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Jovem que abriu ato de Lula em BH quer por fim à hegemonia digital da direita

Leandro Aguiar, de Belo Horizonte

Dentre as subdivisões que agitam os debates da esquerda, a estudante de História Laura


Sabino, 23 anos, considera-se uma partidária das ideias de Gramsci. Grosso modo, o filósofo
italiano apostava na educação política da população como uma forma revolucionária de romper com
o que ele considerava como a dominação ideológica que as classes endinheiradas exercem sobre a
maioria do povo.
Se estivesse entre nós, é possível que Gramsci, morto em 1937, visse na internet uma das
trincheiras para tomar parte nessa disputa. É justamente nas redes virtuais que Laura fincou sua
bandeira vermelha.
Entre vídeos no Youtube e Tik Tok, comentários no Twitter e postagens no Instagram, desde
2019 ela debate com seus mais de 120 mil seguidores temas como a associação da música sertaneja
com o agronegócio, a captura de demandas feministas pela publicidade e o que ela chama de
banalização do termo “privilégio” em benefício de uns poucos milionários – tudo em meio a
citações de pensadores como Marx, Simone de Beauvoir e Bourdieu.
O seu jeito descomplicado de abordar assuntos espinhosos lhe valeu um convite para abrir o
ato de lançamento da pré-candidatura do ex-presidente Lula (PT) em Belo Horizonte, que aconteceu
no dia 9 de maio em um centro de convenções apinhado de gente.
A escolha sinaliza a intenção da campanha do líder das pesquisas de trazer para si o
eleitorado jovem, além de disputar com Bolsonaro um ambiente em que o presidente foi quase
hegemônico em 2018, os meios digitais.

Laura encontra Lula

A primeira vez que Laura e Lula se encontraram foi num momento marcante da história
recente do Brasil. Era novembro de 2019, e o líder petista havia acabado de deixar a prisão em
Curitiba, viajando para São Bernardo do Campo para reunir-se com correligionários.
Quem também rumou para o Sindicato dos Metalúrgicos, mas saindo de Minas Gerais,
foram Laura e seus amigos de esquerda, que pegaram a estrada assim que souberam que o ex-
presidente estava livre.
Ela já militava no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas ainda não
era conhecida na internet. Trocou palavras com Lula, que elogiou sua trajetória – “cria da favela”,
como ela diz, Laura havia recém-ingressado no curso de História na Universidade Federal de Minas
Gerais.
O segundo encontro foi recente, no dia 26 de abril do presente ano. Laura foi chamada pela
assessoria do petista a integrar uma entrevista que Lula concederia a youtubers.
Ela não amaciou nas perguntas e comentários. Culpou a política institucional pelo
desinteresse de muitos jovens pelas eleições, e, em dado momento, indagou o ex-presidente sobre a
violência policial que, também em governos petistas, fustigava o dia a dia em Ribeirão das Neves,
periferia da Grande BH onde ela cresceu.
Lula reconheceu que o problema da violência é de difícil solução e discorreu longamente
sobre o tema. Mas gostou do desempenho da jovem marxista, tanto foi assim que, dias depois, sua
assessoria fez o convite para que ela abrisse o ato de sua pré-campanha em BH.

Coração vermelho

Ao contrário de Rita Von Hunty, a comunista brasileira de maior ressonância na internet,


Laura declara seu voto no PT já no primeiro turno.
“Sou muito crítica ao Alckmin (PSB) como candidato a vice-presidente, pelo que ele
representa para estudantes vindos de escolas públicas como eu. Mas entendo que estamos num
momento complicado. O que não dá pra entender são os ataques de parte da esquerda à Rita. Justo
ela, que deu a cara a tapa nos momentos em que era mais difícil ser de esquerda no Brasil, quando
enfrentamos o Temer nas ruas e o Moro ainda era considerado herói”, diz Laura.
A estudante teve só três dias para se preparar para o ato com Lula, o que para o professor
universitário Heli Sabino, 52 anos, pai de Laura, não foi problema algum. Isso porque ela já vinha
se preparando para a militância de esquerda desde o berço – literalmente.
Quando Laura nasceu, Heli dava aulas em um programa federal de formação de professores
para o MST. Desde criança, a garota gostava de acompanhar o pai nas visitas aos assentamentos.
Se interessava também pelos livros que ele tinha espalhados pela casa. Certa vez, uma
professora pediu aos alunos que parassem de chamá-la pela alcunha de “tia”. Para o espanto da
educadora, Laura, aos 6 anos, emendou: “Professora sim, tia não”, título de um livro de Paulo Freire
publicado em 1993.
Poucas semanas depois, acossada pelo calor do verão, a menina liderou um piquete exigindo
a instalação de ventiladores na escola. Os colegas aderiram, e a direção pedagógica teve de ceder.

O mínimo que você precisa saber para dialogar com a juventude

Em 2016, Laura participou da onda de ocupações das escolas secundaristas, mas viu parte
dos novos militantes optarem por Bolsonaro em 2018. Isso porque, avalia ela, o político direitista
soube, ainda que com propostas “vazias e falaciosas”, encarnar o ideal de mudança que embalava a
juventude. É com esses jovens que a esquerda tem de dialogar, diz Laura.
Disposta a tomar parte na tarefa, a estudante foi à fonte do pensamento de tantos
bolsonaristas: leu Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e outros autores conservadores. Muitos de
seus vídeos tratam-se de análises dessas publicações, apontando o que ela toma por furos
argumentativos ou desonestidade intelectual.
“Esses livros dão respostas simples a problemas complexos. Ainda que eu discorde dessas
falsas soluções, esses autores se propõe a conversar com os jovens. A esquerda por muito tempo
abriu mão de fazer esse debate fora do movimento estudantil”, critica.
Bater de frente com o bolsonarismo, no entanto, tem consequências. Constantemente Laura
recebe ameaças pela internet, e diversas notícias falsas incluindo o seu nome circularam em páginas
de direita. Na mais recente, uma montagem de sua foto com Lula alegava que o ex-presidente teria
se encontrado com ninguém menos que Suzane von Richthofen.
As mentiras e os ataques preocupam o pai de Laura, mas o sentimento que predomina é o
orgulho. “Fico apavorado as vezes, mas é bom ver a mulher que ela está se tornando, comprometida
com a justiça social”, diz.
Tudo, porém, tem limite. Atendendo a pedidos de seus seguidores, Laura publicou um vídeo
recentemente em que mentia ao pai, dizendo-se enamorada por um liberal, “que votou no Amoêdo”.
O progenitor a fulminou com o olhar e disse, sério: “Não, Laura, não vem não, sô!”.
Vídeos como esse são uma maneira de driblar os algoritmos das redes, que, segundo Laura,
não privilegiam tópicos como a revolução do proletariado. Fisgados pelo humor, os novos
seguidores veem mais vídeos, e, assim, inicia-se o debate.
Sua nova ideia é produzir, junto de outros voluntários, um desenho animado nos moldes da
animação cristã “Smilinguido”, porém um tanto mais aventuroso. A previsão de estreia é o ano que
vem, e, nos bastidores, o projeto marxista vem sendo chamado por um curioso apelido extra-oficial:
“Smilingrado”.

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