Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2005
As Instituições Financeiras e a
Proteção ao Meio Ambiente
1. Introdução
Souza (2002, p. 293-294) nos ensina que, a partir desse conceito, surge a
noção de vida de forma sustentável, que pressupõe a harmonia entre os
homens e a natureza, em oposição à visão antropocêntrica, na qual o homem
é o centro do universo, como propõe a economia tradicional, considerando
que os recursos naturais são inesgotáveis. Para esse autor, a sustentabilidade
depende da observância dos seguintes critérios:
“... para os recursos renováveis, a taxa de uso não deve exceder a taxa de regeneração
e ter-se-á um rendimento sustentável; para os recursos não-renováveis, as taxas de
geração de recursos para o projeto não devem exceder a capacidade assimilativa do
ambiente e o esgotamento dos recursos não-renováveis deve requerer taxas compatí-
veis de substitutos renováveis para esses recursos.”
1 Glossário de Ecologia, 1ª ed., Academia de Ciência do Estado de São Paulo, 1987, apud Araújo
(1997, p. 121).
270 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
2 Projetos brasileiros de desenvolvimento sustentável terão US$ 1,2 bilhão do Banco Mundial,
segundo informa a Agência Brasil (2004).
3 Mais detalhes podem ser obtidos no site www.cebds.com.
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 271
Parágrafo único – As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer
constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao
controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente.”
“Art. 14 ...
...
...”
“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.”
...
O inciso XIX do artigo 6º, referido na citação, foi vetado, sendo importante
registrar o seguinte comentário [Grizzi et alii (2003, p. 80)]:
“... o fato do art. 6º, inciso XIX, ter sido vetado não retira a validade dessa inovação,
pois o legislador cuidadosamente mencionou que a responsabilidade estipulada
abrange não somente as organizações financeiras, mas também outros órgãos públicos
e privados. A responsabilidade mencionada deriva da obrigatoriedade dos empreen-
dimentos financiados apresentarem Certificado de Qualidade em Biossegurança
(CQB) (Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995, art. 2º, inc. XV), sob pena de
tornarem-se co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descum-
primento.”
8 A lista dos bancos que já aderiram aos Princípios do Equador está disponível em http://www.
equator-principles.com.
9 A IFC (www.ifc.org) é uma instituição afiliada ao Banco Mundial para o financiamento de
investimentos sustentáveis do setor privado nos países em desenvolvimento, com a finalidade de
reduzir a pobreza e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 277
10 Disponível em http://www.unepfi.org/signatories/statements/fi/portuguese.
278 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
A Concessão de Financiamento
O art.12 da Lei 6.938/81 estatui que a aprovação dos projetos fica condicionada ao
licenciamento. Surge um ato administrativo complexo, pois a aprovação do financia-
mento pelos bancos depende da existência de prévio licenciamento. Não é, portanto,
incondicionada essa operação, mas é ato que só adquire sua plenitude legal com a
juntada de uma licença ambiental favorável. O Decreto 99.274/90, que regulamentou
a Política Nacional do Meio Ambiente, revogando o Decreto 88.351/83, insistiu na
mesma orientação, dizendo: ‘As entidades governamentais de financiamento, ou
gestoras de incentivos, condicionarão a sua concessão à comprovação do licencia-
mento previsto neste Regulamento’ (art. 23).
11 “O ato complexo é aquele que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão
administrativo” [Meirelles (1999, p. 154)].
280 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
“... ainda que seja deferida a licença ambiental, persiste o dever de verificação, por
parte das instituições financeiras, de cumprimento das normas do Conselho Nacional
de Meio Ambiente, sob pena de responsabilização das mesmas em caso de dano
ambiental. Este é um dos motivos pelo qual uma pequena unidade de meio ambiente
dentro dos bancos torna-se indispensável de molde a poder fornecer ao administrador
a correta avaliação de posição de risco a que o projeto a ser financiado está exposto.”
...
Assim, os bancos não devem agir como substitutos dos órgãos ambientais,
sob pena de ocorrer uma usurpação da competência que a esses é atribuída.
Estas ações por parte dos bancos não podem ser confundidas com o papel dos órgãos
ambientais que têm a atribuição legal de conceder as respectivas licenças. Entretanto,
282 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
é fundamental estabelecer ações articuladas de tal forma que a atuação destes dois
setores seja complementar. Por exemplo, compatibilizar a análise do crédito com o
início dos processos de licenciamento ambiental, criar um mecanismo especial para
a análise conjunta de EIAs/RIMAs e conciliar o desembolso financeiro com a emissão
das respectivas licenças prévias (LP), de implementação (LI) e de operação (LO),
entre outras atividades conjuntas. Para tanto, será de grande importância que a con-
solidação da legislação pelo futuro Código Nacional de Meio Ambiente contemple
estas questões, de tal modo que divergências entre o setor produtivo e as agências
ambientais não venham a causar transtornos para a gestão do meio ambiente e nem
para os agentes sociais e econômicos envolvidos no processo de desenvolvimento.”
O caso precursor sobre o tema foi originado por uma ação civil pública12
proposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em face do
Banco do Brasil, objetivando compeli-lo a se abster de conceder qualquer
financiamento agropecuário, empréstimo, incentivo financeiro de qualquer
natureza ou que promova a securitização ou repactuação de empréstimos e
financiamentos em favor de proprietários de imóveis rurais de área igual ou
superior a 100 hectares que não comprovem: a) mediante certidão do
registro de imóveis, que procederam à averbação da reserva, prevista no
artigo 44 do Código Florestal; e b) por certidão do órgão ambiental, que a
vegetação da referida área se encontra preservada ou em processo de
recuperação, nos termos do artigo 99 da Lei 8.171/91. O pedido foi julgado
procedente, mas o tribunal reformou a sentença, cujo acórdão, segundo
Antunes (2002), tem a seguinte ementa:
12 Ação Civil Pública 008/99, que tramitou perante a Vara Especializada do Meio Ambiente da
Comarca de Cuiabá, e a correspondente Apelação Cível 25.408, do Tribunal de Justiça do Estado
de Mato Grosso.
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 283
...
A decisão do Tribunal Estadual, com todo o respeito, parece ter feito tabula rasa da
determinação contida no artigo 12 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.
...
É importante observar que a ACP movida pelo MPMT não tinha por escopo que o
Banco do Brasil fizesse controle ambiental mas, única e exclusivamente, que ele
exigisse a comprovação da averbação da Reserva Florestal Legal. Ora, se os órgãos
financiadores públicos estão obrigados a exigir o licenciamento ambiental e cumprimento
de padrões do CONAMA, com muito mais razão devem exigir o cumprimento da lei.
Veja-se, em complemento, que o financiamento público somente pode ser concedido se
no projeto constar previsão de melhoria da qualidade do meio ambiente. No caso concreto,
evidentemente que é a recuperação das áreas de Reserva Florestal Legal.
...
Ele é, portanto, uma política pública que, na forma do artigo 1º, ‘será distribuído e
aplicado de acordo com a política de desenvolvimento da produção rural do País e
tendo em vista o bem-estar do povo’. Ainda que muito anterior à Constituição Federal
de 1988, em linhas gerais o crédito rural atende aos ditames do artigo 225 de nossa
Lei Fundamental, pois busca aprimorar o padrão de vida das populações rurais e a
adequada defesa do solo (rectius: meio ambiente). A Reserva Florestal Legal é, como
se sabe, um instrumento absolutamente necessário para a defesa do solo e, portanto,
o financiamento a ser concedido com base na Lei nº 4.829/65 não pode deixar de
levá-lo em consideração. O crédito rural tem, evidentemente, uma natureza pública.
...
O TJMT, data vênia, equivocadamente, entendeu que o MPMT estava exigindo que
o concedente do crédito rural exercesse a função de órgão de controle ambiental ou
284 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
de responsável pelo dano causado por terceiro. Em meu entendimento, tal não foi o
pedido da Ação Civil Pública mas, pura e simplesmente, que o Banco, ao celebrar o
mútuo, exigisse certidão de averbação da Reserva Florestal Legal ou prova de que ela
estava submetida a procedimento de recuperação. O pedido encontra, em minha
opinião, ressonância em nossa ordem jurídica e, certamente, a matéria voltará a ser
enfrentada pelos nossos tribunais. As instituições bancárias que atuam com crédito
rural não devem tomar a decisão do egrégio TJMT como uma tendência definitiva de
nossa jurisprudência pois, conforme tentei demonstrar, o conjunto de normas legais
sobre o assunto aponta em direção inversa àquela adotada pela Egrégia Corte de
Justiça do Estado do Brasil central.”
13 Artigo 260 do atual Código Civil, de 2002: “Se a pluralidade for de credores, poderá cada um
destes exigir a dívida inteira...”
286 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Princípios Aplicáveis
Neste princípio, talvez mais do que nos outros, surge tão evidente a reciprocidade
entre direito e dever, porquanto o desenvolver-se e usufruir de um Planeta plenamente
habitável não é apenas direito, é dever precípuo das pessoas e da sociedade. Direito
e dever como contrapartidas inquestionáveis.”
...
...
Teoria do Risco
A responsabilidade civil ambiental é esteada na teoria do risco, partindo do
seguinte pressuposto: aquele que, em decorrência de sua atividade, cria um
risco de dano para terceiros, mesmo que sem culpa, deve ser obrigado a
repará-lo. Segundo Cavalieri Filho (2003, p. 146-149), essa teoria foi
concebida na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva.
“em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra que não seja a
do risco integral”.
Citando Caio Mário da Silva Pereira como o mais ardoroso adepto da teoria
do risco criado, Cavalieri Filho (2003, p. 146-149) reafirma a síntese
ilustrativa dessa teoria: aquele que, em razão de sua atividade ou profissão,
cria um perigo está sujeito à reparação do dano que causar, salvo se provar
ter adotado todas as medidas idôneas para evitá-lo.
“Cumprida a etapa inicial para a liberação do crédito, qual seja, o atendimento das
disposições legais ambientais supramencionadas,14 estaria o financiador imune a
pleitos referentes ao empreendimento financiado.
...
Ainda que o § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 estabeleça que fica o poluidor, direto
ou indireto, obrigado a reparar a integralidade dos danos causados ao meio ambiente
e aos terceiros afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa,
no caso do financiador (poluidor indireto que atuou injetando capital, o que não o
vincula ao empreendimento), entendemos que sua responsabilidade deve ser limitada.
...
...
“Art. 2º – Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos
nesta Lei incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
290 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Parágrafo único – A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”
“Não pode a analogia criar figura delitiva não prevista expressamente, ou pena que o
legislador não haja determinado. Contra ela vige a regra de reserva legal em relação
aos preceitos primário e secundário das normas definidoras de condutas puníveis. O
juiz criminal não pode lançar mão do suplemento analógico para admitir infração que
não esteja expressamente definida.”
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 291
“Em Direito Penal, o princípio da reserva legal exige que os textos legais sejam interpretados sem
ampliações ou equiparações por analogias, salvo quando in bonam partem. Ainda vige o aforismo
poenalia sunt restringenda, ou seja, interpretam-se estritamente as disposições cominadoras de
penas...” (Tacrim-SP-Rec., rel. Adauto Suannes, RT 594/355).
“O tipo, que é sempre de garantia, a partir do princípio da reserva legal, não pode ser distendido,
ao gosto do intérprete, para cobrir hipóteses nele não contidas...” (Tacrim-SP-Rec., rel. Régio
Barbosa, RT 669/330).
Sobre o tema, a atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva [ver Agência
Brasil (2003)], declarou a sua pretensão de propor aos bancos de desenvol-
vimento a inserção dessas cláusulas nos contratos de financiamento do setor
produtivo, a fim de promover o desenvolvimento sustentável com res-
ponsabilidade ambiental, mas essa medida já é adotada por diversos bancos
públicos e privados, sendo o BNDES um dos precursores.
Tal iniciativa já foi adotada pelo governo do Estado do Espírito Santo, que,
por intermédio da Lei 5.320, de 10 de junho de 1996, criou a Certidão
Negativa de Débito Ambiental (CNDA), emitida pelo órgão estadual de
controle ambiental e exigida para a concessão de financiamentos.
“Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e
municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujei-
tará os transgressores:
294 AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
...
...”
Machado (2001, p. 317) nos apresenta o leque de opções para as quais a ação
civil pública pode ser utilizada:
“No caso vertente, a ação civil pública pode ser utilizada para conseguir-se informação
sobre a observância da legislação ambiental em financiamento, quando essa informa-
ção estiver coberta pelo sigilo bancário.
A ação civil pública pode ser empregada para tentar obstar a efetivação do financia-
mento, no caso de não ter sido, ainda, licenciada a obra ou atividade.
16 De acordo com o artigo 8º, inciso V, da Lei 6.938/81, compete ao Conama determinar, mediante
representação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), a perda ou restrição de benefícios
fiscais concedidos pelo poder público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de
participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito.
17 A resolução em comento foi publicada no Diário Oficial da União, de 16.08.90, Seção I, p. 15.519-
15.520 (disponível em http:// www.mme.gov.br).
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 295
Para reparar o dano, potencial ou efetivamente causado, de atividade ou obra que tiver
obtido o financiamento sem licenciamento ambiental, a ação civil pública pode ser
intentada, visando à condenação em dinheiro. A condenação irá para o ‘Fundo de
Defesa de Direitos Difusos’ federal ou estadual.”
7. Conclusão
As instituições financeiras vêm contribuindo de forma relevante para o
desenvolvimento sustentável do país, pois a maioria delas já incorporou a
variável ambiental em suas políticas de concessão de crédito e exige dos
financiados a comprovação da regularidade ambiental dos projetos.
A ação civil pública deve continuar sendo utilizada como o mais importante
instrumento de controle judicial dos projetos financiados. Assim, espera-se
que as instituições financeiras continuem financiando relevantes projetos
para a economia nacional, sem, no entanto, perder o foco no desenvolvimen-
to sustentável, uma vez que é fundamental a sua atuação para a proteção ao
meio ambiente, assegurando a sua continuidade para as presentes e futuras
gerações.
Referências Bibliográficas
AGÊNCIA BRASIL. Ministra quer incluir proteção ambiental em contratos
com bancos de desenvolvimento. Brasília, 4 de janeiro de 2003 (dispo-
nível em http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/?action=ler&id=9278,
acesso em 10 de setembro de 2004).
__________. Projetos brasileiros de desenvolvimento sustentável terão
US$ 1,2 bilhão do Banco Mundial. Brasília, 25 de agosto de 2004 (dis-
ponível em http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?ac-
tion=ler&id=15795).
ANTUNES, Paulo de Bessa. Crédito rural e meio ambiente: jurisprudência
recente. Dannemann Siemsen, Rio de Janeiro-São Paulo, set. 2002.
ARAÚJO, Ubiracy. Notas sobre a política nacional do meio ambiente. Revista
de Direito Ambiental, São Paulo, v. 7, p. 119-131, jul.-set. 1997.
REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 12, N. 23, P. 267-300, JUN. 2005 297