ela, mas se limitou a olhar fixamente a pele. — Me
doem tanto os braços de levar essa bolsa... que não posso levantá-los. O que
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contém, pedras?
Ele sacudiu a cabeça, desenroscou o plugue da pele e a ofereceu para que
bebesse. Enid tragou a água com avidez e, quando terminou, deslizou para
baixo pela lisa superfície da rocha. A umidade que havia ali a esfriava até os
ossos, mas tinha os pés no alto e as pernas estendidas, e não precisava mover
um só de seus doloridos músculos.
— Uma faca — disse ele.
Ela olhou para MacLean, que permanecia em pé ante ela.
— O que?
— Uma faca, bolachas de navio, queijo, carne seca, mantas, ataduras,
unguento, cordas.
— Me deu a bolsa pesada!
Ela sabia que isso era uma tolice, mas não sentia nenhuma necessidade
de ser razoável.
— Eu levo o mesmo mas em mais quantidade. Trouxe meu kilt escocês e a
bolsa. Apesar de chamuscadas como estão, não podia abandoná-las. — Tirou o
capote, dobrou-o e o meteu em sua bolsa. — Também te trouxe um pente.
Se ele esperava que o elogiasse, não deveria dizer essas coisas a uma
mulher cujas coxas tremiam de fadiga. Em tom de queixa, escolheu o detalhe
mais tolo para se queixar.
— Não necessitamos de duas facas.
Ele não poderia ter-se revelado mais paciente.
— Uma é para usar, a outra para troca. Há um longo trecho até Escócia, e
a comida não durará eternamente.
— Não podemos fazer uma parada e comprar algo? Trouxe todas essas
coisas mas nada de dinheiro?
— Algo há também, mas com um pouco de sorte não encontraremos a
ninguém. Se o fizermos, não mostraremos o dinheiro e o economizaremos se
por acaso surge uma emergência.
Ela desejava gemer, mas não tinha fôlego para isso. Observou MacLean
que subia ao alto da colina e se deitava sobre as rochas para examinar o
terreno em todas as direções. O vento afastava o cabelo loiro avermelhado do
familiar rosto do desconhecido. Olhava com os olhos entrecerrados a direção
por onde vieram, e logo a que iam seguir. Suas roupas se mesclavam com a
paisagem (claro, isso explicava a monotonia do negro e do marrom), mas ela
ainda podia ver seus largos ombros e o estreito quadril. E suas pernas... Enid
fez uma careta de irritação; as pernas daquele homem eram musculosas.
Como foi tão tola de atribuir semelhantes coxas e panturrilhas aos exercícios
que fez na cama? Caminhou, isso era evidente. Não era de estranhar que todo
mundo insistisse em que ela tirasse longas pausas de suas pesadas tarefas.
Os homens.
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O que estava ela fazendo ali? A noite anterior, não, na outra noite, fizeram
amor tão apaixonadamente como jamais dois amantes fizeram. Ela se
maravilhou de sua força, a assombrou sua habilidade, descobriu seu corpo
como se nunca o tivesse experimentado até então.
Porque nunca esteve antes com ele. Porque agora, depois de oito anos de
solidão e inumeráveis oferecimentos de muitos homens dissolutos, ela se
convertera sem se propor em uma mulher lasciva. As coisas nunca poderiam
voltar para a situação anterior; enfermeira e paciente, esposa abandonada e
marido do que sua mulher se separou. Por isso ela tomou a resolução de se
manter serena, forte, capaz de resistir a tormenta que via se abater no
horizonte.
O problema persistia em que seguia pensando que de algum jeito seria
possível evitar a tormenta.
"Se ele não recuperasse jamais a memória, ela poderia lhe deixar
acreditar indefinidamente que estavam casados."
Mas sua família sabia a verdade e o diriam.
"Se não fosse por sua família, ela poderia manter a mentira."
Embora bem visto, por quê? Não o amava.
Mas tinha... sentimentos... para ele, e sabia que, quando ele descobrisse a
verdade, se enfureceria com ela, ou pior ainda, a olharia fixamente com
aqueles olhos verdes frios como o gelo. Entretanto, ela não era covarde. O que
a preocupava era a mente de MacLean, cujo cérebro já sofrera muitas
comoções, e ela temia as consequências de uma verdade tão abrupta e
terrível...
Sim que era covarde, e com uma moral escassa, além disso, pois ainda
desejava a aquele homem. Talvez se só lhe desse um vislumbre da verdade,
esse vislumbre poderia desencadear todas as suas lembranças. Sim, talvez um
só vislumbre...
Só que... precisava permanecer tranquila. Se acabaram as réplicas
engraçadas e as brincadeiras.
MacLean saltou das rochas e aterrissou aos pés de Enid.
— Não há ninguém a um nem a outro lado do vale. Enquanto estes
valentões não tenham cães, os despistamos. Se levante.
— O que? Por quê?
— Está sentada no chão frio. Vamos estender uma manta para que não
pegue friagem.
Ela queria protestar, lhe dizer que não valia a pena o incômodo de se
levantar, mas ele tinha aquela sua expressão no rosto, a expressão que dizia:
"Sei o que te convém".
Por isso se levantou com fadiga, deixou que MacLean estendesse uma
manta e se deixou cair nela.
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— Quanto caminhamos?
— Vinte quilômetros, pelo menos. Agora não estamos longe das vias do
trem.
— O que?
— Caminhamos em círculo, voltando um pouco atrás para que perdessem
nossa pista. — Se deitou de barriga para cima aos pés de Enid. — Vai preparar
algo para tomar o café da manhã?
— Claro. — Ela puxou a pesada bolsa que estava a seu lado e tirou pão e
queijo. — O homem explora e a mulher faz o verdadeiro trabalho.
A serenidade teria que esperar outra ocasião, um dia menos rodeado de
perigo.
Ele se deitou de lado e apoiou a cabeça com a mão.
— A exploração é uma dura tarefa. Requer anos de adestramento e
perícia. Não esqueça tampouco que fui na frente, abrindo um caminho através
da escuridão e do frio.
A noite anterior, apesar dos círculos e dos retrocessos, ele levou a
dianteira com tal segurança que era como se pudesse ver naquela escuridão
de masmorra. Ela foi incapaz de distinguir nada, cada passo foi uma aventura,
e teve que confiar em que não a faria se chocar com uma árvore ou cair em
uma ravina.
E acreditara nele, certamente. As façanhas de MacLean a deixaram
impressionada, mas agora dava menos importância.
— Pois trocaria a posição agora mesmo— lhe disse.
Ele pegou a bolsa.
— De acordo.
Ela agarrou com força a correia e o olhou furiosa.
De algum jeito, o equilíbrio entre eles mudou. Ela passou a seu território, o
do caçador e a presa. Jamais poderia sobreviver ali, mas MacLean se revestiu
de autoridade como se fosse uma armadura, e enquanto que antes a salvação
de sua vida dependera dela, agora a vida de Enid dependia dele.
— Eu me poria à frente, mas não com a dor nas pernas que tenho.
Ele sorriu, soltou a bolsa e não lhe disse que ela não tinha a mais remota
ideia da direção que deviam tomar.
— Além disso, lá no imóvel Blythe me enganou, não me disse que podia
andar...
Ele arqueou as sobrancelhas mas não negou, o muito patife.
— ... Mas suponho que agora está cansado?
— Estou — ele se limitou a admitir.
— Deveria te dar tão só o pedaço menor de pão como castigo. E pensar
em quão angustiada estava quando deu o primeiro passo! Mas cuidei de você
durante muito tempo para comprometer meu trabalho.
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Capítulo 18
— Abaixo, moça.
MacLean pegou Enid pela cintura, a desceu da carroça e observou que lhe
sobressaíam as costelas. Nos doze dias que levavam no caminho, Enid perdeu
muito peso embora ainda fosse uma mulher atraente. Tão atraente, com seus
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seios admiráveis e suas feições delicadas, que lhe resultara difícil manter em
todo momento a disciplina.
Pendurou no ombro uma bolsa de provisões, estendeu a Enid a sua e se
despediu do granjeiro lhe agradecendo e agitando a mão.
MacLean queria ter Enid entre seus braços e ouvi-la gemer como o fizera
na quinta de Suffolk. Queria lhe ensinar novos prazeres e beijá-la até que os
dois estivessem sem fôlego e ansiosos por chegar à culminação. Queria tudo
isto, e devia se contentar tendo-a em seus braços enquanto dormiam.
Assim que chegassem a casa as coisas iam mudar. Muito em breve, se ele
conseguisse.
— Seguimos adiante? — perguntou ele, segurando-a pelo braço.
Enid olhou a seu redor. Estavam em um lugar desabitado das Terras Altas
escocesas: inóspitos escarpados, colinas cobertas de plantas e urze, pinheirais
e dois estreitos sulcos a modo de caminho.
— Só é meio-dia— respondeu ela.— Depois de uma viagenzinha tão
cômoda — dirigiu um significativo olhar a carroça que estralava, — deveríamos
ser capazes de caminhar até meia-noite.
— Boa ideia. Me alegro que tenha pensado nisso.
Mas apesar de seu sarcasmo, estava preocupado por Enid, cujas queixas
não eram tão incisivas como antes. Estava se debilitando. Isso explicava o
motivo de que, quatro dias atrás, ele tivesse abandonado as paragens agrestes
para avançar pelo caminho.
É obvio, a maior parte do que os habitantes das Terras Altas chamavam
civilização provavelmente lhe parecia muito tosco a uma mulher educada na
Inglaterra. Umas poucas choças apertadas à beira de um lago constituíam uma
cidade, e as granjas eram escassas e estavam muito distanciadas. O primeiro
dia pagaram a um jovem janota para que lhes permitisse viajar no assento
elevado do lacaio de sua carruagem de estilo inglês usado, e assim
percorreram muitas léguas antes que anoitecesse. No dia seguinte viajaram
com a lentidão da carreta de feno que os transportava e passaram a maior
parte do dia dormindo. Na noite anterior encontraram uma granja com uma
horta minúscula, uns pobres campos e uma mísera choça. MacLean fez uma
troca com o granjeiro para que lhes permitisse se alojar no estábulo, e com a
esposa do granjeiro por dois pratos de empanada e duas jarras de cerveja. Enid
comeu como se nunca tivesse provado semelhante aprimoramento, e dormiu a
perna solta5 com um teto sobre a cabeça.
E hoje o granjeiro os levou em sua carroça, a caminho do mercado.
Mas estavam se aproximando da costa ocidental e do mar. MacLean
notava o aroma na atmosfera e a mudança do vento. Mais ainda, descobriu um
caminho prometedor, afastado do caminho principal e à esquerda. Um atalho
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dormir muito bem e profundamente
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de cabras, como a maior parte dos atalhos que percorreram, mas, ao contrário
dos outros atalhos, MacLean reconheceu aquele vagamente. Tanto o atalho
como a costa pela qual subiam resultavam familiares. E pensava... suspeitava
que os levaria aonde queriam ir.
Reconheceria o que se encontrava do outro lado? MacLean se separou do
caminho e entrou em um pequeno bosque. Enid não o seguiu. Ele se voltou e
lhe disse:
— Anda, vamos.
— Não me trate como se fosse um cão de caça!
Ele reteve o fôlego. Enid estava a ponto de sofrer um ataque de nervos
feminino.
— Fiquemos em algum lugar onde haja fogo e um banho — pediu ela em
um tom de desespero. — Leva dias sem ver ninguém suspeito.
Ele retornou a seu lado, pegou a mão dela e a olhou aos olhos, aqueles
grandes olhos azuis bordeados de negras pestanas.
— Não, não vi a ninguém suspeito. Estou convencido que despistamos a
quem quer que nos estivesse seguindo. Mas não confio em ninguém de Suffolk
nem confio em ninguém a quem não conheça, porque talvez eles me
conheçam e estejam dispostos a me matar. Passar a noite em uma estalagem
poderia significar nosso fim, disso não há dúvida.
No estado de ânimo em que se encontrava, Enid não podia ser razoável. O
lábio inferior lhe sobressaiu e ficou a tremer.
Ele a conduziu para as árvores e perguntou razoavelmente:
— Como pagaríamos o alojamento?
— Com o dinheiro que você trouxe.
Ele estava inquieto pela crescente sensação de familiaridade que
experimentava naquelas paragens.
— Já gastamos muito, e esse dinheiro é para uma emergência.
— Estou cheirando mal. Isso não te parece uma emergência?
— Pois não a cheiro — assegurou ele enquanto abandonavam as árvores.
Olhou a seu redor para se assegurar que ninguém os via e apressou a
jovem através dos campos.
— Isso é porque você também cheira mal. — Seu tom era duro e mal-
humorado.
Ele a examinou com o cuidado de uma donzela de uma dama. A parte
inferior de sua capa estava rígida, coberta de lama da altura dos joelhos para
baixo. Dormiram sob uma carreta tombada, com o resultado de que o chapéu
de Enid se deformou sem remédio. Enid lavava a cara todas as manhãs, mas
cada vez que faziam uma parada se deixava cair ao chão poeirento, e sempre
tinha a cútis suja. Seus olhos azuis conservavam seu brilho, a cor de sua pele
era saudável, se fortaleceu com o exercício e inclusive estava mais bonita, mas
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sabia. Se pôs a andar na frente dela, a ajudando com uma mão sob seu
cotovelo.
Giraram para tomar outro atalho, mais estreito, apenas uma franja riscada
na erva que cobria a vertente. Avançaram entre um amontoamento de rochas
mais altas que ele, e de repente estiveram ali, em um pequeno terreno baixo
esquentado pelo sol e rodeada pelos montes.
Ele quase podia recordar que de moço ia ali correndo e visitava... a
alguém. A uma pessoa idosa. Mas não, seu rosto o evitava por completo...
O rosto de uma mulher. Vivia ali solitária, com uma vaca e umas quantas
galinhas. Tinha um pomar pequeno, protegida do pior do inverno por umas
enormes rochas graníticas, onde cultivava ameixas e maçãs, e uma parcela de
verduras. Ah, os espinafres mais deliciosos que ele jamais comera.
A mulher, quem quer que fosse, não estava ali, e os animais
desapareceram com ela. Agora reinava no lugar um completo abandono. A
casa de pedra parecia desabitada, as venezianas fechadas, a porta fechada por
fora com aldrava, e da lareira não surgia fumaça. Não obstante, ele tinha a
sensação de que ali se encontrava a salvo.
Sim, estava recordando.
Quase temia ouvir o que Enid diria sobre o lugar. Ao fim e ao cabo, ela
vivera com uma grande dama em Londres e com ele na casa familiar Blythe, e
a quinta em que se alojaram ali tinha dez vezes o tamanho daquela cabana.
Mas Enid exalou um suspiro de prazer.
— É uma maravilha.
— Baixou muito a fita de seda.
— Não, é uma casinha perfeita, seriamente. É... é bonita. — Elevou a cara
ao sol. — Cheira a maçãs, e aqui o clima é quente. Ouço o vento que sopra no
alto, mas aqui estamos protegidos.
Enquanto a olhava, ele compreendeu até que ponto suas circunstâncias
mudaram. Enid era delicada e não estava acostumada aos desafios físicos, mas
mostrava tanto ânimo como qualquer escocesa. Subia as costas e se queixava,
descia por atalhos lamacentos e se queixava, se escondia em um terreno baixo
durante um par de horas e não dizia uma só palavra.
MacLean podia confiar nela. Mais ainda, a adorava.
— Por que me olha dessa maneira? — Ela tocou a própria cara; seu sentido
feminino da boa aparência lhe dava a voz de alarme: — Me queimou a pele,
não foi?
Ele soltou uma risada.
— Saíram-lhe umas quantas sardas, e são encantadoras. Veem ver isto. É
inesquecível.
Precedeu a Enid por um curto caminho que serpenteava entre lajes, se
guiou pelo som de água em movimento e encontrou um recipiente artificial,
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uma bacia do tamanho justo para lavar pratos nela. Um ramal de um arroio se
despenhava por uma rocha para alimentar um lago arenoso de água clara e
superficial, enquanto outro ramal descia e se perdia ao redor de uma curva.
MacLean experimentou uma sensação de orgulho, como se aquele lugar lhe
pertencesse e fosse um segredo que só podia compartilhar com o ser mais
querido.
— OH, é precioso! Está tão limpo! Poderia tomar um...
— ... banho. — Lhe desatou as fitas do chapéu e começou a lhe tirar a
capa.
Ela segurou o colarinho do objeto, como se temesse suas intenções.
E devia temê-las. Ele disse antes; às mulheres impressionava a limpeza
muito mais que aos homens. Não lhe teria importado esperar para se banhar
até que chegassem à ilha de Mull, mas ela era diferente.
— Agora faz calor, mas as montanhas impedirão a luz de passar muito
antes que o sol fique no resto do terreno, por isso será melhor que retire o pó
da cabana e acenda o fogo. Se quer se banhar, se apresse.
Ela seguia o olhando com fixidez.
— Se não se importar, pode me ajudar a limpar a cabana.
Ela atirou a capa a um lado, se sentou em uma pedra e tirou as botas
cobertas de barro seco. Podia ser recatada, mas acima de tudo era prática.
Ele ficou a assobiar, se aproximou do barracão e abriu a porta. Ouviu os
ratos que escapuliam, seu olfato percebeu o aroma de fechado e a umidade e o
leve aroma de uma vaca que outrora viveu ali. Foi às janelas, abriu as
venezianas e deixou que penetrasse o ar e a luz. Havia um montão de lenha ao
lado da lareira, e junto à porta um balde reluzente. A cama tinha um
amontoado de cordas cobertas com lona, e ao pé havia mantas envoltas em
uma capa para as liberar do pó.
MacLean olhou a seu redor. A cabana devia se encontrar nas terras de um
homem importante, pois estava muito bem mantida. Aquele era o território de
MacLean? Exigia o senhor do clã que aquele lugar se mantivesse em bom
estado para o caminhante solitário que percorresse as colinas? Era, pois, de
justiça que ele encontrasse abrigo ali durante sua viagem para o lar de sua
família. MacLean tirou o capote e a jaqueta, e arregaçou as mangas. Empunhou
a vassoura, eliminou a sujeira dos cantos e então varreu minuciosamente o
sujo chão. Com um trapo úmido limpou a mesa e o banco.
A lareira já estava preparada e só teve que acender o fogo. Jogou as
mantas ao exterior, as sacudiu, entrou de novo e as estendeu sobre a cama.
Pegou o balde, mas fez uma pausa para voltar a cabeça e contemplar a sala.
Tudo estava tal como recordava. Limpo, seco, acolhedor.
Dele.
Fechou os olhos e a viu. A anciã com cara de maçã seca. E um lunar
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marrom escuro no queixo. "Venha quando quiser, moço. Este lugar é seu."
As lembranças voltavam para sua mente.
Retornou ao arroio sem sigilo, dando ao Enid a oportunidade de correr
para se esconder atrás de uma rocha se desejasse, e, para maior vergonha,
supôs que ela desejaria fazer isso. Mas quando dobrou a esquina, se deteve em
seco. Ali estava ela, sentada no pequeno lago, com as pernas cruzadas, os
olhos fechados, com uma expressão de prazer no semblante e...
completamente nua. Seus braços eram graciosos, os mamilos floresciam
brandamente.
Parecia tão fresca como um casulo enrubescido. A água clara lhe chegava
à cintura, e entre as pernas fortes e musculosas sua esplêndida e rosada
abertura recebia a líquida carícia. Ele deve ter emitido algum ruído abafado,
porque ela abriu os olhos. Tinha dormitado. MacLean o via nas pálpebras caídas
e sonolentas, na estupidez de seus movimentos ao mesmo tempo que tratava
de se encarregar da situação. Não lhe importava. Deixou cair o balde e se
encaminhou para ela.
Ela ficou em pé como Afrodite se elevando das ondas.
Quando se voltava para se pôr a correr, ele deu um salto e rodeou sua
cintura.
— Não! — exclamou ela. — Não podemos. Não sou... não sou...
— Não me importa o que acredita. É minha.
A erguendo da água, levou-a a uma rocha plana e baixa aquecida pelo sol.
Tombou-a brandamente de barriga para cima, com os quadris na borda da
rocha e os pés pendurados. A posição perfeita.
Com um joelho entre as pernas dela, ele se apressou a desabotoar a
braguilha.
—Planejou isto! — gritou Enid, tratando de se voltar a um lado.
— Se tivesse planejado, já teria tirado as malditas calças. — extraiu o
membro, baixou as calças e imobilizou a jovem contra a rocha. — Sou eu quem
poderia te acusar de planejar isto. Estava nua.
— Assim é como me banho!
Ele desejava lhe sorrir, tão molhada e indignada estava, mas não podia
obter que sua boca se movesse para falar. Todo seu controle muscular se
concentrava em se reter para não possuí-la imediatamente. Precisava penetrá-
la. O sangue lhe corria com fúria nas veias. Precisava saber que ela
compreendia que era dele.
— Não sou sua esposa.
O tom de sua voz parecia suplicante. Pôs uma mão no ombro dele e o
olhou aos olhos.
Bom, era natural que olhasse aos olhos. Não se atrevia a olhar mais
abaixo.
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Capítulo 19
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Não lhe importavam os arranhões nas costas nem o bronzeado do sol que
se estendia pelo lado esquerdo de seu corpo. A única coisa que lhe importava
era que tinha lembranças entesouradas, lembranças de uns momentos
mágicos, breves, gloriosos e separados da realidade. Ela sabia que havia
prescindido da moral. Sabia que logo receberia o açoite da verdade. Mas nada
do que acontecesse poderia lhe fazer esquecer aquelas breves horas na
cabana da avó Aileen. Eram dela.
As entesouraria... porque MacLean estava recuperando a memória.
Rodeou sua cintura com o braço.
— Faz bom tempo para cruzar o estuário. Vento regular, o céu nublado e o
fluxo está tranquilo.
Enid contemplou as águas agitadas da baía e pensou que, se aquilo era
um fluxo tranquilo, confiava em não ver nunca um tormentoso.
— Acredito que poderemos atravessar o estuário a remo em umas cinco
horas.
— Não pode remar durante cinco horas seguidas. Acaba de abandonar o
leito de doente!
Ele não riu dessa absurda objeção, tomou tão a sério como qualquer
homem que percorreu a pé toda a extensão da Escócia.
— Tomarei um descanso de vez em quando.
— Não ficam cinco horas antes que anoiteça!
— Posso encontrar a ilha na escuridão. — Deu-lhe um rápido beijo nos
lábios. — Tirarei a amarra do barco, e então salta a bordo e empurra o muro
para desatracar. Pode fazer isso?
A pergunta irritou a Enid.
— Pois claro que posso.
— Boa garota. — Pendurou a bolsa no ombro e voltou a lhe dar um beijo
leve e rápido. — Sempre posso confiar em você.
MacLean ficou em pé, saltou por cima dos barris e das redes e aterrissou
na embarcação de quatro metros e meio de comprimento. Bamboleou, mas
ele, como um homem acostumado ao mar, se manteve firme com as pernas
separadas. Soltou o cabo de amarração e fez um gesto a Enid.
Ela se levantou, o coração pulsando com força, mas avançou pelo
embarcadouro como se estivesse de passeio.
— O que está fazendo? — perguntou ele. — Se apresse!
Ela se deteve ao lado do barco e lhe estendeu a mão.
— Se tiver que roubar uma embarcação, o farei à maneira de uma dama.
Pegou a mão e a ajudou a descer à proa.
— Está completamente louca, sabe?
— Não mais louca que um homem que não quer ir ver o pároco e lhe pedir
ajuda para se transladar a sua ilha.
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tanto tempo sentada na incômoda tábua, tremia de frio. Não podia ver nada,
nem a luz das estrelas nem o lugar onde terra e mar se encontravam. O barco
cabeceava entre as ondas, levando-a para onde ela carecia de senso de
direção, onde nenhuma luz podia orientá-la. O temor fechou sua garganta e
mal pôde exalar um trêmulo suspiro. Não queria chegar a seu destino.
Entretanto... já não deveriam ter chegado? Teriam deixado atrás a ilha
sem vê-la? Rodeando os joelhos com os braços, Enid se amassou em seu
manto, aconchegada no chão do barco.
— Se cubra com meu capote.
A voz profunda de MacLean saiu da escuridão como a de Poseidon que lhe
desse uma ordem.
Ela titubeou.
— Não tem frio?
Ele soltou uma risada áspera que tinha uma vibração perigosa, um tipo de
risada diferente da que ela ouvira até então.
— Ponha por cima meu capote e se sente no banquinho. Permanece
atenta, para ver se vê as luzes. Estamos nos aproximando.
Ela ouviu o som das ondas que rompiam na borda... ou talvez em umas
rochas entre as que naufragariam. A luz significaria um porto. Enid explorou o
horizonte em todas as direções, procurando com desespero qualquer sinal de
terra.
Por fim apareceram umas débeis piscadas luminosas.
— Olhe — apontou. — Ali!
O chapinhar dos remos se deteve.
— O porto— disse ele com satisfação.
Os remos voltaram a se mover, com mais rapidez.
— É perigoso? — ela perguntou.
— Conheço o caminho.
Sua voz parecia diferente, mais dominante, com uma confiança absoluta.
Ah, era possível que o barco não naufragasse, mas o coração de Enid sim.
O fragor das ondas se fez mais intenso. A luminosidade foi se
fragmentando, concentrada em quadrados: janelas, casas.
De repente, o barco mudou de direção.
— Está se afastando! — exclamou ela.
— Desembarcaremos no oeste. Está mais perto do castelo.
Ela fechou os olhos. Não era Poseidon quem lhe falava, nem nenhum outro
Deus. Era Kiernan, o senhor dos MacLean.
O barco roçou a areia, e cabeceou quando ele deixou os remos e saltou à
água para empurrá-lo até a praia. Agarrou o braço de Enid e a fez levantar.
— Vamos, moça, veem aqui e salta à agraciada terra da ilha de Mull.
Na escuridão, ela avançou entre as redes e os banquinhos.
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— Quando descobri a verdade, eu falei. Eu disse que não era sua esposa.
— Quando levávamos dois meses vivendo juntos. Depois de uma noite
fodendo tão bem como nunca fiz em minha vida!
Escandalizada por sua rudeza, ela balbuciou:
— É... é um bárbaro!
— Eu poderia te chamar algo pior. Está me pedindo que acredite que não
reconheceu a seu marido?
Paciente? Acreditou ela que podia ser paciente? Não quando lhe falava em
semelhante tom.
— Passaram nove anos desde a última vez que vi Stephen, e quando
cheguei ao imóvel Blythe tinha uma barba espessa, meia cara enfaixada e,
quando lhe tiramos as ataduras, a face cheia de cicatrizes.
— As ferida se curaram de todo durante o último mês.
— Não sei que aspecto tinha antes, mas suponho que sua família ficará
desconcertada ao ver a mudança que sofreu. Como me ocorreu quando
acreditava que era Stephen!
— Mal nos parecemos, ele e eu — replicou ele, se ajoelhando.
Enid o ouviu procurar algo... supôs que estava revolvendo o interior da
bolsa.
— Uma semelhança suficiente. Os olhos eram idênticos, e durante várias
semanas, te ver abrir esses formosos olhos era tudo o que importava. Quando
despertou, estava acostumada a você e não pensei... bem, você o disse então
que pensei que era prudente.
— Me disse que não estamos casados depois que nos atacaram no trem!
— Pôs uma manta sobre os ombros dela. - Era um pouco tarde para essa
confissão.
Ela se amassou no grosso tecido de lã.
— Não preciso jurar.
— Jura! — Ele elevou a voz. — Deveria me pedir que não a estrangule e
deixe seu corpo abandonado na areia.
Isso não a preocupava.
— Suponho que assim fica cancelado o do sangue em minhas veias e a
medula de meus ossos.
— Maldita seja, mulher, não é minha esposa!
Ela também elevou a voz.
— Não soube até depois do incêndio!
As ondas rompiam na borda, um grilo chiava na noite, e MacLean
guardava silêncio.
Ela confiou em que isso significasse que estava pensando.
— Quando estava a meu lado? — inquiriu ele, com muito mais calma.
— Sim! — respondeu ela. Em efeito, estava pensando.
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— E você? — Enid atou a manta a seu redor como se fosse uma capa. — O
que estava fazendo na Crimea?
— Procurava a meu reprovado primo Stephen. Como a convenceram que
deveria cuidar de mim?
— Me disseram que Stephen sofrera umas horríveis lesões e que estava
morrendo, então que eu...
— Foi com a esperança de herdar? — disse MacLean em tom zombador.
— Estou farta que me considere uma mercenária — replicou Enid com os
dentes apertados.
— Mercenária? Você? A órfã que se casou com meu primo? Me responda a
isto, Enid... lhe pagaram para cuidar de mim?
Ela viu a armadilha, mas já estava tão fatigada que não lhe importava. Ele
já tomara sua decisão.
— Sim, muito.
— Pagaram o suficiente para me seduzir quando pensei em partir?
Enid reteve o fôlego. Sim que lhe importava, pois do contrário o desdém
daquele homem não teria sido como uma punhalada.
— Bastardo — sussurrou.
— Se lembro corretamente, a bastarda é você.
Ela encaixou o golpe baixo. Não era a primeira vez que a chamavam
bastarda, e podia superar isso. E certamente o superaria se lhe dizia que era
uma puta. Inclusive esperou pela metade do tempo o ouvir dizer tal coisa.
Não esperou sangrar e morrer, não por causa dos insultos de um homem
ao que ela se negava a amar. Com a voz um pouco entrecortada, perguntou:
— Devo ficar na praia e ir ao porto pela manhã? Estou segura que poderei
conseguir que um pesqueiro me leve a costa.
Ele a rodeou com o braço, um movimento tão rápido que poderia ter sido
o de uma serpente ao apanhar seu primeiro alimento do dia.
— Não vai se liberar disto tão facilmente, moça. Veio até aqui, e pode
enfrentar aos MacLean com seus pecados patentes na cara.
Capítulo 20
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sua esposa! Sim, recuperou suas velhas lembranças, mas também tinha outras
recentes. Recordava ter vivido com Enid, falado com ela, recordava que cuidou
dele, o ajudou, brincou e discutiu com ele. Sabia que era mordaz, conhecia sua
esplêndida risada e sua maneira de bocejar pouco antes de dormir.
Sabia o aspecto que tinha nua.
Fora sua mulher, e queria que seguisse sendo.
Ela caminhava a seu lado, igualando não só os longos passos de MacLean
mas também sua irritação.
— Fui cuidar de meu marido porque era meu dever. O senhor Kinman
pareceu escandalizado que não me importasse o que lhe acontecera. A
senhora Halifax insistiu em que corresse a seu lado... ao lado de Stephen... e
me comportasse como uma esposa decente e humanitária. E o fiz. Fiz que
retornasse da beira da morte, porco ingrato, e não o esqueça.
— Porque a pagavam!
— Poderia ter te deixado morrer e de todos os modos me teriam pago, e
assim teria economizado dores de cabeça e os pés feitos como pedaço de
carvão vegetal além disso.
Condenada mulher. Não se dava conta de que o ferira no mais vivo? Lhe
confundira com Stephen! Com seu inútil e depravado primo Stephen. Não foi
capaz de distingui-los.
— Me honra que não me matasse para receber a herança.
— A herança? Stephen nunca teve um urinol no que mijar nenhuma janela
pela que jogar a urina, e quando me abandonou a única coisa que me deixou
foram dívidas. Eu não tinha nenhuma razão para acreditar que desta vez seria
diferente. E, certamente, sabia que de você não ia receber herança alguma,
poderoso senhor do castelo. Isso o deixou perfeitamente claro na carta que me
enviou durante a feliz ocasião de meu casamento.
Ele recordava essa carta. Ficou furioso com Stephen por se casar com uma
mulher de classe inferior à sua. Quando sua tia Catriona se lamentou por seu
pobre e crédulo filho, MacLean recordou a suscetibilidade de Stephen às
adulações, e por isso imaginou Enid como uma mulher sedutora e oportunista.
— Stephen não a abandonou. Você o abandonou quando não pôde te
proporcionar a boa vida que esperava do sobrinho de um lorde.
— Certamente Stephen te disse isso.
— Assim foi. — A honestidade o impulsionou a acrescentar. — Suponho
que mentia para salvar a cara.
— Suponho que sim — replicou ela em tom sarcástico. — Tive um marido
MacLean. Não quero outro. De modo que, por favor, não se preocupe se por
acaso, depois de nossa intimidade, tenho más intenções com respeito a você.
— Disse a si mesma que não deveria negar seu interesse com tanto
empenho. Em um tom mais suave, inquiriu: - Então estou certa. Stephen
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— Não posso acreditar que por fim o tenha conseguido, velho cabeça de
vento!
O forte acento escocês de Graeme era o som mais doce que jamais
MacLean ouvira.
— E te encontrar aqui, em terras dos MacLean, quando o surrei uma e
outra vez o traseiro e te disse que voltasse correndo com mamãe! — Kiernan
soltou Enid e, a sua vez, deu uma palmada ao jovem.
— Como está, Graeme?
— Bem, se tivermos em conta que passei todas as frias noites esperando
para te ajudar a voltar mancando a casa. O que esteve fazendo todo este
tempo? Gemendo como uma donzela por sua delicada cútis?
Enid interveio então e mentiu sem o menor escrúpulo.
— Não fez nada mais que se queixar. Primeiro o incomodava o calor, logo
o frio, então lhe doíam os pés, a seguir se queixava de que tinha fome.
O assombro manteve Graeme mudo.
— Sabe como pôr a prova minha paciência, mulher! — exclamou MacLean
no tom que empregava para dar seu parecer com arrogância.
— Assim espero, pratiquei o bastante. — Enid se apoiou no tronco de uma
árvore. — Estamos perto do castelo?
— Sim, senhorita — se apressou a responder Graeme. — Nos disseram que
uma dama viria com MacLean, mas ninguém nos disse que seria tão
encantadora.
Isto significava que ninguém lhe havia dito que ela beliscaria a cauda do
leão dos MacLean. Com sua insolência já demonstrara o que valia e passado da
posição de zero à esquerda a de uma mulher importante.
E se apoiava em uma árvore, sinal que estava debilitada pela fome.
Rodeando-a de novo com o braço, MacLean reatou o caminho para o
castelo.
— Não comeu nada desde o café da manhã, que foi bem pouca coisa.
— E não gosta que falem dela como se não estivesse presente, da mesma
maneira que não gosta que a levem daqui para lá como se fosse um pacote! —
disse bruscamente Enid.
— Quando lhe ladra o estômago se volta um pouquinho colérica —
explicou MacLean.
— Qualquer mulher que caminhou através da Escócia pode ser tão colérica
como deseje. — Aquele condenado tolo do Graeme parecia respeitoso — Quer
que a leve nos braços, senhorita?
— Não, não quer — respondeu MacLean.
— Ah. — O jovem retrocedeu um pouco, e MacLean teve a certeza de que
sorria satisfeito. — É por aí por onde sopra o vento?
— Não! — respondeu Enid.
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Capítulo 21
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criado, que ofereceu a Graeme uma jarra de cerveja. — Lhe agradeço isso.
Enid piscou enquanto olhava bem à mãe de MacLean. Era alta como ele,
mas aí terminava toda a semelhança. O gosto pela excentricidade poderia
explicar o charuto aceso que tinha entre os dedos, mas nada podia explicar sua
indumentária, os cosméticos, o aspecto indecoroso de uma mulher que devia
ter... pelo menos quarenta e cinco anos.
Era evidente que desprezava tanto o espartilho como as anáguas, e usava
um vestido mais apropriado à época de sua juventude que na moda atual e
mais escandaloso que de bom gosto. O tecido diáfano estava recolhido sob os
seios e lhe chegava reto aos pés, sem o obstáculo de nada tão decoroso como
um objeto interior. Em efeito, quando lady Bess passou ante a luz, Enid
distinguiu a silhueta de seus objetos, e o tecido se prendia a lugares onde não
deveria fazê-lo absolutamente. Pelo menos para manter a correção.
A mulher se aproximou de seu filho.
— Depois de uma ausência tão longa e toda esta animação, dará um
abraço a sua pobre e preocupada mãe?
— É obvio, senhora.
MacLean a abraçou, mas com uma ausência de afeto que a Enid pareceu
abominável. Então, desviou sua atenção do desagradável bruto e foi examinar
a Graeme. Um jovem criado sustentou um candelabro para lhe iluminar. Ela o
agradeceu com um sorriso.
Quando Graeme abriu a boca para falar, Enid notou uma acre baforada de
uísque.
— Estou bem, senhora. Não é mais que um arranhão.
— O arranhão está sangrando, e tem a roupa empapada em sangue. —
Enid jogou o cabelo dele para trás e examinou a brecha aberta no couro
cabeludo. — Curará melhor se lhe costurar isso.
Graeme pareceu alarmado até que MacLean se aproximou de seu outro
lado.
— A deixe fazer, homem — disse. — Conseguirá que tenha bom aspecto.
— Ela faz milagres, então? — inquiriu em voz rouca um dos escoceses
vestidos com saias.
Outro acesso de risadas saudou sua ocorrência.
— Não descansará até ter se convencido de que fez por você todo o
possível. — MacLean permanecia junto a Enid, reforçando a autoridade da
jovem. — Então fique quieto, Graeme, e aguenta o mal-estar como um homem.
Um homem vestido com o rude traje de um lenhador disse então:
— Se o aguentar como um homem, saberemos que, em efeito, esta
senhora faz milagres!
Desta vez as risadas se intensificaram, mas agora Enid compreendeu o
que ocorrera. Mesas e bancos estavam derrubados na sala, e alguns homens
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Seguido pelo cão, que lhe tocava a mão com o focinho na menor
oportunidade, MacLean foi ao encontro dos homens reunidos. Entre um e outro
ponto, Enid o olhava de esguelha. Ele sorria e estreitava mãos. Mais importante
ainda era que as pessoas faziam fila para lhe dar palmadas nas costas, lhe
sorrir, trocar uma palavra com ele.
— Ah, que bom lhe ter de volta — disse Donaldina, ainda ao lado de Enid,
com outro pedaço de linha cirúrgica preparada. — Sentimos falta do moço. É
um homem bom, ajuda quando há um problema, e em um imóvel do tamanho
deste sempre há um problema em alguma parte.
Enid esteve certa quando disse a MacLean que não deveria ter acreditado
no que Stephen contou dela; agora compreendia que ela não deveria ter
acreditado nas afirmações de Stephen sobre seu primo.
A gente de MacLean o adorava.
E isso não era engraçado. Era muito melhor acreditar que a carta cruel
que ela recebeu do primo de Stephen foi uma amostra da malevolência geral
de MacLean, e não que estava dirigida concretamente a ela.
Não obstante, aquela noite, no bosque, lhe chamou bastarda. Talvez
inclusive o tivesse dito a sério, posto que não era um homem cruel. Mas era
certo. Ela era uma bastarda inglesa empobrecida, e os bastardos não se
casavam com os nobres. Devia ter isso em mente.
— Pelo aspecto de sua cara, o senhor teve muitos contratempos desde
que partiu — seguiu dizendo Donaldina. — Você também lhe costurou as
feridas?
— Não, as costuraram antes que me chamassem a seu lado.
Donaldina ficou nas pontas dos pés e estirou o pescoço para ver o que
Enid fazia.
— Bom, isso explica as cicatrizes. Você é... você é maravilhosa dirigindo
essa agulha.
— Obrigado. — Enid terminou de costurar a ferida e deu umas palmadas
no ombro de Graeme. — Bom, já está.
Graeme se levantou e fez uma inclinação de cabeça.
— Obrigado por sua amabilidade, senhorita. Se posso fazer algo por você,
só tem que me chamar.
— Obrigado, Graeme — replicou ela, lhe devolvendo a reverência. — O
terei em conta.
Certamente, ela tinha motivos para acreditar que necessitaria toda a
ajuda que pudesse encontrar na remota ilha de MacLean.
Ao ver que Enid estava livre, lady Bess lhe disse:
— Venha e sente comigo, senhorita. Vamos falar você e eu.
Enid desejava comer, mas era uma convidada, alguém que despertara a
curiosidade de todos. Então, se dirigiu à cabeceira da mesa, seguida por uma
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donzela que levava uma bandeja com comida, o moço provido das velas e
Donaldina.
Lady Bess contemplou o desfile.
— Você tem todo um séquito.
Enid se negou a permitir que a mãe de MacLean a pusesse nervosa. Ao fim
e ao cabo, piores coisas lhe aconteceram que ser interrogada pela senhora da
casa familiar e os acontecimentos daquela mesma noite.
— Deixa a bandeja na mesa, por favor — disse à donzela, e se dirigiu ao
moço: — O fez muito bem, obrigado.
Donaldina se sentou no banco à direita de lady Bess, algo que para Enid
pareceu raro, se tratando de uma governanta. Mas posto que lady Bess não
encontrava nisso nada fora do comum, a jovem se acomodou no banco à
esquerda da dama.
A princípio, Enid se concentrou na comida, e descobriu que, assim que
terminava uma coisa, apareciam três mais na bandeja, cada uma mais
apetitosa que a anterior. Saciada por fim, teve que jogar o corpo atrás e
rechaçar com um gesto da mão os novos aprimoramentos que lhe ofereciam.
Lady Bess a esteve observando com atenção.
— Você tem muito bom apetite, isso é evidente. Me alegro de ver que não
é uma dessas raparigas modernas que sacrificarão uma refeição para manter a
cintura fina.
— Depois da semana que passei, minha cintura é tão fina como não o será
jamais — comentou Enid.
— Mmm... — Lady Bess depositou a cinza de seu charuto em um cinzeiro e
sorriu. — Sim, a meu filho não importa a finura de uma cintura.
Irritada pelas injustificadas hipóteses que todo mundo parecia estar
fazendo, Enid replicou:
— Para mim é indiferente o que importe a MacLean.
— Seriamente? — Lady Bess fez um gesto para ele.
MacLean parecia relaxado como nunca o vira até então. Estava entre um
grupo de homens, fazendo oscilar um morango enquanto falava. Os homens
soltavam gargalhadas, inclusive Jackson, a quem ela considerou um camareiro
muito insípido. Ao que parecia, Escócia o animou... da mesma maneira que
assustou ao senhor Kinman, que seguia a MacLean como se estivessem
colados.
Quando se abriu a porta exterior entraram dois homens e se aproximaram
de MacLean, sacudindo as cabeças.
— Vá, que lástima, não encontraram nada — disse lady Bess, e exalou um
suspiro. — De todos os modos, é magnífico que Kiernan esteja de volta. Eu levo
as rédeas bem até que os homens brigam, e então desejo golpear a cabeça de
um com a de outro até que ressoem. Kiernan é capaz de escutar suas
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entrasse em contato comigo, mas que ela não podia pedir à garota que
voltasse para casa.
— A garota é uma mulher — disse ele.
Se inclinando por cima da mesa colocou uma rainha vermelha sobre um
rei negro.
Lady Bess lhe deu uma ligeira palmada na mão.
— Não parece que esteja em perigo. Lady Bucknell a informou do
paradeiro de Caitlin?
— Está na Nação Ilhoa de Rasnull. Enviei um mensageiro em sua busca
quando me inteirei que estava vivo. Talvez a notícia faça que volte para casa.
— Sim. — Ele voltou a acariciar o queixo e disse em voz baixa. — E talvez
fique onde está e encontre aí a felicidade.
A umidade fez brilhar os olhos de lady Bess.
— Kiernan!
Lhe disse pela primeira vez o que ambos sabiam.
— Minha senhora mãe, aqui não pode se sentir satisfeita. Por muito que
tentemos protegê-la, todo mundo sussurra sobre o escândalo e ela se inteira.
— Sei. — Lady Bess riu sem humor enquanto refletia em seu próprio
escândalo. — Sei.
"Mas você merece os sussurros e a calúnia."
Não o disse, porque também Caitlin merecia os sussurros e a calúnia. Foi a
filha mimada do clã MacLean, e sacrificou seu bom nome gratuitamente por
uma víbora, um canalha, um homem a quem ele desejou como a um irmão.
— Então, no momento, suporemos que Caitlin está bem. — Lady Bess
pegou as cartas, as baralhou de novo e voltou a distribuí-las.
— Adquiriu uma grande prudência. — Parecia séria, e então lhe sorriu,
zombando dele a sua velha e familiar maneira. — Um homem tão prudente
como você deve reconhecer que chegou o momento de se casar.
MacLean jogou lentamente o corpo para trás.
— Você acredita?
— Me encarregar de tudo enquanto estava ausente me demonstrou que
sou muito velha para a carga que representam semelhantes responsabilidades.
— Não é tão velha — replicou ele.
E não o era. Trouxe-lhe para o mundo quando ela mal tinha dezesseis
anos, e não recordava época alguma em que sua mãe não lhe tivesse parecido
uma mulher formosa. E também uma mulher extravagante e corpulenta com a
que resultava difícil viver e que frequentemente o sobressaltava.
— Bom, você quase o é. — A mulher sacudiu a cabeça enquanto olhava as
cartas e as recolheu uma vez mais. — Não há muitas mulheres que queiram se
casar com um velhote como você, sobretudo um que não foi domado por uma
primeira esposa.
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— Pensou em alguém?
— Deixemos de jogos, filho. — Lady Bess golpeou a mesa com o baralho.
— Esta noite deixou bastante claro seu interesse por Enid.
— Não a incomoda que seja a esposa de meu primo?
— A viúva de Stephen, e não há dúvida que ela não é nenhuma das coisas
terríveis que ele disse que era. Mentiu para satisfazer Catriona. — O lábio de
lady Bess se curvou com a careta de desprezo que sempre fazia ao se referir à
tia de Kiernan. — Catriona jamais admitiria a outra mulher na vida de seu filho.
MacLean recordou como Catriona o afastou bruscamente quando ele
tratou de consolá-la pela perda de seu filho. Aquela mulher adorou Stephen
com um ardor fanático. O certo era que inclusive com sua morte os desonrou.
— Sei — replicou, procurando a mão de sua mãe. —- Então... você gosta
de Enid?
Lady Bess lhe apertou os dedos.
— Se case com ela, me dê netos e a adorarei.
MacLean notou que a emoção começava a lhe embargar. Deveria lhe ser
indiferente o que sua mãe pensasse. Deveria possuir Enid e fazê-la sua
esposa... aspirou fundo. Ah, então esse era seu plano.
Devia fazer Enid sua para se casar com ela.
— Fará o que te digo? — perguntou lady Bess.
E ele queria que lady Bess gostasse de Enid. Era evidente que gostava,
pois de outro modo aquela mulher que não tinha cabelos na língua teria
expressado com claridade seus sentimentos.
— Verá, nestes momentos para Enid não resulto muito simpático.
— Não é que você já tenha se incomodado em fazê-lo, mas poderia
cortejar à garota. — Ao mesmo tempo que se levantava, o fez se sentir ridículo
com seu sorriso. — Se necessitar conselho, me peça.
— Não o farei.
—Nunca pedirá conselho a sua velha e perversa mãe. — Tocou-lhe a face.
— Tão tolo é.
MacLean a contemplou enquanto ela cruzava a grande sala para seu
dormitório, atraindo os olhares de todos os homens sãos ainda acordados.
Condenada mulher. Zombava dele, e em cada ocasião ele respondia com
uma provocação instintiva. Sempre o provocava, sempre ria dele depois e ele
sempre se sentia como o tolo que ela dizia que era. Não, um tolo não... um
menino, arreganhado por sua mãe porque não vira a verdade. Mas ele
conhecia a verdade a respeito dela... não era certo?
MacLean foi à lareira e se sentou em uma das cômodas poltronas. Estava
cansado, tanto que cambaleava, mas percorreu com o olhar o círculo de
cavalheiros ingleses e lhes disse:
— Recuperei a memória. — Ao ver a expressão de surpresa de todos eles,
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Capítulo 22
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esparramado de bruços.
Enid chiou e agarrou a nova bata de brocado cor de vinho tinto e vermelha
que estava sobre a cadeira. Pondo o objeto diante dela, como um escudo,
olhou com atenção para MacLean e chegou à conclusão que não se machucara,
pois aterrissara sobre um tapete muito macio. Vestia a mesma roupa que usou
durante toda a viagem pela Escócia, e era evidente que bebera muito.
Provavelmente lhe doía a cabeça e era sensível à luz.
Ela se aproximou das janelas e abriu os cortinados.
E também era sensível aos ruídos.
— Não é meu marido — gritou. — Sai daqui!
MacLean a surpreendeu ao se levantar e olhá-la, pensativo e com os olhos
entrecerrados.
— Esta manhã tem muito melhor aspecto. — Agitou uma mão ante sua
cara. — Ontem à noite estava cansada e tinha a boca contraída e rodeada de
rugas.
Ela se sentiu meio insultada, meio divertida, meio desesperada... eram
muitas metades, mas nunca se dera bem com a aritmética.
— Que velhaco com bico de ouro parece. Anda, saia.
"Saia porque está muito bem inclusive coberto de sujeira e com aroma de
uísque."
— Quererá saber o que está ocorrendo... — deu uns leves golpes nos
lábios. — Sabe que passei a noite falando com os ingleses?
Enid se voltou para ele e vestiu a bata.
Ele não pareceu reparar no soberbo aspecto que embainhou no luxuoso
objeto.
— Disse a eles tudo o que recordava.
Ela se aproximou da porta, agarrou o trinco e apontou para fora.
— Fora.
— Mas foi muito interessante. Precisamente quando chegava a melhor
parte, não sabia nada!
Ela deixou de apontar a saída e o olhou com fixidez.
— O que quer dizer com isso de que não sabia nada?
— Será melhor que feche a porta. — Impôs silêncio com um empenho
extravagante. — Isto é segredo. Não devo dizer a ninguém.
- Pois está me dizendo isso.
— Falaria até mais. Durmo com você.
Por que alguma vez considerou aquele homem atraente? Abriu mais a
porta.
— Não, nada disso. Fora.
— Não consigo recordar a explosão.
Ela titubeou. Jogou uma olhada ao corredor para se assegurar que
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ninguém podia lhes escutar e voltou a olhar ao homem desalinhado que lhe
dizia tais coisas com toda naturalidade.
— A explosão que matou Stephen?
Ele assentiu.
— O que você recorda?
— Lembro que fui para a Inglaterra em busca de Stephen, pois suspeitava
que estava com más companhias. Isso era muito próprio dele. Ali encontrei
Throckmorton. Este me enviou a Crimea, onde se encontrava Stephen, e
então... — MacLean sacudiu a cabeça, entristecido. — Nada, não recordo nada.
A ela não deveria importar. Não deveria se preocupar pela segurança de
MacLean nem por aquela intriga, mas ela se viu envolvida e sentia curiosidade.
— Acredita então que quem tentou te matar na Crimea trata de consegui-
lo agora?
— Certamente.
— Acredita que o seguiu até aqui? É uma enorme distancia.
— Por que não? Viajar de trem é fácil, e se ele pode me silenciar antes que
possa lhe descobrir, estará a salvo. — MacLean se deixou cair em uma delicada
cadeira com tal brutalidade que a madeira produziu um rangido.
— Harry quase me abateu.
— O que? — Ela desistiu em sua atitude e fechou de uma portada. —
Quando?
— Já conhece Harry. Alto, moreno. — MacLean imitou um franzimento de
cenho feroz. — Sempre sério.
— Sei o que quer dizer, e suspeitava há muito tempo que ele era o
assassino.
— Não, não, não. Ele não. Chegou ontem à noite muito depois que todos
os outros, e tinha um fuzil. - MacLean tossiu como se lhe ardesse a garganta.
Enid foi à mesinha de noite, verteu água em um copo. Os hábitos
arraigados não desaparecem com facilidade.
— Por que Harry tinha um fuzil?
— Kinman e eu estivemos falando do tiroteio. Recorda os disparos de
ontem à noite?
Ela desejava lhe sacudir para que fosse ao ponto. Mas em vez de fazer
isso, estendeu o copo de água.
— Lembro os disparos.
Ele a olhou com os olhos debruados de vermelho e lhe tocou a bata.
— Que bata tão bonita. Vestiu isso para mim?
— Não. Bebe água. — Pôs bruscamente o copo na mão dele.
— Não — replicou ele, com um olhar de luxúria ridícula por seu exagero. —
Para mim não usaria nada.
Ela girou sobre seus calcanhares e se dirigiu à janela.
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— Muito bem feito. Assim terá que ser! — disse Enid em tom sarcástico. —
Provavelmente essa é a razão de que nunca teve necessidade de dinheiro.
— Se equivoca, como de costume. — Ao que parecia se tornou o bastante
sóbrio para lhe devolver o sarcasmo.— Os distúrbios de quarenta e cinco
golpearam duramente a minha família.
Enid supôs que os MacLean estiveram envolvidos no inútil levantamento
do século anterior.
— Os MacLean se recuperaram depois. Quando meu pai morreu não
deixou nada exceto as terras e o castelo, e nos consideram os afortunados com
essas posses. Necessidade de dinheiro? Claro, tinha quinze anos e estava
furioso.
De repente Enid compreendeu a verdade. Uma verdade tão evidente que
MacLean precisava ter sido cego para não vê-la.
Cego... ou embargado pela dor e a decepção de um jovem de quinze anos.
— Espera, espera. — Apertou-lhe os dedos para que atendesse. — Está me
dizendo que sua mãe se casou com um velho decrépito por dinheiro. Está me
dizendo que fez isso para se livrar de suas responsabilidades aqui, no castelo
MacLean, para viver a boa vida na Inglaterra enquanto você lutava, tratando
de sobreviver com uma renda miserável. Está me dizendo que, depois da
morte do mercador, retornou com a fortuna te deu na palma da mão, te deu
isso na íntegra, te disse que era muito preguiçosa para se ocupar dela, e agora
nunca sai da ilha de Mull. É isso o que me está dizendo?
Ele endireitou os ombros e a olhou com uma gélida franqueza.
— Sim.
— E atribui suas ações ao egoísmo? — Enfurecida, sacudiu a mão até a
liberar da de MacLean. — Deveria sabê-lo, ingrato, porco egoísta. Sua mãe
arrumou as coisas de modo que não tivesse que se casar com alguma
asquerosa herdeira para salvar seu imóvel!
MacLean entrecerrou os olhos verdes.
— Isso não é certo! — replicou ele com um grunhido.
Ela sacudiu o ar com as mãos.
— Não me fale. Se não pode se dar conta de que deveria amar a sua mãe
só pelo fato de sê-lo, muito menos por ser uma boa mãe... não só está bêbado
mas sim também é estúpido!
Ele ficou em pé. Parecia muito mais sóbrio.
— Ninguém mais pensa como você.
— É isso o que influi em você? O que pensem os outros? — Enid se
aproximou e agitou um dedo ante sua cara. — Posso te assegurar que todo
mundo sabe o que fez sua mãe. Pergunte a Donaldina o que pensa.
— Donaldina foi a babá de minha mãe — replicou ele, como se isso
explicasse tudo.
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Capítulo 23
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Ela evitava lhe olhar a todo custo, mas sabia sempre que ele estava ali
sentado, com o traje tradicional escocês, meias de lã tecidas à mão e seguras
com ligas sob os joelhos, sua preciosa bolsa, atada à cintura, e uma saia
escocesa que permitia ocasionais e imponentes vislumbres de suas musculosas
coxas... e mais acima.
Enid suspirou. Isso explicava por que lhe custava tanto descer a sala para
jantar. Durante quatro dias encaixara aquele constante e fatigante escrutínio, e
começava a derramar coisas, a se esquecer do que acabava de dizer, a
ruborizar sem nenhum motivo. Aquela situação a estava afetando
negativamente. Disse a si mesma que oxalá ocorresse algo. Oxalá o malvado
se revelasse! Mas embora nenhum dos homens estivesse disposto a falar da
situação com ela, pois não queriam transtornar sua delicada sensibilidade
feminina, ela sabia que deviam estar sopesando a probabilidade de que seu
criminoso partiu com os guardiães ingleses.
Quanto tempo demorariam para declarar MacLean livre de risco e a ela em
condições de voltar para casa? Às vezes se perguntava se MacLean a mantinha
ali pelo prazer de atormentá-la. Sabia onde estava seu dormitório, e embora
ela agora passava a chave na porta, ele podia obter a chave. Estava decidida a
impedir que se deitasse com ela. Mas como desejava evitar essa prova!, pois
de noite seu corpo desejava o contato de MacLean. Quando dormia, sua mente
errava com ele pelas colinas escocesas, e sempre encontravam uma choça em
um lugar onde não soprava o vento e o sol esquentava, e faziam amor
enquanto as montanhas lhes sussurravam sua aprovação. Imaginava que,
desde alguma parte do castelo, MacLean lhe enviava pensamentos de desejo,
e parecia como se cada noite lhe ordenasse com crescente vigor que se
reunisse com ele.
Por isso imaginava que alguém a observava. Sempre confiava em que
fosse MacLean.
Com as mãos enlaçadas à costas, avançou de novo pelo longo corredor
com as paredes lotadas de retratos de senhores mortos muito tempo atrás, de
seus cães, seus cavalos e suas esposas. O retrato do extremo a atraía em
particular, a pintura em que aparecia o último senhor com sua esposa, lady
Bess, seus filhos, Kiernan e Elizabeth, lady Catriona... e Stephen. Enid
contemplou aos dois moços, um ao lado do outro, como se fossem amigos.
Stephen era mais velho que Kiernan, tinha dezessete anos e seu primo onze,
mas Kiernan já o superava em altura e largura dos ombros.
O artista inclusive captara o encanto que Stephen cultivava e a áspera
impaciência de Kiernan ao se ver obrigado a permanecer quieto. Dois MacLean,
criados juntos mas tão diferentes.
— Era arrumado, não era? — disse uma voz feminina entrecortada ao lado
de Enid.
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— Não sou escocesa e, portanto, não estou sujeita a suas leis arcaicas.
Lady Bess riu de boa vontade.
— Sim que está, querida, mas isso não se questiona.
— Não, o que se questiona é minha capacidade para levar minha vela —
replicou Enid com aspereza, — e o fiz perfeitamente durante quatro noites
seguidas. Posso voltar a fazê-lo esta noite.
— De todos os modos a acompanharei — disse MacLean com uma
segurança inflexível.
Se lhe respondia que esteve de brincadeira, que na realidade não ia à
cama, isso só teria servido para postergar o inevitável. Ao final, ele a
acompanharia. Posto que conhecia sua teimosia, sabia que era inútil seguir se
opondo. Mas a escoltaria somente até a porta do dormitório. Ela tomou a firme
decisão de que fosse assim.
De modo que sorriu, uma careta breve e tensa, sem efusão.
— Como deseja, meu senhor — replicou, e se encaminhou à escada. Ele
começou a segui-la. Enid se deteve. — Esqueceu da vela, MacLean.
Ele franziu o cenho, e Enid esperou que ele dissesse que não queria se
incomodar pela condenada vela. Mas quando uma sorridente criada lhe
ofereceu uma só vela acesa em uma palmatória, ele a aceitou e seguiu Enid
escada acima e pelo corredor dos retratos.
— Você gosta do castelo? — perguntou MacLean.
Enid piscou e se perguntou por que importava a aquele homem o que ela
pensasse.
— Sim, eu gosto muito. Aqui o peso da história resulta entristecedor.
— Cinquenta gerações de MacLean tiveram seu lar neste afloramento
rochoso. O primeiro dos MacLean chegou aqui com a maré e se estabeleceu no
primeiro lugar que o permitia se defender. Nunca partimos. — Como se lhe
tivessem secado as palavras, MacLean deixou de falar.
Mas aquela noite dissera mais coisas que nas quatro anteriores, por isso o
estimulou a seguir.
— O castelo é tão grande que nem sequer sei quantos níveis tem.
— Quatro. — MacLean pigarreou. — Quatro níveis. Uma multidão de
senhores do clã foram acrescentando partes ao castelo, O edifício original era
de madeira, com um fosso, pensado para lutar contra ingleses e vikings. Logo o
castelo se reconstruiu em pedra, com torres ameadas das que se podia vigiar a
terra e o mar.
Graças a sua estadia ali, agora Enid podia entender melhor a ilimitada
arrogância dos MacLean. Ou chamá-la como o que realmente era: sua
presunção.
Embora ele somente parecia prestar atenção à vela, perguntou-lhe:
— Por que sorri?
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Ela não percebeu que estava sorrindo, mas não tencionava lhe provocar.
— Então os MacLean repeliram ao inimigo durante todos estes anos?
— Sim... mas as mulheres MacLean também se saíram sempre com a sua.
Por isso há certas esculturas...
Mostrou uma cena de batalha esculpida em uma tábua de nogueira e
pendurada no meio do corredor. Enid examinou a imagem de uma decapitação,
do sangue que brotava, de inimigos arrastados sob um cavalo.
— Muito feminino — comentou.
— Que sarcástica é. De acordo. — Em um tom beligerante, disse: — O que
me diz disso? Um vaso.
Um vaso chinês da dinastia Ming sobre um pedestal de mármore.
— Incrivelmente formoso.
— Nenhum varão MacLean o comprou. — MacLean apontou o vaso com
um gesto da cabeça. - Alguma esposa MacLean o quis ter e seu marido não
pôde se negar.
Enid conteve seu regozijo.
— Suponho que isso explica também os tapetes e as tapeçarias.
— Sim, em efeito. Os varões MacLean não apreciam a beleza, mas mimam
sem cessar a suas mulheres.
— Então suponho que normalmente se casam com mulheres feias.
— O que? Não! —- A olhou fixamente. Seu olhar se suavizou. Sua voz se
converteu naquele ronrono adulador que estremecia a espinha dorsal de Enid.
— Não, os varões MacLean reconhecem a beleza em suas mulheres, e quando
encontram a seu verdadeiro amor, não veem beleza em nenhuma outra.
O sorriso afetado de Enid desapareceu de improviso. O comentário de
MacLean sobre o castelo era algo mais que a torpe tentativa de um homem de
entretê-la. Estava mostrando interesse por ela. A estava cortejando.
— Parece um tanto pasmada, moça —disse ele com um sorriso satisfeito.
— Está bem?
— Estou bem, obrigado — replicou ela, mas em um sussurro.
A estava cortejando.
Mas não era isso. Ela se equivocava.
Estava lhe apresentando seu lar como uma jóia em uma bandeja de prata.
Entretanto, disse de maneira terminante que era uma mercenária indigna
de lhe lavar os pés. A chamou de bastarda. Perguntou se Throckmorton pagou
para que se deitasse com ele.
Mas pediu desculpas. Enid esfregou a testa. Aquilo não podia estar
acontecendo. Antes foi desventurada, agora se sentia presa do pânico,
atemorizada, quase doente pela necessidade de se pôr a correr até que não
pudesse mais. E por quê? Tudo o que devia fazer era se negar. Não havia
armadilhas ocultas, ela conhecia todas. Pisara em todas.
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"permitem" vestir nossos tartãs e nossas saias, e estes objetos estão se pondo
de moda entre os ingleses aos que visito. — MacLean se aproximou mais a ela.
— Alguns diriam que a razão de que o escocês use saia é porque resulta mais
fácil elevá-la para as garotas. Quer que eleve a minha para você?
Lhe fizera uma pergunta inofensiva e, de algum jeito, ele fez que a
conversação avançasse por uns roteiros francamente escandalosos. E não é
que ela não se sentisse excitada. Cruzou os braços sobre o peito.
— Estou segura que debaixo veste algum tipo de objeto interior — disse
em um tom severo.
Ele franziu os lábios e fez um gesto negativo com a cabeça.
— É a tradição. Não quererá que rompa com a tradição, não é?
— Isso... é escandaloso!
E estava escandalizada de si mesma pelo número de vezes que
perguntara. Depois de o olhar com repugnância, reatou seu avanço pelo
corredor a grandes passo para se livrar dele quanto antes.
Foi em vão; MacLean a agarrou pelo braço, a obrigando a caminhar mais
devagar.
— Também eu tenho uma pergunta que fazer — disse. — Vivemos como
marido e mulher.
Segurava-lhe o braço contra seu flanco, e o calor que emanava dele a
excitava, tanto se queria como se não, e apressava os batimentos de seu
coração.
— Sim.
— Estivemos juntos durante mais de quinze dias e, segundo meus
cálculos, fizemos amor seis vezes.
— Talvez, não as contei.
Exatamente seis vezes.
— Então, devo te fazer a pergunta que qualquer homem faria a uma
mulher a que conheceu intimamente...
Ia pedir que se casasse com ele. Enid temia essa intimidade... essa
tentação.
— Não, por favor, não...
— Está esperando meu filho?
Ela ficou imóvel. A constatação de sua credibilidade a fez ruborizar. Queria
fechar os olhos e golpear a cabeça contra a parede... devido ao alívio, é obvio.
Se sentia aliviada. O mistério se resolveu. Ele insistira em acompanhá-la não
para lhe propor casamento, nem sequer para seduzi-la, a não ser para
descobrir se, por acidente, havia fecundado um filho.
E se ela seguia caindo rendida nos braços de MacLean, repetiria o engano
de sua mãe, teria um filho ilegítimo. Por alguma razão, durante aquele período
de confusão e viagem, nunca passou por sua mente a ideia de ficar grávida.
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Capítulo 24
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continha a bandeja.
— Uísque, Harry? — perguntou MacLean.
— Preferiria um bom borgonha.
MacLean lhe indicou a segunda taça.
— Pensei nisso.
Harry posou em MacLean o olhar de seus olhos escuros.
— Então recorda o que costumava beber na Crimea?
Enid sufocou um leve grito de surpresa. Assombrado, MacLean, que estava
a ponto de se sentar na banqueta de madeira aos pés de Enid, se deteve.
— Esteve na Crimea comigo?
A resposta de Harry pareceu uma ordem.
— Deve recordá-lo.
— Pois não recordo.
MacLean se sentou. A banqueta era baixa, dura e incômoda, mas ele era
muito consciente do quadro que formava com Enid, ele com o cotovelo apoiado
na cadeira da jovem. Ela tinha a MacLean suplicante a seus pés. Sem dúvida,
Harry compreenderia o simbolismo da imagem. E era evidente que Enid
também compreenderia. Não obstante, afastou as pernas dele.
Que diabos ocorria a aquela mulher?
— Confia em mim agora? — perguntou Harry, destacando a ferida.
Harry viu o cano do fuzil que alguém sustentava por trás dos cortinados,
lançou um grito de advertência e correu para o atacante. Sua ação lhe valeu
receber um tiro.
— Tem minha confiança. — MacLean indicou Enid. —Salvou a ela e a mim,
e ganhou a eterna gratidão dos MacLean.
— Não quero sua gratidão — replicou Harry com impaciência. — Quero que
recorde. Se dá conta do que está em jogo? Não só sua segurança e a da
senhora MacLean, mas também a de nossos agentes de serviço. O futuro da
Inglaterra. Tudo isso depende de sua memória.
MacLean sacudiu a cabeça.
— A viagem é brumosa a partir do momento em que parto da Inglaterra
até que ponho pé de novo na ilha de Mull.
Entretanto, não dizia toda a verdade. Tinha fragmentos de cor,
disseminados como lascas de cristal quebrado na mente. Mas quando tentava
recuperar as lembranças, sentia uns golpes de dor e suava.
Algo permanecia oculto em seu cérebro, provavelmente a identidade do
traidor, e temia que se desvelasse... pois o preocupava que fosse seu
inconstante primo. O preocupava que Stephen tivesse tratado de lhe matar e,
em vez de acabar com MacLean, este tivesse acabado com ele.
Enid, a seu lado, fazia girar o fuso, e um fio longo e desigual saía da lã que
tinha no colo. Embora parecia de todo concentrada em sua atividade, MacLean
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Capítulo 25
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— Não. Jamais suportaria que alguém mais cuidasse dele nestes seus
últimos momentos no castelo MacLean. Eu mesma o barbeei. Está preparado.
Não lhe falta nada exceto sua bolsa.
Esta noite me encerrarei com ela em meu aposento e chorarei sobre essa
última relíquia que tenho de meu filho e meu marido. Amanhã a depositarei
sobre o pobre morto para enterrá-lo com ela. O novo acesso de pranto fez que
Enid refreasse suas próprias lágrimas. Por alguma razão, aquele pesar era
contagioso. Embora soubesse que MacLean seguia perfeitamente bem no
andar de cima, não podia evitar que os pensamentos cruzassem por sua
mente.
E se ela soubesse que MacLean se foi deste mundo? Como poderia
suportar a ideia de que aquele homem, a quem salvara quando estava à beira
da morte, já não sorria, não mostrava seu excelente humor, seu engenho, seu
sarcasmo, sua arrogância? O que faria ela se não voltasse a vê-lo jamais?
Lady Bess se dirigiu lentamente ao lado de Enid.
— Tenho que te pedir uma coisa.
Decidida a representar bem seu papel, Enid enxugou uma lágrima
inexistente, e deu uns tapinhas na mão de lady Bess.
— O que você deseje, senhora.
— Quero que presida o luto.
A respiração de Enid quase parou.
— Pre... presidir o luto? Mas, senhora, eu não tenho nenhuma relação com
MacLean...
— O ama. Isso está à vista de todo o mundo. Cuidou dele durante todos
estes meses. Fugiu com ele através da Escócia para trazê-lo para casa. Merece
a honra.
— Eu não... não posso... — Enid dirigiu a seu redor um olhar cheio de
pânico.
Os escoceses assentiram, e uns poucos sorrisos abriram caminho através
das lágrimas.
O senhor Kinman e Jackson estavam cabisbaixos e com as mãos
enlaçadas, mas eles também assentiram.
Só lady Catriona se ergueu quão alta era, escandalizada.
— Isso é uma sugestão vergonhosa, Bess. Enid é a viúva de Stephen, e
não teve a decência de se vestir de luto por ele. Agora quer que ocupe seu
lugar no funeral de seu filho? Será que não tem nenhum sentido da decência?
Lady Bess entrou na refrega.
-—Se Enid soubesse que um homem como Kiernan vivia em qualquer
parte do mundo, o teria procurado até dar com ele. Se conformou com
Stephen, e agora merece ocupar seu lugar como a esposa que ele desejaria ter.
Enid tratou de intervir.
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Ia a seu encontro.
Seus pés descalços não produziam som algum enquanto avançava
apressadamente pelo penumbroso e deserto corredor para seu objetivo. A
porta deveria estar fechada com chave para evitar o possível descobrimento
de que MacLean estava muito vivo, mas o trinco girou facilmente. Ele a estava
esperando. Empurrou com suavidade a porta aberta, deslizou no interior do
dormitório e fechou atrás dela.
Deitado na enorme cama com os braços atrás da cabeça, MacLean a
observava com o rosto limpo de pós, da única fonte de luz do dormitório. As
cortinas azul celeste estavam corridas, deixando a noite do outro lado das
janelas. As paredes forradas de carvalho afogavam qualquer som procedente
dos demais quartos. O amplo tapete de suntuosas cores azul e rosa
emprestava ao dormitório um silêncio sobrenatural, um silêncio no qual Enid
ouviu sua própria respiração apressada.
A luz das velas deveria ter suavizado seu semblante, mas o certo era que
parecia tão severo e áspero como os escarpados que estavam ao outro lado de
sua janela. Os finos lençóis brancos abraçavam seu longo corpo. Só vestia uma
saia escocesa, por cima da qual seu peito se elevava em reluzentes ondulações
de músculo recoberto de encaracolado pelo loiro dourado. As velas jogavam
sombras através de suas feições curtidas e sulcadas de cicatrizes. Os olhos
verdes brilhavam com aquelas franjas douradas que semelhavam raios.
A esteve esperando, e sua resistência lhe produzira frustração e irritação.
— Fecha com chave — ordenou.
Descansava com a força em tensão de um grande felino leonado,
esperando para se equilibrar sobre sua presa. Ela moveu um braço para trás e
manuseou a chave.
MacLean permanecia imóvel, e ela compreendeu sua intenção. Não iria a
seu encontro. Ela se aproximaria sem necessidade de que ele a incitasse a
fazê-lo. Sua atitude irritou Enid. Estava zangado? Nesse caso, ela também
estava. Fora traída de todas as maneiras possíveis por quantos estavam em
condições de traí-la... e agora seu próprio corpo se converteu em traidor.
Deveria partir, em seguida, antes de ir mais à frente.
Mas não podia. Desejava tanto MacLean que o desejo nublou sua mente e
a fez dar o primeiro passo vacilante.
Imóvel na cama, ele a observava.
Seu olhar a despia, esfregava sua pele, via através da confusão de desejo
e impaciência.
Ela deu outro passo, seus pés se afundaram no macio tapete. Queria se
voltar e fugir, mas sua vontade ordenava que não o fizesse com a mesma
veemência que se tivesse dito pessoalmente. Como se atrevia a lhe dar
ordens? Por que o obedecia?
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Deu um passo mais. Seu coração pulsava com força. A tensão de seus
seios era dolorosa. Queria sorrir, suavizar sua severidade, mas os lábios
trêmulos não a obedeciam. Avançava para ele, enfurecida por seu ultimato,
irritada consigo mesma, mas o desejando com uma paixão que a impulsionava
adiante. O passo para subir ao soalho foi o mais longo que já dera.
Se deteve ao lado da cama e esperou ali que ele falasse, que se movesse.
Ele não o fez. Permaneceu imóvel, suas expectativas evidentes entre eles.
Aquela noite, só aquela noite, ela satisfaria essas expectativas. Desatou a
bata e deixou que o suntuoso brocado se deslizasse por seus braços.
O olhar de MacLean posou em seus seios. As aletas do nariz se alargaram.
Vestia uma camisa de dormir sem adornos, mas o algodão era fino e
suave, e seus mamilos elevavam a malha formando pequenas protuberâncias
que indicavam a MacLean com muita claridade seu estado de angustiante
desejo. Elevando a camisa de dormir, apoiou um joelho e ambas as mãos no
luxuoso colchão. Ele voltou a lhe olhar a cara, mas seguia sem mostrar o
menor sinal de que ia ajudá-la ou ceder.
Ela avançou até o centro da cama, onde ele estava deitado sobre um
montão de travesseiros. Inclinada, apoiando o quadril no leito, contemplou o
corpo masculino, procurando coragem, procurando inspiração. Os músculos e a
pele formosa e coberta de cicatrizes a incitavam a lhe tocar, a amar. Inclusive a
ereção que elevava a saia escocesa a chamava. Mas sabia que quando olhasse
aos olhos veria algo mais que simples desejo. Refletida neles veria obsessão,
uma pura paixão, uma loucura de insaciabilidade. Sabia por que ela padecia a
mesma demência que afligia a ele. Cheia de agitação, estendeu a mão sobre
seu peito, sobre seu coração. Pouco a pouco baixou a palma ao arbusto de pelo
loiro avermelhado e a pele. A textura de seu cabelo, o calor de seu corpo, a
energia que vibrava através dele, tudo a chamava. Tinha fome dele, o
necessitava, e por muito que o detestasse, nenhum outro homem poderia
satisfazer sua necessidade.
Aspirou fundo, conjurando seu atrevimento, e o olhou à cara.
Os olhos de MacLean tinham um brilho poderoso. Ela se entregou, e ele
não permitiria que se retirasse ou que mudasse de ideia ou que fingisse que as
coisas eram diferentes. Tinha-a em suas mãos e não a soltaria.
Sem mais demora, ele a estreitou em seus braços, a pôs debaixo dele e a
imobilizou com seu peso. Não fez o menor esforço por ser sutil; cada um de
seus movimentos aspirava a dominá-la.
MacLean havia ganho. Enid fora a ele.
Agora a convenceria que era dele.
O pânico que começava a sentir a fazia ofegar. Ela tomara a decisão de ir
ao encontro de MacLean, mas agora, quando o corpo masculino estava preso
ao dela, pensava que se precipitara.
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que passasse pelo corredor podia saber que MacLean vivia, e os sons do amor
jamais poderiam ser confundidos com outra coisa. então, com exceção de suas
apressadas respirações e seus tênues e inevitáveis gemidos, deviam
prosseguir suas escaramuças em silêncio.
Lhe lambeu os dedos um após o outro.
Tudo aquilo era uma expressão do que Enid sentia por ele. O calor, a
fricção, o diabólico movimento que trazia o paraíso à terra. Enquanto ele a
submetia ao prazenteiro assalto, ela experimentava uma crescente sensação
de euforia na mente e no corpo. O silêncio aumentava no dormitório. O domínio
que cada um mantinha de si mesmo era quase afrodisíaco. Enid o queria em
cima dela, dentro dela. Tinha necessidade de que a enchesse.
— Agora — sussurrou, atormentada por essa necessidade. — Agora!
O muito uva sem semente lhe fez caso omisso. Ansiava possuí-la. Enid
sabia, porque notava os movimentos espasmódicos de seu membro contra ela.
Mas se retinha, atormentando-a para demonstrar quem estava à frente. A
beijava nos lábios, mas não deixava que lhe devolvesse os beijos. Mordiscou
sua orelha e riu entre dentes quando ela gemeu. Agarrou ambos os seios e
acariciou os mamilos com um movimento circular uma e outra vez. Introduziu
dois dedos e imitou o coito. Imitou tão bem que ela o mordeu no ombro,
transportada por um deleite animal.
A disciplina de MacLean não deu mais de si. Pondo-a de barriga para cima,
separou suas pernas e a montou. Não havia o menor indício de elegância em
sua conquista. Encontrou a entrada do corpo feminino e o invadiu, empurrando
com força as tenras malhas, procurando um lugar para si mesmo sem
consideração à delicadeza de Enid. Não lhe importava. Seu corpo cedia porque
ele o tinha umedecido com a mestria de seu tato.
Enid adorava. O calor, a luxúria, o desespero, Abriu ao máximo as pernas
e rodeou os quadris dele com elas, se entregando por completo.
Ele empreendeu um ritmo rápido, um movimento soberbo.
Lhe cravava as unhas nas nádegas, ansiosa de tudo o que ele tinha para
lhe oferecer.
Como um semental disparado, retrocedia e investia, dando tudo em um
êxtase dos sentidos, da vontade. Ela gemia, um gemido baixo e contínuo que
transmitia com toda claridade seu desespero. O momento culminante ia se
aproximando, mas sempre estava fora de alcance. Ele nunca reduzia o ritmo o
suficiente para que ela o agarrasse, mas estava ali. Muito perto.
Completamente selvagem.
No mesmo instante em que ela acreditava que não poderia suportar mais,
lhe agarrou os quadris, se deteve, se abateu por cima dela. Por um instante
estremecedor, a olhou com fixidez, os raios dourados de seus olhos ardentes
como um ferro de marcar.
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Ela queria fechar os olhos, os proteger daquele olhar, mas não podia.
Ele seguia atacando. Os espasmos se apoderaram de seu pênis. Seu
esperma encheu Enid, um grande esbanjamento de intemperança e domínio.
Então arremeteu de novo. Uma e outra vez. O momento culminante, atrasado
durante muito tempo, chegou para Enid como uma chicotada. Pôs a mão na
boca para afogar o grito que os trairia, enquanto se movia para frente e para
trás com um ritmo que prefaciava o prazer de Enid além da razão, além da
moderação, além do suportável. Seu corpo se ondulava e estremecia, cada
músculo de seu corpo estava em tensão e nas profundidades de seu ventre os
espasmos acumulavam força até que chegou a uma cúpula de satisfação tão
sublime que nunca voltaria a alcançá-la.
Exceto com Kiernan, sabia que com ele poderia.
Os travesseiros estavam disseminados, os lençóis separados do colchão e
umedecidos por seus esforços. A entreperna de Enid pulsava, e a evidência de
seus orgasmos respectivos lubrificava seus corpos como unguento
cerimonioso. Os espasmos remeteram pouco a pouco. O movimento de
MacLean foi se fazendo mais lento até que cessou. Pegou o queixo de Enid e o
ergueu para ele. Ela não se recuperou. Nunca poderia se recuperar, mas tinha
suficiente domínio de si mesma para afastar o queixo. Se levantou pela
metade, desejosa de evitar o penetrante olhar masculino, sua exigência tácita.
Não a permitiria levantar. Nem sequer se retiraria de seu corpo.
Enid procurava alguma maneira de pôr fim à situação.
Um dos dois precisava dizer algo.
Um dos dois devia tomar a iniciativa.
Foi ela, naturalmente.
— Te amo — sussurrou. — Te amo.
Capítulo 26
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— Acredito que é muito possível que seja assim, mas um inglês está à
frente.
Assombrada pela admissão de lady Bess, Enid aspirou fundo e exalou. Os
nervos atacavam as vísceras. Era certo. Tudo que lady Bess dizia era certo.
Pela primeira vez se via obrigada a reconhecer que um dos homens aos que ela
conhecia tão bem era um assassino. Enquanto o pastor, vestido de negro e de
rosto severo, avançava com passo cambaleante, depois de entrar por uma
porta lateral junto ao altar, Enid olhou de novo ao senhor Kinman, Harry e
Jackson. Hoje enfrentaria ao traidor e saberia que, quem quer que fosse, tentou
matar, a ela e ao MacLean, a sangue frio e em três ocasiões diferentes.
A congregação guardou silêncio enquanto o senhor Hedderwick iniciava
seu discurso.
Enid não queria olhar para MacLean deitado no ataúde. Se o visse,
recordaria a noite passada e toda sua perversidade, todos seus prazeres, toda
a irritação, a luxúria... sua própria traição a si mesma.
Naquela loucura de prazer, dissera: "Te amo ". Seus dedos tremiam
enquanto secava as palmas úmidas com a saia. Se agora pensava em sua
impetuosa confissão; poderia desmaiar. Se pensava em MacLean e em como a
bolsa repousava sobre seu corpo, uma tentação para um assassino desumano,
sua cabeça estalaria.
Então, olhou dissimuladamente a seu redor.
A capela foi levantada tanto tempo atrás que os degraus de pedra que
conduziam ao altar estavam desgastados. Uns belos vitrais se elevavam para o
céu. Aos lados do pulpito, um pulpito tão antigo que se tivesse ouvidos teria
escutado séculos de sermões, se elevavam uns candelabros de ferro com
círios.
O ataúde estava colocado no centro, onde a luz da manhã incidia sobre o
corpo imóvel.
MacLean parecia assombrosamente... morto.
— Esta manhã tornei a lhe empoeirar a cara — murmurou lady Bess ao
ouvido de Enid.
A jovem desviou a vista. Decidira não pensar em MacLean naqueles
momentos. Embora soubesse a verdade, não gostava de vê-lo naquelas
circunstâncias. Por falso que fosse o funeral, de todos os modos a recordava
todos os funerais que perdera.
Menos de um mês atrás morrera lady Halifax, e Enid vertera sinceras
lágrimas por ela... durante umas poucas horas. Até que procurou consolo nos
braços de MacLean, foi expulsa por um incêndio e a enviaram a Escócia. Enid
mal pensou na idosa desde aquela primeira noite, e entretanto... Sentira um
grande afeto por lady Halifax. Em um momento determinado imaginou que
teria a oportunidade de assistir a seu funeral, escutar os hinos e rezar uma
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oração. Quase podia ouvir a voz áspera de lady Halifax lhe dizendo: "Enid, o
Senhor a escutará em qualquer lugar que reze, então não me venha com
desculpas".
Com a cabeça inclinada e as mãos entrelaçadas, Enid rezou por lady
Halifax e tentou não fazer caso da opressão que sentia na garganta.
As lágrimas pugnavam por brotar. A lembrança de lady Halifax lhe
provocava o pranto.
Enid tragou saliva e olhou para MacLean, vestido com uma camisa branca
bem engomada e gravata de renda e saia escocesa com o tartán de sua
família. "OH, Kiernan - perguntou em silêncio. - Como pode esconder sua
vitalidade atrás dessa pose de morto?"
Antes que lhe escapasse um soluço, se apressou a pensar em outra coisa.
Em seu marido, claro, em Stephen. Agora o pastor estava recordando
Stephen, falava de sua valentia e do sacrifício que fez por seu primo no
momento da explosão. O pastor recordou que Stephen fora um moço
encantador que contribuíra com felicidade e consolo a sua mãe viúva.
Lady Catriona chorava ruidosamente.
Stephen foi um moço travesso, risonho, sempre disposto a participar dos
jogos e conduzir a sua equipe à vitória. Brincava a respeito de seus grandes
atributos e sempre foi um favorito das damas, tanto jovens como velhas.
Enquanto o pastor falava, na mente de Enid se formou uma imagem de
Stephen. O certo era que, quando o conheceu, foi encantador. Enormemente
encantador. Gostou muito de uma órfã, uma moça que vivia um pesadelo
interminável, e a ensinou a rir.
Por isso se casou com Stephen. Porque com ele aprendeu a rir.
Ah, a risada não durou muito, mas durante umas breves e esplêndidas
semanas viveu o prazer do presente e o amou com todo seu coração. Agora ele
não retornaria jamais. Depois de nove anos de solidão, de dias nos que
amaldiçoava seu nome, de noites nas que se negava a recordar que realmente
houve bons tempos... ele se fora para sempre deste mundo.
— Meu Deus — sussurrou.
— ... e lhe sobrevivem sua amada mãe, lady Catriona MacLean — disse o
pastor em voz trêmula e monótona, — e sua fiel esposa. Enid MacLean.
Que estranho era descobrir que a morte de um marido delinquente era
quase tão tremenda como a morte de uma amada mentora.
Enid sorveu pelo nariz, tratando de dominar suas errantes emoções, mas
uma lágrima deslizou por sua face. Discretamente, introduziu o lenço por
debaixo do véu e a enxugou.
Lady Catriona, a seu lado, a tocou com o cotovelo, e quando Enid a olhou
de soslaio, a mulher lhe dirigiu um olhar tão maligno que Enid se aproximou
mais de lady Bess. Por que lady Catriona estava zangada? Aquele era o funeral
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que desejou para seu filho. Enid se vestia de negro, chorava por Stephen...
mas, naturalmente, Stephen compartilhava o serviço religioso com MacLean.
MacLean... através das lágrimas que enchiam seus olhos, o ataúde parecia
dançar. Queria que MacLean se levantasse, que demonstrasse que estava vivo!
— Catriona sempre quis Stephen todo para si — disse lady Bess, em voz
tão baixa que quase era inaudível. — Não pode suportar que você o tenha nem
sequer um momento.
O pastor elevou os braços para o céu.
— Oremos. Roguemos a nosso Pai que receba a Stephen em seu seio...
Nosso pai.
O pai de Enid.
Outro funeral ao qual não assistira. Outra tumba jamais visitada. Seu pai.
Ah, esse foi um homem que não mereceu o menor respeito nem carinho. Sim, a
manteve e educou quando pôde deixá-la no asilo. Ela teria morrido ali, é obvio,
como a maioria dos meninos internos. Em vez de fazer isso, a levou a um
internato e a abandonou. As demais meninas iam a casa pelo Natal e durante
os meses de verão, mas Enid ficou um mês atrás do outro, um ano atrás do
outro. E embora, à medida que ia crescendo, compreendia por que estava
condenada a viver em vazios e ressoantes corredores e isolados dormitórios
coletivos, jamais poderia perdoar a seu pai que tivesse sido tão fraco para
deixar a sua filha tão tristemente desamparada quando era ele quem cometeu
o pecado.
Jamais voltaria a ser tão fraca como ele fora... mas o certo era que fora.
Enquanto aquilatava todo o horror dessa verdade, cobriu o rosto com as mãos
vestidas em luvas negras. O dia que dormiu com MacLean na choça das
montanhas e não teve em conta para nada as consequências. Pior ainda... a
noite anterior, e embora sabia que frequentemente a gravidez se produzia em
um momento do mês que não correspondia, sucumbira de novo ao atrativo de
MacLean. A noite anterior não só se entregou a ele uma, a não ser três vezes,
ao desenfreio e ao prazer.
Exalou um trêmulo soluço. Então, o homem que foi seu pai não foi mais
que uma criatura como ela mesma, impulsionada por paixões que não era
possível dominar. E queria dizer a ele, dizer que o compreendia... mas não
podia fazê-lo. Ele estava morto; desaparecera para sempre, e ela, jamais o
veria.
Seus joelhos fraquejaram e caiu sobre o genuflexório. Suas mãos tremiam
ao mesmo tempo que procurava o lenço sob a manga.
Enquanto o tirava dali lhe chegaram as palavras do pastor.
— Falar de nosso senhor, Kiernan MacLean, é falar de um homem que se
regia pela honra.
Enid sentiu uma pontada de dor tão intensa que por um momento ficou
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Andor onde nos triunfos romanos se levavam os despojos dos vencidos. Caixão Mortuário,
Ataúde, esquife.
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MacLean. Ela era sua mulher. A capela ia ficando vazia e não acontecia nada.
No fundo, MacLean quase confiava secretamente em que o funeral não
servisse para desmascarar ao traidor. Então teria uma desculpa para manter
Enid a seu lado, para mantê-la a salvo.
Entretanto, sabia que o perigo seguiria existindo e que nunca teriam
liberdade para lutar e se amar como deveriam. Aguardava pacientemente. A
maior parte da cauda desfilou. Foi se fazendo o silêncio na capela enquanto as
pessoas se encaminhavam à grama onde teria lugar o banquete fúnebre. Só o
pranto de Enid não remetia.
A mãe de MacLean lhe sussurrava palavras de consolo, e ele somente
podia imaginar a incredulidade de lady Bess. Nem sequer ele podia acreditar
que Enid chorava por ele, que chorava por um homem que não estava morto...
mas, se não era por ele, por quem chorava? Temia que não acharia graça na
resposta. Então uns dedos deslizaram por seu abdômen, agarraram a bolsa e
cortaram a correia de couro. MacLean abriu os olhos e agarrou o braço.
Por um momento de incredulidade, Jackson ficou imóvel, o olhando, com
os olhos muito abertos e cheios de horror. Então lançou um grito.
MacLean o agarrou pela garganta.
Jackson retrocedeu, derrubando o ataúde, de modo que MacLean caiu
sobre o chão de pedra... e voltou a quebrar uma costela. Por um instante
essencial se dobrou por causa da dor. A recuperação de Jackson foi a mais
rápida que MacLean já presenciara. O camareiro compreendeu o estratagema e
se dispôs à lutar. De joelhos, cortou o ar com a navalha de barbear, seus frios
olhos azuis cheios de determinação.
Tinha os reflexos de um assassino.
Lady Bess agarrou Enid e a separou do ataúde. O pastor exortou aos
homens para que deixassem de brigar. Dos dois assistentes ao funeral que
ficavam, um era o lacaio que saiu da capela correndo e pedindo ajuda a gritos.
A outra pessoa, uma criada, se apertou contra a parede.
Com uma mão nas costelas, MacLean esquivou Jackson, retrocedendo, e
então se lançou contra ele pelo flanco. Veloz como uma serpente, Jackson
cortou o ar a escassa distância da garganta de MacLean. Este voltou a o
agarrar pelo braço, mas não podia vencê-lo com uma só mão. Por isso, apesar
da dor que lhe produzia se mover e respirar, MacLean deixou de apertar as
costelas e golpeou Jackson na cara com a mão livre.
O murro rompeu o nariz do camareiro.
Jackson golpeou a sua vez, tratando de alcançar MacLean na costela
quebrada. MacLean saltou para trás, soltando a sua presa. Jackson lançou outro
talho. MacLean estendeu uma perna e deu uma rasteira. O agarrando de novo
pelo braço que sustentava a navalha, reteve Jackson, sabendo que se não
ganhasse aquela briga, voltaria definitivamente para o ataúde.
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Capítulo 27
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tolo, Enid.
— Sim, foi — replicou ela, os lábios trêmulos, de novo à beira das lágrimas,
de chorar por uns insultos recebidos dias atrás. Mas quem a insultara era
MacLean, e a dor remetia somente para se reavivar.
— Nunca voltarei a te ferir assim, Enid. — MacLean se moveu, deslizou do
assento.
Alarmada, ela tratou de o empurrar para que voltasse para seu lugar:
— O que está fazendo?
— Quando te pedi desculpas, me disse que me perdoava, mas não o fez.
— Em pé sobre o chão de pranchas, a olhou. — Então vou me ajoelhar para te
pedir perdão.
— O que? Não! — Não queria que a cara de MacLean estivesse tão perto
da sua!. —- Estou enfaixando sua caixa torácica.
— Não, está chorando.
Fazendo uma careta de dor, se inclinou para lhe examinar a cara. Ela
enxugou as lágrimas com a mão livre.
— Peço perdão por te fazer umas acusações tão errôneas. Neste sagrado
lugar, na presença de Deus, prometo que não voltarei a fazer isso jamais, que
essas coisas nem sequer me passarão pela mente.
Ela evitou seu olhar.
— Para mim encarna a coragem, a compaixão e o amor.
— De acordo. De acordo! — "Deixa de falar assim, deixa de parecer
sincero, deixa de empregar palavras como prometo". — Agora sente no banco
para que possa terminar de te enfaixar as costelas.
Ele não se moveu.
— Me acredita?
— Acredito. Sempre diz a verdade.
Mas sua maneira de dizer sempre a verdade era quase um defeito.
— Me perdoa?
Perdoar? Ah, isso... isso não era fácil. Mas ele não estava disposto a
renunciar. Não retrocederia até que o tivesse perdoado, até que ele não tivesse
dúvida de seu perdão. E podia Enid fazer isso?
MacLean a ferira com sua malevolência, lhe dera uma punhalada no
coração cheio de ternura. Não obstante... quando pensava nisso, Enid
compreendia como um homem que descobria que lhe mentiram a respeito de
sua identidade podia reagir de um modo violento. Jamais voltaria a feri-la como
o fizera. Lhe fizera uma promessa, e ela confiava em que a cumpriria.
Teve que respirar fundo várias vezes antes de poder responder.
— Perdoo.
— Desta vez seriamente?
— Seriamente.
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— Se casará comigo?
— Sente-se no banco. Não posso enfaixar suas costelas até que o faça.
— Casará comigo? — ele voltou a lhe perguntar em um tom que recordava
a Enid a paixão com que se amaram.
E voltaria a perguntar uma e outra vez, até que o convencesse que não se
casariam. Precisava terminar sua tarefa e partir dali.
— Por que comigo quando pode se casar com uma garota escocesa como
Deus manda, carregada de dinheiro e se converter em um senhor de clã
escocês como é devido, e ter com ela uns apropriados filhos escoceses?
— Porque não seria feliz.
Ela aguardou. Por fim se dava conta do que era que motivava MacLean.
Chegara à conclusão de que com ela seria feliz. A aceitava tal como era, e as
dúvidas e temores que acossavam a Enid não existiam para ele.
Sim, precisava partir dali.
— Sente-se no banco, por favor. Meus joelhos doem por estarem no chão.
A obedeceu, mas o fez com cuidado, porque qualquer movimento lhe
produzia dor.
Enid puxou a bandagem para que as costelas fraturadas voltassem para
seu lugar e o enfaixou com mais energia. Ao chegar ao final, esticou a atadura
tudo o que pôde e a atou.
— Sente-se melhor assim?
— Muito melhor. — Antes que Enid pudesse se levantar, ele deslizou os
dedos sob o véu que pendia atrás da cabeça, e elevou seu queixo com a outra
mão para olhá-la aos olhos. — Põe muito empenho em se liberar de mim.
Um homem normal pensaria que ele é o típico culpado, mas você se
contradiz, por um lado me grita e me faz frente, e por outro se agarra a mim
com uma paixão extraordinária.
Com que seriedade a olhava, seus formosos olhos não só com o brilho da
posse, mas também de um sentimento mais profundo. Enid tinha a sensação
que podia desaparecer na alma daquele homem e descansar ali, a salvo e
unida a ele, para sempre. Para sempre. Prometera a ela que viveriam juntos
para sempre. Ela quase podia acreditar.
No chão, a suas costas, Jackson começou a se queixar.
Enid se separou bruscamente de MacLean.
— Não! —- Tratou de agarrá-la, mas se deteve.
O momento passou, e ele sabia.
Salva. Enid respirou aliviada. A volta a si de Jackson a salvara do passo
mais tremendo e impetuoso que jamais poderia ter imaginado.
MacLean se levantou pela metade.
— Maldito vilão! Há uma corda enrolada no ataúde. Me deem isso e o
atarei.
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Christina Dodd
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The Governess Brides 05
— Era seu amigo, e, além disso, tive que disparar nele ou teria me
descoberto. — Lady Catriona entrou uns passos na capela e apontou para
MacLean. — E estou desejando te matar. Estava com Stephen quando morreu,
Kiernan. Provavelmente foi você quem o matou.
MacLean estava claramente estupefato.
— Como pode pensar semelhante coisa?
Lady Catriona apontou para Enid.
— Mas você... você é a que realmente traiu Stephen. Foi sua esposa. Se
apareou com seu assassino.
O protesto era inútil, mas Enid precisava tentar.
— Kiernan não matou Stephen, lady Catriona.
— Talvez não. Talvez só fracassasse na tentativa de lhe salvar. Mas você
fornicou com Kiernan, e quando Stephen mal esfriou em sua tumba. Os odeio
muito. Não sei contra qual dos dois vou disparar... mas sei que o que fique
sofrerá. — O dedo de Catriona se esticou no gatilho.
MacLean empurrou Enid ao chão e se jogou sobre ela com um grunhido de
dor.
Soou um disparo, e antes que seu eco se extinguisse, lady Catriona gritou.
O fuzil caiu ao chão com estrépito.
— Te peguei, cadela - disse Harry.
Harry. Graças a Deus, ali estava Harry.
MacLean olhou para Enid. Ela parecia se encontrar bem, e ele também
estava, apesar da dor das costelas. Os dois se levantaram com cautela para
observar por cima do genuflexório. Harry sustentava o braço de lady Catriona
retorcido a suas costas, e a mulher emitia uns gritos entrecortados enquanto
tratava de se liberar.
— Disparou em mim a sangue frio — disse Harry. — É hora de cobrar por
isso.
— Sim— replicou MacLean. Era hora de enviá-la com sua família, uma
família acostumada a tratar com pessoas como ela, pois contava com muitos
desenquadrados. — Encerrem na torre norte. Amanhã a jogaremos daqui.
Harry se voltou para a multidão reunida a suas costas.
— Leve-a, Kinman! — ordenou, empurrando lady Catriona. — E que
Graeme e Rab levem ao Jackson da capela. — Então respondeu a uma
pergunta inaudível: — Não, não pode falar com MacLean. Não vê que está
ocupado?
Enquanto MacLean e Enid se levantavam e sacudiam o pó, os dois
escoceses e um senhor Kinman sorridente, mas silencioso levaram Jackson.
Enid teria fugido com eles, mas MacLean não estava disposto a permitir. Não
depois de uma conversação tão insatisfatória. A agarrando pelo braço, a
obrigou a se deter.
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— Te amo, Enid.
Ela não diminuiu o ritmo de seus passos, e cruzou a porta.
— Te amo!
Não devia ter ouvido. Correu atrás dela.
Lady Bess cruzou em seu caminho e o agarrou pelo braço.
— Deixa que se vá.
— Não posso.
Enid o abandonava. Ela era tudo o que ele queria. Os dois se amavam, e o
abandonava!
— Se a obrigar a ficar, só terá cinzas nas mãos. Deixa que se vá.
A MacLean resultava muito difícil fazer caso a sua mãe, mas até então
nenhuma de suas tentativas teve êxito. Puxou lady Bess até que pôde ver a
figura de Enid que fugia. Então, embora o alagasse a dor, se deteve e
contemplou como se afastava, lhe rasgando o coração. Tinha a respiração
entrecortada e a voz gutural quando se dirigiu a sua mãe.
— Me diga, é certo que se casou com o inglês para que não tivesse que
me casar com uma herdeira?
— Sim, carinho, é certo.
Ele olhou a sua bela e excêntrica mãe, que seguia o agarrando pelo braço.
— Por que não me disse isso?
— É um menino preparado. Sabia que entenderia antes ou depois.
Pegou a cabeça entre as mãos e lhe beijou o cabelo.
— Obrigado, mãe.
Sorridente, a dama tirou um charuto do decote.
— Enid também é uma garota esperta. Antes ou depois compreenderá que
o ama.
— Antes? —inquiriu ele, necessitado de consolo, por indeterminável que
fosse.
— Ou depois — confirmou ela.
Capítulo 28
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por testemunha.
Ela soltou uma risada.
— Supunha algo assim. Sempre olhava para trás, pensando que o veria.
Pegando suas mãos, levou uma aos lábios e lhe beijou a palma. Tinha
sabor de mulher. Sua mulher.
— Há uma coisa que não entendo.
Ela tinha os olhos entrecerrados de prazer.
— O que?
— Disse que herdou cinco mil libras.
Enid abriu os olhos e lhe sorriu com uma inocência excessiva.
— Mas prometeu um dote de dez mil.
— Ao longo de dez anos.
— Então é realmente uma mentirosa.
— E uma mercenária.
— Que investiu em mim até a última libra de sua fortuna.
— Um investimento judicioso, pois poderia cumprir com sua parte do trato
e formar uma família comigo, e sua mãe consideraria a nosso filho como parte
de meu pagamento.
— Minha esposa é uma bela e desavergonhada enganadora. — Soltou uma
risada, deslizou um braço ao redor de sua cintura, se inclinou e a beijou com
toda a paixão acumulada durante o último mês. — Uma bela, desavergonhada
e mercenária mentirosa que faria tudo para me conseguir.
— Tudo — corroborou ela. — Faria o que fosse preciso.
A olhando com os brilhantes olhos azuis, ele repetiu a promessa que fez
aquele dia nas montanhas sob o sol.
— Sou o sangue de suas veias, a medula de seus ossos. Nunca irá a
nenhuma parte sem saber que estou dentro de você, te apoiando, te mantendo
viva. Faço parte de você. E você é parte de mim. Estamos unidos para sempre.
Lhe rodeou os ombros com os braços.
— Para sempre.
Fim
Escritora americana, Christina Dodd foi criada só por sua mãe Virginia
Dodd. Sempre foi uma infatigável leitora desde sua mais tenra infância, e mais
tarde descobriu a novela romântica, narrações que têm como eixo a relação
entre um homem e uma mulher, e que além disso, em muitos casos lhe
permitia desfrutar de outra de suas grandes paixões; a história. Ela trabalhou
como projetista durante anos, e enquanto desenhava uma serraria, imaginava
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o final da novela que deixou sem finalizar a leitura durante o almoço, muitas
vezes não conseguia terminar as novelas, e além disso gostava mais de seus
próprios finais.
Casou-se, e quando nasceu sua primeira filha, disse a seu marido que
desejava deixar de trabalhar para dedicar-se à escritura, embora ela não
contava com o trabalho que supunha cuidar de um bebê. Não foi até dez anos,
dois filhos e três manuscritos depois que conseguisse vender sua primeira
obra. Em 1991 foi publicada "Candle in the window" sob seu nome de solteira:
Christina Dodd, tratava-se de uma novela sobre uma heroína cega na
Inglaterra medieval, que deve ajudar a um cavalheiro cegado. Com ela
conquistou o coração do público e, também, múltiplos galardões, incluído o
Golden Heart do Romance Writers of America e o prestigioso prêmio Rita.
Christina tem escrito várias novelas medievais, atuais, regências... Logo
descobriu que se houver algo que suas leitoras desfrutam é voltando a ver os
protagonistas que adoram em novas novelas, por isso não só inclui seus livros
em numerosas séries, mas sim além disso adora que inclusive em suas novelas
apareçam personagens de novelas independentes ou inclusive de outras
séries.
Comunidade: http://www.orkut.com.br/Community?
cmm=94493443&mt=7
Grupo: http://groups.google.com.br/group/tiamat-world?hl=pt-BR
Blog: http://tiamatworld.blogspot.com/
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