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jornal.usp.br /artigos/conflito-de-geracoes-ea-arte-de-ensinar-na-sociedade-contemporanea/
7 de julho de 2022
O ano é 1975, são cinco horas da manhã e meu pai veio me acordar para viajarmos para
a praia. A ansiedade por esta viagem impediu que eu tivesse uma boa noite de sono.
Viajar para a praia na década de 1970 era uma grande aventura, que começava pelo
carro que nos transportava, na época, uma Variant que levava seis pessoas e mais a
bagagem. Até hoje não consigo entender como isso era possível – quatro filhos mais pai
e mãe dentro de uma Variant. Minha mãe já tinha preparado os lanches para fazermos
ao longo do dia – não havia redes de postos como temos hoje pela estrada, mas tinha
um que era parada obrigatória para quem era do interior fazendo essa viagem – o posto
do “Castelinho”.
Nesta época, meu sonho de consumo era ter um kichute, um tênis de beleza duvidosa,
que era a sensação de minha geração. Fazíamos as pesquisas da escola em
enciclopédias – a Barsa e a Delta Larousse – e não tínhamos a possibilidade de usar a
estratégia Ctrl C/Ctrl V, era tudo copiado na mão mesmo. Refrigerante era só para os
almoços de domingo e iogurte algo muito raro, talvez, apenas para momentos
excepcionais, como quando estávamos nos restabelecendo de alguma doença.
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Escrevíamos cartas para nos comunicar com os amigos distantes e alguns ainda tinham
o hábito de fazer diários. Na faculdade, usávamos o sistema Comut para conseguir um
artigo que poderia levar meses para chegar em nossas mãos e a internet ou os
primórdios dela era discada – o que trazia vários problemas com o telefone fixo da casa
quando estávamos usando esta nova ferramenta.
Se você se identificou com estas lembranças, provavelmente você faz parte da geração
Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964) ou da Geração X (1965-1980) que viajava
no “chiqueirinho” do Fusca (parte traseira do carro) e não sabia por que os automóveis
vinham com cinto de segurança.
A geração Baby Boomers, que hoje tem entre 57 e 75 anos, recebeu esse nome em
alusão ao aumento do número de nascimento de bebês depois do fim da 2a Guerra
Mundial, em 1945. São indivíduos que viveram as grandes transformações do pós-
guerra. Em geral, criados com muita rigidez e disciplina, cresceram focados e
obstinados, e valorizam muito o trabalho, a família, a realização pessoal, a estabilidade
financeira e a busca por melhores condições de vida.
Já a Geração X, aqueles que têm entre 41 e 56 anos, fazem parte de uma geração até
então considerada desconhecida (X), que sucedeu a geração Baby Boomers. Essas
pessoas vivenciaram a fase da Guerra Fria e dos movimentos de grande impacto no
cenário social e cultural, como maio de 1968, a onda hippie e a luta por direitos políticos
e sociais. No Brasil, coincide com o período da ditadura militar, o desenvolvimento
industrial e o crescimento econômico. Em um mercado de trabalho cada vez mais
competitivo, as pessoas dessa geração dão valor ao diploma formal e à capacitação e
estabilidade profissional.
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A Geração Z, por outro lado, é composta de jovens que nasceram a partir de 1997 e que
estão chegando hoje ou ainda vão entrar no mercado de trabalho, são nativos digitais, ou
seja, convivem com o universo da internet, mídias sociais e recursos tecnológicos desde
sempre. São multifocais e aprendem de várias maneiras, usando múltiplas fontes e
objetos de aprendizagem. Costumam acompanhar os acontecimentos em tempo real,
comunicam-se intensamente por meios digitais e estão sempre online. Em termos de
comportamento, tendem a se engajar com questões ambientais, sociais e identitárias e
parecem ser mais conservadores que a geração anterior.
Na Geração Alfa, a exposição à tecnologia e a telas é ainda mais forte. Com muitos
estímulos e acostumados a usar meios digitais para se entreter e buscar informações,
requerem uma educação mais dinâmica, ativa, multiplataforma e personalizada. Essas
crianças têm como características a flexibilidade, autonomia e um potencial maior para
inovar e buscar soluções para problemas de forma colaborativa. Gostam de ser
protagonistas, colocar a mão na massa e aprender com situações concretas.
As gerações Y, Z e Alfa não escrevem mais cartas, mandam mensagens pelo WhatsApp
ou pelas redes sociais. Não fazem mais diários, postam vídeos no TikTok, ou propagam
suas ideias via Twitter. As pesquisas já não são mais feitas em enciclopédias, mas sim
no “Senhor Google” e para obter os artigos não se precisa mais do sistema Comut, basta
acessar o Sci Hub.
Todas estas comparações não são apenas lembranças saudosistas, muito pelo contrário,
a ideia central é suscitar uma discussão bastante atual sobre as novas gerações que
jogam videogames que mais parecem filmes de tão reais e que vivem a possibilidade do
Metaverso com as gerações anteriores que se sentem “desafiadas” a sair de suas zonas
de conforto para se adaptarem aos novos tempos – a cultura Touch.
Arrisco dizer que o quadro docente atual da USP é, em sua grande maioria, composto
com as gerações Baby Boomers e X, ou seja, um exército de cabelos brancos.
Particularmente, não vejo problema algum neste fato, já que, para as atividades
acadêmicas desenvolvidas em uma instituição de ensino superior, a maturidade é uma
grande aliada e passa longe de ser um problema. No entanto, quando estes dois grupos
se encontram com as gerações Y, Z e Alfa dentro de uma sala de aula alguns conflitos
podem ser inevitáveis: “estes alunos não querem saber de nada… na minha época não
era assim”; “este professor é um mala, vou procurar o conteúdo no YouTube para
estudar”.
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Dentre deste cenário de possível conflito de gerações, o uso das Metodologias Ativas
passa a ser uma possibilidade muito interessante para aproximar mundos tão diferentes.
Neste sentido, metodologia ativa é um conceito amplo, que pode englobar diferentes
práticas em sala de aula. Em comum, todas têm o objetivo de tornar o aluno protagonista
dentro do processo, participando ativamente de sua jornada educativa.
Sou da geração X, com forte influência da geração Baby Boomers , mas isso não
significa que eu tenha que ficar repetindo aquela velha frase clássica pelos corredores da
instituição – “mas no meu tempo as coisas não eram assim…”, pois penso ser
fundamental entender que o nosso tempo é agora e nada pode nos impedir de nos
adaptarmos às novas gerações e neste exercício de interação poderemos usufruir do
que elas têm de melhor… E viva a pluralidade acadêmica.
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