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Professor marca '13' na

lousa, número de
chamada de aluna, e é
'censurado'

Alunos fazem manifestação pró-Bolsonaro no Colégio


Marista Santa Maria, em Curitiba Imagem:
Reprodução/Twitter

Um professor amigo meu causou


escândalo ao anotar, na lousa, o número
de uma aluna que havia faltado naquele
dia. Enquanto escrevia, ouviu gritos,
protestos e acusações lançadas por
meninas do sexto ano e demorou a
entender a razão. O número da estudante
era 13.

"Foi bizarro, uma histeria mesmo",


contou, dias após as eleições. "Tudo
começou com um grito fino de criança.
Fiquei assustado e perguntei o que estava
acontecendo. E elas disseram que aquele
era 'o número da Besta'. Me pediram para
colocar '12 mais 1' na lousa, em vez de 13.
Estava ali no grupo uma aluna que tem
sempre respostas atravessadas para os
professores. Ela liga para a mãe
tresloucada, toda vez que acha que está
sendo 'doutrinada'."

Naquele colégio de elite de uma pequena


e rica cidade do interior de São Paulo,
uma colega dele, também professora, foi
questionada por que decidiu vestir
vermelho para trabalhar naquela semana.
Não pela direção ou algum pai de plantão
na porta de um quartel, mas por uma
criança.

Os dias seguintes ao segundo turno das


eleições têm sido marcados por
questionamentos, provocações e
enfrentamentos. Segundo esse meu
amigo, relatos do tipo se avolumam entre
os colegas de ofício. "Estamos todos
muito cansados."

No início de novembro, uma aluna


resolveu enfeitar a carteira escolar com
adesivos em apoio a Jair Bolsonaro (PL) e
frases como "minha bandeira jamais será
vermelha".

Meu amigo professor avisou que


propaganda política estava proibida em
sala de aula — fosse em favor do atual
presidente ou em defesa do presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Como se repetisse o que aprendeu em


casa, a estudante retrucou, dizendo que
ela tinha liberdade de expressão e não
aceitaria ser "censurada". Disse que a
carteira era dela e ponto.

Ela ouviu de volta que não: a carteia era


da escola e foi lembrada (novamente) de
que não, ali não era lugar para
proselitismo político.

Foi então que ele ouviu uma frase que


havia tempos não escutava: "Eu pago seu
salário e você não pode me impedir".

Num ato de revolta, o professor pegou o


papel de propaganda da mesa e rasgou.

O gesto causou um escândalo na escola e


mobilizou um grupo de estudantes
bolsonaristas a espalhar uma espécie de
"fake news de corredor", segundo a qual
o professor "comunista" havia rasgado na
frente da sala não uma propaganda de
campanha, mas a bandeira do Brasil.

Desde então, ele começou a notar que os


integrantes do grupo o vigiam da janela
quando está em outra turma.

No corredor, ele agora ouve provocações


do tipo: "picanha, olha a picanha, agora
vai comer picanha de novo, comunista
tem que morrer", etc.

O jeito é seguir em frente como se não


fosse com ele.

Dias depois, chegou até o professor a


notícia de que a aluna havia acionado os
pais, que prometeram processar o
docente.

Ao menos nesse caso, a direção ficou do


lado de seu funcionário — não sem antes
oferecer um puxão de orelha, dizendo que
ele deu "munição" ao imbróglio todo.

"Os relatos de outros amigos, de outras


escolas, são mais bizarros que
amedrontadores. Mas são igualmente
preocupantes", conta ele, desolado.

"Sei de histórias de crianças comprando


discurso de ódio, alimentando xenofobia,
legitimando o racismo, como no caso do
colégio Porto Seguro de Valinhos. Uma
amiga professora levou esse caso para a
sala de aula porque casava com o tema
do livro 'Pássaro branco', que estão lendo.
E o que ela ouviu dos meninos da sala?
Coisas do tipo 'petista e preto tem que
morrer mesmo!', 'Nordestino é um atraso
para o país'. A professora teve de intervir
severamente para que parassem os
comentários. Os meninos têm só 14 e 15
anos. É assustador."

Enquanto os pais elegem ministros do


Supremo Tribunal Federal como inimigos
e pedem intervenção federal em frente
dos quartéis, os filhos, ao que tudo indica,
foram escalados para lutar nas fileiras
escolares. O "diabo" a ser vencido são os
professores.

No começo da semana, ao ser provocado


por crianças crescidas em Nova York, o
ministro do STF Luís Roberto Barroso
decidiu responder na mesma língua:
"Perdeu, mané. Não amola".

A frase não demorou a virar meme. O


risco, nessas horas, é perder de vista um
perigo real.

Em Curitiba (PR), por exemplo, duas


estudantes foram hostilizadas por
vestirem camisetas vermelhas após as
eleições e quase apanharam.

As cenas lembraram um trecho do filme


"A Onda", em que um professor faz um
experimento com seus estudantes para
provar que a estratégia nazista de
mobilização das massas pelo ódio e a
ideia de raça superior poderia ser
facilmente assimilada nos dias atuais. O
experimento provou que estava certo
(falamos mais sobre essa história real em
uma crônica recente neste blog).

Na mesma cidade, alunos dos colégios de


elite se reuniram no WhatsApp para
defender abertamente, entre o deboche e
o ódio real, uma ação armada para
impedir a posse do presidente que seus
pais desprezam.

"Quem vai ser o herói que vai matar o Lula


[?]", escreveu um dos participantes. "A 12
do meu pai chegou sexta-feira kkk", dizia
uma mensagem.

Houve quem defendesse execução de


feministas e também quem já pesquisou
até preços para comprar metralhadora.

Os rastros de ódio plantados pelo


bolsonarismo em corações e mentes
pintadas de verde e amarelo são hoje o
grande legado deixado por quem
assumidamente trocou os livros pelas
armas.

Pelo exemplo dos pais, este legado ainda


está longe de ser tirado de cena.
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