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A primeira vez que Laura e Lula se encontraram foi num momento marcante da história
recente do Brasil. Era novembro de 2019, e o líder petista havia acabado de deixar a prisão em
Curitiba, viajando para São Bernardo do Campo para reunir-se com correligionários.
Quem também rumou para o Sindicato dos Metalúrgicos, mas saindo de Minas Gerais,
foram Laura e seus amigos de esquerda, que pegaram a estrada assim que souberam que o ex-
presidente estava livre.
Ela já militava no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas ainda não
era conhecida na internet. Trocou palavras com Lula, que elogiou sua trajetória – “cria da favela”,
como ela diz, Laura havia recém-ingressado no curso de História na Universidade Federal de Minas
Gerais.
O segundo encontro foi recente, no dia 26 de abril do presente ano. Laura foi chamada pela
assessoria do petista a integrar uma entrevista que Lula concederia a youtubers.
Ela não amaciou nas perguntas e comentários. Culpou a política institucional pelo
desinteresse de muitos jovens pelas eleições, e, em dado momento, indagou o ex-presidente sobre a
violência policial que, também em governos petistas, fustigava o dia a dia em Ribeirão das Neves,
periferia da Grande BH onde ela cresceu.
Lula reconheceu que o problema da violência é de difícil solução e discorreu longamente
sobre o tema. Mas gostou do desempenho da jovem marxista, tanto foi assim que, dias depois, sua
assessoria fez o convite para que ela abrisse o ato de sua pré-campanha em BH.
Coração vermelho
Em 2016, Laura participou da onda de ocupações das escolas secundaristas, mas viu parte
dos novos militantes optarem por Bolsonaro em 2018. Isso porque, avalia ela, o político direitista
soube, ainda que com propostas “vazias e falaciosas”, encarnar o ideal de mudança que embalava a
juventude. É com esses jovens que a esquerda tem de dialogar, diz Laura.
Disposta a tomar parte na tarefa, a estudante foi à fonte do pensamento de tantos
bolsonaristas: leu Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e outros autores conservadores. Muitos de
seus vídeos tratam-se de análises dessas publicações, apontando o que ela toma por furos
argumentativos ou desonestidade intelectual.
“Esses livros dão respostas simples a problemas complexos. Ainda que eu discorde dessas
falsas soluções, esses autores se propõe a conversar com os jovens. A esquerda por muito tempo
abriu mão de fazer esse debate fora do movimento estudantil”, critica.
Bater de frente com o bolsonarismo, no entanto, tem consequências. Constantemente Laura
recebe ameaças pela internet, e diversas notícias falsas incluindo o seu nome circularam em páginas
de direita. Na mais recente, uma montagem de sua foto com Lula alegava que o ex-presidente teria
se encontrado com ninguém menos que Suzane von Richthofen.
As mentiras e os ataques preocupam o pai de Laura, mas o sentimento que predomina é o
orgulho. “Fico apavorado as vezes, mas é bom ver a mulher que ela está se tornando, comprometida
com a justiça social”, diz.
Tudo, porém, tem limite. Atendendo a pedidos de seus seguidores, Laura publicou um vídeo
recentemente em que mentia ao pai, dizendo-se enamorada por um liberal, “que votou no Amoêdo”.
O progenitor a fulminou com o olhar e disse, sério: “Não, Laura, não vem não, sô!”.
Vídeos como esse são uma maneira de driblar os algoritmos das redes, que, segundo Laura,
não privilegiam tópicos como a revolução do proletariado. Fisgados pelo humor, os novos
seguidores veem mais vídeos, e, assim, inicia-se o debate.
Sua nova ideia é produzir, junto de outros voluntários, um desenho animado nos moldes da
animação cristã “Smilinguido”, porém um tanto mais aventuroso. A previsão de estreia é o ano que
vem, e, nos bastidores, o projeto marxista vem sendo chamado por um curioso apelido extra-oficial:
“Smilingrado”.