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Lembra-te De Que
Sou Medéia
Medea nunc sum
u
P A Z U L IN
Lembra-te De Que Sou
Medéia
Isabelle Stengers
Prefácio
Carlos Henrique Escobar
Tradução
Hortência S. Lencastre
PAZULIN
Rio de Janeiro
Copyright by © Éditions Synthelabo
Título Original: Souviens Toi Que Je Suis Médée
S8251
Stengers, Isabelle, 1949-
Lembra-te de que sou Medéia/Isabelle Stengers;
prefácio Carlos Henrique Escobar; tradução Hor-
tência S. Lencastre. - Rio de Janeiro: Pazulin,
2000 .
64p. ; 10,5 X 15cm.
ISBN 85-86816-07-8
Tradução Revisão
Hortência S. Lencastre Marcello Lino
Direitos para esta edição contratados com
PAZULIN EDITORA LTDA.
Rua Senador Dantas, 117/342 Rio de Janeiro, RJ
20031-201 tel (21) 9184-9722 tel/fax (21) 225-2215
pazulin@pontocom.com.br
Sumário
Notas, 55
Medéia:
0 Pensamento Dobrado
“M I D É I A ” n ã o é a p e n a s u m
p e rso n a g e m o u u m a d as tra g é
d ias d e E u rip id e s, ela c a ra c te ri
za, m ais d o q u e q u a lq u e r o u tr a
tra g é d ia, a fo rça e a ra d ic a lid a d e
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Prefácio
d e u m q u e s tio n a m e n to . D e u m
q u e s tio n a m e n to q u e se e x p e ri
m e n ta c o m o vida e c o m o p e n s a
m e n to , e q u e o a sse m b le ísm o
tr á g ic o q u e s u b s ta n c ia liz a as
tra g é d ia s gregas m a n ife sta n o s
c o n v o c a n d o . Tal c o m o u m “Édi-
p o R ei”, u m “A g a m e n o n ”, u m
“O re s te s ”, u m “F ilo c te to ”, m as,
s o b re tu d o , n o s p e rso n a g e n s
trág ico s fem in in o s c o m o Clitem -
n e s tra , A n tíg o n a e, p a rtic u la r
m e n te , M edéia.
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Lembra-te De Que Sou Medéia
li
Prefácio
M edéia é u m g rito , u m a im a
g e m d e s e n ra iz a d a e a é re a q u e
a tro p e la , s u rp re e n d e e p aralisa
o p ro je to G reg o -O cid en tal. Ela
se q u e r u m a o u tra co isa - co m o
faz v e r Isabelle S ten g ers —q u e “a
m ãe g reg a”, q u e “a m u lh e r d o
h o m e m ”, q u e “a m ãe d o s filhos
d o h o m e m ”. C o m o D io n iso ( em
As bacantes) ela c h e g a so rra te i
ra a té o in te rio r d o p alácio - e
p o u c o im p o rta c o m o —e, lá d e
d e n tro , im p lo d e os lugares, os
p a p é is e, s o b re tu d o , as certezas
d o s “h o m e n s ”.
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Lembra-te De Que Sou Medéia
A p e r p l e x id a d e d e P e n te u
fre n te a D io n iso —é h o m em ? é
m u lh er? etc. —é a p e rp le x id a d e
d e to d o s n ó s fre n te a M edéia, o
c h o ro , o p â n ic o e o h o r r o r d e
Jasão . D e u m a o u tra form a, c o n
tu d o , n o s e s p a n ta a lisu ra — o
fe rv o r e a v e rd a d e —d o s crim es
q u e e n g a la n a m s u a s p e r e g r i
n a ç õ e s . As c a b e ç a s d o s “s e
n h o re s d o m u n d o ” nas p o n ta s
d as varas q u e as m u lh e re s b a
c a n te s e m p u n h a m , o u a p rin c e
sa e o rei (C reo n te) m o rto s p o r
M edéia e, e m seguida, suas m ãos
re p le ta s d o crim e (b u q u ê fero z
13
Prefácio
N ão se p o d e , enfim , falar d a
tra g é d ia grega tal c o m o se fala
d o te atro , m esm o d a q u e le te a tro
q u e se re sp o n sa b iliz a m u ltip la-
m e n te p o r to d o o esp etácu lo . Na
tra g é d ia grega a “fala” n ã o fala a
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Lembra-te De Que Sou Medéia
“lín g u a ” d a Pólis, n e m o s p e rs o
n a g e n s e o c o ro falam d o s h o
m e n s e d o s cid ad ão s. A fala q u e r
o s gritos, os u rro s, os can to s, as
s o n o rid a d e s abism ais, divinas e
anim ais. Ela se cuida, tal c o m o
o s so n s se d e ix a m c u id a r n o s
in stru m e n to s m usicais, o u ainda,
e m ais, elas se q u e r e m n u m a
c o rp o re id a d e o b sc u ra (e leg íti
m a) p o r o n d e elas se p e n s a m
c o m o a c o n te c im e n to s so b re c a r
re g a d o s d e enigm a.
O s c o rp o s q u e a té e n tã o se
sa b ia m c o n stra n g id o s n a o b ri-
15
Prefácio
g a to rie d a d e d o s p a p é is d a d i
visão sexual, d a divisão social d o
tra b a lh o e n a p aciên cia vazia d o s
ritu ais, q u e re m ag o ra se ag lu ti
n a r n u m a re s p o n s a b ilid a d e
difícil, trágica, e p e re g rin a re m
c o m o c u sto d o e sp a n to . Eles se
co m eçam , en tã o , c o m o m úsica,
c o m o m ilitan te e stra n g e irid a d e ,
c o m o difíceis p ro x im id a d e s d a
a rte —d a vida c o m o o b ra d e arte
—e, en tão , M edéia se c o ro a em
so b e rb ia e em m e su ra /d e sm e su -
ra d o s vasos gregos.
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Lembra-te De Que Sou Medéia
17
Prefácio
c ria n c a s s o b r e h u m a n a s , c o m o
an im ais e céu s, c o m o “p e rs a s ”.
M ed éia é u m lu g a r p a ra d ife
re n te s e ex ig en tes reflexões críti
cas so b re a q u ilo q u e os c o rp o s
e as falas se to r n a ra m n o O ci
d e n te . É u m “a n d a m e n to ” m ais
m a rc ad o , m ais ex p lícito , d a q u i
lo q u e as tra g é d ia s gregas, c o m o
u m a fo rm a s in g u la r d e p e n s a
m e n to , re iv in d ic a ra m p o litic a
m e n te . A G récia n ã o foi só a fo r
m u la ç ã o d e u m a p rá tic a n u m e
ro s a e rica q u e se d e sig n a ria p o r
O cid en te, m as foi, tam b ém (m es-
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Lembra-te De Que Sou Medéia
m o se p o u c o tra ta d a ), a d e u m a
fala trágica, se u s c o rp o s e se u s
p o v o s fu tu ro s.
C e rta m e n te q u e , e n tr e o u tro s
p o u c o s , H õ ld e rlin e N ietzsch e
n o s a le rta ra m p a r a tu d o isso .
M as é p re c iso ir além , c o m o faz
Isab elle S ten g ers, e a lc a n ç a r n o s
p e rs o n a g e n s trágicos, e n o s p e r
so n a g e n s trágicos fem in in o s, u m
p o te n c ia l d iv in o e a n im a l q u e as
palavras explicitam m al, m as q u e
o c o ro trág ico e x p re ssa fo rm id a
v e lm e n te e m m úsica.
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Prefácio
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Lembra-te De Que Sou Medéia
M edéia é u m a c e n a terrív el e
m aravilhosa, isto é, a vida q u e
q u e r a lc a n ç a r a si m e s m a (se
p en sar no pen sa r pesado do
p e n s a m e n to ) , e e n tã o , a p r e n
d e m o s co m ela q u e n o s d e m o ra
m o s e, a té m e sm o , q u e a in d a
n ã o n o s co m eçam o s.
Carlos H e n r iq u e E scobar
21
I vmbra-te De Que Sou
Medéia
'
1
N E M H egel, n em F reud, n e m
Lacan, n e m q u a lq u e r o u tr o q u e
te n h a criad o u m sistem a o u so u
ap ro p riar-se d e M edéia p a ra ilus
tr a r u m a d e s u a s te s e s . E u rí-
25
Stengers
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Lembra-te De Que Sou Medéia
sam , a p a rtir d e e n tã o , a u s a r o
s o b r e n o m e M e d e s. A m u lh e r
q u e c o m e te u o m ais h o rrív el d o s
assassin ato s n ã o só sobreviveu,
c o m o se to r n o u “m ã e ” d e u m
p o v o glorioso, rival e d e p o is alia
d o , su b m isso e d e p o is re v e re n
c ia d o , d o im p é r io p e r s a . E u
rip id e s c o n se g u e c ria r u m a v er
d a d e ir a h e ro ín a , u m a m u lh e r
cap az d e h e sita r e d e c o n s id e ra r
su a p ró p ria in d e c isã o c o m o u m
crim e, “M inha co v ard ia é v e rg o
n h o s a ”, cap az d e e s tre m e c e r d e
d o r a té su a m ais ín tim a fibra,
m as d e dizer, “C h o rarás m ais tar-
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Stengers
“L em b ra-te d e q u e so u M e
d é i a ”, r e s p o n d e , a tra v é s d o s
sé c u lo s, a M ed éia d e C h a rp e n
tie r ao “Agora, s o u M ed éia” d e
S ên eca. C o m o se c a d a u m d o s
a u to re s , a d e s p e ito d o q u e
q u is e s s e fa z e r d e M e d é ia , só
p u d e s s e re p e tir a q u ilo q u e im -
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Lembra-te De Que Sou Medéia
p e l e a p r ó p r i a M e d é ia . “S e r
M e d é ia ” n ã o é a m e s m a c o isa
q u e u m d e stin o , o u talvez seja
e x a ta m e n te o o p o s to d e u m d e s
tin o , q u e s u p o rta m o s , q u e p r o
c u ra m o s às vezes a ssu m ir d e m a
n e i r a e x e m p la r . T e r d e “S e r
M e d é ia ” é d a o rd e m d o a c o n te
c im e n to . S erá q u e M ed éia p o d e
ria, a q u a lq u e r m o m e n to , fu g ir
d e C o rin to n o d ra g ã o a la d o q u e
so b re v o a o p alácio em cham as?
O u se rá q u e esse dragão, q u e, d e
re p e n te , significa su a q u a s e d i
v in d a d e , é o sig n o d e q u e M e
d éia, a m u lh e r, d e s p o jo u —ter-
29
Stengers
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Lembra-te De Que Sou Medéia
Q u e m s e rá to lo e m d iz e r q u e
M ed éia te m ciúm es! C iú m es d e
u m a jo v em p rin c e s a ig n o ra n te e
fútil? C iú m es d e u m h o m e m c o
v a rd e e p u silâ n im e , m e n tiro s o e
v a id o so ? E m m o m e n to a lg u m
M edéia te m inveja d e C reu sa p o r
te r c o n q u is ta d o s e u m e d ío c re
tro fé u . É o s e n tid o d a su a v ida
q u e e stá e m jo g o , e n ã o a p o ss e
d e u m Jasão. E a v in g an ça é u m a
p a la v ra b e m m e d ío c re p a ra d e
sig n a r se u ato. Se M ed éia tivesse
se v in g a d o , c o m o n ó s, p o b re s
m o rta is, te ria p a g o o p re ç o d a
s u a v in g an ça. Ela fez u m c o n tra-
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Stengeri
to c o m a h u m a n id a d e , e o c o n
tra to foi ro m p id o . “C h o ra p a ra
se m p re os m ales c a u sa d o s p e la
tu a p a ix ã o ” ela d iz a Jasão, n o
final d a ó p e ra d e C h a rp e n tie r. E
n in g u é m lh e d á a re s p o s ta q u e
re s ta u ra ria a o rd e m d a m o ral,
n in g u é m está lá p a ra re c o n fo r
ta r Ja sã o o u , p e lo m e n o s, a n u n
c ia r q u e a a ss a s sin a s e rá p e r
s e g u id a p e lo re m o rs o . Ja sã o é
castig ad o , M edéia fica sem casti
go. Ja sã o a c re d ito u q u e seu p o
d e r d e m ach o havia tra n sfo rm a
d o a feiticeira em m u lh e r q u e se
p o d e e n g a n a r e a b a n d o n a r. Ele
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Lembra-te De Que Sou Medéia
c o m e te u u m e rro e crio u a p r o
va p e la q u a l a O u tra, a q u e la q u e
se a n u lo u p o r a m o r, r e e n c o n
tro u o p o d e r d e existir.
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Stengers
é p o ssível!”. “Q u e p re ç o te n h o
d e p a g a r p e lo m eu a m o r!” “É
esse o re su lta d o d o s m eu s em -
p re e n d im e n tos !”, e; m ta a M edéia
d e C h a rp e n tie r, lisses e m p re e n
d im en to s, para ela, eram os laços
g lo rio so s que* proelam avam um
a m o r n a m e d id a d e seu ser. E,
d e re p e n te , o m u n d o se to rn a
vazio, a m em ória se to rn a a in i
m iga d e b o ch ad a, o b scen a. M e
d é ia , a m u lh e r, s a b e q u e vai
m o r re r p o r causa disso, se n ão
c h a m a r a O u tra . “P ara q u e m
p ro c u ra m in h a m o rte , p o sso ser
c ru e l”. D iante d o p â n ic o , é pre-
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Lembra-te De Que Sou Medéia
P ânico, p a ra os g reg o s, n ã o
significa u m e sta d o psicológico,
m as sim u m m o m e n to m ítico. O
D eu s Pan, s e n h o r d o p ân ico , é
a q u e le através d o q u al a o rd e m
so cial p o d e d e s m o ro n a r, u m a
c o le tiv id a d e tra n q ü ila p o d e se
to rn a r u m a h o rd a b á rb a ra e d e
su m a n a. D e u m a só vez, tu d o se
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Stengers
lo q u e estabelecesse u m a ligação
e n tre os h u m a n o s se revelasse,
re p e n tin a m e n te , su scetív el d e
fazer em erg ir um coletivo co m
p le ta m e n te d if e r e n te , d e e n
g e n d ra r aquilo q u e a o rd e m so
cial p a re c ia ex clu ir, p o r n a tu
reza. 1
A crise d e p â n ic o seria e n tã o
u m a espécie de fase de transição,
c o m o e n tr e líq u id o e c ristal,
u m a m u d a n ç a de id e n tid a d e . A
crise d e M edéia, q u a n d o ela hesi
ta, q u a n d o ela duvida, q u a n d o
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Lembra-te De Que Sou Medéia
37
Stengers
M e d éia é u m a h e ro ín a , m as
n a d a tem d e e x e m p la r, hla n ã o
é g reg a. Ela n ã o é u m d o s n o s
sos, h u m a n o s civilizados. Através
d e H e r ó d o to , a tr a v é s d e E u
rip id e s é u m o u tr o m u n d o q u e
p e rsiste, lem b ran ça o u obsessão,
u m m u n d o b á rb a ro talvez, m as
te m ív e l, u m m u n d o o n d e o s
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Lembra-te De Que Sou Medéia
p ró p rio s d e u se s se g u e m o u tra s
leis. M edéia se diz d e s c e n d e n te
d o Sol e, n a ó p e ra d e C h a rp e n
tier, é o v estid o q u e ela c o n s e r
v o u d o Sol, se u A ncestral, q u e
J a s ã o o u s a lh e p e d ir, p o is e la
d e s p e r to u a inveja d e C re u sa ,
e g o ísta e d e m a sia d o h u m a n a . As
n eg ras filhas d o Estige lhe d ev em
o b e d iê n c ia . As E u/ m é n id es furio-
sas q u e p e rs e g u ira m O re s te s ,
p e d in d o ju stiça p a ra o m atricí-
d io , n a d a p o d e m c o n tra ela. O
in fe rn o está su b m e tid o a ela e o
C éu p a ra ela está a b e rto . C o m a
tra g é d ia d e E u rip id es, a c id a d e
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Stengers
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Lembra-te De Que Sou Medéia
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Stengers
a M ãe arcaica. O Ja sã o d e E u
rip id e s afirm a isso: “Para ti seria
difícil co n fessar q u e o a m o r te
co ag iu, q u e n ã o p u d e s te te p ro
te g e r d e suas flechas, e é p o r isso
q u e m e salvaste”. É o m o m e n to
m ais difícil, m o m e n to em q u e a
h is tó ria fica em su s p e n so . Me-
déia, sim ples m u lh er, escrava d o
am o r? Mas q u a n d o M ed éia se
to r n a M edéia, a o rd e m d iv in a
d o s g re g o s d e s m o ro n a . O Sol
n ã o é m ais Apoio, te m p a rte com
a m o rte, a lum inosa fo n te de vida
se m o stra , d e re p e n te , u n id a à
e sc u rid ã o infernal. E as leis d a
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Lembra-te De Que Sou Medéia
cu lp ab ilid ad e, d o re m o rso e d a
ju stiça caem p o r terra. N u m só
ato, M edéia, infanticida, é e x p u r
g ad a d a su a traição. Ela v o lta a
s e r a Mãe, re e n c o n tra a so b e ra
n ia q u e re n e g o u p a ra se to rn a r
grega.
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Stengers
44
Lembra-te De Que Sou Medéia
E n tretan to , o en ig m a d e M e
d é ia n ã o p e rte n c e a p e n a s aos
m a c h o s . Ele ta m b é m a tra i as
m u lh e re s, q u e vibram com seu
p ân ico , com seu s u rro s d e revol-
V
45
Stengers
Q u al é, en tão , o sa b e r atesta
d o p o r M edéia? P o r q u e , e n tre
to d a s as h e ro ín a s trágicas, su a
46
Lembra-te De Que Sou Medéia
d o r, su a cólera, seu p â n ic o tê m
eco s tão atuais, atrav essan d o os
m ilê n io s q u e n o s se p a ra m d o
m u n d o grego? P o r q u e, p rin c i
p a lm e n te , seu ato h o rrív el n o s é
co m p reen sív el d e m a n e ira im e
diata, co m o se a fo n te d a q u al
ela se alim enta, a O u tra M edéia
im passível e terrível q u e ela faz
surgir, lá o n d e havia u m a m u
lher, n ó s conhecêssem os em su r
din a, so u b é sse m o s q u e m ela é?
C o m o se ela suscitasse u m eco,
criasse em n ó s u m a reflexão q u e
re p e te seu enigm a. O en ig m a se
refere m e n o s ao ato d o q u e ao
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Stengers
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Lembra-te De Que Sou Medéia
M ed éia n ã o é u m a m e d ite r-
rânica, é u m a m u lh e r v in d a d o
le ste e q u e, se g u n d o H e ró d o to ,
49
Stengers
v o lta rá p a ra o leste, p a ra a q u e
les p o vos q u e p o d e m o s im aginar
a in d a n ô m a d e s, o s ú n ic o s o n d e
p o s s o a p a rtir d e a g o ra vê-la vi
ver, d a m a n e ira c o m o ela se to r
n o u “M ed éia”. E é p a ra lá ta m
b é m , p a ra u m a e s te p e q u e é ao
m e s m o te m p o v e rd a d e ira , m íti
ca e p re se n te , o cu lta em nós, q u e
D ele u z e se volta p a ra d a r exis
tê n c ia à figura id eal e c ru e l d a
m u lh e r carrasco q u e sin g u lariza
o m a so q u ism o . “N a id e n tid a d e
d a e ste p e , d o m a r e d a m ãe, tra
ta-se se m p re d e fazer s e n tir q u e
a e s te p e é, ao m e s m o te m p o ,
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Lembra-te De Que Sou Medéia
a q u ilo q u e e n te r r a o m u n d o
g re g o d a se n su a lid a d e e a q u ilo
q u e d e ix a a p a r e c e r o m u n d o
m o d e r n o d o s a d is m o , c o m o
u m a p o tê n c ia d e re s fria m e n to
q u e tran sfo rm a o d e se jo e tra n s
m u ta a c ru e ld a d e . É o m essia
n ism o , o id e a lism o d a e s te p e .
N ão vam os acred itar, p o r cau sa
d isso , q u e a c ru e ld a d e d o id eal
m a so q u ista seja m e n o r d o q u e a
c ru e ld a d e prim itiva o u a c ru e l
d a d e sádica, m e n o r d o q u e a c ru
e ld a d e d o cap rich o (a d e C re u sa
e Jasão ?) o u a c ru e ld a d e d a
m a ld a d e ... O q u e d efin e o m a-
Stengers
P o n to d e co n g e la m e n to , cuja
q u e s t ã o p e r s i s t e a tr a v é s d a
trê m u la fluidez d e n o ssas e m o
ções. N ão falem os aq u i d e h iste
ria o u d e em p atia. N in g u ém so
n h a im itar M edéia, n ã o se im ita
o a c o n te c im e n to , n ã o se p o d e
an tecip á-lo , n ão se p o d e vivê-lo
p o r p ro cu ração : ele p ro d u z seu
52
Lembra-te De Que Sou Medéia
53
. * «f
Notas
1 S o b re isso, v e r J e a n P ierre
D u p u y , La P a n iq u e , co ll.
e m p ê c h e u rs d e p e n s e r en rond.
E d itad o p o r L aboratoires D ela-
gran ge, Paris, 1991.
55
/
ISBN 8 5 -8 6 8 1 6 -0 7 -8
788586 816079