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A lb e rto A .

A n d e ry
A lfre d o N a ffa h N e to J o s é R. T . Reis
A n to n io d a C. C ia m p a M a rília G. d e M ira n d a
Iray C a ro n e S ilvia T . M . Lane (org.)
J o s é C. L ib ân eo W a n d e rle y C o d o (o rg .)

PSICOLOGIA SOCIAL
o h o m e m e m m o v im e n to

8?
e d iç ã o

editora brasiliense
C oleçào P rim eiros Passos

O Discurso da Homossexualidade O que é Loucura


Feminina Joio Frayzt" Pereira
Dcnise Portinari
O que é Psicanálise
Evas, Marias, Liliths... Fabio Herrmann
As voltes do fem in ino
Vera Paiva O que é Psicanálise
2 ? visão
Filosofia e Comportamento Oscar Cesarotto/ Márcio P .S . Leite
Bento Prado Jr.
O que é Psicologia
Freud, Pensador da.Cultura Maria Luiza S . Teles
Renato Mczan
O que é Psicologia Comunitária
O Mínimo Eu Eduardo M. Vasconcelos
Christopher Lasch
O que é Psicologia Social
Sigmund Freud e o Gabinete do Silvia T. Maurer Lane
Dr. Lacan
Peter Gay e outros O que é Psicodrama
Wilsçn Csutcljadc Almeida
Tempo do Desejo
S o ciologia e p sic a n á lise O que é Psico terapia
H eloísa F e rn a n d e s (org) leda Porchac

O que é Psiquiatria Alternativa


Alan índio Serrano
SI LVI A T. M. LANE
WAND ERLEY CODO (ORGS.)

PSICOLOGIA SOCIAL
O H O M E M EM M O V IM E N T O

&? edição

editora brasiliense
C opyrig ht © Dos Autores, 1984
N enhum a parte desta publicação p o d e ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem
autorização prévia do ed ito r .

ISBN: 85-11-15023-4
Primeira edição, 1984
S? edição, 1989

Revisão: José W. S. M oraes e M ansueto Bem ardi


Capa: Ettore Bottini

P
Rua da Consolação, 2697
01416 São Paulo SP
Fone (OU) 280-1222 - Telex: 1133271 D BLM BR

IM PRESSO N O BRASIL
Identidade
A n to n io d a C osta C ia m p a

Uma pergunta aparentemente simples


Q u e m é você?
É u m a p e rg u n ta q u e fre q ü e n te m e n te nos fazem e q u e às vezes
fazem os a nós m e sm o s...
“ Q uem sou e u ? ”
Q u a n d o e s ta p e rg u n ta surge p o d em o s dizer q u e estam os
p e sq u isa n d o n o ssa identidade* C om o em q u a lq u e r p esq u isa, e s ta ­
m os em b u sca de resp o stas, de co n h e c im e n to . P o r se t r a t a r de u m a
p e rg u n ta feita a nosso resp eito é fácil d a rm o s u m a re sp o sta; ou nao
é?
Se é um c o n h ec im e n to que b u s c a m o s a resp eito de nós
m esm os podem os su p o r q u e estam o s em condições de fornecê-lo.
A fin al se tr a ta de d iz er q u em so m o s... E xperim ente]
N 5o co n tin u e lendo a n te s de re s p o n d e r a e s ta p e rg u n ta : q u em
év o c ê ?
P ro n to ?
R espondeu de fo rm a a q u a lq u e r pessoa, depois d è ou v ir su a
re sp o sta , p o d er a firm a r que o conhece? S u a re sp o sta to m a possível
você se m o stra r ao o u tro (e* ao m esm o te m p o , você se reconhecer) de
fo rm a to ta l e tra n s p a re n te , de m odo a n ão h av er n e n h u m a dúvida,
n e n h u m segredo a seu respeito? S u a re sp o sta p ro d u z um conheci­
m e n to q u e o to m a p erfe ita m e n te previsível? N inguém (n e m m esm o
você), d ep o is de c o n h e c e r essa re sp o sta , te rá d ú v id a sobre com o você
vai a g ir, p e n sa r, s e n tir, em q u a lq u e r situ a ç ã o q u e su rja?
AS CA TEGORIAS FUNDAMENTA IS D A PSICOLOGIA SOCIAL 59

A cred ito q ue, se você foi sincero, e s ta s questões to d a s p o d em


ter le v a n ta d o alg u m as duvidas. Será tã o fácil dizer quem som os?
Se, com o e sto u supondo, não é tã o fácil .como pode p a re c e r a
p rim e ira vista, p o d em o s ad m itir que e ste é u m p ro b le m a digno de
u m a p e sq u isa cien tífic a (e n ão só p o r c a u sa disso). Psicólogos,
sociólogos, an tro p ó lo g o s, os m ais diversos c ien tistas sociais têm
e stu d a d o a q u estão d a id e n tid ad e ; filósofos ta m b é m . Não só p ela
d ificu ld ad e , m as ta m b é m pela im p o rtâ n c ia q u e e sta q u estão a p re ­
se n ta , o u tro s esp ecialistas têm se envolvido com ela e não só c ie n tis­
tas e filósofos: nos trib u n a is, ju izes, p to m o to re s , advogados, p erito s,
etc .; n a a d m in istra ç ã o , ta n to p ú b lic a com o p riv a d a ; na p o lícia, n a
escola, no su p e rm e rc a d o etc., enfim , e m p ra tic a m e n te to d a s as
situações d a vida c o tid ia n a , a q u estão d a id e n tid a d e ap a re c e , de
u m a fo rm a ou de o u tra (e ta m b é m fo ra do co tid ian o : “ q u em e ra
m esm o a q u e la p erso n ag em com q u em sonhei o n te m ? ” ). V ocê já
re p a ro u com o a s novelas de T V ex p lo ra m esse filão? Ê fre q u e n te
u m a p erso n ag em viver u m g ran d e d r a m a p o rq u e de re p e n te d es­
cobre e s ta r e n g a n a d a a respeito d a identidade de outra perso n ag em
(é seu p a i, su a m â e , seu filho, sua irm ã e tc ., e n ão quem p e n sav a
que fosse); c o n seq ü en tem en te, d esco b re ao m esm o te m p o que
ta m b é m estava e n g a n a d o a respeito d a p ró p ria id e n tid a d e (a fin a l, se
esse desconhecido é m eu pai, en tã o eu so u seu filho e não de quem
p ensava); a id e n tid a d e do o u tro reflete n a m in h a e a m in h a n a dele
(a fin a l, ele só é m e u p ai p o rq u e eu sou filho dele). O u tro exem plo:
nas h istó ria s “ p o liciais” quase sem p re o e n red o é todo m o n ta d o
p a ra q u e se d e sc u b ra a id e n tid a d e do crim in o so (n ão só no sen tid o
de sa b e r q u em co m eteu o crim e, m as ta m b é m com o se to m o u
“ crim in o so ” ); p o r vezes, a h istó ria se desenvolve de ta l m o d o que
nos (os esp e c ta à o re s o u leito res) sa b e m o s q u e m é o crim inoso, m a s
as d e m a is p erso n a g e n s d a h istória n ão sa b e m ; isto nos le v a n ta u m a
o u tra q u estão : pelo fato d e os o u tro s n ã o sa b e re m ele deixa de ser
crim inoso? Q ue é ser “ crim in o so '1? É com eter um a to crim inoso?
(P en se no exem plo, digam os, fictício, d e po d ero so s c id ad ão s que
co m etem a to s q u e você co n sid era crim in o so s m as não são p e rse ­
guidos p e la polícia e p ela ju s tiç a ...) P o d em o s fa la r n u m a id e n tid a d e
o c u lta ? P ense n u m a h istó ria d e “ e sp io n a g e m ” : a id e n tid a d e do
“ esp iã o ” e x a ta m e n te se c a ra cteriza co m o u m a id e n tid ad e o c u lta
(peio m en o s p a r a os e sp io n a d o s...), se n d o q u e su as a v e n tu ra s p ra ti­
c a m e n te te rm in a m ou deixam de s e r a tra e n te s q u a n d o essa
id e n tid a d e é rev elad a. Até os su p e r-h e ró is têm su a id e n tid a d e
secreta (a q u ilo de que o S u p er-H o m em te m m ais m edo é que
60 ANTONIO D A COSTA C1AMPA

d e s c u b ra m q u em eie é n a vida c o tid ia n a » ., co m o m u ito s d e n ó s que


esco n d em o s a lg u m a sp ecto d e nossa id e n tid a d e e m orrem o s d e m ed o
q u e os o u tro s d e sc u b ra m esse nosso la d o " o c u lto ” . ..). A lite ra tu ra , o
c in em a, a TV , a s h istó ria s em q u a d rin h o s , as a rte s n u m sen tid o bem
a m p lo ta m b ém lid am com o p ro b le m a d a id e n tid a d e e p odem nos
e n s in a r m u ito a resp eito .

V oltem os a nosso p o n to de p a rtid a . Se, com o afirm am o s,


estam o s fa la n d o de n o ssa id e n tid a d e q u a n d o resp o n d em o s à
p e rg u n ta “ quem sou e u ? ’\ a p rim e ira ob serv ação a ser feita é que
n o ssa id e n tid a d e se m o s tra com o a d e scriç ão de u m a personagem
(com o em u m a novela d e T V )t cu ja vid a, c u ja b io g ra fia ap a re c e
n u m a n a rra tiv a (u m a h istó ria com e n re d o , p erso n ag en s, cenários,
e tc .), ou seja, co m o p erso n ag em q u e su rg e n u m discurso (n o ssa
re s p o s ta , nossa h istó ria ). O ra , q u a lq u e r d iscu rso , q u a lq u e r h istó ria
c o stu m a te r um a u to r, q u e co n stró i a personagem * C abe p e rg u n ta r
e n tã o : você é a p erso n a g e m do seu d iscu rso , o u o a u to r que c ria essa
p e rso n a g e m , ao faze r o discurso?
Se você é a p e rso n a g e m de u m a h is tó ria , q u em é o a u to r dessa
h istó ria ? Se nas h istó ria s d a vida real n ã o existe o a u to r d a h istó ria,
será q u e não são to d a s as p erso n a g e n s q u e m o n ta m a h istó ria?
T o d o s nós — eu , você, as p esso as com q u em convivem os — som os as
p e rso n a g e n s de u m a h istó ria q u e nós m e sm o s c ria m o s, fazendo-nos
a u to re s e p erso n ag en s ao m esm o te m p o . C om e sta a firm a ç ã o já
a n te c ip a m o s o q u e se p o d e ria d iz er c a so n os co n sid erem o s o a u to r
q u e c ria nossa p erso n a g e m ; o a u to r m e sm o é p erso n ag em d a
h istó ria . N a v erd ad e , assim , p o d e ría m o s a firm a r q u e h á u m a
a u to ria coletiva d a história; aq u ele q u e c o stu m a m o s d esig n ar com o
“ a u to r ” se ria d essa fo rm a u m “ n a r r a d o r ” , u m “ c o n ta d o r” de h is­
tória!
C om isso p o d em o s p e rc e b e r o u tro fa to curioso: n ao só a
id e n tid a d e d e u m a p erso n ag em co n stitu í a de o u tra e vice-versa (o
p a i d o filho e o filho do p a i), com o ta m b é m a id e n tid a d e d a s
p e rso n a g e n s co n stitu i a do a u to r (ta n to q u a n to a do a u to r c o n stitu i a
d a s p erso n ag en s).
A tra m a p a re c e com plicar-se, p o is é sa b id o q u e m u ita s vezes
nos escondem os n a q u ilo que falam os; o a u to r se o cu lta p o r trás da
p e rso n a g e m . M a s, d a m e sm a fo rm a co m o u m a u to r a c a b a se
rev elan d o através d e seus p e rso n a g en s, é m u ito freq ü en te n o s
rev elarm o s através d a q u ilo que o cu ltam o s. Som os o cu ltação e reve­
lação.
AS CA TE G OR IA S FUNDAM ENTAIS D A PSICOLOGIA SOCIAL W

A té a g o ra fala m o s das pessoas co m o se elas fossem de u m a


d e te rm in a d a fo rm a e n ã o se m o d ificassem , o q u e é falso. Basta
o b serv arm o s nossos próxim os, b a s ta nos o b serv arm o s. No m ín im o ,
as p esso as ficam m a is velhas: a c ria n ç a se t o r r a ad ulto; o a d u lto ,
a n cião . No m á x im o ... o que seria no m áx im o ? “ Não reconheço m a is
F u la n o , é o u tra pessoa!*1 Há m u d a n ç a s m a is ou m enos previsíveis,
m ais ou m enos desejáveis, m ais ou m e n o s controláveis, m a is ou
m e n o s,.. m u d a n ç a s. O e stu d a n te q u e se to rn a um p ro fissio n al
depois de fo rm a d o re p re se n ta u m a m u d i n ç a b em m ais previsível do
que a do jo vem , nosso am igo de in fân c ia, q u e se to rn a um crim in o so
(ê lógico q u e , im p lic itam en te , estam o s ta m b é m c o n sid era n d o c e rta s
condições de classe social); n u m a o u tra situ ação social a p rev isi­
b ilid a d e p o d e ser in v e rtid a , in felizm ente. O u tro exem plo: a m oci­
n h a q u e se to rn a d o na-de-casa, m ãe d e filhos etc. vive u m a
m u d a n ç a m ais desejável do q u e a d a q u e la q u e se to rn a p ro s titu ta
{novam ente h á alg o im plícito nesse ju lg a m e n to : valores, etc.)*
O d esem p re g ad o q u e se to rn a alco ó latra (ou crim inoso, etc.) sofre
u m a m u d a n ç a provavelm ente m enos c o n tro láv el do q u e a do
e sc ritu rá rio que se to m a gerente (com o você c o n sid era ria a q u i a
q u estão d e classe» de valores* e tc.?). H á m u d a n ç a s e m u d a n ç a s ...
quem m u d a m ais: o heterossexual q u e se to rn a hom ossexual o u o
a d e p to de u m a religião que se to rn a a te u ? O a lien ad o p o litic a m e n te
que se to rn a revolucionário ou o civil q u e se to rn a m ilita r?
Nós nos to rn a m o s algo que não é ra m o s ou nos to m a m o s algo
que já éra m o s e e stav a com o q u e “ e m b u tid o ” d e n tro de nós? P a rec e
que q u a n d o se tr a t a de algo p o sitiv a m e n te valorizado, a te n d ê n c ia
nossa é a firm a r q u e estava “ e m b u tid o ” em nós ( “ se m p re tive
vocação p a ra ser m é d ico ” ); q u a n d o não desejável, fre q ü e n te m e n te
estava “em butido*1... nos outros ( “ se m p re achei que ele tin h a
p ro p e n sã o p a ra o c rim e ” , que ele tin h a u m je ito de ‘b ic h a ’ ” ).
Q u e d iz er d a jovem q u e se te m a d o n a -d e -c a sa ? E d o religioso q u e se
to rn a a teu ? O e sc ritu rá rio que se to rn a g e re n te está realizan d o u m a
“ te n d ê n c ia ” , u m a “ v o c a ç ã o 1?
P o d em o s im a g in a r as m ais diversas com binações p a r a c o n ­
figurar u m a id e n tid a d e com o u m a to ta lid a d e . U m a to ta lid a d e
c o n tra d itó ria , m ú ltip la e m utável, n o e n ta n to u n a. P o r m ais
c o n tra d itó rio , p o r m a is m utável q u e seja, sei q u e sou eu q u e sou
ussitn, o u seja, sou u m a u n id ad e de c o n trá rio s , sou uno na m u ltip li­
cid ad e e n a m u d a n ç a .
Q u a n d o nossa u n id a d e é p e rc e b id a com o a m eaçad a , q u a n d o
co rrem o s o risco de n ão sab er quem so m o s, q u a n d o nos sen tim o s
62 A NT ON IO D A COSTA CIAMPA

d esag re g a n d o , te m o s m a u s p re sse n tim e n to s, tem os o p re s s e n ti­


m e n to de que vam os en lo u q u ecer; a p re n d e m o s a te r h o rro r de
serm ds “ o u tro 1' (q u a n d o q uerem os o fe n d e r alg u ém c a n ta ro la m o s
um re frã o b astan te conhecido: *' F u la n o n ão é m a is aquele. .Z 1); não
é à to a q u e o tipo clássico d e p ia d a d e louco envolve alg u ém que diz
q ue é q u e m não ê: “ N ap o leão ” , “ Jesu s C risto ’’, e tc .; nestes casos, é
fácil v erificar que ele n ào é quem diz q u e é. P o rém , será sem p re fácil
sa b e r q u e alg u ém é (ou n ão é) q uem d iz q u e é? N um certo sentido,
p o d e-se co n sid e ra r a c h a m a d a " d o e n ç a m e n ta l” com o um p ro b le m a
de id e n tid a d e : o '"louco" é nosso “ o u tro ” , ta n to q u a n to o “ c u ra d o ”
é o o u tro do “ lo u co ” . N ão afirm a o d ito p o p u la r q u e “ de m édico e de
louco c a d a um te m um p o u c o ” ?
D esd e o início estam o s jo g a n d o p e rg u n ta s em cim a de p e r ­
g u n ta s, p ro v o cativ am en te, p a ra u m a q u estão que p a re c ia tão
sim ples. T alvez valesse a p e n a se g u ra r essas d u v id as e e x a m in a r a
q u e stã o d e fo rm a m enos in te rro g a tiv a . V am o s te n ta r se p a ra r dois
tipos de p ro b lem a: os de n a tu re z a em p íric a , p rá tic a , e os de
n a tu re z a teórica e filosófica.

No princípio era o verbo

Q u a n d o q u erem o s co n h ec er a id e n tid a d e de alguém , q u an d o


nosso objetivo é s a b e r q u e m alguém é , n o ssa d ificu ld ad e consiste
a p e n a s em o b ter a s in form ações n ecessárias. O p a i que d eseja s a b e r
q u em são os am igos q u e a n d a m com seu filho, a m ã e que p ro c u ra
c o n h e c e r o n am o ra d o d a filha, o e m p re g a d o r q u e seleciona um
c a n d id a to p a ra tra b a lh a r, o co m ercian te {lojista ou b an q u e iro ) que
p ro c u ra se a sseg u rar d a cred ib ilid ad e d e u m clien te a q u em v a i fazer
um em p réstim o , to d o s eles p ro c u ra m “ to m a r in fo rm açõ es” através
dos m a is variados m eios e form as; a n a tu re z a das in fo rm açõ es p o d e
v a ria r, m as todas têm em co m u m o fato de p e rm itire m um c o n h ec i­
m e n to d a id e n tid a d e d a p esso a a resp eito de q u e m as in fo rm açõ es
são to m a d a s.
A ssim , o b ter as in form ações n ece ssárias é u m a q u estão p r á ­
tica: q u a is as in form ações significativas, q u a is as fontes confiáveis
(q u em d á as “ referên c ias” ), de q u e fo rm a o b te r as inform ações»
com o in te rp re ta r e a n a lis a r essas in fo rm açõ es etc. E n fim , o m esm o
p ro c e d im e n to que u m cien tista ad o ta a o fazer u m a p e sq u isa em p í­
ric a (talvez sem a sofisticação h a b itu a l n u m a p esq u isa c ie n tífic a ..
A 5 CATEGORIAS FU ND A M EN TA IS D * PSICOLOGIA SOCIAL *3

A q u i, n à o p rò b le m a tiz a m o s o re s u lta d o o b tid o ; n ã o c o m p li­


cam os a q u estão ; su p o m o s que as in fo rm açõ es nos revelam a re a li­
dad e.
E s s a cren ça é a m e sm a q u e guia n o ssa s ações m ais c o rri­
q u e ira s d a vida c o tid ia n a . Nossos ritu a is sociais escondem a
d ific u ld a d e im p líc ita n e ssa m a n e ira de p e n s a r e d e agir; é fácil
im a g in a r co m o se to rn a ria difícil conviver co m o u tra s pessoas se n à o
houvesse a suposição c o m p a rtilh a d a p o r to d o J.n ó s d e q ue, n o rm a l­
m e n te , u m indivíduo é a p esso a q u e diz que é (e que os outros dizem
que é). P en se n u m a ap re se n ta ç ã o social: u m am igo ch eg a com u m
desco n h ecid o e diz: “ E ste é F u lan o , m e u c o le g a ” e, após você o
c u m p rim e n ta r, o novo conh ecid o diz; “ M u ito p ra z e r, sou F u la n o ’'
ou e n tã o “ Sou F u lan o , a seu d isp o r” , etc.
Se as in fo rm açõ es são verd ad eiras, e n tã o a realid ad e e s tá
c o n h e c id a (pelo m en o s agim os com o se estivesse: depois de u m a
a p re se n ta ç ã o , dizem os q u e o a p re se n ta d o é nosso “ conhecido11...) .
C om o são fo rn ecid as essas in fo rm açõ es?
A fo rm a m ais sim ples, h a b itu a l e in icial é fo rn ecer um nom e,
um su b sta n tiv o ; se o lh a rm o s o dicionário, verem os que su b stan tiv o é
a p a la v ra q u e d esigna o ser» que n o m ç ia o se r. Nós nos identificam os
com nosso nom e, que n o s identifica n u m c o n ju n to de o u tro s seres,
q u e in d ic a nossa sin g u la rid ad e: nosso n o m e p ró p rio . F alam o s
“ ch a m o -m e F u la n o ” , sem p re s ta r m u ita a te n ç ã o ao fato de q u e,
an tes q u e eu “ m e ch a m a sse F u la n o ” , eu “e r a c h a m a d o F u la n o ” , ou
seja, n ó s no s c h a m a m o s da fo rm a com o os o u tro s nos c h am am . N ós
nos “ to rn a m o s” nosso n o m e : pense em você m esm o com o u tro n o m e
(n à o com o o u tra p esso a, m as você m esm o co m o u tro nom e); h á um
se n tim e n to d e e stra n h e z a , p arece que não “ e n c a ix a ” - G e ra lm e n te as
pessoas se sen tem o fen d id a s q u a n d o , p o r q u a lq u e r m otivo, tro ­
cam os seu nom e; é sin a l de am izad e e re sp e ito n à o esq u ecer nem
c o n fu n d ir o nom e das p esso as que p reza m o s.
A n ã o ser em casos excepcio nais, o p rim e iro g ru p o social do
q u al fazem os p a rte é a fam ília, e x a ta m e n te q u em nos d á nosso
nom e. N osso p rim e iro n o m e (pren o m e) n o s d ifere n cia de nossos
fam iliares, e n q u a n to o ú ltim o (so b ren o m e) nos ig u a la a eles.
D ife re n ç a e ig u a ld a d e . É u m a p rim e ira n o ção de id e n tid a d e .
S ucessivam ente, vam os nos d ife re n c ia n d o e nos ig u a la n d o
c o n fo rm e os vários g ru p o s sociais de q u e faze m o s p a rte : b rasileiro ,
igual a o u tro s b rasileiro s, diferente d o s e stran g e iro s ( “ n ós os
b ra sile iro s so m o s... e n q u a n to os e stra n g e iro s S ã o ...” ); h o m em ou
n iu lh e r ( “ os hom ens s ã o ... e n q u a n to as m u lh eres s â o ...1'). O s
64 AN TONIO DA C OSTA C1AMPA

exem p lo s p odem se m u ltip lic a r in d e fin id a m e n te (" o s c o rin tian o s


s ã o ... e n q u a n to os to rce d o res dos o u tro s c lu b e s s&o.. . ” ).
O co n h ecim en to d e si é d a d o p elo re c o n h e c im e n to reciproco
dos indivíduos id e n tific a d o s atra v és d e u m d e te rm in a d o g ru p o social
q u e ex iste o b je tiv am en te , com s u a h istó ria , su as trad içõ es, suas
n o rm a s , seus in teresses, etc.
(U m g ru p o p o d e existir o b je tiv am en te , p o r exem plo, u m a
classe soci&l, m a s seus c o m p o n en tes p o d em n ã o se id e n tific a r com o
seus m e m b ro s, e nem se reco n h ecerem re cip ro cam e n te, Ê fácil,
p a re c e , p e rc e b e r as con seq ü ên cias d e ta l fato , seja p a r a o indivíduo,
seja p a r a o g ru p o social.)
M as, se é v e rd a d e que m in h a id e n tid a d e é c o n stitu íd a pelos
diversos g ru p o s de que faço p a rte , e s ta c o n s ta ta ç ã o pode nos levar a
u m e rro , q u al seja o de p e n s a r que o s su b sta n tiv o s com o s quais nos
descrevem os ( “ sou b rasileiro ” , “ sou h o m e m ” , e tc .) ex p ressam ou
in d ic a m u m a su b stâ n c ia ( " b ra s ilid a d e ” , “ m a sc u lin id a d e ” , e tc .) que
nos to rn a ria u m sujeito im utável, id ê n tic o a si-m esm o, m a n ifestaç ão
d a q u e la su b stân cia.
P a r a c o m p re en d erm o s m e lh o r a id é ia de ser a id e n tid a d e
c o n s titu íd a pelos g ru p o s de q u e faze m o s p a rte , faz-se necessário
refle tirm o s com o u m g ru p o ex iste o b jetivam ente: a tra v é s das
relações que estab elecem seus m e m b ro s e n tre si e com o m eto o n d e
vivem , isto é, p e la su a p rá tic a , p elo seu a g ir (n u m sentido a m p lo t
p o d em o s dizer pelo seu tra b a lh o ); ag ir, tra b a lh a r» fazer, p e n sa r,
se n tir, e tc., já n ão m a is su b stan tiv o , m a s verbo. U sam os ta n to o
su b stan tiv o q u e esquecem os do fa to o rig in al do agir: Ev& c o m e u a
m açã; P ro m e te u ro u b o u o fogo d o s céus; O x a li com seu cajad o
sep a ro u o m u n d o dos h o m en s do m u n d o dos deuses. C om o devem os
dizer: o p e c a d o r p eca , o d eso b ed ie n te desobedece, o tra b a lh a d o r
tra b a lh a ? Ao d iz e r assim , estam o s p re s s u p o n d o an tes d a açã o , do
fa z e r, u m a id e n tid a d e d e p eca d o r, d e d e so b ed ien te, de tra b a lh a d o r,
e tc .; c o n tu d o é p e lo a g ir, p elo fa z e r, q u e alg u ém se to r n a algo: ao
p e c a r, p ecad o r; ao desobedecer, d eso b e d ie n te ; ao tra b a lh a r, tr a b a ­
lh a d o r.
E sta m o s c o n s ta ta n d o talvez u m a obvied ad e: nós som os nossas
ações, nós nos fazem os p ela p r á tic a (a n ão se r p o r gozação, você
c h a m a ria “ tra b a lh a d o r” alg u ém q u e n ã o tra b a lh a sse ? ).
£ essa o b v ie d ad e q u e nos co lo ca fre n te a u m com plicadíssim o
p ro b le m a teórico.
A té a q u i está v a m o s tra ta n d o a id e n tid a d e com o u m “ d a d o 1* a
ser p e sq u isa d o , com o um p ro d u to p re e x iste n te a ser conhecido,
AS CA TEGORIAS FU NDAM ENTAIS D A PSICOLOGIA SOCIAL 69

d e ix a n d o de la d o a q u e stã o fu n d a m e n ta l d e sa b e r com o se d à esse


d a d o , com o se p ro d u z esse p ro d u to . A re s p o s ta à p e rg u n ta “ quem
sou e u ? ” é u m a rep rese n ta ç ã o d a id e n tid a d e . E n tão , to m a -s e
necessário p a rtir d a representação* com o u m p ro d u to , p a ra a n a lis a r
o p ró p rio processo de p ro d u ção .

Uma questão complicada

O q u e é id e n tid a d e ?
J á vim os q u e n o s satisfazer com a co n ce p ç ã o de que se t r a t a d a
re sp o sta d a d a à p e rg u n ta “ quem sou e u ? ” é p o u co , é in satisfató rio .
E la c a p ta o a sp ecto re p re se n ta c io n a l d a noção de id e n tid a d e
(e n q u a n to p ro d u to ), m a s deixa de lado seus aspectos constitutivo,
de p ro d u ç ã o , bem com o as im p licações recíp ro cas destes dois
aspectos.
M esm o assim , nosso p o n to de p a r tid a p o d e rá ser a p ró p ria
re p re se n ta ç ã o , c o n sid e ra n d o -a ta m b ém co m o processo d e p ro d u ç ã o ,
de ta l fo rm a que a id e n tid a d e passe a ser e n te n d id a com o o p ró p rio
processo de id en tificação .
D iz e r q u e a id e n tid a d e de u m a p esso a é u m fenôm eno social e
não n a tu ra l é aceitável p ela g ran d e m a io ria dos cien tistas sociais.
E x a ta m e n te isso nos p e rm itirá c a m in h a r. C om efeito, se e s ta ­
b elecerm os u m a d istin ção en tre o o b je to d e n o ssa rep rese n ta ç ã o e a
sua re p re se n ta ç ã o , verem os que am bos se a p re se n ta m com o fe n ô ­
m enos sociais, co n seq ü en tem en te com o o b je to s sem c a ra c te rístic a s
de p e rm a n ê n c ia , n ão sen d o in d ep e n d e n te s u m do ou tro .
N ão podem os iso la r de u m la d o todo um c o n ju n to de
elem en to s — biológicos, psicológicos, sociais, etc, — que p o d em
c a ra c te riz a r u m in d iv íd u o , id en tifican d o -o , e d e o u tro la d o a
re p re se n ta ç ã o desse indiv íd u o com o u m a d u p licaçã o m e n tal ou
sim bólica, q u e exp ressaria a sua id e n tid a d e . Isso p o rq u e h á com o
que u m a in te rp e n e tra ç ã o desses dois a sp ecto s, de ta l fo rm a q u e a
in d iv id u a lid a d e d a d a já pressupõe u m p ro cesso a n te rio r de re p re ­
sen ta ç ã o q u e faz p a r te d a co n stitu ição do indiv íd u o re p re se n ta d o .
Por exem plo, a n te s d e nascer, o n a sc itu ro já é rep rese n ta d o com o
filho d e alg u ém e essa re p re se n ta ç ã o p rév ia o co n stitu i efetivam ente,
o b je tiv am en te , com o “ filho” , m e m b ro de u m a d e te rm in a d a fa m í­
lia; p o sterio rm en te , essa rep resen tação é assim ila d a pelo in divíduo
í \ c ta l fo rm a q u e seu processo in te rn o d e rep rese n ta ç ã o é in c o r­
p o ra d o n a su a o b je tiv id ad e social co m o filho d a q u e la fam ília.
66 ANTONIO D A COSTA CIAMPA

É v erd ad e q u e não b a s ta a re p re se n ta ç ã o prévia. O n asc itu ro ,


u m a vez nascido, co n stitu ir-se -á com o filho n a m e d id a em que as
relações n a s quais esteja envolvido c o n c re ta m e n te co n firm em essa
re p re se n ta ç ã o atrav és de c o m p o rta m e n to s q u e reforcem su a c o n d u ta
com o filho e assim p o r d ia n te . T em os de co n sid e ra r ta m b é m esse
a sp ecto operativo (e n ão só o re p re se n tac io n a l).
C o n tu d o , é n a m e d id a em que é p re s s u p o sta a id en tificação d a
c ria n ça com o filho fe dos ad u lto s em q u e stã o com o pais) que os
c o m p o rtam e n to s vão ocorrer» c a ra c te riz a n d o a rela ção p a te rn o -
filial.
D e s ta form a, a id e n tid a d e do filho, se de um lado é
c o n seq ü ên c ia das relaçõ es q u e se dão, d e o u tro — com a n te rio rid a d e
— é u m a co ndição dessas relações. O u seja, é p re ssu p o sta u m a
id e n tid a d e q u e é re -p o sta a c a d a m o m e n to , sob p e n a de esses o bjetos
sociais “ filh o ” , “ p a is ” , “ fam ília*', e tc ., d eix arem de existir objeti­
v a m e n te (a in d a q u e p o ssa m sobreviver seus org an ism o s físicos,
m eros su p o rte s q u e e n c a rn a m a o b je tiv id ad e do social).
Isto in tro d u z u m a com plexidade q u e deve ser co n sid e ra d a
aq u i. U m a vez q u e a id e n tid a d e p re s s u p o sta é reposta, ela é vista
com o d a d a — e n ão com o s e d a n d o n u m c o n tín u o processo de
id e n tificação . É com o se u m a vez id e n tific a d a a pessoa, a p ro d u ç ã o
de su a id e n tid ad e se esgotasse com o produto* N a lin g u ag em
co rre n te dizem os “ e u sou filho” ; d ificilm en te alg u ém d irá “ estou
sendo filh o ” .
D a í a ex pectativa g e n era liza d a d e q u e alguém devè agir de
aco rd o com o que é (e co n se q ü e n te m e n te ser tra ta d o com o ta l). D e
c e rta fo rm a, re-atu alizam o s através d e ritu a is sociais u m a iden­
tid a d e p ressu p o sta q u e assim é rep o sta co m o algo j á dado, re tira n d o
em co n seq ü ên cia o seu c a rá te r d e h isto ric id a d e , ap ro x im a n d o -a
m a is d a no ção de u m m ito que p rescrev e as c o n d u ta s co rretas,
re p ro d u z in d o o social.
O c a rá te r te m p o ra l d a id e n tid a d e fic a re s trito a um m o m en to
o rig in ário , q u a n d o nos “ to rn a m o s” alg o ; p o r exem plo, “ sou
p ro fe sso r” ( = “ to rn ei-m e p ro fesso r” ) e d e sd e q u e essa identificação
existe m e é d a d a u m a id e n tid a d e de “ p ro fe sso r” com o u m a posição
(assim com o “ filho** ta m b é m ). E u com o ser social sou u m ser-posto.
A posição d e m im (o eu ser-posto) m e id e n tifica, d iscri­
m in a n d o -m e com o d o ta d o de certos a trib u to s q u e m e d ão u m a
id e n tid a d e c o n sid era d a fo r m a lm e n te co m o atem p o ra l. A re-posiçâo
da id e n tid a d e deixa d e ser vista co m o u m a sucessão te m p o ral,
AS CATEGORIAS FU NDA M E NTA IS DA PSICOLOGIA SOCIAL 67

p a ssa n d o a ser vista com o sim ples m a n ife sta ç ã o de u m ser idêntico a
si-m esm o n a sua p e rm a n ê n c ia e estab ilid ad e.
A m esm ice de m im é p ressu p o sta com o d a d a p e rm a n e n te m e n te
e n ã o com o reposição d e u m a id e n tid a d e q u e u m a vez foi p o sta .
V ejam os u m exem plo: q u a n d o alg u é m é iden tificad o com o
" p a i” ? P ode-se re sp o n d e r q u e é q u a n d o n asce u m a c ria n ç a g e ra d a
por esse indivíduo; esse fato, c o n tu d o , assim co n sid erad o a in d a é
um fa to físico, e ser “ p a i" é um fato social.
A p a te rn id a d e to rn a -se uni fenôm eno social q u a n d o aq uele
evento físico é classificado com o tal, p o r ser c o n sid e ra d o eq u iv alen te
a o u tra s p a te rn id a d e s prévias. O p ai se id e n tific a (e é iden tificad o )
com o ta l p o r se e n c o n tra r n a situ ação e q u iv alen te de o u tro s p ais
t afin al, ele ta m b ém é filho de u m p ai), Se ele é p a i e a m esm ice de si
está a sse g u ra d a , sua id e n tid a d e de p ai e stá c o n s titu íd a p e rm a n e n ­
tem en te; de fato, ele se “ to rn o u ” p a i e assim p e rm a n e c e rá e n q u a n to
reco n h ecer e for re co n h e cid a essa id e n tid a d e , ou seja, e n q u a n to e la
estiver sen d o resposta co tid ia n a m e n te . O ra , m a s ao m esm o tem p o
ele ta m b é m é filho; esse “ o u tro ” q u e ele é, é n e g a d o n a su a p osição
com o p a i, pois se ele perm anecesse com o filho, a posição de seu filho
e staria a m e a ç a d a , j á que a diferença n ão se e stab e lece ria.
D e ssa form a, c a d a posição m in h a m e d e te rm in a , fazendo com
que m in h a existência co n c re ta seja a u n id a d e d a m ultip licid ad e, q u e
se re a liz a pelo desenvolvim ento dessas d eterm in a çõ es.
E m c a d a m o m en to de m in h a ex istên cia , e m b o ra eu seja u m a
to ta lid a d e , m an ifesta-se um a p a rte de m im com o d e sd o b ra m e n to
das m ú ltip la s d eterm in açõ es a que estou sujeito. Q u a n d o e sto u
íren te a m e u filho, relaciono-m e com o p ai; com m e u pai, co m o
filho; e assim por d ia n te . C o ntudo, m eu filh o n ão m e vê a p e n a s
com o p a i, nem m eu p a i a p e n a s me vê com o filho; nem eu co m p areço
fren te aos o u tro s a p e n a s co m o p o rta d o r de u m ún ico p a p e l, m as sim
com o o rep re se n ta n te de m im , com to d a s m in h a s determ in açõ es q u e
me to rn a m um indiv íd u o concreto. D esta fo rm a , estabelece-se u m a
in trin c a d a réde de rep resen taçõ es q u e p e rm e ia to d a s as relações,
onde c a d a id e n tid a d e refle te o u tra id e n tid a d e , d e sap arec en d o q u a l­
q u e r p o ssib ilid ad e de se estab e lece r um fu n d a m e n to o rig in ário p a r a
c a d a u m a delas.
E ste jo g o de reflexões m ú ltip las q u e e s tru tu ra as relações
sociais é m a n tid a p ela ativ id ad e dos in d iv íd u o s, d e ta l fo rm a q u e é
licito dizer-se que as id e n tid a d e s, no seu co n ju n to , refletem a
e s tru tu ra social ao m esm o tem po q u e re a g e m sobre ela c o n se r­
van d o -a ou a tra n sfo rm a n d o .
68 AN TO N IO DA COSTA CIAM PA

A s atividades de indivíduos id e n tific a d o s são n o rm a tiz a d a s


te n d o em v ista m a n te r a e s tru tu ra so cial, vale d izer, conservar as
id e n tid a d e s p ro d u z id a s, p a ra lisa n d o o p ro cesso d e identificação
p e la re-p o siçã o d e id e n tid a d e s p re ssu p o sta s, q u e u m d ia fo ram
po stas.
A ssim , a id e n tid a d e que se c o n s titu i no p ro d u to d e u m
p e rm a n e n te processo de id e n tificação a p a re c e com o u m d a d o e não
com o u m dar-se c o n sta n te q u e ex p re ssa o m ovim ento do social.

P a r a p rosseguirm os, h á n ecessid ad e de u m a rá p id a dig ressão


sobre o m ovim ento do social: ele é, em ú ltim a análise, a H istó ria,
A H istó ria é a pro g ressiv a e c o n tín u a h o m in izaç ão do H om em ,
a p a r tir do m o m en to q u e este, d iferen cian d o -se do an im al, p ro d u z
su as condições de existência, p ro d u z in d o -se a si m esm o conse­
q ü e n te m e n te .
A H istória, e n tã o , com o a en te n d e m o s, é a h istó ria d a
a u to p ro d u ç ã o h u m a n a , o q u e faz do H o m e m u m ser de possib i­
lid a d e s, q u e com põem sua essência h istó ric a . D iferentes m o m en to s
h istó ric o s podem favorecer ou d ific u lta r o desenvolvim ento dessas
p o ssib ilid a d e s de h u m a n iz a ç ã o do H o m e m , m as é certo que a
c o n tin u id a d e desse desenvolvim ento (c o n cretiza ção ) co n stitu i a
s u b s tâ n c ia do H om em (o co n cre to , q u e em si é possibilidade e, pela
c o n tra d iç ã o in te rn a , desenvolve-se le v a n d o as diferenças a exis­
tire m , p a r a serem su p e ra d a s); aq u ela só d e ix a rá de existir se n ã o
m a is e x istir n em H istó ria n em H u m a n id a d e .
A ssim , o H om em com o espécie é d o ta d o d e u m a su b stân cia
q u e t e m b o ra não c o n tid a to ta lm e n te em c a d a indivíduo, faz deste
u m p a rtic ip a n te dessa su b stâ n c ia Q k que c a d a hom em e stá e n re d a d o
n u m d e te rm in a d o m odo de a p ro p ria ç ã o d a n a tu re z a no q u al se
c o n fig u ra o m odo d e ‘ su as relações com os dem ais hom ens).
E n tã o , eu — com o q u a lq u e r se r h u m a n o — p a rtic ip o d e um a
s u b s tâ n c ia h u m a n a , que se re a liz a com o h is tó ria e com o sociedade,
n u n c a co m o indivíduo isolado, sem pre co m o h u m a n id a d e .
N esse sentido, em b o ra n ão to d a e la , eu c o n ten h o u m a infi-
n itu d e d e h u m a n id a d e (o q u e m e faz u m a to ta lid a d e ), que se realiza
m a te ria lm e n te de fo rm a co n tin g en te ao te m p o e ao espaço (físicos e
sociais), d e ta l m odo q u e c a d a in sta n te d e m in h a existência com o
in d iv íd u o é u m m o m e n to de m in h a c o n c re tiz a ç ã o (o que m e to rn a
p a r te d a q u e la to talid a d e ), em que sou n e g a d o (com o to talid ad e),
se n d o d eterm in a d o (co m o p a rte ); assim , e u existo com o neg ação de
AS CATEGORIAS FU NDA M E NTA IS DA PSICOLOGIA SOCIAL «9

m im -m esm o, ao m esm o te m p o que o q u e estou-sendo so u


eu-m esm o.
E m conseq ü ên cia, sou o q u e esto u -sen d o (u m a p arce la de
m in h a h u m a n id a d e); isso m e d á u m a id e n tid a d e que m e n ega
n aq u ilo q u e sou sem e star-sen d o (a m in h a h u m a n id a d e to tai).
E ssa id e n tid a d e q u e surge com o re p re se n ta ç ã o de m eu e sta r-
sendo se converte n u m p re ssu p o sto de m eu s e r (com o to talid ad e), o
que, fo r m a lm e n te , tra n s fo rm a m in h a id e n tid a d e co n creta (e n te n ­
d id a co m o u m d a r-se n u m a sucessão te m p o ra l) em id e n tid a d e
a b s tra ta , n u m d a d o a te m p o ra l — sem p re p re s e n te (e n te n d id a co m o
id e n tid a d e p re ssu p o sta re-p o sta),
Isso ocorre p o rq u e co m p areço p e ra n te o u tre m com o re p re ­
se n ta n te d e m im -m esm o a p a rtir dessa p ressu p o sição de id e n tid a d e
— q u e se e n c a rn a com o um a p a rte de m im -co m o to ta lid a d e . E ssa
id e n tid ad e p re ssu p o sta n ão é u m a sim p les im agem m ental de
m im -m e sm o t pois ela se configurou n a re la ç ã o com o u trem q u e
la n ib ém m e iden tifica co m o id êntico a m im -m esm o; desse m odo, ao
me o b je tific a r (e ser o b jetificad o p o r o u tre m ) p elo c a rá te r a te m p o ra l
fo rm a lm e n te a trib u íd o à m in h a id e n tid a d e , o q u e esto u sendo com o
p a rte su rg e com o e n c a rn a ç ã o d a to ta lid a d e d e m im (seja p a ra m im ,
seja p a r a ou trem ); isso co n fu n d e o m e u c o m p arecim en to fren te a
o u tre m (em com o re p re se n ta n te de m im ) com a expressão d a
to ta lid a d e do m eu se r (d e m im com o re p re se n ta d o ).
Isto se d á p o rq u e c a d a co m p a re c im e n to m eu frente a o u tre m
envolve rep resen ta çã o n u m tríplice sentido:
1) eu rep resen to e n q u a n to esto u se n d o o rep resen ta n te de
m im (com u m a id e n tid a d e p ressu p o sta e d a d a fan ta sm ag o ri-
c a m e n te com o sem p re id ê n tica );
2) eu rep resen to , em con seq ü ên cia, e n q u a n to d e se m p e n h o
p a p é is (d ec o rre n te s de m in h a s posições) o c u lta n d o o u tra s p a rte s d e
m im n ã o c o n tid a s n a m in h a id e n tid a d e p re s s u p o sta e re-p o sta (caso
co n trá rio e u n ào sou o re p re se n ta n te de m im );
3) eu rep resen to , fin alm en te, e n q u a n to re p o n h o no p re se n te o
que te n h o sido, e n q u a n to reitero a a p re se n ta ç ã o de m im — re-apre*
sen tad o com o o q u e e sto u sendo — d a d o o c a rá te r fo rm a lm e n te
a te m p o ra l a trib u íd o à m in h a id e n tid a d e p re s s u p o sta q u e e stá sen d o
reposta, e n co b rin d o o v erd ad eiro c a rá te r su b sta n c ia lm e n te te m p o ra l
de m in h a id e n tid a d e (com o u m a sucessão do q u e esto u sendo, co m o
devir).
A o m e re p re s e n ta r (no p rim eiro s e n tid o — re p re se n ta n te d e
m im ), tra n sfo rm o -m e n u m desigual de m im p o r re p re se n ta r (n o
70 ANTONIO DA COSTA CIAMPA

seg u n d o sen tid o — d esem p e n h o de p a p é is) u m “ o u tro ” que sou eu


m esm o (o que estou sen d o p a rc ia lm e n te , com o d e sd o b ra m e n to de
m in h a s m ú ltip la s d e term in a çõ es, e que m e d e te rm in a e p o r isso m e
n eg a), im p ed in d o que eu deixe de re p re s e n ta r (n o terc eiro se n tid o —
re -ap re se n ta ç ã o ) p a ra e x p ressar o o u tro “ o u tr o ” que ta m b é m sou eu
(o q u e sou sem estar sendo) — que n e g a ria a n eg ação de m im
in d ic a d a pelo re p re se n ta r no sen tid o a n te n o r (o segundo).
O ra , essa expressão do o u tro “ o u tro ” q u e ta m b ém sou. eu
co n siste n a “ a lteriz açào “ d a m in h a id e n tid a d e , n a su p re ssã o de
m in h a id e n tid a d e p re ssu p o sta e n o desenvolvim ento de u m a
id e n tid a d e p o s ta com o m e ta m o r fo s e c o n s ta n te em q u e to d a h u m a ­
n id a d e c o n tid a em m im p u d esse se c o n c re tiz a r p e la negação (não
re p re s e n ta r no terceiro sentido) do q u e m e nega (re p re s e n ta r no
seg u n d o sentido), de fo rm a q u e e u p o ssa — com o p o ssib ilid ad e e
te n d ê n c ia — rep re se n ta r-m e (no p rim e iro sentido) sem pre com o
d ife re n te de m im m esm o — a fim de e s ta r se n d o m ais p le n am en te.
O u seja: só posso co m p arecer no m u n d o fre n te a o u trem
efe tiv a m e n te com o re p re s e n ta n te do m e u s e r real q u a n d o o c o rre r a
n eg aç ão d a negação, e n te n d id a com o d e ix a r de p resen tific a r u m a
a p re s e n ta ç ã o d e m im q u e íoi c rista liz a d a e m m om entos an terio res
— d e ix a r de re p o r u m a id e n tid a d e p re s s u p o sta — ser m ovim ento,
s e r p ro cesso , o u , p a ra u tiliz a r u m a p a la v ra m ais sugestiva se bem
q u e p o lê m ica , se r m e ta m o rfo se .

Nem aitfo, nem besta: apenas homem

A a n álise teórica fe ita até a q u i in v e rte to ta lm e n te a noção


tra d ic io n a l que se tem d e id e n tid a d e , ou seja, “ o que é, ê**; “ u m ser
é id ê n tic o a ele m esm o“ : isso deco rreria d a n e c e ssid a d e p a ra o ser de
ser o q u e é.
M a s, o que q u er d iz e r “ o se r ser o q u e é ” ?
V ejam os u m exem plo clássico: u m a se m e n te j á co n tém em si
u m a p e q u e n a p la n tin h a , a p la n ta p le n a m e n te desenvolvida e seus
fru to s, de o n d e sairão novas sem en tes. E n tã o , ser sem en te é ser
se m e n te , m a s n ã o só a m e sm a sem en te, co m o ta m b é m a p la n tin h a ,
a p la n ta desenvolvida, o fru to e a nova se m e n te , u m a m u ltip licid ad e
q u e , n a tu ra lm e n te , j á e s tá c o n tid a n a sem en te e que se concretiza
p e la tra n s fo rm a ç ã o em fru to , ou seja, pelo faze r-se o u tro p a r a en tão
r e to rn a r a si m esm o (o u tro o u tro ). São d istin to s m om entos cu ja
AS CATEGORIAS FU NDA M E NTA IS DA PSICOLOGIA SOCIAL 71

u n id a d e c o n stitu i o co n creto , u m a u n id a d e m ú ltip la , com o vim os, e


ta m b ém c o n tra d itó ria , pois a sem en te n ã o p erm a n e c e com o se­
m e n te p a r a ser o que é; e la precisa ser n e g a d a , m o rre r: u m a sem en te
que perm anecesse in d e fin id a m e n te s e m e n te ... n ão seria sem ente!
N ão g e rm in a ria , n ão se ria n eg ad a ; ela p re c isa d eix ar de ser sem ente
p a ra ser p le n a m e n te s e m e n te ...
E n tã o r “ o ser s e r o q u e é ” im p lic a o seu desenvolvim ento
co n creto ; a su p era ç ã o d ia lé tic a d a c o n tra d iç ã o que opõe D m e O u tro
fazen d o devir u m o u tro o u tro que é o U m que co n tém am b o s.
E p a ra o H o m em : o que é p a r a o s e r h u m a n o ser o que é?
V o ltem o s a u m a a firm a ç ã o feita a n te rio rm e n te sobre o m ovi­
m ento do social, o q u a l constitui a H istó ria : ela é a p rogressiva e
c o n tín u a h o m in izaçâo d o H om em ! a p a r ti r do m o m en to em q u e
este, difere n cian d o -se do an im al, p ro d u z su a s condições de e x is­
tê n cia, p ro d u z in d o -se a si m esm o c o n seq ü en tem en te.
A ssim , o existir h u m a n a m e n te n ão e s tá g a ra n tid o de an te m ã o ,
nem é u m a m u d a n ç a q u e se d á n a tu ra lm e n te , m e can ic am en te —
e x a ta m e n te p o rq u e o h o m e m é histórico. E , a fin a l, a H istó ria n e m é
u m D eu s q u e co n d u z os hom ens a seus desíg n io s secretos, nem é u m
processo com u m fim ú ltim o ; isto seria re d u z ir o hom em à c o n d i ç ã o
de coisa, d esconhecer a in fin itu d e h u m a n a , conceber os h o m e n s
com o seres que c h e g a rã o a realizar su a p le n itu d e e n a d a m ais
p u d e sse m vir-a-ser depois d e um m o m en to d ad o ; seria c o n sid e ra r
q u e tu d o o que fo ra m , são, serâo e p o d em ser se esgotasse n u m
a b so lu to que negasse a d ia lética do fen ô m e n o h u m a n o ; é v erd ad e
q u e u m fa to o co rrid o é irrecorrível d efin itiv am en te, m as seus
d e sd o b ra m e n to s (assím com o seus significados) são im previsíveis e
su as tra n sfo rm a ç õ e s infindáveis — o que n ã o significa que c e rta s
a lte rn a tiv a s n ão p o ssa m ser im possíveis,
U m a a lte rn a tiv a im possível é o h o m e m d eix ar de ser social e
histó rico ; ele não se ria hom em a b so lu ta m e n te . O u tra im p o ssib ili­
d a d e é d e ix a r de ser ta m b é m um an im al, c o n se q ü e n te m e n te s u b m e ­
tid o à s condições d essa sua n a tu re z a o rg â n ic a (ta l com o a p la n ta à
sua n a tu re z a vegetal). C o n tu d o (e p o r isso foi g rifa d a a p a la v ra
“ ta m b é m ” ), n ão p o d e ser só a n im a l (d a d a s u a n a tu re z a social e
h istó ric a ).
E n tã o , n em anjo, n em b esta, o h o m e m é h o m e m — n ão com o
u m a a firm a ç ã o ta u to ló g ic a — m a s com o u m a afirm a ç ã o d a m a te ­
ria lid a d e d a c o n tín u a e progressiva h o m in iz a ç â o do h o m e m .
D e u m lado, p o rta n to , o h o m e m n ã o e stá lim itad o no seu
v ir-a -se r p o r u m fim p reestab elecid o (c o m o a sem ente); de o u tro ,
72 A N TO N IO D A COSTA CÎAMPA

n ão e stá lib erad o d a s condições h istó ricas em q u e vive, de m o d o que


seu vir-a-ser fosse u m a in d e te rm in a ç ã o a b so lu ta .
A p rim eira c o n s ta ta ç ã o a c im a — d e q u e o vir-a-ser do h o m em
n ão p o d e se co n fu n d ir com o de u m a se m e n te — deve servir p a ra
q u e s tio n a r to d a e q u a lq u e r co ncepção fa ta lis ta , m ecam cista, d e u m
d estin o inexorável, seja n a s su as fo rm as m a is supersticiosas ( “ sou
p o b re p o rq u e D eus q u e r ” , “ nasceu p a ra s e r crim in o so ” , e tc ,), seja
çm fo rm a s m ais sofisticad as de te o ria s pseud o cien tíficas (p o r
ex em p lo em certas versões d e te o rias de p e rso n a lid a d e ).
A seg u n d a c o n sta ta ç ã o — d e q u e o h o m e m n ão está lib erad o
de su a s condições h istó ricas — nos c o lo c a u m p ro b lem a e u m a
ta re fa .
O p ro b lem a consiste em q u e n ão é possível dissociar o estudo
d a id e n tid a d e do in d iv íd u o do d a so cied ad e. As possib ilid ad es de
d ife re n te s configurações de id e n tid a d e e s tã o rela cio n a d a s com as
d ife re n te s configurações d a o rd em so cial. F o g e às fin alid ad e s e aos
lim ites d este artigo a n a lis a r sob q u a is c o n d içõ es vivem os h o je em
n o ssa sociedade b ra sile ira e, c o n seq ü e n te m e n te , com o co n sid e ra r as
a lte rn a tiv a s de id e n tid a d e possíveis a q u i e ag o ra. F iq u e claro,
co n tu d o , q u e u m a an álise geral com o a q u e e s tá sen d o feita p re c isa
ser tra d u z id a p a ra u m a análise das c irc u n stâ n c ia s c o n cre tas e
específicas atu ais; é do co n tex to h istó rico e social em q u e o h o m e m
vive q u e decorrem su a s determ in açõ es e, co n se q ü e n te m e n te , em er­
gem as p o ssib ilid ad es ou im p o ssib ilid ad es, os m odos e as a lte rn a ­
tivas de id e n tid a d e . O fato de viverm os sob o c a p italism o e a
c o m p le x id a d e crescente d a sociedade m o d e rn a im pedem -nos de ser
v e rd a d e ira m e n te sujeitos* A te n d ên cia g e ra l do c a p italism o é
c o n s titu ir o hom em com o m ero su p o rte d o c a p ita i, q u e o d e te rm in a ,
n eg an d o -o e n q u a n to h o m e m , já q u e se to rn a algo coisificado
(to rn a -s e tra b a lh a d o r-m e rc a d o ria e n ão tr a b a lh a a u to n o m a m e n te ;
to m a -s e c a p ita lista -p fo p rie d a d e do c a p ita l e n ão p ro p rie tá rio das
coisas). R eco rren d o a u m a m e táfo ra já u tiliz a d a anteriorm ente* o
h o m em d eix a de s e r verbo p a r a ser su b sta n tiv o . E sta c o n statação
deve s e r e n te n d id a com o in d icaçã o de fa to q u e resu lta h isto ri­
c a m e n te ligado a u m d e te rm in a d o m o d o de p ro d u ç ã o e não com o
algo in e re n te à " n a tu r e z a ” h u m a n a . G e n e ric a m e n te falan d o , a
q u e stã o d a id e n tid a d e se coloca de m a n e ira d ifere n te em d iferen tes
so cied ad es (p ré-c a p ita lista s, c a p ita lista s, p ó s-cap italistas, etc.); h á
esp ecificid ad es inclusive d e n tro d e u m m e sm o m o d o de p ro d u ção ,
lig a d a s à ordem sim b ó lica d e c a d a so cied a d e; h á , q u ase sem p re,
a sobrevivência de fo rm a s arca icas de id e n tid a d e , e tc., etc.
AS CA TEGORIAS FU NDA M E NTA IS D A PSICOLOGIA SOCIAL 73

E ste p ro b le m a , assim fo rm u lad o , su g e re u m a m p lo p ro g ra m a


d t pesq u isas em p íric a s q ue, c ertam en te, m o s tra ria m com o p a n o de
fundo o verdadeiro p ro b le m a de id e n tid a d e do ho m em m od ern o : a
tll&o e n tre o indiv íd u o e a sociedade, q u e faz, com que c a d a
indivíduo n ão re co n h e ça o o u tro com o ser h u m a n o e, co n seq ü en ­
te m ente, n ão se re co n h e ça a si p ró p rio co m o h u m a n o . Isto e s tá
ftliim ex p resso n u m verso m ag istral de M á rio d e A n d ra d e , q u a n d o
(ala de São Paulo:
“ N in g u ém chega a ser u m n e s ta c id a d e .11

"Chegar a ser um” ou (o que é o mesmo)


“ier uma metamorfose ambulante”

Se o p ro b le m a q u e consideram os e s tá n a rela ção indivíduo e


fti>c)edade, que ta re fa d a í decorre?
A realização de u m pro jeto político.
A q u estão d a id e n tid a d e nos re m e te n ecessariam en te a u m
pro jeto político.
T e n ta n d o ex p licar: chegam os até a q u i p a rtin d o d a p e rg u n ta :
"o q u e é p a ra o ser h u m a n o ser o que é ? t1; b u sc a m o s u m a re sp o sta
c o n sid era n d o sua n a tu re z a social e h istó ric a , ex p re ssa p ela “ c o n tí­
n u a e progressiva h o m in izaç ão do h o m e m 1’. C om isso, p ro c u ram o s
esclarecer q u e o h o m e m (em si h u m a n izáv e l), h u m a n iza-se p o r si;
este o devir h u m a n o .
D e s ta form a, o fu tu ro se coloca co m o c o n tín u a e progressiva
realização d a h u m a n id a d e ; p o rém , com o n ã o é possível, aprio ris-
tieam e n te, esg o tar a definição do c o n te ú d o de ser h u m a n o , e s ta
infindável ta re fa se nos im põe de m a n e ira in escap áv el. Não se tra ta ,
ev id en tem en te, de conceitos a b stra to s e definitivos qu e co n sid erem o
hom em com o p u ra consciência, só com o su b jetiv id a d e (este o risco
id ealista); nem ta m b é m de reduzi-lo à sim p les condição de coisa, só
com o objetiv id ad e (e s ta a a rm a d ilh a m a te ría lista -m e c a n ic ista ).
T ra ta -s e de co n sid e ra r a su p eração d ia lé tic a desse dualism o p e la
p r â x is . T ra ta -s e de n ã o c o n tem p lar in e rte e q u ie to a h istó ria. M as,
de se e n g a ja r em p ro jeto s de coexistência h u m a n a que possibilitem
um sen tid o d a h istó ria co m o realização d e u m p o rv ir a ser feito com
os o u tro s. P rojetos q u e n ão se definam a p rio ristic a m e n te p o r u m
m odelo de sociedade e d e hom em , q u e to d o s deveriam sofrer to tali-
la ria m e n te (e id e n tica m en te), m a s p ro jeto s que possam te n d e r,
74 A N TO N IO D A COSTA C IAMPA

con v erg ir ou c o n co rrer p a ra a tra n s fo rm a ç ã o real de nossas


co n d içõ es d e existência, de m o d o que o v e rd a d e iro sujeito h u m a n o
v e n h a à existência. Q u a lq u e r te n d ên cia , convergência ou co n co r­
rê n c ia q u e se arvore em V erd ad e, em ação, em expressão definitiva e
a c a b a d a de um ú n ic o p ro jeto de tra n s fo rm a ç ã o , ab so lu tiza-se,
to rn a n d o -se an tid ia lé tic a , a n ti-h istó ric a , a n ti-h u m a n a .
A fo rm u lação d e ta l p o lític a, de u m a p o lític a de id e n tid a d e do
H o m em d a n o ssa so ciedade, a realização d e tais p rojetos, p a r a ser
c o e re n te com seus p ro p ó sito s h á de ser fe ita coletivam ente e de
fo rm a d e m o c rá tic a (e n te n d id a a q u i c o m o fo rm a rac io n a l). A
q u e stã o se coloca co m o u m a q u estão p r á tic a e com o ta l deve ser
e n fre n ta d a , conscientem ente, p o r n ós — c a d a u m de nós, todos nós.

A cred ito que, além de o u tro s, dois fa to re s p o d em im p ed ir esse


e n g a ja m e n to consciente n u m p ro jeto p o lítico,
O p rim e iro é te r u m a a titu d e , de u m la d o in telec tu al, fren te à
q u e stã o d a relação indiv íd u o e sociedade, sem e lh a n te à q u e la que
nos leva a d iscu tir q u em nasceu p rim eiro , o ovo ou a g alin h a : o que
p revalece, p rim eiro a sociedade ou p rim e iro o indivíduo? D e o u tro
lad o , u m a a titu d e p rá tic a , se m elh an te à do asn o indeciso e n tre deis
m o n te s de feno, p e rm a n e c e n d o no im obilism o: o q u e a ta c a r
p rim e iro , o indivíduo ou a sociedade?
O segundo fator é u m a co ncepção d e id e n tid a d e com o p e rm a ­
n ê n c ia , co m o estab ilid ad e; m a is q u e u m a sim ples co ncepção
a b s tra ta , é viverm os p riv ileg ian d o a p e rm a n ê n c ia e a e sta b ilid a d e , e
p ato lo g iz a n d o a crise e a co n tra d iç ã o , a m u d a n ç a e a tra n s fo r­
m a ç ã o . A ssim , com o q u e esta n c a m o s o m ovim ento, escam oteam os a
c o n tra d iç ã o , im pedim os a su p e ra ç ã o d ia lética.
Id e n tid a d e é m ovim ento, ê desenvolvim ento do concreto.
Id e n tid a d e é m etam orfose.
É serm os o U m e uni O u tro , p a r a q u e cheguem os a se r U m ,
n u m a in fin d áv el tran sfo rm a ç ã o .

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