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ARTE NÃO-SIGNIFICANTE E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO:

PERSPECTIVA EXISTENCIALISTA 1

Gabriella Macedo Matos2


Zuleica Pretto3

Resumo: A presente pesquisa teve por viés investigar aproximações entre as principais relações
que versam sobre a vida em debate sobre a arte em Sartre, principalmente a arte não-significante
como uma abertura na constituição do sujeito. Na arte cada pessoa tem a possibilidade de
desenvolver uma linguagem expressiva única e singular que reflete o seu modo de ser resultante
do diálogo entre homem, mundo e a arte. Para tanto, o estudo parte das contribuições da
psicologia existencialista sartriana. A construção se constituiu através de uma revisão narrativa
de literatura com caráter bibliográfica de natureza qualitativa, exploratória. Diante do que foi
encontrado foi submetido examinar a função da arte não-significante como uma forma de
ressignificar possibilidades, avaliando o desempenho diretamente na possibilidade de ampliar
a atuação do sujeito, auxiliando-o a se reorganizar internamente. Buscou-se visualizar-se, em
conjunto com a liberdade, é possível através da arte não-significante tornar claro ao será
possibilidade de recriar sua história e seus relacionamentos. Diante disso, essa investigação
minuciosa buscou compreender, de modo amplo, a relação entre a constituição do sujeito e a
arte não-significante na perspectiva psicológica existencialista de Jean Paul Sartre. Portanto
esse é o objetivo da pesquisa.

Palavras-chave: Arte não-significante. Constituição do Sujeito. Subjetividade. Sartre.

1. MATOS, Gabriella Macedo. A arte não-significante e a constituição do sujeito: perspectiva existencialista.


2021. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina
– UNISUL
2 Acadêmico do curso Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. E-mail:
gabriella.matos@unisul.br e contatogabriellamacedo@gmail.com
3 Doutora em Psicologia. Professora Titular na Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.
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1 INTRODUÇÃO

A atividade artística pode ser definida como um processo de construção do pensamento,


estabelecido sobre a objetivação das representações. Isso quer dizer que, através de uma ação
particular, aplicada a uma matéria apta para sofrer transformações, é possível criar um objeto
novo. De fato, toda representação artística em que há margem de escolha, pode ser considerada
como pertencente a uma ordem da criatividade, na medida em que o sujeito propõe uma
combinação particular que não existiria sem ele. Mais que caracterizar alguma coisa, a obra
criativa representa seu autor, uma época, uma cultura. (REIS, 2014)
Por meio do fazer arte pode estabelecer um contato com o que o sujeito vivenciou e
expressou através da arte, e por sua vez proporcionar o autoconhecimento, resolução de
conflitos pessoais e de relacionamento além do desenvolvimento e maturação da sua
personalidade, sendo assim mediadora do processo de (re)significação do sujeito acerca de si
próprio e de sua relação com o mundo. (REIS, 2014)
O expressar-se é um processo particular de cada um, ela possibilita a abertura de uma
nova dimensão em que o sujeito visualiza o seu próprio horizonte existencial e se abre como
possível, acessível e aplicável. (NASCIMENTO, 2017)
Partindo de uma releitura da obra de Husserl por Sartre e Merleau-Ponty, Dufrenne
(1953) considera que “a arte não é a filosofia por outros meios”, ambas estão encarregadas de
estabelecer, de demostrar as relações com o mundo.
Em outras palavras, a intencionalidade que a ontologia se refere perante a arte significa
no fundo a intenção do Ser, que tem como o objeto a revelação de si próprio. A arte só pode
existir partindo da mediação entre o objeto e o sujeito, considerando o artista como instrumento
de revelação. (PITTA, 1996)
O ser humano está sujeitado a todo instante se inventar, cabe somente a ele estabelecer
suas escolhas, sendo elas que constroem sua essência e suas ações e critérios servirão de norte
para suas decisões e ao mesmo tempo trazendo o peso da responsabilidade. O indivíduo em
relação com o mundo se constitui mutuamente, sendo assim ele não é responsável apenas por
si mesmo, mas é responsável por toda a sociedade uma vez que cada sujeito exerce influência
um com o outro. (SCHNEIDER, 2006)
No contexto psicológico existencial em Sartre, para conhecer de fato o sujeito é preciso
configurar a liberdade como uma característica da existência humana. Através do tempo
presente, da época e do mundo, é preciso conhecer sua história, objetivando-o, voltando no
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caminho passado localizando-o no tempo, para assim conhecer sua história e o espaço em que
esse indivíduo vive. (SCHNEIDER, 2006)
As escolhas realizadas pelo sujeito fundamentam a construção de sua personalidade e
consequentemente seu desejo-de-ser. Em outras palavras, o ser se constitui ao mesmo tempo
como corpo e consciência em que só pode ser compreendida como sendo relação a alguma
coisa. (MAHEIRIE, 2002)
De acordo com Ciornai, “a visão existencial afirma a capacidade humana de escolher e
criar o próprio destino [...] de transcender limites e condicionamentos. Essa postura [...] entende
que a possibilidade de escolha, de lidar criativamente com estes limites, é sempre existente”.
(1995, p. 72) Isto é, o homem é capaz de fazer escolhas, de se relacionar com o mundo
criativamente. (CIORNAI, 2004 p.220)
Com as possibilidades de escolha é preciso lidar com a liberdade. A arte não-
significante, para Sartre (2005), é aquela que encontra o sentido em si mesma, sendo
relacionada a um aspecto sensitivo. Através destas observações que foram colocadas até agora,
foi investigada nessa pesquisa, como a arte poderia contribuir na psicologia existencialista
sartriana, ao refletir sobre a constituição do sujeito e a arte não significante como uma abertura
da expressão de si mesmo pela liberdade, criação, significação e engajamento, uma vez que na
atividade artística, o sujeito encontra uma possibilidade concreta de expressar não só aquilo que
ele é, mas também o que ainda pode vir a ser, construindo na arte outros modos de objetivação
e subjetivação e, a partir daí, reconstruindo-se na vida, a partir de um novo olhar sobre si mesmo
e sobre o mundo, levando em conta o papel da criação artística como um ato de liberdade,
imaginação, ação e criação. Observa-se que há uma congruência entre a arte e a abertura ao
sujeito ressignificar suas possibilidades. Portanto, esta pesquisa amparada nos estudos
realizados por Sartre buscou compreender: A arte não-significante em Sartre e a sua relação
com a constituição do sujeito.
A opção pelo tema dentro do contexto da psicologia partiu da discussão dos estudos das
obras de Sartre sobre a arte não-significante na literatura visando a compreensão sobre as
características acerca da arte, refletindo sobre a influência da arte em relação à constituição do
sujeito como ser-no-mundo, perpassando entre os fenômenos da subjetividade, imaginação,
liberdade, criatividade e a significação, além de identificar aspectos para o engajamento na
atividade criadora.
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2 O PERCURSO METODOLÓGICO

Para alcançar o objetivo da pesquisa foi promovido o levantamento de produções


científicas sobre a arte e a psicologia existencialista sartriana nos sites do Google Acadêmico,
Scielo, Pepsic, além da busca em livros relacionados ao tema disponibilizados pela
Universidade Unisul campus Pedra Branca que foram analisados detalhadamente nesta segunda
etapa do trabalho. Com o objetivo de analisar as produções da psicologia de abordagem
existencial sartriana, a busca de dados foi delimitada aos últimos 20 anos, entre 2001 e 2021
presentes nos periódicos das ciências humanas e da Saúde. Excluídos os textos de outras áreas,
abordagens ou escritos; textos sem pertinência à temática; textos de abordagens psicológicas
diferentes; textos incompletos ou indisponíveis; e textos duplicados não foram somados.
A opção pelo tema dentro do contexto da psicologia partiu da discussão dos estudos
sobre as obras de Sartre visando a constituição da subjetividade na concepção da arte não-
significante como abertura de criação e transformação na vida do sujeito. Os descritos
utilizados para efetivar tal revisão foram: “Arte e Sartre”; “Arte Psicologia e Sartre”; “Arte
Existencialismo e Sartre”; “Arte engajamento e Sartre”; “Arte liberdade e Sartre”; “Arte não-
significante e Sartre”; “Arte constituição do sujeito e Sartre”; “Arte a atividade criadora e
Sartre”; “Arte engajamento e Sartre”, sendo elas que determinam as informações para que os
textos fossem encontrados.
Em seguida, foi criado um protocolo de revisão metodológica em que foram analisados
os textos que postularam os conceitos teóricos da abordagem escolhida, a quantidade de textos
por ano de publicação, a quantidade existente dos textos que serão escolhidos e selecionados
para revisão, o título e o resumo necessitaram ser analisados para após esse primeiro momento
de seleção, os textos considerados aptos para essa pesquisa foram ser lidos por completo. As
informações obtidas por meio da pesquisa passaram a ser identificadas e registradas em uma
base de dados afim de dar um melhor andamento para o estudo, de uma maneira que responda
com os objetivos da pesquisa.
Por essa razão, esse trabalho apresenta um levantamento de revisão bibliográfica com o
auxílio da revisão Integrativa da literatura, que visou circunscrever os textos que
apresentassem o debate sobre a arte em Sartre, especialmente a não-significante e a
relação com a constituição do sujeito.
Dito isso, de forma mais detalhada, a presente pesquisa classificou-se como
bibliográfica, realizada a partir de livros, artigos e websites. Através das leituras, fichamento e
análise de dados, a pesquisa bibliográfica objetiva recolher informações ou conhecimentos
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preexistentes sobre os conteúdos expostos a respeito do qual se procura a informação


(FONSECA, 2002 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009).
Caracterizando-se em formato exploratório, posto que tem por fim investigar o
fenômeno, pouco explorado; de propriedade teórico conceitual em que busca elucidar
investigações de teorias e conceitos psicológicos. (Laurenti, 2000 apud Lopes, 2016) A
pesquisa possui natureza qualitativa já que foram analisados dados buscando compreender os
fenômenos sob aspectos não mensurados através de números.
Foi realizado um levantamento de publicações sobre o tema em questão e contou com o
auxílio da revisão integrativa da literatura, sendo este um dos métodos utilizados pela revisão
bibliográfica sistemática da literatura. Ao realizar o ato integrativo se tem a possibilidade de
integrar diferentes ideias e conceitos acarretando a criação de uma síntese de vários estudos já
publicados, o que permite uma análise dos conhecimentos científicos já produzidos conduzindo
remodelações de perspectivas anteriores. No entanto, para que se obtenha um resultado
relevante é preciso descrever algumas etapas para serem seguidas, neste aspecto Botelho, Cunha
e Macedo (2011) elaboraram um processo de revisão integrativa que conta com 6 etapas, sendo
elas: 1. Identificação do tema e seleção da questão da pesquisa; 2. Estabelecimento dos critérios
de inclusão e exclusão; 3. Identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 4.
Categorização dos estudos selecionados; 5. Análise e interpretação dos resultados; 6.
Apresentação da revisão/ síntese do conhecimento. Está proposta permite sistematizar o
conhecimento científico. (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011)
Critério de seleção é uma ferramenta que ajudou a alcançar o objetivo da pesquisa com
qualidade e assertividade. As produções investigadas foram averiguadas consultando-se artigos
específicos, índices de obras completas, edições críticas e outras fontes que apresentem uma
lista de trabalhos publicados de autores ligados ao tema, isto é, a arte em Sartre,
especialmente a não-significante e a relação com a constituição do sujeito.
Por se tratar de notórias referências na publicação de temas relacionados ao assunto
sobre as reflexões referentes ao alcance da arte como liberdade, criação e engajamento como
uma forma de ação e de ressignificar suas possibilidades diante do mundo na perspectiva
fenomenologia existencialista Sartriana, em que foi alvo de análise, e, portanto, fonte de
pesquisa. Obras de referência apontam-se as produções de Sartre que possuam correlação direta
ou indireta com o tema da pesquisa ou com assuntos integrantes do estudo, tais como: O ser e
o nada: ensaio de ontologia fenomenológica (2015), O existencialismo é um humanismo
(2014), que é a literatura? (2004), O que é a subjetividade? (2015), Situations IV (2015) e entre
outros.
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O conteúdo pesquisado foi encontrado na base de dados Scielo e no site google


acadêmico, selecionados e organizado em tabela, conforme indicado na tabela:

Tabela 1- Filtro e Base de dados

FILTRO BASE DE DADOS

Relação com os objetivos;


Produções indexados com
comprovação cientifica; Scielo;
Idioma-português; Google Acadêmico;
Ano de publicação delimitada a 20
anos;
Fonte: Elaboração da autora, 2021

Tabela 2 - Artigos encontrados

PALAVRAS-CHAVE ARTIGOS ENCONTRADOS

Hoste (2018), Maheirie; França (2007), Maheirie (2003),


Arte e Sartre
Mandagará (2017), Costa (2011), Paes (2017), Prates (2019).

Wazlawick; Camargo; Maheirie (2007), Maheirie (2015),


Arte Psicologia e Sartre
Zanella (2005), Maheirie (2014), Silva (2015), Corbella (2012).

Gontijo (2021), Cunha (2015), Camara (2013), Hoste (2018),


Arte existencialismo e Sartre
Esteves (2020), Araujo (2018).

Arte engajamento e Sartre Souza (2016), Silva (2021), Cipranic; Dias (2020), Silva (2013)

Arte Liberdade e Sartre Souza (2008)

Arte não significante e Sartre Capistrano (2018), Oliveira (2018), Hoste (2017).

arte constituição do sujeito e Sartre


Maheirie (2002)

arte atividade criadora e Sartre


Duplicados

Fonte: Elaboração da autora, 2021

O processo de seleção ocorreu por meio de leituras do material bibliográfico encontrado


e escolha daqueles textos, partes ou conjunto de textos que possam conter as informações
necessárias para se alcançar o objetivo da pesquisa em que o conteúdo pesquisado parte da
conceituação da arte e o ser-no-mundo. (LAURENTI; LOPES, 2016).
No que tange a temática abordada sobre a arte em Sartre, algumas questões foram
encontradas: foi percebido na obra de arte uma relação instável entre a realidade e a irrealidade
no campo da consciência visto sob a filosofia de Existencial de Sartre, em: Hoste (2018), Paes
(2017), Maheirie (2015), Hoste (2017), Corbella (2012), Souza (2016), Silva (2013). Já os
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aspectos citados sobre o sentido, os significados e a subjetivação foram vistos em: Maheirie
(2003), Maheirie; França (2007), Wazlawick; Camargo; Maheirie (2007), Zanella (2005),
Maheirie (2014), Silva (2015), Oliveira (2018). Nesta possibilidade de compreender a arte
juntamente a trajetória da teoria em Sartre pode ser evidenciada também nos estudos de: Costa
(2011), Mandagará (2017), Prates (2017), Gontijo (2021), Cunha (2015), Câmara (2013), Hoste
(2018), Esteves (2020). No quadrante arte não-significante os autores Capistrano (2018),
Oliveira (2018), Hoste (2017) expuseram perante suas pesquisas informações e significações
que foram peças chave na perspectiva de Sartre para a concretização deste trabalho.

Este panorama de pesquisa, tal como descrito acima, com poucos trabalhos enfocando
diretamente a discussão da arte não-significante e a sua relação com a constituição do sujeito,
tendo sua fundamentação em Sartre foi possível construir uma linha de raciocínio em que
possibilitasse justificar a objetivação da compreensão que aqui buscamos.

3 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO

Este capítulo irá apresentar a análise de dados, relacionando diretamente com a pergunta
de pesquisa proposta e orientada pelos objetivos da pesquisa alinhados em três categorias que
possibilitaram a compreensão sobre o conhecimento. Os conteúdos encontrados ao serem
analisados de forma criteriosa, tem o intuito de proporcionar um melhor esclarecimento ao leitor
e uma interpretação mais fidedigna dos dados bibliográficos explorados.

3.1 ARTE NÃO-SIGNIFICANTE COMO EXPRESSÃO DE SI

Por coincidir várias compreensões é possível haver mais que uma definição na obra de
arte podendo ser definido a partir da biografia, das experimentações, das identificações que
constitui, assim o estilo pessoal da produção plástica realizada pelo sujeito, expressa através do
sentido, materiais, das formas e até mesmo pelas cores com os quais ele trabalha. (PAIN;
SARA, 1996)
A linguagem da arte é ainda proveitosa porque diferentemente da linguagem verbal (que
é aquela socialmente compartilhada), ajuda o desenvolvimento da individualidade e do sentido
da singularidade, uma vez que na arte, cada pessoa tem a possibilidade de desenvolver uma
linguagem expressiva própria, única e singular, que reflita não só sua personalidade, mas
também seu modo de pensar e perceber o mundo a seu redor. Sendo até questionável se falar
que qualquer ser humano não consiga desenvolver uma expressão criativa própria,
completamente distinta das demais expressões, mesmo que em algumas coisas semelhantes aos
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demais, porque podem ser usados referenciais parecidos, não tirando a originalidade de cada
uma das expressões em particular. (CIORNAI, 2004)
É importante destacar que Sartre diferenciou a arte em duas maneiras, sendo a arte
significante e a não-significante. A primeira refere-se a que busca designar outro objeto através
de si havendo a possibilidade de mostrar a realidade humana aos outros sujeitos, exemplificada
por Sartre através da literatura, mais especificamente a prosa, em que as palavras direcionam a
imaginação, significando o mundo. Já a segunda, não-significante, é aquela que o sentido se
encontra em si mesma, como o som, as cores, na qual não remete a nenhum significado exterior
além de si mesma, lidando desta forma com a liberdade diante do mundo. (HOSTE, 2018)
A produção artística, a obra, se aproxima das artes descritas como não-significantes. No
entanto isso não quer dizer que elas percam toda sua significação, já que essa significação se
dá a partir de uma unidade verbal sendo elas as palavras, e sem elas tais palavras seriam somente
sons, cores, ou riscos no papel. Na linguagem se trabalha com signos e significados, no qual o
significar é apontar através de si outra coisa. Já o signo remete a outra coisa que através dela
possa alcançar um significado. Todavia, a significação não é a finalidade das palavras. O
significado pode se denominar como a semelhança “magica”, entre a arte e a coisa significada,
tal como determinada cor ou melodia acarreta a uma expressão de sentimentos. Deste modo, a
arte está em seu aspecto sensitivo enquanto a palavra a transforma em coisa, acarretando a um
sentido. (HOSTE, 2018)
Entende-se que neste aspecto sensitivo e expressivo, as emoções e sentimentos na
psicologia existencialista podem ser vistas como uma atitude da pessoa diante do mundo, um
fenômeno de consciência, ou melhor dizendo a emoção é uma das formas possíveis de
estabelecermos relação com o mundo. Elas são a expressão das experimentações psicofísicas
dos sujeitos, indicativas da estruturação de suas personalidades, podendo ser denominada como
uma transformação do mundo, modificando a si mesma, sofrendo alterações psicofísicas, a
pessoa busca modificar uma situação adversa, portanto é uma atitude da pessoa diante do
mundo, só que age sobre si mesma, pretendendo modificar as situações favoráveis ou
desfavoráveis. (SCHNEIDER, 2011)
Mais do que isto, a emoção pode ser vista como um fenômeno de crença, de forma não-
posicional-de-si tendendo a “constituir um mundo magico que utiliza o corpo como meio de
encantamento” (SARTRE, 1938, p. 104.) tornando-a significante, indicando a totalidade das
reações do sujeito diante do mundo que o cerca, modificando o estar-no-mundo da pessoa.
(SCHNEIDER, 2011)
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Neste aspecto, é importante e interessante referir que de modo geral a arte por si só não
deve significar algo para além de si, mas pode apresentar um sentido, ou um significado
atribuindo o valor de um signo, no entanto não vem delas por si só, apenas é possível através
de uma articulação entre o sentimento e emoções sobre a arte. Pode se notar que a arte não-
significante oferece através do real uma imagem, e através da imagem um sentido. (HOSTE,
2018)
Para que haja compreensão perante a imagem, com base nos conceitos, estudos e teorias
de Sartre entende-se a princípio que, o “eu” como ser no mundo na psicologia existencialista
possuem diferença entre a “consciência” e o “ego”. A consciência de acordo com a autora, é
uma condição da situação humana, é o incontestável da subjetividade, é o encontro da realidade
e a pura relação das coisas. Em outras palavras o que produz a consciência são modos diferentes
de o homem estabelecer relação com a realidade. Por sua vez toda consciência é consciência
(de) si. (SCHNEIDER, 2011)
Sartre denomina o ego como uma totalização de estados, qualidades e ações que
compõem a personalidade. Os estados se consolidam a partir de experimentações espontâneas,
irreflexivas. As ações são as formas de agir de um sujeito que é construída ao longo de sua
história, dependendo de seu contexto material, antropológico e sociológico. Por fim, as
qualidades são a unidade dos estados, esses estados são constituintes do ser, pois quando reajo
a certas situações da mesma forma esses estados constitutivos do ser, passam a tornar as
qualidades objetivas passam a se tornar algo automático sem serem refletidas sendo de uma
maneira espontânea. Assim o “eu” é o resultante desse processo de totalização em curso a um
vir-a-ser. (SCHNEIDER, 2011)
Desta forma, Oliveira (2019) acrescenta que a consciência é a palavra usada para nomear
diferentes estruturas psíquicas, como consciência imaginante, consciência perceptiva,
consciência da imagem, consciência emotiva, entre outras consciências. A palavra imagem para
Sartre, de acordo com o autor é um tipo de consciência como qualquer outra, designando então
a uma relação da consciência com o objeto, sendo que se caracteriza por uma determinada
espontaneidade, na medida em que o homem se faz o tempo todo, não possuindo uma essência
anterior, primeiro se tem a consciência de algo depois tem seu surgimento, em outras palavras
a imagem é um certo modo que a consciência tem de se dar um objeto.
Para se começar a criar uma obra de arte, é necessário a consciência imaginativa onde a
imaginação é, primeiramente, dada somente ao sujeito. A imagem já citada anteriormente,
implica em um saber definida por sua intenção que está no centro da consciência pois
curiosamente ela não é uma coisa, mas ela pode ser denominada como algo da ordem da criação.
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Deve-se entender ainda que para que a imagem de fato aconteça é necessário que haja a negação
do real, pois ela visa sempre seu objeto como não sendo. Desse modo se tem a compreensão de
que a intenção para se criar uma imagem se define através da expressão de si, desta forma pelo
saber, ela é ato, é o que o artista quer representar para si mesmo intencionalmente. Sendo assim,
a representação como imagem acontece pelo que se sabe. (OLIVEIRA, 2019)
Nessa perspectiva, Hoste (2018) acrescenta que para Sartre então o objeto estético, a
obra de arte, é uma imagem e a imagem é um “irreal” que pode ser definido como aquilo que
não é parte da realidade, mas sim um veículo como um correlativo material, podendo-se dizer
que irrealizar significa infectar a realidade com o nada. “Dessa forma, a arte, essa arte não-
significante, não tem um compromisso objetivo em significar a realidade, mas, para além disso,
ela quer oferecer através do real uma imagem, e através dessa imagem um sentido.” (HOSTE,
p. 275, 2018.)
Aqui se torna inevitável mencionar Oliveira (2018), pautando-se na obra “Que é a
literatura” de Sartre, defendia a observação de que as artes possuíam um fator em comum.
Todas as artes fazem o uso do imaginário, no entanto se diferenciam quanto a sua forma e
matéria pois no caso dos artistas não-significantes o material com que cada um escolhe trabalhar
são coisas, não há uma significação. A respeito desta maneira de pensar, reflete o autor ainda
sob o que há de comum e o que se diferencia, acrescenta assim, que cada expressão artística se
difere pois pode se usar de diversos recursos diferentes e a diversos materiais, no entanto,
paralelamente se tornam comum, devido a cada artista também possuir aspirações distintas
entre si. O desejo inicial que será expresso na arte para que a realização concreta ocorra, exige-
se de todos os artistas uma escolha particular, possuem “uma vontade de se sentirem essenciais
em relação ao mundo, de realizar através da arte sua humanidade essencial” e essa escolha
particular que os tornam em comum. (OLIVEIRA, 2018 p. 115)
Dito de outra forma, na arte não-significante o sentimento do artista, mistura-se com a
coisa produzida e ao projetar em suas obras suas predisposições e seus desejos resultam-se em
um, não conseguindo distingui-los ou percebê-los claramente pois não remetem a nada
específico que lhe seja exterior pois não são signos. Cabe registrar que por convenção podemos
dar uma significação para a obra, uma virtude abstrata, mas depois de estabelecida não é mais
possível enxergá-la como de fato é, um exemplo que o autor traz sobre essa possível
significação é como as rosas por uma virtude abstrata pode significar a paixão. (OLIVEIRA,
2018)
Refletindo sobre a condição humana, propõe Oliveira (2018), a partir de Sartre, que o
artista trabalhando com a arte não-significante por não trabalharem com signos eles não tem o
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objetivo de indicar algo determinado para que o outro entenda, ele deixa livre para que cada
um, cada espectador, tenha a liberdade de entender da maneira que quiser não havendo
determinações ou sentidos. O artista cria um objeto imaginário, por meio do qual para Sartre
existe a possibilidade de sempre dar o sentido que se quer, em outras palavras os artistas que
utilizam das artes não-significantes lidam apenas com a liberdade diante do mundo e não com
a significação do mundo como faz a literatura, na arte significante, não exigindo o engajamento
do artista.
Sobre este tema discorre ainda Oliveira (2018) afirmando que o que permite a Sartre
falar de engajamento para as artes não-significantes é que mesmo não sendo uma linguagem,
não é apenas por signos, pela prosa que nos comunicamos, trazendo uma reflexão importante
mostrando que toda a expressão humana, o próprio corpo, serve como meio de comunicação,
no entanto Sartre não reduz a função da linguagem em seus estudos, mas toda essa reflexão fica
clara quando ele fala do engajamento.
Devido ao fato de toda arte refletir fenômenos vividos na sociedade, como foi dito, a
arte não-significante não demonstra de maneira clara essa reflexão. Oliveira (2018) traz que em
Situations IV, Sartre revela que o engajamento presente nas artes não-significante está na
liberdade, o artista é engajado integrando-se com sua arte, para dessa forma desvelar seu ser-
no-mundo. Em outras palavras, é na forma do artista lidar com a realidade que percebemos seu
engajamento, diferente das artes significantes que especifica a algo exterior para mudá-lo pois
a palavra, ao significar desvela o homem e o mundo, e desvelando muda tanto um quanto o
outro, sendo ação e consequentemente engajamento. (OLIVEIRA, 2018)
É possível perceber que para se aproximar minimamente da compreensão do fenômeno
arte não-significante como expressão de si necessita entender que primeiramente a arte não-
significante vem da ordem da consciência criativa sendo aquela que revela uma criatividade
original como uma abertura ao mundo e da completa liberdade da expressão de emoções e
sentimentos do sujeito que são associadas a formas singulares de relação entre a subjetividade
e objetividade na qual oportuniza a expansão do desenvolvimento da individualidade e amplia
os horizontes e limitações existentes na linguagem, através da fala, reforçando que para Sartre
é possível compreender que a cada expressar-se está impregnado de elementos do modo de
pensar e perceber o mundo de cada sujeito, revelando desta forma uma expressão própria e
única da personalidade pela objetivação de suas representações. Pontua-se também na arte não-
significante cada expressar-se reflete ao processo particular de cada um, e este processo está na
liberdade inicial de cada sujeito decidir como lidar diante do mundo entrelaçada a emoção e a
sua história que será expressa através da escolha de uma matéria apta a transformações. Pode-
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se perceber que os autores analisados nessa pesquisa entendem que a arte não-significante e a
expressão de si são um processo de totalização em curso a um vir-a-ser.

3.2 CRIAÇÃO ARTISTICA COMO UM ATO DE LIBERDADE E CRIATIVIDADE

Sobre o tema da criação artística Maheirie (2003) discorre que, embora os trabalhos de
Sartre e vigotsky possuam diferenças pode-se dizer que nos processos de criação escolhido pela
autora para explicar a criação musical (abarcada pela arte não-significante) qualifica como uma
forma de comunicação, uma linguagem reflexivo-afetiva, que é capaz de construir sentidos
coletivos e singulares. A partir da concepção do sujeito, ao realizar o processo criativo, o ser
unifica de maneira dialética com seus conhecimentos técnicos, em uma postura denominada
afetiva, na qual implica relações entre percepção, imaginação, sentimentos e emoções. Em
outras palavras, a música através da linguagem por meio das significações, e da relação com o
contexto social em que o sujeito está inserido, acarreta a possibilidade para que o sujeito
construa múltiplos sentidos.

A linguagem reflexivo-afetiva só se faz possível por meio da afetividade. De acordo


com Maheirie (2003) a afetividade envolve então todas as relações humanas que são
consideradas de ordem espontânea. Desta maneira, Sartre definia o ato de criar como sendo um
ato de “conferir ao mundo uma necessidade” (Beauvoir, 1960/1984, p. 43-44) afirmando
também que os sentimentos e as emoções são formas especificas de relação entre a
subjetividade e objetividade. Isto significa que o impacto causado pela arte não-significante,
pela música por exemplo, não é sentido apenas pela ordem da singularidade psicofísica do
sujeito, ela pode alterar a forma como o sujeito significa o mundo justamente por exercer este
lado afetivo e criativo. (MAHEIRIE, 2003)
Assim quando se trata de uma atividade artística que está presente no domínio da
espontaneidade, ou seja, da afetividade, o criador a princípio introduz uma necessidade, uma
significação pela qual só através da liberdade, pertencente ao plano da vivência tudo e qualquer
coisa é possível, tornam-se uma condição essencial para a arte, e por sua vez, cria-se forma,
uma forma que o artista tem de fazer com que sua arte aconteça ao mundo. (MAHEIRIE, 2003)
A definição da criação artística para Sartre de acordo com o autor Hoste (2018) poderia
ser descrito da seguinte forma, como sendo um trabalho real sobre um material real, na qual
produz um objeto imaginário, irreal. Neste sentido, para o artista, o material que ele escolhe
para executar sua criação atua como um meio de movimento, de alteração de um objeto irreal,
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algo que torne capaz o contato com o imaginário. De forma mais técnica ele busca por criar um
objeto que leve o seu espectador ao irreal. (HOSTE, 2018)

Cada pincelada não foi dada para si própria, e tampouco para constituir um todo real
coerente (no sentido que se poderia dizer que tal alavanca em uma máquina foi
concebida para o todo e não para si própria). Cada pincelada foi dada em ligação com
um todo sintético irreal, e a finalidade do artista era de constituir um todo de tons reais
que permitisse a este irreal manifestar-se (SARTRE, 2010, p. 363-364).

Posto isto, Sartre (2010) pode afirmar a respeito da arte não-significante que somente
“[...] no irreal as relações de cores e de formas ganham seu verdadeiro sentido, quer dizer, é o
objeto imaginário que justifica aquilo que na obra é perceptível” (Hoste, 2018 p. 277). Desta
forma, Hoste (2018) enfatiza que no processo criativo os materiais, as formas, os sons e as cores
só ganham um sentido a partir do objeto imaginário, do todo irreal que constitui o objeto
estético.
Na vida cotidiana os comportamentos e atos implicam em consequências com as quais
temos necessidade de lidar. Na arte a pessoa pode exercitar sua liberdade e permitir-se constatar,
sentir, elaborar e exprimir o que de outra forma poderia ser-lhe perigoso e/ou ameaçador.
Resultando, dessa forma, em uma expressão mais autêntica do seu ser mais profundo e
autêntico, não limitando seus impulsos, raivas, sonhos, desejos inconfessáveis. Claramente, não
é o intuito da arte substituir a vida ou qualquer outra realidade. Não é então, uma forma de fugir
da vida, mas é uma soma à realidade da vida, lhe acrescentando, com o seu fascínio único
artístico, que tem a capacidade de gerar insights significativos para orientar a nossa vida.
(CIORNAI, 2004).
Essa arte que acrescenta a vida, não se restringe apenas no criar, como criar cores,
imagens, sons, sensações. Ela embarga também estímulos sonoros, rítmicos, imagéticos, e
sensoriais pelos quais a música, a escultura, a pintura, a dança, e os gestos têm mobilizado nosso
ser e nossas emoções através dos tempos. (CIORNAI, 2004)
Complementa Oliveira (2008), que a parte estética na arte não-significante possui um
papel secundário a medida em que o engajamento se sobrepõe a beleza da arte devido ao fato
de dar ao homem a compreensão crítica da imagem de sua realidade buscando a possibilidade
de elucidar as responsabilidades em sua complexidade, ao se preocupar com a ideia estética da
beleza o engajamento seria impossibilitado concluir o seu papel fundamental.
Segundo Ferreira (2010) para Sartre, o homem está na mesma situação criadora, nessa
relação moral e arte, pois tanto na arte quanto na moral existe criação e invenção, onde não
podemos decidir a priori sobre o que fazer.
A escolha moral e responsável não tem uma forma definida. Ela depende da ocorrência de uma
13

ocasião para existir. Sartre afirma ao comparar a escolha moral e responsável com a construção
de uma obra de arte, que na arte, um pintor não tem um quadro definido antes de ser feito, não
tem como definir com exatidão suas escolhas antes de começar a pintura, não há sua essência
antes de sua existência.
Só é possível ver os valores estéticos e suas regras na coesão do quadro, no
relacionamento entre vontade de criação e o produto. Não sendo possível existir regras e valores
antes da existência da escolha moral e responsável. Por não ser previsível, muitas vezes as artes
são surpreendentes, devido a ninguém pode prever suas escolhas antes de sua existência.
(FERREIRA, 2010)
No contexto psicológico existencial em Sartre, para conhecer de fato o sujeito é preciso
configurar a liberdade a existência humana. Através do tempo presente, da época e do mundo,
é preciso conhecer sua história, objetivando-o, voltando no caminho passado localizando-o no
tempo, para assim conhecer sua história e o espaço em que esse indivíduo vive. (SCHNEIDER,
2006)

A existência do outro traz limite a minha liberdade. Com efeito, pelo surgimento do
outro, aparecem certas determinações que eu sou sem tê-las escolhidos. Eis-me com
efeito, judeu ou ariano, bonito ou feio, maneta, etc. Tudo isso, eu sou para o outro [...]
somente a linguagem irá ensinar-me aquilo que eu sou, e, ainda assim, sempre objeto
de uma intenção vazia. SARTRE. O Ser e o Nada – p. 642

Essa situação é também ilustrada no trabalho dos artistas da arte não-significante citados
por Sartre ao longo de suas obras. Neste aspecto, importante trazer o exemplo citado pelo autor
Oliveira (2018) sobre o rasgo amarelo no céu sobre gólgota de Tintoretto4, e explica que aquilo
é o céu e a angústia ao mesmo tempo, pois ao artista mesclar-se com a tinta, está misturando-
se com seus sentimentos desta forma o artista não quer que seus traços signifiquem angústia ou
provoquem angústia, o traço em si é a própria angústia. A imagem abaixo ilustra, a título de
curiosidade, o exemplo citado pelo autor.

4
Tintoretto através de suas obras fez com que Sartre aplica-se seu foco “naqueles elementos da arte de Tintoretto
que, em seu entendimento, demonstram exatamente o conceito que o pintor Veneto introjetara a respeito do próprio
fazer artístico, e que se projetava, ao ser superdimensionado, sobre suas próprias obras, num exagero que chegava
a um patamar tal que se tornava possível perceber claramente, por meio de tais imagens, os sinais indicativos da
relação cada vez mais conflituosa entre o artista e a cidade que ele mesmo considerava como toda sua.” (Oliveira,
2012 p. 116)
14

Figura 1- La Crocifissione, Tintoretto, 1565

Fonte: Oliveira (2008)

Nesse sentido, não é possível desvendar os sentimentos reais do artista, porque na


verdade ele não busca por revelá-los aos espectadores, sua intenção ao realizar a arte é que
ocorra uma mistura de sentimentos e significações como já foi dito, possibilitando a liberdade
e a criatividade pois acrescenta também que uma mesma realidade pode ser expressa de
maneiras diferentes, por meio dos quais cada um pode entender o que quiser. (OLIVEIRA,
2018)
Oliveira (2012) buscou através de uma análise estética e fenomenológica com base nos
escritos fragmentados de Sartre sobre o pintor Veneto, compreender a ideia de que para Sartre
introduzir reflexões espontâneas é preciso conhecer o meio em que o artista vive para chegar a
uma compreensão, partindo da relação do artista com sua própria cidade e seu tempo. Nesse
sentido, a obra de arte de Tintoretto para Sartre caracteriza-se devido o pintor está sempre a
representar o invisível e irreal. E essa relação contribuiu para a idealização de um de seus
conceitos mais instigantes, o Analogon. E é neste sentido que para Sartre o artista busca
enfatizar a ficção e não a realidade, não confundindo o real com o imaginário.

“Para que o processo imaginário se dê é necessária a ocorrência do analogon, uma


equivalência perceptiva. E essa equivalência pode se dar por meio de uma pintura,
uma fotografia, um desenho, ou mesmo a imagem mental que se constrói quando se
pensa em alguém ou algo. [...] Por meio do processo imaginário, o analogon perde seu
sentido próprio e assume o sentido do objeto que ele representa. Esse processo,
contudo, não é uma ilusão. (OLIVEIRA, 2008 p. 155)
15

O autor buscando esclarecer as ideias de Sartre, menciona Sophie Venon (2009) na


tentativa de esclarecer ainda mais a ideia de analogon, observa a possibilidade de
transcendência da própria obra de arte no sentido de “ir mais além” sendo assim o sentido é
encarnado na pintura, em outras palavras o sentido é uma significação que se faz coisa. Na
concepção sartriana acerca da linguagem sobre as obras de arte a pintura será um signo sem
significado, ou então uma significação fechada em si mesma. Cada vez que apreciamos uma
pintura, “somos colocados numa atitude fenomenológica, vemos sentido na arte, o ser no
próprio fenômeno. Em outras palavras, a matéria da forma é em direção ao futuro mais
importante do que a forma da matéria” (VENON, 2009 p. 10-11). Segundo Sartre, por meio de
suas obras Tintoretto também manifestava sua visão social. (OLIVEIRA, 2012)

Estudos de Boris e Melo (2020), com base nas reflexões sobre o sentido estético na
psicologia fenomenológico-existencial relacionam o processo de psicoterapia como resultado
da construção de um sentido que está para além da fala. É Sartre (2012) quem discute esta forma
do pintor Giacometti5 se aproximando desta arte em que anuncia uma estética do movimento,
a aquela própria da existência. Esta perspectiva considera que proposta de arte sobre o corpo,
pode nos levar a grandes descobertas sobre a arte de ser pessoa e sobre o processo de
compreensão da pessoa em psicoterapia. Nela, podemos encontrar um diálogo possível com a
filosofia e a psicologia que visem a produção de um conhecimento científico e de valor,
contemporaneamente fenomenológico, ela possibilita retratar uma percepção do mundo como
ele é: uma perspectiva do que é “natural”, no fenômeno dado, ou seja ela é fenomenológica. A
ilustração abaixo contribui para a compreensão da ideia transmitida.

5
Giacometti foi considerado um dos principais representantes do Surrealismo nas Artes Plásticas e um dos mais
importantes escultores. Sartre realizou dois ensaios escritos sobre a obra de Giacometti, ambos se conheceram em
Paris, em 1939, quando Giacometti havia rompido com o surrealismo e direcionar seu olhar em busca de uma
“visão pura, e primordial destituída das convenções da representação”. (SARTRE, 1966)
16

Figura 2- Alberto Giacometti (1901-1966) A estetica do movimento.

Fonte: Revista eletrônica - Toucharte (2018)

No espectro sartriano a arte para Sartre faz com que o homem se torne “profeta da
objetividade de sua existência” (2012, p. 48) pois através de cada escolha, ato, posição tomada
ou sentido construído, a pessoa no ato artístico continua tendo a liberdade em executar sua
própria escultura no mundo, pelo ato dialético de escolher-se livremente em determinada
situação. Nesse sentido, reveladora de uma essência que se faz, na realidade, a partir de uma
maneira subjetiva de existir, de uma existência própria, e por sua vez, apresenta a possibilidade
de manejo existencial-sartriano, a retirada de uma estética estática da fala e se permite buscar
na estética do movimento o sentido integrador do fenômeno que é a experiencia do sujeito.
(BORIS; MELO, 2020)

Sartre denominou metodologicamente de progressivo-regressivo (1960). Tal


movimento apresenta certa estética, aqui chamada de estética do movimento [...] sob
o olhar fenomenológico a vida parece fugir do movimento linear, das cenas
artificialmente montadas e dos afetos produzidos. Na verdade, parece que a vida é
mesmo assim, fugitiva da estética estática e amante da estética do movimento, aquela
que é resultado do diálogo entre o homem e o mundo [...] um certo sentido vai se
revelando no sendo. (BORIS; MELO, 2020, p. 120)

A psicologia nos ensina que quanto mais integrada estiver uma pessoa, isto é, quanto
mais ela estiver segura de si mesma, conhecedora de sua verdade, reconciliada com seus limites
e ativa no desenvolvimento de suas possibilidades, maior será sua capacidade de construir
vínculos saudáveis, fazendo com que a psicologia fenomenológico-existencial possa ser um
lugar de criação e recriação. Se entregar à arte da criação só é possível em uma compreensão a
partir de uma práxis da relação horizontal entre o terapeuta e o sujeito, ativas no
desenvolvimento de suas possibilidades. (BORIS; MELO, 2020
17

Deve se ponderar que o autor perante a análise feita por Sartre das obras do artista
plástico suíço Alberto Giacometti (1901 – 1966) demonstra a importância para a percepção na
captação da imagem. A percepção é uma parte importante na concepção sartriana da arte, pois
é só por ela que a obra pode se dar como imagem. A obra não se define simplesmente por aquilo
que pode ser percebido, mas, no entanto, se parte dela, é somente a partir dos elementos
perceptíveis que se pode compreender a obra de arte como uma imagem. Sendo assim, ele traz
a reflexão de que essa experiencia estética causada pela percepção na obra é como um
entrelaçamento entre o real e o imaginário, na relação incessante por assim dizer entre a
consciência perceptiva e a consciência imaginante. (HOSTE, 2018)

A arte de Giacometti se parece àquela do prestidigitador; somos enganados e


cúmplices. Sem nossa avidez, nossa precipitação atordoada, os erros tradicionais de
nossos sentidos e as contradições da nossa percepção, ele não conseguiria dar vida a
seus retratos (SARTRE, 1964c, p. 356, tradução nossa).

Sobre o aspecto apontado pelo processo de criação artística entende que a arte implica
relações entre percepção, imaginação, a afetividade, os sentimentos e emoções. Ela abre
possibilidades para que o sujeito visualize a ampla possibilidade de escolhas e sentidos de
maneira espontânea uma vez que não há como o sujeito definir com exatidão suas escolhas
antes de agir possibilitando o entender da criação artística como ato de liberdade e criatividade
por meio de uma linguagem reflexivo-afetiva, podendo afirmar que assim como na constituição
do sujeito não há uma essência antes de sua existência. Pela ação da criação o sujeito confere
ao mundo uma instancia, confere ao mundo uma forma de sua arte acontecer, sendo assim é
pela imaginação afetiva e espontânea do sujeito que possibilita tornar real sobre um material,
aquilo que antes era irreal e imaginário. Ganhando um sentindo ao tornar a expressão de sua
liberdade e a matéria, em coisa, acarretando a uma estética do movimento próprio da existência,
a partir de uma maneira subjetiva de existir.

3.3 A ARTE E REINVENÇÃO DE SI, UMA FORMA DE RESSIGNIFICAR


POSSIBILIDADES

O homem é um ser-no-mundo, que se relaciona com o meio. Por sua vez, essas relações
podem se dar com os outros, com o meio, com as coisas, com o tempo e até mesmo com o
próprio corpo, sendo sujeitadas a uma dialética entre a objetividade e a subjetividade, na qual
todo esse processo irá compor sua personalidade, ou seja, a relação do sujeito é o que caracteriza
sua existência. (PRETTO; LANGARO; SANTOS, 2009)
18

O ser será sempre uma incompletude e uma tentativa de identificar-se, através de uma
busca de construção contínua de si mesmo. Duas categorias fundamentais caracterizam o ser
no existencialismo Sartriano, o “ser-em-si” e o “ser-para-si”, na qual constituem-se mutuamente
num processo constante de vir a ser. Aqui o sujeito se faz na relação com o mundo.
(SCHNEIDER, 2006)
O ser-em-si é o fundamento, inteiramente preenchido por si mesma, refere-se a objetos
e mais geralmente a tudo que não é consciência, tendo em si o próprio princípio e fim, pronta
de si, tratando-se a si mesma de maneira rígida e determinada como uma essência já acabada.
Escapa a temporalidade, nega qualquer possibilidade de mudança e não possui consciência de
sua liberdade, pois se autodetermina como algo já definido, e pronto. (SCHNEIDER, 2006)
O ser-para-si mais precisamente refere-se a toda consciência. Sartre sugere que o ser do
para-si é a liberdade, se identifica como o não ser. Ao não se fixar em uma identidade rígida,
ele está sempre voltado para fora, aberto ao mundo e transformações que acontecem no mundo,
reconhecendo sua singularidade a um vir-a-ser, por sua vez caracteriza-se a possibilidade de
mudança buscando o que falta para fundamentar a si mesmo através das escolhas e da liberdade.
(SCHNEIDER, 2006)
Desta forma, o ser estará sempre em uma busca de construção contínua de si mesmo
buscando identificar-se. Contudo, com a sua condição ontológica de liberdade, o ser se depara
com uma angústia ao perceber seu total desamparo, já que não há nada que possa livrá-lo de
sua condição de escolher, em outras palavras, nada pode salvá-lo de si mesmo “estando
condenado a ser livre e toda a sua existência decorre desta condição”. (SCHNEIDER, 2006)
Diante desta condição, o ser humano está sujeitado a todo instante se inventar, cabe
somente a ele estabelecer suas escolhas, sendo elas que constroem sua essência e suas ações e
critérios servirão de norte para suas decisões e ao mesmo tempo trazendo o peso da
responsabilidade. O indivíduo em relação com o mundo se constitui mutuamente, sendo assim
ele não é responsável apenas por si mesmo, mas é responsável por toda a sociedade uma vez
que cada sujeito exerce influência um com o outro. (SCHNEIDER, 2006)
No atuante campo da Psicologia Fenomenológico-Existencial, a existência humana
considera o ser a uma moral da ação e do engajamento de caráter transcendental da existência
humana e intencional da consciência em que o homem por estar condenado a ser livre, se
angustia pela responsabilidade em relação todos os homens, no entanto o homem possui a
mesma liberdade de atualizar sua essência e (re)criar sua história e seus relacionamentos
interpessoais (BOECHAT; SOUZA; SOUZA, 2015)
19

A função da arte seria então não forçar uma alternativa, mas apresentar possibilidades
de resistência ao mundo. Em outras palavras, Sartre reconhece a arte como a intercessão a uma
identidade entre indivíduos e a essência da sociedade que por sua vez descarta domínio
único(em-si) do sujeito. Para o autor, Sartre demonstra a ideia de que a obra de arte tem um fim
em si mesma. Ela nega a realidade empírica devido a sua intenção que se dá como um gestus
diante da realidade, em outras palavras para Sartre a obra de arte não pode ser vista como um
querer-dizer atribuído a ela, com uma explicação determinante, mas sim como seu próprio gesto
diante da realidade. (BYLAARDT, 2013)

Thana Souza (2016) por sua vez, direciona o pensamento de Sartre para a arte com uma
visada diferenciada, fazendo uma retrospectiva de questões já citadas a fim de relacionar os
objetivos propostos, a autora se expressa em ordem cronológica sob as obras do filosofo. Desta
feita, na obra A náusea a autora mostra a fuga do real por meio da arte, com isso Sartre aponta
a arte nesse momento como irreal, como uma temporalidade própria. Possuem ligação com o
real, no entanto se separa dele ao apontá-la para o que não existe, em outras palavras, a autora
define que para Sartre a obra de arte é um irreal sustentado por um real.
Já em O Imaginário a autora atenta ao fato de que ao criar o irreal não necessariamente
fará com que o sujeito viva no irreal, pois o real se complementa no irreal. O papel da arte está
essencialmente ligado ao exercício de liberdade. A relação entre consciência e objeto em Sartre
estabelece que a consciência imaginante ela possibilita a uma maior compreensão de ser-no-
mundo, já a consciência intencional coloca a imagem como um sentindo de transcender o real
adquirindo um sentido de mundo particular. Sendo assim, ao negar o real, ao negar o mundo
contraditoriamente é possível desvelar como o ser é no mundo, na liberdade e existência. Posto
isto a consciência sendo liberdade, com o movimento de negar o real possibilita a consciência,
ao imaginar cria o que não existe, ao imaginário colocar o irreal ao movimento de voltar para o
mundo, nos revelamos a nós mesmos. Sendo assim só é possível a arte através de uma
consciência que seja liberdade. (SOUZA, 2016)
Nesse contexto, em Que é a literatura tem-se a tentativa de conceituar o engajamento
da arte, a arte é o movimento entre o imaginário com o engajamento, e por sua vez toda arte é
obra do imaginário. Já o engajamento tem seu papel para o desvelamento da condição humana
possibilitando o reconhecimento a responsabilidade e a liberdade nos fenômenos dados. Tal fato
faz com que a autora reconheça que para Sartre a função da arte é o de fazer do engajamento
uma forma de tornar claro o que antes era ignorado. (SOUZA, 2016)
20

Entende-se que para Mandagará (2017), Sartre defendia um engajamento cuja função
seja o de ampliar a liberdade, desta forma possibilitaria “despertar no agente a livre escolha que
torna a autêntica existência plenamente possível, isto em oposição à neutralidade do
espectador” (1975, p. 29-30), ou, como Sartre (1989) cita seria então a função da obra engajada
“apelar à liberdade” do leitor. Complementa ainda que em o Que é a literatura? Reforça a ideia
do gesto da obra frente à realidade como sendo fundamental e até anterior ao engajamento:
“Somente Sartre percebeu a conexão que existe entre a autonomia de uma obra e uma intenção
que não lhe é conferida, mas constitui o seu próprio gesto fundador frente à realidade”.
Reforçando assim que há sempre um espaço de escolhas, uma vez que a vida social é travessada
por espaços para projetos individualistas e dialeticamente coletivos.
Bylaardt (2013) apresenta os estudos de Adorno, membro da escola de Frankfurt com
base na teoria crítica da sociedade, relaciona arte engajada e arte autônoma mencionando o
estudo de Sartre, Qu’est’ce que la littérature? contextualizando a época em que o ensaio foi
publicado com os efeitos da segunda grande guerra. Para ele, Sartre não concordava com a arte
de entretenimento, e que temia que o surrealismo sobre a produção artística favorecesse ainda
mais para a alienação da arte e dos artistas. A ideia do autor representa a noção de Sartre a
importância conceitual da arte sobre as noções de engajamento. Engajar-se porque lida com a
significação necessitando da atitude e da consciência. E por sua vez as significações externas
são a parte não-artística da arte.

Por meio desta relação entre Sartre ao pensador Adorno as definições de “arte
autônoma” aquela que constitui o seu próprio gesto na realidade a “arte engajada”, trabalharia
no nível das “atitudes fundamentais” que por meio das artes não significantes (música e artes
plásticas), “o artista é ‘engajado’ não porque por meio de sua arte deseja se referir a algo e
mudá-lo [...], mas porque, no modo de lidar com sua arte, ele revela seu ser-no-mundo.”
(BYLAARDT, 2013 p. 95)
Partindo dessas considerações, Sartre fez tantas menções ao movimento surrealista na
obra Que é a literatura? Atrelada a um processo histórico de revolução dos costumes sociais
devido a guerras e pós-guerra. Em consequência disso é impossível deixar de estabelecer a
relação com os objetivos dessa pesquisa, de compreender a arte não-significante e sua relação
com a constituição do sujeito na medida em que através do ato da expressão criativa possa
ressignificar possibilidades. No século XIX, a arte estava perdendo seu sentido devido ao
irracionalismo no continente europeu, e através disso os expressionistas tinha a arte como a arte
de sensações e não de emoção. Através dos avanços e dos novos os estudos psicanalíticos e os
21

debates sobre a psicologia presente na época possibilitaram um desenvolvimento de uma arte


que criticava os questionamentos ao mundo moderno influenciando desta forma a grandes
mudanças. (COSTA, 2011)
Paris, no início do século XX, onde Sartre (1905-1980) nasceu e morou grande parte de
sua vida, era considerada a capital mundial da arte, possibilitando aos movimentos estéticos
delinear o sentido da civilização contemporânea, ocasionando assim o surgimento do dadaísmo,
que propunha através da criação artística a liberdade “das amarras do pensamento racional”
sendo resultado assim do automatismo psíquico. Nesta época Sigmund Freud (1856-1939)
trazia novas contribuições perante a realidade humana afirmando que muitos dos nossos atos
são automáticos e independentes de um encadeamento de razões lógicas, o denominado
inconsciente, enfatizando ainda em sua obra Interpretação dos sonhos (1899) o papel do
inconsciente na atividade criadora. (COSTA, 2011)
Sob tal ótica, as mudanças sociais e históricas dos pós segunda guerra mundial,
possibilitaram o surgimento do surrealismo caracterizado por combinações do representativo,
do abstrato e do psicológico. Era marcada devido sua busca em criar estranheza ao que era
familiar, acarretando assim a ruptura dos limites demarcados entre o sonho e a realidade, o
irracional, a fantasia e a expressão do inconsciente, que por meio da possibilidade de escolhas
existências e livres, marcadas por um campo de representações que estão em constante
mudanças, permitindo assim demonstrar o surreal como uma parte integrante da consciência do
sujeito. Desta forma, por meio de desenhos automáticos, formas geométricas, escrita livre os
surrealistas demarcaram a arte como a expressão do inconsciente, aquela que possibilita ir para
além da consciência cotidiana, tendo a finalidade de libertar o homem possibilitando-o a fugir
completamente das amarras do real, por meio do irreal. (COSTA, 2011)
Mesmo sendo a antítese do real para Maheirie (2003), o imaginário faz parte da
realidade humana. A dimensão imaginaria do mundo pode vir a orientar a percepção de um
sujeito sobre os outros, como também pode vir a nortear as relações intrapsíquicas, sendo assim
o imaginário se faz muito presente no contexto social, possibilitando a compreensão de que o
mundo social contempla uma dimensão imaginária considerada “magica”.
De modo geral, Costa (2011) classifica o movimento surrealista como uma vertente
artística que possibilita o prazer e a liberação da fantasia, além de abrir espaço para a
exteriorização de sentimentos, estavam então em contramão da lógica racional, considerada até
transgressora, permitindo ao sujeito a libertação total dos padrões que são impostos pelas
tradições e pelas amarras da lógica. Sartre, reforça, no entanto, que os surrealistas não
utilizavam a linguagem por não buscarem almejar a realidade, não havia um comprometimento
22

em desvelar o homem no mundo ou indicar qualquer coisa que seja, pois como já foi dito na
arte não significante o artista é engajado na mesma maneira de lidar com sua arte, lidando com
a sua realidade percebemos seu engajamento, percebemos sua ação, para dessa forma revelar
seu ser-no-mundo.
Os estudos encontrados revelam que a arte está encarregada de estabelecer e demonstrar
relações com o mundo, desta forma é possível dizer que a arte possibilita formas de ressignificar
possibilidades e assim reinventar a si mesmo. Definindo o artista como um instrumento de
revelação pela dialética entre o objeto e o próprio sujeito, e é nessa relação que podemos
caracterizar a existência, ou seja o sujeito se faz na relação com o mundo e a objetivação. Posto
isto, é possível dizer que a arte pode ser vista como uma possibilidade de um gesto, de uma
ação ao mundo, uma forma de exteriorizar os sentimentos e a liberdade. A obra de arte pode
ser vista como um irreal sustentado por um real, mas isso não faz com que o sujeito viva no
irreal, ela possibilita uma maior compreensão de ser-no-mundo, atribuído por um sentido de
seu próprio mundo particular dando abertura para uma consciência que seja liberdade expressa
pelo movimento entre o imaginário com o engajamento. Mais do que isso o irreal pode ser
considerado como uma parte integrante da consciência do sujeito, demarcando a arte como a
expressão do inconsciente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme averiguado ao longo do trabalho, o tema aqui analisado ainda é pouco


abordado. Porém, constatou-se que perante a uma avaliação dos autores citados sobre a
metodologia foi possível, ainda assim, obter contribuições do estudo do tema para a psicologia
em geral, mas principalmente para o existencialismo sartriano, oportunizando a compreensão
dessa nova temática e chegar à conclusão a respeito da arte não-significante em Sartre e a sua
relação com a constituição do sujeito.
Diferentes contribuições foram captadas e discutidas, sinalizando o papel da expressão
do sujeito pela arte não-significante, a criação artística como um ato de liberdade e criatividade,
além de pontuar a arte e reinvenção de si, como uma forma de ressignificar suas possibilidades.
Conforme sinalizado na introdução, a arte veio para trazer uma nova concepção em conjunto
com a psicologia, ampliando a área de atuação. O primeiro capítulo deste trabalho foi essencial
para entender os aspectos gerais de arte não-significante, e aplicar esse entendimento da teoria
proposta por Sartre em relação à constituição do sujeito na Psicologia Existencialista Sartreana
pode nos possibilitar uma nítida compreensão perante o tema.
23

Através das exposições encontradas nos textos com o intuito de responder aos objetivos
da pesquisa, pode-se concluir a possível relação existente no papel da arte e sua relação ao
sujeito, os tópicos seguintes puderam esclarecer que a arte vem da ordem da criatividade e da
liberdade da expressão do psíquico, das emoções, dos sentimentos. Sendo fruto da relação entre
a subjetividade e objetividade, pilares fundamentais da teoria sartriana, a criação artística não-
significante revela a expressão da personalidade do sujeito pela objetivação, relacionada à
dialética do constante vir a ser. Isso implicou no conhecimento e na relação das consciências
perceptiva, imaginante e afetiva pois são elas que abrem possibilidades de escolhas e sentidos
de maneira espontânea, transformando assim o sujeito em um instrumento de revelação que por
meio da ação, do engajamento e do gesto possibilite a exteriorização demarcando a arte não-
significante como um irreal, em outras palavras, em uma expressão da liberdade através da
linguagem reflexivo-afetiva.
Além disso, cabe ressaltar que pela expressão da atividade artística, no que tange o
contexto psicológico, é possível afirmar benefícios como ampliadora de possibilidades de
escolha, como forma de lidar criativamente com seus limites, além de encorajar uma melhora
na qualidade de vida e das relações interpessoais. Disto isso, verificou-se que esta temática abre
diversas portas para compor e colaborar para a melhora da saúde mental e do dia a dia da vida
dos seres humanos.
Por fim finalizo com o desejo de realizar novas pesquisas que possibilite a abertura para
explorar ainda mais as definições e vínculos entre a psicologia sob os efeitos psicoterapêuticos
da arte. Elaborando e potencializando suas particularidades no contexto do ambiente clínico.
24

REFERENCIAS

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22, 2013, p. 84-100. Disponível em:
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