Você está na página 1de 3

Na periferia, Lulismo disputa espaço com igrejas e 'vida loka'

http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Na-periferia-Lulismo-disputa-espaco-com-igrejas-e-vida-loka-/
4/30683

Seminário na USP debate inserção do lulismo nas periferias das cidades. Pesquisas avaliam
impactos das denúncias de corrupção sobre imagem de Lula.

Marcel Gomes

São Paulo – Numa semana que começa com os meios políticos e econômicos repercutindo a queda da
presidenta Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião, a Universidade de São Paulo (USP) inicia seu IV
Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política (local e programação completa
em http://bit.do/IVseminario), nesta segunda-feira (7), com debate sobre o chamado “lulismo” e sua força
nas periferias das cidades.

Segundo o cientista político e professor da USP André Singer, principal difusor do termo e que coordena o
seminário, o fenômeno político do lulismo tem como marco a reeleição de Lula à presidência, em 2006. Nessa
disputa, a maioria do eleitorado de baixíssima renda, que, desde a democratização, em 1985, votava em
candidatos à direta de Lula, passou a sustentar eleitoralmente o lulismo.

A nova base ideológica desse grupo popular combinaria elementos de esquerda, como a mudança social
impulsionada pelo crescimento econômico e as políticas sociais da Era Lula, assim como de direita, em
especial a manutenção da ordem social e econômica.

A força do lulismo permitiria a transferência de votos do líder para candidatos escolhidos por ele, mesmo que
sem experiência eleitoral prévia. Foi o caso da vitória da própria Dilma, no pleito presidencial de 2010, e de
Fernando Haddad, em 2012, para a prefeitura de São Paulo – ambos ex-ministros do governo Lula.

Em que pese os sinais de protagonismo do lulismo, há temas a serem aprofundados. Qual exatamente a força
do fenômeno lulista? Qual seu enraizamento nas periferias? Há abalos diante da divulgação regular de
denúncias de corrupção pela mídia contra o Partido dos Trabalhadores? Como o lulismo interage e se
transforma diante de outras ideologias estabelecidas na periferia, como os códigos e valores evangélicos?

Essas questões de fundo têm pautado pesquisas acadêmicas de alunos de pós-graduação em ciência política da
USP. Muitos desses trabalhos, ainda com resultados provisórios, serão apresentados ao longo da semana em
mesas de debate. O seminário é gratuito, aberto ao público e não exige inscrição prévia.

Pesquisas em andamento

A estudante de pós-graduação Maria Leticia Brito realiza sua pesquisa na região periférica do Cecap,
município de Taubaté (SP). Seu objetivo é entender como os moradores da localidade decidem e estruturam
seu voto. Seu trabalho tenta pôr à prova justamente a força do lulismo, já que, na região, a vitória nas eleições
de 2010 foi do candidato anti-Lula, José Serra (PSDB), que superou Dilma Rousseff.

Ao partir para as entrevistas de campo, Brito percebeu que, apesar da derrota de Dilma, os que votaram nela
citavam a referência a Lula como fator relevante de voto. “Por meio de um olhar mais apurado pode-se
perceber que as inclinações ao lulismo estão presentes e ali existe algo interferindo no resultado (efeito) final”,
aponta a pesquisadora.

Um sinal dessa influência seriam as diferenças de taxas de votos obtidas por Dilma na periferia e no centro de
Taubaté. Enquanto no Cecap a atual presidenta atingiu apenas seis pontos percentuais a menos do que Serra,
no centro, área mais rica da cidade, a diferença foi de vinte pontos.

Um freio para a força do lulismo parece ter vindo das denúncias de corrupção, sinalizam as entrevistas obtidas
pela pesquisadora. Na avaliação dela, Lula é visto como uma “figura ambígua”. “Se ele é o único político que
intercede pelos mais pobres, também é visto como um político que está no meio das falcatruas da política”,
afirma. Diante disso, apesar de muitos aprovarem as políticas do governo Lula e de alguns até terem sido
beneficiados por elas, parte deles optou por votar no PSDB.

Religião e lulismo

Em mais uma investigação sobre o fenômeno político do lulismo, o pós-graduando Vinicius do Valle decidiu
acompanhar, durante a eleição paulistana de 2012, vencida por Fernando Haddad, fieis da igreja Assembleia
de Deus em um templo no bairro do Belém, periferia de São Paulo.

Seu objetivo era analisar a importância da instituição religiosa na vida de seus fiéis, a maior parte de baixa
renda, sobretudo as influências eleitorais. As igrejas evangélicas, como se sabe, têm ganhado cada vez mais
representação política no país.

Na atual legislatura (2011-2014), setenta e três parlamentares, sendo setenta deputados e três senadores,
compõem a bancada suprapartidária evangélica no Congresso Nacional, segundo dados do Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Na opinião de Valle, a igreja mostrou que tem um papel fundamental na vida de seus fieis. “Há o sentimento
de pertencimento e de comunidade, que se tornam fundamentais para as ‘visões de mundo’. Em termos
políticos-eleitorais, isso traz diversas implicações. O primeiro é que as pessoas assumem o programa político
da instituição, que envolve tanto o apoio do Estado para as atividades da Igreja, quanto o aspecto da
moralidade cristã”, explica o pesquisador.

Dessa forma, apenas uma parte dos eleitores desse grupo seguiu as recomendações de Lula. São os que
valorizaram determinadas mudanças socioeconômicas ocorridas na última década e optaram pelo candidato
lulista, mesmo sem a garantia de que o Estado atuaria em favor de preceitos morais.

"Vida Loka"

Já a pós-graduanda Thais Pavez, em seu trabalho sobre a cultura política dos jovens da periferia, optou por
abordar as narrativas e depoimentos orais sobre a história de vida dessa população, marcada pela proximidade
com a marginalização social, a convivência com o crime e apenas parcialmente tocada pelos avanços
socioeconômicos da Era Lula.

Ao citar uma recente pesquisa do professor André Singer, Pavez aponta que o “enorme número de postos de
trabalhos formais criados na última década” pôs um freio à catástrofe do desemprego estrutural da onda
neoliberal, mas sem chegar a oferecer "bons trabalhos", ou seja, aqueles que se desenvolvem sob condições
laborais entendidas como de trabalho decente.

Na explicação do próprio Singer, “os empregos criados, embora protegidos por lei, têm condição precária,
sobretudo em virtude de sua alta rotatividade. Ao estimular os setores do capitalismo orientados pela lógica da
superexploração, como é o caso do telemarketing ou da construção civil, o lulismo convive com a
precariedade". Nesse contexto, a proposta da vida no crime apareceria muitas vezes como caminho mais
atrativo e rentável para os jovens.

Nessa linha, e citando outro pesquisador, Paulo Artur Malvasi, Pavez reafirma a ideia de Vida Loka como
conceito de identidade chave para compreender discursos de pichadores, grupos de hip hop, o associativismo
civil das ONGs, times de futebol de várzea e o trabalho em profissões em risco, como a de motoboy – grupos
sobre os quais o lulismo é referência ainda parcial.

Você também pode gostar