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GUIÃO DE ENTREVISTA

CRIANÇA

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Guião semi-estruturado que pretende sistematizar as principais áreas de avaliação

a explorar com a criança, no âmbito das perícias em Direito de Família e Menores

(Regime Jurídico do Divórcio e Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).

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1. Estabelecimento da relação e avaliação de aspectos do desenvolvimento

Apresentação e personalização da entrevista (tratar a criança pelo nome, permitir que

trate o entrevistador pelo nome); colocar a criança à vontade e tranquilizá-la; avaliar as

expectativas face ao processo de avaliação e, se necessário, clarificá-las; explicar os

limites da confidencialidade (podendo recorrer-se à metáfora do “bom segredo” e “mau

segredo”1); começar por abordar temas neutros (e.g., escola, amigos, brincadeiras

preferidas).

Nesta fase inicial privilegiar a avaliação da capacidade de atenção, memória e

raciocínio, bem como se a criança é capaz de fazer a distinção entre verdade/não

verdade e entre realidade/fantasia (pode recorrer-se a jogos lúdicos com temas neutros

para efectuar esta avaliação). Avaliar também a capacidade para narrar eventos neutros.

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Explicar à criança que os segredos bons são aqueles que nos fazem sentir bem (emoções positivas) e
que, por isso, podem ser guardados (por exemplo, uma prenda que vai ser oferecida, uma surpresa que
será feita a alguém). Pelo contrário, os maus segredos fazem-nos sentir mal, tristes, angustiados ou com
medo (emoções negativas) e, por isso, devem ser revelados a uma pessoa de confiança. Os maus segredos
nunca devem ser guardados.
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2. Dinâmicas familiares

 Com quem vive; pessoas significativas na sua vida;

 Atmosfera geral em casa, relação das pessoas umas com as outras;

 Que tipo de coisas costumam fazer em conjunto e separadamente;

 Descrição das rotinas (como é um dia típico durante a semana/fim de

semana/férias; que tarefas ou actividades a criança faz com cada um dos

elementos da família e como se sente);

 Momentos agradáveis em família, como se divertem;

 Percepção da criança acerca de cada elemento da família (e.g., papel de cada

um, regras e uso de métodos de disciplina adequados e inadequados, percepção

da relação e conflitos parentais);

 Descrição da relação com cada um dos elementos da família (aspectos que

considera mais positivos e eventuais aspectos a melhorar);

 Sentimentos associados a cada uma das pessoas da sua família;

 Natureza dos contactos e da relação com a família de origem.

3. Escola e outras actividades

 Nível e escola que frequenta/percurso escolar;

 O que gosta mais e menos na escola;

 Se já mudou ou gostaria de mudar de escola; se sim, porquê;

 Resultados escolares, sucessos e dificuldades;

 O que pensa e que atribuições faz acerca dos sucessos/dificuldades;

 Sentimentos de fracasso/frustração;
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 Relacionamento com os pares, professores e pessoal não docente;

 Actividades/brincadeiras nos intervalos;

 Percepção da escola e expectativas face ao futuro;

 Actividades extra-curriculares.

4. Relacionamento com pares/amizades

 Na escola, vizinhança ou outros contextos;

 Número, idade e sexo dos amigos;

 Melhor amigo (quem é, como é, o que mais admira);

 Actividades que fazem em conjunto ou separadamente;

 Com quem se identifica e porquê;

 Áreas de conflito e estratégias de resolução de conflitos;

 Sentimentos de integração/isolamento social;

 Papel que os amigos desempenham na sua vida.

5. Fantasias

 O que costuma desenhar, pintar, sonhar, brincar;

 Sonhos: os melhores, os piores, os repetitivos;

 Três desejos que gostaria que acontecessem na sua vida.

6. Auto-conceito

 Como é que a criança se vê a si mesma (aspectos que gosta mais e outros que

gostaria de melhorar ou alterar, de que forma e porquê);

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 Grau de aceitação e satisfação consigo própria;

 Discriminação das diferentes emoções/vocabulário emocional;

 Situações associadas a diferentes emoções: tristeza, alegria, zanga, medo,

desprezo, surpresa, nojo e neutra (e.g., “o que a faz sentir-se assim?”, “como lida

com estas emoções?”, “como reagem as outras pessoas face a estas emoções?”);

 Perspectivas face ao futuro (e.g., “o que gostarias ou receias que aconteça?”, “o

que gostavas de ser/fazer quando cresceres?”).

7. Suspeita de violência directa sobre a criança2 ou exposição à violência

interparental

Avaliar contexto e antecedentes das práticas parentais, comportamentos específicos,

pensamentos e sentimentos da criança, consequências, atribuições e estratégias de

“coping”.

Exemplos de perguntas específicas:

 (Se a criança refere que se porta mal) O que significa portar mal? (pedir

exemplos); O que é que o teu pai/mãe te costuma dizer ou fazer quando te portas

mal?

 Como é que tu te sentes quando isso acontece?

 (Se a criança referir a existência de castigos) Como são esses castigos? Com que

frequência acontecem? E se tu não cumprires o castigo, o que é que acontece?

Os castigos da mãe são os mesmos dos do pai? Em que é que são diferentes?

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Este guião de entrevista não se destina a avaliar situações em que existe uma suspeita de que a criança
possa ter sido, ou estar a ser vítima de abuso sexual. Para essas situações ver protocolos de avaliação
específicos.

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Com que frequência acontecem? Lembras-te qual foi o pior castigo que já

tiveste? Conta-me como foi.

 (Se a criança referir que os pais lhe batem) Explica-me como é que os pais te

batem. Batem com o quê? (mão, objecto, etc). Batem em que parte do corpo?

(pode pedir-se para apontar para a parte do corpo, especialmente em crianças

mais novas). Alguma vez ficaste com alguma marca ou ferida depois dos pais te

baterem? Conta-me como foi. Alguém viu essa marca? Contaste a alguém? (se

sim, avaliar a reacção dessa pessoa). Com que frequência isso acontece?

(aconteceu uma vez ou mais do que uma vez?) Lembras-te qual foi a situação

em que o pai/mãe te bateu mais? Conta-me como foi.

 (Se a criança referir a existência de nomes feios, asneiras ou ameaças)

Consegues dizer-me exactamente o que é que o pai/mãe te chama/do que é que

te ameaça? (mesmo que seja um nome feio, aqui é muito importante que tu o

digas; dar a oportunidade à criança para escrever, se preferir). O que é que tu

sentes quando te chamam/dizem isso? Qual foi a pior situação de que tu te

lembras? Conta-me como foi. Com que frequência isso ocorre? (aconteceu uma

vez ou mais do que uma vez?).

 (Se a criança referir violência ente os pais). Os teus pais discutem? Como são

essas discussões? O que é que acontece quando eles não estão de acordo? Já

alguma vez os ouviste gritar? Ou bater? Se sim, conta-me como foi. Qual foi a

pior coisa que já viste, ouviste ou soubeste que aconteceu entre os teus pais?

Alguma vez alguém ficou magoado? Se sim, quem? Como? Como te sentes

quando estas situações acontecem? O que fazes?

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 Alguma vez pediste ajuda ou contaste a alguém? Se sim, a quem? Como? Como

foi a reacção dessa pessoa? O que aconteceu depois?

 Quem achas que pode ajudar-te a sentires-te mais seguro? (identificar uma

pessoa de confiança).

 (Avaliar o grau de segredo da situação) Alguma vez os pais te pediram segredo?

Como achas que os teus pais podem reagir se souberem que há outras pessoas

que têm conhecimento da situação?

8. Situações de separação/divórcio

8.1 Dinâmica familiar prévia ao processo de separação/divórcio

Relação conjugal: como era a relação entre os teus pais quando viviam todos juntos? O

que é que eles faziam em conjunto? Como era o dia-a-dia? O que os fazia sentir

felizes/tristes/zangados...? (explorar eventual consumo de substâncias e/ou situações de

violência na relação de intimidade).

Relação entre a criança e cada um dos progenitores: o que faziam juntos? Quem

assegurava as diversas rotinas? De que forma? O que gostavas mais/menos de fazer com

cada um dos pais? Quando te portavas mal ou fazias alguma coisa errada, como reagia o

teu pai/mãe? E quando te portavas bem?

Explorar a relação com as famílias de origem ou outros significativos na sua vida.

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8.2 Processo de separação/divórcio

Que conhecimento tens do processo de separação? O que é que te disseram? Quem?

Quando? Como? Como te sentiste?

Porque achas que os pais se separaram? O que mudou com a separação?

(melhorou/piorou).

Avaliar se existe fantasia de reconciliação, atribuição de responsabilidade a algum dos

progenitores ou a si própria, ou a terceiros.

8.3 Dinâmica familiar após o processo de separação/divórcio

O que aconteceu depois dos pais se separarem?

Contactos com ambos os progenitores: com quem ficaste/foste viver? Gostavas que

tivesse sido diferente? De que forma? O que mudarias?

Como é em casa de cada um dos pais? O que gostas mais/menos e porquê? O que

gostavas que fosse diferente? Se pudesses mudar alguma coisa, o que mudarias?

Gostavas de estar com o teu pai/mãe mais tempo, menos tempo ou o mesmo tempo que

estás agora? Porquê? O que gostavas de fazer nesse tempo?

Mudanças de escola/amigos/rede social (explorar sentimentos associados às diversas

mudanças).

Contactos com as famílias de origem de ambos os pais (Continuaram a acontecer? De

que forma? Com que periodicidade? Gostavas que fosse diferente?)

Avaliar a existência de alianças/conflitos de lealdade/sugestionabilidade: Os pais

costumam falar um do outro? Se sim, o que dizem em relação ao outro? A quem? Como

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é que a mãe/pai se sente (ou achas que ele/ela se sente) quando tu dizes ou mostras que

queres falar/estar com o outro?

9. Expectativas

O que gostavas que acontecesse no futuro?

Existe alguma coisa que tenhas medo que aconteça? O quê?

Qual seria a melhor/pior coisa que poderia acontecer na tua vida?

10. Resumo e conclusão da entrevista

Contribuir para que a criança saia da entrevista com um humor positivo, relaxada e com

o sentimento de que não é culpada nem responsável por qualquer decisão.

Resumir a entrevista (reforçando a colaboração da criança e o seu esforço) utilizando,

preferencialmente, as palavras da criança. Terminar com temas neutros e uma atmosfera

positiva. Dar espaço para a criança colocar eventuais questões ou pedir esclarecimentos.

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