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Doze Noites como Seu

Amante
Resgatada da Ruína — Livro 6

Elisa Braden
SINOPSE

Cortejar pode não ser seu forte…


É verdade que, quando se trata de cortejo, a estratégia
do marquês de Wallingham é um buquê de rosas. Charlie
Bainbridge passou dois longos anos cortejando a mulher que
ama, esperando pacientemente até que ficou meio louco.
Agora, em uma festa de caça de inverno, ele tem uma última
oportunidade de persuadi-la de que estão destinados a ficar
juntos. E desta vez não deixará que as dúvidas sem sentido,
sua mãe intrometida ou alguns contratempos e chapéus
destroçados se interponham em seu caminho.
E a paixão pode não ser o dela…
Segura e cômoda dentro de sua ordenada e
cuidadosamente planejada existência, Julia Willoughby
nunca conheceu um desejo como aquele. Outros viam Charlie
como o tipo tranquilo e manejável. Julia via a verdade: o filho
daquele dragão tinha seu próprio fogo.
Suficiente para abrasá-la com um toque, um olhar, um
beijo. Pelo bem de sua felicidade, ela se nega a atá-lo em uma
união sem filhos. Seu coração, entretanto, não se convence
tão facilmente, porque quer ao Charlie.
Mas um marquês deve fazer o que um marquês deve
fazer…
Indignado pela ideia de perdê-la para um qualquer,
Charlie faz uma oferta final: Passar doze noites em sua cama,
e se ela ainda puder negar que são perfeitos um para o outro,
a deixará partir. Mas não sem antes tentar completamente a
encantadora e teimosa Julia a trocar a sensatez previsível
pelo doce caos do verdadeiro amor.
DEDICATÓRIA

Para os Bluestockings.
Porque de algum jeito, sempre souberam que o filho de um
dragão deve ser mais do que parece.
CAPÍTULO 1

“Deus sabe o que é que o atrai tanto. Talvez tenha uma afeição
oculta pelas peculiaridades. E o desastre.”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu bom companheiro,
Humphrey, enquanto contempla os mistérios dos filhos
obstinados, as viúvas peculiares e os noivados que
claramente duraram muito tempo.

28 de novembro de 1818
Fairfield Hall, Suffolk

— Viu alguma vez um obstáculo desse tipo? — Julia


Willoughby soltou uma pausa e estalou a língua enquanto
descia pela escada da biblioteca e colocou outros quatro livros
sobre a pilha, cada vez maior. — Uma novela de ficção com
uma referência à arquitetura paisagística. Incrível! — Ela fez
um gesto com a mão às cegas para a criada que estava
sentada atrás dela. — Não ria, porque não brinco.
Um ronco suave foi sua resposta. Uma hora antes Peggy
tinha caído na única cadeira da biblioteca de Lorde Dunston
que não estava ocupada por pilhas de livros. Aparentemente,
a garota desejava dormir mais que obter a ordem adequada.
Julia agitou a cabeça e colocou as mãos nos quadris,
olhando fixamente as estantes tristemente desorganizadas.
— Como se arrumou todos estes anos? — Perguntou-se
em voz alta. Logo suspirou e encolheu os ombros. — Não
importa. Pela manhã cada livro encontrará seu lar.
Oh, Deus. Devia ser tarde. Ela estava divagando, o
resultado peculiar e previsível da fadiga. Talvez devesse
encontrar sua cama.
Possivelmente deveria deixar de tomar-se liberdades com
a biblioteca de um cavalheiro que lhe tinha devotado sua
hospitalidade. O Conde de Dunston organizara uma caçada
anual em seu imóvel, Fairfield Park. Ela estava ali como sua
convidada, não como sua governanta.
Lorde Dunston não é o cavalheiro com quem deveria
preocupar-se, recordou a si mesma.
Tal aviso era desnecessário, é claro. Sua missão de
reorganizar a biblioteca de um conhecido no meio da noite
era, em realidade, uma mera distração de outro cavalheiro.
Não um conde, e sim um marquês.
O homem ao qual resistiu durante dois longos anos.
Estava ali. Bom, ao menos, estava perto.
Oh, Deus. Aí estava a divagação outra vez.
Piscou enquanto a luz das velas brilhava nas prateleiras
de madeira escura, nas encadernações de couro e nas letras
douradas. Cobriu-se o rosto e esfregou os olhos com a ponta
dos dedos.
Céus, estava cansada.
Bocejando profundamente, baixou os braços e reuniu
sua resolução, entrecerrando os olhos para a terceira
prateleira do teto.
— Biografias — murmurou a si mesma, deslizando a
escada e começando a subir. — A gente raramente necessita
de biografias.
A luz dourada piscou loucamente em uma rajada de ar.
Um barítono baixo e liso ladrou: — Que diabos está fazendo à
biblioteca do Dunston?
Ela se virou. Apoiou sua mão na borda da escada.
Perdeu o fôlego e quase ficou em pé.
Dirigiu-se para ela com o rosto enrugado. Para um
homem que nunca se via enrugado, mesmo quando estava
empapado até a pele sob um carvalho que gotejava, era
bastante alarmante.
— Está louca, mulher?
— Charlie. — Seu coração soprou a palavra. Que lhe
escapasse da boca com tanto desejo era simplesmente uma
falta de disciplina.
— Me responda.
Ele estava a dois metros de altura, para ser precisa,
posto que ela estava no degrau mais baixo, seus olhos
estavam quase à altura dos dela enquanto ele cruzava para a
escada. Para a luz piscante. Para ela.
Dedos apertando o mogno do corrimão da escada,
gaguejou.
— Precisava ser classificado.
— Por você – disse. — A esta hora.
Ela engoliu em seco, seus olhos o devoraram impotente:
cabelo da cor do melaço, grosso, com um chamativo
pedacinho de prata nas têmporas.
Nobre, se caracterizava por ser mais audaz que bonito:
um nariz longo e de ponte alta com um gancho sutil ao final;
maçãs do rosto afiadas e elevadas; um queixo de substância
pouco comum. Sempre pensou que seu perfil pertencia a uma
moeda.
Nesse momento, entretanto, parecia curiosamente
despenteado, seu fraque marrom desabotoado e encolhido nos
ombros por descuido, seu lenço desaparecido, seu cabelo
despenteado. Notável só porque nunca o tinha visto tão
desordenado. E ela o conhecia fazia anos. Dois e meio, para
ser precisa.
Desde antes da morte de seu marido.
Não, Charlie não gostava da desordem. Algo andava mal.
À medida que se aproximava, ela girou no degrau da
escada para enfrentá-lo mais plenamente. Seus olhos, embora
sobressaíssem como sempre, se entrecerraram de cansaço.
— Possivelmente deveria perguntar por que está aqui a
estas horas — respondeu ela, mantendo sua voz baixa por
duas razões: primeiro, não desejava despertar Peggy, cujos
roncos ressoavam no silêncio crepitante. Segundo, ela não
podia respirar enquanto seu rosto estava a centímetros do
seu. — Não deveria ter retornado ao parque Steadwick?
Seu cenho franzido se fez mais profundo, sua cabeça
ligeiramente inclinada.
— Dunston e eu tínhamos assuntos que discutir. Estava
saindo de sua sala de bilhar para voltar para casa quando te
vi através da porta. É consciente de seu pequeno projeto?
— Não.
— Então, perguntarei de novo. O que crê que está
fazendo?
— Pondo as coisas em ordem.
— Por quê?
— Reconforta-me.
Suas mãos se levantaram para agarrar os trilhos a
ambos os lados dela.
— É um pouco presunçoso reorganizar a biblioteca de
um homem sem seu conhecimento, não acha?
Deixou que seu olhar se deslizasse ao longo de sua
mandíbula para seu forte e magro pescoço. O que faria ele se
ela simplesmente pusesse seus lábios ali?
Maldita luxúria caprichosa.
— Possivelmente — murmurou. — Mas me agradecerá
quando eu terminar.
— Julia.
— Hmm?
— Me olhe.
Ela o fez. E o que viu a fez arder.
— Nenhum de nós tem que sofrer desta maneira — disse
com voz rouca, aqueles olhos verdes como joias brilhando
como uma fogueira sobre sua pele. — Se busca consolo, com
prazer lhe darei isso.
Dentro, cada parte feminina de seu corpo gemia e doía.
Por isso estava acordada.
Inquieta. Ansiosa. Por sua culpa.
Supunha-se que não devia estar ali. Ela só tinha ido ao
grupo de caça do Dunston em meio esforço para conseguir
um marido. Não se tinha dado conta de que a casa de campo
preferida do Charlie era Fairfield Park. Ou que apareceria
como uma visão de seus sonhos mais escandalosos no salão
de Lorde Dunston. Ou jantaria a cinco cadeiras dela na mesa
do Dunston. Ou a descobriria ali, na biblioteca do Dunston.
Classificando. Lutando para pôr ordem no caos dentro dela.
Os trilhos de mogno chiavam sob a pressão de seu
punho enquanto ele se movia para mais perto, esquentando
sua frente com seu calor.
— Posso sentir sua necessidade, embora se negue a
reconhecê-la. — O fôlego lhe roçou o pescoço.
Seu aroma – sabão e água e o mais leve indício de
conhaque – a debilitou como o fogo que devora a madeira.
— Qual é o ponto de nos negar a nós mesmos?
Seus olhos se fecharam à deriva. Qual era o ponto, de
fato? Só que ela o amava. Amava-o mais do que nunca tinha
amado a ninguém, incluindo seu marido. Arthur. Querido,
querido Arthur, que pouco a pouco se pôs mais triste e
resignado ao passar os anos de seu matrimônio.
As brasas se esfriaram o suficiente para que a prudência
voltasse.
— Por favor — ela sussurrou. — Não voltemos para o
passado. Certamente não pode ter esquecido o desastre que
somos juntos.
— Alguns contratempos não nos convertem em um
desastre. — Mordeu a última palavra com asco.
Abrindo seus olhos, viu a frustração enrugando sua
sombria e amada testa.
Ela queria acariciá-lo ali. Aliviá-lo. Beijá-lo.
Não podia. Por seu bem, não pôde.
— Charlie. — Uma vez mais seu nome escapou sem sua
permissão, sem fôlego e necessitado. Ela apertou os lábios e
se preparou para rechaçar o homem que amava pelo que
esperava que fosse a última vez. Não podia suportar seguir
fazendo-o. Cada vez a cortava mais profundamente,
surpreendia-se de que tivesse sangue.
— Contratempos? Nossa primeira viagem ao Hyde Park
terminou com os dois empapados até os ossos.
— Desculpei-me cinco vezes nessa excursão…
Ela suspirou.
— Seis. E não se trata de desculpas.
— Você e seu vestido se secaram sem incidentes. A
dobradiça da caleça foi reparada no dia seguinte.
— Sim, mas meu chapéu teve que ser descartado.
— Ofereci-me para substitui-lo. Além disso, isso foi há
duas temporadas.
— Refere-se à mesma temporada em que acreditou
naqueles rumores difamatórios sobre minha suposta
infidelidade com um cocheiro e dois cavalariços? Essa
temporada?
— De novo, desculpei-me por…
— E não esqueçamos o incidente com a carruagem de
Lady Randall.
— Tudo por culpa de Lady Randall. Seu fracasso em
controlar aquela pequena ameaça gorda…
— Outro chapéu que me vi obrigada a queimar. — Ela
inspirou e engoliu sua diversão. — Aquele tipo de manchas
nunca sai, sabe, e embora saíssem, o aroma não sairia.
Com a mandíbula flexionada, respondeu: — Os acidentes
ocorrem. Não significa que estejamos amaldiçoados, droga.
— Na temporada passada quase morremos quando
perdeu o controle de seu faetón no Rotten Row.
Seu imponente queixo se moveu para cima como se
estivesse levantando uma sobrancelha.
— As rédeas me escaparam das mãos depois que me
disse que planejava se casar com outro homem. — As
incandescentes e baixas palavras evidenciavam a força de sua
contínua fúria. Antes desta noite, tinha sido a última vez que
ela o tinha visto, esse dia no parque, quando tinha feito o que
era necessário, o que era melhor.
Engolindo em seco, concentrou-se em seus lábios,
normalmente finos e definidos, atualmente apertados, planos
e sombrios.
— Não devemos estar juntos, Charlie. Nada disto está
bem.
— Está equivocada.
— Sou sensível.
— Maldição, Julia. Persiste em nos castigar por
sentimentos sobre os quais não temos controle.
— Foi uma traição ao Arthur, dos meus votos a ele.
— Serviu-me o chá. Sentamo-nos em silêncio juntos. Não
aconteceu nada mais enquanto estava casada.
Ela levantou seus olhos aos dele.
— Você sabe que não é assim.
Seu olhar era explosivo. Luxurioso. Igual àquele dia na
casa que Arthur alugou em Londres. Lembrava-se de cada
momento, da luz amarela trêmula que entrava pelas janelas
do salão. O peso do tranquilo, elegante e poderoso olhar verde
do marquês sobre seu pescoço. O estranho desejo de tocá-lo.
Não, não tinham atuado sobre a atração, simplesmente
sentados em um silêncio espesso sobre um sofá branco
enquanto Arthur recuperava alguns papéis.
Mas os sentimentos tinham sido reais. Evidentes.
Tinham-na sacudido até que tudo o que ela sabia de si
mesma se voltou estranho e incerto. Rogou ao Arthur que a
deixasse ir-se logo de Londres e voltar para Bedfordshire.
Onde estava a salvo. Onde ela podia organizar a Mansão
Willoughby ao seu gosto e fingir que o mundo não estava
cheio de desejos voláteis por um homem que não era seu
marido.
Então, seu marido tinha morrido. Quebrou o pescoço em
um acidente de carruagem do caminho à casa para a Páscoa.
E ela tinha chorado. Lamentado. Cozida dentro de um caldo
de dor e vergonha.
Um ano mais tarde, visitando Londres com o jovem
herdeiro do Arthur e sua mãe, encontrou-se de novo com o
propósito de sua proibida fascinação. Tinha-a assediado. Ele
a cortejou. Convenceu-a para que considerasse a ideia de
casar-se com ele. Até que recordou o egoísmo de seu desejo
por ele e todas as razões pelas quais devia deixá-lo ir.
— Não me desculparei por te desejar — disse agora, seu
casaco roçando seus seios. — Não o sinto.
— Desça-me — ela sussurrou, olhando seu queixo.
— Não.
— Tenho trabalho a fazer.
— Não terminamos com nossa conversação.
Apertou os dentes, necessitando escapar. Estava muito
perto.
Muito tentador.
Se não me decepcionar, então possivelmente deveria
subir.
Desesperada, retorceu-se, agarrou o corrimão da escada,
suas sapatilhas girando no degrau até que suas costas
ficaram para ele. Seu quadril o golpeou forte, seu cotovelo se
chocando com o ombro dele.
Mas não havia escapatória, pois não lhe dissuadiu. Seu
braço ficou duro ao redor da cintura dela, forçando-a a voltar
para seu corpo. Aquele corpo comprido, magro e atlético.
— Onde crê que pode se esconder de mim, Julia? — As
palavras eram mais calor que som contra sua nuca. — Aqui
na biblioteca do Dunston? Numa casa em Bedfordshire? Não
há nenhum lugar onde não possa te encontrar.
Este era o homem que só Julia parecia capaz de ver. O
filho de sua mãe.
Feroz e decidido. Um dragão por direito próprio. Ele a
queria. Ela sabia.
Talvez inclusive a amasse, como ela a ele. Mas querer
algo -inclusive amar algo- não fazia que ,o possuir, fosse a
escolha apropriada.
E, entretanto, ao seu corpo não importava um pingo.
Também arranhou para lhe dar tudo o que pediu.
A batalha a estava matando.
— Por favor, Charlie — ofegou, balançando sua testa
contra a madeira fria. — Necessito que me deixe ir.
Não o fez. Em vez disso, uma mão se soltou da escada
para acariciar seu pescoço, aqueles compridos e formosos
dedos que se enrolavam ao redor de seu pescoço e debaixo de
sua mandíbula em uma carícia possessiva.
— Não pode se esconder de mim. E não pode se esconder
disto. Casar-se com um velho qualquer do campo só piorará o
desejo.
Seus quadris agora embalavam sua excitação, a dureza
luxuriosa pressionando insistentemente contra seu traseiro.
Embora sua excitação fosse menos notória, não era menos
potente. Cada fôlego, cada palavra, cada golpe daqueles dedos
magistrais sobre a carne suave justo debaixo do lóbulo da
orelha intensificava a dor em seu ventre, a dolorosa
sensibilidade de seus seios, o calor que derretia os ossos em
seus braços, coluna vertebral e pernas.
— Nunca poderá saciar seu apetite, Julia. Sabe por quê?
— Queixou-se. Era a única resposta que tinha. — Tem fome
só de mim. — O braço duro ao redor de sua cintura se
agarrou e apertou. Lábios suaves mordiscavam seu pescoço.
— Crê que pode estar contente dirigindo sua casa, lhe
servindo o chá e limpando seus coletes. Mas enquanto isso,
estará faminta.
Ela ofegou e sacudiu enquanto sua mão caía de seu
pescoço para cavar seu seio, liberando uma corrente de fogo
de seu centro necessitado.
— Por isso. — Com a pressão mais suave, apertou-lhe o
mamilo.
Desta vez seu corpo caiu completamente contra ele, sua
cabeça descansando sobre seu ombro, suas mãos chegando a
agarrar seu cabelo. Seus quadris se retorceram contra ele.
Necessitar. Necessitar. Precisava alimentá-lo da forma
em que tinha feito a ela.
— Por cada maldita coisa que possa te dar. Todas as
coisas que nunca fará.
— Oh, meu Deus — gemeu. — Deve parar, meu amor.
Sentiu como seu sorriso crescia contra sua pele.
— Uma divagação. Parece que estou fazendo bastante
bem.
— Minha senhora? — A voz hesitante e enferrujada veio
de detrás deles, de uma cadeira sombreada onde sua criada
ficou adormecida.
Parecia que já não dormia.
— Peggy. Sua senhoria só estava me ajudando, me
ajudando com a escada.
Uma baforada. Uma mescla de saias.
— Se você o diz, minha senhora. Posso encontrar minha
cama agora?
Felizmente, além de ser obsessivamente diligente com o
esfregão e o espanador, a criada era ao mesmo tempo
intrusiva e discreta, todas as razões pelas quais Julia a tinha
selecionado do pessoal de Willoughby Manor para que
servisse como sua dama de companhia.
Nesse momento, Julia limpou a garganta, agarrando-se
de novo aos trilhos da escada enquanto as mãos, os braços de
Charlie e o calor se retiravam lentamente.
— Sim, é claro — respondeu à garota. — É muito tarde.
O som da porta da biblioteca que se fechava à saída
apressada de Peggy pôs Julia em movimento. Ela desceu da
escada e se virou para enfrentá-lo. Agora estava a dois metros
de distância, de costas para ela, sua mão apoiada no escuro
manto de madeira enquanto olhava para as baixas chamas.
Aproveitando a oportunidade de reunir seu engenho e
sua determinação, engoliu em seco e alisou o cabelo sobre
sua orelha. Soltou-se enquanto ela se retorcia contra ele.
— Dei-te minha resposta em Londres, Charlie — disse
em um silêncio incômodo. — Não mudei de opinião.
Sua cabeça tremeu. Sem se virar, respondeu: — Então,
por que veio aqui? Devia saber…
— Não. Supus que passaria o inverno em Grimsgate. —
O extenso castelo de Northumberland era seu lar ancestral, a
sede de seu marquesado. Steadwick Park era só uma
propriedade secundária, embora albergasse seus renomados
estábulos. Charlie era amplamente considerado como quem
tinha a melhor coleção de cavalos na Inglaterra.
Possivelmente ela deveria saber que ele estaria ali. E,
muito bem, talvez uma parte dela esperava que assim fosse: a
parte rebelde, imprópria e ingovernável. E se tivesse que
passar os próximos quinze dias reordenando cada habitação
da casa de Lorde Dunston, se calaria.
A luz dourada do fogo brincava com a prata na têmpora
de Charlie enquanto ele virava para olhá-la fixamente.
— Se crê que te permitirei se casar com um velho viúvo
parvo e despenteado, está louca.
O fio de aço em sua voz falava mais claro que suas
palavras. Atravessou-a limpamente, eriçando sua pele. A
maioria das pessoas via este homem como tranquilo,
paciente, distinto. Alguns poderiam inclusive considerá-lo
modesto. Mas isso era só porque sua mãe era um dragão feroz
e manipulador, e em comparação, parecia bastante manso.
Entretanto, como Julia tinha aprendido bem, as
aparências enganavam.
— Não corresponde a você dizer com quem me casarei. —
Inclusive para seus próprios ouvidos sua voz carecia de
condenação.
— Casará comigo. — Suas palavras baixas se afundaram
em seu coração. A fez arder de dentro para fora como se suas
mãos e lábios nunca tivessem saído. — Sua negativa é uma
tolice, Julia. — Agora seus olhos estavam fixos nela,
entrecerrados e brilhantes. Torturado. Ressentido. — Dei-te
meses para reconciliar os temores que lhe têm feito fugir de
mim. Ninguém pode negar que fui paciente. Mas o tempo da
paciência acabou.
O ar dentro dela parecia se expandir, pressionando para
fora contra suas costelas e pele. Ela esperava que ele
aceitasse sua negativa amavelmente, como deveria fazer
qualquer cavalheiro. Não esperava isto, embora possivelmente
deveria havê-lo feito.
— Charlie…
— Já chega. — Sua voz estava cortada e áspera. —
Fizemos tudo à sua maneira durante dois malditos anos. Já é
hora de que eu me encarregue de tudo.
Seu coração palpitava e palpitava enquanto o via virar
sobre seu calcanhar e espreitar para a porta da biblioteca.
— O que significa isso? — Sussurrou enquanto as
sombras na borda da habitação tragavam sua forma alta e
magra. Mais alto, insistiu em saber. — Charlie. O que
pretende fazer?
Ela não podia ver sua expressão, mas depois que uma
rajada agitou a luz do fogo, sentiu como se detinha, sentiu
como seus olhos pousavam sobre ela como uma chama.
— A caçada dura quinze dias. Muito tempo para
persuadir uma mulher inteligente de que entre em razão, não
acha?
Um protesto estava ainda em sua garganta quando ela
viu que partia.
Em vez de soltá-lo, seus olhos se fecharam, apertando
tão forte como seus punhos.
Oh, querido céu. Não podia voltar a fazê-lo. Fingir que
não o amava. Fingir que não queria ser sua esposa.
Simplesmente não podia. Fez um buraco dentro dela na
primeira vez, não poderia uma segunda.
Seus olhos se abriram procurando uma resposta na
habitação. Encontrou pilhas de livros em meio à luz
bruxuleante, organizados em categorias e ordenados por
tema, logo por autor e logo por título. Ela respirou o aroma do
couro, o papel, o pó, e o fraco e acre aroma da lareira.
Distante, sentiu como sua mão se desviava para seu ventre,
formando uma garra. Com um grunhido de frustração, forçou
seus braços para os flancos.
— Biografias. — A palavra era um sussurro pronunciado
através de uma garganta apertada. Olhou a pilha dupla na
poltrona de couro, logo a terceira prateleira do teto e logo a
escada de mogno. E, com um grande esforço, começou-se a
mover. — Começaremos com biografias.
CAPÍTULO 2

“A persistência é louvável, Humphrey. Entretanto, se seus


esforços se limitarem a perseguir a sua presa pelo campo
enquanto lhe nega seu prêmio para sempre, receio que seu
comportamento deve ser descrito de uma maneira muito menos
aduladora”.
A viúva marquesa de Wallingham ao seu companheiro,
Humphrey, sobre a vã, mas persistente busca de um esquilo
ardiloso e escorregadio.

— Ela desmantelou minha biblioteca. — Henry Thorpe, o


conde de Dunston, era um companheiro afável e muito
cuidadoso com o diabo. Um homem aficionado à variedade de
coletes e conhecido por seu humor engraçado. Em outras
palavras, não gostava muito de murmurações. Mas seu tom
no ataque de caça de faisões da madrugada soava a
aborrecimento. — Ainda não localizei A vida de Samuel
Johnson. Eu só estava no meio do caminho. Maldita seja.
Com quatro tiras fracas de pássaros e observando seu
fôlego branco fundir-se com a névoa da manhã, Charlie
continuou caminhando através de um campo salpicado de
erva marrom e barro congelado sem responder. O que poderia
dizer? A mulher estava louca. E era enlouquecedora.
E formosa.
Intelectualmente, sabia que não era a mulher mais
formosa que tinha visto. Essa distinção pertencia à recém
casada Lady Tannenbrook. Mas estes eram tecnicismos. Para
ele, Julia era um encanto em si mesma.
Cada divagação, organização e enlouquecedora polegada
dela.
— Não tem nada a dizer? — Dunston pressionou. — Está
aqui porque me pediu que convidasse a ela e àquele
cachorrinho, Willoughby. — O elegante conde agitou a cabeça
e soprou com uma risada incrédula. — Um novo e obscuro
barão com péssima simpatia para os reformadores, e sua
mãe, e a viúva de sua prima. Ridículo. Por que te escutei?
Sua viagem de volta a Fairfield Hall depois de uma bem-
sucedida manhã de caça de aves tinha começado com este
tema, e o homem ainda não tinha cessado de tagarelar suas
queixas.
O excelente spaniel do Dunston trotava entre eles, o pelo
castanho e sedoso de suas orelhas o mesmo castanho que o
cabelo de seu amo. Ao redor deles, uma neblina cinza invadia
os campos sombrios e as folhas apáticas ficaram quietas.
Só o rangido de suas botas, o sopro de seu fôlego, a
alegria ofegante de um spaniel castanho, misturavam-se no
silêncio.
Oh, e Dunston queixando-se incessantemente. Não podia
esquecer isso.
Pacientemente Charles esperou que a ira do jovem Lorde
seguisse seu curso.
Sempre tinha gostado do homem, e apesar do estranho
episódio de mau humor, Dunston era muito amável e muito
mais inteligente do que parecia, qualidades que se
valorizavam em um amigo e vizinho.
A exasperação era compreensível, supôs. Toda a
sociedade sabia que Charles Bainbridge, o décimo quarto
marquês de Wallingham, tinha tentado — e fracassado —
cortejar a baronesa Willoughby para que se casasse.
Tinha-a assediado com paciência e perseverança, como
fazia a maioria das coisas. Infelizmente, seus esforços
resultaram em vários cenários desastrosos e mais de um
chapéu arruinado, mas não, infelizmente, no matrimônio. Isso
também era bem conhecido entre a sociedade, e não podia
culpar Dunston por seu ceticismo. Que mais podia pensar
quando um amigo aparentemente cordato lhe deu conhaque
francês antes de exigir que alterasse a lista de convidados
para sua caçada anual?
Charles não era do tipo obsessivo, nem era
particularmente manipulador. Era racional. Calmo. Um
homem que já tinha passado a primeira quebra de onda de
indiscrição juvenil — embora nunca tivesse tido uma quebra
de onda de indiscrição, juvenil ou de outro tipo — e se
orgulhava de manter o controle de si mesmo.
Exceto no que dizia a respeito a certa viúva. Ela havia o
tornado meio louco.
Não, não se podia esperar que Dunston o entendesse.
Julia Willoughby, Lady Willoughby, era extraordinária.
Ninguém podia igualá-la, e não tinha intenção de deixar que
suas dúvidas infundadas os mantivessem separados.
Além disso, negou-se a pensar nela como uma mulher
acabada. Essas eram mulheres como sua mãe, de cabelo
branco e enrugado pela idade, uma matrona de setenta e dois
anos que reinava como uma rainha-dragão sobre seu salão
dourado em Park Lane.
Julia não. Seu cabelo brilhava como um campo de trigo.
Ou como o sol que desejava Ícaro. Ou os bolos de queijo que
seu cozinheiro fez para acompanhar o jantar da sexta-feira.
Possivelmente foi melhor que nunca tivesse provado a
poesia, mas o fato é que ela não era velha. Seu cabelo era
loiro, sem fios brancos, sem perda de brilho.
Além disso, quando sorria, os cantos de seus olhos se
enrugavam. Do contrário, ela não tinha nenhuma só linha
indecorosa que ele pudesse discernir.
Depois de tudo, só tinha trinta anos.
Estritamente falando, ela era uma viúva, supôs. O primo
do falecido marido, Miles Willoughby, tinha herdado o título
dois anos antes, e o recente matrimônio do moço requeria
uma distinção entre as atuais e as antigas damas Willoughby.
Mas, para Charles, ela era simplesmente Julia. A mulher com
a qual queria casar-se.
Se tão somente ela estivesse de acordo.
Enquanto passavam por uma região de monte baixo,
Dunston transferiu sua ave do cotovelo até o ombro com uma
facilidade fantasmal. Embora Charles fosse um bom caçador,
ele mesmo se maravilhou durante muito tempo dos instintos
de rastreamento do conde e de seu hábil manejo das armas.
Nas mãos do Dunston, tudo, desde armas longas e pistolas
até espadas e facas, converteu-se em uma extensão de suas
extremidades. Para um suposto cavalheiro do ócio — um que
nunca tinha sido soldado -, tal perícia era incomum.
Nesse momento, Dunston o olhou de esguelha e levantou
uma só sobrancelha castanha, começaram a ascender uma
elevação pouco profunda.
— Espero que seu plano para a afastar do Senhor
Mortimer supere seus esforços anteriores. Odiaria pensar que
todas estas moléstias foram em vão. — Charles franziu o
cenho ante o aviso. Não tinha inimizade prévia por Senhor
Mortimer Spalding. O cambaleante e desalinhado baronete
poderia ter permanecido como uma relíquia calcificada em
sua casa nos subúrbios de Cambridge até que o sol
desaparecesse da existência, apesar de todas suas
consequências para a vida de Charles.
Exceto… ah, sim. Exceto, exceto, exceto.
Exceto que ela tinha decidido que Senhor Mortimer
Spalding – inconcebivelmente — seria um marido superior ao
décimo quarto maldito marquês de Wallingham.
Um escândalo. Isso é o que era. O homem era quinze
anos mais velho que ela, com três filhos maiores e uma
coleção de tratados botânicos menos poeirentos e mais
fascinantes que ele.
— Ela se casará comigo — disse Charles, baixo e
sombrio. — Mal pode evitar dormir depois de jantar, para sua
idade.
— Não é muito mais velho que você, Wallingham.
A irritação pelo aviso pulsou através dele.
Distraidamente acariciou os fios prateados de sua têmpora.
Tinha quarenta anos. Apenas em seu apogeu. E nada como
Spalding. Por um lado, toda a cabeça do homem estava cinza
e perenemente desarrumada. Por outra parte, o barão mal
podia montar em um cavalo sem tatear seu copo.
Olhou para o Dunston cuidando de não revelar muito.
— Apesar de tudo, não são adequados. Não se manterá
em pé.
— Como pretende evitar o matrimônio? — Dunston
desafiou. — Parece que ela fez sua escolha. Melhor aceitar.
Charles se deteve em seu lugar esperando que Dunston
fizesse o mesmo, o qual fez, voltando-se para enfrentá-lo com
o cenho franzido de consternação e uma rítmica exalação de
vapor. Seu spaniel também girou e voltou a sentar-se junto ao
seu joelho, olhando adoravelmente ao seu amo.
— A dama é minha — disse Charles, as palavras tão frias
e escuras como o chão sob seus pés. — Talvez não de nome,
mas em todos os aspectos críticos ao propósito de um
homem, ela me pertence. — Todos menos um, era um
descuido que pretendia retificar sem demora.
Sobrancelhas castanhas se arquearam sobre faíscas
gêmeas de diversão.
— Entendi.
— Não, não o fez. Mas um dia o fará, e então serei eu a
rir.
— Pode ser que te surpreenda o quanto entendo,
Wallingham. Então, considerou o que fará se ela não aceitar a
sua maior sabedoria? Talvez ela simplesmente não sinta o
mesmo apego.
— Ela o faz. Ela está lutando contra isso. Deus sabe
porquê.
— Bem, bem. — Dunston passou uma mão por sua boca
antes de agitar a cabeça com óbvia diversão. — Tudo isto é
bastante… inesperado.
Charles fez uma careta.
— Como é isso? Passaram dois anos.
— Oh, não é você que a ama. Isso é terrivelmente óbvio.
Não, referia a essa rajada de implacável certeza que está
exibindo. Recorda a alguém. Agora, quem poderia ser?
Dunston estava zombando dele. Ele não apreciava.
— Deixa a minha mãe fora disto.
O conde riu como se Charles fizesse uma brincadeira
hilariante.
— Como posso, se ela fez uma aparição tão
extraordinária em minha caçada, tudo sem sair de
Northumberland?
— Não me pareço em nada a ela. É um parvo.
Se ouviu gargalhadas dos lábios do outro homem em
baforadas de vapor enquanto seu braço livre se estendia ao
redor de suas próprias costelas e seis faisões mortos tremiam
junto à sua coxa.
Enojado pela exibição, Charles começou a passar por
diante dele, golpeando um alto pedaço de erva enquanto se
dirigia para uma sebe cinquenta metros mais adiante.
Atrás dele escutou um último estalo de risada, logo um
breve assobio e logo Dunston. Com um intento sarcástico de
desculpar-se.
— Pelo amor de Deus, homem. Não atue como se te
tivesse insultado a dignidade – disse. — Resulta que admiro a
sua mãe. É uma mulher formidável.
Charles não freou seu passo. Que o descarado lorde
corresse para alcançá-lo.
Dunston logo o fez.
— Vamos, Wallingham. É só que julguei mal seu caráter.
Tais enganos ocorrem com pouca frequência, é claro, mas
ocorrem. Equivocadamente pensei que você preferia…
Desta vez, Charles o fez devagar.
— Em vez disso?
Um encolhimento de ombros. Um giro de lábios
divertidos.
— Rigoroso. Sóbrio. Considerado.
— Tedioso, quer dizer.
— Não. Só um homem que prefere controlar-se antes que
aos outros. Justamente o contrário de sua mãe, em realidade.
— Precisamente. — O cenho franzido de Charles se fez
mais profundo. — E?
Outra vez, Dunston agitou a cabeça.
— Estou encantado de encontrar outra coisa, isso é tudo.
— Ante o desagrado de Charles, Dunston levantou uma mão.
— Disfarça-o admiravelmente. Não se preocupe. Estou seguro
de que ninguém mais suspeita. Bom, possivelmente Lady
Willoughby. Depois de tudo, ela foi o objetivo de sua…
determinada atenção, digamos?
— Está dizendo tolices.
— Não. Sou bastante bom nisto.
— No quê?
Um brilho mais duro e sério entrou nos olhos de
Dunston.
— Desenterrar a própria natureza essencial.
— Tolices – respondeu. — Minha afirmação de que Lady
Willoughby deveria ser minha é uma conclusão racional
apoiada em dois anos de conhecimento e perseguição de dito
objetivo. É absurdo e grotesco que se case com alguém que
não seja eu.
Dunston deu uma longa piscada.
— Ah, sim. Perfeitamente lógico.
— Evitarei tal atrocidade com meu último fôlego.
— Atrocidade?
— Felizmente, minha morte é desnecessária. Ela voltará
a si. Me encarregarei disso.
— Hmm. Em efeito. E se não o fizer?
De repente, Charles sentiu a tensão em seu corpo.
Punhos fechados, dor na mandíbula por apertá-las, abdômen
apertado sobre um estômago ardente. Ele sabia o que era isto.
E gostava ainda menos que ser comparado com a marquesa
viúva de Wallingham.
Mas um homem deve fazer o que um homem deve fazer.
— Me encarregarei disso — repetiu, baixo e decidido.
O sorriso de Dunston se partiu e se estendeu como uma
vela através de uma porta quebrada.
— Aí está — respirou. — O dragão. Como perdi isso
todos estes anos?
Decidindo que era melhor ignorar seu amigo demente,
Charles soprou e deu um passo à frente, preparado para
esquentar-se de novo.
Preparado para ver Julia de novo.
Ao passar, Dunston lhe deu uma palmada no ombro
jovialmente e logo ficou ao seu lado. Charles esperava mais
afirmações tolas sobre sua “natureza essencial”, mas o conde
optou pelo silêncio que o acompanhava, o spaniel saltando
atrás deles com um latido.
Infelizmente, na quietude, seus pensamentos se
converteram em um ruído temível.
E se ela não sente o mesmo?
Ela o fazia, isso tinha respondido ao Dunston. Mas era
verdade?
Olhou à escravizada criatura que havia entre eles. A
língua do cão se travou alegremente, seus escuros olhos
voltando repetidamente para o Dunston para assegurar-se de
que não o tinha esquecido nos últimos trinta segundos.
Charles estava igual o spaniel, seguindo Julia com uma
devoção indecorosa, ansioso por algum sinal que
compartilhasse um apego similar?
Sou um tolo? Ou pior ainda, estou repetindo os erros
de minha mãe, insistindo em que o resto do mundo se
ajuste aos meus desejos?
De repente, ao passar pela porta da sebe e ver Fairfield
Hall, não pôde deixar de perguntar-se. Tinha calculado mal
sua conexão? Lhe tinha devotado tudo, e lhe tinha rechaçado.
Estava tão abalado que perdeu o controle de uma carruagem
pela primeira e única vez em sua vida, com os dedos
intumescidos e inúteis.
Mas antes desse momento, antes desse dia, ela também
havia sentido. Ele sabia. Tinha visto. E se lembrou. Oh, sim,
ele recordava cada maldito momento de seu tempo juntos.
Possivelmente tudo o que tinha que fazer, então, era
recordar-lhe.
Olhando o cão, felizmente preso junto aos joelhos do
Dunston acenando, abanando o rabo, sentiu um pequeno
sorriso em seus lábios.
Sim. Um aviso estava muito atrasado.
CAPÍTULO 3

“Reza, recorda como começou isto. Com tolices. Seguido de uma


calamidade. Espero que mesmo uma mente tão fraca como a
sua comece a sentir um motivo.”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu sobrinho ao receber
a notícia de sua reintegração em Oxford depois de longas
negociações e duras recriminações.

Dois anos e nove meses antes


Fevereiro 1816, Londres

Enquanto Charles entregava seu chapéu e suas luvas ao


mordomo de Arthur Willoughby, olhou pelo vestíbulo da
entrada. As paredes eram de painéis brancos. Os pisos eram
de madeira polida. Uma casa alugada, obviamente. Lorde
Willoughby não tinha meios para comprar uma residência em
Londres, nem sequer uma tão pequena como aquela. Mas se
surpreendeu do elegantemente disposto que estava o espaço:
uma mesa de mogno com tampa de mármore contra uma
parede, centrada em um vaso azul e branco de lírios brancos
e rosas amarelas. Sobre a mesa, uma pequena pintura de um
verde vale do verão brilhava dentro de um marco de nogueira
escura. Assim como a mesa, o vaso e as flores, a pintura era
requintadamente singela, nem grande nem ostentosa, mas
impregnada de qualidade. Quem quer que tivesse selecionado
estas peças possuía um talento para tirar o máximo proveito
dos recursos limitados.
— Por aqui, meu senhor — os ruídos do nariz do
mordomo se misturaram em seus pensamentos.
Charles assentiu com a cabeça e seguiu o homem vestido
de escuro por um corredor e subiu pela escada até o primeiro
piso. No caminho, não pôde evitar notar a ordem limpa e
silenciosa da casa. Não havia gotas de cera sobre os pisos
brilhantes. Não havia pó nos cantos dos degraus das escadas.
Estava impecável. Bem iluminado. Agradavelmente calado.
Até sua mãe estaria impressionada.
O mordomo lhe mostrou a sala de estar, de pé a um lado
enquanto abria a porta. Esta habitação, embora
provavelmente a maior da casa, teria cabido perfeitamente
dentro de sua biblioteca em Wallingham House, e três vezes
dentro de sua sala de estar. Entretanto, assim como o
vestíbulo da entrada, sua sobriedade e elegância eram
paredes de painéis magistrais pintadas de um azul
esverdeado apagado, sofás gêmeos estofados com listras
brancas, uma mesa baixa entre eles coroada por uma bandeja
de chá de prata, um bule resplandecente e três xícaras de
porcelana branca. Convidava um homem a descansar, beber e
respirar livremente.
— Wallingham! Me alegro de ver-te, homem. — Arthur
Willoughby se dirigiu para ele da direção das janelas cobertas
de ouro, seus óculos brilhando a princípios da primavera.
Embora não fosse nem alto nem grande, Willoughby sempre
dava a impressão de que tinha energia e um impulso inquieto.
Era possivelmente um ano ou dois mais jovem que Charles,
seu cabelo claro se afastava de uma testa alta, seu marco de
ossos pequenos e vestido previsivelmente com um casaco azul
escuro, colete cinza, calças polidas e lenço branco.
Willoughby ofereceu sua mão e Charles a estreitou sem
duvidar. O homem poderia ser um invasor com ambições
políticas desmesuradas, mas ao longo de seu conhecimento
sempre tinha sido franco, o que era mais do que se podia
dizer de muitos outros que procuravam o apoio de Charles.
— Obrigado pelo convite, Willoughby — respondeu
Charles, assentindo para a bandeja de chá. — Entretanto, a
minha cooperação para um projeto de lei que se opõe ao
nosso governo requer mais que um pouco de chá e
conversação.
O sorriso de Willoughby cresceu, e seus olhos passaram
junto ao ombro esquerdo do Charles.
— Talvez uma dose de encanto seja suficiente. Por isso,
pedi à minha esposa que se unisse a nós, não é assim,
querida?
Girando sobre o calcanhar de sua bota, Charles viu Lady
Willoughby aproximar-se da direção de uma escrivaninha de
mogno em um canto da habitação.
Tendo conversado com ela em duas ocasiões anteriores,
achou-a uma mulher muito atrativa, inteligente, serena e
cálida. Sua última conversação tinha sido no jantar de Lady
Reedham, onde tinham estado sentados juntos, passando
horas falando de tudo, desde seu amor por montar a cavalo
até sua afeição pela “correta organização da biblioteca”. Um
pouco desconcertado por sua paixão pelo tema — nunca
tinha pensado profundamente na importância de categorizar
primeiro e de ordenar alfabeticamente depois -, entretanto,
tinha achado suas explicações lúcidas e persuasivas.
E, inesperadamente, tinha ficado encantado.
Talvez tivesse ocorrido quando se deteve, ruborizou-se e
riu de si mesma por “falar de um tema tão tedioso, meu
senhor”. Sim, possivelmente esse foi o momento.
Além disso, sua beleza crescia quanto mais a olhava. Ao
vê-la pela primeira vez, por exemplo, seu cabelo era
simplesmente um tom meio loiro. Entretanto, à luz das velas
da sala de jantar de Lady Reedham, tinha notado tons mais
claros e mais ricos entre a cor, o champanhe e o mel por
turnos. Agora, esta manhã, também viu que seus olhos eram
mais de xerez Amontillado que de conhaque âmbar.
E sua forma se curvou junto com seus lábios, formando
rugas sedutoras nos cantos. Seu nariz chegou a um ponto
refinado. Seu sorriso era amplo e brilhante, sua mandíbula
surpreendentemente forte. Era uma mulher atrativa. Não,
uma mulher cativante. Willoughby fez bem em convocá-la em
sua campanha para conseguir a cooperação de Charles.
— Lady Willoughby — murmurou, inclinando-se
profundamente como sinal de sua admiração.
Assentiu, as covinhas aparecendo enquanto sorria suas
boas vindas.
— Devo admitir, Lorde Wallingham, que não foi fácil meu
marido me atrair a Londres.
Sentiu um sorriso de resposta puxando seus próprios
lábios.
— Não?
— Prefiro o campo. Mas estou muito contente de ter
decidido vir, embora só seja por te haver conhecido. Passou
muito tempo desde que desfrutei de uma conversação mais
que a que compartilhamos no jantar de Reedham. Embora
saiba que Willoughby quer monopolizar seu tempo hoje com
assuntos políticos, estou encantada de que esteja aqui.
Em qualquer outra pessoa ele teria encontrado suas
adulações falsas e indulgentes. Mas Julia Willoughby emitiu
sinceridade como uma rosa emitiu perfume. Naturalmente.
Sem esforço. Se era real, não podia dizê-lo. Sentia-se real.
— Só posso esperar ganhar essa consideração, minha
senhora — murmurou.
— Sentamo-nos? — Ela perguntou brilhantemente,
assinalando para os sofás.
Ofereceu seu braço. Depois de uma breve vacilação,
agarrou-o, sua mão de ossos finos assentando-se sobre sua
manga.
De algum jeito encontrou-se sentado ao seu lado,
olhando aquelas mãos servir seu chá com precisão enquanto
Willoughby explicava todas as razões para revogar o imposto
à propriedade que se aplicou durante a guerra.
Charles assentiu com a cabeça e tomou um sorvo antes
de encontrar-se com o olhar ávido de Willoughby. O outro
homem se sentou no sofá oposto, seus olhos brilhando atrás
de seus óculos.
— As petições que leu na Câmara dos Lordes são só o
princípio, Wallingham. Deve se dar conta disto. A agricultura
foi duramente golpeada ultimamente. Os agricultores estão
sofrendo. Suas próprias fazendas devem senti-lo. Estes
onerosos impostos não podem continuar, ainda mais tendo
em conta que se prometeu ao povo que terminariam com a
derrota do Bonaparte. Passou quase um ano desde Waterloo.
O chá estava bom, notou. Forte, fragrante e
perfeitamente encharcado.
Qualidade superior, se é que não perdeu sua conjetura.
— A guerra foi custosa — disse. — Nossa dívida é uma
carga de certa enormidade. Se não forem os impostos sobre a
renda, então o quê?
A discussão continuou durante outra hora. Charles não
estava seguro de porquê se incomodou em argumentar o caso
do Tesouro Público, dado que já tinha decidido prestar seu
apoio aos abolicionistas fiscais.
Gostava de sentar-se nesta habitação. Gostava do chá —
estava em sua terceira taça. Sobretudo, gostava da presença
quieta e silenciosa ao seu lado.
Cheirava a rosas beijadas pela lavanda, suave, fresca e
floral como o jardim sul de Grimsgate.
Fazia muito tempo que tinha decidido não se casar
nunca mais, nunca mais ansiar o consolo da domesticação.
Mas isto foi encantador. Ela era encantadora. Possivelmente
sua mãe não tinha estado de tudo equivocada, se fosse para
admitir. Talvez devesse reconsiderar a possibilidade de tomar
uma esposa.
Só se for tão esplêndida quanto Lady Willoughby.
O pensamento lhe fez deter-se. Um sorriso encantador e
uma xícara de chá perfeita valiam o risco de voltar para o
inferno no qual tinha vivido?
— Vejo que duvida das minhas afirmações, Wallingham.
— Willoughby se levantou de seu sofá como um sabujo que
brinca atrás de uma codorna caída e se dirigiu para as portas
da sala de estar, sustentando um dedo atrás dele. — Tenho
relatório de três condados que deve ler. Só será um momento.
Piscando, Charles engoliu seu último sorvo de chá e se
inclinou para frente para colocar sua xícara vazia na bandeja.
Suas mãos chegaram ao bule automaticamente.
Sem pensar mais que em impedir que ela enchesse sua
xícara pela quarta vez, seus próprios dedos lhe roçaram os
nódulos onde ela apertou a alça prateada do bule.
Curiosamente, o toque de sua pele contra a dela o assustou,
como se tivesse tido uma intimidade inapropriada.
Por exemplo, ao estender a mão debaixo das saias para
acariciar o lado interno da coxa. Ou passando seu polegar
pela ponta do mamilo dela.
Santo Deus, de onde saíram estes pensamentos?
Tirou a mão como se ela o tivesse escaldado. O qual, em
certo modo, fez.
Seus olhos se desviaram para seu corpete. Usava seda
castanha, simples e sem adornos. Modesto, inclusive. Mas o
decote, cheio de ficus de renda, não podia dissimular a
plenitude de seus seios. Uma plenitude bastante chocante,
agora que lhes deu um olhar apropriado. Redondo, cheio e
luxurioso, uma raridade em uma mulher tão magra.
Incapaz de deter-se, imaginou-os nus. Seus mamilos
seriam da cor dos pêssegos, predisse. Pêssego ruborizado
como seus lábios.
— Meu senhor, gostaria de…. gostaria de algo mais?
Estou feliz de servi-lo.
Engoliu em seco, olhando aqueles lábios formar palavras,
olhando a suave cor clara do pêssego da manhã trocar para
rosado prateado, converter a pele leitosa em pérola luminosa.
Tinha um lunar justo debaixo da orelha, uma mancha
avermelhada em seu pescoço, caso contrário perfeita. Mas
mesmo sua imperfeição era perfeita. Podia imaginar-se
pressionando seus lábios ali enquanto se inclinava para
diante e empurrava dentro dela.
Para já. Pertence ao Willoughby. Não se entretenha
com mulheres de qualidade, muito menos com aquelas
casadas com barões sufragistas.
Seus olhos não lhe obedeciam. O estranho fogo do
silêncio, daquela habitação, seu aroma e suas luxuriosas
imaginações se mesclaram em um elixir embriagador que
nunca tinha experimentado, mesmo com suas amantes mais
aventureiras.
Poderia o chá perfeitamente servido ser um afrodisíaco?
Talvez não fosse o chá, e sim a servente, porque ela o tinha
agarrado no momento mais erótico de sua vida.
Viu como aqueles mamilos que tinha estado imaginando
se empurravam para fora contra a seda, protestando por seu
confinamento através de capas de espartilho e musselina. O
sangue corria forte em seus ouvidos, golpeando dentro de seu
pênis.
Algo tinha perturbado sua respiração, fazendo com que
se acelerasse. Aqueles seios arredondados e exuberantes se
elevaram e caíram com rajadas erráticas.
Se podia ouvir algo além de seu estrondoso sangue,
supunha que a ouviria ofegando. Por sua parte, conseguiu
controlar sua respiração.
Mas não seus olhos. Queriam encher-se. Queriam sua
pele, seus lábios e aqueles doces mamilos de pêssego. Eram
de pêssego? Ele queria saber.
Isto estava mal. Deveria ir-se. Willoughby voltaria logo.
Certamente um homem se daria conta de que o outrora digno
Marquês de Wallingham contemplara a cor dos mamilos de
sua esposa enquanto mostrava um pau completamente
arqueado dentro de suas calças.
Sim. Deveria ir-se.
Sua mão, por si só, estendeu-se desde sua posição junto
a sua perna, alargando-se sobre um estofado de listras
brancas até que seu dedo sentiu a borda da seda castanha.
Sentiu o calor de sua coxa esquentando-o justo na ponta.
Deveria ir-se. Agora. E o faria. Faria.
Farei, maldição.
Viu como lhe fechavam os olhos. Olhou sua língua sair
correndo para molhar seus lábios. Viu aquele pescoço longo e
perolado ondular-se como uma andorinha.
Ao longe escutou umas botas que golpeavam umas
tábuas de madeira polida, e os sons se faziam cada vez mais
fortes quando se aproximavam das portas.
Charles tinha vivido uma longa vida de rigidez exterior.
Sua mãe tratou de controlá-lo. Homens como Willoughby
procuravam influenciá-lo. As damas queriam casar-se com
ele, embora isso tivesse diminuído com o tempo. Tudo isso
tinha suportado com paciência e uma vontade sem piedade
dirigida. Mas agora mesmo, nos elegantes limites de um salão
silencioso, dentro de uma casa alugada nos subúrbios de
Mayfair, necessitou-se de tudo para retirar a mão, levantar-se
do sofá, fechar com chave as mãos atrás das costas, e passear
casualmente para a janela.
Não podia enfrentá-la, é claro. Além disso, não podia
permitir que Willoughby visse como se viu afetado por
pensamentos que, se ela tivesse sido a esposa de Charles e ele
tivesse descoberto outro homem contemplando de maneira
similar suas perfeitas imperfeições, teriam terminado na
inconsciência desse homem. Talvez sua morte.
Se ela fosse minha, pensou, desejando que sua ereção
diminuísse enquanto via passar um soldado sob a
interminável chuva de fevereiro. Se fosse minha, a
esconderia, a manteria no campo, longe de outros
homens.
Willoughby calculou mal a capacidade de sua esposa.
Compreensível, supôs.
Não se parecia com nenhuma sereia que ele tivesse visto.
Sua atual amante era muito mais bela, se quisesse ser
objetivo a respeito. Mas Julia Willoughby possuía uma
qualidade que raramente tinha encontrado. Nunca, de fato.
Levava a paz em seu interior.
Por mais que tentasse, nunca o tinha provado. E queria
fazê-lo.
Queria possui-la.
Fechou os olhos imaginando a sua amante. Isso não
ajudou, pois o rosto de Caro se transformou
instantaneamente em um par de covinhas e olhos enrugados
pelo sorriso. Apertando os dentes, empregou a única arma
que ficava. Um último recurso.
Imaginou a sua mãe.
Imediatamente seu ardor começou a esfriar-se.
Graças a Deus.
— Desculpa pelo atraso, Wallingham. — As botas se
aproximaram, amortecidas pelo tapete de lã. — Minha esposa
assegura um lar de tal eficiência, receio que inclusive os
papéis que deixo em meu escritório se arquivam
imediatamente em seu lugar. — Willoughby riu com carinho.
O som se rasgava contra a coluna vertebral de Charles
como uma pedra arranhando um metal. Manteve-se quieto,
forçou sua mandíbula a afrouxar-se.
— Para mim isto significa que frequentemente se
perdem, receio. Não compartilho seu talento organizativo.
Entretanto, arrumei-me para encontrar os relatórios. As
pessoas são do Essex. Os outros são de…
— Não é necessário. – Charles
Não pretendia que sua voz soasse fria. Parecia ser uma
falha mais de seu controle neste estranho dia. — Terá meu
apoio.
Ao girar-se viu que as sobrancelhas pálidas de
Willoughby se arqueavam sobre seus óculos.
— Fará? Bom, essa é uma boa notícia…
— Sim. Agora devo ir, receio. — Não podia olhá-la
diretamente, então assentiu vagamente em sua direção. —
Lady Willoughby, obrigado pelo chá.
— É claro — murmurou. — Foi um prazer.
Um prazer. Adorava ouvir essa palavra em seus lábios.
Precisava ir-se. Algo andava mal com ele, claramente.
Com um simples “bom dia” partiu da casa alugada dos
Willoughby nos subúrbios de Mayfair. E rezou para que sua
amante lhe fizesse esquecer certa baronesa casada que tinha
convertido o chá, o silêncio e a aceleração inesperada na
armadilha do próprio diabo.
CAPÍTULO 4

“O momento adequado é um elemento de persuasão


tristemente subestimado.
Se atuar muito cedo se arrisca a ser rechaçado. Muito tarde, se
arrisca a fracassar. Antes do café da manhã, e a gente pode
estar seguro da necessidade de um novo emprego.”
A viúva marquesa de Wallingham à sua dama de companhia
em resposta a uma sutil solicitude de um dia livre.

Um ano e dois meses depois


Abril de 1817, Bedfordshire

Tinha passado um ano. Julia piscou na data que tinha


escrita no jornal de sua casa: 13 de abril de 1817. Mal podia
acreditar. Um ano depois de ter fugido de Londres em pânico,
não conseguia explicar a si mesma, e muito menos ao Arthur.
Um ano depois de ter retornado sozinha à Mansão Willoughby
sabendo que era uma covarde, mas sem saber nada mais com
segurança.
Um ano depois de ter recebido a carta de seu marido
dizendo que voltaria para casa em Bedfordshire para a
Páscoa, e que o esperasse dentro de quinze dias. Um ano
depois de ter olhado fixamente o semblante ensanguentado e
encharcado do cocheiro, leu sua dor ali.
Um ano depois que Arthur morrera no caminho à casa,
deixando-a viúva.
Deixando-a sozinha.
Acariciou a página sentindo a fina textura do papel. Seus
jornais tinham sido seu presente para ela. Tinha
compreendido o muito que gostava que ela levasse um
registro adequado das coisas, embora ele não entendesse o
porquê. Sorrindo brandamente, pensou na forma em que sua
mão às vezes pousava sobre seu ombro. Nunca tinha
apertado nem esfregado. Era simplesmente isso: Sua mão,
seu ombro. Um ponto de calor e conexão.
Tinha sido seu marido, era verdade. Mas também tinha
sido seu amigo. Talvez isso fosse o mais importante.
Sua infância tinha sido muito solitária. Seu pai possuía
um pouco de terra fora de Bedford, mas nenhum título e
nenhuma gota de sangue aristocrático. Entretanto, sua mãe
tinha empurrado e empurrado Julia para que conseguisse um
marido titulado. Tanto que, quando tinha dezenove anos,
estava desesperada por escapar. Suficientemente desesperada
para casar-se com qualquer um.
Logo, durante um baile campestre a princípios de
setembro, tinha chamado a atenção do Arthur. Mais tarde se
maravilhou de sua boa sorte, já que ele era mais amável que a
maioria dos cavalheiros, quente, atraente e honesto. Ela tinha
trabalhado incansavelmente para ser uma esposa adequada
para ele, para que se sentisse orgulhoso. Talvez não tivesse
tido êxito em todos os sentidos: seu único fracasso foi
também seu maior fracasso. Com o coração quebrado.
Mesmo assim, o amor de Arthur tinha dado forma à
mulher que foi durante nove anos.
Agora, ele se tinha ido. Sem ele, ela se sentia tão vazia
como a página anterior.
— A Sra. Willoughby quer vê-la, milady — disse a voz da
dama de companhia de Julia.
Julia levantou a vista de sua escrivaninha. Peggy
flutuava insegura fora da porta do pequeno escritório. A casa
de campo era diminuta em comparação com a de Willoughby
Manor, e a ex-faxineira ainda não se acostumara a sua
mudança de funções: menos habitações para limpar, mais
tempo para responder às visitas e anunciar os convidados.
Bastante simples, pensaria.
Afogando um suspiro, assentiu à criada, cujos dedos se
retorceram na cintura.
— Muito bem, Peggy. Por favor, acompanhe-a à sala e
peça à cozinheira que prepare uma boa xícara de chá. Me
reunirei com ela em breve.
A criada assentiu com a cabeça, com o babado de sua
boina movendo-se ao mesmo tempo que girava sobre seus
calcanhares e se apressava a realizar as tarefas que lhe
tinham sido atribuídas.
Cuidadosamente deixando sua pluma no tinteiro de
latão, Julia ficou de pé e alisou o crepe preto de suas saias
sobre seus quadris, puxando suas mangas para as endireitar
onde se amontoavam dentro dos cotovelos. O vestido não se
ajustara bem, já que tinha sido confeccionado
apressadamente apenas uns dias depois da morte de Arthur,
e embora ela houvesse tornado a costurar duas vezes, sua
insatisfação seguia sendo a mesma.
Um ano, pensou. É hora dos trajes novos, suponho.
Cinza, talvez. Ou lavanda. Devo recordar inclui-lo no
orçamento do mês que vem.
Entrou no salão sorrindo ante a forma familiar de Helen
Willoughby. A mulher de cabelo escuro e nariz agudo tinha
uns quarenta anos, mas parecia dez anos mais jovem. Julia
pensou que era porque seus olhos sempre brilhavam como os
de uma jovenzinha ansiosa por outro pedaço de bolo. Julia
tinha chegado a adorá-la, o que era muito bom tendo em
conta que Helen era a mãe do primo e herdeiro do Arthur,
Miles. O novo Lorde Willoughby.
Um ano. Por todos os céus. Passou tanto tempo?
Helen estendeu suas mãos e Julia as tomou entre as
suas apertando com carinho.
— Minha querida senhora — disse Helen, como sempre,
inclinando a cabeça com curiosidade. — Como vai?
Pela primeira vez Julia sentiu um pingo de resistência à
simpatia que havia atrás de suas palavras. Sou viúva.
Passou um ano. Como deveria estar? Possivelmente me
possa dizer isso, porque não consigo me decidir. Mas estes
pensamentos eram mau humorados, então ela respondeu
como o tinha feito todos os dias durante os últimos seis
meses: — Estou bem. E você?
— Oh, já sabe. — Helen soltou seus dedos e saudou com
a mão enquanto cada um delas se moviam ao seu lugar
habitual no sofá de damasco de rosas. — Miles está irritado
pelo título. É suficiente para deixar uma mãe louca.
Descreveu o falatório constante do jovem sobre sua
iminente viagem a Londres, onde se sentaria pela primeira vez
na Câmara dos Lordes. Aparentemente, a perspectiva de
debater as leis de um reino não lhe preocupava
absolutamente, enquanto a perspectiva de navegar pelas
complexidades sociais da estação e um perigoso matrimônio
havia dado arrepios ao moço.
Peggy entrou com a bandeja de chá. Julia se ocupou de
servir, cuidando de encher a xícara de Helen só dois terços,
como ela preferia.
— Willoughby não deve preocupar-se — assegurou à
mulher mais velha. — É jovem, titulado e bonito. Suspeito
que sua tarefa será a mais árdua, já que deve se assegurar de
que escolha bem dentre as muitas jovens que procurarão seu
favor.
Helen aceitou a xícara com um gesto de assentimento,
mas por um longo momento não olhou para cima de onde a
tinha embalado em suas mãos.
Outra coisa estranha foi seu silêncio. Helen raramente
guardava silêncio. Muito raramente. Julia mal podia recordar
uma ocasião, de fato, distinta a esta.
Mas logo, entretanto, encontrou-se desejando que o
silêncio tivesse continuado.
— Isso é o que eu…. Oh, arruíno-o tudo. — Olhos de
menina, suplicantes, se levantaram para encontrar-se com os
de Julia. — Deve vir a Londres conosco, rogo-lhe isso.
Julia só podia piscar. Seu coração retumbou pelo
simples feito de pensá-lo. Não podia retornar a Londres. Não
enquanto ele estivesse ali.
— Sei que deplora a cidade, querida, e me dou conta de
que segue de luto por nosso amado Arthur, mas me encontro
terrivelmente mal preparada para guiar Miles através de sua
primeira temporada. Nossos conhecidos são poucos.
— Não tenho a menor ideia do que se necessita para
entrar no Almack’s. Embora ouvi falar do Almack’s. Suponho
que isso é uma marca ao meu favor. Mas como faz Miles para
unir-se ao White’s? Que convites se devem aceitar primeiro?
Qual deveria ser cortesmente rejeitado? — Seus olhos se
abriram comicamente. — Oh, querida. E se não houver
convites?
Helen seguia falando? As extremidades de Julia se
congelaram em seu lugar, seus olhos estavam cravados na
xícara de chá da outra mulher. Tudo o que podia ouvir era o
tamborilar de seu pulso enquanto forçava sangue quente à
superfície de sua pele. Isso, e a palavra Londres.
Estava destinado a estar ali. Um homem de sua
influência não poderia faltar a uma sessão parlamentar,
certamente.
— Um desastre total é provável, querida Julia.
Absolutamente. Desastre. Estou segura disso.
— Como eu — murmurou distraidamente.
Um chiado feminino levantou o olhar de Julia.
— Então virá? — Helen se sentou mais reta, inclinando-
se para frente e quase derramando seu chá. — Por favor, diga
que o fará.
Julia agitou a cabeça e engoliu em seco.
— Não-não posso. Sinto muito.
Os ombros vestidos de cinza se desabaram, mas só
ligeiramente.
— Julia…
— Ainda estou de luto, Helen. — Não era precisamente
uma mentira. Sua dor era real. Converteu-se em uma parte
dela, uma fita preta tecida dentro de suas fibras.
Helen transferiu sua xícara de chá cuidadosamente à
mesa auxiliar de carvalho antes de apoiar sua mão sobre o
antebraço de Julia.
— É claro que sim. Mas sentirá sua perda mais
profundamente que nunca se não tiver nada com que se
ocupe.
— Tenho que cuidar da casa. E do jardim. Minhas rosas.
— Julia.
Não queria olhar aos olhos de Helen. Ela sabia o que
veria ali. Lástima. Simpatia. Uma espécie de repreensão
maternal.
Um suave dedo levantou seu queixo.
— Recorda que eu também sou viúva. Assim, quando
digo isto, deve saber que é só porque é tão querida para mim
como minha própria irmã. Se tivesse uma irmã. O que não é
verdade. Mas você é querida assim.
Apesar de seu temor, Julia soltou uma gargalhada.
Helen se uniu, rindo de si mesma como frequentemente
o fazia. Então lhe fez gestos com a mão.
— Não pode se permitir rolar como um queijo esquecido.
Julia se zangou com a comparação.
Helen seguiu adiante.
— Já é hora de descartar o crepe preto e a bombazina
para aventurar-se fora das paredes desta casa. Miles e eu
nunca quisemos que vivesse aqui, em qualquer caso.
Queríamos que ficasse na mansão Willoughby.
Agitando a cabeça e apertando os dedos de Helen, Julia
respondeu: — Sabe que não podia haver ficado. Não teria sido
correto. — Tampouco podia suportar.
No dia anterior à chegada do novo Lorde Willoughby e
sua mãe, Julia se tinha mudado à casa de campo de Dower.
Logo tinha retornado à mansão para dar uma última olhada
ao seu redor.
Nove anos de trabalho. Nove anos de meticulosos
horários de limpeza e planejamento de refeições e contratação
de empregadas e chá matutino com o pároco e sua esposa
musculosa. Nove anos arrumando a biblioteca do Arthur,
endireitando seu escritório, lhe recordando que colocasse o
casaco antes de sair.
Logo, de repente, foi. O trabalho de sua vida tinha
terminado, convertendo-se em propriedade de uma futura
Lady Willoughby.
Não, a casa de Dower era onde pertencia. Por agora. Até
que a nova Lady Willoughby reclamasse seu lugar dentro do
requintadamente mobiliado ninho de Julia. Queijo mofado,
em efeito.
— Vem conosco a Londres. A necessitamos, e tem que ir
daqui por um tempo. Ver mais que estas paredes, por mais
finas e polidas que estejam.
Não Londres. Em qualquer lugar menos ali. Não posso
enfrentá-lo.
Helen não escutou nem fez caso de seus pensamentos
internos.
— É cedo para começar a pensar em voltar a casar-se.
Sim, muito, muito cedo.
— Mas não deve fazer o que eu fiz, Julia. Ainda é jovem e
encantadora. Pode ser que não pareça agora, mas em um ano
ou dois, talvez…
Ela fechou os olhos.
— Helen. — A palavra era uma súplica de misericórdia.
As mãos quentes sustentavam as suas com força.
— Depois da morte do Freddy dediquei-me ao meu filho.
Miles era o único que me importava. Miles e minhas
lembranças. Senti que o traía se pensava em me casar de
novo. Então, em vez disso, fiquei viúva. Agora, muito em
breve, Miles se casará. Pode ser que seja avó. Uma mãe. Uma
sogra. Mas estarei sozinha, Julia. Eles serão uma família, e
eu estarei sozinha.
Julia abriu os olhos. Os de Helen brilhavam com
lágrimas. Não por simpatia ou lástima, mas sim por
verdadeiro arrependimento.
— Terá a mim — Julia sussurrou.
Helen sorriu, uma lágrima transbordando.
— Não, minha querida senhora. Farei tudo o que esteja
em meu poder para que não me siga por este estúpido
caminho. — Ela sorveu, se limpou as lágrimas, e logo riu. —
Agora deve empacotar rápido. Vamos depois de amanhã.
— Helen, não disse que irei. — Tudo nela resistia. Ela
não podia enfrentá-lo. Não podia.
— Deve vir. Não posso arrumar isso sem você.
Julia agitou a cabeça e seu coração se elevou para afogá-
la. Helen tinha sido sua amiga quando mais necessitou.
Nunca tinha pedido nada a Julia além de uma xícara de chá
ocasional.
Mas Helen não sabia seu segredo. Sua vergonha.
Ninguém sabia.
Talvez nem sequer Wallingham.
Era sua única esperança — que tudo tivesse sido um
ardor capricho causado pelo aborrecimento ou a inquietação.
Que ela simplesmente tivesse imaginado o momento em seu
salão quando o mero roce de seus dedos a tinha acendido.
Certamente não parecia do tipo que inspirasse fantasias
luxuriosas. Estava calado. Dignificado. Sério. Um homem de
profundo intelecto, uma competência impressionante e uma
honra inquebrável. Antes desse momento tinha desfrutado
enormemente com suas conversações. Escutava melhor que a
maioria dos homens, aqueles inteligentes olhos verdes
iluminavam, aprofundavam e piscavam em harmonia com
suas palavras.
Ela o tinha visto só como o marquês de Wallingham, um
homem poderoso que podia ajudar seu marido. Um cavalheiro
com um sutil senso de humor. Um homem que tinha em alta
estima, mas não um que vivificasse seu coração ou fizesse
que sua carne se derretesse e doesse.
Tudo isso tinha mudado nesse dia fazia pouco mais de
um ano, quando ela se sentou ao seu lado em um silêncio
espesso e caloroso. Sentiu seu dedo acariciar sua coxa
através de capas de seda e musselina. Queria-o mais do que
ela nunca tinha querido algo. Inclusive seu marido.
— Realmente deseja ficar aqui? — O encolhimento de
ombros de Helen demonstrou sua exasperação. — Depois que
Miles se casar, quero dizer.
Faria? Uma vez que uma nova Lady Willoughby
chegasse, Julia se converteria na viúva, uma carga para o
imóvel e para esta jovem, ainda desconhecida, que tentava
estabelecer sua própria família e seu próprio lar.
Estaria mal, sabia. Julia nem sequer era parente de
sangue, embora Miles e Helen a tivessem tratado como tal
desde o começo. Devia-lhes algo melhor que perseguir o
imóvel como um fantasma aborrecido ou, o que é pior, o
queijo bolorento descrito vividamente por Helen.
— Não — murmurou em resposta à pergunta de Helen.
— Não quero ficar aqui. Mas não posso… — Engoliu com
força. — Não posso pensar em voltar a me casar ainda.
Ao apertar os ombros de Julia, Helen sorriu.
— Não, é claro que não. Em Londres, entretanto, terá a
oportunidade de avaliar muitos mais cavalheiros dos que
encontrará à espreita entre as rosas atrás da casa.
Julia riu movendo a cabeça.
— Inegavelmente certo — admitiu.
— Isso é tudo o que deve fazer. Entretenha as
possibilidades. Talvez compre alguns vestidos em outras cores
que não sejam o preto. E me ajude a evitar a vergonha
enquanto encontramos um bom par para meu filho.
Ela queria ajudar. Era o correto e apropriado assegurar-
se de que Miles se casasse bem e de que ele e Helen fossem
bem recebidos durante sua primeira temporada. Mas, poderia
reunir a coragem que uma vez lhe faltou?
Seu estômago tremeu, ficou trêmula e doente. Sua carne
fez o mesmo.
Coragem. Para Miles e Helen. Por seu próprio orgulho.
Tenha coragem.
Outra vez engoliu em seco. Respiração lenta. Logo
assentiu com a cabeça.
— Irei contigo.
Helen gritou triunfante e a abraçou com um abraço sem
fôlego.
Enquanto isso, a mente de Julia se ocupava de uma
oração singular: Por favor, Deus. Que se tenha esquecido
de mim.

***

No momento em que ela entrou na habitação, ele soube.


Nada tinha mudado. Certamente não a fascinação sem
precedentes que lhe inspirou.
Durante um ano tinha tentado esquecer. Tratou de
convencer a si mesmo de que tinha sido golpeado por uma
peculiaridade de humor, o estranho e específico desejo de
tranquilidade que resultou em uma fixação arbitrária sobre
uma mulher que representava tudo o que era elegante e
feminino.
Tinha discutido o assunto consigo mesmo, tinha trocado
de amante duas vezes, e tinha encarregado a sua governanta
de que aprendesse a preparar uma xícara de chá adequada.
Ficou insatisfeito. Mas não tinha muitas opções.
Julia Willoughby não podia ser dele, porque estava
casada com outro homem.
Exceto que agora não estava. Ela era, de fato, uma viúva.
Uma corrente correu por seu corpo dos ossos para fora,
tão agudo quanto quente.
Estava de pé junto a um pianoforte em meio de um
punhado de convidados do Dunston, debatendo com o conde
sobre os méritos de criar para a disposição e não para a
velocidade, quando seu olho se fixou em seu cabelo. Tons
loiros, tão suaves como brilhantes, mesclados com intrigantes
meadas de champanhe. Usava-o com um estilo mais
intrincado que o do ano anterior: os cachos de cabelo lhe
roçavam a testa e as bochechas enquanto as tranças
formavam uma delicada faixa dupla do pescoço até a cabeça.
Ficou sem fôlego ao ver o pescoço dela, aquele pescoço
branco e comprido acariciado com amor pela luz das velas, o
pequeno lunar que tinha notado na última vez que a tinha
visto. Quando tinha sido transpassado pela luxúria de uma
mulher que não podia ter.
— …A fêmea animada dá um passeio muito superior,
atrevo-me a dizer. Que valor tem a velocidade se terá que
disparar uma maldita pistola para satisfazer os interesses da
criatura?
Charlie deixou que seus olhos se dirigissem ao seu corpo
— quer dizer, pura seda preta salpicada de contas de azeviche
e com capas na direção branca — e murmurou um som geral
de acordo.
— Além disso, agora que me prometeu três éguas do
Ceres, porei à prova minha teoria imediatamente.
— Não te prometi nada disso, nem o faria. — Embora
suas palavras fossem para o Dunston, Charles manteve seus
olhos fixos nela. Ali é onde desejavam residir.
Sobre sua pele e seu cabelo.
Estava mais magra que da última vez que a tinha visto, a
borda de sua clavícula mais proeminente, os ocos de suas
bochechas mais profundos. Mas seus olhos eram os mesmos.
Quente e enrugado enquanto saudava a mãe do Dunston.
— Ainda de luto, suponho. Quanto tempo passou?
— Um ano.
— Hmm. Estava muito apegada?
Não a conhecia o suficiente para dizer.
— Presumivelmente.
— Muito cedo, então. Poderia provar as águas com um
pouco de conversação agradável. Um passeio no parque, esse
tipo de coisas.
Charles franziu o cenho confuso sobre seu bonito amigo.
Dunston sempre parecia um pouco divertido, como se tivesse
uma comédia do Shakespeare em sua cabeça, cheio de
ocorrências graciosas e comentários cínicos. Agora, enquanto
o homem sorvia um grotescamente doce ponche de orgeat e
fazia uma careta de dor ante o sabor, parecia estar rindo do
Charles.
— Por quê? — Perguntou Charles.
Dunston suspirou. Logo riu. Então agitou a cabeça.
— Pode ser que seja brilhante em muitos aspectos, mas
não é muito bom nisto, sabe.
— Bom no que?
— Mulheres.
Charles piscou perguntando-se quando a conversação se
tornou para suas deficiências. Ouviu mais que suficiente
sobre esse tema de sua mãe.
— Não tenho necessidade de sê-lo.
Dunston assentiu para Julia Willoughby.
— Precisará ser se deseja cortejar essa pessoa. —
Sussurrava algo a um jovem que se parecia com seu falecido
marido — obviamente o novo Lorde Willoughby — e uma
mulher mais velha, de cabelo escuro, cujo vestido marrom
parecia uma década passado de moda.
— O que te faz pensar…?
— Wallingham, nunca vi sua mente perambular quando
o tema são os cavalos. No momento em que apareceu não só
sua mente abandonou a conversação, mas também seus
olhos dirigiam a ação.
— Seu marido era um conhecido. Isso é tudo.
Soprando, Dunston lançou um olhar de asco para sua
taça.
— Um pouco indecoroso – murmurou. — Vem. Me
acompanhe enquanto trago algo mais saboroso. Por acaso,
passaremos junto à encantadora Lady Willoughby. Talvez
pudesse perguntar por sua saúde.
Charles quase se negou. O teria feito. Mas Dunston não
lhe pediu permissão, mas sim se dirigiu ao canto do salão
onde o trio de Willoughbys conversava em sussurros.
Contra seu melhor julgamento, seguiu o magro senhor
ao redor de um par de perfumados janotas e várias senhoras
loiras arrulhando sua aprovação do vil golpe à irmã do
Dunston. Rápido, chegou, detendo-se ao lado do Dunston
enquanto o conde fazia as apresentações.
Foi difícil afastar seu olhar dela, mas se arrumou por
cortesia enquanto se inclinava ante Miles Willoughby e a mãe
do jovem, Helen. Quando Willoughby tentou apresentar Julia,
Charles notou que o rubor se elevava em suas bochechas.
— Conhecemo-nos — ela murmurou, seus olhos não
elevando-se mais que seu queixo. — Lorde Wallingham.
Confio em que se encontre bem.
Não estava preparado para seu frescor. Talvez devesse
havê-lo sido. Seu comportamento em sua última reunião
tinha roçado o insulto, assumindo que ela tinha sido
consciente de sua causa.
— Assim é, Lady Willoughby. — Manteve sua voz baixa e
gentil, como faria com uma égua nervosa. Claramente, ela
havia sentido sua peculiar fascinação por ela e a tinha achado
desagradável. — É bom ver-te visitar Londres de novo.
Seus cílios revoavam um pouco, sua cor se elevava mais.
Estranho isso.
Não disse nada sugestivo. Tinha-o feito? Na verdade,
estando perto dela, vendo a fina coluna de seu pescoço
ondulada e tensa, poderia haver dito algo, já que não sentia
que tinha mínimo controle.
— O senhor Willoughby ocupou seu banco no
Parlamento. Acompanhei ele e a Sra. Willoughby à cidade por
esta temporada.
Bom, isso parecia bastante óbvio. Franziu o cenho.
— Sim, eu…
— Entretanto, como ainda estou de luto, receio que
minhas aparências sejam limitadas. Compreenderá, é claro.
— Do co…
— Se considerarem convites de qualquer tipo. Não é o
que você faria. Não lhe agradam os entretenimentos, segundo
lembro.
Chamava-o de aborrecido? Ele pensou que o era.
— Em qualquer caso, não poderia aceitá-lo.
Simplesmente não é uma possibilidade.
Sua cabeça se sacudiu por seu rechaço preventivo. Além
de ser bastante direto, era o que sua mãe chamaria de
“imperdoavelmente grosseiro”. Sua mãe era uma perita em
grosserias.
— Julia — murmurou a morena Sra. Willoughby entre
dentes apertados. — Estou segura de que Lorde Wallingham
entende as limitações do luto. Entretanto, não queremos
insinuar que uma amabilidade com você ou com nossa família
não seria bem-vinda, particularmente por parte de um
cavalheiro tão estimado. Não está de acordo?
Ela ainda não o tinha olhado aos olhos. Nem o seu olhar
se enrugou nos cantos, seus lábios de pêssego se viraram
para baixo apertados. Seu silêncio falou em voz alta, pensou.
Sentiu-se ofendida por sua atração por ela.
Repelida por isso.
Talvez ela tivesse razão. Nem sequer ele entendia, e tinha
lutado por isso durante mais de um ano.
— Lady Willoughby, tenha a segurança de que me
absterei de fazer convites que lhe possam resultar ofensivos.
— Se inclinou educadamente. — Minhas condolências por
sua perda.
Sem previsão, saiu da habitação. Abandonou a casa do
Dunston enquanto se despedia do conde prometendo
encontrar-se com ele e com o duque de Blackmore no White’s
à manhã seguinte. Logo montou seu cavalo e, com mais ardor
que o necessário em uma tranquila praça de Mayfair,
incentivou o animal a correr.
Quanto antes a deixasse para trás, melhor. Certamente
ela estaria de acordo.

***

— Ficou louca. Talvez a dor a fez ficar assim. Mas essa é


uma má desculpa. — A reprimenda de Helen não foi pior que
o que Julia havia dito a si mesma.
— Desculpei-me — disse Julia em voz baixa, centrando-
se em sua costura.
— Comigo. E com Miles. Não ao homem que insultou.
Encolheu os ombros ao recordá-lo. Sua voz, profunda e
suave, tinha-lhe feito sentir um formigamento no couro
cabeludo. Seus olhos tinham desejado explorar seu rosto, o
longo nariz, o queixo substancial, o olhar inquisitivo e verde
que via muito e a seguia cada vez que respirava. Tinha-a feito
ruborizar-se com apenas vê-lo, de pé, magro e alto. Havia lhe
trazido tudo o que ela temia que voltasse correndo: A
estranha energia no ar entre eles, como o momento entre o
relâmpago e o estrondo da explosão. Um suspense doloroso.
Um calor sem fôlego. Ela tinha necessitado empurrá-lo,
repeli-lo tão profundamente para que ele não notasse sua
reação.
Como não se deu conta? Estava avermelhada como
um rabanete.
Lhe pareceu que o calor seguia com ela, manchando sua
pele, inclusive um dia depois.
— Enviarei uma nota — murmurou à manga que estava
cozendo pela terceira vez.
— Não se incomode. Convidei-o para jantar esta noite.
A agulha de Julia se deteve. Sua cabeça subiu
lentamente.
— Não o fez.
Helen inclinou o queixo, mostrando cada centímetro
como a mamãe zangada.
— Wallingham é um marquês. Sua fortuna é imensa, o
qual conhece muito bem depois dos esforços do Arthur por
cortejar ao seu favor. Necessitamos da conexão. Além disso, a
Miles viria bem que o guiasse um homem mais velho. Perdeu
seu pai muito cedo. Deveria me haver voltado a casar,
arruinei tudo.
Um homem mais velho? Perguntando-se pelo humor
incomum de Helen, Julia franziu o cenho.
— Wallingham não é Matusalém.
Helen levantou sobrancelhas escuras.
— Não disse que é.
— Muitos o considerariam um homem na flor da vida,
me atreveria a dizer.
Um pequeno sorriso levantou um lado da magra boca de
Helen.
— De verdade?
Julia suspirou deixando que suas mãos e sua costura se
assentassem em seu regaço.
— Aquele pedaço de prata em seus cabelos é enganoso.
Ainda não tem quarenta anos. Além disso, acredito que lhe dá
um ar distinto que lhe assenta muito bem e que o distingue
de outros cavalheiros que são muito menos aptos e capazes
que ele.
— Sabe disso agora?
— Sim. É um ávido cavaleiro. Atlético, de fato. Sua
equitação é famosa, e seus estábulos são os melhores da
Inglaterra.
— Bom — respondeu Helen com um sorriso de
perplexidade. — Então não se importará de sentar-se ao seu
lado no jantar.
Piscando, Julia apertou um punhado de crepe de seda.
— Preferiria que não o convidasse.
O brilho da menina tinha voltado para seus olhos.
— E eu preferiria que não insultasse um dos homens
mais poderosos da Inglaterra, mas parece que ambas
devemos nos resignar à decepção.
Ao final, Julia se desculpou com Wallingham por sua
grosseria. Indiretamente.
Ela estava sentada ao seu lado na sala de jantar azul de
sua casa alugada, deixando que a buliçosa conversação de
Miles e Helen enchesse o espaço, reunindo sua coragem
enquanto comia minúsculos pedaços de carne assada e
tratando de não olhar fixamente às mãos de Wallingham.
Tinha uns dedos excepcionalmente longos, que davam às
suas mãos uma forma magra e elegante. Além disso, usava-os
de uma maneira consciente, como se a trajetória de cada dedo
estivesse marcada de antemão para que seus movimentos
fossem eficientes e deliberados. Suave. Sensual. Gostava de
lhe ver dirigir um par de rédeas, o que lhe daria calafrios. Não
que quisesse ter calafrios. Ela não o fez. Os calafrios só
tinham causado problemas.
E, entretanto, inclusive ao ver como se levava aos lábios
um garfo cheio de carne muito salgada, ela tremia em seu
assento. Justo ao lado dele.
Era chá na sala de estar outra vez.
Pôs seu próprio garfo ao lado de seu prato.
— A carne está muito salgada — murmurou ela, seus
olhos na mão dele.
A mão ficou imóvel, preparada sobre uma toalha de linho
branco, seu polegar balançando um garfo de prata.
— Sinto muito, milord.
— Pela carne?
— E outras coisas.
Pensou que lhe tinha ouvido respirar fundo, mas só teve
a coragem suficiente para desculpar-se, não o suficiente para
lhe olhar diretamente.
— Sou eu quem o sente, Lady Willoughby, se alguma vez
fiz algo para ofendê-la. Essa não era minha intenção.
Engolindo em seco, ela moveu seu olhar além de sua
manga escura. Talvez uns centímetros por vez terminariam
com ela encontrando sua coluna vertebral para sempre. —
Não fez nada para me ofender. A culpa é minha. O ano
passado foi…
— Não há necessidade de explicar.
— Não gostei de vir a Londres. Receio que minhas
reações foram irregulares e muito influenciadas pelo
sentimento.
— Pare.
Ao ouvir a única e dura palavra, seus olhos se dirigiram
aos dele como se a tivesse sacudido com uma linha. E, oh, aí
estava. Aquela classe de inteligência.
Látego escuro, verde e focado. Seu coração balançou e se
apertou.
— Comportei-me terrivelmente — sussurrou ela, sua
vergonha afogando-a.
Lástima por como lhe tinha falado ontem à noite, sim,
mas mais pelo que tinha sentido por ele. O que ela ainda
sentia por ele.
— Pare. — repetiu, sua voz baixa. Íntima. — Está feito.
Os remorsos não beneficiarão nenhum dos dois.
Dentro de suas palavras jaz uma verdade separada,
como um fio oculto tecido debaixo.
Ele a entendeu. Ele sabia como ela se sentia porque ele
tinha sentido o mesmo. Frequentemente o tinha perguntado,
sabendo que ele a havia tocado deliberadamente através de
seu vestido. Sabendo que tinha saído disparado do sofá como
um homem queimado por uma tocha. Sabendo que tinha
fugido quando Arthur retornou, partindo abruptamente sem
olhá-la de novo.
Ele a entendeu. Sua culpabilidade. Sua necessidade. Era
o único humano que podia fazê-lo. Com o coração pulsando
com força, deixou que a consciência dele se expandisse até
que a encheu por dentro. Calmo e inflamado imediatamente…
Ela sussurrou as palavras esperando que ele tivesse
respostas quando ela não as tinha.
— Vem dar um passeio comigo. Amanhã. No parque.
O que era correto? Ela poderia aceitar, e os iniciaria por
um caminho que, considerando tudo o que tinha acontecido
antes, poderia estar manchado para sempre por um só
momento de vergonha, uma traição ao seu marido, embora só
fosse em seu coração.
Por outro lado, ela poderia negar-se. E durante o resto de
sua vida se perguntaria se tinha rechaçado algo precioso
simplesmente porque tinha começado muito cedo.
— Não sei o que fazer.
— Um impulso não é nada — argumentou, sua voz era
uma persuasão palpitante. — Conversação. Um pouco de ar.
Uma tarde prazerosa.
Ela se encontrou sorrindo à sua caracterização.
— Nada?
Seus lábios se levantaram para igualar seu sorriso.
— Bem. Não nada de nada. Mas inteiramente sem
expectativas. Sou um homem paciente, lady Willoughby.
Sobre todas as coisas.
Antes que pudesse pensar melhor nisso, baixou os olhos
à sua mão, ainda ao lado de seu prato.
— Uma volta. Nada mais que isso.
— Vou vir buscá-la às duas.
Sua garganta se secou.
Dedos longos. Dedos longos, compridos.
Ela alcançou seu vinho. Incapaz de falar, bebeu
profundamente e assentiu com a cabeça.
Só um passeio, Julia. Uma hora intercambiando
brincadeiras corriqueiras. Tempo suficiente para dar-se
conta de que só é um homem como muitos outros. Então,
possivelmente, possa se liberar de seu peculiar feitiço.
CAPÍTULO 5

“Pode ser que queira alterar suas técnicas de cortejo, Charles.


Uma dama tem um número limitado de chapéus”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao
inteirar do efeito deletério das chuvas repentinas sobre a
disposição de certa viúva.

Para um desastre, sua saída começou de maneira


bastante auspiciosa. Ele chegou precisamente às duas, em
sua caleça recém comprada. E, notou, não estava vestida de
preto, mas com um casaco branco de musselina e um vestido
de veludo cinza escuro. Seu chapéu estava coberto de seda
preta, mas parecia estar saindo de luto pelos tons mais
pálidos do meio luto.
Um sinal prometedor, isso.
O calor se desenrolou em seu peito ao vê-la. Seu coração
deu um salto e surgiu enquanto ela punha sua mão de luva
branca na sua, subindo à carruagem aberta.
É claro, ela estava calada e visivelmente vibrando de
nervos.
Pensando que isso a tranquilizaria, começou com um
tema neutro, embora não particularmente vigoroso quando o
cocheiro os conduziu para o oeste, para o Hyde Park.
— A carruagem é nova — murmurou, desejando ter algo
que fazer com suas mãos que não fosse as descansar sobre
suas coxas. Suas palmas picavam dentro de suas luvas. —
Tem um eixo móvel, que evita sobrecargas e permite que o
veículo gire mais facilmente em um espaço menor.
— O desenho é mais leve e menos chato para os cavalos
também, não?
Seus olhos se iluminaram e brilharam em seu rosto.
— Conhece os eixos móveis?
Piscou, seus olhos brilhando enquanto o rosa florescia
em suas bochechas.
— Só o que li. Estou segura de que sua experiência no
tema é superior.
— Por que está tão segura disso?
Parecia como se quisesse retorcer-se, mas estava
sufocando o impulso com todas as suas forças.
— Os cavalheiros têm interesse nessas coisas.
— Como você, evidentemente.
Seus lábios se apertavam como se quisesse dizer algo.
Em vez disso, permaneceu em silêncio e manteve os olhos
fixos na rua que passava.
Aproveitou a oportunidade para estudá-la, perplexo uma
vez mais por seu próprio encanto. Seu rosto era bonito,
embora não excepcional. Sua voz era suave e gentil, seus
lábios curvados e franzidos com sutileza em lugar de ênfase,
mais calmante que sedutora. Antes que ela sofresse a morte
de seu marido seu comportamento tinha sido
encantadoramente educado, mas não mais que o de muitas
esposas e matronas tituladas. Agora, notou, o verniz gentil se
desgastou em alguns lugares, expondo brilhos de escura dor,
brilhantes veios de tensa incerteza.
Uma gota gorda e úmida salpicou sua manga, como
miçangas no veludo.
Olhando para cima, viu as nuvens que presumiu que
passariam sem incidentes e que, em vez disso, se
converteriam em grandes ondas.
Franziu o cenho.
— Receio que nossa saída seja de curta duração.
— Sabia que não devia haver dito nada. — Embora suas
palavras fossem murmuradas em voz baixa, ele escutava
todas. Não pôde evitar. Seus sentidos estavam centrados
sobre ela de uma maneira que era automática e um pouco
preocupante.
— Sobre o que?
Finalmente ela se virou para ele. Suas bochechas
permaneciam rosadas, mas seus olhos tinham perdido sua
frenética luz. Agora parecia… decepcionada.
— O eixo móvel. — Seus dedos apertando e desapertando
em seu regaço. — Foi um mau julgamento de minha parte.
Compreenderei se preferir me levar para casa.
De que demônios falava? Não podia decidir onde tinha
perdido o fio da conversação. Várias vezes abriu a boca para
perguntar, só para deter-se e procurar pistas em sua
memória. Mencionou a carruagem. Parecia bem informada. A
chuva tinha começado. Ele tinha comentado que sua viagem
poderia ser abreviada devido ao mau tempo.
Não, teria que perguntar.
— Desculpe-me, Lady Willoughby, mas de que demônios
está falando?
Seus ombros se endureceram.
— Não precisa me falar dessa maneira.
— Pedi-te que me perdoasse.
— Sim, mas não o disse a sério.
— Perdi completamente a pista de nossa conversação.
Ela inalou.
— Isso não é motivo para ser grosseiro.
Momentaneamente bloqueado, tentou voltar a ficar em
pé.
— Desculpo-me.
Silêncio.
— O que quis dizer quando disse que não devia falar do
eixo?
Outra baforada.
— É um tema para cavalheiros. Não para damas.
— O eixo?
— Sim. As damas não deveriam estar interessadas
nestes assuntos.
Não podia franzir o cenho, não podia afastar a vista desta
estranha criatura severa ao seu lado.
— Por que não?
— Não é feminino aprender muito em temas
compreendidos melhor pelos cavalheiros. Pior ainda, falar
deles com conhecimento de causa.
Ela disse estas tolices com segurança. Inclusive
autoridade.
Não havia nada a fazer. Estava desconcertado.
— Onde escutou isso?
Seu queixo se inclinou.
— Está bem entendido, meu senhor. Na terceira edição
de O companheiro agradável: Um guia completo para mulheres
de admiráveis compromissos e economia doméstica, o autor, o
Sr. Crane, recomenda evitar os temas masculinos, já que uma
dama pode expor sua ignorância ou insultar através de uma
experiência indecorosa.
Tomou vários segundos responder.
— Pura bobagem.
— O Sr. Crane não crê assim.
— Então, o Sr. Crane é uma bobagem. Além disso, não é
necessário consultar os manuais de comportamento feminino.
Você é a definição de admirável. Deve falar das coisas que lhe
interessam. Nada mais e nada menos.
Duas gotas caíram sobre seu queixo enquanto ela
inclinava sua cabeça para cima para lhe olhar fixamente.
Sem pensar limpou-as brandamente com o polegar. Era
uma manobra audaz, e desejava poder dizer que tinha sido
deliberada. Mas não foi. Desde o começo de seu conhecimento
havia-se sentido vagamente dono dela, como se a tivesse
conhecido durante anos e sua relação fosse de afeto familiar.
Piscou lentamente, seus lábios abrindo-se.
— Talvez devêssemos levantar o toldo, meu lorde.
Engoliu em seco. Retirou sua mão. Deu instruções ao
seu cocheiro para que se dirigisse ao parque antes de deter-se
para fazer o ajuste.
Logo, limpou a garganta. Estudou sua luva como se
tivesse o pedigree de um maldito novo campeão. Ficaram
sentados em silêncio durante longos minutos, os únicos sons
da rua eram das sapatilhas e das rodas, mais estridentes.
Folhas e vento, baralhar e suspirar. Mais distantes estavam
os gritos e as risadas de dois homens do carvão, o grito de
uma mulher que vendia leite.
— Eu… — Deixou de mordiscar o lábio inferior. —
Suponho que, se não o encontrar objetável, poderíamos
conversar sobre o novo desenho do eixo.
Nesse momento deu-se conta de que era de cor rosada,
da aba do chapéu até o queixo delicado. Que classe de mulher
se envergonhava ao falar de carruagens? Muito
desconcertante.
— Se lhe interessar, Lady Willoughby, com muito gosto o
discutirei. Entretanto, tenho curiosidade por saber se confia
no conselho do Sr. Crane. Lembro que não necessitava desse
guia.
A chuva tinha começado a golpear brandamente a rua e
a lã de seu casaco.
Jogou um olhar incômodo para o céu antes de
responder: — Eu gosto dos livros como os que escreve o Sr.
Crane.
Seu cenho franzido se fez mais profundo.
— Certamente são para mulheres jovens. Damas recém
casadas ou que procuram par. Esse tipo de coisas.
Ela virou lentamente seu olhar para ele, o marrom agora
rompendo-se com ofensa.
Maldito inferno. Deixou que sua curiosidade dominasse
sua boca, e agora acabou de chamá-la de velha.
— Não quis dizer…
Seus lábios franzidos, os cantos aplanando-se.
— Sempre deve esforçar-se por melhorar seus
conhecimentos e habilidades, seja uma nova noiva ou uma
viúva antiga.
Maldição. Os limões eram mais doces que seu tom.
— Não é uma anciã. Isso não é o que eu…
— Como me adula, milord. — Os lábios de pêssego
estavam enrugados e apertados. Seus ombros eram rígidos. E
agora ela se negava a olhá-lo.
Maldito inferno.
— Desculpo-me.
A chuva caiu sem cessar, golpeando no silêncio, lhe
respondendo com desdém.
Finalmente chegaram ao parque. Charles baixou e se
ocupou de ajudar o cocheiro a levantar o dossel.
Exceto que não se moveu.
— Milord, parece que essa dobradiça está emperrada —
observou o cocheiro, olhando a crescente chuva agora
acompanhada de um vento forte que fazia com que Lady
Willoughby se esfregasse a parte superior dos braços. —
Deveria tentar forçá-lo?
O homem perguntou porque, como ele sabia, quebrar a
dobradiça provavelmente danificaria a carruagem nova, que
era bastante cara. Charles olhou à mulher cujo chapéu preto
e saias brancas se estavam umedecendo lentamente. Ele
suspirou. Logo olhou ao John Coachman ao largo de dita
carruagem e assentiu com pesar.
Um forte rangido, então o gemido de metal que não
funcionava bem soou enquanto ele e o cocheiro arrastavam o
dossel para cima. Tentou encaixá-lo em seu lugar. Negou-se a
sustentar-se, um lado da estrutura retrátil caiu
deploravelmente.
Maldito inferno. Encontrou-se com a consternação do
cocheiro com um olhar severo.
— Estou tentando, milord.
A coisa se derrubou e se afundou, a dobradiça quebrada
carecia da tensão necessária para mantê-la erguida.
O rosto franzido de Lady Willoughby apareceu pela borda
do dossel.
— Sua carruagem parece estar em mal estado, meu
lorde.
— Sim — disse com valentia. — Assim é.
— Talvez devêssemos voltar para casa antes de…
— Não estamos retornando adequadamente à casa.
Sua cabeça se inclinou para cima antes de retroceder
atrás da meia ponta semi elevada.
— Desculpo-me. — As palavras lhe saíram da boca. Não
era tipicamente um tipo áspero, mas esta saída se fazia cada
vez pior. E não podia culpar a ninguém mais que a si mesmo.
— John — chamou através da maldita carruagem que não
funcionava bem.
— Sim, milord.
— Assegure-a o melhor que puder. Então nos leve pelo
Rotten Row um momento. Se a chuva aumentar retorne à
residência de Lady Willoughby imediatamente.
Já tinham percorrido cem metros a chuva se converteu
em um aguaceiro.
As saias de Willoughby jaziam encharcadas sobre seus
joelhos, seus lábios um beliscão frio e amargo, o silêncio
espesso como mingau estragado na crescente escuridão.
E isso foi antes que o maldito dossel voltasse a cair para
trás com uma rajada de vento repentina.
Chorou, suas mãos voando como uma rajada de chuva
— agora quase sólida e de lado — golpeou seus rostos.
— Maldita seja. — As palavras escaparam de sua própria
boca, ladrando sem sua permissão.
— Lorde Wallingham! — Protestou.
— Desculpo-me. — Quantas vezes já o tinha feito?
Quatro? — John! Detenha a carruagem e acerta esta maldita
coisa.
O homem se deteve, mas a chuva não. Charles olhou à
sua companheira. Agora estava completamente encharcada,
seu vestido um desastre empapado, seu chapéu um mau
amparo. Olhando ao seu redor viu uma árvore a uns seis
metros de distância sob a qual poderiam escapar da maior
parte da ira da chuva.
— Vem — disse, baixando e lhe oferecendo sua mão.
Lhe olhou fixamente, com os olhos muito abertos, os
cílios gotejando.
Cada centímetro de sua pele estava molhado. E ela não
se movia, sua postura era rígida e tensa.
— Prefiro ir para casa.
Seu tom era de gelo cristalino. Quase se estremeceu. Em
vez disso, apertou os dentes.
— Enquanto John, o cocheiro, repara a parte superior,
podemos nos refugiar embaixo dessa árvore. — Assentiu para
a maior ao longo da seção da linha. — Então te levarei à casa.
Ela entrecerrou os olhos ante a árvore, logo para ele, logo
ante suas saias antes de suspirar e pôr sua mão na dele.
Tentando descer da carruagem enquanto se via obstaculizada
pela musselina molhada e obstinada, Lady Willoughby soprou
um pouco, grunhindo enquanto seu pé escorregava sobre o
degrau e seus joelhos não conseguiam acomodar-se à nova
posição de suas pernas, inclinando-se para frente.
Em seus braços.
Encontrou-se sustentando-a torpemente, seu suave,
amplo e úmido peito coberto de tecidos úmidos, que se
engessava abruptamente em seu rosto.
Ela se queixou.
Tentou estabilizá-la, agarrando-se e agarrando o que
podia. E aconteceu que “o que ele podia” era seu traseiro.
Ela gritou.
Levantou-a e a baixou instantaneamente ao chão. Suas
mãos desesperadas e com garras fizeram seu chapéu voar e
ele puxou seus cabelos dolorosamente quando desceu. Para
evitar separar-se de seu couro cabeludo, inclinou-se e
desenrolou brandamente os dedos dela, logo respirou
profundamente e abriu os olhos.
— Desculpo-me — disse pela quinta vez.
Oh, Deus. Estava furiosa. Encharcada, gotejando,
vermelha e malditamente furiosa.
Para evitar uma explosão não se incomodou em pedir
permissão. Simplesmente a agarrou pela mão e a puxou para
a árvore. Fracamente deu-se conta de que a estava
arrastando atrás dele enquanto a escutava protestar e ofegar.
— Wallingham!
Moveu-se mais rápido. Agarrou-lhe a mão com mais
força. Finalmente chegaram ao duvidoso refúgio dos ramos
frondosos e gotejantes da árvore. Voltou-se para o tronco e a
puxou ao seu lado no chão elevado ao redor de sua base.
A aba de seu chapéu gotejava. Seus arredondados lábios
brilhavam. Seu peito se encheu de fôlegos furiosos. Os olhos
marrons ardiam pelo agravante.
Mas já não estava sendo encharcada pelo igualmente
furioso aguaceiro. Esse era o ponto.
— Isto é revoltante — disse ela. — Não sou uma menina
que pode arrastar pelo braço.
— Desculpo-me.
Sua indignação se manteve.
— Segue dizendo isso, mas obviamente não o sente
absolutamente.
Olhou para cima.
— Pensava que estaria agradecida por minha rápida
ação.
— Gratidão? Me olhe! Sou um desastre. Meu vestido está
arruinado. Meu chapéu nunca será o mesmo…
— Os substituirei.
— É muito impróprio sugeri-lo.
Apertou os dentes, suspirando exasperado.
— O que quer que eu faça?
— Me leve para casa.
Com os olhos entrecerrados, respondeu-lhe: — Aceitou
um passeio.
— Meu engano, claramente.
— Sou o culpado pelo clima?
Sua bem definida mandíbula se flexionou.
— Aproveitou-se de circunstâncias desafortunadas
tomando grandes…. liberdades com minha pessoa.
Levantou as sobrancelhas. Liberdades? Não tinha nem
ideia de quão restringido tinha estado. Mas era hora de lhe
informar. Aproximou-se, baixando sua cabeça perto da dela.
— Beijei-a, Lady Willoughby?
Piscou quatro vezes, gotas voaram de seus cílios. Seus
lábios se abriram sobre um “O”.
— Como? — Exigiu, sua voz baixa e dura com sua
frustração. Aqueles lábios úmidos se reafirmaram ao tragar.
— Não.
— Mas quis fazê-lo. Quero muito mais que beijos. Mais
do que possa imaginar. — Deixou que seus olhos pousassem
sobre seu corpete, onde o veludo cinza não podia dissimular a
exuberância das curvas de seu corpo.
— Quaisquer que sejam as liberdades que acredite que
tomei até agora não são nada comparadas com meus desejos.
O corpete se inchou em seu seguinte fôlego e logo caiu
em um suspiro.
— Não podemos. — Mal foi um sussurro, mas o ouviu.
Nós, havia dito ela. Nós. Não você.
Seus olhos se fixaram nos dela. E ali estava. Um desejo
igual ao dele.
— O que nos deterá?
— Isto está mal.
— Já não está casada.
— Só passou um ano.
— Desejei-te por mais tempo.
Olhou para o outro lado, sua testa descendendo com
desagrado.
— Por isso está mal.
— Porque te queria antes…
Seu olhar se voltou contra ele com uma força que lhe
tirava o coração.
— Não.
— Porque te desejava. — Seu lábio inferior tremeu e logo
se reafirmou.
— Eu amava o meu marido. O nosso foi um bom
matrimônio. O que senti por ti foi uma traição aos meus
votos. A ele.
Ao ver sua angústia retorceu algo dentro dele, a dor
aguda mordendo entre seu peito e seu estômago. Aproximou-
se mais, querendo protegê-la.
— Os sentimentos não são traição, Julia. Se tivéssemos
atuado sobre eles enquanto foi sua esposa possivelmente teria
razão. Mas não o fizemos.
Seus olhos se fecharam. Ela se inclinou para ele.
Brandamente deslizou suas mãos sob os cotovelos dela,
sem atrever-se a fazer mais ali no Hyde Park. A chuva e as
sombras da árvore poderiam lhes dar algum amparo, mas
estavam somente umas dezenas de metros do curioso olhar
do mundo dos pretendentes.
— Comecemos de novo — disse em voz baixa, o
constante suspiro de chuva que os rodeava em uma espécie
de intimidade. — Não aconteceu. Não há exigências.
Simplesmente um homem que admira uma mulher e deseja
passar o tempo com ela.
Seus olhos se abriram, um xerez que embebedava e
inundava um homem.
— Não estou procurando um enlace passageiro. Se
continuarmos deve ser com esse entendimento.
Congelou-se. Matrimônio. Ela queria casar-se. Em um
nível ele admirava sua honestidade. Mas tinha resistido a
casar-se de novo durante tanto tempo, uma parte dele
encolheu os ombros ante essa ideia. As lembranças de seu
primeiro matrimônio fortaleceram sua determinação nesse
sentido.
Entretanto, enquanto olhava Julia Willoughby, uma
visão mais ampla alagou essas lembranças tênues. Uma visão
dela lhe servindo uma xícara de chá perfeita enquanto a luz
do sol acariciava seu pescoço. Uma visão dela acariciando sua
bochecha e sorrindo-lhe com afeto familiar. Uma visão dela
deitada ao seu lado. Debaixo dele. Em cima dele. Ao seu
redor. Pelo resto de sua vida.
Ele queria mais que uma noite ou duas — inclusive um
mês ou dois -, se deu conta de que queria toda uma vida com
ela. O que significava matrimônio.
— Entendo — respondeu roucamente.
Ela inclinou a cabeça. Recuperou o fôlego com ele.
Deixando que o momento crescesse enquanto ambos se
davam conta do que se disseram.
Isto terminaria em matrimônio.
O que ocorreu entre agora e esse momento — o momento
em que ela se converteu em sua — constituiu só um detalhe.
Poderia ser paciente. Poderia esperá-la.
Finalmente, assentiu com a cabeça.
— Bem — murmurou.
Pouco a pouco sorriu e gostou de sua resposta. Gostava
da chuva. Gostava de pensar que tudo o que tinha que fazer
era esperar, e que lhe pertenceria. Gostava que seu destino
estivesse selado tão seguro quanto o dele.
— Bem, sem lugar a dúvidas.
CAPÍTULO 6

“Paciência? A este ritmo vou assistir o meu funeral antes das


bodas do meu filho.”
A Marquesa viúva de Wallingham a Lady Berne depois da
invejável notícia da expectativa de ser avó.

Um ano e sete meses depois


30 de novembro de 1818
Fairfield Park, Suffolk

Tinha esperado o suficiente, Charles decidiu enquanto


escutava Dunston tagarelar sobre o que estava em jogo no
Newmarket. Talvez lhe importassem há sete meses os puros
sangues e os lucros. Hoje, o único tema que lhe interessava
era Julia. Mais especificamente, lhe dar um novo título:
marquesa de Wallingham. E um novo lugar para dormir, em
sua cama.
É claro, este objetivo requeria um plano melhor que o
que tinha empregado durante os últimos dois anos. Cortejá-la
de uma maneira convencional com detalhes tão bonitos como
os passeios em carruagem e as quadrilhas tinha fracassado
estrepitosamente. Desejava lhe expressar o devido respeito ao
demonstrar que podia controlar sua luxúria, ao lhe
demonstrar que era só uma das razões pelas quais queria
convertê-la em sua esposa.
Em troca, sua cautela lhe tinha permitido escapar de seu
alcance.
E assim acabam as sutilezas. Porque elas deviam. Devido
a que não podia permitir que se casasse com o maldito
Senhor Mortimer Spalding, o viúvo de cabelo cinza que ela
tinha considerado um marido adequado.
Lançou um olhar na direção do baronete e tomou um
sorvo de conhaque. Como de costume, o homem parecia ter
sido apanhado em uma tormenta de vento depois de cair de
um palheiro. Só Deus sabia o que Julia achava tão adequado.
— Entendo que sua mãe chegou em Steadwick esta
manhã. Um fato incomum, não?
Voltando seu olhar ao Dunston, Charles bufou antes de
assentir.
— O diabo a deixou fora de si. Ela nunca viaja nesta
época do ano.
— O que acha que a provocou?
Olhou a Julia através do salão. Sentou-se com sua
habitual atitude composta junto à mãe de Willoughby, Helen,
mordiscando uma bolacha e tomando sorvos de chá de vez em
quando. Vestia um vestido de manga larga de veludo rosa,
manteve os olhos baixos, evitando olhar em sua direção.
— Tenho minhas suspeitas — murmurou. — Mas minha
mãe insiste em que simplesmente desejava passar um tempo
com sua única descendência.
Dunston franziu o cenho.
— Quando foi a última vez…
— Faz quatorze anos.
— Ah. Alguma outra razão, então.
— Muito provável.
De fato, sua mãe quase tinha confirmado suas suspeitas
quando tinha perguntado de maneira muito casual se ele
tinha falado com “certa viúva” recentemente, já que lhe
tinham dado a entender que Lorde Dunston se inclinou a
povoar sua caça anual com uma multidão de pares do reino.
Em lugar de responder, tinha-a convidado a tomar o
mando de qualquer habitação que gostasse, sempre e quando
não desse aos seus serventes a possibilidade de envenenar
sua sopa.
Ela tinha arqueado uma só sobrancelha branca por cima
de um olhar familiar.
— Cuida da sua língua, moço — havia-lhe dito ela. — Por
favor, responda a minha pergunta.
Estudou o rosto de sua mãe e respondeu: — Vi-a.
— E?
Olhando para baixo aos olhos que eram um espelho dele,
ficou perplexo pelas sombras ali. Sua mãe estava preocupada.
Sua mãe nunca se preocupou. Assim como ela nunca viajou
depois de setembro.
— Está tudo bem – ele disse em voz baixa, procurando
aliviar o que parecia ser a preocupação por ele. Ela era sua
mãe, depois de tudo, e o amava com a fervorosa intensidade
de uma mãe. Ele a amava em troca, apesar de suas muitas
batalhas e seus constantes intentos de submetê-lo a sua
vontade.
Ela tinha respondido à sua tranquilidade com um sopro
de desdém, mas se alegrou de ver a tensão habitual ao redor
de sua boca.
— Agrada-me que tenha chegado aos seus sentidos por
fim — havia dito ela resolutamente. — Para ser um menino
inteligente, você é notavelmente denso em sua teimosia com
essa criatura.
Já que tinha pouca vontade de reviver o mesmo
argumento uma vez mais, simplesmente lhe tinha beijado a
enrugada bochecha e tinha pedido à sua governanta que
preparasse um almoço leve para a marquesa viúva. Então,
ansioso por estar em outra parte, foi-se a Fairfield.
Nesse momento escutava Dunston rememorar as
excentricidades mais divertidas de Lady Wallingham, incluída
sua exigência no ano anterior de que o conde lhe
proporcionasse um de seus principais sabujos, um
cachorrinho ao qual posteriormente tinha chamado
Humphrey.
Naturalmente isto se tinha produzido apenas um mês
depois que ela tinha declarado a todos os cães uma ameaça
cara, útil só para a sujeira nos tapetes e sapatilhas. Dunston
se surpreendeu com sua mudança de opinião. Charlie não o
fez.
— Crê que deveria convidá-la para jantar conosco? —
Dunston refletiu. — Ela acrescenta algo à mesa.
Charles tomou um sorvo de conhaque e reatou seu
exame ao vestido de Julia. Em particular, seu corpete. Em
particular, seu decote, que era quadrado e recortado com fita
marrom. Ele pensou que era bastante adulador para a
redondeza de seus seios.
Talvez esta noite finalmente descobriria se aqueles seios
estavam adornados com pêssego ou alguma outra cor.
Sim. Quase sorriu ante o pensamento. Esta noite a
pergunta terminaria e começaria o verdadeiro cortejo de Julia
Willoughby.

***

O estômago de Julia tinha sido um nó ardente durante


dois dias. Mesmo a satisfação de trazer bom senso à
biblioteca de Lorde Dunston fazia pouco para aliviá-la. Agora,
mordeu uma bolacha seca e farelenta e tentou não olhar à
razão de sua angústia.
Encontrava-se a três metros de distância, do outro lado
do salão de Fairfield. Alto, sombrio e impecável, seu perfil era
o de um aristocrata, seus olhos os de um conquistador.
Talvez fosse só sua fantasia. Outros pareciam não se dar
conta. Tinha-o visto muito frequentemente para ignorar as
implicações. O homem era implacável, paciente, mas
implacável.
Ao seu lado, Helen estalou a língua.
— Falou com ele? Está confuso outra vez.
Ante o olhar inquisitivo de Julia, Helen assinalou com a
cabeça para a janela, onde Senhor Mortimer Spalding estava
conversando animadamente com Miles. O pálido cabelo cinza
do homem estava desordenado, a costura do ombro de seu
casaco de montar tinha vários fios soltos — em outras
palavras, tinha o mesmo aspecto de sempre.
Realmente deveria fazer um maior esforço por falar
com ele, pensou devidamente, dando-se conta. O tinha feito
só uma vez desde que tinha chegado a Fairfield. Ele era a
razão pela qual foi a essa Caça, depois de tudo.
— Alguém poderia pensar que seu amor pelo copo lhe
faria ter mais cuidado. — Nos últimos tempos Helen
frequentemente criticava Senhor Mortimer. De fato, tinha
prestado muito mais atenção ao viúvo desalinhado, mas
confortavelmente agradável do que ela tinha feito durante os
últimos meses, conversando longamente sobre sombrios
assuntos botânicos e discutindo sobre o “incompetente” valete
de Senhor Mortimer. Os dois se conheciam desde a infância,
tinham crescido no mesmo povoado, perto de Cambridge, por
isso sua familiaridade não era surpreendente. Mas com o
tempo o tom de Helen se tornou mais agudo, mais…
ostensivo, como era agora.
— Quando for sua esposa espero que insista em que faça
um melhor uso dos bolsos. Para um homem de sua idade
andar com sua corrente livre é indigno. — O nariz de Helen se
enrugou enquanto tomava um sorvo de chá.
Quando for sua esposa.
Os farelos de bolacha se amontoavam dentro da garganta
de Julia. Engoliu saliva, mas não desceram.
Compulsivamente, seu olhar encontrou Charlie.
E se chocou com o verde brilhante, resolvido.
Uma risadinha alegre veio da garota no lado oposto de
Helen.
— Sem dúvida ela vai costurar a corrente em seu lugar,
mamãe. Julia não tem tolerância à desordem. — A menina, de
cabelo amarelo e olhos azuis, mais bonita que brilhante,
inclinou-se para frente para lançar um sorriso alegre e
travesso a Julia.
Sabendo que devia responder, Julia seguiu adiante,
arqueando uma sobrancelha de recriminação falsa ante a
nova e jovem noiva de Miles Willoughby.
— Percebi que deixou sua cópia do O companheiro
agradável, do Mrs. Crane, no sofá da sala, Olivia.
Possivelmente deveria dominar um tema. Antes de desprezá-
lo.
— Oh, eca! — Olivia se pôs a rir. — Li três capítulos,
quero que saiba. O Sr. Crane não é mais que uma velha
resmungona que só dá reprimendas.
Julia sorriu e sacudiu a cabeça antes de recuperar seu
chá de uma bandeja dourada. Desejava poder relaxar-se em
sua conversa habitual com Olivia — a garota tinha resistido
firmemente aos seus esforços por instrui-la no manejo
adequado da casa, mas com tão bom humor que Julia não
pôde ofender-se. Em troca, as diferenças de estilo entre ela e
a nova Lady Willoughby enfatizaram o pouco que Julia era
necessária em Willoughby Manor. Tanto Miles como Olivia
tinham demonstrado sua grande amabilidade, e Helen era a
amiga mais querida de Julia, mas era claramente o momento
de seguir adiante. Para fazer isso ela devia casar-se.
Uma vez mais seus olhos se desviaram para Charles.
Com um lento e árduo esforço arrastou seu olhar,
olhando para baixo ao líquido marrom e perguntando-se
quando se deteria essa horrível e oca dor.
Murmúrios explodiram perto da entrada onde a irmã de
Lorde Dunston, Lady Stickley, estava com seu marido e duas
companheiras loiras.
Helen esticou o pescoço para cima, para frente e de lado
a lado.
— Quem supõe que…? — Sua pergunta murmurada foi
respondida logo enquanto uma coluna púrpura passava junto
às expressões de alarme das gêmeas de Lorde e Lady Stickley.
A pluma estava unida a um turbante de veludo.
O que, à sua vez, coroava o penteado branco de uma
mulher diminuta e magra que irradiava a altivez de uma
rainha.
— Dunston! — Gritou a rainha com sua
superdimensionada voz de trompetista. — Parece que sua
nota me convidando para jantar não foi enviada.
Possivelmente deveria perguntar por seu paradeiro.
Tendo detido a conversação com Charles, o bonito e
afável lorde Dunston fechou a boca, levantou uma
sobrancelha irônica e torceu os lábios antes de cruzar a
habitação para saudar a dama que exigia sua atenção.
Inclinou-se ante ela educadamente, mas com certo engenho
zombeteiro.
Julia não tinha suspeitado que a postura de um homem
pudesse conter engenho, mas ao que parecia, Dunston podia.
— Minha querida senhora — ronronou. — Deveria estar
muito angustiado ao saber que minha nota se extraviou. Se
tivesse enviado uma.
Sua resposta foi um levantamento de queixo imperioso,
sua pluma roxa fez um movimento ondulante. — Isso o
explica. Assumi que sua mãe inculcou melhores maneiras em
seu único filho. Assumi mal.
Dunston se limitou a sorrir com encanto indiferente.
— Ai, não sabia de sua chegada a Steadwick Park até
esta mesma hora, minha lady. Se una a nós. Estava
transmitindo a Lorde Wallingham a necessidade de uma
grandeza adicional em minha mesa.
Ela golpeou seu braço com seu leque dobrado.
— Cale a boca. Não sou uma estranha senhorita que se
sacode com um fino colete e um sorriso encantador.
Olhou com admiração a seda prateada, dando um toque
apreciativo ao bordado.
— Está bastante bem, não é assim? — Lhe ofereceu seu
braço. — O trabalho de um francês, é claro. São miseráveis
para conversar, mas a gente não pode negar sua utilidade
com uma agulha.
A anciã, vestida de turbante a sapatilhas de veludo
púrpura soltou um sopro e lhe deu outro golpe com seu leque
antes de tomar seu cotovelo.
— Se a gente pode tolerar a má higiene e o caráter
detestável, supõe-se que têm seus usos. Costura. Cozinhar.
Bucha de canhão.
Dunston riu à sua maneira rica e suave e a acompanhou
ao longo da habitação até o homem de cabelo escuro com
brilhantes olhos verdes.
Olhos que eram o par perfeito para os seus.
— Mãe, — disse Charles — Que… inesperado.
Suas vozes baixaram a expressões sombrias até que
Julia só pôde distinguir a cada quarta ou quinta palavra. O
que era estranho, dado que Dorothea Bainbridge, a Marquesa
viúva de Wallingham, rotineiramente superava as vozes de
mulheres do dobro de seu tamanho. Em certos círculos a
consideravam um dragão, feroz, crítica e contundente.
Certamente sua influência foi desproporcionalmente pesada
tanto dentro quanto fora de Londres.
Mas para Julia ela era a mulher que tinha trazido
Charles ao mundo. Criou-o para que fosse o homem forte,
nobre e brilhante que era. É verdade que Lady Wallingham
tinha incomodado seu filho durante muito tempo com suas
manipulações, tinha-o enfurecido com sua intromissão,
tinha-o irritado com seus implacáveis planejamentos e suas
intermináveis críticas. Ela também o tinha amado, tinha-o
protegido. Em muitos sentidos, talvez na maioria deles, Julia
olhou à Lady Wallingham com algo parecido à gratidão, se
não à absoluta admiração.
Mas havia mais de um lado no dragão, como tinha
descoberto Julia.
— O que estão dizendo? — Helen sibilou no ouvido de
Julia.
Julia balançou a cabeça e respondeu murmurando: —
Não tinha ideia de que estaria aqui. Ela nunca abandona
Northumberland nesta época do ano.
Maldição. Estava divagando de novo. Um sinal seguro de
angústia.
— Julia?
Observou a expressão de Charles, os olhos obscurecidos,
a mandíbula apertada, o pescoço rígido. Aquela boca que
tanto adorava se esmagou em uma linha de desgosto. Logo
seus olhos se moveram sobre o ombro de sua mãe.
Aterrissou sobre ela.
E ela foi lavada em calor. Logo frio. Logo calor de novo.
— Está bem, querida? — Perguntou Helen.
Não, não estava.
— Dói-te o estômago?
Julia sacudiu a cabeça e engoliu em seco , com a boca
seca e pegajosa apesar do chá. Finalmente, fechou os olhos e
cortou sua conexão. Olhou para baixo e viu que sua mão
havia tornado a desviar-se. Forçou seus dedos a afrouxar-se e
mover-se de seu ventre ao seu regaço.
— Devo ir — ela sussurrou, estudando as linhas de seus
nódulos. Os ossos bicudos, as unhas arredondadas e o pulso
magro de sua própria mão.
Outra mão cobriu a dela. Helen de novo.
— Então vá. Darei suas desculpas a lorde Dunston e
Senhor Mortimer.
Sem outro pensamento, nem sequer levantando a vista,
Julia pôs seu chá cuidadosamente na bandeja que tinha
diante, deu uns tapinhas em Helen em agradecimento e saiu
correndo justo quando a irmã de Lorde Dunston saía da sala
descendo o corredor e as escadas. Não sabia aonde ia, porque
não havia nenhum lugar ao qual ela pertencesse.
Por acaso ela pegou Peggy fora da sala de jantar e lhe
pediu que procurasse sua capa. Então, Julia ficou como uma
boba ali na sala de jantar vazia com painéis de carvalho,
agarrando a cintura e lutando por respirar.
Foi muito. Vendo-o. Vendo sua mãe.
A última vez que tinha falado com lady Wallingham a
mulher a tinha convocado a Wallingham House em Park
Lane. Ali, em um salão de cor amarela brilhante decorado
com veludos rosa e retratos de mulheres ricamente vestidas, a
mãe de Charles tinha servido chá com bolachas
surpreendentemente gordurosas enquanto a obrigava a
quebrar seu coração devagar e sem piedade.
Ela tinha estado eufórica por receber a nota da viúva, já
que Charles tinha declarado seus afetos só na semana
anterior, proclamando que devia consentir em ser sua esposa
porque ele não podia passar muito tempo sem tomá-la por
completo. É claro, tinha tido sua mão trabalhando debaixo de
suas saias e seus lábios mordiscando desde sua boca até seu
seio nesse momento, por isso ela tinha tomado suas
declarações com um toque de ceticismo. Seu coração. Tinha
saltado e golpeado um tamborilar ensurdecedor de
celebração.
Seu cortejo nunca tinha sido fácil, e depois de
numerosos contratempos e mais de um chapéu arruinado,
Julia quase convenceu a si mesma de deixar de lado suas
dúvidas, esquecer-se o começo imperfeito, meio caótico,
estranho e desconfortável e centrar-se em como ela
conseguiu. Ela se sentia gloriosa. Quente, corada e fora de
controle. Sensual, feminina e muito impetuosa, agradecida de
estar perto dele, mal podia respirar.
Se seu final pudesse ser isso, então ela felizmente
esqueceria todo o resto, tinha raciocinado. A ponto de
consentir em converter-se em sua esposa, ela não tinha
pensado duas vezes quando chegou a nota de Lady
Wallingham. Ela tinha ido ao encontro de sua futura sogra
para tomar o chá, decidida a fazer-se amiga do dragão.
E o dragão lhe tinha explicado tranquilamente que
Charles não podia casar-se com alguém como ela. Que
inclusive contemplá-lo era uma prova de que ela não o amava.
Porque, que tipo de mulher destina o homem que ela
ama a viver seus dias sem esperança de ter filhos?
Sim, o dragão foi contundente. E desumano.
É claro.
— Sua capa, minha lady. — A lã marrom apareceu
debaixo de seu nariz. Uma gota caiu sobre sua superfície.
Julia rapidamente se passou os nódulos sobre as
bochechas e atirou a capa em seus ombros.
— Obrigada, Peggy. — Ela sussurrou as palavras. Ou
talvez só pensou. Falar era difícil agora.
Cabeça baixa, dirigiu-se para o vestíbulo principal.
Assentiu com a cabeça para o mordomo enquanto abria as
portas de carvalho de três metros, e logo se lançou ao frio.
Suas sapatilhas patinaram um pouco quando desceu os
quatro degraus para o caminho. Tudo era cristalino com gelo:
ramos nus, erva tosquiada, paredes de pedra. O mundo era
um reino gelado cinza e branco.
Ela não sabia aonde ia. Mas não importava.
Duas batidas do seu coração passaram enquanto sua
respiração se agitava e fumegava ante ela.
Deliberadamente apertou-se a capa e seguiu
caminhando. Um passo. Dois passos.
Respiração. Uma pausa. Duas respirações.
Golpeando. Um batimento do coração. Dois batimentos.
Isto era tudo o que ficava. Tudo o que sabia que devia
fazer: avançar para uma paisagem gelada e esperar que,
finalmente, a dor se aliviasse.
CAPÍTULO 7

“Se se opõe a tais ‘manipulações’, recomendo-te que me dê o


que quero. O desejo de uma mãe de intervir é diretamente
proporcional à incompetência da sua descendência”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, com
respeito à fonte de rumores falsos e perniciosos sobre certa
viúva.

Encontrou-a nos estábulos, de todos os lugares,


reorganizando os arreios em seus ganchos segundo seu
tamanho. Deteve-se justo na entrada, esperou e observou.
Inclinou-se para juntar dois baldes, um dos quais caíra de
lado e rodara a vários pés de distância. Foi devolvido
cuidadosamente a um ponto precisamente no centro de uma
fila de bridas pendentes. A cada lado ela colocou um balde
menor.
Ela tinha explicado uma vez, como acalmava e
tranquilizava sua mente ao pôr tudo em seu lugar
adequadamente. Inclusive seu peculiar hábito de divagar
involuntariamente, tinha confessado, era uma manifestação
de sua necessidade de simetria.
A raridade o fazia sorrir sempre.
Deixou que seus olhos explorassem. Devorando. Mechas
de cabelo loiro flutuavam longe de seus limites, roçando suas
bochechas e paquerando com a luz da janela estável. A ponta
de seu nariz era vermelha, seu fôlego branco, sua capa
marrom. Movia-se com graça e eficiência, detendo-se aqui e lá
para examinar seu trabalho.
— É a cor ou a longitude? — Perguntou, movendo-se
lentamente, deliberadamente mais profundo no escuro
interior.
Suas costas ficaram rígidas, seus dedos revoando aos
flancos. Ela não usava luvas.
— Longitude — respondeu sem virar-se. Ela puxou uma
brida de uma fração de polegada antes de finalmente
enfrentá-lo. — O que está fazendo aqui, Charlie?
Ela era a única que o tinha chamado de Charlie. Para
sua mãe, ele era Charles ou “menino”. Para seus amigos, ele
era Wallingham. Mas durante seu primeiro beijo Julia tinha
ofegado, se derretido e havia o virado do avesso antes de
gemer: — OH, Charlie. Uma vez mais, meu amor. — Talvez
tivesse sido a melhor divagação que podia reunir no
momento, ou talvez gostasse de como soava, mas após tinha
pronunciado seu nome da mesma maneira. Ele ansiava
escutá-lo em seus lábios com uma necessidade premente.
Agora, ele se moveu para ela, respondendo, — Já sabe.
Aqueles olhos de xerez se iluminaram e brilharam
inesperadamente antes de fechar-se.
Seu coração se retorceu. Correu para frente envolvendo-a
em seus braços.
Ela gemeu, sua testa caindo contra seu ombro. — Não
posso suportar isto.
O sussurro desesperado lhe apunhalava o estômago.
Apertando-a mais forte, ele embalou sua preciosa cabeça
contra ele e pôs seus lábios ao lado de sua orelha. — Farei
qualquer coisa para evitar te machucar, Julia. Qualquer
coisa.
— Deve deixar-me ir — ela soluçou.
— Exceto isso.
Ela soltou uma risadinha úmida e envolveu seus braços
ao redor de sua cintura, apertando a lã em suas costas. —
Estou ficando louca, — grunhiu, a ferocidade feminina fez
com que ele sorrisse como um parvo. — Está me deixando
louca.
Ele acariciou e mordiscou seu pescoço, amando a
sensação de seus braços, o aroma fresco de sua pele.
— Só porque nega aos dois o que necessitamos.
Ela se separou dele, retrocedendo com um braço
estendido como um escudo. Listras úmidas brilhavam em seu
rosto.
— Não podemos ficar juntos.
— Disparates.
— Tenho a intenção de me casar com Senhor Mortimer.
Um calafrio sombrio e furioso endureceu sua coluna
vertebral.
— Ah. E quando é as bodas?
— Não zombe de mim. — Sua indignada resposta, com
os olhos entrecerrados, enviou uma emoção de satisfação
através dele.
— Então, este ‘entendimento’ é mais teu que dele.
Interessante.
— Convém-nos. É só uma questão de tempo antes que
ele o veja. É um homem bondoso que necessita de uma
esposa. Sou uma viúva que necessita de um marido.
— Mmm. Só há um problema com sua simetria perfeita,
amor.
Notavelmente, conseguiu manter sua voz firme e baixa.
Queria gritar. Rugir. Mas toda uma vida de disciplinadas
respostas lhe serviu bem. — Você. É. Minha.
Virou-se para caminhar para um posto vazio,
reposicionando a porta para que estivesse completamente
aberta. Sua agitação era óbvia, mesmo antes que ele visse o
tremor em suas mãos.
Ele se aproximou dela, guiando-a dentro do posto. Ela
cambaleou para trás, levantando de novo uma mão.
— Charlie, por favor.
Ele avançou sobre ela até que sua mão se esmagou em
seu peito. Até que suas costas chegaram à parede de tijolo.
Até que não houvesse nada entre eles, só umas poucas capas
de lã e seu calor, seu fôlego.
— Eu… não posso me casar contigo.
— É claro que pode — retrucou. — Isto não é mais que
uma maldita tolice.
— Não.
— Você me quer. — Cavou seu rosto, desenhando sua
formosa mandíbula, forçando seus olhos a encontrar-se com
os seus. — Assim como eu te quero.
Sua testa se enrugou.
— Querer. — Ela engoliu saliva. — Sim. Mas isso não é…
amor.
A dor de sua declaração quase o dobrou pela metade.
Arrancou-lhe e rasgou as vísceras. Enfureceu-o e incitou seus
instintos mais baixos.
Havia sentido uma agonia similar na primavera passada
no Rotten Row. Sentado junto a ela em seu melhor faetón,
tinha-a escutado metodicamente enumerar todas as razões
pelas quais não podia casar-se com ele. Depois de dois anos
de cortejo cuidadoso e numerosos sinais de afeto e de amor
(ela tinha estado a ponto de lhe permitir que se deitassem só
dois dias antes) tinha estado tão surpreso que as rédeas se
deslizaram de suas mãos. Os cavalos se assustaram. A
carruagem saiu de controle. Tinham sido salvos pelas ações
rápidas de dois bons homens, Lorde Tannenbrook e Lorde
Atherbourne, mas tinha sido algo próximo.
Desde esse dia tinha decidido lhe dar tempo. Deixar que
sentisse saudades. Desejá-lo. E logo tinha feito um plano.
Não gostava de ter que manipulá-la de um canto. Era
mais a natureza de sua mãe que a sua manipular os outros.
Mas lhe tinha deixado com poucas opções.
Neste momento, ali em seus olhos, viu tortura. Parecia
lhe doer rejeitá-lo. Isto não era mera luxúria. Ela se
preocupava com ele, ele sabia que o fazia. Simplesmente não
entendia por que se negava a admiti-lo.
— Talvez não me ame — disse com voz áspera, seus
polegares acariciando sua mandíbula. — Possivelmente
despreze o que há entre nós porque odeia a minha mãe ou
despreza a ideia de me ouvir falar sobre a Ascot e Derby. Mas
não pode negar isto, amor. — Deliberadamente pressionou
seus quadris contra os dela.
Ela gemeu e cavou o dorso de suas mãos onde
sustentaram seu rosto.
Ah, sim. Ela queria o que ele podia lhe dar. E ele usaria
sua debilidade ao seu favor. Seria tão desumano quanto
necessário. Faria o que fosse necessário.
— Farei uma oferta — disse, baixando os lábios para
roçar ligeiramente os dela. — Se não aceitar ser minha
esposa, então resolvamos as perguntas sem resposta entre
nós.
Sua respiração se acelerou, seus seios amorteciam seu
peito enquanto explorava seu rosto e boca com pequenos
sussurros.
— Perguntas?
— Mmm. Quão bem posso satisfazer nossos desejos
mútuos, por exemplo.
Uma vez mais ela gemeu, os centros pretos de seus olhos
tragavam o marrom xerez.
— Qual é a sua oferta?
— Passar todas as noites durante o resto da festa de
caça em minha cama.
Ela ficou rígida contra ele, seus lábios se separaram em
um “O”.
— Em troca, — continuou, lhe dando um pequeno
beliscão ao lóbulo da orelha – Me absterei de informar ao
Senhor Mortimer de sua assombrosa afeição por deitar-se
com criados.
Lhe golpeou o antebraço com surpreendente força.
— Isso é uma mentira escandalosa, e sabe, maldito…
Sua violência lhe fez rir.
— Sei agora. Houve um tempo em que imaginei assim,
levantando sua saia para uma mão estável sem rosto.
Cheguei aos meus sentidos com o tempo, é claro. Mas ele o
faria? — Uma vez mais ela o empurrou, obrigando-o a
retroceder. Concedeu voltar para sua habitação. Deixá-la
respirar e pensar. Ela estava ofegando agora, suas bochechas
avermelhadas, seus olhos brilhando. Permitiu o espaço entre
eles sabendo que era só uma questão de tempo.
Passeou-se de um lado a outro pelo chão coberto de
palha. De vez em quando ela se detinha, lançava um olhar
furioso e reatava o passo. Ao longe ouviu o relinchar de um
cavalo e o sopro de outro. Escutou o rangido de passos que se
aproximavam, contente de escutar só o rangido da madeira
que protestava contra o frio.
Finalmente deteve-se, apoiando uma mão em seu quadril
e a outra na parede.
— Isto é uma chantagem.
— Não. A chantagem implica que não deseja o que estou
exigindo.
— Sim, mas o objetivo é me persuadir para que mude de
opinião a respeito de me casar contigo. Que não o farei.
Encolheu os ombros como se não importasse. Mas o
fazia, é claro. Ela tinha razão sobre sua intenção.
— Está me pedindo que seja sua amante, Charlie.
Mesmo que esteja de acordo… — Seu coração se deteve por
um segundo e começou a bombear com mais força. Suas
palavras foram doce música para seus ouvidos. — Quererei
garantias, como faria qualquer amante.
Lhe mostrou sua expressão.
— Como?
— Não fará mais menção do matrimônio. — Seu queixo
se inclinou em um desafio. — Seja para oferecê-lo ou
danificar meus planos para me casar em outro lugar.
Não gostava da demanda, mas seus termos não eram
irracionais. Além disso, seus métodos de persuasão não
requeriam palavras.
— Feito.
— Além disso, ninguém mais deve saber. Confio em que
possa fazer os acertos apropriados.
Lentamente sentiu um sorriso curvando seus lábios. Ela
ia estar de acordo. Isto foi mais fácil do que se atreveu a
esperar.
— Há uma cabana no bosque ao sul do parque
Steadwick. Nos reuniremos ali a cada noite depois que sua
criada for à cama.
Várias respirações caíram entre eles. Seus olhos se
aferraram aos seus, enquanto o sangue golpeava por toda
parte. Ela seria dele. Por fim, ela seria plenamente dele.
Ela avançou tão rápido que ele não estava preparado
para isso. Mãos magras e femininas agarraram suas lapelas e
puxaram sua boca à dela, seu impulso o fez tropeçar contra a
parede de madeira do posto. Enviou seu crânio ricocheteando
em um poste.
— Owf — murmurou contra os lábios gordinhos e
desesperados.
— Sinto muito — ofegou antes de esticar-se e acariciar o
vulto que se estava formando rapidamente. — Esqueci de
mencionar minha estipulação final.
Ele franziu o cenho para seu formoso rosto avermelhado.
— O que é?
— Começamos imediatamente.
Gemendo, ele envolveu sua mão ao redor de sua nuca e
devolveu sua boca à sua. Deslizou sua língua dentro do calor
glorioso. Afiançando sua boca como um homem faminto.
O que realmente era.
Ele a apoiou, movendo-os para a parede traseira, onde
poderia empurrar, moer e afundar até o conteúdo de seu
coração. Enquanto isso, seus dedos trabalharam contra os
alfinetes em seu cabelo, afrouxando os fios, afundando e
agarrando a seda fresca.
Meu Deus, esta era a maldita ideia mais brilhante que
jamais tinha tido.
Seu pau aceitou de todo coração. Não lhe importava o ar
frio ou a dor em sua cabeça ou o fato de que estivessem
dentro de um estábulo onde qualquer cavalariço ou criado
pudesse encontrá-los.
A coisa irrefletida e palpitante só se preocupava com
seus seios, suaves e gordinhos contra ele.
E sua língua, enredada e molhada.
E seu cabelo, derramando-se em maravilhosa desordem.
É claro, preferiria encontrar um lugar adequado
profundo e duro dentro do coração dela, mas isso poderia
esperar. Poderia ser paciente. Maldito inferno, já tinha
esperado mais de dois anos, não?
De algum jeito seu pau achou o argumento pouco
convincente.
— Charlie — ela gemeu, seus doces quadris trabalhando
contra os dele. — Desejei-te por muito tempo. Receio que não
posso esperar um momento mais.
Meu Deus, esta foi a pior ideia que tinha tido.
Suas nádegas se apertaram contra a urgência de
simplesmente levantar suas saias, baixar sua braguilha e
golpear até que não existisse nada exceto a sensação dela
rodeando-o, rendendo-se a ele.
Precisava disciplinar-se. Se lhe desse muito, tão
facilmente, não teria razão para reconsiderar sua resistência
anterior aos seus verdadeiros objetivos. Não queria só uma
boa e ressonante agarração dentro do estábulo de seu vizinho,
ou mesmo doze noites de êxtase com uma amante formosa e
apaixonada.
Queria que Julia lhe desse um “para sempre”.
O que requereria uma grande disciplina.
Uma aplicação da habilidade sensual.
E um assédio implacável à sua resistência.
— Esta noite — murmurou. — Nos encontraremos aqui
uma hora depois do jantar e te levarei à cabana.
Ela mordiscou sua mandíbula.
— Não podemos … agora mesmo? — Sim, gritou sua
luxúria. Podemos. Agora mesmo, maldição.
Ignorando as demandas de seu corpo, ele deslizou seus
dedos por sua bochecha, sorrindo para seus inchados lábios,
seus preguiçosos olhos e seu cabelo enredado. De algum jeito
ele sempre conseguiu desordenar esta mulher extremamente
ordenada, fosse através de beijos ou calamidades.
— Não, amor — ele disse acariciando-a com os polegares.
— Devemos esperar. Requeremos privacidade. Horas e horas
disso.
Sua testa se desabou desesperadamente contra seu
lenço.
— Mais espera? Oh, Deus.
Sua palma roçou suas costas e a embalou ligeiramente,
com cuidado de não se mover muito contra ela. Quão último
precisavam era de fricção adicional.
Então ele deu uma risada seca.
— Meus sentimentos, precisamente.
CAPÍTULO 8

“Hmmm. Não se deixe enganar, Humphrey. O caminho da


primavera pode ser tentador, mas seus encantos tendem a
desvanecer-se quando está arrancando os espinhos de seu
traseiro”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu companheiro,
Humphrey, ao presenciar sua ânsia por saltar em um
território inexplorado.

— Já estamos quase chegando — disse Charles, seu


corpo alto era uma sombra prateada em cima de um cavalo
branco sob a luz da meia lua.
Ela assentiu, embora ele não pudesse vê-la, e apertou as
rédeas. Como tinha prometido, tinha-a encontrado no
estábulo do Dunston, esperando com um cavalo branco e
uma égua marrom menor. Tinham falado pouco, o vento leve
e sussurrante que passava à deriva da geada resplandecente
entre eles quando cruzava de Fairfield às terras de Steadwick,
logo se enrolavam através de árvores escuras e ameaçadoras.
Mesmo agora não parecia haver nada que dizer, todas as
linguagens se desvaneciam com a expectativa.
O jantar tinha sido agonizantemente lento, é claro. As
críticas acentuadas de Lady Wallingham aos lacaios de
Steadwick Hall, que “mal eram suficientemente altos, não o
suficiente para iluminar um lustre em um quarto escuro”, e
queixas sobre os “caminhos cheios de lixo” e os “hospedeiros
simplórios” entre Northumberland e Suffolk que requeriam
horas de discurso elevado. Além disso, o cozinheiro do
Dunston tinha decidido aumentar a quantidade de entradas a
quatro. Ostentoso e desnecessário, na opinião de Julia. E logo
três cavalheiros sentiram a necessidade de entreter outra
dúzia de convidados com histórias de sua lamentável avidez.
Em grandes comentários.
Para Julia cada minuto se arrastou à eternidade. Porque
cada minuto significava esperar mais.
Esperar, esperar, esperar.
Estava animada, a fundo, enlouquecida de esperar.
Durante meses havia sentido como se sua vida estivesse
suspensa, lhe recordando os colibris americanos dissecados
que exibiam no Museu Britânico, réplicas notavelmente
realistas de animais reais, posicionadas como se ainda
estivessem flutuando e bebendo néctar em um jardim
perfumado de florações. Ela também tinha estado congelada
em pleno voo, uma réplica realista de uma mulher durante
muito tempo.
Agora, entretanto, Charles lhe tinha concedido um
indulto, embora fosse só por umas poucas noites. E ela
aproveitaria esta janela de tempo, por breve que fosse, com
ambas as mãos. Se aferraria, arranharia, saborearia e o
impregnaria em seus poros.
Possivelmente nunca pudesse ser sua esposa. Mas, tal
como tinha decidido essa tarde parada em um escuro
estábulo, olhando ao homem que amava, podia saboreá-lo.
Por esta noite recobraria vida o tempo suficiente para
armazenar algumas lembranças preciosas. Ela suspeitava que
as necessitaria nos próximos anos.
Agora, enquanto os cascos de sua égua rangiam ao longo
de um atalho que serpenteava debaixo de um carvalho sem
folhas e um pinheiro equilibrado, lutou por acalmar seus
nervos contando os passos. Estava no número quinhentos e
trinta e dois quando apareceu a cabana. Ela não sabia o que
tinha esperado, pedra, talvez. Algo similar a sua casinha de
campo. Mas esta casa era branca e marrom, com vigamento
de madeira e teto de palha. As janelas brilhavam alegremente
em suas molduras douradas pelo fogo interior. Estabelecida,
tal como estava, dentro de um bosque de árvores sempre
verdes polvilhados pela geada brilhante à luz da lua, a
pequena casa parecia quase mágica.
Ela suspirou.
— Você gosta?
— Oh, sim.
Quase podia ouvi-lo sorrindo.
— Bom.
Depois de ajudá-la a desmontar, Charles a conduziu ao
interior enquanto cuidava dos cavalos. Sua ausência lhe deu
tempo para examinar o lugar limpo e acolhedor que ele tinha
preparado para eles. Dominando uma parede havia uma
lareira de pedra e madeira muito grande para a habitação.
Um fogo ardeu, rangeu alegremente e converteu o interior em
um verdadeiro forno.
Depois do frio de sua viagem pelo bosque trouxe-lhe uma
coceira na pele.
Ou talvez fosse a cama, uma presença simples, mas
maciça ao longo da parede oposta. Com dossel em brocado de
esmeralda com desenhos de folhas, não se parecia em nada a
um escuro e gigantesco carvalho caído e quadrado e se reunia
em uma pracinha expressamente para este ninho dourado.
Entre a cama e a lareira, um par de cadeiras aladas
flanqueavam uma mesa redonda com uma bandeja de chá.
Chá, pensou. Inclusive pensou no chá. Como eu gosto
do meu Charlie.
Queria rir, mas a tensão em seu ventre não permitiria tal
liberação. Com dedos trêmulos baixou o capuz de sua capa e
se separou da porta, suas botas a levaram para a cama com
silenciosos golpezinhos contra o chão.
Ela engoliu em seco, olhando fixamente a colcha. Verde,
dourado e brilhante, era um rival para o toldo, mas mais leve,
mais suave.
Poderia ser esta mulher? Seus dedos acariciavam
redemoinhos de bordados, imaginando-os deslizando-se em
algum lugar sobre sua pele. Poderia agradar um homem como
Charlie?
Quando ela e Arthur se casaram, há mais de três anos,
os cuidados de seu marido se tornaram quase superficiais:
um beijo ou dois aqui, um golpe ou dois ali, um pouco de
respiração dificultosa, um momento de conexão e logo…
dormir. Não que ela não o tivesse amado, ou que ele não a
tivesse amado. Pelo que ela sabia, nunca tinha tomado uma
amante, e nunca lhe mostrou nada mais que gentileza.
Tinham sido um consolo entre eles, quente e fácil. Em
ocasiões inclusive tinha encontrado um prazer encantador e
culminante enquanto jazia com ele.
Mas ela nunca se queimou assim. Não pelo Arthur. Não
por ninguém.
Só Charlie.
Seu fôlego ficou apanhado pela repentina dor de cabeça
que corria desde seu peito até seu ventre. Tirou-se as luvas
com afiados puxões, logo se tirou a capa, recolheu e dobrou
cuidadosamente, alisando a lã uma e outra vez.
— Julia.
Seus olhos se fecharam por um momento.
Aproximou-se por trás dela: água e sabão, ar fresco de
inverno, calor e força e uma vontade que poderia estar oculta,
mas que não se romperia. Braços magros e sólidos lhe
rodearam a cintura. Mãos elegantes e dedos longos
levantaram a capa dobrada de sua mão. Uma bochecha fria e
arrepiada pousou sobre a dela.
— Diga algo, amor.
Ela deixou que um sorriso se formasse em seus lábios.
— A primeira vez que me beijou. Lembra-se?
Sua capa voou, jogada por uma mão impaciente para
aterrissar onde só Deus sabia.
— Você estava coberta de molho bechamel — disse. —
Esse lacaio foi despedido, por certo. Embora, devo confessar,
que desde esse momento provar bechamel despertava em
mim um elevado nível de interesse.
Desta vez sua risada escapou, baixa e rouca. Recordava
cada segundo: sua indignação escandalosa, seu humor mal
reprimido, a discussão. E, sobretudo, o momento que a tinha
encurralado na pequena câmara onde se retirou. No momento
em que tomou seu rosto salpicado de molho entre suas
formosas mãos e a beijou lhe tirando a respiração.
— Queria mais — ela disse agora. — Estava furiosa
contigo por rir da minha situação. Sabe como me incomoda
ser… um desastre. Mas me beijou. E logo não me importava
nada mais que minha cobiça. Queria suas mãos sobre mim.
Em todos lados. Não pude me aproximar o suficiente.
Essas mãos lhe apertaram a cintura quase com muita
força, sacudindo sua parte traseira diretamente para sua forte
dureza antes de afrouxar-se, como se lutasse por controlar-
se.
— Eu nunca senti nada como isso — confessou em um
sussurro. — Uma fome que consome. Difícil e peculiar. Quero
te devorar, te absorver.
Seu fôlego, que tinha sido anormalmente rápido, deteve-
se. Começou de novo em um longo e entrecortado sopro.
Ofegando em sua orelha.
— Julia.
Ela deslizou suas mãos sobre as dele, entrelaçando seus
dedos sobre seu ventre. Engolindo em seco, continuou,
contente de não ter que enfrentar-se enquanto lhe explicava.
— Estive casada com o Arthur durante nove anos.
Seu peito se sacudiu. Suas mãos cavaram e se curvaram
ao redor das dela.
Ela aproximou as costas.
— Não sei o que está esperando. Não sou muito… hábil.
— Maldito inferno.
— Mas te juro que nenhuma mulher te desejou mais,
porque isso é impossível.
Seus quentes e firmes lábios suspiraram contra seu
pescoço e logo vibraram com seu gemido. A sensação de calor
úmido e o som profundo e ressonante de sua necessidade
enviavam ondas de prazer que se arqueavam sobre seu corpo,
lhe estremecendo o couro cabeludo, a coluna vertebral e os
seios. Os mamilos, que já estavam em seu ponto máximo, se
endureceram ainda mais, doíam-lhe e lhe ardiam, como
estavam acostumados a fazer. Nunca tinha sido capaz de
ocultar sua resposta. Era muito flagrante.
— Não necessito da sua habilidade. — Ela nunca tinha
escutado sua voz tão profunda, tão sombria. Retumbou em
seu ouvido. — Só me deixe te ter completamente.
Ela assentiu freneticamente, sem saber a que se referia,
mas pronta para lhe dar qualquer coisa.
Tudo.
— Fica parada, amor.
Ela sentiu seus dedos deslizando-se para suas costas e
começar a trabalhar em seus botões. A sensação de
formigamento ao longo de sua pele acelerou sua respiração.
— A primeira vez pode ser… rápida. Espero que não se
importe. — Ele era extremamente educado, lhe afrouxando o
vestido e logo os cordões com uma eficácia assombrosa. O
homem era competente em tudo o que fazia, e aparentemente
despir uma mulher não era uma exceção.
— Rápido é… — Ela engoliu em seco. Limpou a garganta.
Perguntava-se o que fazer com suas mãos. — Rápido está
bem. Não vou marcar o tempo.
Zumbiu baixo em sua garganta.
— Divagações. Esplêndido.
— Não foi de propósito.
— Isso é o que o faz tão encantador.
— Está rindo de mim.
— Nem um pouco, amor. Eu gostaria muito te tirar o
corpete agora.
Seu ventre se esticou, o lugar necessitado entre suas
coxas se apertou ao redor de uma dor vazia.
— Se você quiser. Devo soltar o cabelo… também? — Ela
quase tinha divagado outra vez. Explodiu. Foi só porque sua
mente se revolveu para dar sentido aos seus sentidos. O
aroma de sabão e inverno dele. O calor do fogo vindo dele. O
som e a sensação e, oh, Deus, ela precisava prová-lo. Mas ele
a manteve em frente à cama, contemplando os redemoinhos
verdes e dourados da colcha.
— Ainda não — disse com voz áspera. Deslizou seus
longos dedos dentro da abertura de seu vestido, afrouxou
brandamente as capas de veludo, de seda e algodão liso e
musselina pura de seus ombros, para seus braços e sobre
seus seios. O tecido atado raspou seus mamilos eretos antes
de cair para pendurar em seus quadris.
Ela tentou virar-se, desejando despi-lo, beijá-lo, mas
umas mãos fortes a agarraram pela cintura.
— Não — disse de novo. — Me deixe… me deixe te ter,
Julia. Desta vez, me deixe ver-te e te ter como sonhei durante
dois malditos anos.
Ela não sabia muito bem a que se referia, mas sua
demanda era bruta, e um pouco descontrolada.
— Há um pequeno lunar debaixo de sua orelha. —
Levemente ele acariciou com um dedo o lugar, causando
calafrios. — Naquele dia, quando me serviu o chá em seu
salão, imaginei pôr minha boca aqui enquanto tomava. — Sua
mão não se deteve. Viajou por seu pescoço, através de seu
ombro e sobre as cristas de sua espinha dorsal. — E refleti
longamente se seus mamilos coincidiriam com a cor de seus
lábios. — Seu queixo substancial pousou sobre seu ombro,
sua bochecha acariciou a dela. Juntos, olharam para baixo.
— Vejo que o fazem. Simplesmente não pode saber o feliz
que isto me faz.
Oh, mas ela podia senti-lo. Sua dureza era uma força
grossa, palpitante e viva onde pressionava contra suas costas
baixas. Logo suas mãos se deslizaram sobre seus seios,
cavando, apertando e reunindo-a de novo a ele. Sua boca se
voltou para encontrar-se com a dela. Sua língua empurrou
para desafiar e reclamar. Seu sabor era especiaria, sal e
Charlie.
Ele acariciou e apertou seus ardentes e doloridos
mamilos entre dedos magros e elegantes, arrancando um forte
gemido de sua garganta. Ela cobriu suas mãos com as suas,
empurrou seus quadris mais contra os seus, inquieta e
necessitando que se apressasse.
Em seu lugar, retirou a boca, respirando ofegante.
— Agora, amor. Agora pode soltar seu cabelo.
Fez, muito frenética para que lhe incomodasse a dor no
couro cabeludo quando puxou as forquilhas com
despreocupação, pulverizou-as com um tamborilar no chão e
passou as mãos como garras através dos fios.
Enquanto ela se encarregava desta tarefa, Charlie soltou
um seio e usou sua mão livre para desabotoar sua roupa
interior. Logo, usou essa mesma mão para juntar as dobras
de suas saias e as arrastar para cima. Para acariciar a carne
de sua coxa. Logo, a carne entre suas coxas, as gemas dos
dedos sensíveis que pediam a entrada para explorar as dobras
úmidas e prontas e os nervos sensíveis e inflamados. Uma
dessas gemas dos dedos riscou um caminho entre, logo ao
redor, logo, finalmente, para baixo e para baixo para deslizar-
se dentro da ponta menor.
Ela gemeu seu nome.
— Se incline para frente, amor. Na cama.
Ela não perguntou porquê, porque não lhe importava.
Tudo era calor líquido, apertado, doloroso e ambicioso ao
redor de seu dedo invasor. Disparando, chispando e
necessitado sob as pinceladas de seu mamilo. Não, ela não
perguntou por quê. Simplesmente se apoiou nos cotovelos
enquanto deixava que sua força a baixasse sobre a cama.
Nada tinha igualado esta voragem de prazer. Sua pele
estava muito tensa para seu corpo. Seu coração era muito
poderoso para seu peito. Seus olhos estavam cegos,
completamente perdidos em halos de âmbar, ouro e verde.
Ela sentiu que sua saia se levantava, suas nádegas
foram beijadas com ar mais fresco. Sua mão abandonou seu
centro, só para retornar um momento depois. Não. Não era
sua mão. Isto era maior. Quente e contundente. Pousou-se
em sua abertura, acariciou duas vezes ao longo de suas
dobras, lento e amoroso como um beijo. Então, foi
empurrando.
A invasão que tinham esperado dois anos aconteceu no
espaço entre uma respiração e outra. Em um momento estava
vazia, no seguinte estava cheia. Esticada até a beira da dor.
Seu peito caiu sobre suas costas, o linho de sua camisa
suave contra sua pele nua. Uns lábios suaves se assentaram
bem debaixo de sua orelha.
— Está bem, minha Julia? Não estou te machucando,
não é?
— N-não me machuca. Exatamente — ofegou as
palavras, lutando por acostumar-se a sua grossura. O
esticamento ardente em sua entrada, a dura pressão no
profundo. Ela não era virgem, certamente, mas tinham
passado anos. E Arthur nunca tinha sido assim.
Trabalhou seus quadris contra o homem que amava,
apertou seus músculos internos ao seu redor. Lhe acariciou o
pescoço. Lambeu e chupou. Passou seu polegar sobre a ponta
de seu mamilo. Tudo enquanto permanecia quieto, duro e
massivamente profundo dentro dela.
— Me diga como se sente, amor.
Ela grunhiu.
— Grande.
Ele riu entredentes, dando ao seu pescoço outra
lambida.
— Muito grande?
— Não, eu… acredito…
— Sim?
— É só um pouco… avassalador.
— Hmm. Talvez se abrir as pernas.
Ela fez o ajuste.
— Melhor?
— Mmm.
— Não parece segura.
— Eh, ooooooh? – Seus olhos tremeram e se fecharam
quando ele apertou o mamilo com impressionante firmeza. —
É b-bastante bom, creio.
— Então posso continuar?
— Sim.
Seus lábios se assentaram contra a curva de sua orelha.
— Bom.
A única palavra foi toda a advertência que lhe deu antes
de retirar-se até a ponta e empurrar completamente para trás
dentro de um golpe feroz e duro. Logo, repetiu os movimentos,
golpeando por dentro com impulsos longos e duros. Sua mão
deixou seu seio para agarrar seu quadril. A outra mão se
afundou em seu cabelo, juntando e apertando a massa,
mantendo-o fora de seu caminho enquanto ele chupava bem
embaixo de sua orelha.
O calor de sua invasão, o choque e a fricção, formaram
uma realidade separada. Tudo o que sabia era do seu corpo
dentro dela, a colisão de seus quadris, a plenitude de
esticamento. Os golpes profundos, duros, decididos. Nesta
realidade sua dor não diminuiu. Apertou-se. Disparou em seu
peito e em seu núcleo. Ferida e enrolada, expandida e torcida
até que se ouviu ofegar. Chorando seu nome. Gritando
quando a pressão do prazer se fez muito. Necessitava-o para
ir a alguma parte, entretanto, sentia-se apanhada dentro
dela.
Ele a estava avivando. Martelando como um ferreiro
formando uma nova forma. Tentou lhe dizer que era muito,
que ia quebrar-se como uma linha muito esticada, ou dividir-
se como um travesseiro cheio, mas suas palavras saíram
como: — Por favor. Oh, Deus, Charlie. Por favor.
Ao final, não se quebrou nem se partiu. Mas encheu-se e
se esticou até que o prazer esteve pronto para tomá-la, da
mesma maneira que Charlie a estava tomando, com uma
força avassaladora. A explosão se produziu tão
repentinamente que ela lançou um grito com a boca aberta e
silenciosa.
Primeiro, cada músculo se agarrou ao seu redor, a
explosão de prazer inicial tão íngreme e aguda que perdeu o
fôlego. Logo veio a suspensão, uma pausa flutuante. Logo,
uma explosão maior, mais dura, mais quente e mais poderosa
que qualquer outra coisa que tenha imaginado. Tomou como
um oceano de fogo, uma rítmica palpitante que a envolveu,
debilitou-a e a fortaleceu até que morreu e nasceu no mesmo
momento.
Quando as ondas começaram a acalmar-se, lutou por
recuperar o fôlego, ofegando contra a suave almofada dourada
e verde, saboreando a força de Charlie ao seu redor, suas
mãos agarrando e acariciando, sua dureza empurrando, seu
peito embalado e cobrindo-a. Ela se inclinou para trás com
uma mão para acariciar sua nuca, amando a textura de seu
cabelo, suave e grossa entre seus dedos. Ela o saboreou,
empapou-o, fez-lhe recordar. A especiaria limpa de seu sabão.
O arranhão de sua mandíbula. O corte de seu fôlego em seu
ouvido. A beleza de sua mão apoiada na cama junto à dela.
Ela sentiu que seu clímax se aproximava. Sentiu-o na
urgência de seu ritmo. Acariciou-o com carinhosas contrações
de sua vagina.
— Deus, Julia. — Ofegou as palavras. Grunhiu algo
eroticamente obsceno, um termo que só tinha escutado uma
vez antes.
Então, afundou-se profundamente uma última vez.
Sustentou-a com um braço de aço e a curva de um corpo
magro. Gemeu, ficou rígido e respirou seu nome. Logo
explodiu dentro dela. Ela se encheu dele, tomando seu prazer
e sua semente. Seu Charlie era parte dela, dava-lhe tudo o
que queria, incluído o maior prazer que jamais tinha
conhecido.
Tudo isso seria suficiente, exceto o que ela não podia ter:
uma vida de noites como esta.
CAPÍTULO 9

“Sério, Charles. Zangar-se é impróprio. Imagina que é o


primeiro homem em obter tal aquiescência a todos os seus
caprichos?”
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao
descobrir seu incomum talento para ganhar o favor de seu
excelente companheiro, Humphrey.

Quando Charlie tinha levado Julia a Fairfield, tinha sido


uma vez mais uma desordem: os lábios gordinhos, o cabelo
desordenado e apressadamente preso, as bochechas
avermelhadas pelo contato com seu rosto. Ele a tinha ajudado
a abotoar o vestido, é claro, mas a coisa se enrugou e sujou
até que foi óbvio onde tinha passado a noite.
Foi esplêndido. Estava tendo problemas para sufocar seu
sorriso.
Ela, junto com sete dos convidados do Dunston, tinha
vindo a Steadwick Hall para uma visita. Olhando-a agora,
com seu longo e branco pescoço esticado para ver sua vasta
biblioteca de dois pisos, pensou que ninguém suspeitaria que
esta limpa e composta mulher era uma criatura tão erótica.
Seu vestido era de suave lã carmesim, perfeitamente alisada.
Seu cabelo estava firmemente preso, suas mãos entrelaçadas
modestamente em sua cintura. Mas, ele notou, ela devia ter
sentido seu olhar sobre ela, porque um rosa formoso tinha
alagado suas bochechas.
— Considerou uma das garotas do Aldridge? Nenhuma
delas possui um pingo de inteligência, mas sua mãe deu à luz
gêmeos. Dois. A fecundidade compensa muitos enguiços.
Ele pôs os olhos em branco à sua mãe. No momento em
que chegou as pessoas de Fairfield, ela fez uma demonstração
de ser a anfitriã, ordenando aos seus serventes, descrevendo
o propósito de cada habitação para “seus” convidados.
— Mãe, não desejo me casar com uma garota que saiu do
berço ao mesmo tempo que eu saía de Oxford. Apesar da
fecundidade.
Ele sentiu sua irritação.
— Bom, se tiver que se fixar em uma viúva de anos mais
avançados, talvez Lady Turnwicke tentará seus apetites.
Rindo, lhe lançou um olhar.
— Falando de fecundação, não é?
Seu estreito olhar implicava que o achava mais irritante
que humorístico. Parecia que desejava estampar seu pé em
seus quartos traseiros.
— Não vejo razão para que ela não dê à luz um oitavo
filho. Os primeiros sete chegaram rapidamente.
Zumbiu uma resposta neutra, juntou as mãos atrás das
costas e voltou a olhar à Julia. Ela ria com um incrédulo Olive
Willoughby dentro de um livro. Quanto tempo tomaria para
reorganizar sua biblioteca depois que lhe fizesse a senhora de
Steadwick Hall? Dois dias. Talvez três. Mais tempo se a
mantivesse ocupada com outras atividades mais prazerosas.
— Basta disso — retrucou sua mãe. — Não posso
suportar seu incessante e irracional bom humor outro
momento.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ah, sim. Felicidade. O mais indecoroso. Rogo-te que
me desculpe, minha lady.
Ela despediu seu sarcasmo levantando seu queixo.
— Como deveria. Reconheço essa expressão. Seu pai a
usava frequentemente.
Cobrindo sua repentina risada com uma tosse, apertou
seus lábios com outro sorriso.
— Se divirta tudo o que quiser, Charles. Instale-a como
sua amante, se assim o escolher. Mas faria bem em recordar
o propósito principal do matrimônio e todas as formas em que
ela não é adequada para esse rol.
Não duvidava de quem ela falava. Desde o começo sua
mãe vacilou entre a euforia pelo fato de que Julia lhe tinha
feito reconsiderar o matrimônio e a consternação ante as
diversas calamidades de seu cortejo. Mais recentemente, ela
tinha feito uma campanha de dissuasão, o incentivando a
encontrar uma mulher mais jovem e menos “desastrosa” para
casar-se.
Como sempre, suas críticas a Julia irritaram seu
temperamento como nada mais.
— Cuidado como fala dela, mãe. Logo ela será sua nora.
Um alarme peculiar estalou sobre seus traços.
— Ela consentiu?
— Ainda não. Mas o fará.
A noite anterior tinha sido só o começo. Um começo
glorioso, magnífico, explosivo. Ela se tinha dado
maravilhosamente, uma e outra vez. Esta noite ele converteria
o prazer em persuasão, a obrigaria a reconhecer seu lugar
apropriado em sua vida. Ao final, se tomasse cuidado, tinha
poucas dúvidas de que chegaria à conclusão correta: que
pertencia a ele.
Entretanto, essa estratégia em particular poderia esperar
o anoitecer. Esta manhã tinha a intenção de tentá-la de uma
maneira diferente. No parque Steadwick.
— Me perdoe, mãe — disse, dirigindo-se para a formosa
mulher vestida com lã vermelha. — Uma determinada viúva
requer minha atenção.

***

Estava-a manipulando. Deliberadamente.


Metodicamente. Julia sabia, entretanto não podia criticar sua
estratégia.
Estava funcionando.
— Naturalmente, minhas energias se dirigiram para a
expansão dos estábulos — disse casualmente. O homem
inteligente e especulativo se colocou ao seu lado com as mãos
entrelaçadas nas costas. Disparou-lhe o comentário tendo em
conta dar uma olhada ao nível superior de prateleiras ricas e
escuras e fazer um clique em sua língua.
— Não há tempo para pôr a biblioteca na ordem correta,
não importa as cozinhas. Aposto que há habitações neste
lugar que não se limparam em dois anos. Uma pena, de
verdade.
Suas mãos se apertaram brevemente. Ela desejava dizer
que ele fosse ao diabo. Ou encurralar a sua governanta e
começar a coordenar um regime de limpeza saudável. Este
lugar, uma obra-prima pública esplendidamente simétrica,
era quase tão tentadora quanto seu dono.
— Seus estábulos são, de fato, magníficos, meu senhor.
— Embora suas palavras foram pensadas como uma
distração, não foram menos verdadeiras. Ao ver os estábulos
antes maravilhou-se tanto de seu tamanho como de sua
limpeza. Cada bloco, dos quais havia seis, albergava vinte
postos. Dentro de cada posto havia outro exemplo do talento
sem igual do Charlie para reconhecer, adquirir e criar cavalos
de primeira.
— Hmm. Vimo-nos obrigados a eliminar o jardim cercado
para deixar espaço para o terceiro edifício. Agora não sei onde
recolocá-lo. – Encolheu os ombros e suspirou. — Talvez no
lado norte da casa.
Engoliu saliva, contendo a respiração para evitar
responder. As palavras pediram para ser pronunciadas, mas
ela se negou a lhe dar a satisfação.
— Não se pode pôr um jardim cercado à sombra — disse
outra Julia menos controlada. — Nada crescerá. Coloque-o ao
sul do lago de peixes, perto da estufa. Terá que remover
várias árvores, mas o jardim receberá sol com o passar do dia,
e está a um curto passeio das cozinhas.
Seu amplo sorriso falava de triunfo.
— Eminentemente sensível.
Ela apertou os dentes. Maldição. Não só tinha passado
toda a noite arrebatando-a em um atoleiro de felicidade, ao
que parecia tinha decidido explorar todas as suas debilidades
de uma maneira igualmente desumana.
— Você deve usar esse vestido esta noite — disse com
indiferença ociosa. — A cor é muito… contrastante contra sua
pele.
Seu coração gaguejava em seu peito.
— Porei o que eu quiser.
Uma vez mais sorriu como se tivesse ganho.
— Bastante justo. — Afastou-se quase assobiando.
Por dentro ela estava fervendo. Sabia exatamente o que
ele estava fazendo, e não era justo, absolutamente. Como ia
resistir a ele? A este ritmo rogaria que se casasse com ela
antes que terminasse a semana.
Além disso, quem contemplava colocar um jardim
cercado no extremo norte de uma casa? Pura insensatez.
Felizmente, durante a seguinte hora, manteve distância,
mostrando a ela e aos outros os arredores de Steadwick Hall
com sua habitual tranquilidade. Depois da biblioteca
chegaram os salões duplos que flanqueavam uma elaborada
rotatória, logo a enorme sala de jantar com suas paredes de
seda azul, e logo a larga galeria na parte traseira da casa,
onde os retratos de seus ancestrais se mesclaram com as
paisagens magníficas e o ocasional fundo brilhante do teto.
Foi ali, no extremo oeste da galeria, onde Lady
Wallingham se aproximou dela. Olive e Helen se afastaram
para ver o Turner, enquanto Julia admirava o retrato de uma
lady Wallingham sem sorrir que sustentava um bebê de bata
branca e cabelo escuro em seu regaço. Charlie, é claro.
— Tinha o queixo do Bainbridge desde essa época —
disse a voz sonora de onde estava. — Tinha esperado que ele
evitasse a aflição.
Julia sorriu gentilmente e voltou seu olhar ao quadro. Os
braços do bebê estavam estendidos para sua mãe, enquanto
os olhos da mulher podiam olhar ao artista com um olhar
imperioso, suas mãos embalavam protetoramente as costas
do menino.
— Eu gosto bastante, em realidade — ela respondeu. —
Outros queixos parecem débeis e pouco interessantes em
comparação.
A viúva elevou seu nariz.
— Isso é só porque está apaixonada.
Julia piscou.
— Oh, não finja comigo, menina. Não sou nem senil nem
cega.
Ela engoliu em seco antes de responder: — Nunca neguei
minha admiração por seu filho.
— Admiração. — A anciã cuspiu a palavra. — Está
apaixonada por ele. Ele sabe. Eu sei. Inclusive seu botânico
confuso sabe.
— Senhor Mortimer? Como…?
— Uma mulher que passa um jantar inteiro olhando com
nostalgia na direção de outro homem diminui um pouco sua
atração matrimonial, não acha?
Julia apertou os lábios e jogou uma olhada ao longo da
galeria, onde o Senhor Mortimer explicava a Helen por que a
flora representada em uma das paisagens estava má. Helen
sacudiu a cabeça e pôs-se a rir, zombando dele por ser um
fanático pela precisão, ao mesmo tempo que lhe faltava o
objetivo do esforço artístico. Senhor Mortimer lhe sorriu, seus
olhos brilhando com afeto.
— Encontre outra perspectiva, lady Willoughby — disse a
viúva. — Parece que Senhor Mortimer já o fez.
Com o coração apertado até que a dor se alojou em sua
garganta, Julia se perguntou como poderia ter passado por
cima dos sinais. Helen, a querida Helen, era mais adequada
para Senhor Mortimer que ela. E, entretanto, em sua pressa
por assegurar seu próprio futuro, tinha obrigado Helen a
deixar de lado o que Julia agora se dava conta que era um
romance tardio.
Lady Wallingham tinha razão uma vez mais. Devia
encontrar outra perspectiva.
Charlie. Só Charlie.
Resistiu à voz sinistra, apertou com força e conteve a
respiração até que deteve seu canto de súplica.
— E pode se esquecer do Charles. À sua partida, tenho
poucas dúvidas de que encontrará consolo em outro lado.
Então, possivelmente, pode cumprir com seu dever de
engendrar um herdeiro e sua associação chegará a um final
ignominioso, mas bem-vindo.
Aparentemente satisfeita com sua declaração final e
ácida, Lady Wallingham se deu a volta, seu vestido de veludo
azul se agitava, seu turbante branco e com plumas flutuava
sobre sua cabeça branca. Era o mesmo tipo de declaração
arrogante e de alto voo que tinha usado na primavera anterior
enquanto as mãos de Julia se sacudiram o suficiente para
derramar chá fervendo em seu regaço.
Enquanto seu coração se quebrava o suficiente para
parti-la pela metade.
O dragão tinha sido brutal então, e era brutal agora.
Recentemente, entretanto, Julia tinha se enchido de
dragões.
— Minha senhora — chamou, olhando a viúva girar com
as sobrancelhas arqueadas e estudou a despreocupação.
Julia se aproximou dela lentamente, detendo-se a trinta
centímetros de distância e enfrentando um altivo olhar verde
com uma pura verdade. — Amo seu filho.
— Obviamente.
— Não. A senhora não entende. Não estou meramente
apaixonada por ele. Esta não é uma fantasia infantil que
desaparecerá com o tempo. Francamente, isso poderia ser
preferível.
Os olhos verdes piscaram e se estreitaram. Um delicado
queixo inclinado.
— Amo-o mais que a minha própria felicidade. Mais que
minha própria vida. Eu sei que nunca poderei ter filhos. Sei,
minha senhora. Não necessito de avisos. — Oh, como estas
palavras doíam. Mal podia pensar nelas sem querer chorar, e
as dizer em voz alta, especialmente a esta mulher, estava-a
matando. Mas ela devia fazê-lo.
Embora o dragão se convertera em um borrão silencioso
e formado retorcido, Julia não afastou a vista dela. Em troca,
sorriu, engolindo sua tristeza, falando através dela.
— Ele merece ser pai. Nunca conheci um homem mais
paciente. Um homem melhor. Amará e protegerá seus filhos
com toda sua força. Ele aprendeu muito de ti. — Limpou-se
com impaciência as bochechas úmidas e deixou que sua voz
se endurecesse. — Mas, por favor. Por favor, não me fale
como se isto fosse algo menos que minha morte. Apesar de
tudo, vou à forca com prazer. Por sua felicidade. Não pela
minha. E certamente não pela tua.
Com isso, Julia deixou a marquesa viúva de Wallingham
imóvel em um raio de luz e, por uma vez em sua longa vida,
sem palavras.
CAPÍTULO 10

“Você diz ‘dragão’ como se eu devesse me ofender. Se não me


equivoco, os dragões são extremamente peritos em assegurar o
que lhes pertence. Talvez aqueles que procuram oferecer
insultos deveriam perguntar por suas próprias deficiências
nesse trimestre”.
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Gattingford durante
um almoço cheio de intrigas, calúnias e um bule bastante
encantador.

Essa noite o vento se fortaleceu até converter-se em um


vendaval, peneirando árvores e agitando ondas de geada
brilhante fora das janelas geminadas da casa. Julia pensou
que poderiam ver a neve antes do final da caça.
Fortes braços se fecharam ao redor de suas costas nuas.
Uns lábios suaves precederam uma língua brincalhona sobre
seu seio.
— Quer mais chá, querida?
Riu. Não pôde evitá-lo. O homem era insaciável.
Quando tinham chegado antes, ela o tinha necessitado
muito. Precisava sustentar seu rosto entre suas mãos e sentir
sua boca sobre a dela. Precisava levá-lo dentro dela e
encontrar seu prazer. Precisava pôr sua bochecha sobre seu
peito e escutar seu coração. Fazia tudo isso, e ele
simplesmente a tinha abraçado por mais tempo, sem dizer
nada. Deitaram-se juntos na cama, escutando o vento lá fora,
desfrutando do ritmo de seus batimentos cardíacos e a
comodidade do calor compartilhado.
Não lhe tinha perguntado o que estava mal, mas sabia
que ele o sentia. Charlie sempre percebia sua angústia,
mesmo quando tomava cuidado. Esta noite não tinha tomado
cuidado. Ela tinha estado desesperada.
Sua conversação com lady Wallingham a tinha aberto de
novo. Tinha necessitado que Charlie a costurasse novamente.
Mais tarde, depois que ela dormiu um momento, Charles
se tinha levantado da cama e se moveu para a mesa, seu
corpo magro e comprido era uma mescla de músculos
definidos e cabelo escuro formando redemoinhos. A luz
dourada do fogo preso na prata em suas têmporas brilhava
sobre o grosso e semiduro pau entre suas coxas. Ela se tinha
movido inquieta contra os lençóis, seu corpo começava a
derreter-se de novo.
Sorrindo diabolicamente sobre seu ombro, tinha feito um
gesto para que se unisse a ele.
— Vem, amor. Nos servirá um pouco de chá? Não é?
Ela tinha protestado que estava nua.
— Precisamente — tinha ronronado.
Lhe tinha servido chá como se estivessem em um salão
de Mayfair. Nua. Dentro de uns minutos tinha perdido toda a
paciência para o jogo e a tinha transferido rapidamente ao
seu regaço.
Agora, ela se sentou escarranchada sobre suas coxas,
sua dureza enterrada até o punho, sua boca se equilibrou
sobre seu pescoço e seus mamilos. Suas mãos correram por
suas costas para apertar seus quadris e logo suas nádegas.
— Oh, Charlie — ela gemeu agarrando seu pescoço e
amando a sensação dele duro e cheio dentro dela. Lhe deu
beijos ao longo de sua testa, por aquelas maçãs do rosto
aristocráticas, e sobre seu queixo significativo. Queria
memorizá-lo. Cada polegada quadrada. Queria levá-lo com ela
quando se fosse, fundindo-se com sua pele, sangue e ossos.
Ele se afastou até que seus olhos apanharam os dela. O
verde brilhava como esmeralda sob as sobrancelhas baixas e
rodeadas. Seu peito trabalhava contra sua respiração, contra
seus seios. Levantou um só polegar e lhe tocou a bochecha.
Estava molhada.
— Maldito inferno, Julia — sussurrou. — Me diga o que
acontece.
Tudo saiu de repente. Tudo o que ela tinha estado
guardando. Pressionou e empurrou e inchou dentro de seu
peito. Bruscamente a barreira se rompeu, e escapou um
soluço. Tampou-se a boca com ambas as mãos para detê-lo.
Mas não se detinha.
Ofegou e perdeu seu agarre.
Ele embalou seu rosto entre suas formosas mãos. Baixou
a cabeça para pôr os lábios tenros em sua têmpora.
— Me diga — repetiu. — Chegou o momento, amor.
Tomou longos minutos para falar. Quando finalmente
teve o controle suficiente sobre sua respiração, estremeceu-se
e se aferrou ao seu pescoço, apoiando seu rosto úmido no oco
de seu ombro.
— Observei-o… — ela respirou contra a pele de Charlie.
— Muito antes de que morresse, vi-o me abandonar.
Charles ficou quieto e silencioso, lhe acariciando as
costas com mãos pacientes. Escutando. Ele sempre tinha
escutado tão bem. Era uma das coisas que mais amava nele.
— Mês a mês. Ano após ano. Não pude… lhe dar o que
tinha todo o direito de esperar. Esperamos. Então, ficamos
decepcionados. Uma e outra vez. Ele nunca me culpou. Mas
vi uma parte dele, a parte que me queria, murchou-se.
Mais carícias, rítmicas e suaves. Mais silêncio.
A paciência de Charlie a estabilizou. Deu-lhe coragem.
— Sou estéril, Charlie. E não posso ver quando esse fogo
desaparecer dos seus olhos. Não sobreviverei vendo-o olhar os
filhos de outros homens e lamentar a escolha que fez. Esta é a
minha carga, não a tua. Por isso não posso me casar contigo.
Mas eu te amo, meu amor. Nunca duvide. Amo-te muito.
Liberou-a dizer as palavras, como se seu fingimento
tivesse sido um veneno lento, e por fim tivesse sido purgado.
Lhe deu um pequeno beijo no pescoço e se aconchegou mais
perto.
O silêncio se alargou. Suas mãos continuaram seu
caminho longo e firme. Acima e abaixo. Do pescoço aos
quadris. Uma e outra vez. Enquanto ela se sentia aliviada
pelos movimentos, seus músculos não estavam
particularmente relaxados. De fato, sua presença dentro dela
seguia sendo dura como o aço. Ela se surpreendeu de que
não se retirou no momento que tinha contado e se lançado à
sua ridícula e chorosa confissão. Uma mulher que soluçava
não podia ser terrivelmente excitante.
Exceto que agora mesmo estava excitado. Lentamente ela
deslizou seus braços ao redor de seu pescoço e desceu por
seu peito de pelagem escura.
Pressionando ligeiramente, endireitou-se e o olhou.
E o que viu lhe roubou o fôlego.
Charles Bainbridge, o décimo quarto marquês de
Wallingham, estava redondamente, absolutamente,
ardentemente furioso.

***

Seu rosto estava envolto em vermelho. Talvez fosse a luz


do fogo ou os estragos do pranto. Mas suspeitava que era sua
visão. Neste momento tudo era vermelho.
— Charlie?
Ele estendeu a mão para alisar seu cabelo. Aquele cabelo
comprido e lustroso com matizes de mel e champagne.
Ela sorveu.
— Por que está zangado?
Ele não respondeu. Sua mão cavou sua nuca. Seu
polegar acariciou sua mandíbula.
Seus seios eram maravilhosos. Examinou-os com
cuidado. Mamilos de pêssego que se tornaram delicados e
rosados quando despertava. Ou quando os lambia, o que
equivalia ao mesmo. Exuberantes e cheios, esses seios eram
peras arredondadas com pequenos pêssegos em miniatura.
Achou-os deliciosos.
Também gostava de sua pele. Aroma de rosa e
aveludada, só necessitava de um roce de sua mandíbula com
cerdas para avermelhar-se. Ela era maravilhosamente
sensível. Delicada, inclusive.
Por isso, agora ele devia controlar suas reações.
Não podia render-se à sua ira ou tomá-la como queria,
brusco, forte e sem piedade. Engoliu em seco e respirou para
controlar o impulso. Seu pênis, é claro, centrado
comodamente dentro de sua vagina, não aprovava sua
cautela.
Queria reivindicá-la.
Isso era tudo. Queria reivindicar o que era dele. Porque,
ela não pertencia ao Arthur Willoughby, que obviamente tinha
sido um imbecil. Era bom que estivesse morto. Charlie estava
contente, sim, contente, por duas razões. Primeiro, porque
agora Julia podia ser dele. E segundo, se o homem não
estivesse morto, quereria matá-lo por lhe ferir. Nenhuma
destas razões era minimamente razoável. Era loucura
primitiva. Mesmo assim, não eram mais que as raízes de sua
raiva atual. O resto era fúria por ela. Julia. Por amá-lo e
mentir sobre isso. Por deixá-lo sem lhe conceder nada. Ela
não havia se incomodado em lhe perguntar se queria ter
filhos ou se podia aceitar sua esterilidade.
Ela simplesmente tinha decidido que devia casar-se com
outro homem. Para evitá-lo.
Era absurdo, seria ridículo se não fosse tão doloroso.
Lhe acariciou o cabelo de novo.
— Tem que entender que nunca se casará com qualquer
outra pessoa, Julia. Está claro?
Maldito inferno. Sua raiva estava falando por ele.
E uma vez que tinha começado, queria mais.
Os olhos de xerez se arredondaram.
— Eh, Charlie? Eu… pensei que você… entendia. Devo
casar com alguém, já que minha herança não é suficiente
para comprar minha própria casa, e simplesmente não posso
ficar na casa de campo. Converti-me em queijo mofado, e é
insustentável.
Ele franziu o cenho.
— Queijo mofado?
— Senhor Mortimer já não é uma opção. Acredito que ele
e Helen são… bem, basta dizer que meus planos mudaram. E,
antes que pergunte, ainda não tenho ninguém mais em
mente. Os viúvos agradáveis com múltiplos descendentes
varões não são tão comuns como poderia pensar-se.
— Julia.
— Sim?
— Não se casará com ninguém mais. Nenhum outro
homem, viúvo ou de outra maneira, estará dentro de ti.
Nenhum outro homem olhará seus seios ou te verá lhe servir
chá enquanto está nua ou a tomará com o tipo de fúria
selvagem que eu sinto agora mesmo. Porque é minha. E esse
é o final deste tema em particular.
Seus olhos suavizaram. Ficou escuro e rico com uma
volta de ternura. E a luxúria. Estava muito contente disso.
— Charlie — ela suspirou, seus dedos acariciando seu
cabelo. — Nunca poderei lhe dar filhos.
— Não importa.
— Só pensa isso porque me quer agora. Mas o tempo
passará, e outros lordes, seus amigos, terão filhos para levar
seus títulos e fazê-los intoleravelmente jactanciosos. Pode ser
que não se importe na primeira vez ou na segunda. Mas
quanto tempo, Charlie? Quantos anos passarão antes de
olhar o que poderia ter tido e começar a se arrepender…
— Quer a verdade? — Sua voz era áspera e crua, porque
não ficava nada para discipliná-la.
Ela se mordeu o lábio e assentiu.
— Nunca esperei ter filhos. Nunca esperei, nem quis
voltar a me casar.
Ela o acariciou com dedos suaves e o que sentiu como
simpatia.
— Porque amava a sua primeira esposa. Sei.
Sacudiu a cabeça. — Incorreto. Desprezava-a, Julia.
Piscando, franziu o cenho e abriu a boca para falar.
Fechou-a. E abriu de novo.
— Você, mas eu, todos pensaram que você…
— Luto. Por quinze anos? Só os parvos sentimentais
acreditam nessa bobagem. — Talvez soasse como sua mãe.
Mas não lhe importava. Tinha permitido à sociedade acreditar
no que quisesse, mas seu matrimônio tinha sido um inferno
de torturas durante dois anos antes que Susannah morresse,
felizmente, de febre.
— A mulher estava completamente louca, olhando para
trás. Fiz o melhor que pude, mantive-a confinada em grande
parte em Grimsgate. Mas a metade das vezes estava encolhida
em sua cama soluçando por trivialidades absolutas, e na
outra metade estava deitando-se com o lacaio ou organizando
uma maldita festa e comportando-se como se tivesse sido
coroada como a sucessora do Prinny.
Os lábios de Julia formaram um “O” e lhe fizeram querer
beijá-la. Ela, por outro lado, queria acariciar seu cabelo e
acalmá-lo.
— Meu pobre Charlie. Quão difícil deve ter sido isso.
— Sim, bom, foi faz anos.
— Mas decidiu não se casar. Nunca.
— Eu gostava da minha vida tal como era.
— E, naturalmente, sua mãe forçou o problema, exigiu
que se casasse para continuar com sua linhagem.
Ele grunhiu.
— Talvez sua insistência seja um fator em sua
resistência?
— Está divagando outra vez. E sim, provavelmente. Eu
não gosto de dançar sobre suas cordas.
Ela sorriu mostrando suas covinhas.
— Dirige-a com maestria, sabe. Tal força de vontade é
muito… impressionante.
— Tive uma longa prática.
Antes tinha desejado beijá-la. Agora, em troca, ela o
beijou. Docemente. Mantendo sua mandíbula firme para que
ela pudesse lamber, chupar, provocar e tentar. Sua vagina o
acariciou onde ainda estavam unidos, apertando e agradando
seu pau.
— Sabe o que é mais impressionante? — Ela ofegou
contra seus lábios. — O fato de que segue estando duro e
pronto para mim, mesmo enquanto me reconforta em minha
angústia e discute com calma temas pesados.
— Julia.
Lhe mordeu o queixo.
— Hmm?
— Vou levantar-te agora e tomá-la com bastante força
sobre a mesa.
— Oh, mas o que acontecerá com o chá?
— Pode derramar-se no chão.
— Vamos causar um terrível desastre.
— Sim.
Ela suspirou e lhe deu outro apertão amoroso.
— Então sugiro que comecemos.
Levantou-a com um braço, levantou sua parte traseira
sobre a borda da mesa e rapidamente empurrou a bandeja de
chá ao chão. Causou um terrível estrépito antes que o bule se
assentasse de lado, salpicando um líquido marrom em um
amplo arco através do chão. Não lhe importou.
Surpreendentemente, a ela tampouco. Julia, sua
ordenada e organizada Julia, recostou-se sobre a mesa de
madeira com os lábios inchados, o cabelo revolto e os
mamilos avermelhados. E sorriu. Brilhando lhe deu as boas-
vindas com os braços abertos.
Agarrou suas coxas e a apertou mais contra seus
quadris. Lhe deu um pequeno empurrão para pôr à prova sua
preparação. Ela suspirou e fechou os olhos, arqueando as
costas em um elegante arco.
Deus, ela era formosa.
Pele aveludada e mamilos de pêssego. Os olhos de xerez
que se enrugavam quando ria. Nunca tinha querido uma
mulher assim. Ela pensou que sua resistência era
impressionante, mas era só o produto de sua extraordinária
luxúria por ela.
Inclinou-se para frente para lamber um mamilo de
contas, saboreando seu ofego, o agarre em seu cabelo. Ela
estava escorregadia ao redor de seu pau. Molhada, mas ainda
não estava completamente preparada. Colocando seu mamilo
mais profundamente em sua boca, ele chupou com fortes
puxões e mordiscando gentilmente.
Então fez com que ela ofegasse com um impulso mais
profundo e mais duro entre suas coxas.
— Oh!
Ele levantou seus joelhos mais acima, cobriu seus braços
com suas pernas. Empurrou de novo.
— Meu Deus, Charlie.
Melhor. Assim, ela estava quase lá.
Retirou-se quase por completo e se afundou
completamente dentro de seu forte calor, esticando sua
vagina e repensando sua reivindicação. Uma vez. E outra vez.
E outra vez. Assinalou sua aprovação com uma série de
gemidos profundos e guturais.
— Julia.
— Oh, Deus.
— Você me pertence, amor. Diga que entende. — Agora a
luz era mais brilhante na habitação, o fogo fundia sua pele
em ouro.
— Sou tua, Charlie. Sempre serei tua.
O triunfo explodiu em seu peito. Durante longos minutos
tudo o que pôde fazer foi tomá-la. Duro e longo. Duro e
profundo. Duro, forte e implacável. Ela envolveu suas pernas
ao redor de suas costas, lhe dando o ângulo que necessitava
para ir ainda mais profundo, para aumentar a fricção de seu
pau escorregadio contra a protuberância que se inchava com
sua necessidade.
Adorava escutar seus ofegos e gemidos. Adorava agradá-
la com seu pau e sua boca. Adorava cheirar a doce mescla de
rosas e mulher e a pele quente e aveludada. Adorava sentir as
ondulações de advertência de sua ardente implosão, a torção
de sua vagina quando convulsionava ao seu redor, o arranhão
de suas mãos em seu couro cabeludo, nuca e costas.
Acima de tudo, adorava tomar a mulher que amava e
liberar uma tormenta de prazer dentro dela, vertendo dela a
ele, dele a ela em ondas e ondas. Saboreou ver seus olhos
brilhar por ele como chamas escuras e douradas. Escutando
sua risada sedutora e gutural enquanto respiravam ofegando,
respirando desesperadamente juntos, tocando e acariciando
para parar, os faria em pedaços.
— Fizemos uma boa confusão, meu lorde. — Ela beijou
sua bochecha e logo sua boca enquanto a levantava da mesa,
suas pernas se debilitaram, mas felizmente estavam firmes.
Levou-a à cama e respondeu: — Sim, amor. Uma boa
confusão, por certo.
CAPÍTULO 11

“Ao final, sou sua mãe, Charles. Sempre serei sua mãe,
entretanto, é possível que deseje que não fosse assim”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, na
terceira reiteração de uma carta destinada ao fogo.

A neve chegou na décima quarta manhã da festa de caça


do Dunston. Em lugar de rajadas imprecisas, produziu-se em
uma cascata de branco espumoso, cobrindo campos e ramos,
estábulos e cabanas em um silêncio espesso.
Tudo isto pôs Charles de mau humor. Caminhando pelo
caminho para Steadwick Hall, escutou o rangido e amortecido
de suas botas atravessando o que deviam ser trinta
centímetros de neve. Felizmente, além do clima, teve poucas
queixas. Havia se sentido gratificado por sua reunião com o
vigário essa manhã, e os assuntos avançavam bem com Julia.
Bastante bem. Quase sorriu recordando suas longas e
maravilhosas noites na cabana. Era uma mulher excepcional,
apaixonada e amorosa, sensual e doce, encantadora e sábia.
E um pouco estranha. Gostou disso.
Mas não gostava da neve. A este ritmo sua mãe se
negaria a ir-se até o degelo primaveril. Estava preparado para
que ela permanecesse em Steadwick depois do Natal, mas ele
e Julia se casariam logo, e esperava que sua mãe se fosse
pouco depois para que ele e sua nova noiva pudessem estar
sozinhos.
Lançou um olhar furioso às nuvens ofensivas. Um floco
de neve gordo aterrissou em seu olho.
— Maldição — murmurou, piscando e puxando a aba de
seu chapéu. Decidindo que não valia a pena amaldiçoar o
destino, encolheu os ombros e acelerou o passo.
Seu mordomo se reuniu com ele no vestíbulo de entrada,
pegando seu chapéu úmido e seu casaco nevado com um
olhar de deleite.
— É extraordinário ter tanta neve a princípios de
dezembro, não é assim, milord? Faz com que tudo pareça
fresco e novo, atrevo-me a dizer.
Em lugar de danificar a exuberância do homem, Charlie
simplesmente assentiu.
— Suponho que sim.
— Onde esteve, moço? — A voz de sua mãe ecoou nas
paredes avermelhadas e colunas brancas.
Ele a olhou com o cenho franzido.
— Fora.
— Em uma tormenta de neve? O que poderia ser tão
importante? — Ela vestia veludo verde hoje, dando aos seus
olhos uma intensidade incomum. Em uma mão segurava
suas lentes, na outra, uma pilha de papéis. Cartas, muito
provavelmente, de seus muitos contatos ao redor da
Inglaterra. A minha mãe gostava de manter-se informada.
— Tinha assuntos a atender — disse, começando a
avançar para seu escritório.
Curiosamente, ela o seguiu.
— Devo falar contigo.
— Talvez mais tarde, mãe. — Os acertos para umas
bodas nesta época do ano eram desafiantes, especialmente se
ele desejava lhe proporcionar rosas. Sabia de ao menos um
vizinho que as tinha cultivado durante todo o ano em sua
estufa, mas Charles desejava que Julia tivesse rosas
vermelhas, profundas e de cor vermelha escura. Ela ficaria
encantada com a surpresa, pensou. Só na noite anterior ela
tinha estado descrevendo como adorava as rosas vermelhas
em seu jardim na casinha de campo.
— Não. Depois não. Agora.
Ignorando o uivo de sua mãe, continuou além da escada
sul e percorreu o corredor. Devia localizar uma fonte de rosas
vermelhas. Talvez Senhor Mortimer tivesse uma sugestão.
Quase se pôs-se a rir ante a ironia.
— Ela se vai, Charles.
Deteve-se na soleira da porta aberta de seu escritório.
Dentro da habitação com painéis de carvalho, um fogo
crepitava. Era o único som que escutava, além dos
batimentos do seu coração. Isso era bastante ensurdecedor
neste momento.
— Vai? — Disse brandamente, girando-se para olhá-la.
— Para onde ela iria? Estamos fazendo os acertos para nos
casar.
Seus lábios se franziram e se apertaram.
— Evidentemente, ela tem feito planos alternativos.
Caminhou para sua mãe, consciente de que se
aproximava como uma tormenta e não lhe importava um
nada.
— Como sabe uma coisa assim?
— Alicia.
— A criada, sua dama de companhia?
— Infelizmente incompetente na seleção de um par de
sapatilhas adequadas, mas bastante útil para obter
informação. Fez-se amiga da criada de lady Willoughby.
Peggy, acredito.
— E?
— Peggy recebeu instruções de preparar-se para sua
partida em dois dias, quando Lady Willoughby retornará com
sua família a Bedfordshire.
Procurou nos olhos de sua mãe perguntando-se até que
ponto devia confiar nela. Era verdade que suas fontes
raramente resultavam ser falsas: ela era muito rígida nesse
sentido. Mas Julia tinha descartado a ideia de casar-se com
Senhor Mortimer. Certamente ela entendia suas intenções.
Ele tinha falado bastante claro. E, cada vez que ele insistia
em que pertencia a ele e a ninguém mais, lhe tinha sorrido e
beijado.
Mas não havia dito que sim. Não tinha prometido que
ficaria.
Uma ruga apareceu entre as sobrancelhas brancas de
sua mãe. Falava de preocupação. E dor.
— Não pode desviar seus afetos em alguém melhor,
Charles? Por que deve ir tão longe nesta pedra quando há
joias empilhadas tão convenientemente ao alcance?
— Julia é o único tesouro que sempre desejarei.
— Não seja tão tolo. Ela é estéril. E passa os trinta.
— Não me importa que ela seja estéril. Ela me pertence e
eu a ela. E o que tem a ver sua idade com algo? Você tinha
trinta e dois quando eu nasci.
Seus olhos se levantaram e se quebraram.
— Precisamente. Meu Deus, moço, Não entende que
estou tentando te evitar a dor que seu pai e eu suportamos?
Seu coração deu um apertão peculiar. Sua mãe
raramente falava de suas lutas durante os anos anteriores ao
seu nascimento. Ela tinha enterrado quatro bebês, todos
nascidos mortos, e sofreu ao menos três abortos involuntários
antes de trazê-lo para o mundo. Tinha perdido a esperança de
alguma vez engendrar o herdeiro de Wallingham quando, pela
oitava vez, encontrava-se grávida.
Para assegurar sua sobrevivência, ela se tinha deitado
durante os últimos quatro meses de sua gravidez. Mesmo com
essas precauções, tinha vindo várias semanas antes. Tinha
sido uma coisa próxima. Frequentemente pensava que ela o
tinha desejado mais que sua existência. Sua mãe era
formidável, em parte, porque rejeitava a tragédia e o privilégio
de deleitar-se com sua derrota.
— Arrepende-se, mãe? — Perguntou, sabendo a resposta
antes que as palavras o deixassem. — Se tivesse previsto as
lutas que você e papai enfrentariam juntos, teria escolhido
outro? Alguém a quem amasse menos?
Aqueles olhos, tão parecidos com os seus, acenderam-se
com uma angústia impactante. Seu orgulhoso queixo tremia.
Ela retrocedeu um passo. Logo outro.
Ele não tinha querido machucá-la. Ele, de todas as
pessoas, sabia quão profundamente tinha amado seu marido.
Uma de suas lembranças mais vívidas era deles juntos.
Quando tinha quatro ou cinco anos esteve-se escondendo em
um canto da biblioteca de Grimsgate simulando ser um
vagabundo em um dos poderosos navios de guerra da
Inglaterra. Seu pai tinha entrado — e se parecia muito ao
homem que Charles via em seu espelho de barbear todas as
manhãs — conversando pacientemente, racionalmente com
sua mãe sobre os perigos de intrometer-se. Mamãe tinha
gritado sua frustração com sua atitude calma, exigindo saber
como podia ser otimista quando “a totalidade de Londres está
sofrendo uma enfermidade mental assombrosa”.
Papai tinha rido. Ela tinha estado furiosa. Então, ela o
tinha beijado.
Apaixonadamente. Agarrando seu casaco em seus
punhos. Puxando seu cabelo e deixando-o levantá-la pela
cintura. Então lhe tinha sussurrado ao ouvido enquanto
papai a tinha tirado da habitação. Nesse momento Charlie
não sabia — nem queria saber — do que se tratava. Tudo o
que tinha sabido era que sua mãe amava seu pai com cada
grama de força que ela podia suportar.
E desde o começo tinha-o amado com a mesma
ferocidade.
Mas isso não justificava seu comportamento. Ela tinha
planejado, intrometido e manipulado até que sua única opção
foi lhe entregar as rédeas ou tomar seu cavalo e percorrer um
caminho diferente. Sua preferência pela última opção a tinha
frustrado durante quase duas décadas. Quando era jovem
casou-se com Susannah porque sua mãe estava segura de
que eram “um casal ideal”. Essa tinha sido a última vez que a
tinha deixado tomar uma decisão que devia ser dele.
Agora, de pé ante ele, com sua agonia nua, ela apertou a
boca e reuniu sua ira, vestindo-a como um turbante novo.
— Como se atreve a me perguntar tal coisa, moço? A
diferença entre minha escolha de marido e sua escolha de
esposa é precisamente essa: eu não tinha forma de prever
nossas dificuldades. Você está convidando as tuas a que se
instalem em seu dormitório.
— E essa é minha escolha para fazer. Não a tua.
— Parece que ela está fazendo por você.
— Não se eu tiver algo que dizer a respeito.
— Filhote obstinado. Bom, vamos então. Começa sua
persuasão de novo se for necessário. Duvido que encontre
maior êxito desta vez. Pareceu bem mais colocada no martírio
na última vez que falamos.
As suspeitas lhe picavam no crânio.
— Falou? O que fez, mãe?
Ela piscou. Arqueou uma sobrancelha.
— Não sei a que se refere.
— Se tiver obrigado Julia a me deixar…
— Nada desse tipo. Tomou suas próprias decisões por
decisão própria. — Ela levantou o queixo. — Simplesmente a
assinalei em direção ao que é evidentemente óbvio. Ela é
estéril. Você necessita de um herdeiro.
— Tenho um herdeiro — grunhiu. — Ele é seu sobrinho.
Talvez o recorde.
Ela soltou um sopro.
— Preferiria não o fazer.
— Maldita seja. — Tomou ar e se passou uma mão pelo
cabelo, caminhou pelo centro do escritório e ficou de pé
durante um minuto.
Como ela pode pensar em me deixar? Perguntou-se,
suas vísceras estavam agitadas.
Não se deu conta de que tinha formulado a pergunta em
voz alta até que sua mãe respondeu: — Talvez ela te ame o
suficiente para desejar sua felicidade mais que a dela.
Virou-se, sua respiração rápida, sua mente lutando por
compreender.
— Ela é a minha felicidade — disse, sem lhe importar
que soasse como uma súplica. — Não posso perdê-la, mãe.
Durante muito tempo ela simplesmente o olhou, seu
orgulhoso queixo elevado, seus olhos vagando por seu rosto
com lenta deliberação. Logo, observou-a caminhar
tranquilamente para a escrivaninha de carvalho, colocar suas
lentes e suas cartas sobre sua superfície, e fazer uma pausa
antes de voltar para ele. Ela era uma mulher pequena.
Diminuta, na verdade. E cada vez mais delicada com cada
ano que passava. Quando esteve tão perto, teve que esticar o
pescoço para encontrar-se com seus olhos.
— Então não o fará, meu filho — disse brandamente. —
Agora, vamos ver, hmm?

***

— Crê que teremos que atrasar nossa partida? — Olivia


perguntou, olhando pela janela do formoso salão verde de
Fairfield. Seus dedos roçaram as cortinas de seda. — É uma
terrível quantidade de neve.
— É pouco provável — respondeu Helen de sua posição
junto à lareira, murmurando ao redor de sua agulha de
bordado. Ela tomou entre seus dedos uma vez mais para
poder terminar de falar. — A neve raramente dura mais de
uns poucos dias antes que volte a chuva.
Desejaria que durasse para sempre, pensou Julia,
levando a xícara de chá aos lábios e achando-o muito quente
e muito insípido. Então talvez pudesse ficar aqui. Passar
todas as noites em nossa cabana, recostada em seus
braços. A noção trouxe um sorriso melancólico aos seus
lábios.
— A caça foi agradável, é claro — continuou Helen. —
Entretanto, admito que estou ansiosa por minha própria
cama. Além disso, Senhor Mortimer persuadiu Miles a fazer
uma breve parada em sua residência em Cambridgeshire.
Afirma ter espécimes que florescem em setembro e se
murcham em janeiro. Eu gostaria de vê-los, porque não
podem ser tão esplêndidos como ele diz.
À Julia tinha animado o crescente afeto entre Helen e
Senhor Mortimer. Na noite anterior, Helen tinha entrado em
sua habitação e, com uma sinceridade de menina, tinha
expressado sua gratidão por sua decisão de deixar de
perseguir o baronete.
— Não queria danificar seus planos — havia dito Helen,
apertando as mãos de Julia entre as suas e sorrindo até que
seus olhos dançaram. — Mas me alegro muito de que os
tenha trocado. — Logo, ruborizando-se como uma jovem de
dezenove anos, tinha sussurrado: — Ele me beijou, minha
querida dama. E foi maravilhoso. Senhor Mortimer Spalding.
Quem pensaria?
Julia a abraçou com força e disse à sua amiga mais
querida quão contente estava por sua felicidade.
Se pudesse assegurar tal felicidade para mim mesma.
Maldição. Ela estava ficando mal-humorada. A
autocompaixão era exaustiva, e se tinha cansado da forte dor
no centro de seu peito.
Para aliviar a dor tomou outro sorvo de chá muito
insípido e apoiou o ombro contra o marco da janela enquanto
contemplava os caprichos de amar um homem que não
deveria ter.
Não deveria? Por que não?
Porque ele merece a oportunidade de ter filhos.
A discussão se repetiu uma e outra vez em sua cabeça,
os ecos se faziam mais fortes cada dia que passava.
Cada noite que passava.
Oh, as noites.
Ela acariciava sua testa, apoiava a cabeça em seu peito,
escutava os batimentos do seu coração e se perguntava se ir-
se era o melhor. Ela o ouviria rir de uma de suas divagações
involuntárias e se perguntava se algum outro homem as
acharia tão encantadoras. Ela escutaria seus novos planos
para os estábulos de Steadwick, o veria montar um lustroso
puro sangue, ou se deitaria ao seu lado enquanto
compartilhavam suas lembranças de como esconder-se de seu
professor dentro da imensidão do Castelo de Grimsgate. E ela
se perguntaria como poderia viver sem este homem.
Ainda não sabia.
— Crê que deveríamos pedir ao cozinheiro mais de um
pudim de Natal, Julia? — Olivia perguntou, parando ao seu
lado.
Julia lhe deu um pequeno sorriso.
— Se você quiser.
Olivia franziu o cenho, os cachos apertados ao redor de
seu rosto ricocheteavam enquanto balançava a cabeça.
— Não tem uma opinião a respeito?
— É sua casa, querida — disse com suavidade,
aplaudindo o ombro de Olivia. — Sua mesa e seu cozinheiro,
portanto, sua decisão.
Isso era certo. Julia não pertencia a Willoughby Manor
mais do que pertencia ao Senhor Mortimer.
Eu pertenço ao Charlie.
Tentou sufocar a voz de novo, mas persistiu. Charlie.
Charlie.
Charlie. Eu pertenço ao Charlie.
—... Diabos, Crê que… sobre? — A trombeta distintiva de
um dragão ecoou além das portas da sala. Fez-se mais forte à
medida que se aproximava o tamborilar das botas. — Por
favor, retire sua mão, senhor, ou lhe asseguro que se
eliminará de maneira mais permanente. Onde diabos
Dunston contrata seus lacaios? Newgate? Que vergonha!
As portas se abriram de repente, e um jovem lacaio de
rosto vermelho e olhos cortantes fez gestos a Lady
Wallingham para que entrasse na habitação.
— O salão, minha lady.
Ela agitou os dedos para o jovem.
— Vá. Encontre algo útil para fazer. Adquirir uma nova
posição, talvez.
Julia piscou uma vez. Duas vezes. Nunca tinha visto a
viúva tão… desalinhada. O vestido verde da mulher estava
empapado da prega até a metade da saia. A pluma de seu
chapéu de montar jazia frouxa e triste sobre a borda da aba,
gotejando neve derretida sobre seu ombro.
— Lady Willoughby!
Olivia respondeu primeiro.
— Sim, milady?
Um nariz delicado, avermelhado pelo frio, elevava-se
mais.
— Você não. — Os olhos verdes se chocaram com os de
Julia. — Lady Willoughby.
Ainda desconcertada pela aparência da viúva, Julia
demorou vários segundos em responder, e mal pôde
pronunciar uma palavra.
— Sim?
— Devemos falar. O assunto é grave.
Seu sangue se congelou. Frio, tudo ficou quieto. O som
desapareceu. O ar desapareceu. Tudo desapareceu exceto o
que ela precisava saber.
— Ch … Charlie. É ele… algo aconteceu?
— Você! Você aconteceu. Calamidade? Ora! Uma
catástrofe é o que é.
O estômago de Julia se retorceu tão forte que quase se
dobrou.
— Está ferido? Por favor. — Ela se cambaleou para
frente, esticando uma mão para o dragão. — Tenho que saber.
— É claro que está ferido. Atraiu-o com suas
questionáveis artimanhas a um estado de loucura. Ele sabe
de sua iminente partida. Ele está angustiado.
Ela engoliu ar em seus pulmões. Sua mão caiu e se
esmagou sobre sua cintura.
— Louco. Não… ferido.
— Meu filho está são e salvo, além de sua desafortunada
aflição.
Julia esperou.
A viúva se endireitou mais.
— Isso seria você.
Suspirando, Julia balançou a cabeça.
— Não entendo. Não era isto o que queria?
Sobrancelhas brancas arqueadas em um imperioso
cenho franzido.
— Céus. Alguém pensaria que uma mulher de sua idade
já teria desenvolvido uma coluna vertebral. O que importa o
que eu quero? Charlie te quer. Como se atreve a ameaçar
deixar meu filho?!
Julia olhou ao redor da habitação, desconcertada. Olivia
e Helen usavam expressões idênticas de fascinação
arrebatada. Além delas, a habitação estava vazia. À exceção
de Julia. E a louca, é obvio.
— Ele, mesmo agora, está atacando esta atroz
tempestade de neve, arriscando seu pescoço em um intento
sem sentido e bêbado para ganhar seu afeto uma vez mais.
— Bêbado?
— Bom, talvez não bêbado. Embora, ele seja aficionado
ao conhaque francês, já sabe.
— Se eu…
— Isto não será mantido. Você vai reparar meu filho
imediatamente, lady Willoughby. De uma vez.
Julia queria agradá-la. Ela queria correr para ele. Ficar
com ele. Onde ela pertencia.
Seus olhos se pousaram onde sua mão jazia plana sobre
seu ventre.
— Não posso lhe proporcionar um herdeiro, minha lady.
— Sua voz era um sussurro rouco. Ela levantou a cabeça. —
Jurei protegê-lo disso.
Os olhos verdes se entrecerraram e brilharam.
— Nada é tão tedioso como o auto sacrifício muito
sensível. Ama meu filho?
— Sim — ela sussurrou.
— Então se case com o menino e, por piedade, deixa de
parecer tão trágica. Não posso suportar um parvo
apaixonado.
Se case com o menino.
— Amo-o — disse Julia, sentindo que o amor florescia de
seu centro para fora como um vinho agridoce que lhe
esquentou e picou. — Muito para lhe causar dor.
O desalinhado dragão foi para frente fechando a
distância entre elas, detendo-se a escassos centímetros de
distância. O pequeno e magro corpo da anciã tremia com um
fino tremor.
— Que dor lhe procura evitar? Já lhe quebrou o coração.
Suas palavras eram planas e singelas, sem adornos por
seu alto costume. Este foi o dragão despojado de seu fogo e
superioridade. Esta era uma mãe falando a verdade.
— Onde ele está? — Julia pronunciou a pergunta sem
saber se surgiu algum som.
— Pegue o caminho a Steadwick. Se for agora poderá
encontrá-lo.
Seu coração pulsava com força. Olhou à sua querida
amiga, quem sorriu com lágrimas e assentiu.
— Vá — Helen insistiu. — Não esqueça sua capa.
Aparentemente, Peggy tinha sido alertada de que Julia
poderia estar aventurando-se fora. Estava de pé no vestíbulo
com sua capa de lã marrom sobre seu braço. O que era
estranho, porque Julia não a tinha mencionado. De fato, ela
tinha se deslocado com uma rapidez imprópria.
Peggy rapidamente lhe cobriu os ombros com a capa e
lhe dirigiu um sorriso suspeitamente sentimental.
— Boa sorte, milady.
Sem perder tempo para desentranhar o mistério, Julia
voou pela porta em redemoinhos de branco esponjoso. Mal
podia ver um metro diante de seu rosto, tão grosso era o
enxame de flocos caindo.
Não podia ver muito longe, mas podia ouvir. No meio do
suspiro do vento e o frio silêncio do inverno, ouviu o sopro de
um cavalo. Lentamente baixou os degraus para o caminho,
suas sapatilhas se afundaram profundamente enquanto a
neve lhe beijava e se fundia em seus tornozelos e
panturrilhas.
Ela nem sentiu.
Ele estava ali. Uma figura sombria que segurava um
cavalo branco. De pé em uma tormenta de neve. Esperando.
Por ela.
— Charlie — ela suspirou.
— Ela não foi terrivelmente dramática, espero. A minha
mãe adora um bom espetáculo.
Estava coberto de neve. Aferrava-se às seus cílios,
colocou-se em seus ombros, ficou branco. Queria lhe passar
os dedos por toda parte, deitar-se ao seu lado enquanto o fogo
esquentava seus corpos nus e os fundia um com o outro.
Acima de tudo, queria casar-se com ele.
— Charlie. Quero me casar contigo.
Silêncio. Respiração áspera. Logo: — Maldito inferno,
mulher.
— Talvez nunca te dê filhos. — Em algum momento a
neve derretida deixou de ser a única umidade em seu rosto.
— Mas te darei minha vida. Tudo o que tenho. Se me fizer sua
mulher.
Houve um sopro quando atirou as rédeas sobre o
pescoço de seu cavalo. Logo se foi caminhando para ela. A
propósito. Rapidamente. E a beijou loucamente, os lábios, a
língua e o calor. E ela girava grosseiramente, levantada,
embalada e acariciada.
— Está divagando outra vez, amor. — Ele sorriu contra
sua boca.
Ela riu. A alegria se derramava dançando entre os flocos
de neve. Ela se aferrou ao seu pescoço e deixou que a
tomasse.
Ele cavou seu rosto em suas mãos. Secou a neve e as
lágrimas. Sussurrou com ternura dilaceradora.
— Oh, Deus, Julia. Amo-te muito, maldição.
— Isso é o que mudou minha mente, meu amor. Pensei
que estava te protegendo. Em troca, estava te privando do que
mais merece: se casar com a mulher que ama e ser amado
por ela tão profundamente que nunca sinta um momento de
arrependimento.
— Alegra-me que tenha chegado aos seus malditos
sentidos.
— Mmm. Me amará e eu te amarei. Para sempre. — Ela
sorriu. Beijou seu queixo significativo. — Em minha opinião,
a gente não poderia pedir uma simetria mais perfeita.
CAPÍTULO 12

“Boas notícias, de fato. Possivelmente agora possa refletir


sobre os méritos da repetição e a abundância feliz. E
escrevendo à sua mãe com maior frequência. Eu gosto de estar
informada”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao
receber as notícias mais assombrosas.

Doze dias depois — 24 de dezembro de 1818.


Igreja da Santa María, Steadwick Park, Suffolk

Foram casados por um homem fanhoso. Charles tinha


tentado poderosamente obter rosas vermelhas, mas as únicas
que pôde encontrar foram umas amarelas com falta de
inspiração. Os ramos de pinheiro que se cortaram
alegremente essa manhã para decorar os bancos já estavam
jogando suas agulhas, sujando os pisos de pedra da igreja.
Uma semana antes Helen tinha tido uma enfermidade
estomacal que a deixou pálida e instável enquanto atuava
como assistente de Julia. O colete de lorde Dunston era um
vermelho tão brilhante que fazia com que o vestido de lã
carmesim de Julia parecesse deslustrado. À metade da
cerimônia, um dos cães do Dunston, um cão spaniel — se ela
não se equivocava em suas hipóteses — correu pelo corredor
para sentar-se ofegando e choramingando ao lado do
Dunston.
Foi perfeito. Cada parte.
Porque tudo o que Julia viu foi seu querido Charlie, alto,
impecável e que brilhava seu amor pelos brilhantes olhos
verdes. Tudo o que escutou foi a música de suas palavras que
prometiam ser dela para sempre. Tudo o que sabia era que
nada mais importava. Depois, quando passaram pelos bancos
da entrada, seus olhos encontraram os da mãe do Charlie,
agora sua sogra. A viúva lhe fez um gesto imperioso antes de
enrugar o nariz ante as palhaçadas do cão aquático.
Julia deteve o Charlie e levantou um dedo para
perguntar por um momento. Logo, dirigiu-se a Dorothea
Bainbridge, inclinou-se e lhe beijou a suave e enrugada
bochecha.
— Deus santo, moça.
— Obrigada — sussurrou Julia, seus olhos cheios de
tudo o que estava dentro dela. — Obrigada a você em nome
do meu Charlie.
Com uma inalação disse: — Tolices sentimentais. — O
tom foi desdenhoso, mas a mão que apertou a dela disse que
significava muito mais que tolices. — Continua então. — A
viúva os despediu. — O bolo espera. Não nos entretenhamos.
Mais tarde, depois da cerimônia, o bolo e várias valsas
com seu novo marido, Julia se balançou nas costas de sua
égua enquanto ela e Charlie passavam por um bosque imóvel
e silencioso.
A neve se derreteu, deixando a casa rodeada de
brilhantes árvores de folhas verdes.
— Mesmo à luz do dia parece mágico, não é assim?
Charles a olhou de onde se preparou para desmontar.
Uma sobrancelha escura arqueada.
— Se lhe parecer isso, amor.
Ela sorriu.
— Vem agora. Não seja cínico. Este lugar é nosso. Aí está
a magia.
Ele se moveu para levantá-la de seu cavalo, suas mãos
se fecharam ao redor de sua cintura. À medida que a
deslizava por sua frente, a fricção de seus seios e seu peito
serviam de fogo para a fogueira que estava por vir.
— Cada momento contigo é mágico, Julia.
Ela suspirou. Derretida.
— Especialmente os nus.
Seu golpe aterrissou em seu ombro. Ele simplesmente
riu e se inclinou para tomá-la em seus braços.
Ela gritou quando seus pés deixaram o chão. Agarrou
seu pescoço com braços agitados quando se dirigiu à entrada
da cabana a um ritmo bastante determinado. Enquanto
empurrava a porta com um grunhido, um de seus pés se
enganchou no marco da porta, fazendo com que Charlie
tropeçasse.
O que fez com que ela se assustasse por medo de que ele
a deixasse cair.
O que resultou no desalojamento de seu chapéu.
Que rapidamente aplanou com sua bota.
— Maldição, esse era meu melhor chapéu.
— Charlie — suspirou ela, com os olhos abertos, o
coração pulsando com força. — O que fez?
— Esmaguei meu chapéu favorito.
— Não, homem tolo. As rosas. Oh, são magníficas,
Charlie.- A habitação estava cheia delas. Rosas vermelhas,
exuberantes e escuras, em vasos em cada superfície sólida e
estendidas sobre a cama. Perfumaram o ar e lhe deu vontade
de chorar.
Aproximou-se da cadeira e se sentou com ela em seu
regaço.
— Fazem-lhe feliz?
Ela enterrou o rosto em seu pescoço e assentiu, incapaz
de falar.
Lhe beijou a têmpora. Logo sua bochecha. Logo seus
lábios.
— Bom.
— Não, meu amor — ela disse, acariciando sua testa e
saboreando o calor do fogo. — Perfeito.

***

Dois meses depois — 18 de fevereiro de 1819.


Steadwick Park, Suffolk

Ele devia chegar a ela. O ar em si era branco, a


tempestade de neve mais áspera, mais fria e mais zangada
que tudo o que dezembro tinha infligido. Mas ele seguiria
adiante. Empurraria o Ceres mais rápido debaixo dele.
Empurraria o Dr. Sutton e chegaria a sua esposa e sua
cômoda casa.
Porque ela o necessitava. Estava doente. E não estava
melhorando.
Uma rajada amarga lhe percorreu o pescoço. Aprofundou
os calcanhares nos flancos do Ceres. O garanhão era seu
cavalo mais veloz, ainda irritável e um pouco imprevisível
depois de quatorze anos de campeonatos de criação, mas
muito rápido.
O médico montou seu segundo cavalo mais rápido.
— Siga assim! — Gritou Charles.
O rechonchudo doutor de meia idade assentiu, mas
parecia ter problemas para manter seu assento. A
contragosto, Charlie diminuiu o passo. Não podia fazer com
que o maldito médico caísse e quebrasse a cabeça. Não havia
outro ao redor por milhas.
Assinalou a curva no caminho, o carvalho sem folhas. Já
quase estavam ali.
Quase lá. Quase lá. Quase lá.
Julia tinha tentado acalmá-lo antes que se fosse. Ela
tinha tratado de lhe dizer que esperasse até que passasse a
tormenta para procurar o médico. Mas este era o décimo
oitavo dia que tinha estado doente. Dezoito dias. E ela estava
pior, não melhor. Pálida. Esgotada pelas tarefas rotineiras.
Dormindo mais do que ficava acordada. E desgraçadamente,
violentamente doente várias vezes ao dia. Ela não tinha
reorganizado nada em dias. Não podia suportar um momento
mais.
Por fim, chegaram em frente a Steadwick Hall. Ceres
estava agitado e úmido, igual à montaria do doutor Sutton.
Não lhe importava. Arrastou o homem que tropeçava e se
sacudia da parte posterior do cavalo, subiram os degraus
diretamente à câmara onde dormia o coração do Charles, com
um pano dobrado na testa e uma colcha azul que a mantinha
quente.
Peggy ficou ali, retorcendo as mãos. Ela fez uma
reverência quando ele entrou, com os olhos muito abertos e
temerosos.
— Traz o chá — Charlie grunhiu.
Peggy chiou e saiu.
O médico sacudiu a neve de seu casaco e se endireitou à
sua altura média e máxima.
— Meu senhor, necessitarei um pouco de… eh,
privacidade com minha paciente, se não lhe importar.
Charles lhe lançou um olhar estreito.
— Você não deve olhar sua nudez.
— M-mas eu, devo ter permissão para…
— Esta é minha esposa. A marquesa de Wallingham. Se
ela piorar ou… — Ele engoliu em seco, incapaz de terminar o
pensamento impensável. — Se não fizer com que melhore
arrancarei seus últimos vestígios de cabelo…
— Charlie. — A única palavra sussurrada o deteve,
puxou todo seu ser para a cama. Ela estendeu sua mão para
ele, com os olhos sonolentos, mas sem dor.
Ele acariciou e segurou aquela preciosa mão entre as
suas, beijando os nódulos dos quais ela se queixava que eram
muito bicudos.
— Como está amor?
— Zangada.
Ele piscou.
— Por quê?
— Disse-te que não saísse à tormenta e, entretanto, isso
é precisamente o que fez.
— Mal sai da cama — retrucou. — E quando o faz, é para
devolver o que comeu no dia. Isto não pode continuar muito
mais, Julia.
Ela suspirou e lhe apertou a mão.
— Trouxe o médico. Deixa-o fazer seu trabalho.
Sua mandíbula se apertou.
— Quer que eu vá da habitação, não é?
— Amo-te. E sim.
Saiu. Porque ela o tinha pedido.
A espera foi agônica. Passou o primeiro quarto de hora
degustando um conhaque em seu escritório, o segundo
quarto de hora percorrendo a galeria, que percorria todo o
largo da casa. No terceiro quarto de hora, abordou seu
mordomo para informar ao homem que os malditos relógios
tinham falhado. Certamente tinha passado ao menos meio-dia
desde que o médico tinha fechado a porta da câmara de Julia
e tinha começado a “examinar” a sua esposa.
Finalmente, Peggy apareceu na porta da biblioteca para
lhe informar que o médico estava preparado para discutir
seus achados. Charles subia as escadas de dois em dois
degraus. Não tinha deslocado tanto desde que era um menino
subindo sobre os afloramentos rochosos de Grimsgate.
Entrou na habitação notando o rosto cheio de lágrimas de
Julia e o amplo sorriso do médico.
Ele não pensou. Simplesmente agarrou o lenço barato do
homem e o retorceu até que o corpulento médico ficou nas
pontas dos pés e se voltou da cor das framboesas.
— Charlie! Pare! Libere-o de uma vez.
Ele o fez. Porque ela o pediu.
O homem tossiu durante um tempo absurdamente longo.
— Vem aqui, meu amor. — Lhe estendeu ambos os
braços. Recostada, como estava, com as costas apoiadas
contra uma série de travesseiros, parecia ter mais cor que
antes. Talvez fosse sua imaginação.
Sentou-se cautelosamente na beira do colchão e deslizou
seus braços ao redor de suas costas, atraindo-a brandamente
contra ele.
— O que ele fez, amor? O verei enforcado.
Lhe acariciou o cabelo, o rosto.
— Oh, acredito que pode mudar de opinião nesse
sentido.
Voltando um olhar furioso ao homem que ainda estava
lutando com seu lenço, perguntou-lhe: — Bem, Sutton? O que
encontrou? Pode aliviar-se sua doença?
O médico assentiu e se limpou garganta antes de
pigarrear: — Seis meses mais ou menos.
— Seis malditos meses? Que classe de extravagante lábia
é esta?
Esperava uma resposta do Sutton. Em troca, Julia disse:
— “Não é uma doença”. Não é uma enfermidade, Charlie.
Seu rosto estava molhado, as lágrimas fluíam agora
livremente.
Conteve o fôlego.
— E o que é?
— Um bebê, milord — respondeu o médico, ao que
parecia tinha recuperado a compostura. — Em seis meses
mais ou menos. Como já disse.
Charles se virou para Julia. Logo depois de volta ao
médico. Logo depois de volta a Julia.
Não podia ser.
— Não pode ser. Mas, pensamos que era…
— A enfermidade do estômago da Helen. — Ela sorriu
entre lágrimas, seus olhos brilhavam com alegria. — Sei.
Sofreu durante mais de quinze dias. Terrível. Mas não é uma
doença, Charlie. É… — se cobriu os lábios com os dedos. —
Uma criança.
— Mas, pensei que era…
Seus olhos se fecharam, suas mãos se pousaram sobre
seu ventre. Quando os abriu de novo, ela o atravessou
completamente.
— Uma criança, meu amor. Uma criança.
O médico interveio para explicar que, embora a história
da marquesa dos cursos mensais irregulares tinha levado
outros médicos a concluir que suas dificuldades para
conceber eram de natureza permanente, tinha presenciado
muitas dessas revogações em sua época.
— Médicos de Bedford — soprou o homem. — Um lote
presunçoso. Ainda há muito que não entendemos a respeito
de por que surgem tais dificuldades.
Charlie tratou de escutar. Tentou respirar. Mas seus
olhos estavam cravados no lugar onde as mãos de Julia
jaziam sobre seu ventre. Sobre seu filho. Lentamente, ele
moveu sua mão para flutuar sobre a dela, sem tocar-se, sem
atrever-se a acreditar.
Ela o agarrou, esmagou a palma de sua mão contra seu
ventre.
— Maldito inferno — sussurrou antes de engolir o
repentino nó em sua garganta. — Julia. — Seus olhos voaram
aos dela.
Ela estava sorrindo. Amando-o.
Ele franziu o cenho.
— Oh, Deus.
— O que é?
— Acabo-me de dar conta. Teremos que informar a
minha mãe.
Ela riu com tanta alegria que pensou que poderia chorar.
O que era inaceitável. Então, em troca, beijou-a até que
ambos estiveram sem fôlego.
— Bom, agora — disse o médico, abrindo a porta. — É
hora de ir. Descanse bem, milady. Trate de comer quando
puder. Um pouco de hortelã em seu chá ajudará a acalmar
seu estômago.
Julia lhe agradeceu, mas Charles queria respostas. Ele
olhou com fúria ao homem.
— Isso é tudo o que pode oferecer para aliviar seu mal-
estar?
O médico se limitou a sorrir e colocou o chapéu.
— Não deve preocupar-se, milord. Mesmo as piores
tempestades de neve seguem seu curso. Isso é o que faz com
que a primavera seja ainda mais doce.
Charles seguiu olhando carrancudo a porta fechada.
— Perfeita besteira — murmurou. — Qual é o propósito
útil de um médico se ele não pode proporcionar uma solução
mais inteligente que hortelã?
Julia se pôs-se a rir e sacudiu a cabeça.
— Oh, Charlie — ela suspirou. — Agora, aí está o dragão
que adoro.

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