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Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES

Literatura Africana de Expressão Portuguesa

Avaliação Final

CURSO: Letras Português Período: 8º Turma: Noturno

Professor: Fabiana Cardoso da Fonseca Data: 08 / 08 / 2022 VALOR:

Acadêmico (a): Roger Fernandes Lacerda NOTA_________

Com base na obra literária apresentada no Seminário de Literatura Africana,


explique o recorte analítico dado pela tese que subsidiou a apresentação. Seu
texto deve ter originalidade, podendo fazer uso, quando for o caso, de citações
do livro literário e do material de apoio disponibilizado pela professora na
ocasião do trabalho. Para cada citação utilizada, não se esqueça de registrar o
seu entendimento sobre o trecho mencionado. Lembre-se, ainda, de atender às
normas da ABNT no que diz respeito ao uso de citações e referências
bibliográficas. Seu texto é individual e deve apresentar um mínimo de três
laudas.

A tese de Cibele da Silva é uma análise comparativa dos livros Mayombe (1980) e A
Geração da Utopia (1992), do escritor angolano Pepetela, em que se desconstroem os
elementos estruturais e estéticos de cada obra e como eles formam o discurso do autor sobre
as questões políticas e sociais da nação angolana durante sua formação de identidade antes e
após a independência.
O conceito mais focalizado pela autora é o da melancolia, o qual ela estuda no
segundo capítulo e aplica na análise das duas obras. A autora hipotetiza em sua introdução
que ao mesmo tempo em que a literatura pepeteliana é politicamente engajada, ela também
possui um olhar crítico sobre o processo da guerra civil e suas consequências, dado que “é
preciso muito mais que a independência política para se atingir o ideal de um país
efetivamente justo, livre e igualitário” (SILVA, 2018, p. 12). O que se diz por isso é que por
mais que se lute por uma visão utópica de seu país, Pepetela está consciente de que esta não
virá a ser apenas através da luta contra os poderes coloniais que outrora os dominavam.
Muitas pessoas possuem uma multiplicidade de visões futuras de como a nação pós-
independência deveria ser, e nem todas almejam os mesmos objetivos. Essa falta de ideal
unificante resulta em conflitos internos entre os revolucionários, o que na vida real
tragicamente culminou na guerra civil angolana.
O primeiro capítulo do trabalho aborda temas relacionados à gênese da identidade
angolana durante o período colonial, discutindo-se os movimentos de resistência africanos da
Negritude e do Pan-Africanismo e como estes contribuíram ao projeto literário angolano, a
noção de africanidade, angolanidade, e a questão do tribalismo na sociedade angolana.
Em sua breve abordagem da Negritude, Silva sustenta-se nas palavras de Franz Fanon
e Kabenguele Munanga enquanto apresenta as principais definições e os objetivos do
movimento. É a partir desses autores que ela discorre sobre o discurso de inferiorização dos
africanos pelos europeus, o qual servia como ferramenta de manutenção de dominância sobre
os povos colonizados a partir da imposição de um complexo de inferioridade na mentalidade
do preto, assim estabelecendo a civilização e a cultura branca como superior e desejável. O
movimento desafia essa noção, promovendo assim a valorização das culturas africanas e a
manutenção da autoestima do povo. O movimento desafiava esse discurso e visava recuperar
o valor da cultura africana, o resgate do passado e da autoestima do povo negro. A autora
então aponta a origem do termo négritude desde os escritos do poeta martiniquês Aimé
Cesaire e elabora sobre as intenções do movimento e o que esse almejava pelos pretos na
África e de diáspora:

Com Aimé Césaire, a Negritude evocava as origens africanas, valorizava a tradição,


propunha um despertar para o um novo devir, ao mesmo tempo em que defendia a
conscientização dos negros sobre seu pertencimento e a recuperação do seu orgulho.
Assim, nascia um ideal anti-racista, como um movimento de legítima defesa e de
luta contra todas as formas de preconceito e discriminação. Os contornos de uma
nova autoestima se delineavam pela perspectiva da valorização étnico-racial e as
noções de coletividade e fraternidade entre todos os negros do mundo, tentando-se
olhar para os valores e aspectos da considerada verdadeira civilização africana, de
estilo artístico e estético próprios. (SILVA, 2018, p. 33)

Voltando seu foco à literatura angolana, a autora então afirma que o movimento da
Negritude influenciou os escritores africanos e contribuiu à formação de uma identidade
nacional e anseios de independência dos poderes europeus através da expressão literária. Ela
então discorre brevemente sobre pontos iniciais da produção literária de Angola nos anos 50,
considerando a publicação jornalística da imprensa no território como “o primeiro movimento
de voz do homem africano colonizado” (SILVA, 2018, p. 44) no país. Os movimentos
nacionais (tal como “Vamos Descobrir Angola!”) compostos por intelectuais e escritores
angolanos engajados na luta pela formação de uma identidade angolana, a valorização do
povo negro, e a liberação do país do jugo colonial de Portugal, são partes integrais da
construção dessa literatura nacional, da expressão do africano sobre si mesmo e a África que
visavam. Agostinho Neto, presidente do Movimento Popular pela Libertação de Angola
(MPLA), é eleito como representante principal da Negritude no país; porém, a autora
esclarece que sua variante da Negritude se distingue da francesa por se tratar mais do aspecto
revolucionário e pedagogizante da nação em formação, o que reflete a ideologia marxista do
movimento.
Nos próximos subcapítulos, são feitas considerações, com base nos estudos pós-
coloniais de Stuart Hall, Homi Bhaba e Silviano Santiago sobre as noções de uma identidade
angolana, considerando a heterogeneidade da população nacional quanto aos grupos étnicos,
visões de mundo diferentes, e os tribalismos recorrentes. A noção da angolanidade está ligada
à africanidade, conceito este vinculado ao movimento da Negritude e do Pan-africanismo.
É no terceiro capítulo do trabalho em que se dedica a análise da obra Mayombe, com
bases nas fundamentações teóricas feitas nos capítulos anteriores. Os elementos do romance a
serem analisados são os personagens do romance, os diversos narradores da obra, o espaço da
obra, o tempo, a linguagem literária, a presença da Negritude, do Pan-africanismo e do
tribalismo na obra, e a figura mítica de Ogum. A autora lança mão de citações diretas longas
do livro para exemplificar as fundamentar suas observações sobre cada elemento, também
como outros autores que discutem a obra, tipo Inocência Mata.
Cada personagem possui uma caracterização profunda que não só se limita a suas
personalidades e origem étnica, mas os seus vieses sociais, políticos, suas crenças, seus
olhares em relação à sociedade de que vêm e o que cada um representa dentro do discurso
autoral. Dessa forma, o conjunto dos personagens pode ser vista então uma pluralidade de
desejos, intenções, ideologias, identidades, perspectivas do povo angolano.
Observamos a personagem de Teoria como exemplo. O primeiro personagem que
aparece na obra, Teoria serve para discutir a questão da etnia e do racismo contra os mulatos
na sociedade majoritariamente negra e em conflito armado contra os colonos. O subcapítulo
dedicado a teoria começa com essa epígrafe retirada do livro:

Os rótulos pouco interessam, os rótulos só servem os ignorantes que não veem pela
coloração qual o líquido encerrado no frasco [...] A minha história é a dum alienado
que se aliena, esperando libertar-se. (PEPETELA, 2013, p.18)

Vê-se que Teoria vive em um ambiente que não o tolera por causa de sua raça mista, e
que, portanto, o aliena. Por essa razão, esse guerrilheiro mestiço visa lutar por uma sociedade
angolana que entra em conflito com as atitudes tribalistas e a exigência da pureza africana por
outros agentes, uma sociedade em que haja harmonia entre as raças e etnias.
Os narradores da obra recebem destaque porque estes são um elemento de bastante
expressividade na obra de Pepetela. Ela ora se comporta como observador e/ou personagem,
ora é onisciente, criando um narrador com vozes múltiplas, conduzindo o leitor a diferentes
perspectivas e expectativas de uma mesma história, fragmentando e deslocando o foco
narrativo para intenções e mensagens variadas, elementos de uma estética literária pós-
colonial. Essa polifonia serve para expressar os vários pontos de vista dos personagens que
perduram as dificuldades da guerra pela independência e assim da formação do caráter
nacional da Angola.
As categorias de espaço, tempo e linguagem relativas à obra também fazem juz à
natureza subversiva do romance de Pepetela. A autora considera a própria floresta Mayombe,
o espaço predominante da narrativo, um personagem em sua própria forma, agindo como uma
espécie de deus que providencia o calor e a vida aos guerrilheiros e os nutre com seus frutos
durante a guerra. Os sentimentos e as emoções dos personagens se revelam durante seus
ardores dentro do espaço. Inclusive, a escolha do cenário, no interior do país, revela uma
vontade do autor de incluir a periferia do país na discussão das problematizações que lá
ocorrem, assim exigindo uma contemplação holística da terra angolana em seu processo de
formação nacional. Quanto ao tempo, não se segue uma sequência linear dos eventos da
histórias o marcação cronológica; os próprios personagens orientam o leitor pelos
desenrolamento da história através de suas perspectivas. A linguagem da obra é simples,
direta, e com tom de crítica, sem vontade de se conformar à forma “correta” da escrita do
português, mais um elemento de resistência anticolonial expressa pelo autor.
No último subcapítulo, trata-se da figura mítica de Ogum, deus da mitologia iorubá
que a autora ao Prometeu da mitologia grega. Ambos providenciam aos seres humanos o fogo
da sabedoria, mas ao invés de ser punido pelos deuses, como foi o caso de Prometeu, Ogum é
encarregado a cuidar da humanidade e assistir seu desenvolvimento. Pepetela traz a figura de
Ogum como força motivadora dos personagens-guerrilheiros, e em uma forma de analogia de
africanidade, faz a associação entre a mitologia africana e a história contemporânea do povo
africano, na qual esse último se empenha em uma batalha incessante pela independência e
pela criação da um novo país das cinzas do conflito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: LeYa, 2013.
SILVA, Cibele Verrangia Correa da. A melancolia de resistência como identidade: um estudo
sobre as obras Mayombe e A Geração da Utopia de Pepetela. Tese de doutorado.
Universidade Federal do Espírito Santo UFES, Vitória, 2018.

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