Você está na página 1de 4

   

O Behaviorismo nosso de cada dia nos dai hoje


Por Livia Rech de Castro Seg, 19/01/2015, Às 06h54 PM  3.6k Views
Convivemos com a Análise do Comportamento em nosso dia-a-dia muitas vezes
sem sequer nos darmos conta. Em muitas situações do nosso cotidiano podem
ser facilmente identificados princípios da análise do comportamento aplicada.
Alguns exemplos serão discutidos nesse texto.

Você já ouviu falar ou já leu algo sobre o sistema de economia de fichas? É bem
possível que sim. Isso porque os primórdios da história da análise do
comportamento foram marcados pela modificação do comportamento e uma das
ferramentas dessas práticas era o sistema de economia de fichas. Porém, até os
dias de hoje muito já se estudou, muito já se desenvolveu e o fato é que ainda
podemos identificar o procedimento, não só dentro dos consultórios e instituições
onde atuam os analistas do comportamento, mas inclusive em nosso cotidiano.

Imagine a seguinte situação: é hora do almoço e a condição de privação já


estabelecendo como reforçador de um belo prato de arroz com feijão. Então, você
encontra um restaurante simpático com um preço acessível. Após eliminar a
condição aversiva que estava em vigor, comendo a saborosa combinação
brasileira, encaminha-se ao caixa para pagar o almoço. Eis então que a operadora
do caixa oferece um “cartão-fidelidade” ao entregar o troco e explica: “sempre que
consumir uma refeição aqui, você tem direito a um carimbo. Quando completar 10
carimbos você tem direito a uma refeição grátis acompanhada de um copo de
suco e sobremesa.” Você aceita o cartão e ganha seu primeiro carimbo. Agora,
qual a chance de você voltar naquele restaurante nos próximos almoços?
Skinner

E o que, afinal, é o sistema de economia de fichas? Poucos sabem mas, sistemas


com os princípios do que nomeamos como economia de fichas existem desde as
sociedades mais antigas, baseadas na agricultura: moedas de argila, que as
pessoas podiam ganhar em troca de bens e serviços, conforme Schmandt-
Besserat (1992) no trabalho de McLaughlin e Barretto (2013). O sistema tem sido
amplamente pesquisado ao longo das últimas décadas e aplicado em diferentes
configurações. Os professores e cuidadores têm utilizado esses sistemas no
ensino geral, educação especial, e em ambientes comunitários. Por causa da
variedade de sistemas baseados em fichas e a facilidade com que os professores
podem implementá-los, são utilizados em larga escala. Os princípios
comportamentais desse procedimento são baseados principalmente no conceito
de condicionamento operante. As fichas são, na maioria das vezes, um estímulo
neutro na forma de “pontos” ou itens tangíveis que são concedidos aos
participantes para aumentar a probabilidade de comportamentos alvo. Assim, a
ficha, que é neutra anteriormente, é repetidamente apresentada ao lado ou
imediatamente antes de um estímulo reforçador. Esse estímulo pode ser uma
variação de comestíveis, privilégios, ou outros incentivos. Ao realizar este
processo de repetição de apresentações de fichas neutras antes do estímulo de
reforço, a ficha torna-se a também um estímulo reforçador (McLaughlin & Barretto,
2013).

No caso do exemplo do restaurante, o cartão fidelidade pode ser discutido a luz do


sistema de economia de fichas. Os carimbos, podem se tornar estímulos
reforçadores ao serem trocados por uma refeição completa. E isso pode aumentar
a chance dos clientes voltarem ao restaurante e consumir as refeições, como
comportamentos alvo.

Além desse exemplo, outras estratégias de marketing podem ser facilmente


lembradas. O sistema de milhas em companhias aéreas, que são trocadas por
passagens aéreas quando acumuladas em um determinado número é outro
exemplo. E assim, a chance do consumidor se fidelizar a uma determinada
companhia aérea cresce quando ele passa a acumular os pontos e a trocá-los por
viagens “gratuitas”. Além disso, a proposta de acúmulo de pontos pelas agências
bancárias ao utilizar o pagamento na forma de crédito tende a estimular os
clientes a pedir a opção ao pagarem suas compras nos estabelecimentos.

Vários sistemas de pontos podem servir de exemplos para embasar essa


discussão. Mas e o sistema de pontos em carteira de habilitação? Segundo o
documento publicado no site da Secretaria de Segurança Pública do Governo do
Estado de São Paulo, de acordo com “a resolução n° 54/98 do Conselho Nacional
de Trânsito (Contran), os pontos passaram a ter eficácia punitiva a partir de 21 de
maio de 1998”, quando entrou em vigor o atual Código de Trânsito Brasileiro.
“Portanto, está sujeito a sofrer a punição de suspensão do direito de dirigir o
condutor que atingir 20 pontos num prazo de 12 meses.” Dessa forma, podemos
analisar esse tipo de sistema de pontos como um processo de controle aversivo:
pontos são retirados quando o motorista comete uma irregularidade. E qual o
efeito disso? Os motoristas geralmente agem sob controle da esquiva da punição
para então evitar a perda de pontos. Isso significa que, na prática, diminuem a
velocidade apenas quando avistam um radar e após passar por ele voltam a
transitar acima do limite de velocidade e assim por diante com outras infrações.

E se pudéssemos transformar o sistema de pontos em carteira em um real


sistema de economia de fichas? Se pontos fossem calculados a partir de
determinados períodos sem multas? E se esses pontos, por sua vez, pudessem
ser trocados por descontos nos impostos? Não é possível, ao certo, saber o efeito
de medidas como essa. Mas, em última instância, instrumentos da análise do
comportamento poderiam ser eficazes para trabalhar comportamentos alvo
relevantes socialmente.
Referências

Doll C.; McLaughlin, T. F.; & Barretto, A. (2013). The Token Economy: A Recent
Review and Evaluation. International Journal of Basic and Applied Science, 2, 131-
149.

Disponível em: http://www.ssp.sp.gov.br

5
Article Rating

Escrito por Livia Rech de Castro


Mora, atua em Campinas-SP e tem 23 anos. Psicóloga pela Puc-Campinas, está cursando especialização
em Terapia Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Na faculdade foi bolsista de Iniciação
Científica pelo CNPq, em pesquisas na área de Avaliação Psicológica. Atualmente, é membro do NACC –
Núcleo de Análises Comportamentais de Campinas, que tem como referência a aplicação e desenvolvimento
da abordagem Analítico Comportamental nos mais variados contextos. Atua como psicoterapeuta em uma
clínica multiprofissional, e trabalha na área de inclusão escolar/social para pessoas com deficiência.

Você também pode gostar