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Da Natureza dos Deuses II (De Natura Deorum – Liber II) |1

ISBN 978-85-463-0295-6 SUMÁRIO


Da Natureza dos Deuses II (De Natura Deorum – Liber II) |2

Cícero

Da Natureza dos Deuses II


(De Natura Deorum – Liber II)

Tradução, Introdução e Notas


Willy Paredes Soares
Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB/PPGL).
Professor Adjunto II da UFPB, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (DLCV).

Edição Bilíngue
Latim/Português

Ideia – João Pessoa – 2018

ISBN 978-85-463-0295-6 SUMÁRIO


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Todos os direitos e responsabilidades sobre textos e imagens são do autor.

Capa/Diagramação: Magno Nicolau

Revisão Latim/Português: Jaynnoã Fernando Silva Lopes

_____________________________________________
C568n Cícero.
Da natureza dos deuses - Livro II / Willy Paredes Soares
(tradutor do Latim para o Português). Bilingue. João Pessoa:
Ideia, 2018.
192p.
ISBN 978-85-463-0198-0
1. Latim - Português
CDU: 807.1

EDITORA
www.ideiaeditora.com.br
ideiaeditora@uol.com.br

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Sumário
Do Livro II .......................................................................... 5

Das Variações Textuais no Livro II.............................. 10

DE NATVRA DEORVM – LIBER II ........................... 17

DA NATUREZA DOS DEUSES – LIVRO II ............. 17

Das Constelações ........................................................... 191

Referências ..................................................................... 192

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Da Natureza dos Deuses II (De Natura Deorum – Liber II) |5

Do Livro II

O livro II compõe a exposição mais ampla do diálogo filosófico De Natura Deorum, é proferida pelo
personagem Balbo, partidário do estoicismo. Os seus dois primeiros parágrafos compõem o exórdio, é apresentado de
forma bem particular, não há propriamente a exposição de tudo que a causa contém, ou seja, as concepções sobre
natureza dos deuses, já que há a continuação do diálogo iniciado no livro I. Sendo assim o personagem Balbo fala
resumidamente sobre a exposição da causa de maneira bem particular através do diálogo com os outros dois
personagens, Veleio e Cota, e tenta prepará-los para o início de seu discurso1.
Como o assunto já foi definido no livro I, está claro do que se trata, pode-se recorrer aos dizeres do Aristóteles
sobre proêmio, para explicitar a preferência do personagem por uma introdução discursiva tão breve2. Assim o
personagem Balbo prefere ir direto à narração, pois o assunto foi claramente definido, porém demonstra certo receio
em explicitar sua tese, já que preferiria ouvir os ideais acadêmicos do personagem Cota primeiramente.
Mesmo receando que o seu discurso seja refutado como aconteceu com o de Veleio, no livro I, o personagem
Balbo prepara os adversários para o que viria a compor a sua narração que se estende do parágrafo 3 ao 167. Sendo
assim, a narração não pode ser considerada breve, pois compõe o maior discurso entre os três personagens, além disso
apenas 4 parágrafos do livro II não estão incluídos nesta parte do discurso de Balbo, porém o personagem tenta
explicitar a doutrina estoica de uma maneira que delucida sit, “seja clara”, apresentando sua teoria organizada e em
sequência, tentando evitar a digressão temática e para garantir tal efeito de organização, Balbo se utiliza de um
recurso que precede propriamente o início narração3.

1
De Natura Deorum, II, 1-2
2
Retórica, 1415a, 22-25
3
De Natura Deorum, II, 3

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O discurso de Balbo se dispõe conforme o enunciado pelo próprio personagem, mas é preciso evidenciar que as
quatro partes que ele pretende abordar, duas são consideradas mais relevantes: o mundo é governado pelos deuses; os
deuses se ocupam das coisas humanas.
Sobre o argumento de que os deuses existem, primeiramente é demonstrado que o senso comum elevou a
deuses homens notáveis pelos feitos e pela fama, como Hércules, Castor e Pólux, Esculápio e Rômulo4. Balbo leva
em consideração o senso comum, situa entre os deuses não apenas aqueles que são provenientes da união de dois
deuses, conforme é comum à concepção de imortalidade. Seres, que são provenientes de um genitor mortal e de outro
imortal, não deveriam ser considerados imortais, como se observa em Hesíodo5. Partindo desta definição os
“semideuses” seriam apenas metade deuses, não sendo totalmente providos das qualidades divinas, portanto
perecíveis, como os próprios alimentos que ingerem.
Os deuses nomeados por Balbo parecem possuir características que contrariam os atributos divinos, sendo
assim dão margem para possíveis críticas: como considerar deuses, imortais, seres que ingerem alimentos perecíveis,
não deveriam os deuses, segundo apontam os poetas épicos, alimentarem-se de néctar, ambrosia e de matéria
inorgânica? Claramente o representante do estoicismo se deixa conduzir pelo senso comum e não reflete sobre suas
afirmações e sobre os que ele considera deuses, como Esculápio que foi, segundo a tradição, gerado pela união do
deus Apolo e da mortal Corônis; Hércules, de Zeus e da mortal Alcmena; Rômulo, de Marte e de Reia Sílvia; Castor
e Pólux, de Zeus e de Leda.
Balbo poderia ter criticado o senso comum, que se deixa conduzir por uma tradição que contraria evidentes
cultos e ritos, como nas oferendas a queima de gordura que era destinada aos deuses; deve-se perceber que não se
acreditava que os deuses se alimentavam dela, mas da fumaça produzida, que é composta de matéria inorgânica e não
perecível, assim como seriam os deuses, já que são imortais.
Após a demonstração dos semideuses, considerados deuses e imortais, Balbo segue sua tentativa de definição
de quais seriam os deuses, retomando os mitos tradicionais divulgados pela tradição, principalmente pelos poetas
épicos, e acrescentando uma elucidação etimológica, na tentativa de explicar por que os deuses possuíam tal ou tal
denominação6. Balbo tenta estabelecer uma conexão entre o nome da divindade, o termo que nomeia as ações

4
De Natura Deorum, II, 62
5
Trabalhos e Dias, v.159-160
6
De Natura Deorum, II, 64

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naturais e os atributos associados à divindade, como se percebe em Cronos, deus do tempo, cujo nome seria
proveniente de χρόνος, “tempo”, termo que designa o tempo em grego; os mesmos princípios etimológicos são
aplicados a Saturnο, divindade correspondente na mitologia romana ao deus Κρόνος, cujo nome é proveniente do
verbo latino saturo, “alimentar-se, fartar-se”, já que Saturno mitologicamente se alimenta dos filhos e, por extensão,
também se alimenta dos anos, do tempo; o nome do deus Júpiter, seria proveniente do verbo latino iuuo, “ajudar,
auxiliar, ser útil”, ou seja, Júpiter é iuuans pater, “o pai que ajuda”, que todos chamam a iuuando, “para ajudar”. O
mesmo raciocínio etimológico é empregado para explicitar os nomes dados a uma variedade de deuses, associados a
atributos naturais por comparação com as ações naturais e com as funções exercidas pelas divindades7.
Na terceira parte de sua narração, Balbo defende que mundum administrari, “o mundo é governado”, pelos
deuses e que os estoicos admitem que tal administração pode ser demonstrada em três argumentos:

Eamque disputationem tris in partes nostri fere diuidunt, quarum prima pars est, quae ducitur ab ea ratione, quae
docet esse deos; quo concesso confitendum est eorum consilio mundum administrari. Secunda est autem quae
docet omnes res subiectas esse naturae sentienti ab eaque omnia pulcherrume geri; quo constituto sequitur ab
animantibus principiis eam esse generatam. Tertius est locus, qui ducitur ex admiratione rerum caelestium atque
terrestrium. (De Natura Deorum, II, 75)

E os nossos geralmente dividem em três partes esta dicussão, cuja primeira parte é a que é conduzida por aquela
razão, que ensina que os deuses existem; permitido isso, deve-se admitir que o mundo é governado por seu
conselho. Porém, a segunda é a que ensina que todas as coisas são sujeitas a uma natureza sensitiva e que por ela
tudo é criado mais belamente; constituído isso, segue que ela foi gerada por princípios animados. O terceiro
argumento é o que é conduzido a partir da admiração das coisas celestes e terrestres.

Baseando-se no argumento de que, além de existirem, os deuses administram as coisas humanas, o personagem
afirma que não há nada mais superior do que uma divindade, uma vez que esta não é obediente a nada, segue e rege
seus próprios princípios, que, ao invés de serem regidos pela natureza, regem-na.

7
De Natura Deorum, II, 66-70

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Comenta-se que não se devem ignorar tais princípios de evidência divina, de modo que os deuses devam ser
tratados com respeito e observados pelos humanos, pois haveria uma uis, “força”, proveniente dos próprios deuses
que comanda não só a natureza, mas o princípio de inteligência, o ensinamento do justo e do injusto, a prudência e a
própria concepção de mente, a partir da qual a fides, “fides”, a uirtus, “virtude”, e os principais fundamentos éticos
permanecem no gênero humano. Não poderia um deus administrar as coisas da natureza, se não tivessem um
conhecimento mínimo de seu funcionamento e, segundo Balbo, isso não seria possível, caso os deuses fossem
inferiores à natureza e aos princípios que a regem8.
Na sequência de seus argumentos, Balbo tenta elucidar que todas as coisas da natureza foram criadas por
princípios animados, sobre os quais certamente ele sobrepõe os deuses, que, segundo o personagem, carregam em si
todo conhecimento para a administração das coisas naturais, que não apresentam nenhuma casualidade, nem
desordem na organização de seus elementos9. Além disso, detém-se em explicitar por que os deuses consulere rebus
humanis, “ocupam-se das coisas humanas”. Aos ideais estoicos, os animais terrestres, aquáticos e que voam teriam
sido criados para o benefício humano, pois só os deuses se preocupariam em fornecer os subsídios necessários aos
seres humanos para a sua perpetuação no mundo. Sendo assim, o personagem afirma que sempre houve um grande
cuidado com as coisas terrestres10 e que isso só poderia ter sido pensado e organizados, do modo como se conhece,
pelos deuses, pois todas as coisas teriam sido criadas e são administradas em função dos homens. Não haveria
sentido, segundo o personagem, na produção contínua da natureza e em sua renovação constante, se não existissem
seres capazes de perceber tal engenhosidade de organização nos ciclos naturais.
O conceito de percepção desses ciclos é defendido para garantir a exposição dos argumentos do personagem,
pois todo trabalho de criação e administração das coisas terrestres não teriam fundamento sem a existência de um ser
capaz de contemplá-las, ser que desfrutasse de faculdades mentais semelhantes à dos deuses, capaz de entender, na
medida do possível, a complexidade do ciclo natural e sua reprodução. Sendo assim se afirma que os deuses criaram
os humanos ut deorum cognitionem caelum intuentes capere possent, “para que, olhando atentamente o céu,
pudessem tomar conhecimento dos deuses11”, o que comprova, nos ditos de Balbo, a capacidade do ser humano de

8
De Natura Deorum, II, 77
9
Idem, II, 83-84
10
Ibidem, II, 127
11
Ibidem, II, 140

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contemplação da natureza, de seus ciclos, de sua geração e perpetuação, e o que é mais importante para os humanos a
identificação e a admiração dos seres divinos que foram capazes de tamanhas proezas criativas, fator pelo qual os
deuses precisam ser honrados e cultuados.
O discurso do estoico não situa os humanos como simples seres contemplativos e desprovidos de qualquer
mente ou razão. Há a demonstração de que o homem recebe os devidos cuidados dos deuses, pois estes, além de
administrar toda sua criação, seja animal, mineral ou vegetal, também forneceram ao homem subsídios semelhantes
aos que os próprios deuses apresentam, ou seja, a mente, a razão, a prudência, entre outros elementos que distinguem
os seres humanos dos demais animais presentes do mundo.
A partir desses exemplos, o personagem afirma que a natureza do homem ultrapassa a de todos os outros seres
animados e que se deve compreender que nem a forma, nem a posição dos membros, nem o raciocínio nos humanos
podem ter sido criados ao acaso, mas sim pelas divindades12, uma vez que o ser humano foi provido das mesmas
faculdades que estão presentes nos deuses, rationem, consilium, prudentia, “razão, conselho, prudência”, não haveria
motivos para que Balbo não declarasse que o mundo é o local de comum morada entre deuses e homens13.
As palavras de Balbo, no livro II, criticam sobretudo os conceitos de Pronoia e da teoria atômica que foi
desenvolvida por Veleio, no livro I, baseando-se na afirmação de que os epicuristas não teriam os conhecimentos
necessários para falar acertadamente sobre a natureza divina, pois teriam lido apenas os escritos de Epicuro sobre o
assunto. Tais críticas poderiam ter garantido ao estoico a composição de uma exímia contra-argumentação, o que
vincularia ao discurso de Balbo explicações mais detalhadas das ideias estoicas acerca do epicurismo na Roma do
séc. I a.C.
Após a narração, o personagem Babo finaliza o seu discurso e de forma bastante breve apresenta sua conclusão,
composta apenas por um parágrafo14, em que se afirma que as coisas relevantes, que lhes chegaram à mente e que
deveriam ser explicitadas, foram apresentadas, segundo os ideais do estoicismo.

12
De Natura Deorum, II, 147
13
Idem, II, 154
14
Ibidem, II, 168

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Das Variações Textuais no Livro II


O original latino utilizado na tradução é basicamente o texto apresentado por Otto Plasberg, do ano de 1917
(α), na edição: M. Tullius Cicero. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917. Foram consultados
também os seguintes textos latinos: Otto Plasberg, do ano de 1993 (β), presente na edição: Cicerone. La Natura
Divina; a cura de Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007. Joannes Davisius, do ano
de 1723 (γ), presente na edição: M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli
Manucii, Petri Victorii, Joachimi Camerarii et alii. Editio secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII.
Società Editrice Dante Alighieri, do ano de 1984 (δ), presente na edição: M. Tullio Cicerone. De Natura Deorum;
texto, costruzione versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice Dante Alighieri, 1984. Não há indicação
nessa edição (1984) do manuscrito utilizado.
As edições γ e δ apresentam o diálogo filosófico De Natura Deorum dividido em três livros, compostos por
44, 62 e 60 partes, respectivamente. As edições α e β apresentam-no em três livros, compostos por 124, 168 e 95
partes, respectivamente.
Apesar da discrepância entre o número de partes do diálogo, o texto apresentado tem a mesma extensão em
todas as edições consultadas. Tal discrepância de partes é observada devido à preferência das edições γ e δ em
subdividirem os livros em seções maiores. Preferiu-se, como texto base, a edição α, porém há várias passagens
presentes nas outras três edições consultadas que divergem da β.
As edições α e β são respectivamente de datas distintas (1917 e 1993) e apresentam, em se estabelecendo as
devidas comparações, algumas variações entre os textos no âmbito da pontuação, do vocabulário, da grafia e da
fragmentação textual.

Divergências vocabulares:
α: “et in animo quasi inscriptum esse deos.” (II, 12) e β: “et in animo quasi insculptum esse deos.” (II, 12); α:
“quas perlucidas fecit (...)” (II, 142) e β: “quas primum perlucidas fecit (...)” (II, 142).

Divergências de grafia:
α: “nisi diligenter adtenderis (...)” (II, 149) e β: “nisi diligenter attenderis (...)” (II, 149).

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Divergências de pontuação:

α: “nulli uiri uocantur, ex quo in procinctu testamenta perierunt (...)” (II, 9), γ: “nulli uiri uocantur, ex quo in
procinctu testamenta perierunt.” e δ: “nulla, cum uiri uocantur, ex quo in procinctu testamenta perierunt.”; α: “uel
maximam aequabilitatem motus [constantissimamque] conuersionem caeli, solis lunae siderumque omnium
distinctionem, utilitatem (...)” (II, 15), γ: “uel maxumam, aequabilitatem motus, conuersionem caeli: solis, lunae,
siderumque omnium distinctionem, uarietatem (...)” e δ: “uel maximam, aequabilitatem motus conuersionumque
caeli, solis, lunae siderumque omnium distictionem, uarietatem (...)”; α: “tamen id ipsum rationibus physicis, id est
naturalibus, confirmari uolo.” (II, 23), γ: “tamen id ipsum rationibus physicis confirmare uolo.” e d: “tamen id ipsum
rationibus physicis confirmare uolo.”; α: “ut ecum uehendi causa (...)” (II, 37), γ: “ut equum, uehendi caussa (...)” e δ:
“ut equum, uehendi causa (...)”; α: “quae cum est aquilonia aut australis, in lunae (...)” (II, 50), γ: “quae tum
aquilenta, tum australis. In lunae (...)” e δ: “quae tum est aquilonia, tum australis. Itaque in lunae (...)”; α: “diligenter
retractarent et tamquam relegerent, [i] sunt dicti religiosi ex relegendo, [tamquam] elegantes ex eligendo, [tamquam]
[ex] diligendo diligentes (...)” (II, 72), γ: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, sunt dicti religiosi ex
relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex tamquam a diligendo diligentes (...)” e δ: “diligenter retractarent et tamquam
relegerent, sunt dicti religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex diligendo diligentes (...)”; α: “quacumque
enim imus qua mouemur (...)” (II, 83), γ: “quacumque enim imus, quacumque mouemur (...)” e δ: “quacumque enim
imus, quacumque mouemur (...)”; α: “‘Sicut inciti atque alacres rostris perfremunt delphini’ – Item alia multa –
‘Siluani melo consimilem ad aures cantum et auditum refert.’” (II, 89) e γ: “‘Sicut inciti alacres rostris perfremunt
dephini:’ item alia multa. ‘Siluani melo consimilem ad aures cantum et auditum refert.’”; α: “Graiugena: de isto
aperit ipsa oratio.” (II, 91) e γ: “Graiugena de isto aperit ipsa oratio.”; α: “Propter quae Centaurus/ ‘cedit Equi partis
properans subiungere Chelis./ Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur’./ ‘tendit et inlustrem truculentus
cedit ad Aram./ Hic sese infernis e partibus erigit Hydra’,/ cuius longe corpus est fusum,/ ‘in medioque sinu fulgens
Cretera relucet./ Extremam nitens plumato corpore Coruus/ rostro tundit, et hic Geminis est ille sub ipsis/ Ante
Canem, Procyon Graio qui nomine fertur.” (II, 114) e γ: “Propter quae Centaurus/ ‘Cedit, Equi partis properans
subiungere Chelis.’/ ‘Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur,’/ ‘Tendit, et inlustrem truculentus caedit ad
aram.’/ ‘Hic sese infernis de partibus erigit Hydra:’ cuius longe corpus est susum. ‘In medioque sinu fulgens Cratera
relucet.’/ ‘Extremum nitens plumato corpore Coruus’/ ‘Rostro tundit: et hic Geminis est ille sub ipsis’/ ‘Ante Canem,

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Procyon Graio qui nomine fertur.’”; α: “plenissumae terrae, artes denique innumerabiles (...)” (II, 132), γ:
“plenissimae terrae: artes denique innumerabiles (...)” e δ: “plenissimae terrae, utilitates denique innumerabiles (...)”;
α: “non egeremus, ut qui tamquam inuoluti quiescerent (...)” (II, 143), γ: “non egeremus, ut qui, tamquam inuoluti,
quiescerent (...)” e δ: “non egeremus, tamquam inuoluti quiescerent (...)”.
Divergências vocabulares:

α: “et in animo quasi inscriptum esse deos.” (II, 12), γ: “et in animo quasi insculptum, esse deos.” e δ: “et in
animo quase insculptum esse deos.”; α: “uel maximam aequabilitatem motus [constantissimamque] conuersionem
caeli, solis lunae siderumque omnium distinctionem, utilitatem (...)” (II, 15), γ: “uel maxumam, aequabilitatem
motus, conuersionem caeli: solis, lunae, siderumque omnium distinctionem, uarietatem (...)” e δ: “uel maximam,
aequabilitatem motus conuersionumque caeli, solis, lunae siderumque omnium distictionem, uarietatem (...)”; α:
“quorum aliud a terra sumpsimus (...)” (II, 18), γ: “quod aliud a terra sumpsimus (...)” e δ: “quod aliud a terra
sumpsimus (...)”; α: “autem conclusae rationis (...)” (II, 20), γ: “autem conclusae orationis (...)” e δ: “autem conclusae
orationis (...)”; α: “nam solis calor et candor inlustrior (...)” (II, 40), γ: “Nam solis candor inlustrior (...)” e δ: “Nam
solis et candor illustrior (...)”; α: “medioque tantum absit extremum, quo nihil fieri potest aptius (...)” (II, 47), γ:
“medioque tantum absit extremum, quantum idem a summo: quo nihil fieri potest aptius.” e δ: “medioque tantum
absit extremum, quantum idem a summo, quo nihil fieri potest aptius.”; α: “quae cum est aquilonia aut australis, in
lunae (...)” (II, 50), γ: “quae tum aquilenta, tum australis. In lunae (...)” e δ: “quae tum est aquilonia, tum australis.
Itaque in lunae (...)”; α: “et oriuntur e terris, +Cui Proserpinam (...)” (II, 66), γ: “et oriantur e terris. Is rapuit
Proserpinam (...)” e δ: “et oriuntur e terris. Cui nuptam dicunt Proserpinam (...)”; α: “Quos deos (...)” (II, 71), γ: “hos
deos (...)” e δ: “hoc eos (...)”; α: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, [i] sunt dicti religiosi ex relegendo,
[tamquam] elegantes ex eligendo, [tamquam] [ex] diligendo diligentes (...)” (II, 72), γ: “diligenter retractarent et
tamquam relegerent, sunt dicti religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex tamquam a diligendo diligentes
(...)” e δ: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, sunt dicti religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex
diligendo diligentes (...)”; α: “quacumque enim imus qua mouemur (...)” (II, 83), γ: “quacumque enim imus,
quacumque mouemur (...)” e δ: “quacumque enim imus, quacumque mouemur (...)”; α: “Utque ille apud Accium
pastor (...)” (II, 89), γ: “Atqui ille apud Attium pastor (...)” e δ: “Atqui ille apud Accium pastor (...)”; α:

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“Cuius/ ‘propter laeum genum’/ ‘Vergilias.” (II, 112), γ: “‘At propter laeuum genus omni ex parte locatas’/ ‘Paruas
Vergilias.’” e δ: “‘Cuius propter laeuum genus omni ex parte locatas’/ ‘Paruas Vergilias.’”; α: “Propter quae
Centaurus/ ‘cedit Equi partis properans subiungere Chelis./ Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur’./
‘tendit et inlustrem truculentus cedit ad Aram./ Hic sese infernis e partibus erigit Hydra’,/ cuius longe corpus est
fusum,/ ‘in medioque sinu fulgens Cretera relucet./ Extremam nitens plumato corpore Coruus/ rostro tundit, et hic
Geminis est ille sub ipsis/ Ante Canem, Procyon Graio qui nomine fertur.” (II, 114) e γ: “Propter quae Centaurus/
‘Cedit, Equi partis properans subiungere Chelis.’/ ‘Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur,’/ ‘Tendit, et
inlustrem truculentus caedit ad aram.’/ ‘Hic sese infernis de partibus erigit Hydra:’ cuius longe corpus est susum. ‘In
medioque sinu fulgens Cratera relucet.’/ ‘Extremum nitens plumato corpore Coruus’/ ‘Rostro tundit: et hic Geminis
est ille sub ipsis’/ ‘Ante Canem, Procyon Graio qui nomine fertur.’”; α: “cursu leones (...)” (II, 127), γ: “morsu leones
(...)” e δ: “morsu leones (...)”; α: “plenissumae terrae, artes denique innumerabiles (...)” (II, 132), γ: “plenissimae
terrae: artes denique innumerabiles (...)” e δ: “plenissimae terrae, utilitates denique innumerabiles (...)”; α: “a corde
tractae et profectae (...)” (II, 139), γ: “a corde tracti et profecti (...)” e δ: “a corde tracti et profecti (...)”; α: “Quae
primum oculos membranis tenuissimis uestiuit et saepsit; quas perlucidas fecit (...)” (II, 142), γ: “quas primum
perlucidas fecit (...)” e δ: “quas primum perlucidas fecit (...)”; α: “nisi diligenter adtenderis (...)” (II, 149), γ: “nisi
diligenter adtenderis (...)” e δ: “si diligenter attenderis (...)”; α: “deorum prudentia (...)” (II, 162), γ: “deorum
prouidentia (...)” e δ: “deorum prouidentia (...)”;

Divergências de grafia:

α: “Eundem equidem mallem audire Cottam (...)” (II, 2), α: “Eudem equidem mallem audire Cottam (...)” e δ:
“Eudem equidem malim audire Cottam (...)”; α: “nulli uiri uocantur, ex quo in procinctu testamenta perierunt (...)”
(II, 9), γ: “nulli uiri uocantur, ex quo in procinctu testamenta perierunt.” ed: “nulla, cum uiri uocantur, ex quo in
procinctu testamenta perierunt.”; α: “uel maximam aequabilitatem motus [constantissimamque] conuersionem caeli,
solis lunae siderumque omnium distinctionem, utilitatem (...)” (II, 15), γ: “uel maxumam, aequabilitatem motus,
conuersionem caeli: solis, lunae, siderumque omnium distinctionem, uarietatem (...)” e δ: “uel maximam,
aequabilitatem motus conuersionumque caeli, solis, lunae siderumque omnium distictionem, uarietatem (...)”; α: “ut
ecum uehendi causa (...)” (II, 37), γ: “ut equum, uehendi caussa (...)” e δ: “ut equum, uehendi causa (...)”; α: “nam

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solis calor et candor inlustrior (...)” (II, 40), γ: “Nam solis candor inlustrior (...)” e δ: “Nam solis et candor illustrior
(...)”; α: “Utque ille apud Accium pastor (...)” (II, 89), γ: “Atqui ille apud Attium pastor (...)” e δ: “Atqui ille apud
Accium pastor (...)”; α: “Graiugena: de isto aperit ipsa oratio.” (II, 91) e γ: “Graiugena de isto aperit ipsa oratio.”; α:
“hoc caput hic paulum sese subitoque recondite (…)” (II, 108), γ: “Hoc caput hic paullum sese subitoque recondit.” e
δ: “Hoc caput hic paulum sese subito aequore condit.”; α: “Propter quae Centaurus/ ‘cedit Equi partis properans
subiungere Chelis./ Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur’./ ‘tendit et inlustrem truculentus cedit ad
Aram./ Hic sese infernis e partibus erigit Hydra’,/ cuius longe corpus est fusum,/ ‘in medioque sinu fulgens Cretera
relucet./ Extremam nitens plumato corpore Coruus/ rostro tundit, et hic Geminis est ille sub ipsis/ Ante Canem,
Procyon Graio qui nomine fertur.” (II, 114) e γ: “Propter quae Centaurus/ ‘Cedit, Equi partis properans subiungere
Chelis.’/ ‘Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur,’/ ‘Tendit, et inlustrem truculentus caedit ad aram.’/ ‘Hic
sese infernis de partibus erigit Hydra:’ cuius longe corpus est susum. ‘In medioque sinu fulgens Cratera relucet.’/
‘Extremum nitens plumato corpore Coruus’/ ‘Rostro tundit: et hic Geminis est ille sub ipsis’/ ‘Ante Canem, Procyon
Graio qui nomine fertur.’”; α: “plenissumae terrae, artes denique innumerabiles (...)” (II, 132), γ: “plenissimae terrae:
artes denique innumerabiles (...)” ed: “plenissimae terrae, utilitates denique innumerabiles (...)”.

Fragmentos nos textos:

α: “An Atti Naui lituus ille, quo ad inuestigandum suem regiones uineae terminauit, contemnendus est?” (II,
9), γ: “An Atti Naui lituus ille, quo ad inuestigandum suem regiones uineae terminauit, contemnendus est?” e δ: “An
Atti Nauii lituus ille contemnendus est?”; α: “tamen id ipsum rationibus physicis, id est naturalibus, confirmari uolo.”
(II, 23), γ: “tamen id ipsum rationibus physicis confirmare uolo.” e δ: “tamen id ipsum rationibus physicis confirmare
uolo.”; α: “nam solis calor et candor inlustrior (...)” (II, 40), γ: “Nam solis candor inlustrior (...)” e δ: “Nam solis et
candor illustrior (...)”; α: “medioque tantum absit extremum, quo nihil fieri potest aptius (...)” (II, 47), γ: “medioque
tantum absit extremum, quantum idem a summo: quo nihil fieri potest aptius.” e δ: “medioque tantum absit
extremum, quantum idem a summo, quo nihil fieri potest aptius.”; α: “et oriuntur e terris, +Cui Proserpinam (...)” (II,
66), γ: “et oriantur e terris. Is rapuit Proserpinam (...)” e δ: “et oriuntur e terris. Cui nuptam dicunt Proserpinam (...)”;
α: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, [i] sunt dicti religiosi ex relegendo, [tamquam] elegantes ex
eligendo, [tamquam] [ex] diligendo diligentes (...)” (II, 72), γ: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, sunt

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dicti religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex tamquam a diligendo diligentes (...)” e δ: “diligenter
retractarent et tamquam relegerent, sunt dicti religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex diligendo diligentes
(...)”; α: “Cuius/ ‘propter laeum genum’/ ‘Vergilias.” (II, 112), γ: “‘At propter laeuum genus omni ex parte locatas’/
‘ParuasVergilias.’” e δ: “‘Cuius propter laeuum genus omni ex parte locatas’/ ‘Paruas Vergilias.’”; α: “quin etiam a
caulibus brassicae, si propter sati sint (...)” (II, 120), γ: “Quin etiam a caulibus, [brassicisque,] si propter sati sint (...)”
e δ: “Quin etiam a caulibus, si propter sati sint (...)”; α: “Quae primum oculos membranis tenuissimis uestiuit et
saepsit; quas perlucidas fecit (...)” (II, 142), γ: “quas primum perlucidas fecit (...)” e δ: “quas primum perlucidas fecit
(...)”; α: “non egeremus, ut qui tamquam inuoluti quiescerent (...)” (II, 143), γ: “non egeremus, ut qui, tamquam
inuoluti, quiescerent (...)” e δ: “non egeremus, tamquam inuoluti quiescerent (...)”.

Divergências nos empregos verbais:

α: “quae efferuescunt subiectis ignibus.” (II, 27), γ: “quae efferuescunt subditis ignibus.” e δ “quae
efferuescunt subditis ignibus.”; α: “qui esset mundi pars, quoniam rationis esset particeps (...)” (II, 32), γ: “qui est
mundi pars, quoniam rationis est particeps (...)” e δ: “qui est mundi pars, quoniam rationis est particeps (...)”; α:
“Itaque nihil potest indoctius (...)” (II, 48), γ: “Itaque nihil potest esse indoctius (...)” e δ: “Itaque nihil potest esse
indoctius (...)”; α: “quae cum est aquilonia aut australis, in lunae (...)” (II, 50), γ: “quae tum aquilenta, tum australis.
In lunae (...)” e δ: “quae tum est aquilonia, tum australis. Itaque in lunae (...)”; α: “et oriuntur e terris, +Cui
Proserpinam (...)” (II, 66), γ: “et oriantur e terris. Is rapuit Proserpinam (...)” e δ: “et oriuntur e terris. Cui nuptam
dicunt Proserpinam (...)”; α: “hoc caput hic paulum sese subitoque recondite (…)” (II, 108), γ: “Hoc caput hic
paullum sese subitoque recondit” e δ: “Hoc caput hic paulum sese subito aequore condit”; α: “quae Constant (...)” (II,
136), γ: “quae constat (...)” e δ: “quae constat (...)”.

Divergências sintáticas:

α: “uel maximam aequabilitatem motus [constantissimamque] conuersionem caeli, solis lunae siderumque
omnium distinctionem, utilitatem (...)” (II, 15), γ: “uel maxumam, aequabilitatem motus, conuersionem caeli: solis,
lunae, siderumque omnium distinctionem, uarietatem (...)” e δ: “uel maximam, aequabilitatem motus

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conuersionumque caeli, solis, lunae siderumque omnium distictionem, uarietatem (...)”; α: “quae cum est aquilonia
aut australis, in lunae (...)” (II, 50), γ: “quae tum aquilenta, tum australis. In lunae (...)” e δ: “quae tum est aquilonia,
tum australis. Itaque in lunae (...)”.

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DE NATVRA DEORVM – DA NATUREZA DOS DEUSES –


LIBER II LIVRO II

[1] Quae cum Cotta dixisset, tum Velleius “Ne ego” Como Cota tivesse falado essas coisas16, então Veleio
inquit “incautus, qui cum Academico et eodem rhetore disse: “Não sou imprudente eu, que tenho me
congredi conatus sim. Nam neque indisertum preparado para discutir com um acadêmico e com
Academicum pertimuissem nec sine ista philosophia aquele retórico. Pois eu não tivesse receado um
rhetorem quamuis eloquentem; neque enim flumine acadêmico pouco eloquente nem, sem semelhante
conturbor inanium uerborum nec subtilitate filosofia, um retórico de fato eloquente; pois nem sou
sententiarum, si orationis est siccitas. Tu autem, Cotta, perturbado por uma corrente de palavras vazias, nem
utraque re ualuisti; corona15 tibi et iudices defuerunt. pela sutileza de sentenças, se há pobreza de estilo. Tu,
Sed ad ista alias, nunc Lucilium, si ipsi commodum porém, Cota, foste vigoroso em ambas as coisas;
est, audiamus.” faltaram-te os ouvintes e os juízes. Mas contra essas
ouçamos outras coisas, agora Lucílio, se lhe é
cômodo.”

15 16
Círculo de ouvintes, assembleia. Quae.

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[2] Tum Balbus: “Eundem equidem mallem audire Então Balbo disse: “Na verdade preferiria ouvir o
Cottam17, dum, qua eloquentia falsos deos sustulit, próprio Cota, desde que introduza os verdadeiros
eadem ueros inducat. Est enim et philosophi et deuses com a mesma eloquência com a qual aboliu os
pontificis et Cottae de dis inmortalibus habere non falsos. É possível que haja do filósofo, e do potífice, e
errantem et uagam ut Academici, sed ut nostri stabilem de Cota sobre os deuses imortais uma sentença não
certamque sententiam. Nam contra Epicurum satis inconstante e vaga como a do acadêmico, mas estável
superque dictum est; sed aueo audire, tu ipse, Cotta, e certa como a nossa. Pois contra Epicuro foi falado
quid sentias.” suficiente e abundantemente, mas desejo muito ouvir o
“An” inquit “oblitus es, quid initio dixerim, facilius que tu mesmo pensas, Cota.”
me, talibus praesertim de rebus, quid non sentirem, Disse: “Por acaso te esqueceste do que eu disse no
quam quid sentirem posse dicere? início, principalmente sobre tais argumentos, é mais
fácil que eu possa dizer o que não penso do que o que
penso?

17
: “Eudem equidem mallem audire Cottam (...)”.
: “Eudem equidem malim audire Cottam (...)”.

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[3] Quod si haberem aliquid, quod liqueret, tamen te Pois, se eu tivesse algo que fosse claro, porém
uicissim audire uellem, cum ipse tam multa dixissem.” desejaria te ouvir, por sua vez, já que eu mesmo disse
Tum Balbus: “Geram tibi morem et agam, quam muitas coisas.”
breuissume potero; etenim conuictis Epicuri erroribus Então Balbo disse: “Mostrarei e te levarei a maneira o
longa de mea disputatione detracta oratio est. Omnino mais breve que puder, pois com os erros refutados de
diuidunt nostri totam istam de dis inmortalibus Epicuro, há um discurso tirado de uma longa discussão
quaestionem in partis quattuor. Primum docent esse minha. Os nossos separam toda essa questão sobre os
deos, deinde quales sint, tum mundum ab his deuses imortais inteiramente em quatro partes.
administrari, postremo consulere eos rebus humanis. Primeiro, ensinam que os deuses existem; em seguida,
Nos autem hoc sermone, quae priora duo sunt, quais são; além disso, que o mundo é governado por
sumamus; tertium et quartum, quia maiora sunt, puto eles; finalmente, que eles se ocupam das coisas
esse in aliud tempus differenda.” humanas. Nós, porém, neste discurso, adotamos as
“Minime uero” inquit Cotta “nam et otiosi sumus et his duas que são mais importantes; a terceira e a quarta,
de rebus agimus, quae sunt etiam negotiis porque são maiores, considero que devem ser
anteponenda.” divulgadas em outro momento.”
Cota disse: “De modo algum, pois tanto somos ociosos
quanto tratamos sobre aquelas coisas que devem ser
antepostas aos negócios.”

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[4] Tum Lucilius “Ne egere quidem uidetur” inquit Então Lucílio disse: “A primeira parte nem mesmo
“oratione prima pars. Quid enim potest esse tam parece ter necessidade de um discurso. O que, pois,
apertum tamque perspicuum, cum caelum suspeximus pode ser tão claro e tão evidente – quando olhamos o
caelestiaque contemplati sumus, quam esse aliquod céu e contemplamos as coisas celestes – quanto haver
numen praestantissimae mentis, quo haec regantur? alguma vontade de uma mente superior, pela qual estas
Quod ni ita esset, qui potuisset adsensu omnium dicere coisas são governadas? Porque, se não fosse assim,
Ennius “aspice hoc sublime candens, quem inuocant como Ênio poderia dizer com o consentimento de
omnes Iouem” – illum uero et Iouem et dominatorem todos ‘Olha isto que arde no alto, que todos chamam
rerum et omnia motu regentem et, ut idem Ennius, de Júpiter’ – com certeza chamam-no tanto de Júpiter,
“patrem diuumque hominumque” et praesentem ac quanto de soberano das coisas, como regente de todas
praepotentem deum? Quod qui dubitet, haud sane as coisas em movimento, e, como diria o mesmo Ênio,
intellego, cur non idem, sol sit an nullus sit, dubitare ‘pai dos deuses e dos homens’, e deus presente e
possit; poderoso? Por que ele duvida, não compreendo na
verdade, por que o mesmo não pode duvidar se há sol
ou não há;

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[5] qui enim est hoc illo euidentius? Quod nisi Como, pois, isto é mais evidente do que aquilo?
cognitum conprehensumque animis haberemus, non Porque se não tivéssemos conhecido e compreendido
tam stabilis opinio permaneret nec confirmaretur na alma, não se conservaria uma opinião tão estável,
diuturnitate temporis nec una cum saeclis aetatibusque nem se firmaria com o passar do tempo, nem poderia
hominum inueterare potuisset. Etenim uidemus ceteras ter se tornado único com os séculos e as gerações dos
opiniones fictas atque uanas diuturnitate extabuisse. homens. Pois vemos outras opiniões falsas e vãs
Quis enim hippocentaurum fuisse aut Chimaeram desaparecerem com o tempo. Quem, pois, pensa que
putat, quaeue anus tam excors inueniri potest, quae existiu um hipocentauro ou uma quimera; ou que velha
illa, quae quondam credebantur apud inferos, portenta tão insensata pode ser imaginada, que teme aqueles
extimescat? Opinionis enim commenta delet dies, presságios que em certos momentos eram confiados
naturae iudicia confirmat. Itaque et in nostro populo et aos deuses inferiores? O tempo, pois, destrói as
in ceteris deorum cultus religionumque sanctitates invenções de opinião, confirma os processos da
existunt in dies maiores atque meliores; natureza. Assim tanto no nosso povo, quanto em
outros o culto dos deuses e as sanctitas das religiões se
manifestam maiores e melhores com os dias;

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[6] idque euenit non temere nec casu, sed quod et E isto não ocorreu sem ponderação nem por acaso,
praesentes saepe di uim suam declarant, ut et apud mas porque frequentemente tanto os deuses que estão
Regillum bello Latinorum, cum A. Postumius dictator presentes declaram sua força, como também perto do
cum Octauio Mamillio Tusculano proelio dimicaret, in Regilo na guerra dos Latinos, quando o ditador Aulo
nostra acie Castor et Pollux ex equis pugnare uisi sunt, Postúmio combatia na batalha com Otávio Mamílio
et recentiore memoria idem Tyndaridae Persem uictum Tusculano, no nosso exército Castor e Pólux foram
nuntiauerunt. P. enim Vatinius, auus huius vistos lutar nos cavalos, e em lembrança mais recente
adulescentis, cum e praefectura Reatina Romam os mesmos Tindáridas18 anunciaram que Perses foi
uenienti noctu duo iuuenes cum equis albis dixissent vencido. Pois Públio Vatínio, avô daquele adolescente,
regem Persem illo die captum, [cum] senatui quando vinha da província de Reate, durante a noite,
nuntiauisset, primo quasi temere de re publica locutus para Roma, dois jovens com cavalos brancos disseram
in carcerem coniectus est, post a Paulo litteris allatis, que o rei Perses tinha sido capturado naquele dia,
cum idem dies constitisset, et agro a senatu et Públio Vatínio anunciou ao senado; primeiro, como
uacatione donatus est. Atque etiam cum ad fluuium que precipitadamente falasse da república, foi lançado
Sagram Crotoniatas Locri maximo proelio deuicissent, no cárcere; depois, trazidas as cartas por Paulo, quando
eo ipso die auditam esse eam pugnam ludis Olympiae findou o mesmo dia, tanto foi presenteado pelo senado
memoriae proditum est. Saepe Faunorum uoces com um campo quanto com uma isenção de serviço. E
exauditae, saepe uisae formae deorum quemuis aut non também quando os habitantes de Locros venceram em
hebetem aut impium deos praesentes esse confiteri uma grandiosa batalha os habitantes de Crotona junto
coegerunt. ao rio Sagra, naquele mesmo dia foi relatado que
aquela luta foi ouvida nos jogos de Olímpia. Muitas
vezes as vozes ouvidas dos faunos, muitas vezes as
formas vistas dos deuses impeliram seja quem for, ou
sensível ou ímpio, a reconhecer que os deuses estão
presentes.

18
Filhos de Tíndaro, Castor e Pólux.

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[7] Praedictiones uero et praesensiones rerum Na verdade as predições e os presságios das coisas
futurarum quid aliud declarant nisi hominibus ea, quae futuras não declaram outras coisas aos homens a não
sint, ostendi, monstrari, portendi, praedici, ex quo illa ser aquelas, que existem, que são manifestadas,
ostenta, monstra, portenta, prodigia dicuntur. Quod si mostradas, anunciadas, preditas; a partir disso, elas são
ea ficta credimus licentia fabularum, Mopsum, chamadas de manifestações, demonstrações,
Tiresiam, Amphiaraum, Calchantem, Helenum (quos anunciações, predições. Por que se acreditamos
tamen augures ne ipsae quidem fabulae adsciuissent, si naquelas coisas criadas pela liberdade das fábulas,
res omnino repudiarent), ne domesticis quidem Morpso, Tirésias, Anfiarau, Calcas, Heleno (estes
exemplis docti numen deorum conprobabimus? Nihil áugures19, porém, nem mesmo as próprias fábulas
nos P. Clodi bello Punico primo temeritas mouebit, qui reuniriam, se os acontecimentos rejeitassem
etiam per iocum deos inridens, cum cauea liberati pulli absolutamente), nem mesmo com os exemplos
non pascerentur, mergi eos in aquam iussit, ut biberent, familiares nós os sábios comprovaremos o poder dos
quoniam esse nollent? Qui risus classe deuicta multas deuses? A nada nos conduzirá a irreflexão de Públio
ipsi lacrimas, magnam populo Romano cladem attulit. Cláudio na primeira guerra Púnica, o qual também
Quid collega eius, [L.] Iunius, eodem bello nonne rindo dos deuses pelo escárnio, quando da gaiola os
tempestate classem amisit, cum auspiciis non animaizinhos soltos não apascentavam, mandou-os
paruisset? Itaque Clodius a populo condemnatus est, serem submergidos na água, para que bebessem, já que
Iunius necem sibi ipse consciuit. não queriam comer? Esse riso, vencida a armada,
trouxe a ele muitas lágrimas, grande ruína ao povo
romano. Por que seu colega, L. Júnio, na mesma
guerra não perdeu a armada, quando não se submeteu
aos aupícios? E assim Clódio foi condenado pelo povo,
o próprio Júnio se suicidou.

19
Quos augures.

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[8] C. Flaminium Coelius religione neglecta cecidisse Célio escreve que Caio Flamínio, tendo negligenciado
apud Transumenum scribit cum magno rei publicae a religio, morreu junto ao Trasímeno com uma grande
uulnere. Quorum exitio intellegi potest eorum imperiis aflição para a República. Pela ruína daqueles pode ser
rem publicam amplificatam, qui religionibus entendido que a República foi ampliada sob o
paruissent. Et si conferre uolumus nostra cum externis, comando daqueles que se submetiam aos ritos
ceteris rebus aut pares aut etiam inferiores reperiemur, religiosos. E se desejamos comparar nossas coisas com
religione, id est cultu deorum, multo superiores. as estrangeiras, em outras coisas seremos descobertos
ou iguais ou também inferiores, na religio, isto é, no
culto dos deuses, muito superiores.

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[9] An Atti Naui lituus ille, quo ad inuestigandum Por acaso deve ser desprezado aquele litus22 de Ato
suem regiones uineae terminauit, contemnendus est?20 Návio, com o qual delimitou as regiões de vinha, a
Crederem, nisi eius augurio rex Hostilius maxima bella procurar um suíno? Acreditaria se o rei Hostílio não
gessisset. Sed neglegentia nobilitatis augurii disciplina tivesse produzido grandes guerras com seu augúrio.
omissa ueritas auspiciorum spreta est, species tantum Mas pela negligência da nobreza a disciplina do
retenta; itaque maximae rei publicae partes, in is bella augúrio foi abandonada, a verdade dos auspícios foi
quibus rei publicae salus continetur, nullis auspiciis desprezada, a aparência tão somente mantida; assim as
administrantur, nulla peremnia seruantur, nulla ex questões maiores da República, nelas as guerras em
acuminibus, nulli uiri uocantur, ex quo in procinctu que se mantém o bom estado da República por nenhum
testamenta perierunt21; tum enim bella gerere nostri auspício são administradas, nenhum auspício23 é
duces incipiunt, cum auspicia posuerunt. preservado, nenhum é tirado das pontas das lanças,
nenhum homem é chamado, a partir disso em campo
de batalha os testamentos pereceram; pois os nossos
comandantes começavam a fazer guerras, quando
estabeleciam os auspícios.

20
: “An Atti Naui lituus ille, quo ad inuestigandum suem
regiones uineae terminauit, contemnendus est?”
: “An Atti Nauii lituus ille contemnendus est?”
21
: “nulli viri uocantur, ex quo in procinctu testamenta
perierunt.”
: “nulla, cum uiri uocantur, ex quo in procinctu testamenta 22
Lituus é uma espécie de bastão recurvado de agoureiros.
23
perierunt.” Peremnia: auspício tomado antes de atravessar um rio.

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[10] At uero apud maiores tanta religionis uis fuit, ut Mas na verdade entre os mais antigos foi tamanha a
quidam imperatores etiam se ipsos dis inmortalibus força da religião que alguns comandantes também se
capite uelato uerbis certis pro re publica deuouerent. consagraram eles mesmos aos deuses imortais, com a
Multa ex Sibyllinis uaticinationibus, multa ex cabeça coberta por determinadas palavras por causa da
haruspicum responsis commemorare possum quibus ea República. Posso mencionar muitas coisas dos
confirmentur, quae dubia nemini debent esse. Atqui et vaticínios da Sibila, muitas coisas das respostas dos
nostrorum augurum et Etruscorum haruspicum arúspices com as quais é confirmado aquilo, que a
disciplinam P. Scipione C. Figulo consulibus res ipsa ninguém deve ser dúbio. Entretanto, o próprio fato, em
probauit. Quos cum Ti. Gracchus consul iterum relação aos cônsules Públio Cipião e Caio Fígulo,
crearet, primus rogator, ut eos rettulit, ibidem est demonstrou tanto a disciplina dos nossos áugures,
repente mortuus. Gracchus cum comitia nihilo minus quanto dos arúspices etruscos. Quando o cônsul
peregisset remque illam in religionem populo uenisse Tibério Graco os elegera pela segunda vez, o primeiro
sentiret, ad senatum rettulit. Senatus quos ad soleret, rogator24, quando os restituiu, no mesmo lugar
referendum censuit. Haruspices introducti subitamente morreu. Graco, quando finalizou, todavia,
responderunt non fuisse iustum comitiorum rogatorem. as assembleias e sentiu que aquele fato entraria na
religio para o povo, remeteu ao Senado. O Senado os
derrubou, declarou que deveriam ser repetidas. Os
arúspices introduzidos responderam que o rogator das
assembleias não foi justo.

24
Pessoa que solicita votos para um candidato.

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[11] Tum Gracchus, ut e patre audiebam, incensus ira: Então, Graco, como eu ouvia de meu pai, foi
“itane uero, ego non iustus, qui et consul rogaui et inflamado pela ira: “Será possível, não sou justo eu,
augur et auspicato? an uos Tusci ac barbari que tanto como cônsul, quanto como áugure, como
auspiciorum populi Romani ius tenetis et interpretes consultando os auspícios, supliquei? Por acaso vós,
esse comitiorum potestis?” itaque tum illos exire iussit. etruscos e bárbaros, possuis o direito dos auspícios do
Post autem e prouincia litteras ad collegium misit, se povo Romano e podeis ser os intérpretes das
cum legeret libros recordatum esse uitio sibi assembleias?” E assim ordenou que eles saíssem.
tabernaculum captum fuisse hortos Scipionis, quod, Porém depois enviou da província uma carta aos
cum pomerium postea intrasset habendi senatus causa, magistrados, quando lia livros, recordou-se que a tenda
in redeundo cum idem pomerium transiret auspicari do arúspice25 tinha sido tomada pelo seu ultraje,
esset oblitus; itaque uitio creatos consules esse. porque, quando entrou depois no pomério a fim de
Augures rem ad senatum; senatus ut abdicarent convocar o Senado, ao retornar aos jardins de Cipião,
consules; abdicauerunt. Quae quaerimus exempla quando atravessou o mesmo pomério, esqueceu-se de
maiora: uir sapientissimus atque haud sciam an tomar os auspícios; e assim os cônsules foram eleitos
omnium praestantissimus peccatum suum, quod celari por um ultraje. Os áugures disseram o fato ao Senado,
posset, confiteri maluit quam haerere in re publica o Senado disse que os cônsules abdicassem,
religionem, consules summum imperium statim abdicaram. Estes grandes exemplos procuramos: um
deponere quam id tenere punctum temporis contra homem muito sábio e não sei se o mais notável de
religionem. todos preferiu reconhecer seu erro, que podia ser
ocultado, a prejudicar a religio na República, os
cônsules preferiram depor imediatamente a suprema
autoridade a conservá-la por mais tempo contra a
religio.

25
Tabernaculum.

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[12] Magna augurum auctoritas; quid haruspicum ars Grande é a autoridade dos áugures; não é verdade que
nonne diuina? Haec [et] innumerabilia ex eodem a arte dos arúspices é divina? Quem vê essas coisas e
genere qui uideat nonne cogatur confiteri deos esse? outras inumeráveis do mesmo gênero, não é verdade
Quorum enim interpretes sunt, eos ipsos esse certe que seja conduzido a reconhecer que os deuses
necesse est; deorum autem interpretes sunt; deos igitur existem? Delas existem, pois, intérpretes, é necessário
esse fateamur. At fortasse non omnia eueniunt, quae certamente que eles mesmos existam; porém existem
praedicta sunt. Ne aegri quidem quia non omnes intérpretes dos deuses; confessamos então que os
conualescunt, idcirco ars nulla medicina est. Signa deuses existem. Mas possivelmente não ocorrem todas
ostenduntur a dis rerum futurarum; in his si qui as coisas que foram preditas. Nem mesmo porque
errauerunt, non deorum natura, sed hominum todos os doentes não se recuperam, por isso não há
coniectura peccauit. Itaque inter omnis omnium nenhuma arte na medicina. Os sinais das coisas futuras
gentium summa constat; omnibus enim innatum est et são mostrados pelos deuses; nisto se alguns erraram,
in animo quasi inscriptum esse deos26. não errou a natureza dos deuses, mas a conjectura dos
homens. Assim entre todos constam elevadas coisas de
todos os povos; pois para todos é inato e está quase
como inscrito na alma que os deuses existem.

26
: “et in animo quasi insculptum, esse deos.”
: “et in animo quasi insculptum esse deos.”
: “et in animo quase insculptum esse deos.”
O particípio “insculptum” usado nas demais edições é mais
coerente com essa passagem do texto do que “inscriptum”, usado
na edição α, por isso houve a preferência, na tradução, pelo uso
de “insculptum”, ou seja, “o que está gravado”.

ISBN 978-85-463-0295-6 SUMÁRIO


D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 29

[13] Quales sint, uarium est, esse nemo negat. Quais são, é incerto, ninguém nega que existam. Nosso
Cleanthes quidem noster quattuor de causis dixit in Cleante certamente falou de acordo com quatro causas
animis hominum informatas deorum esse notiones, que as noções dos deuses têm sido formadas nas almas
primam posuit eam, de qua modo dixi, quae orta esset dos homens, pôs em primeiro aquela que tem sido
ex praesensione rerum futurarum; alteram, quam gerada a partir das coisas futuras, sobre a qual ainda há
ceperimus ex magnitudine commodorum, quae pouco falei; em segundo, aquela que temos recebido a
percipiuntur caeli temperatione, fecunditate terrarum partir da grandeza dos benefícios, que são percebidos
aliarumque commoditatum complurium copia; da organização do céu, da fecundidade das terras e da
abundância de outras numerosas vantagens;

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 30

[14] tertiam quae terreret animos fulminibus, em terceiro, aquela que aterrorizava os ânimos com
tempestatibus, nimbis, niuibus, grandinibus, uastitate, raios, com tempestades, com nuvens, com neves, com
pestilentia, terrae motibus et saepe fremitibus granizos, com devastações, com pestes, com
lapideisque imbribus et guttis imbrium quasi cruentis, movimentos de terra, tanto frequetemente com ruídos e
tum labibus aut repentinis terrarum hiatibus, tum com chuvas de pedras, quanto com gotas de chuva
praeter naturam hominum pecudumque portentis, tum como se fossem de sangue; por um lado, com ruínas ou
facibus uisis caelestibus, tum stellis – is quas Graeci com repentinas aberturas de terras, por outro, com
, nostri cincinnatas uocant, quae nuper bello presságios além da natureza dos homens e dos
Octauiano magnarum fuerunt calamitatum praenuntiae animais; não só, com estrelas cadentes27 vistas nos
–, tum sole geminato, quod, ut e patre audiui, Tuditano céus, mas também, com estrelas – as que os gregos
28
et Aquilio consulibus euenerat, quo quidem anno P. chamam de , os nossos chamam de estrelas
Africanus, sol alter, extinctus est, quibus exterriti cabeludas, que há pouco tempo na guerra de Otaviano
homines uim quandam esse caelestem et diuinam foram presságios de grandes calamidades – como com
suspicati sunt; um Sol duplicado, porque, como ouvi do meu pai,
tinha ocorrido outro sol nos consulados de Tuditano e
Aquílio, naquele ano certamente Públio Africano foi
morto, apavorados com essas coisas os homens
suspeitaram de que havia alguma força celeste e
divina;

27
Facibus.
28
Cometas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 31

[15] quartam causam esse eamque uel maximam pôs como quarta causa que há tanto aquela máxima de
aequabilitatem motus [constantissimamque] igualdade de movimento, quanto a constantíssima
conuersionem caeli, solis lunae siderumque omnium rotação do céu, do sol, da lua, como a distinção, a
distinctionem, utilitatem29, pulchritudinem, ordinem, utilidade, a beleza, a ordem de todos os astros, dessas
quarum rerum aspectus ipse satis indicaret non esse ea coisas, o próprio aspecto indicava sufucientemente que
fortuita: ut, si quis in domum aliquam aut in elas não são fortuitas: de modo que – se alguém tivesse
gymnasium aut in forum uenerit, cum uideat omnium vindo a alguma casa, ou a um ginásio, ou a um fórum,
rerum rationem, modum, disciplinam, non possit ea quando visse a medida, a ordem, a disciplina de todas
sine causa fieri iudicare, sed esse aliquem intellegat, as coisas – não possa julgar que elas existem sem uma
qui praesit et cui pareatur, multo magis in tantis causa, mas entende que existe alguém que preside e ao
motionibus tantisque uicissitudinibus, tam multarum qual se submete, quanto mais em tão grandes
rerum atque tantarum ordinibus, in quibus nihil movimentos e tão grandes vicissitudes, nas ordens de
umquam inmensa et infinita uetustas mentita sit, tão numerosas e tão grandes coisas, nas quais nunca
statuat necesse est ab aliqua mente tantos naturae um imenso e infinito espaço de tempo se imaginou, é
motus gubernari. necessário estabelecer que tantos movimentos da
natureza são comandados por alguma mente.

29
: “uel maxumam, aequabilitatem motus, conuersionem caeli:
solis, lunae, siderumque omnium distinctionem, uarietatem (...)”.
: “uel maximam, aequabilitatem motus conuersionumque caeli,
solis, lunae siderumque omnium distictionem, uarietatem (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 32

[16] Chrysippus quidem, quamquam est acerrimo Crisipo certamente, embora seja de aguçada
ingenio, tamen ea dicit, ut ab ipsa natura didicisse, non inteligência, afirma, porém, isto, como ele parece ter
ut ipse repperisse uideatur. “Si enim” inquit “est aprendido com a própria natureza, não porque pareça
aliquid in rerum natura quod hominis mens, quod ratio, ter descoberto. Disse: “Se, pois, há na natureza das
quod uis, quod potestas humana efficere non possit, est coisas algo, que a mente dos homens, que a razão, que
certe id, quod illud efficit, homine melius; atqui res a força, que o poder humano não pode realizar,
caelestes omnesque eae, quarum est ordo sempiternus, certamente o que o realiza é melhor do que o homem;
ab homine confici non possunt; est igitur id, quo illa mas de qualquer modo as coisas celestes e todas
conficiuntur, homine melius. Id autem quid potius aquelas cuja ordem é eterna, não podem ser realizadas
dixeris quam deum? Etenim si di non sunt, quid esse pelo homem; então aquilo por que elas são realizadas,
potest in rerum natura homine melius; in eo enim solo é melhor do que o homem. Isso, porém, chamarás mais
est ratio, qua nihil potest esse praestantius; esse autem de que senão de deus? Efetivamente se os deuses não
hominem, qui nihil in omni mundo melius esse quam existem, o que pode haver na natureza das coisas
se putet, desipientis adrogantiae est; ergo est aliquid melhor do que o homem; pois só nele há razão, nada
melius. est igitur profecto deus. pode ser mais notável do que ela; porém é de uma
arrogância tola que exista homem que pense que em
todo mundo não há nada de melhor do que ele;
portanto, há algo melhor. É, pois, certamente um deus.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 33

[17] An uero, si domum magnam pulchramque uideris, Caso tenhas visto uma casa grande e bela, não podes
non possis adduci ut, etiam si dominum non uideas, por ventura ser certamente induzido a que julgues,
muribus illam et mustelis aedificatam putes: tantum ainda que não vejas o dono, que ela foi construída por
ergo ornatum mundi, tantam uarietatem ratos e doninhas: portanto, julgas tão grande número
pulchritudinemque rerum caelestium, tantam uim et de ornamentos do mundo, tão grande variedade e
magnitudinem maris atque terrarum si tuum ac non beleza das coisas celestes, tão grande força e grandeza
deorum inmortalium domicilium putes, nonne plane do mar e das terras, se julgas como tua morada e não
desipere uideare? An ne hoc quidem intellegimus dos deuses imortais, não é verdade que pareças ter
omnia supera esse meliora, terram autem esse perdido completamente o juízo? Ou nem mesmo
infimam, quam crassissimus circumfundat aer: ut ob compreendemos que todas as coisas superiores são
eam ipsam causam, quod etiam quibusdam regionibus melhores do que isto, a terra, porém, é a mais baixa, a
atque urbibus contingere uidemus, hebetiora ut sint qual um ar muito espesso envolve, como por esta
hominum ingenia propter caeli pleniorem naturam, hoc mesma causa, o que também vemos acontecer em
idem generi humano euenerit, quod in terra hoc est in algumas regiões e cidades, pois a inteligência dos
crassissima regione mundi conlocati sint. homens é muito rude perto da mais completa natureza
do céu, isto mesmo tem ocorrido ao gênero humano:
que fosse colocado na terra, isto é, na região mais
baixa do mundo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 34

[18] Et tamen ex ipsa hominum sollertia esse aliquam E, porém, a partir da própria esperteza dos homens,
mentem et eam quidem acriorem et diuinam existimare devemos pensar que há alguma mente, tanto mais
debemus. Vnde enim hanc homo “arripuit”, ut ait apud aguçada certamente, quanto divina. De onde, pois, o
Xenophontem Socrates, quin et umorem et calorem, homem “tirou” esta mente? Como disse Sócrates, em
qui est fusus in corpore, et terrenam ipsam uiscerum Xenofonte, é visível que não saibamos de onde vem
soliditatem, animum denique illum spirabilem, si quis tanto a umidade quanto o calor, que foi espalhado no
quaerat, unde habeamus, apparet; quorum aliud a terra corpo, como a própria solidez terrena das entranhas, e
sumpsimus30, aliud ab umore, aliud ab igni, aliud ab por fim aquele ânimo31 vital, se alguém pergunta;
aere eo, quem spiritum dicimus, illud autem, quod dessas coisas, uma recebemos da terra, outra da
uincit haec omnia, rationem dico et, si placet pluribus umidade, outra do fogo, outra do ar, este que
uerbis, mentem, consilium, cogitationem, prudentiam, chamamos de espírito, mas aquilo que vence tudo isto,
ubi inuenimus, unde sustulimus? An cetera mundus chamo de razão e, se apraz com muitas palavras, de
habebit omnia, hoc unum, quod plurimi est, non mente, de conselho, de pensamento, de prudência,
habebit? Atqui certe nihil omnium rerum melius est onde encontramos, de onde tiramos? Ou o mundo terá
mundo, nihil praestantius, nihil pulchrius, nec solum todas as outras coisas, não terá esta única que é mais
nihil est, sed ne cogitari quidem quicquam melius importante? Mas certamente nada de todas essas coisas
potest. Et si ratione et sapientia nihil est melius, é melhor do que o mundo, nada é mais notável, nada é
necesse est haec inesse in eo, quod optimum esse mais belo, nem só não existe nada, mas nem mesmo
concedimus. pode-se pensar em algo melhor. E se nada é melhor do
que a razão e a sabedoria, é necessário que esteja nele
isto que concedemos ser melhor.

30
: “quod aliud a terra sumpsimus (...)”.
: “quod aliud a terra sumpsimus (...)”. 31
Animum: princípio pensante, vontade, desejo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 35

[19] Quid uero tanta rerum consentiens, conspirans, Por que certamente tamanha semelhança contínua,
continuata cognatio quem non coget ea, quae dicuntur consentida, concordada, entre as coisas, não levará
a me, conprobare? Possetne uno tempore florere, dein alguém32 a comprovar o que foi dito por mim? Por
uicissim horrere terra, aut tot rebus ipsis se acaso poderia a terra em um só momento florescer,
inmutantibus solis accessus discessusque solstitiis depois inversamente definhar, ou em todas essas coisas
brumisque cognosci. Aut aestus maritimi fretorumque que se transformam, serem conhecidas a aproximação
angustiae ortu aut obitu lunae commoueri, aut una e o afastamento do Sol nos solstícios de verão e de
totius caeli conuersione cursus astrorum dispares inverno; ou serem movidas as agitações do mar e dos
conseruari? Haec ita fieri omnibus inter se estreitos pelo nascimento ou distanciamento da lua, ou
concinentibus mundi partibus profecto non possent, em uma única rotação de todo o céu serem
nisi ea uno diuino et continuato spiritu continerentur. conservados os diversos cursos dos astros? Assim
essas coisas não poderiam certamente ocorrer em todas
as partes do mundo que estão em harmonia entre si, a
não ser que elas fossem conservadas por um único e
contínuo espírito.

32
Quem.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 36

[20] Atque haec cum uberius disputantur et fusius, ut E essas coisas quando são discutidas mais abundante e
mihi est in animo facere, facilius effugiunt solidamente, como está no meu ânimo fazer, escapam
Academicorum calumniam; cum autem, ut Zeno mais facilmente da acusação dos acadêmicos; quando,
solebat, breuius angustiusque concluduntur, tum porém, como costumava Zenão, são concluídas mais
apertiora sunt ad reprendendum, nam ut profluens breve e concisamente, então estão mais abertas à
amnis aut uix aut nullo modo, conclusa autem aqua refutação, como, pois, um rio que corre, ou com
facile conrumpitur, sic orationis flumine reprensoris dificuldade ou sem ritmo, a água parada, porém, é
conuicia diluuntur, angustia autem conclusae rationis33 facilmente arruinada, assim as refutações do crítico se
non facile se ipsa tutatur. Haec enim, quae dilatantur a diluem no rio do discurso, porém a angústia de um
nobis, Zeno sic premebat: pensamento concluído não é defendida facilmente por
si mesma. Pois estas coisas que são tratadas por nós,
Zenão expunha assim:

33
: “autem conclusae orationis (...)”.
: “autem conclusae orationis (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 37

[21] “Quod ratione utitur, id melius est quam id, quod “O que se utiliza da razão, isto é melhor do que aquilo,
ratione non utitur; nihil autem mundo melius; ratione que não se utiliza da razão; nada, porém, é melhor do
igitur mundus utitur”, similiter effici potest sapientem que o mundo, então o mundo se utiliza da razão”,
esse mundum, similiter beatum, similiter aeternum; igualmente pode-se concluir que o mundo é sábio,
omnia enim haec meliora sunt quam ea, quae sunt his igualmente beato, igualmente eterno; pois todas estas
carentia, nec mundo quicquam melius. Ex quo coisas são melhores do que aquelas que são privadas
efficietur esse mundum deum. delas, não há nada melhor do que o mundo. A partir
disso, concluí-se-á que o mundo é um deus.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 38

[22] Idemque hoc modo: “Nullius sensu carentis pars E ele34 expunha deste modo: “Nenhuma parte de nada
aliqua potest esse sentiens; mundi autem partes privado de sentido pode ser sensível, porém as partes
sentientes sunt; non igitur caret sensu mundus”. Pergit do mundo são sensíveis; então o mundo não está
idem et urguet angustius: “Nihil,” inquit “quod animi privado de sentido.” Ele continua e insiste mais
quodque rationis est expers, id generare ex se potest concisamente, diz: “Nada que é desprovido de alma e
animantem compotemque rationis; mundus autem o que é desprovido de razão, nada disto pode gerar de
generat animantis compotesque rationis; animans est si um ser animado e dotado de razão, porém o mundo
igitur mundus composque rationis”. Idemque gera seres animados e dotados de razão; então o
similitudine, ut saepe solet, rationem conclusit hoc mundo é animado e dotado de razão.” E ele
modo: “Si ex oliua modulate canentes tibiae semelhantemente, como sempre costuma, concluiu o
nascerentur, num dubitares, quin inesset in oliua pensamento deste modo: “Se a partir de uma oliveira
tibicini quaedam scientia? Quid si platani fidiculas nascessem flautas que tocam melodiosamente, por
ferrent numerose sonantes: idem scilicet censeres in acaso duvidarias de que houvesse na oliveira alguma
platanis inesse musicam, cur igitur mundus non ciência da arte da flauta? Porque, se os plátanos
animans sapiensque iudicetur, cum ex se procreet produzissem pequenas liras harmoniosas em grande
animantis atque sapientis?” número, tu mesmo pensarias certamente que haveria
música nos plátanos, por que então o mundo não é
considerado animado e sábio, quando gera de si seres
animados e sábios?”

34
Idem: Zenão.

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[23] Sed quoniam coepi secus agere atque initio Mas depois que comecei a tratar diferentemente como
dixeram (negaram enim hanc primam partem egere dissera no início (pois negara que esta primeira parte
oratione, quod esset omnibus perspicuum deos esse), tem necessidade de um discurso, porque estaria claro
tamen id ipsum rationibus physicis, id est naturalibus, para todos que os deuses existem), porém quero que se
confirmari uolo35. Sic enim res se habet, ut omnia, confirme isto mesmo com argumentos físicos, isto é,
quae alantur et quae crescant, contineant in se uim naturais. Pois a coisa se conhece assim, como todas as
caloris, sine qua neque ali possent nec crescere. Nam coisas, que são alimentadas e que crescem, contêm em
omne quod est calidum et igneum cietur et agitur motu si uma quantidade de calor, sem a qual não podem ser
suo; quod autem alitur et crescit motu quodam utitur alimentadas nem crescer. Pois tudo que é quente e
certo et aequabili; qui quam diu remanet in nobis, tam ígneo se move e se movimenta através de seu
diu sensus et uita remanet, refrigerato autem et movimento; porém o que é alimentado e cresce,
extincto calore occidimus ipsi et extinguimur. utiliza-se de algum movimento determinado e
uniforme, tanto durante muito tempo permanece o
sentido e a vida, quanto o movimento36 durante muito
tempo permanece em nós, porém sendo resfriado e
sendo extinto o calor, nós mesmos morremos e somos
extintos.

35
: “tamen id ipsum rationibus physicis confirmare uolo.”
: “tamen id ipsum rationibus physicis confirmare uolo.” 36
Qui.

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[24] Quod quidem Cleanthes his etiam argumentis O que certamente Cleantes ensina também com estes
docet, quanta uis insit caloris in omni corpore: negat argumentos, quanta força de calor se encontra em todo
enim esse ullum cibum tam grauem, quin is nocte et corpo, pois nega haver algum alimento tão pesado que
die concoquatur; cuius etiam in reliquiis inest calor iis, não seja digerido por eles de noite e de dia, há calor
quas natura respuerit. Iam uero uenae et arteriae também naqueles restos de alimento37, os quais a
micare non desinunt quasi quodam igneo motu, natureza tem repelido. Agora certamente as veias e as
animaduersumque saepe est, cum cor animantis artérias não deixam de palpitar como que por certo
alicuius euolsum ita mobiliter palpitaret, ut imitaretur movimento ígneo, e sempre foi percebido, quando
igneam celeritatem. Omne igitur, quod uiuit, siue retirado o coração de qualquer ser animado palpitava
animal, siue terra editum, id uiuit propter inclusum in assim vivamente, como reproduzisse a rapidez do
eo calorem, ex quo intellegi debet eam caloris naturam fogo. Então tudo que vive, ou animal, ou saído da
uim habere in se uitalem per omnem mundum terra, isto vive por causa do calor posto nele, a partir
pertinentem. disto deve-se compreender que aquela natureza do
calor tem em si uma força vital que se estende por todo
o mundo.

37
Cuius.

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[25] Atque id facilius cernemus toto genere hoc igneo, E perceberemos isto mais facilmente em todo este
quod tranat omnia subtilius explicato. Omnes igitur gênero ígneo, tendo sido explicado, o qual passa mais
partes mundi (tangam autem maximas) calore fultae sutilmente através de tudo.
sustinentur. Quod primum in terrena natura perspici Então, todas as partes firmes do mundo (pegarei,
potest. Nam et lapidum conflictu atque tritu elici porém, as maiores) sustentam-se pelo calor. O que
ignem uidemus et recenti fossione terram fumare primeiramente pode ser visto na natureza terrena.
calentem, atque etiam ex puteis iugibus aquam calidam Vemos, pois, tanto o fogo ser produzido do encontro e
trahi, et id maxime fieri temporibus hibernis, quod do atrito das pedras, quanto a terra ardente fumegar em
magna uis terrae cauernis contineatur caloris eaque uma recente escavação e também de poços perenes ser
hieme sit densior ob eamque causam calorem insitum extraída água quente, como vemos isto ocorrer,
in terris contineat artius. sobretudo, nos invernos, porque uma grande
quantidade de calor está contida nas cavidades da terra
e aquela no inverno é mais densa, e por tal causa,
contém mais estreitamente o calor introduzido na terra.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 42

[26] Longa est oratio multaeque rationes, quibus Longo é o discurso e muitos os argumentos, com os
doceri possit omnia, quae terra concipiat, semina quais se pode ensinar que todas as sementes, que a
quaeque ipsa ex se generata stirpibus infixa contineat terra produz, e aquelas que ela mesma contém, geradas
ea temperatione caloris et oriri et augescere. Atque a partir de si, fixadas pelas raízes, nesta mistura de
aquae etiam admixtum esse calorem primum ipse calor tanto nascem quanto crescem. E também a
liquor aquae declarat et fusio, quae neque conglaciaret própria fluidez da água demonstra que o calor foi
frigoribus neque niue pruinaque concresceret, nisi primeiramente misturado à água e a difusão, que não
eadem se admixto calore liquefacta et dilapsa se congelava com o frio, nem se condensava com a
diffunderet; itaque et aquilonibus reliquisque neve e nem com a geada, a não ser que a mesma,
frigoribus adiectis durescit umor, et idem uicissim misturando-se com o calor, se espalhasse liquefeita e
mollitur tepefactus et tabescit calore. Atque etiam derretida; assim tanto o líquido se endurece com a
maria agitata uentis ita tepescunt, ut intellegi facile aproximação do Aquilão38 e das demais frentes frias,
possit in tantis illis umoribus esse inclusum calorem; quanto o mesmo, ao contrário, aquecido amolece e se
nec enim ille externus et aduenticius habendus est derrete com o calor. E também os mares agitados pelos
tepor, sed ex intumis maris partibus agitatione ventos se aquecem assim como facilmente pode ser
excitatus, quod nostris quoque corporibus contingit, percebido que o calor foi incluído naqueles tantos
cum motu atque exercitatione recalescunt. Ipse uero líquidos, pois nem aquele calor moderado deve ser
aer, qui natura est maxime frigidus, minime est expers considerado externo e adventício, mas estimulado pela
caloris; agitação das mais profundas partes do mar, o que
chega também aos nossos corpos, quando se aquecem
com movimento e o exercício. O próprio ar,
certamente, que por natureza é, sobretudo, frio, não
está isento de calor;

38
Vento do Norte.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 43

[27] ille uero et multo quidem calore admixtus est: ipse na verdade, ele foi certamente misturado também com
enim oritur ex respiratione aquarum; earum enim quasi muito calor; pois o mesmo nasce a partir da
uapor quidam aer habendus est, is autem existit motu evaporação das águas; o ar, pois, deve ser considerado
eius caloris, qui aquis continetur, quam similitudinem por assim dizer certo vapor delas, mas este surge do
cernere possumus in his aquis, quae efferuescunt movimento daquele calor que está contido nas águas,
subiectis ignibus39. Iam uero reliqua quarta pars tamanha semelhança podemos perceber nestas águas
mundi: ea et ipsa tota natura feruida est et ceteris que entram em ebulição quando são submetidas ao
naturis omnibus salutarem inpertit et uitalem calorem. fogo. Agora, certamente, a quarta parte que resta do
mundo, tanto ela é toda ardente pela própria natureza,
quanto partilha com todas as outras naturezas um calor
salutar e vital.

39
: “quae efferuescunt subditis ignibus.”
: “quae efferuescunt subditis ignibus.”

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[28] Ex quo concluditur, cum omnes mundi partes A partir disto, conclui-se que, como todas as partes do
sustineantur calore, mundum etiam ipsum simili mundo se sustentam com o calor, também o próprio
parique natura in tanta diuturnitate seruari, eoque mundo é conservado por semelhante e igual natureza
magis, quod intellegi debet calidum illud atque igneum em tamanha duração, e mais do que isso, o40 que deve
ita in omni fusum esse natura, ut in eo insit procreandi ser entendido como cálido e ígneo, tem sido difundido
uis et causa gignendi, a quo et animantia omnia et ea, assim em toda natureza, porque há nisso uma força de
quorum stirpes terra continentur, et nasci sit necesse et procriar e uma causa de gerar, pelo qual41 é necessário
augescere. tanto nascerem quanto crescerem todos os seres
animados e aquelas coisas, cujas raízes estão contidas
na terra.

40
Illud.
41
O calor.

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[29] Natura est igitur, quae contineat mundum omnem Existe, pois, uma natureza que conserva todo o mundo
eumque tueatur, et ea quidem non sine sensu atque e o protege, e ela certamente não é sem sentido e sem
ratione. Omnem enim naturam necesse est, quae non razão. É necessário, pois, que toda a natureza, que não
solitaria sit neque simplex sed cum alio iuncta atque é isolada nem simples, mas ligada e unida a outro,
conexa, habere aliquem in se principatum, ut in tenha em si certo princípio, como a mente no homem,
homine mentem, in belua quiddam simile mentis, unde algo de semelhante à mente no animal, de onde nasce o
oriantur rerum adpetitus; in arborum autem et earum desejo das coisas; porém, nas raízes das árvores e
rerum, quae gignuntur e terra, radicibus inesse daquelas coisas, que nascem da terra, considera-se que
principatus putatur, principatum autem id dico, quod existe princípio, porém afirmo como princípio o que os
Graeci uocant, quo nihil in quoque gregos chamam de , nada em nenhum
genere nec potest nec debet esse praestantius, ita gênero não pode, nem deve ser mais notável do que
necesse est illud etiam, in quo sit totius naturae ele, assim é necessário que também aquilo, em que há
principatus, esse omnium optumum omniumque rerum o princípio de toda natureza, seja o melhor de tudo e o
potestate dominatuque dignissimum. mais digno da autoridade e do domínio de todas as
coisas.

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[30] Videmus autem in partibus mundi (nihil est enim Vemos, porém, que há sentido e razão nas partes do
in omni mundo, quod non pars uniuersi sit) inesse mundo (nada, pois, há em todo mundo que não seja
sensum atque rationem. in ea parte igitur, in qua mundi parte do universo). Então naquela parte, na qual há o
inest principatus, haec inesse necessest, et acriora princípio do mundo, é necessário que haja essas
quidem atque maiora. Quocirca sapientem esse coisas, e certamente mais aguçadas e maiores. Por
mundum necesse est, naturamque eam, quae res omnes conseguinte, é necessário que o mundo seja inteligente,
conplexa teneat, perfectione rationis excellere, eoque e que aquela natureza, que se mantém envolvendo
deum esse mundum omnemque uim mundi natura todas as coisas, exceda pela perfeição da razão, e assim
diuina contineri. que o mundo seja um deus e que toda força do mundo
esteja contida na natureza divina.

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[31] Atque etiam mundi ille feruor purior perlucidior E também aquele ardor do mundo mais puro, mais
mobiliorque multo ob easque causas aptior ad sensus transparente, e muito mais instável, e por essas causas
commouendos quam hic noster calor, quo haec, quae mais apto para comover os sentidos do que este nosso
nota nobis sunt, retinentur et uigent. Absurdum igitur calor, através do qual são conservados e vigoram estas
est dicere, cum homines bestiaeque hoc calore coisas que foram verificadas por nós. Então é absurdo
teneantur et propterea moueantur ac sentiant, mundum dizer que – já que os homens e as bestas são mantidos
esse sine sensu, qui integro et libero et puro eodemque por este calor e, por causa disto, se movam e sintam –
acerrimo et mobilissimo ardore teneatur, praesertim o mundo existe sem sentido, que seja mantido por um
cum is ardor qui est mundi non agitatus ab alio neque inteiro, e livre, e puro, e do mesmo modo por
externo pulsu sed per se ipse ac sua sponte moueatur; agudíssimo e mobilíssimo calor, principalmente
nam quid potest esse mundo ualentius, quod pellat quando aquele calor que é do mundo se move, não é
atque moueat calorem eum, quo ille teneatur. excitado por outro nem por impulso externo, mas por
ele mesmo e por sua vontade, pois o que pode haver de
melhor do que o mundo, pois impele e move aquele
calor pelo qual ele é mantido.

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[32] Audiamus enim Platonem quasi quendam deum Escutemos, pois, Platão, quase um deus dos filósofos,
philosophorum; cui duo placet esse motus, unum ao qual apraz que existam dois movimentos, um
suum, alterum externum, esse autem diuinius, quod próprio, outro externo, porém é mais divino o que
ipsum ex se sua sponte moueatur quam, quod pulsu move a si mesmo, a partir de si por sua vontade do que
agitetur alieno. Hunc autem motum in solis animis esse o que é movido por impulso alheio. Considera, porém,
ponit, ab isque principium motus esse ductum putat. que este movimento esteja nas almas apenas, e pensa
Quapropter, quoniam ex mundi ardore motus omnis que o princípio do movimento foi conduzido por elas.
oritur, is autem ardor non alieno inpulsu, sed sua Por isso, todo movimento surge, pois, a partir do calor
sponte mouetur, animus sit necesse est; ex quo efficitur do mundo; aquele calor, porém, move-se não por
animantem esse mundum. Atque ex hoc quoque impulso alheio, mas por sua vontade, é necessário que
intellegi poterit in eo inesse intellegentiam, quod certe exista uma alma, a partir disso se demonstra que o
est mundus melior quam ulla natura. Vt enim nulla mundo é animado. E a partir disto também poderá se
pars est corporis nostri, quae non minoris sit quam compreender que nele há inteligência, porque
nosmet ipsi sumus, sic mundum uniuersum pluris esse certamente o mundo é melhor do que qualquer
necesse est quam partem aliquam uniuersi. Quod si ita natureza. Como, pois, não há nenhuma parte de nosso
est, sapiens sit mundus necesse est, nam ni ita esset, corpo, que não seja menor do que nós mesmos somos,
hominem, qui esset mundi pars, quoniam rationis esset assim é necessário que todo o mundo seja maior do
particeps42, pluris esse quam mundum omnem que uma parte do todo. Porque se é assim, é necessário
oporteret. que o mundo seja inteligente, pois se não fosse assim,
seria necessário que o homem, que é parte do mundo,
já que é participante da razão, fosse mais do que todo o
mundo.

42
: “qui est mundi pars, quoniam rationis est particeps (...)”.
: “qui est mundi pars, quoniam rationis est particeps (...)”.

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[33] Atque etiam si a primis incohatisque naturis ad E também, se desejamos proceder desde as primeiras e
ultimas perfectasque uolumus procedere, ad deorum iniciadas naturezas até às últimas e realizadas, é
naturam perueniamus necesse est. Prima enim necessário que cheguemos até à natureza dos deuses.
animaduertimus a natura sustineri ea, quae gignantur e Primeiramente, pois, notamos que aquelas coisas são
terra, quibus natura nihil tribuit amplius quam, ut ea sustentadas pela natureza, as quais nascem da terra, às
alendo atque augendo tueretur. quais a natureza não concedeu nada de mais
abundante, para que ela, alimentando e fazendo
crescer, protegesse.

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[34] Bestiis autem sensum et motum dedit et cum Às bestas, porém, deu sentido e movimento e, com
quodam adpetitu accessum ad res salutares a pestiferis algum instinto, acesso às coisas salutares, repugnância
recessum, hoc homini amplius, quod addidit rationem, às perniciosas, algo a mais ao homem, porque
qua regerentur animi adpetitus, qui tum remitterentur, acrescentou a razão, pela qual são comandados os
tum continerentur. Quartus autem est gradus et desejos da alma, que ora são acalmados, ora são
altissimus eorum, qui natura boni sapientesque reprimidos. Há, porém, uma quarta categoria e a mais
gignuntur, quibus a principio innascitur ratio recta elevada daquelas, que pela natureza são geradas boas e
constansque, quae supra hominem putanda est deoque sábias, nas quais desde o princípio nasce uma razão
tribuenda, id est mundo, in quo necesse est perfectam reta e constante, que deve ser considerada acima do
illam atque absolutam inesse rationem. homem e atribuída a um deus, ou seja, ao mundo no
qual é necessário que exista aquela perfeita e absoluta
razão.

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[35] Neque enim dici potest in ulla rerum institutione Pois não se pode dizer que em algum método das
non esse aliquid extremum atque perfectum, ut enim in coisas não haja algo de extremo e de perfeito; porque
uite, ut in pecude, nisi, quae uis obstitit, uidemus como na videira, como no animal, exceto se alguma
naturam suo quodam itinere ad ultimum peruenire, força tenha impedido, vemos que a natureza, através
atque ut pictura et fabrica ceteraeque artes habent de algum caminho seu, chega até o último grau, e
quendam absoluti operis effectum, sic in omni natura como a pintura e a arquitetura e outras artes contêm
ac multo etiam magis necesse est absolui aliquid ac certo resultado de obras perfeitas, assim em toda
perfici. Etenim ceteris naturis multa externa, quo natureza e certamente é muito mais necessário que
minus perficiantur, possunt obsistere, uniuersam autem algo seja terminado e aperfeiçoado. Na verdade, às
naturam nulla res potest impedire propterea, quod outras naturezas podem-se opor muitas coisas
omnis naturas ipsa cohibet et continet. Quocirca externas, por isso são menos aperfeiçoadas; nada,
necesse est esse quartum illum et altissimum gradum, porém, pode impedir toda a natureza por causa disto,
quo nulla uis possit accedere. pois ela mesma retém e contém todas as naturezas. Por
conseguinte, é necessário que haja aquela quarta e
mais elevada categoria, à qual nenhuma força pode
chegar.

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[36] Is autem est gradus, in quo rerum omnium natura Porém há aquela categoria em que é posta a natureza
ponitur; quae quoniam talis est, ut et praesit omnibus de todas as coisas, a qual43, pois, é tal que, tanto
et eam nulla res possit inpedire, necesse est comanda todas as coisas, quanto nada pode impedi-la,
intellegentem esse mundum et quidem etiam é necessário que o mundo seja inteligente e certamente
sapientem. Quid autem est inscitius quam eam sábio também. Porém que absurdo maior há do que
naturam, quae omnis res sit conplexa, non optumam aquela natureza, que reuniu todas as coisas, não ser
dici, aut, cum sit optuma, non primum animantem dita ótima ou, já que é ótima, não ser primeiramente
esse, deinde rationis et consilii compotem, postremo um ser animado, em seguida que possui razão e
sapientem. Qui enim potest aliter esse optima? Neque opinião, por fim que é sábia. Pois como pode ser ótima
enim, si stirpium similis sit aut etiam bestiarum, de outra maneira? Pois, se fosse semelhante aos
optuma putanda sit potius quam deterruma. Nec uero, vegetais ou também aos animais, não deveria ser
si rationis particeps sit nec sit tamen a principio considerada ótima mais do que péssima. Nem
sapiens, non sit deterior mundi potius quam humana certamente se fosse participante da razão, nem fosse,
condicio. Homo enim sapiens fieri potest, mundus porém, sábia desde o princípio, não haveria uma
autem, si in aeterno praeteriti temporis spatio fuit condição mais inferior no mundo do que a humana.
insipiens, numquam profecto sapientiam consequetur; Pois o homem pode-se tornar sábio, porém o mundo,
ita erit homine deterior. Quod quoniam absurdum est, se no eterno espaço de tempo transcorrido foi
et sapiens a principio mundus et deus habendus est. insipiente, certamente nunca conseguirá a sabedoria,
assim será inferior ao homem. Isso, pois, é absurdo, o
mundo deve ser considerado desde o princípio tanto
sábio, quanto um deus.

43
Natura.

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[37] Neque enim est quicquam aliud praeter mundum Pois não há alguma outra coisa além do mundo à qual
quoi nihil absit quodque undique aptum atque nada falte e que sob todos os aspectos seja provida, e
perfectum expletumque sit omnibus suis numeris et perfeita, e completa em todos os seus números e
partibus. Scite enim Chrysippus, ut clipei causa partes. Habilmente, pois, Crisipo disse que como o
inuolucrum uaginam autem gladii, sic praeter mundum invólucro para o escudo, a bainha, porém, para a
cetera omnia aliorum causa esse generata, ut eas fruges espada, assim, com exceção do mundo, todas as outras
atque fructus, quos terra gignit, animantium causa, coisas foram geradas para outras; como aqueles cereais
animantes autem hominum, ut ecum uehendi causa44, e frutos, que a terra gera para seres animados, os seres
arandi bouem, uenandi et custodiendi canem; ipse animados, porém, para os homens; como o cavalo para
autem homo ortus est ad mundum contemplandum et transportar, o boi para arar, o cão para caçar e
imitandum - nullo modo perfectus, sed est quaedam proteger; porém o próprio homem foi criado para
particula perfecti. contemplar e imitar o mundo – de nenhum modo é
perfeito, mas é uma pequena parte do perfeito.

44
: “ut equum, uehendi caussa (...)”.
: “ut equum, uehendi causa (...)”.

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[38] Sed mundus quoniam omnia conplexus est neque Mas já que o mundo reuniu tudo e não existe algo que
est quicquam, quod non insit in eo, perfectus undique não esteja nele, sob todos os aspectos é perfeito; como
est; qui igitur potest ei desse id, quod est optimum? então pode lhe faltar o que é ótimo? Porém nada há de
Nihil autem est mente et ratione melius; ergo haec melhor do que a mente e a razão; portanto estas coisas
mundo deesse non possunt. Bene igitur idem não podem faltar ao mundo. Bem, então, o mesmo
Chrysippus, qui similitudines adiungens omnia in Crisipo, que acrescentando semelhanças, ensina que
perfectis et maturis docet esse meliora, ut in equo tudo é melhor nos coisas perfeitas e desenvolvidas,
quam in eculeo, in cane quam in catulo, in uiro quam como é melhor no cavalo do que no potro, no cão do
in puero; item quod in omni mundo optimum sit, id in que no cãozinho, no homem do que na criança; do
perfecto aliquo atque absoluto esse debere; mesmo modo ensina que, o que seja ótimo em todo
mundo, isso deve haver em algo perfeito e absoluto;

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[39] est autem nihil mundo perfectius, nihil uirtute nada, porém, é mais perfeito do que o mundo, nada é
melius; igitur mundi est propria uirtus. Nec uero melhor do que a virtude; então a virtude é própria do
hominis natura perfecta est, et efficitur tamen in mundo. Não é, na verdade, a natureza do homem
homine uirtus; quanto igitur in mundo facilius; est ergo perfeita; a virtude, entretanto, realiza-se no homem;
in eo uirtus. Sapiens est igitur et propterea deus. Atque como então se realiza mais facilmente no mundo,
hac mundi diuinitate perspecta tribuenda est sideribus então a virtude está nele. Assim, é sábio e
eadem diuinitas; quae ex mobilissima purissimaque conquentemente um deus. E tendo sido observada esta
aetheris parte gignuntur neque ulla praeterea sunt divindade do mundo, deve ser atribuída a mesma
admixta natura totaque sunt calida atque perlucida, ut divindade aos astros, que nascem da parte mais móvel
ea quoque rectissime et animantia esse et sentire atque e pura do éter, e, além disso, não foram misturados a
intellegere dicantur. nenhuma natureza e todos são ardentes e muito
luminosos, de modo que dizem muito acertadamente
que também eles tanto são seres vivos quanto sentem e
compreendem.

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[40] Atque ea quidem tota esse ignea duorum sensuum E Cleante considera certamente que pelo testemunho
testimonio confirmari Cleanthes putat, tactus et de dois sentidos, tato e visão, é confirmado que todos
oculorum. Nam solis calor et candor inlustrior45 est eles são ígneos. Pois o calor e claridade do Sol é mais
quam ullius ignis, quippe qui inmenso mundo tam brilhante do que qualquer fogo, visto que ele no
longe lateque conluceat, et is eius tactus est, non ut imenso mundo resplandeça em tamanha extensão e
tepefaciat solum, sed etiam saepe comburat, quorum largura, e tal é seu toque que não só aquece, mas
neutrum faceret, nisi esset igneus. “Ergo” inquit “cum também sempre queima, dessas não faria nem uma
sol igneus sit Oceanique alatur umoribus” (quia nullus nem outra coisa, se não fosse ígneo. “Portanto” – disse
ignis sine pastu aliquo possit permanere) “necesse est – “já que o Sol é ígneo e é alimentado pela umidade do
aut ei similis sit igni, quem adhibemus ad usum atque Oceano” (porque nenhum fogo pode permanecer sem
uictum, aut ei, qui corporibus animantium continetur. alimento algum) “é necessário que ou seja semelhante
àquele fogo, que adotamos ao uso e ao alimento, ou
àquele que está contido nos corpos dos seres vivos.

45
: “Nam solis candor inlustrior (...)”.
: “Nam solis et candor illustrior (...)”.

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[41] Atqui hic noster ignis, quem usus uitae requirit, Entretanto, este nosso fogo, que o uso da vida exige, é
confector est et consumptor omnium idemque, destruidor e dissipador de tudo e ele, qualquer lugar
quocumque inuasit, cuncta disturbat ac dissipat; contra que invada, dispersa e consome tudo; ao contrário
ille corporeus uitalis et salutaris omnia conseruat, alit, aquele fogo corpóreu, vital e salutar, tudo conserva,
auget, sustinet sensuque adficit.” Negat ergo esse nutre, faz crescer, sustém e dispõe de senso.” Nega,
dubium horum ignium sol utri similis sit, cum is portanto, que haja dúvida de que o Sol seja semelhante
quoque efficiat, ut omnia floreant et in suo quaeque àqueles fogos, uma vez que também ele faz com que
genere pubescant, quare, cum solis ignis similis eorum tudo floresça e cada um cresça em seu gênero, por
ignium sit, qui sunt in corporibus animantium, solem isso, como o fogo do sol é semelhante àqueles fogos
quoque animantem esse oportet, et quidem reliqua que estão nos corpos dos seres animados, é preciso
astra, quae oriantur in ardore caelesti, qui aether uel também que o sol seja animado e certamente os demais
caelum nominatur. astros, que nascem no ardor celeste, que é chamado
éter ou céu.

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[42] Cum igitur aliorum animantium ortus in terra sit, Como então o nascimento de alguns seres animados
aliorum in aqua, in aere aliorum, absurdum esse seja na terra, de outros na água, de outros no ar, para
Aristoteli uidetur in ea parte, quae sit ad gignenda Aristóteles parece ser absurdo pensar que nenhum ser
animantia aptissima, animal gigni nullum putare. vivo nasça naquela parte que é a mais apropriada para
Sidera autem aetherium locum optinent; qui quoniam gerar os seres animados. Os astros, porém, ocupam o
tenuissimus est et semper agitatur et uiget, necesse est, lugar etéreo, que é, pois, muito tênue, tanto sempre
quod animal in eo gignatur, id et sensu acerrumo et está em movimento quanto tem vigor; é necessário
mobilitate celerrima esse. Quare cum in aethere astra que, pois o ser vivo é gerado nele46, ele47 tenha tanto
gignantur, consentaneum est in his sensum inesse et senso muito enérgico quanto mobilidade muito veloz.
intellegentiam, ex quo efficitur in deorum numero Por isso, como os astros surgem no éter, é adequado
astra esse ducenda. Etenim licet uidere acutiora que nestes haja senso e inteligência, a partir disto se
ingenia et ad intellegendum aptiora eorum, qui terras conclui que os astros devem ser estimados no número
incolant eas, in quibus aer sit purus ac tenuis, quam dos deuses. Pois é possível ver que os engenhos
illorum, qui utantur crasso caelo atque concreto. daqueles, que habitam aquelas terras, nas quais o ar é
puro e tênue, são mais agudos e mais aptos para
compreender do que daqueles que se servem de um
céu denso e concreto.

46
Aetherium locum.
47
Animal.

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[43] Quin etiam cibo, quo utare, interesse aliquid ad Porém pensam como alimento, de que te sirvas, que há
mentis aciem putant. Probabile est igitur praestantem algo para agudeza da mente. É então provável que haja
intellegentiam in sideribus esse, quae et aetheriam uma inteligência superior nos astros, que tanto ocupam
partem mundi incolant et marinis terrenisque umoribus a parte etérea do mundo quanto se alimentam das
longo interuallo extenuatis alantur. Sensum autem tênues umidades marinhas e terrenas, em um longo
astrorum atque intellegentiam maxume declarat ordo intervalo. A ordem e a constância, porém, demonstra
eorum atque constantia (nihil est enim, quod ratione et sobretudo o senso e a inteligência dos astros (nada há,
numero moueri possit sine consilio), in quo nihil est pois, que possa se mover com razão e com ordem sem
temerarium, nihil uarium, nihil fortuitum. Ordo autem prudência), nisso nada há de impudente, nada de
siderum et in omni aeternitate constantia neque inconstante, nada de fortuito. Porém, a ordem e a
naturam significat (est enim plena rationis) neque constância dos astros em toda eternidade não
fortunam, quae amica uarietati constantiam respuit. demonstra a natureza (pois é plena de razão) nem a
Sequitur ergo, ut ipsa sua sponte, suo sensu ac fortuna que, amiga da diversidade, recusa a constância.
diuinitate moueantur. Segue, então, que por sua própria vontade se movam
por seu senso e divindade.

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[44] Nec uero Aristoteles non laudandus in eo, quod Na verdade não se deve elogiar Aristóteles naquilo,
omnia, quae mouentur, aut natura moueri censuit aut ui porque afirmou que todas as coisas, que se movem,
aut uoluntate; moueri autem solem et lunam et sidera movem-se ou pela natureza, ou pela força, ou pela
omnia; quae autem natura mouerentur, haec aut vontade; que se movem, porém, o sol e a lua e todos os
pondere deorsum aut leuitate in sublime ferri, quorum astros; porém estas coisas, que se movem por natureza,
neutrum astris contingeret propterea, quod eorum são levadas ou pelo peso para baixo, ou pela leveza
motus in orbem circumque ferretur; nec uero dici para cima, dessas nem uma nem outra coisa alcançaria
potest ui quadam maiore fieri, ut contra naturam astra os astros, por isso que o movimento deles se lançava
moueantur (quae enim potest maior esse?); restat em órbita e em círculo; na verdade, não se pode dizer
igitur, ut motus astrorum sit uoluntarius. Quae qui que se fazia por alguma força maior, de modo que os
uideat, non indocte solum, uerum etiam impie faciat, si astros se movam contra natureza (o que pode então ser
deos esse neget. Nec sane multum interest, utrum id maior?); então resta que o movimento dos astros seja
neget, an eos omni procuratione atque actione priuet; voluntário. Quem vê isso, age não só indouta, mas
mihi enim, qui nihil agit, esse omnino non uidetur. também impiamente, se nega que os deuses existem.
Esse igitur deos ita perspicuum est, ut, id qui neget, uix Certamente, não importa muito se nega isto ou priva-
eum sanae mentis existimem. os de toda administração e ação; pois, para mim, quem
não faz nada, não parece existir absolutamente. Então
assim está claro que os deuses existem, pois
dificilmente julgo com uma mente sã aquele que nega
isto.

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[45] Restat, ut qualis eorum natura sit, consideremus; Resta que consideremos qual seja a natureza deles;
in quo nihil est difficilius quam a consuetudine nisso nada é mais difícil do que separar a agudeza da
oculorum aciem mentis abducere. Ea difficultas mente do costume dos olhos. Essa dificuldade levou
induxit et uulgo imperitos et similes philosophos tanto os ignorantes do povo, quanto os filósofos
imperitorum, ut nisi figuris hominum constitutis nihil semelhantes aos ignorantes a que não pudessem pensar
possent de dis inmortalibus cogitare; cuius opinionis nada sobre os deuses imortais, a não ser constituídos
leuitas confutata a Cotta non desiderat orationem de aparências de homens; cuja leveza de opinião
meam. Sed cum talem esse deum certa notione animi refutada por Cota não requer meu discurso. Mas como
praesentiamus, primum ut sit animans, deinde ut in pressentimos que tal deus exista com certa noção de
omni natura nihil eo sit praestantius, ad hanc ânimo – primeiramente, para que seja animado; em
praesensionem notionemque nostram nihil uideo quod seguida, para que nada seja mais notável do que ele em
potius accommodem quam ut primum hunc ipsum toda natureza – em relação a esta ideia e noção nossa,
mundum, quo nihil excellentius fieri potest, não vejo nada que se ajuste mais do que,
animantem esse et deum iudicem. primeiramente, se julgue que este mesmo mundo, em
relação ao qual nada pode-se fazer de mais excelente,
seja animado e um deus.

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[46] Hic quam uolet Epicurus iocetur, homo non Neste ponto Epicuro zomba o quanto quer, homem não
aptissimus ad iocandum minimeque resipiens patriam, muito apto para zombar e que não tem coisa alguma de
et dicat se non posse intellegere qualis sit uolubilis et sua pátria, e diz que ele não pode compreender o que é
rutundus deus, tamen ex hoc, quod etiam ipse probat, um deus móvel e redondo, porém nunca me afastará
numquam me mouebit. Placet enim illi esse deos, quia disto que ele mesmo aprova também. A ele, pois,
necesse sit praestantem esse aliquam naturam qua nihil agrada que os deuses existam, porque é necessário que
sit melius. Mundo autem certe nihil est melius; nec haja alguma natureza excelente, em relação à qual
dubium, quin, quod animans sit habeatque sensum et nada há de melhor. Porém certamente nada é melhor
rationem et mentem, id sit melius quam id, quod is do que o mundo, nem há dúvida de que aquilo que é
careat. animado e tem senso, e razão, e mente, seja melhor do
que aquilo que está privado disto.

ISBN 978-85-463-0295-6 SUMÁRIO


D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 63

[47] Ita efficitur animantem, sensus mentis rationis Assim se conclui que o mundo é animado, provido de
mundum esse compotem; qua ratione deum esse senso, de mente, de razão; por tal razão se conclui que
mundum concluditur. Sed haec paulo post facilius o mundo é um deus. Mas isto um pouco mais tarde se
cognoscentur ex is rebus ipsis, quas mundus efficit. reconhecerá mais facilmente a partir daquelas próprias
Interea Vellei noli quaeso prae te ferre uos plane coisas que o mundo realiza. Enquanto isso, Veleio,
expertes esse doctrinae. Conum tibi ais et cylindrum et peço-te que não queiras propor que vós sois
pyramidem pulchriorem quam sphaeram uideri, nouum completamente privados de uma doutrina. Dizes que
etiam oculorum iudicium habetis. Sed sint ista para ti o cone, e o cilindro, e a pirâmide parecem mais
pulchriora dumtaxat aspectu – quod mihi tamen ipsum belos do que a esfera, também tendes um novo juízo de
non uidetur; quid enim pulchrius ea figura, quae sola olhos. Mas sejam estas coisas mais belas até no
omnis alias figuras complexa continet, quaeque nihil aspecto – o que, porém, não me parece o mesmo; pois
asperitatis habere, nihil offensionis potest, nihil o que há de mais belo do que aquela figura, que
incisum angulis nihil anfractibus, nihil eminens nihil sozinha contém todas as outras figuras reunidas e que
lacunosum; cumque duae formae praestantissimae sint, não pode ter nenhuma aspereza, nenhuma aresta,
ex solidis globus (sic enim interpretari nenhum inciso dos ângulos, nada com sinuosidades,
placet), ex planis autem circulus aut orbis, qui nada saliente, nada lacunoso; e como duas são as
Graece dicitur, his duabus formis contingit formas mais notáveis: dos sólidos, o globo (pois é
49
solis ut omnes earum partes sint inter se simillumae a preferível traduzir assim ); dos planos,
medioque tantum absit extremum, quo nihil fieri potest porém, o círculo ou a órbita, que em grego se diz
50
aptius48 – , nestas duas formas apenas sucede que
todas as suas partes sejam semelhantes entre si e tanto
o extrema está distante do meio, quanto o meio do
extremo51, em que nada se pode realizar de melhor –

48
: “medioque tantum absit extremum, quantum idem a summo:
49
quo nihil fieri potest aptius.” Esfera.
50
: “medioque tantum absit extremum, quantum idem a summo, Círculo.
quo nihil fieri potest aptius.” 51
Quantum idem a summo, presente nas edições γ e δ.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 64

[48] sed si haec non uidetis, quia numquam eruditum mas se não vedes isto, porque nunca alcançastes aquele
illum puluerem attigistis, ne hoc quidem physici pó erudito, ó físicos, não pudestes compreender nem
intellegere potuistis, hanc aequabilitatem motus mesmo isto: que aquela regularidade de movimento e
constantiamque ordinum in alia figura non potuisse constância de ordem não pôde ser conservada em outra
seruari? Itaque nihil potest indoctius52 quam, quod a figura? Pois nada pode ser mais indouto do que aquilo
uobis adfirmari solet. Nec enim hunc ipsum mundum que costuma ser afirmado por vós. Pois não dizeis
pro certo rutundum esse dicitis, nam posse fieri, ut sit categoricamente que este mesmo mundo é redondo,
alia figura, innumerabilesque mundos alios aliarum que pode, pois, acontecer que haja outra figura e que
esse formarum. há inumeráveis outros mundos de outras formas.

52
: “Itaque nihil potest esse indoctius (...)”.
: “Itaque nihil potest esse indoctius (...)”.

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[49] Quae si bis bina quot essent didicisset Epicurus Se tivesse aprendido quanto é duas vezes dois, o que
certe non diceret; sed dum palato quid sit optimum certamente Epicuro não diria; mas enquanto julga o
iudicat, ‘caeli palatum’, ut ait Ennius, non suspexit. que seja melhor ao céu da boca, não olhou, como diz
Nam cum duo sint genera siderum, quorum alterum Ênio, ‘a abóboda do céu’. Pois, como existem dois
spatiis inmutabilibus ab ortu ad occasum commeans gêneros de astros, dos quais um viajando pelos espaços
nullum umquam cursus sui uestigium infleclat, alterum imutáveis, desde o nascimento até a queda, não se
autem continuas conuersiones duas isdem spatiis desvia em nenhum momento de seu curso; o outro,
cursibusque conficiat, ex utraque re et mundi porém, realiza duas contínuas revoluções nos mesmos
uolubilitas, quae nisi in globosa forma esse non posset, espaços e percursos, a partir de ambos os movimentos
et stellarum rutundi ambitus cognoscuntur. Primusque tanto o movimento giratório do mundo, que não pode
sol, qui astrorum tenet principatum, ita mouetur ut, existir senão na forma de globo, quanto os circuitos
cum terras larga luce compleuerit, easdem modo his redondos das estrelas são conhecidos. E primeiramente
modo illis ex partibus opacet; ipsa enim umbra terrae o sol que detém a supremacia dos astros, move-se
soli officiens noctem efficit. Nocturnorum autem assim de modo que, quando tenha enchido as terras
spatiorum eadem est aequabilitas quae diurnorum. com larga luz, torne sombria as mesmas, ora desta
Eiusdemque solis tum accessus modici tum recessus et parte, ora daquela; pois a própria sombra da Terra,
frigoris et caloris modum temperant. impedindo o sol, produz a noite. Porém a igualdade
dos espaços noturnos é a mesma que a dos diurnos. E
ora as moderadas aproximações do mesmo sol, ora os
distanciamentos moderam a medida tanto do frio,
quanto do calor.

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Circumitus enim solis orbium quinque et sexaginta et Pois os 365 giros das órbitas do sol, acrescidos
trecentorum quarta fere diei parte addita conuersionem geralmente de uma quarta parte de dia, formam uma
conficiunt annuam; inflectens autem sol cursum tum revolução anual; porém o sol, desviando o curso, ora a
ad septem triones tum ad meridiem aestates et hiemes norte, ora a sul, produz as estações, tanto os invernos,
efficit et ea duo tempora, quorum alterum hiemi quanto aquelas duas estações, uma das quais está junto
senescenti adiunctum est alterum aestati: ita ex ao inverno acabando, outra do verão, assim a partir das
quattuor temporum mutationibus omnium, quae terra mudanças de todas as quatro estações são conduzidos
marique gignuntur, initia causaeque ducuntur. os princípios e as causas, do que nasce na terra e no
mar.

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[50] Iam solis annuos cursus spatiis menstruis luna Já a lua realiza em espaços mensais os cursos anuais
consequitur, cuius tenuissimum lumen facit proximus do sol, uma chegada mais próxima ao sol faz mais
accessus ad solem, digressus autem longissimus tênue a sua54 luz, mas cada afastamento mais longo,
quisque plenissimum. Neque solum eius species ac mais plena. Não só se muda o seu aspecto e forma –
forma mutatur tum crescendo tum defectibus in initia ora crescendo, ora voltando ao início, com ausências
recurrendo, sed etiam regio; quae cum est aquilonia aut de luz – mas também o lugar; como este é setentrional
australis, in lunae53 quoque cursu est et brumae ou austral, também no curso da lua há certa
quaedam et solstitii similitudo, multaque ab ea manant semelhança com o solstício de inverno e de verão, e
et fluunt, quibus et animantes alantur augescantque et muitas coisas dela emanam e fluem, pelas quais tanto
pubescant maturitatemque adsequantur, quae oriuntur os seres animados são nutridos e crescem quanto
e terra. chegam à puberdade e conseguem a maturidade, as
quais nascem da terra.

53
: “quae tum aquilenta, tum australis. In lunae (...)”.
: “quae tum est aquilonia, tum australis. Itaque in lunae (...)”. 54
Cuius.

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[51] Maxume uero sunt admirabiles motus earum Certamente são admiráveis sobretudo os movimentos
quinque stellarum, quae falso uocantur errantes; nihil daquelas cinco estrelas que falsamente são chamadas
enim errat, quod in omni aeternitate conseruat de errantes; pois não erra nada, que por toda a
progressus et regressus reliquosque motus constantis et eternidade mantém os avanços e regressos, e os outros
ratos. Quod eo est admirabilius in is stellis, quas movimentos constantes e regulares. O que, por causa
dicimus, quia tum occultantur tum rursus aperiuntur, disto, é mais admirável naquelas estrelas, das quais
tum adeunt tum recedunt, tum antecedunt tum autem falamos, porque ora se ocultam, ora se mostram de
subsecuntur, tum celerius mouentur tum tardius, tum novo, ora se aproximam, ora se retiram, ora se
omnino ne mouentur quidem sed ad quoddam tempus antecedem, ora porém se seguem, ora se movem mais
insistunt. Quarum ex disparibus motionibus magnum rápido, ora mais lentamente, ora nem mesmo se
annum mathematici nominauerunt, qui tum efficitur, movem absolutamente, mas param em certo tempo. A
cum solis et lunae et quinque errantium ad eandem partir de seus desiguais movimentos, os matemáticos
inter se comparationem confectis omnium spatiis est nomearam o grande ano, que então se efetua, quando é
facta conuersio; realizada a revolução do sol, e da lua, e das cinco
errantes até a mesma posição entre si, tendo-se
concluídos os espaços de todos;

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[52] quae, quam longa sit, magna quaestio est, esse quão longa seja a revolução, é uma grande questão, é
uero certam et definitam necesse est. Nam ea, quae necessário seguramente que seja certa e definida.
Saturni stella dicitur que a Graecis Aquela, pois, que é chamada estrela de Saturno, e
55
nominatur, quae a terra abest plurimum, XXX fere pelos gregos é nomeada , que está muito
annis cursum suum conficit, in quo cursu multa afastada da terra, executa o seu curso
mirabiliter efficiens tum antecedendo tum retardando, aproximadamente em 30 anos, neste curso muitas
tum uespertinis temporibus delitiscendo tum matutinis coisas realizando admiravelmente, ora antecedendo,
rursum se aperiendo nihil inmutat sempiternis ora retardando, ora se ocultando à tarde, ora de novo se
saeclorum aetatibus, quin eadem isdem temporibus mostrando pela manhã, nada muda nos eternos tempos
efficiat, infra autem hanc propius a terra Iouis stella dos séculos que não realiza as mesmas coisas no
fertur, quae dicitur, eaque eundem duodecim mesmo tempo; porém abaixo desta, mais perto da
56
signorum orbem annis duodecim conficit easdemque terra, gira a estrela de Júpiter, que é dita ,e
quas Saturni stella efficit in cursu uarietates. esta realiza o mesmo giro dos doze signos em doze
anos e as mesmas variações que realiza a estrela de
Saturno em curso.

55
Brilhante.
56
Brilhante, planeta Júpiter.

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[53] Huic autem proximum inferiorem orbem tenet Porém, desta 57


tem a órbita inferior mais
, quae stella Martis appellatur, eaque quattuor próxima, que é chamada estrela de Marte, e ela
et uiginti mensibus sex, ut opinor, diebus minus percorre em menos de 24 meses e 6 dias a mesma
eundem lustrat orbem quem duae superiores, infra órbita que as duas superiores, como penso; abaixo
hanc autem stella Mercuri est (ea appellatur desta, porém, há a estrela de Mercúrio (que é chamada
58
a Graecis), quae anno fere uertenti signiferum lustrat pelos gregos de ), que aproximadamente no
orbem neque a sole longius umquam unius signi espaço de um ano, percorre a órbita estrelada e nunca
interuallo discedit tum anteuertens tum subsequens. se afasta do sol mais longe do que o intervalo de uma
Infima est quinque errantium terraeque proxuma stella estrela, ora chegando antes, ora seguindo. A mais
Veneris, quae Graece Lucifer Latine baixa das cinco errantes e a mais próxima da terra é a
59
dicitur cum antegreditur solem, cum subsequitur autem estrela de Vênus, que em grego é dita ,
60
: ea cursum anno conficit et latitudinem em latim, Lúcifer, quando precede o sol; ,
lustrans signiferi orbis et longitudinem, quod idem porém, quando vem depois: ela realiza o curso em um
faciunt stellae superiores, neque umquam ab sole ano, percorrendo tanto a largura quanto o comprimento
duorum signorum interuallo longius discedit tum da órbita estrelada, pois o mesmo fazem as estrelas
antecedens tum subsequens. superiores, e nunca se afasta do sol mais longe do que
o intervalo de duas estrelas, ora precedendo, ora
seguindo.

57
De fogo.
58
Brilhante, planeta Mercúrio.
59
Que traz a luz, planeta Vênus.
60
Estrela da noite.

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[54] Hanc igitur in stellis constantiam, hanc tantam Não posso compreender então esta constância nas
tam uariis cursibus in omni aeternitate conuenientiam estrelas, esta tamanha harmonia de tempo em tão
temporum non possum intellegere sine mente ratione diversos cursos em toda a eternidade, sem uma mente,
consilio, quae cum in sideribus inesse uideamus, non uma razão, um plano, como vemos que há isto nos
possumus ea ipsa non in deorum numero reponere. astros, não podemos não pôr os mesmos no número
Nec uero eae stellae, quae inerrantes uocantur, non dos deuses. Certamente nem aquelas estrelas, que são
significant eandem mentem atque prudentiam, quarum chamadas fixas, não indicam a mesma mente e
est cotidiana conueniens constansque conuersio, nec prudência, das quais o curso é habitual, conveniente e
habent aetherios cursus neque caelo inhaerentes, ut constante, nem tem cursos celestes e nem inerentes ao
plerique dicunt physicae rationis ignari; non est enim céu, como dizem muitos ignorantes da razão física;
aetheris ea natura, ut ui sua stellas conplexa pois não há aquela natureza do éter, quando abraçando
contorqueat, nam tenuis ac perlucens et aequabili pela sua força faz girar as estrelas, pois o éter tênue e
calore suffusus aether non satis aptus ad stellas transparente, e banhado por um calor igual, não parece
continendas uidetur; suficientemente preparado para conter as estrelas;

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[55] habent igitur suam sphaeram stellae inerrantes ab então as estrelas fixas têm sua esfera particular e livre
aetheria coniunctione secretam et liberam. Earum da ligação com o éter. Porém, seus cursos inalteráveis
autem perennes cursus atque perpetui cum admirabili e perpétuos com admirável e inacreditável constância
incredibilique constantia declarant in his uim et demonstram nisto que há uma força e mente divina,
mentem esse diuinam, ut haec ipsa qui non sentiat porque o que não sente que aquelas mesmas têm a
deorum uim habere is nihil omnino sensurus esse força de deuses, este parece que não haverá de
uideatur. perceber absolutamente nada.

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[56] Nulla igitur in caelo nec fortuna nec temeritas nec Então no céu não há nada nem fortuito, nem ao acaso,
erratio nec uanitas inest contraque omnis ordo ueritas nem em desvio, nem inconstante, e, ao contrário, toda
ratio constantia, quaeque his uacant ementita et falsa ordem, verdade, razão, constância e aquelas coisas,
plenaque erroris, ea circum terras infra lunam, quae inventadas e falsas, e cheias de erro, encontram-se em
omnium ultima est, in terrisque uersantur. Caelestem torno da terra abaixo da lua, que é a última de todos, e
ergo admirabilem ordinem incredibilemque na terra. Aquele que pensa, portanto, que a admirável
constantiam, ex qua conseruatio et salus omnium ordem e incrível constância celeste, a partir da qual
omnis oritur, qui uacare mente putat is ipse mentis nasce toda conservação e bom estado de tudo, seja
expers habendus est. privada de mente, ele mesmo deve ser considerado
privado de mente.

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[57] Haut ergo ut opinor errauero, si a principe Portanto, como penso, não terei errado, se tiver trazido
inuestigandae ueritatis huius disputationis principium o princípio de investigar a verdade desta discussão
duxero. Zeno igitur naturam ita definit, ut eam dicat desde o início. Então, Zenão define assim a natureza,
ignem esse artificiosum ad gignendum progredientem de modo que diz que ela é um fogo engenhoso,
uia, censet enim artis maxume proprium esse creare et progredindo pela via de criar, pois julga que é,
gignere, quodque in operibus nostrarum artium manus sobretudo, próprio da arte criar e gerar, e o que a mão
efficiat id multo artificiosius naturam efficere, id est ut realiza nas obras de nossas artes, isto faz a natureza
dixi ignem artificiosum magistrum artium reliquarum. muito mais engenhosamente, isto é, como disse, um
Atque hac quidem ratione omnis natura artificiosa est, fogo engenhoso, mestre das demais artes. E certamente
quod habet quasi uiam quandam et sectam quam por esta razão, toda a natureza é engenhosa, pois tem,
sequatur. por assim dizer, uma via e um princípio que segue.

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[58] Ipsius uero mundi, qui omnia conplexu suo Na verdade a natureza do próprio mundo, que contém
coercet et continet, natura non artificiosa solum sed e conserva tudo com seu abraço, é dita pelo próprio
plane artifex ab eodem Zenone dicitur, consultrix et Zenão não só engenhosa, mas absolutamente um
prouida utilitatum oportunitatumque omnium, atque ut artífice, cuidadora e provedora de todas as utilidades e
ceterae naturae suis seminibus quaeque gignuntur oportunidades, e como outras naturezas nascem cada
augescunt continentur, sic natura mundi omnis motus uma de suas sementes, crescem, mantêm-se, assim a
habet uoluntarios, conatusque et adpetitiones, quas natureza de todo o mundo tem movimentos e impulsos
Graeci uocant, et is consentaneas actiones sic voluntários, e desejos, que os Gregos chamam
61
adhibet ut nosmet ipsi qui animis mouemur et , e recorre assim às ações convenientes a eles
sensibus. Talis igitur mens mundi cum sit ob eamque como nós mesmos que nos movemos por ânimo e
causam uel prudentia uel prouidentia appellari recte sentidos. Então, já que a mente do mundo é tal e, por
possit (Graece enim dicitur), haec esta causa, pode convenientemente ser chamada ou
potissimum prouidet et in is maxime est occupata, prudência, ou providência (pois em grego é chamada
62
primum ut mundus quam aptissimus sit ad de ), provê principalmente estas coisas e
permanendum, deinde ut nulla re egeat, maxume daquelas sobretudo está ocupada, primeiramente a fim
autem ut in eo eximia pulchritudo sit atque omnis de que o mundo seja o mais apto possível para
ornatus. conservar, depois para que não tenha necessidade de
coisa alguma, mas sobretudo para que nele haja uma
exímia beleza e todo ornamento.

61
Impulso.
62
Providência.

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[59] Dictum est de uniuerso mundo, dictum etiam est Falou-se sobre o mundo inteiro, também se falou sobre
de sideribus, ut iam propemodum appareat multitudo os astros, porque já aparece mais ou menos um grande
nec cessantium deorum nec ea quae agant molientium número de deuses que nem são ociosos, nem realizam
cum labore operoso ac molesto. Non enim uenis et aquilo que fazem com trabalho operoso e penoso. Pois
neruis et ossibus continentur nec his escis aut não dependem de veias, e de nervos, e de ossos, nem
potionibus uescuntur, ut aut nimis acres aut nimis se alimentam destes alimentos ou bebidas, porque
concretos umores colligant, nec is corporibus sunt ut reúnem líquidos ou muito acres, ou muito concretos,
casus aut ictus extimescant aut morbos metuant ex nem têm aqueles corpos, de modo que temam os
defetigatione membrorum, quae uerens Epicurus acidentes, ou os choques, ou receiem as doenças de
monogrammos deos et nihil agentes commentus est. fadiga dos membros, Epicuro temendo isto, imaginou
Illi autem pulcherruma forma praediti purissimaque in os deuses lineares63 e que não fazem nada. Porém
regione caeli collocati ita feruntur moderanturque aqueles que foram ditos com a mais bela forma e
cursus, ut ad omnia conseruanda et tuenda consensisse colocados na mais pura região do céu, assim se
uideantur. seguem e conduzem os cursos, de modo que pareçam
estar de acordo em conservar e proteger tudo.

63
Formados de linhas, sombras, sem corpo.

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[60] Multae autem aliae naturae deorum ex magnis Porém muitas outras naturezas de deuses, a partir de
beneficiis eorum non sine causa et a Graeciae seus grandes benefícios, foram estabelecidas e
sapientissimis et a maioribus nostris constitutae designadas, não sem motivo, tanto pelos mais sábios
nominataeque sunt. Quicquid enim magnam utilitatem da Grécia, quanto pelos nossos antigos. Pois o que
generi adferret humano, id non sine diuina bonitate quer que tenha trazido uma grande utilidade ao gênero
erga homines fieri arbitrabantur, itaque tum illud quod humano, consideravam que isto não seria possível para
erat a deo natum nomine ipsius dei nuncupabant, ut com os homens sem a bondade divina, e assim então
cum fruges Cererem appellamus uinum autem chamavam com o nome do próprio deus o que tinha
Liberum, ex quo illud Terenti “sine Cerere et Libero nascido do deus, como quando chamamos os cereais
friget Venus”, de Ceres; o vinho, porém, de Líbero, a partir disso
aquele Terêncio dizia “sem Ceres e sem Líbero gela
Vênus”,

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[61] tum autem res ipsa, in qua uis inest maior aliqua, porém, por outro lado, a própria coisa, na qual há
sic appellatur ut ea ipsa uis nominetur deus, ut Fides ut alguma força maior, é chamada assim, de modo que
Mens, quas in Capitolio dedicatas uidemus proxume a aquela própria força é chamada de deus, como a Fides,
M. Aemilio Scauro, ante autem ab [A.] Atilio Calatino como a Mente, as quais no Capitólio vemos muito
erat Fides consecrata. Vides Virtutis templum uides próximo de serem consagradas por M. Emílio Scauro,
Honoris a M. Marcello renouatum, quod multis ante porém antes a Fides fora consagrada por Atílio
annis erat bello Ligustico a Q. Maxumo dedicatum. Calatino. Vês o templo de Virtude, vês o de Honra
Quid Opis quid Salutis quid Concordiae Libertatis restaurado por M. Marcelo, que muitos anos antes na
Victoriae; quarum omnium rerum quia uis erat tanta ut guerra da Ligúria fora dedicado por Q. Máximo. O64
sine deo regi non posset, ipsa res deorum nomen templo de Ópis, o de Salvação, o de Concórdia, o de
optinuit. Quo ex genere Cupidinis et Voluptatis et Liberdade, o de Vitória, porque a força de todas essas
Lubentinae Veneris uocabula consecrata sunt, coisas era tanta que não podia ser regida sem um deus,
uitiosarum rerum neque naturalium – quamquam a própria coisa obteve nome de deuses. A partir de tal
Velleius aliter existimat, sed tamen ea ipsa uitia gênero foram consagrados os vocábulos de Cupido, e
naturam uehementius saepe pulsant. de Voluptuosidade, e de Vênus Libentina, coisas
viciosas e artificiais – embora Veleio pense
diferentemente, no entanto aqueles próprios vícios
sempre excitam mais fortemente a natureza.

64
Quid retoma templum.

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[62] Vtilitatum igitur magnitudine constituti sunt ei di Então, pela grandeza da utilidade foram construídos
qui utilitates quasque gignebant, atque is quidem aqueles deuses que produziam cada utilidade, e,
nominibus quae paulo ante dicta sunt quae uis sit in certamente, com aqueles nomes, que pouco antes
quoque declaratur deo. Suscepit autem uita hominum foram ditos, mostra-se qual força esteja em cada deus.
consuetudoque communis ut beneficiis excellentis Porém a vida dos homens e o hábito comum admitiram
uiros in caelum fama ac uoluntate tollerent, hinc que elevassem ao céu homens excelentes em bons
Hercules hinc Castor et Pollux hinc Aesculapius hinc feitos pela fama e vontade; por um lado, Hércules, por
Liber etiam (hunc dico Liberum Semela natum, non outro, Castor e Pólux; de um lado Esculápio, de outro
eum quem nostri maiores auguste sancteque Liberum também Líber (digo o Líber nascido de Sêmele, não
cum Cerere et Libera65 consecrauerunt, quod quale sit aquele Líber que nossos antigos consagraram augusta e
ex mysteriis intellegi potest; sed quod ex nobis natos santamente com Ceres e Líbera, pois qual seja, pode
liberos appellamus, idcirco Cerere nati nominati sunt ser entendido a partir dos mistérios; mas porque
Liber et Libera, quod in Libera seruant, in Libero non chamamos de filhos, os nascidos de nós, por isto os
item) – hinc etiam Romulum, quem quidam eundem nascidos de Ceres foram chamados Líber e Líbera, o
esse Quirinum putant. Quorum cum remanerent animi que observam em Líbera, não observam do mesmo
atque aeternitate fruerentur, rite di sunt habiti, cum et modo em Líber66) – por outro lado, também Rômulo
optimi essent et aeterni. que alguns pensam certamente ser o próprio Quirino.
Como as suas almas permanecessem e gozassem da
eternidade, religiosamente foram considerados deuses,
uma vez que eram tanto ótimos quanto eternos.

66
Há o uso de radicais semelhantes liber- para explicitar a
significação das palavras, liberos (filhos), Liber (Líber) e Libera
65
Proserpina. (Líbera).

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[63] Alia quoque ex ratione et quidem physica magna E também a partir de outra razão, certamente, uma
fluxit multitudo deorum, qui induti specie humana multidão de deuses fluiu da grande natureza, os quais
fabulas poetis suppeditauerunt, hominum autem uitam revestidos com aspecto humano forneceram fábulas
superstitione omni referserunt. Atque hic locus a aos poetas, porém submeteram a vida dos homens a
Zenone tractatus post a Cleanthe et Chrysippo pluribus toda superstição. E este argumento foi tratado por
uerbis explicatus est. Nam uetus haec opinio Graeciam Zenão, depois foi explicado por Cleante e por Crisipo
oppleuit, esse exsectum Caelum a filio Saturno, com mais palavras. Pois esta antiga opinião encheu a
uinctum autem Saturnum ipsum a filio Ioue: Grécia: o Céu ter sido mutilado pelo filho Saturno,
porém o próprio Saturno ter sido vencido pelo filho
Júpiter:

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[64] physica ratio non inelegans inclusa est in impias uma razão física, que não é grosseira, foi incluída nas
fabulas. Caelestem enim altissimam aetheriamque ímpias fábulas. Pois quiseram que uma elevada e
naturam id est igneam, quae per sese omnia gigneret, etérea natureza celeste, isto é, ígnea, que gerava por si
uacare uoluerunt ea parte corporis quae coniunctione todas as coisas, estivesse vazia daquela parte do corpo
alterius egeret ad procreandum. Saturnum autem eum que necessitava da união de outra para procriar. Porém
esse uoluerunt qui cursum et conuersionem spatiorum quiseram que Saturno fosse aquele que conservava o
ac temporum contineret, qui deus Graece id ipsum curso e a revolução dos espaços e dos tempos, deus
nomen habet: enim dicitur, qui est idem que na Grécia tem este nome próprio: é chamado, pois,
67 68
id est spatium temporis. Saturnus autem est de , que é o mesmo , isto é, o
appellatus quod saturaretur annis; ex se enim natos espaço de tempo. Porém foi chamado de Saturno
comesse fingitur solitus, quia consumit aetas porque se alimenta dos anos; pois é representado
temporum spatia annisque praeteritis insaturabiliter acostumado a devorar os nascidos de si, porque a idade
expletur. uinctus autem a Ioue, ne inmoderatos cursus consome os espaços de tempo e se farta
haberet, atque ut eum siderum uinclis alligaret, sed insaciavelmente com os anos passados. Porém foi
ipse Iuppiter, id est iuuans pater, quem conuersis vencido por Júpiter para que não tornasse os cursos
casibus appellamus a iuuando Iouem, a poetis “pater infinitos e para que o amarrasse com os vínculos dos
diuomque hominumque” dicitur, a maioribus autem astros, mas o próprio Júpiter, isto é, o pai que ajuda,
nostris optumus maxumus, et quidem ante optimus id que chamamos de Júpiter por ajudar nos casos
est beneficentissimus quam maximus, quia maius est imprevistos, pelos poetas é dito “pai dos deuses e dos
certeque gratius prodesse omnibus quam opes magnas homens”, porém pelos nossos antigos, “ótimo,
habere – máximo”, e, na verdade, antes “ótimo”, isto é, mais
benéfico do que “máximo”, porque é maior e
certamente mais agradável servir a todos do que ter
grandes recursos -

67
Cronos, nome do deus.
68
Chronos, tempo.

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[65] hunc igitur Ennius, ut supra dixi, nuncupat ita Então Ênio o designa, como eu disse anteriormente69,
dicens “aspice hoc sublime candens, quem inuocant dizendo assim: “Olha isto que arde no alto, que todos
omnes Iouem” planius quam alio loco idem “cui quod chamam de Júpiter”, o mesmo é mais nítido do que em
in me est exsecrabor hoc quod lucet quicquid est”; outro lugar “para o que está em mim, execrarei aquilo
hunc etiam augures nostri cum dicunt “Ioue fulgente que ilumina tudo que existe”; isto também designam
tonante”: dicunt enim “caelo fulgente et tonante”. nossos áugures, quando dizem: “Por Júpiter brilhante,
Euripides autem ut multa praeclare sic hoc breuiter: trovejante”; pois dizem: “Pelo céu brilhante e
“uides sublime fusum immoderatum aethera, qui trovejante”. Porém Eurípides como disse muitas coisas
terram tenero circumiectu amplectitur: hunc summum claramente, assim disse concisamente isto: “Vês no
habeto diuum, hunc perhibeto Iouem”. alto o éter difuso, infinito, que abraça a Terra em um
tenro invólucro; considera-o como sumo deus, chama-
o de Júpiter.”

69
II, 4.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 83

[66] Aer autem, ut Stoici disputant, interiectus inter Porém o ar, como discutem os estoicos, situado entre o
mare et caelum Iunonis nomine consecratur, quae est mar e o céu, é consagrado com o nome de Juno, que é
soror et coniux Iouis, quod [ei] et similitudo est irmã e esposa de Júpiter, porque tanto há uma
aetheris et cum eo summa coniunctio. Effeminarunt semelhança, quanto uma suma união com ele. Porém
autem eum Iunonique tribuerunt, quod nihil est eo efeminaram-no e atribuíram a Juno, porque não há
mollius. Sed Iunonem a iuuando credo nominatam. nada mais suave que ele71. Mas creio que Juno foi
Aqua restabat et terra, ut essent ex fabulis tria regna nomeada por ajudar. Restava a água e a terra, porque
diuisa. Datum est igitur Neptuno alterum, Iouis ut segundo as fábulas havia três reinos separados. Então
uolumus fratri, maritimum omne regnum, nomenque todo o reino marítimo foi dado a Netuno, como
productum ut Portunus a porta sic Neptunus a nando, queremos o irmão de Júpiter, e o nome produzido,
paulum primis litteris immutatis. Terrena autem uis como Portuno é proveniente de porta, assim Netuno é
omnis atque natura Diti patri dedicata est, qui diues ut proveniente de nadar, mudadas um pouco as primeiras
apud Graecos , quia et recidunt omnia in letras. Porém toda força da terra e a natureza foi
terras et oriuntur e terris, +Cui Proserpinam70 (quod consagrada ao pai Dite72, que é opulento, de modo que
73
Graecorum nomen est, ea enim est quae entre os gregos é dito , porque todas as
Graece nominatur) – quam frugum semen esse uolunt coisas tanto retornam as terras, quanto nascem das
absconditamque quaeri a matre fingunt. terras, +com o qual dizem casada74 Prosérpina (que é
um nome dos gregos, pois é aquela que em grego é
75
chamada , que querem que seja a
semente dos cereais e a representam escondida, sendo
procurada pela mãe.

71
O ar.
72
Plutão.
73
Idem.
70
: “et oriantur e terris. Is rapuit Proserpinam (...)”. 74
: com o qual dizem casada Prosérpina.
: “et oriuntur e terris. Cui nuptam dicunt Proserpinam (...)”. 75
Perséfone.

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[67] Mater autem est a gerendis frugibus Ceres Porém a mãe é Ceres por gerar os grãos como “geres”
tamquam geres, casuque prima littera itidem immutata e casualmente a primeira letra foi mudada do mesmo
ut a Graecis; nam ab illis quoque quasi modo como entre os gregos, pois por aqueles foi
76 77
nominata est. Iam qui magna uerteret chamada também de quase . Já
Mauors, Minerua autem quae uel minueret uel o que destruía grandes coisas, Marte; porém Minerva,
minaretur. Cumque in omnibus rebus uim haberent a que ou reduzia ou ameaçava. E como em todas as
maxumam prima et extrema, principem in sacrificando coisas os princípios e os fins tivessem uma força
Ianum esse uoluerunt, quod ab eundo nomen est grandiosa, desejaram que Jano fosse o primeiro ao
ductum, ex quo transitiones peruiae iani foresque in sacrificar, porque o nome foi trazido de andar, a partir
liminibus profanarum aedium ianuae nominantur. Nam do qual as passagens acessíveis são chamadas de
Vestae nomen a Graecis (ea est enim quae ab illis arcos78 e a entrada nas soleiras das casas profanas,
dicitur); uis autem eius ad aras et focos pertinet, portas79. Há pois o nome de Vesta entre gregos (é pois
80
itaque in ea dea, quod est rerum custos intumarum, a que por eles é dita ); sua força, porém, se
omnis et precatio et sacrificatio extrema est. estende aos altares e aos lares, assim para com essa
deusa, porque é a guardiã das coisas íntimas, é mais
extrema tanto toda súplica quanto o sacrifício.

76
Deméter.
77
Terra mãe.
78
Iani.
79
Ianuae.
80
Éstia.

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[68] Nec longe absunt ab hac ui di Penates, siue a penu Não se afastam muito daquela força os deuses Penates,
ducto nomine (est enim omne quo uescuntur homines tendo o nome trazido ou de penus81 (pois penus é tudo
penus) siue ab eo quod penitus insident; ex quo etiam por que os homens são nutridos), ou disto, porque
penetrales a poetis uocantur. Iam Apollinis nomen est estão postos profundamente82; a partir disto também
Graecun, quem solem esse uolunt, Dianam autem et são chamados pelos poetas de penetrales. Já o nome de
lunam eandem esse putant, cum sol dictus sit uel quia Apolo é grego, que querem que seja o sol, porém
solus ex omnibus sideribus est tantus uel quia cum est pensam que Diana e a Lua sejam a mesma, enquanto o
exortus obscuratis omnibus solus apparet, luna a Sol tenha sido dito, ou porque sozinho entre todos os
lucendo nominata sit; eadem est enim Lucina, itaque ut astros é tão grande, ou porque quando surge,
apud Graecos Dianam eamque Luciferam sic apud abscurecidos todos, aparece sozinho, a Lua tenha sido
nostros Iunonem Lucinam in pariendo inuocant, quae nomeada por luzir; pois a mesma é Lucina, assim
eadem Diana Omniuaga dicitur non a uenando sed como entre os gregos invocam Diana e aquela
quod in septem numeratur tamquam uagantibus; Lucífera, assim entre os nossos, ao parir, invocam Juno
Lucina, que é dita a mesma Diana Errante, não por
caçar, mas porque é enumerada entre as sete estrelas
como que errantes;

81
Viveres, dispensa, coisas comestíveis.
82
Penitus.

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[69] Diana dicta quia noctu quasi diem efficeret, É chamada Diana, porque à noite produzia quase o dia;
adhibetur autem ad partus, quod i maturescunt aut porém é chamada aos partos, porque eles amadurecem
septem non numquam aut ut plerumque nouem lunae ou em sete, às vezes, ou na maior parte em nove cursos
cursibus, qui quia mensa spatia conficiunt menses da lua, que são chamados meses, porque completam os
nominantur; concinneque ut multa Timaeus, qui cum espaços mensais; e engenhosamente como muitas
in historia dixisset qua nocte natus Alexander esset coisas, Timeu, que como disse na história que na
eadem Dianae Ephesiae templum deflagrauisse, mesma noite em que nasceu Alexandre foi incendiado
adiunxit minime id esse mirandum, quod Diana quom o templo de Diana de Éfeso, acrescentou que isso não
in partu Olympiadis adesse uoluisset afuisset domo. deveria ser admirado, porque Diana como quis estar
Quae autem dea ad res omnes ueniret Venerem nostri presente no parto de Olímpias83, afastou-se de casa. A
nominauerunt, atque ex ea potius uenustas quam deusa, porém, que vinha a todas as coisas, os nossos
Venus ex uenustate. nomearam de Vênus, e a elegância vem dela, mais que
Vênus, da elegância.

83
Filha de Neoptólemo e mãe de Alexandre Magno.

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[70] Videtisne igitur ut a physicis rebus bene atque Vedes então como de fenômenos físicos, bem e
utiliter inuentis tracta ratio sit ad commenticios et oportunamente descobertos, tenha sido tirada a razão
fictos deos. Quae res genuit falsas opiniones relativa aos deuses imaginários e inventados? Tal coisa
erroresque turbulentos et superstitiones paene aniles. produziu falsas opiniões e erros turbulentos, e
Et formae enim nobis deorum et aetates et uestitus superstições quase de velhas. E, pois, foram
ornatusque noti sunt, genera praeterea coniugia conhecidas por nós as formas dos deuses, e as idades, e
cognationes, omniaque traducta ad similitudinem as roupas, e os ornamentos, além disso, os gêneros, os
inbecillitatis humanae. Nam et perturbatis animis casamentos, os parentescos e todas as coisas trazidas à
inducuntur: accepimus enim deorum cupiditates semelhança da debilidade humana. Pois também são
aegritudines iracundias; nec uero, ut fabulae ferunt, conduzidos por ânimos perturbados: entendemos, pois,
bellis proeliisque caruerunt, nec solum ut apud os desejos dos deuses, as doenças, as cóleras;
Homerum cum duo exercitus contrarios alii dei ex alia certamente nem como relataram as fábulas,
parte defenderent, sed etiam ut cum Titanis ut cum ausentaram-se de guerras e de combates, nem apenas
Gigantibus sua propria bella gesserunt. Haec et como em Homero, quando alguns deuses defenderam
dicuntur et creduntur stultissime et plena sunt dois exércitos adversários de algum lado, mas também
futtilitatis summaeque leuitatis. como com os Titãs, como com os Gigantes, fizeram
suas próprias guerras. Estas coisas tanto são ditas,
quanto são acreditadas tolamente, como são cheias de
futilidades e de suma leviandade.

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[71] Sed tamen is fabulis spretis ac repudiatis deus Mas mesmo rejeitadas e desprezadas estas fábulas, um
pertinens per naturam cuiusque rei, per terras Ceres per deus se estendendo pela natureza de cada coisa, Ceres
maria Neptunus alii per alia, poterunt intellegi qui pelas terras, Netuno pelos mares, outros por outras,
qualesque sint quoque eos nomine consuetudo poderão ser compreendidos quais sejam tais e também
nuncupauerit. Quos deos84 et uenerari et colere com qual nome o costume os nomeou. Tais deuses
debemus, cultus autem deorum est optumus idemque tanto devemos venerar quanto cultuar, porém o culto
castissimus atque sanctissimus plenissimusque pietatis, dos deuses é ótimo e também muito virtuoso e
ut eos semper pura integra incorrupta et mente et uoce santíssimo, e todo cheio de pietas, de modo que
ueneremur. Non enim philosophi solum uerum etiam sempre os veneramos tanto com uma voz quanto com
maiores nostri superstitionem a religione separauerunt. uma mente pura, íntegra, imperecível. Pois não só os
filósofos, mas também os nossos antigos separaram a
superstição da religio.

84
: “hos deos (...)”.
: “hoc eos (...)”.

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[72] Nam qui totos dies precabantur et immolabant, ut Pois aqueles que todos os dias invocavam e
sibi sui liberi superstites essent, superstitiosi sunt sacrificavam para que seus filhos fossem salvos por
appellati, quod nomen patuit postea latius; qui autem eles, foram chamados de supersticiosos, porque o
omnia quae ad cultum deorum pertinerent diligenter nome se mostrou depois mais abrangente; porém
retractarent et tamquam relegerent, [i] sunt dicti aqueles que diligentemente retratavam e, por assim
religiosi ex relegendo, [tamquam] elegantes ex dizer, reliam todas as coisas que se referiam ao culto
eligendo, [tamquam] [ex] diligendo diligentes85, ex dos deuses, eles foram chamados de religiosos, a partir
intellegendo intellegentes; his enim in uerbis omnibus de reler; tanto quanto elegantes de eleger, como
inest uis legendi eadem quae in religioso. Ita factum diligentes de diligenciar, inteligentes de inteligir; pois
est in superstitioso et religioso alterum uitii nomen em todas estas palavras há a mesma força de ler que há
alterum laudis. Ac mihi uideor satis et esse deos et em religioso. Assim se formou em supersticioso e em
quales essent ostendisse. religioso um nome de vício, outro de louvor. E me
parece suficientemente ter mostrado que os deuses
existem e quais sejam.

85
: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, sunt dicti
religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex tamquam a
diligendo diligentes (...)”.
: “diligenter retractarent et tamquam relegerent, sunt dicti
religiosi ex relegendo, ut elegantes ex eligendo, ex diligendo
diligentes (...)”.

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[73] Proximum est, ut doceam deorum prouidentia Resta tão somente que ensine que o mundo é
mundum administrari. Magnus sane locus est et a governado pela providência dos deuses. É um
uestris Cotta uexatus, ac nimirum uobiscum omne argumento certamente grandioso e atacado pelos
certamen est. Nam uobis Vellei minus notum est, vossos, Cota, e seguramente toda a disputa é convosco.
quem ad modum quidque dicatur; uestra enim solum Pois por vós, Veleio, quase nada foi verificado, da
legitis uestra amatis, ceteros causa incognita mesma forma que cada coisa é dita; pois ledes somente
condemnatis, uelut a te ipso hesterno die dictumst vossas coisas, amais vossas coisas, condenais os outros
anum fatidicam a Stoicis induci, id est por causa desconhecida, como por ti próprio no dia de
Prouidentiam. Quod eo errore dixisti, quia existumas ontem foi dito que uma velha profetisa, , foi
ab is prouidentiam fingi quasi quandam deam introduzida pelos estóicos, isto é, a providência. O que
singularem, quae mundum omnem gubernet et regat. disseste com aquele erro, porque julgas que por eles a
providência seja imaginada como uma deusa única,
que governa e rege todo o mundo.

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[74] Sed id praecise dicitur: ut, si quis dicat Mas isto é dito brevemente: como se alguém dissesse
Atheniensium rem publicam consilio regi, desit illud que a República dos atenienses é regida pela
“Arii pagi”, sic, cum dicimus prouidentia mundum assembleia, falta aquele “Areópago”, assim, quando
administrari, deesse arbitrato86 “deorum”, plene autem dizemos que o mundo é governado pela providência,
et perfecte sic dici existumato, prouidentia deorum julgue que faltam aqueles “deuses”, porém assim plena
mundum administrari, ita salem istum, quo caret uestra e perfeitamente pense que é dito que o mundo é
natio, in inridendis nobis nolitote consumere, et governado pela providência dos deuses, desse modo
mercule si me audiatis ne experiamini quidem; non com este gracejo, do qual carece o vosso povo, não nos
decet non datum est non potestis. Nec uero hoc in te queirais consumir, rindo de nós, e, por Hércules, se me
unum conuenit moribus domesticis ac nostrorum ouvisseis, nem mesmo experimenteis: não convém,
hominum urbanitate limatum, sed cum in reliquos não se deu, não podeis. Na verdade isto não convém
uestros tum in eum maxime, qui ista peperit, hominem somente a ti, educado pelos modos domésticos e pela
sine arte sine litteris, insultantem in omnes, sine civilidade dos nossos homens, mas como aos vossos
acumine ullo sine auctoritate sine lepore. outros, além disso sobretudo àquele, que criou isto, um
homem sem arte, sem letras, que insulta a todos, sem
nenhuma sutileza, sem autoridade, sem graça.

86
Arbitror: arbitrato.

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[75] Dico igitur prouidentia deorum mundum et omnes Digo então que o mundo e todas as partes do mundo
mundi partes et initio constitutas esse et omni tempore tanto foram constituídos no início, quanto por todo
administrari. Eamque disputationem tris in partes tempo são governados pela providência dos deuses. E
nostri fere diuidunt, quarum prima pars est, quae os nossos geralmente dividem em três partes esta
ducitur ab ea ratione, quae docet esse deos; quo dicussão, cuja primeira parte é a que é conduzida por
concesso confitendum est eorum consilio mundum aquela razão, que ensina que os deuses existem;
administrari. Secunda est autem quae docet omnes res permitido isso, deve-se admitir que o mundo é
subiectas esse naturae sentienti ab eaque omnia governado por seu conselho. Porém, a segunda é a que
pulcherrume geri; quo constituto sequitur ab ensina que todas as coisas são sujeitas a uma natureza
animantibus principiis eam esse generatam. Tertius est sensitiva e que por ela tudo é criado mais belamente;
locus, qui ducitur ex admiratione rerum caelestium constituído isso, segue que ela foi gerada por
atque terrestrium. princípios animados. O terceiro argumento é o que é
conduzido a partir da admiração das coisas celestes e
terrestres.

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[76] Primum igitur aut negandum est esse deos, quod Então primeiramente ou se deve negar que os deuses
et Democritus simulacra et Epicurus imagines existem, porque tanto Demócrito nega os simulacros
inducens quodam pacto negat, aut qui deos esse quanto Epicuro, induzindo a certo pacto, nega as
concedant, is fatendum est eos aliquid agere idque imagens; ou, àqueles que concedem que os deuses
praeclarum; nihil est autem praeclarius mundi existem, deve-se admitir que eles fazem algo e que isto
administratione; deorum igitur consilio administratur. é notável. Porém, nada é mais notável que a
Quod si aliter est, aliquid profecto sit necesse est administração do mundo, pois é governado pelo
melius et maiore ui praeditum quam deus, quale id consílio dos deuses; porque se fosse de outra maneira,
cumque est, siue inanima natura siue necessitas ui certamente seria necessário que algo fosse melhor e
magna incitata haec pulcherrima opera efficiens, quae provido de uma força maior do que um deus, o que
uidemus; quer que seja isto, ou a natureza inanimada, ou uma
necessidade impelida por uma grande força,
produzindo esta belíssima obra que vemos;

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[77] non est igitur natura deorum praepotens neque então a natureza dos deuses não é muito poderosa e
excellens, si quidem ea subiecta est ei uel necessitati nem superior, se realmente ela foi submetida a esta
uel naturae, qua caelum maria terrae regantur, nihil est necessidade ou natureza pela qual são regidos o céu, os
autem praestantius deo; ab eo igitur mundum necesse mares, as terras, porém nada há de mais notável do que
est regi; nulli igitur est naturae oboediens aut subiectus o deus; então é necessário que o mundo seja regido por
deus; omnem ergo regit ipse naturam. Etenim si ele; então o deus não é obediente ou submetido a
concedimus intellegentes esse deos, concedimus etiam nenhuma natureza; portanto ele próprio rege toda a
prouidentes et rerum quidem maxumarum. Ergo utrum natureza. Na verdade, se permitimos que os deuses
ignorant, quae res maxumae sint quoque eae modo sejam inteligentes, também permitimos ainda
tractandae et tuendae, an uim non habent, qua tantas previdentes certamente das coisas maiores. Portanto,
res sustineant et gerant? At et ignoratio rerum aliena se por acaso ignoram quais sejam as coisas maiores e
naturae deorum est, et sustinendi muneris propter de que modo elas devem ser tratadas e observadas, por
inbecillitatem difficultas minime cadit in maiestatem acaso não têm uma força através da qual mantêm e
deorum. Ex quo efficitur id, quod uolumus, deorum nutrem as coisas mais importantes? Mas tanto a
prouidentia mundum administrari. ignorância das coisas é alheia à natureza dos deuses,
quanto a dificuldade de manter uma função por causa
da debilidade não se aplica à grandeza dos deuses. A
partir disto se mostra o que desejamos: o mundo ser
governado pela providência dos deuses.

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[78] Atqui necesse est, cum sint di (si modo sunt, ut Contudo, já que os deuses existem (se existem porém,
profecto sunt), animantis esse, nec solum animantes, como certamente existem) é necessário que sejam
sed etiam rationis compotes inter seque quasi civili animados, não só animados, mas também que sejam
conciliatione et societate coniunctos, unum mundum ut dotados de razão e unidos entre si, como em união
communem rem publicam atque urbem aliquam civil e em sociedade, regentes de um único mundo,
regentis. como uma república comum e alguma cidade.

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[79] Sequitur, ut eadem sit in is quae humano in genere Segue-se que neles há a mesma inteligência que no
ratio, eadem ueritas utrobique sit eademque lex, quae gênero humano, em ambas as partes há a mesma
est recti praeceptio prauique depulsio, ex quo verdade e a mesma lei que é o ensinamento do justo e
intellegitur prudentiam quoque et mentem a deis ad o afastamento do injusto, a partir disso se compreende
homines peruenisse (ob eamque causam maiorum também que a prudência e a mente vieram dos deuses
institutis Mens Fides Virtus Concordia consecratae et aos homens (e por tal causa, segundo os hábitos dos
publice dedicatae sunt; quae qui conuenit penes deos antigos, a Mente, a Fides, a Virtus, a Concórdia foram
esse negare, cum eorum augusta et sancta simulacra consagradas e dedicadas publicamente; por que
ueneremur: quod si inest in hominum genere mens convém negar que elas87 estão nos deuses, quando
fides uirtus concordia, unde haec in terram nisi ab veneramos seus augustos e santos simulacros? Porque
superis defluere potuerunt?), cumque sint in nobis se no gênero humano há mente, fides, virtus,
consilium ratio prudentia, necesse est deos haec ipsa concórdia, de onde elas puderam vir para a terra a não
habere maiora, nec habere solum, sed etiam his uti in ser dos deuses?) e como existem em nós conselho,
maxumis et optumis rebus. razão, prudência; é necessário que os deuses tenham
estas mesmas coisas melhores, não só ter, mas também
usar delas nas maiores e melhores coisas.

87
Quae.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 97

[80] Nihil autem nec maius nec melius mundo; necesse Porém nada é nem maior nem melhor do que o mundo,
est ergo eum deorum consilio et prouidentia portanto é necessário que ele seja administrado pelo
administrari. Postremo cum satis docuerimus hos esse conselho e pela providência dos deuses. Por último,
deos, quorum insignem uim et inlustrem faciem como ensinamos satisfatoriamente que existem estes
uideremus, solem dico et Lunam et uagas stellas et deuses, cuja força insigne e aspecto ilustre víamos,
inerrantes et caelum et mundum ipsum et earum rerum digo que o Sol, e a Lua, e as estrelas errantes, e as não-
uim, quae inessent in omni mundo cum magno usu et errantes, e o céu, e o próprio mundo, e a força daquelas
commoditate generis humani, efficitur omnia regi coisas, que havia em todo o mundo com grande
diuina mente atque prudentia. Ac de prima quidem utilidade e comodidade para o gênero humano,
parte satis dictum est. demonstra-se que tudo é regido pela mente e pela
prudência divina. E sobre a primeira parte certamente
foi falado suficientemente.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 98

[81] Sequitur, ut doceam omnia subiecta esse naturae, Segue que eu ensine que todas as coisas são
eaque ab ea pulcherrime geri. Sed quid sit ipsa natura, submetidas à natureza e que aquelas são regidas por
explicandum est ante breuiter, quo facilius id, quod esta. Mas antes deve ser explicado brevemente o que
docere uolumus, intellegi possit. Namque alii naturam seja a própria natureza para que mais facilmente possa
esse censent uim quandam sine ratione cientem motus ser compreendido o que queremos ensinar. E, pois, uns
in corporibus necessarios, alii autem uim participem pensam que a natureza seja certa força sem razão,
rationis atque ordinis tamquam uia progredientem provocando os movimentos necessários nos corpos,
declarantemque, quid cuiusque rei causa efficiat, quid porém outros que seja uma força participante da razão
sequatur, cuius sollertiam nulla ars, nulla manus, nemo e da ordem como progredindo em um caminho e se
opifex consequi possit imitando; seminis enim uim manifestando; para cada coisa realiza algo, faz algo,
esse tantam, ut id, quamquam sit perexiguum, tamen, cujo engenho nenhuma arte, nenhuma mão, nenhum
si inciderit in concipientem conprendentemque artista pode conseguir pelo imitar; pois pensam que a
naturam nanctumque sit materiam, qua ali augerique força da semente seja tanta que essa, embora seja
possit, ita fingat et efficiat in suo quidque genere, muito pequena, porém, se cair na natureza que faz
partim ut tantum modo per stirpes alantur suas, partim brotar e que retém, e encontrar uma matéria com a qual
ut moueri etiam et sentire et appetere possint et ex sese possa ser alimentada e crescer, assim modela e realiza
similia sui gignere. cada coisa no seu gênero, como em parte sejam
somente alimentadas através de suas raízes, como em
parte possam também crescer, tanto sentir, quanto
alcançar como gerar a partir de si coisas semelhantes a
si mesma.

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[82] Sunt autem, qui omnia naturae nomine appellent, Porém existem aqueles que chamam tudo pelo nome
ut Epicurus, qui ita diuidit, omnium quae sint naturam de natureza, como Epicuro, que assim separa que a
esse corpora et inane quaeque is accidant. Sed nos cum natureza de tudo que há são os corpos e o vazio, e o
dicimus natura constare administrarique mundum, non que lhes acontece. Mas nós, quando dizemos que o
ita dicimus ut glaebam aut fragmentum lapidis aut mundo está estabelecido e é administrado pela
aliquid eius modi nulla cohaerendi natura, sed ut natureza, não dizemos assim que nenhuma natureza
arborem ut animal, in quibus nulla temeritas sed ordo está ligada a terra ou a um pedaço de pedra ou a algo
apparet et artis quaedam similitudo. desse modo, mas que está ligada à árvore, que está
ligada ao ser vivo, nos quais não há nenhuma
causalidade, mas aparece ordem e certa semelhança
com a arte.

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[83] Quod si ea quae a terra stirpibus continentur arte Porque se aquilo que é mantido pelas raízes vindas da
naturae uiuunt et uigent, profecto ipsa terra eadem ui terra, vive e vigora pela arte da natureza, certamente a
continetur arte naturae, quippe quae grauidata própria terra é mantida pela mesma força e pela arte da
seminibus omnia pariat et fundat ex sese, stirpes natureza, porque tudo que é fencundado pelas
amplexa alat et augeat ipsaque alatur uicissim a superis sementes produz e espalha a partir de si, envolvendo as
externisque naturis; eiusdemque exspirationibus et aer raízes, alimenta e faz crescer, e ela mesma por sua vez
alitur et aether et omnia supera. Ita si terra natura é alimentada pelas naturezas superiores e externas; e
tenetur et uiget, eadem ratio in reliquo mundo est; de suas exalações tanto o ar é alimentado, quanto o
stirpes enim terrae inhaerent, animantes autem éter, como todas as coisas superiores. Assim se a terra
adspiratione aeris sustinentur; ipseque aer nobiscum se mantém pela natureza e vigora, a mesma razão está
uidet nobiscum audit nobiscum sonat, nihil enim na restante do mundo, pois as raízes estão fixadas na
eorum sine eo fieri potest; quin etiam mouetur terra, porém os seres animados são sustentados pela
nobiscum, quacumque enim imus qua mouemur88 aspiração do ar; e o mesmo ar vê conosco, ouve
uidetur quasi locum dare et cedere. conosco, ressoa conosco, pois nada disso pode-se fazer
sem ele; além disso se move também conosco, pois
aonde quer que vamos, por onde nos movemos, parece
quase dar e ceder lugar.

88
: “quacumque enim imus, quacumque mouemur (...)”.
: “quacumque enim imus, quacumque mouemur (...)”.

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[84] Quaeque in medium locum mundi, qui est E aquilo no centro do mundo, que é mais inferior, e
infimus, et quae a medio in superum quaeque aquilo do centro para a parte mais alta, e aquilo que
conuersione rutunda circum medium feruntur, ea com movimento circular se move entorno do centro,
continentem mundi efficiunt unamque naturam. Et essas coisas formam uma única e contígua natureza de
cum quattuor genera sint corporum, uicissitudine mundo. E como há quatro gêneros de corpos, pela
eorum mundi continuata natura est. Nam ex terra aqua sucessão deles, a natureza do mundo é contínua. Pois
ex aqua oritur aer ex aere aether, deinde retrorsum da terra nasce a água; da água, o ar; do ar, o éter,
uicissim ex aethere aer inde aqua ex aqua terra infima. depois reciprocamente, por sua vez, do éter, o ar; daí a
Sic naturis is ex quibus omnia constant sursus deorsus água; da água, a terra mais inferior. Assim por essas
ultro citro commeantibus mundi partium coniunctio naturezas, das quais todas as coisas dependem,
continetur. circulando89 para cima e para baixo, para lá e para cá, é
formada a união das partes do mundo.

89
Commeantibus se refere a naturis.

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[85] Quae aut sempiterna sit necessest hoc eodem Que ou é necessário que seja eterna com essa mesma
ornatu quem uidemus, aut certe perdiuturna, beleza que vemos, ou certamente que seja muito
permanens ad longinquum et inmensum paene tempus. durável, permanecendo em um tempo longíquo e quase
Quorum utrumuis ut sit, sequitur natura mundum sem medida. Qualquer uma delas que seja, segue-se
administrari. Quae enim classium nauigatio aut quae que o mundo é administrado pela natureza. Pois qual
instructio exercitus aut, rursus ut ea quae natura efficit navegação de esquadras, ou qual disposição de
conferamus, quae procreatio uitis aut arboris, quae exércitos, ou, por outro lado, para que comparemos
porro animantis figura conformatioque membrorum com aquilo que a natureza produz, qual procriação de
tantam naturae sollertiam significat quantam ipse videira ou de árvore, continuando, qual figura de ser
mundus? Aut igitur nihil est quod sentiente natura animado e disposição dos membros demonstra tão
regatur, aut mundum regi confitendum est. grande engenho da natureza quanto o próprio mundo?
Então, ou não há nada que seja regido por uma
natureza sensível, ou se deve reconhecer que o mundo
é regido.

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[86] Etenim qui reliquas naturas omnes earumque Pois ele90 contém todas as naturezas restantes e suas
semina contineat, qui potest ipse non natura sementes, pode ele mesmo não ser regido pela
administrari; ut, si qui dentes et pubertatem natura natureza, como se ele dissesse que os dentes e a barba
dicat existere, ipsum autem hominem cui ea existant nascessem da natureza, mas que o próprio homem, em
non constare natura, non intellegat ea quae ecferant que essas coisas nascem, não dependesse da natureza,
aliquid ex sese perfectiores habere naturas quam ea não compreende que, aquilo que produz algo a partir
quae ex his efferantur. Omnium autem rerum quae de si, tem naturezas mais perfeitas do que aquilo que é
natura administrantur seminator et sator et parens ut ita produzido dele91. Porém de todas as coisas que são
dicam atque educator et altor est mundus omniaque regidas pela natureza, o mundo é o semeador, e
sicut membra et partes suas nutricatur et continet. progenitor, e pai, por assim dizer, também educador, e
Quod si mundi partes natura administrantur, necesse alimentador; e nutre e contém todas as coisas assim
est mundum ipsum natura administrari. Cuius quidem como os membros e suas partes. Porque se as partes do
administratio nihil habet in se quod reprehendi possit; mundo são regidas pela natureza, é necessário que o
ex his enim naturis quae erant quod effici optimum próprio mundo seja regido pela natureza, cuja
potuit effectum est. administração certamente nada tem em si que possa ser
repreendido, pois a partir daquelas naturezas, que
existiam, o que de melhor pôde ser feito, foi feito.

90
Qui.
91
Palavra “ea” em “ea quae ecferant”.

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[87] Doceat ergo aliquis potuisse melius; sed nemo Então alguém ensina que pôde ser melhor; mas
umquam docebit, et si quis corrigere aliquid uolet aut ninguém nunca ensinará, e se alguém quiser corrigir
deterius faciet aut id quod fieri [non] potuerit algo, ou fará pior, ou desejará o que não poderia ser
desiderabit. Quod si omnes mundi partes ita feito. Porque se todas as partes do mundo foram
constitutae sunt ut neque ad usum meliores potuerint constituídas assim, de modo que nem poderiam ter
esse neque ad speciem pulchriores, uideamus utrum ea sido melhores no uso nem mais belas no aspecto,
fortuitane sint an eo statu quo cohaerere nullo modo vejamos se elas são fortuitas ou se existem naquele
potuerint nisi sensu moderante diuinaque prouidentia. estado ao qual, de modo algum, poderiam estar
Si igitur meliora sunt ea quae natura quam illa quae ligados, a não ser por um senso moderador e por uma
arte perfecta sunt, nec ars efficit quicquam sine divina providência. Então, se aquelas coisas que foram
ratione, ne natura quidem rationis expers est habenda. feitas pela natureza são melhores do que aquelas que
Qui igitur conuenit, signum aut tabulam pictam cum foram feitas pela arte, a arte não faz algo sem razão,
aspexeris, scire adhibitam esse artem, cumque procul nem mesmo a natureza deve ser considerada privada
cursum nauigii uideris, non dubitare, quin id ratione de razão. De tal modo então convém saber que, quando
atque arte moueatur, aut cum solarium uel descriptum vires uma estátua ou uma tábua pintada, foi empregada
uel ex aqua contemplere, intellegere declarari horas uma arte e convém, quando vires de longe o curso de
arte, non casu, mundum autem, qui et has ipsas artes et uma embarcação, não duvidar que ela seja movida por
earum artifices et cuncta conplectatur consilii et razão e arte, ou convém, quando contemplaram a
rationis esse expertem putare. clepsidra ou fixa ou de água, compreender que as
horas são indicadas com arte, não por acaso, porém
convém pensar que o mundo, que compreende tanto
estas mesmas artes quanto seus artífices como tudo,
seja desprovido de sentido e de razão.

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[88] Quod si in Scythiam aut in Brittanniam sphaeram Porque se alguém levasse para a Cítia ou para Britânia
aliquis tulerit hanc, quam nuper familiaris noster esta esfera, que há pouco o nosso amigo Posidônio fez,
effecit Posidonius, cuius singulae conuersiones idem cujas rotações singulares fazem, sobre o sol, e sobre a
efficiunt in sole et in luna et in quinque stellis lua, e sobre as cinco estrelas errantes, o mesmo que se
errantibus, quod efficitur in caelo singulis diebus et faz no céu a cada dia e noite, quem naquele país
noctibus, quis in illa barbaria dubitet, quin ea sphaera bárbaro duvida que tenha sido feita aquela esfera pela
sit perfecta ratione; hi autem dubitant de mundo, ex razão; porém estes duvidam do mundo, do qual tanto
quo et oriuntur et fiunt omnia, casune ipse sit effectus nascem quanto são feitas todas as coisas, se por acaso
aut necessitate aliqua an ratione ac mente diuina, et o mesmo tenha sido feito ou por alguma necessidade
Archimedem arbitrantur plus ualuisse in imitandis ou por uma razão e mente divina, e julgam que
sphaerae conuersionibus quam naturam in efficiendis; Arquimedes foi mais eficaz em imitar as rotações da
praesertim cum multis partibus sint illa perfecta quam esfera do que a natureza em executar; especialmente
haec simulata sollertius. porque em muitas partes aquelas teriam sido feitas
mais engenhosamente do que estas imitadas.

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[89] Vtque ille apud Accium pastor92, qui nauem E como aquele pastor em Ácio, que nunca vira antes
numquam ante uidisset, ut procul diuinum et nouum uma nau, quando de longe olhou do monte o veículo
uehiculum Argonautarum e monte conspexit, primo divino e novo dos Argonautas, primeiramente
admirans et perterritus hoc modo loquitur: admirando e apavorado, deste modo fala:
“tanta moles labitur “tão grande massa desliza
fremibunda ex alto ingenti sonitu et strepitu: estridente do alto mar com grande som e suspiro,
prae se undas uoluit, uertices ui suscitat, diante de si as ondas revolve, turbilhões com força
ruit prolapsa, pelagus respergit, reflat; ergue,
ita dum interruptum credas nimbum uoluier, precipita-se escorregando, o mar borrifa, sopra;93
dum quod sublime uentis expulsum rapi assim, ora uma nuvem entrecortada julgas ser arrolada,
saxum aut procellis, uel globosos turbines ora o sublime rochedo, que foi expelido, ser arrastado
existere ictos undis concursantibus – pelos ventos
ou pelas tempestades, ou redondos redemoinhos
surgirem perturbados pelas ondas correntes –

92
: “Atqui ille apud Attium pastor (...)”.
: “Atqui ille apud Accium pastor (...)”. 93
Reflat é soprar para trás, soprar em sentido contrário.

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nisi quas terrestres pontus strages conciet a menos que tais estragos terrestres o mar provoque
aut forte Triton fuscina euertens specus ou por acaso Tritão com o tridente revolvendo as
subter radices penitus undanti in freto grutas
molem ex profundo saxeam ad caelum eruit:” debaixo das raízes profundamente no agitado mar
dubitat primo, quae sit ea natura, quam cernit ignotam; uma massa pétrea do profundo mar ao céu destrói.”
idemque iuuenibus uisis auditoque nautico cantu: duvida primeiramente qual seja aquela natureza, que
“Sicut inciti atque alacres rostris perfremunt delphini” julga desconhecida; e o mesmo vistos os jovens e
– Item alia multa – “Siluani melo tendo ouvido o canto náutico:
consimilem ad aures cantum et auditum refert.”94 “Assim os ágeis e risonhos golfinhos gritam pelos
focinhos”
– Bem como muitas outras coisas – “Semelhante à
melodia de Silvano95, aos ouvidos traz o canto e o
som.”

94
: “‘Sicut inciti alacres rostris perfremunt dephini:’ item alia
multa. ‘Silvani melo consimilem ad aures cantum et auditum
refert.’”
: Não apresenta este trecho. 95
Divindade das florestas e matas.

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[90] Ergo ut hic primo aspectu inanimum quiddam Então como ele96, à primeira vista, pensa que percebe
sensuque uacuum se putat cernere, post autem signis algo inanimado e desprovido de sentido, porém depois
certioribus, quale sit id, de quo dubitauerat, incipit de sinais mais seguros, começa a suspeitar o que seja
suspicari, sic philosophi debuerunt, si forte eos primus aquilo sobre o que tinha duvidado, assim os filósofos –
aspectus mundi conturbauerat, postea, cum uidissent se por acaso um primeiro aspecto do mundo os tivesse
motus eius finitos et aequabiles omniaque ratis perturbado, depois, quando tivessem visto os seus
ordinibus moderata inmutabilique constantia, movimentos finitos e iguais, e todas as coisas
intellegere inesse aliquem non solum habitatorem in reguladas por ordens calculadas e por uma imutável
hac caelesti ac diuina domo, sed etiam rectorem et constância – deveriam compreender que não há apenas
moderatorem et tamquam architectum tanti operis um habitante nesta casa celeste e divina, mas também
tantique muneris. Nunc autem mihi uidentur ne um guia e regente e, por assim dizer, um arquiteto de
suspicari quidem, quanta sit admirabilitas caelestium tamanha obra e de tamanho ofício. Porém, agora me
rerum atque terrestrium. parecem nem sequer suspeitar quão grande seja a
maravilha das coisas celestes e terrestres.

96
Hic: pastor.

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[91] Principio enim terra sita in media parte mundi Pois primeiramente a terra posta na parte central do
circumfusa undique est hac animali spirabilique natura, mundo foi envolvida em todas as partes por esta
cui nomen est aer – Graecum illud quidem, sed natureza animada e respirável, cujo nome é ar – esse
perceptum iam tamen usu a nostris; tritum est enim pro nome certamente é grego, mas já compreendido,
Latino. Hunc rursus amplectitur inmensus aether, qui porém, pelo uso por nós, pois foi usado em lugar do
constat ex altissimis ignibus (mutuemur hoc quoque latino. Por sua vez, àquele abrange o imenso éter, que
uerbum dicaturque tam aether Latine, quam dicitur aer, é composto de altíssimos fogos (tomamos de
etsi interpretatur Pacuuius: “hoc, quod memoro, nostri empréstimo também esta palavra e se diz tanto éter em
caelum, Grai perhibent aethera” – quasi uero non Latim, quanto se diz ar, embora Pacúvio explique:
Graius hoc dicat. “At Latine loquitur.” Si quidem nos “isto, como recordo, os nossos chamam de céu, os
non quasi Graece loquentem audiamus; docet idem gregos, de éter – por assim dizer, na verdade, um grego
alio loco: “Graiugena: de isto aperit ipsa oratio.97”). não diz isto, “mas se diz em Latim”. Se na verdade nós
quase não ouvimos falando em Grego; o mesmo ensina
em outro lugar: “sobre isto, a própria língua grega
mostra”).

97
: “Graiugena de isto aperit ipsa oratio.”
: Não apresenta este trecho.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 110

[92] Sed ad maiora redeamus. Ex aethere igitur Mas voltemos às coisas mais importantes. Então, do
innumerabiles flammae siderum exsistunt, quorum est éter surgem inumeráveis chamas de astros, dos quais o
princeps sol omnia clarissima luce conlustrans, multis principal é o Sol, que ilumina todas as coisas com uma
partibus maior atque amplior quam terra universa, luz muito brilhante, em muitas partes maior e mais
deinde reliqua sidera magnitudinibus inmensis. Atque amplo do que toda a terra, em seguida são os outros
hi tanti ignes tamque multi non modo nihil nocent astros de imensa grandeza. E estes tantos e tão
terris rebusquc terrestribus, sed ita prosunt, ut, si moti numerosos fogos não só em nada fazem mal para a
loco sint, conflagrare terras necesse sit a tantis terra e para as coisas terrestres, mas também são úteis,
ardoribus moderatione et temperatione sublata. pois, se se movessem de lugar, seria necessário que se
inflamasse a terra por tão grandes fogos, tendo sido
retiradas a moderação e o equilíbrio.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 111

[93] Hic ego non mirer esse quemquam, qui sibi Aqui eu não me espantaria de que houvesse alguém
persuadeat corpora quaedam solida atque indiuidua ui que se convencesse de que alguns corpos sólidos e
et grauitate ferri mundumque effici ornatissimum et indivisíveis sejam levados pela força e pela gravidade
pulcherrimum ex eorum corporum concursione e que o mundo se fizesse bem ornado e belíssimo a
fortuita? Hoc qui existimat fieri potuisse, non partir do encontro casual daqueles corpos? Não
intellego, cur non idem putet, si innumerabiles unius et entendo quem pense que isto possa se fazer, porque o
uiginti formae litterarum uel aureae uel qualeslibet mesmo não pensa que, se são lançadas por alguém
aliquo coiciantur, posse ex is in terram excussis inumeráveis formas das vinte e uma letras, ou de ouro,
annales Enni, ut deinceps legi possint, effici; quod ou de qualquer outra espécie, possam se fazer a partir
nescio an ne in uno quidem uersu possit tantum ualere daquelas letras lançadas para a terra os Anais de Ênio,
fortuna. de modo que, em seguida, possam ser lidos; o que não
sei nem mesmo se em um único verso possa resultar
tantum o acaso.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 112

[94] Isti autem quemadmodum adseuerant ex Porém estes, por exemplo, afirmaram que o mundo
corpusculis non colore, non qualitate aliqua (quam tenha sido feito de corpúsculos sem cor, sem nenhuma
ποιότητα Graeci uocant), non sensu praeditis, sed qualidade (que os gregos chamam de ποιότητα98),
concurrentibus temere atque casu mundum esse desprovido de senso, mas se unindo irracional e
perfectum, uel innumerabiles potius in omni puncto casualmente, ou que de preferência inumeráveis uns
temporis alios nasci, alios interire: quod si mundum nascem, outros morrem a todo instante: pois se a união
efficere potest concursus atomorum, cur porticum cur dos átomos pode fazer um mundo, por que não um
templum cur domum cur urbem non potest, quae sunt pórtico, um templo, uma casa, uma cidade, que são
minus operosa et multo quidem faciliora. Certe ita menos trabalhosos e certamente muito mais fáceis.
temere de mundo effuttiunt, ut mihi quidem numquam Com certeza falam assim sem pensar sobre o mundo,
hunc admirabilem caeli ornatum (qui locus est de modo que certamente me parecem nunca ter
proxumus) suspexisse uideantur. suspeitado deste ornamento admirável do céu (que é o
lugar mais próximo).

98
Qualidade.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 113

[95] Praeclare ergo Aristoteles “Si essent”, inquit, “qui Então muito claramente Aristóteles diz: “se existissem
sub terra semper habitauissent bonis et inlustribus os que sempre tivessem habitado sob a terra em boas e
domiciliis, quae essent ornata signis atque picturis ilustres moradas, que fossem adornadas com signos e
instructaque rebus his omnibus, quibus abundant i, qui com pinturas e providas com todas aquelas coisas com
beati putantur, nec tamen exissent umquam supra as quais transbordam aqueles que são considerados
terram, accepissent autem fama et auditione esse beatos, porém nunca tivessem surgido sobre a terra,
quoddam numen et uim deorum, deinde aliquo mas tivessem aceitado que através da fama e do que se
tempore patefactis terrae faucibus ex illis abditis ouve houvesse alguma vontade e força dos deuses;
sedibus euadere in haec loca, quae nos incolimus, depois, com as crateras da terra abertas por algum
atque exire potuissent: cum repente terram et maria tempo, puderiam escapar e sair destas profundas
caelumque uidissent, nubium magnitudinem moradas para este lugar em que nós habitamos: quando
uentorumque uim cognouissent aspexissentque solem de repente vissem a terra, e os mares, e o céu,
eiusque cum magnitudinem pulchritudinemque, tum conheceriam a magnitude das nuvens e a força dos
etiam efficientiam cognouissent, quod is diem efficeret ventos, e quando observassem o Sol e a sua magnitude
toto caelo luce diffusa, cum autem terras nox e beleza, então conheceriam a sua potência, porque ele
opacasset, tum caelum totum cernerent astris criou o dia difundindo a luz por todo o céu, porém
distinctum et ornatum lunaeque luminum uarietatem quando a noite escurecesse as terras, então
tum crescentis, tum senescentis, eorumque omnium perceberiam todo o céu marcado e ornado com astros,
ortus et occasus atque in omni aeternitate ratos e a diversidade das luzes da lua, ora crescente, ora
inmutabilesque cursus – quae cum uiderent, profecto et minguante, e todos os nascimentos, e os pores-do-sol,
esse deos et haec tanta opera deorum esse e os cursos fixos e imutáveis em toda a eternidade –
arbitrarentur.” quando vissem isto, certamente julgariam tanto que os
deuses existem quanto que estas tantas coisas são
obras dos deuses.”

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 114

[96] Atque haec quidem ille; nos autem tenebras E certamente ele99 diz isso; nós, porém, pensemos
cogitemus tantas, quantae quondam eruptione sobre tantas trevas100, que101, certas vezes, se dizem
Aetnaeorum ignium finitimas regiones obscurauisse que têm escurecido as regiões vizinhas através da
dicuntur, ut per biduum nemo hominem homo erupção dos fogos do Etna, de modo que por dois dias
agnosceret, cum autem tertio die sol inluxisset, tum ut nenhum homem reconhecesse outro homem, porém,
reuixisse sibi uiderentur: quod si hoc idem ex aeternis quando no terceiro dia o Sol brilhasse, uma vez que
tenebris contingeret, ut subito lucem aspiceremus, então lhes pareciam reviver: por que se a partir das
quaenam species caeli uideretur? Sed adsiduitate trevas102 eternas ocorresse o mesmo, de modo que
cotidiana et consuetudine oculorum adsuescunt animi víssemos subitamente a luz, qual pareceria o aspecto
neque admirantur neque requirunt rationes earum do céu? Mas pela assiduidade cotidiana e pelo hábito
rerum, quas semper uident, proinde quasi nouitas nos dos olhos, os ânimos se acostumam e não se admiram
magis quam magnitudo rerum debeat ad exquirendas e nem procuram os motivos daquelas coisas que
causas excitare. sempre veem como se a novidade, por assim dizer,
mais do que a grandeza das coisas deva-nos excitar a
procurar as causas.

99
Aristóteles.
100
Fuligem, fumaça produzida pelas cinzas da erupção vulcânica.
101
Quantae.
102
Escuridão.

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[97] Quis enim hunc hominem dixerit, qui, cum tam Quem, pois, tenha chamado de homem aquele que,
certos caeli motus, tam ratos astrorum ordines tamque quando de um lado tenha visto os precisos movimentos
inter se omnia conexa et apta uiderit, neget in his ullam do céu, de outro as invariáveis ordens dos astros e
inesse rationem eaque casu fieri dicat, quae, quanto ainda todas as coisas ligadas e reunidas entres si, nega
consilio gerantur, nullo consilio adsequi possumus. que haja alguma razão nisto e diz que sejam feitas por
An, cum machinatione quadam moueri aliquid acaso estas coisas, que são geradas por tamanho
uidemus ut sphaeram, ut horas, ut alia permulta, non projeto, sem nenhum projeto não podemos
dubitamus, quin illa opera sint rationis, cum autem compreender; ou quando vemos algo se mover com
impetum caeli cum admirabili celeritate moueri certo mecanismo, como a esfera, como as horas, como
uertique uideamus constantissime conficientem muitas outras coisas, não duvidamos de que elas não
uicissitudines anniuersarias cum summa salute et sejam obras da razão, porém quando vemos o ímpeto
conseruatione rerum omnium, dubitamus, quin ea non do céu se mover com admirável celeridade e girar com
solum ratione fiant, sed etiam excellenti diuinaque bastante constância, completando as sucessões
ratione? regulares anuais com elevada perfeição e conservação
de todas as coisas, duvidamos de que aquelas não só
sejam feitas por uma razão, mas também por uma
razão excelente e divina?

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 116

[98] Licet enim iam remota subtilitate disputandi Pois já é possível, afastada a sutileza do que se discute,
oculis quodam modo contemplari pulchritudinem contemplar de certo modo com os olhos a beleza
rerum earum, quas diuina prouidentia dicimus daquelas coisas, que dizemos constituídas pela divina
constitutas. Ac principio terra uniuersa cernatur locata providência. E primeiramente se distingue toda a terra,
in media sede mundi, solida et globosa et undique ipsa situada na parte mediana do mundo, sólida e redonda,
in sese nutibus suis conglobata, uestita floribus, herbis, e em si mesma, por todos os lados, reunida por sua
arboribus, frugibus, quorum omnium incredibilis gravidade, revestida de flores, ervas, árvores, frutos, de
multitudo insatiabili uarietate distinguitur. Adde huc todas essas coisas, uma incrível quantidade se
fontum gelidas perennitates, liquores perlucidos distingue por uma variedade insaciável. Junte a isto as
amnium, riparum uestitus uiridissimos, speluncarum gélidas perenidades das fontes, os líquidos
concauas altitudines, saxorum asperitates, transparentes dos rios, as roupagens verdíssimas das
inpendentium montium altitudines inmensitatesque margens, as profundidades côncavas das cavernas, as
camporum; adde etiam reconditas auri argentique asperezas das pedras, as elevações dos montes
uenas infinitimamque uim marmoris. suspensos e as imensidões dos campos; junte também
os veios escondidos de ouro e de prata, e a infinita
quantidade de mármore,

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 117

[99] Quae uero et quam uaria genera bestiarum uel e certamente aquelas tão variadas espécies de animais,
cicurum uel ferarum, qui uolucrium lapsus atque ou domésticos, ou selvagens, aqueles voos e cantos das
cantus, qui pecudum pastus, quae uita siluestrium. aves, aqueles alimentos dos rebanhos, aquela vida dos
Quid iam de hominum genere dicam, qui quasi animais silvestres. O que direi agora sobre a espécie
cultores terrae constituti non patiuntur eam nec dos homens que, estabelecidos como cultivadores da
inmanitate beluarum efferari nec stirpium asperitate terra, não permitem nem que ela se torne inóspita pela
uastari, quorumque operibus agri, insulae litoraque crueldade das feras, nem que seja devastada pela
collucent distincta tectis et urbibus. Quae si, ut animis, aspereza das raízes e com os seus103 trabalhos de
sic oculis uidere possemus, nemo cunctam intuens agricultura, as ilhas e as praias resplandecem distintas
terram de diuina ratione dubitaret. das casas e das cidades. O que se, de modo que
pudéssemos ver com a alma, assim como com os
olhos, ninguém, contemplando toda a terra, duvidaria
de uma divina razão.

103
Quorum: refere-se a homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 118

[100] At uero quanta maris est pulchritudo, quae Mas certamente quão grande é a beleza do mar, aquele
species uniuersi, quae multitudo et uarietas insularum, aspecto do universo, aquele grande número e
quae amoenitates orarum ac litorum, quot genera variedade de ilhas, aqueles encantos das costas e das
quamque disparia partim submersarum, partim praias, quantos e tão diferentes gêneros de animais,
fluitantium et innantium beluarum, partim ad saxa uns submersos, outros que flutuam e que nadam,
natiuis testis inhaerentium. Ipsum autem mare sic outros ainda que estão presos às pedras em conchas
terram adpetens litoribus eludit, ut una ex duabus naturais. Porém o próprio mar assim, aproximando-se
naturis conflata uideatur. da terra, diverte-se com as praias, de modo que uma
natureza pareça formada de duas naturezas.

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[101] Exin mari finitimus aer die et nocte distinguitur, Em seguida o ar, vizinho ao mar, diferencia-se de dia e
isque tum fusus et extenuatus sublime fertur, tum de noite, e ele, ora espalhado e atenuado, é levado às
autem concretus in nubes cogitur umoremque colligens alturas, ora, porém, condensa-se compacto nas nuvens
terram auget imbribus, tum effluens huc et illuc uentos e, condensando a umidade, enche a terra com as
efficit. Idem annuas frigorum et calorum facit chuvas, ora escorrendo aqui e ali, produz os ventos.
uarietates idemque et uolatus alitum sustinet et spiritu Ele mesmo faz as variedades anuais de frios e de
ductus alit et sustentat animantes. Restat ultimus et a calores, e o mesmo sutenta os voos dos pássaros e,
domiciliis nostris altissimus omnia cingens et coercens conduzido pelo vento, nutre e sustenta os seres
caeli conplexus, qui idem aether uocatur, extrema ora animados. Resta o último e o mais afastado das nossas
et determinatio mundi, in quo cum admirabilitate casas, que envolve todas as coisas e que contém os
maxima igneae formae cursus ordinatos definiunt. limites do céu, o mesmo que é chamado de éter,
extrema margem e limiar do mundo, no qual com
máxima admiração formas ígneas delimitam os cursos
ordenados.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 120

[102] E quibus sol, cuius magnitudine multis partibus A partir deles104 o sol, por cuja magnitude a terra é
terra superarur, circum eam ipsam uoluitur, isque superada em muitas partes, roda em torno da mesma, e
oriens et occidens diem noctemque conficit et modo ele, nascendo e perecendo, produz o dia e a noite, e,
accedens, tum autem recedens binas in singulis annis ora se aproximando, ora, porém, afastando-se, faz dois
reuersiones ab extremo contrarias facit, quarum in giros contrários a um extremo em cada ano; no
interuallo tum quasi tristitia quadam contrahit terram, intervalo deles105 ora por assim dizer diminui a terra
tum uicissim laetificat, ut cum caelo hilarata uideatur. com uma tristeza, ora alternadamente alegra, de modo
que pareça alegrada com o céu.

104
Quibus: cursos ordenados.
105
Reuersiones: giros.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 121

[103] Luna autem, quae est, ut ostendunt mathematici, Porém a lua que é, como demonstram os matemáticos,
maior quam dimidia pars terrae, isdem spatiis vagatur, maior do que a metade da terra, vaga nos mesmos
quibus sol, sed tum congrediens cum sole, tum espaços em que o sol, mas ora caminhando com o sol,
degrediens et eam lucem, quam a sole accepit, mittit in ora se afastando, tanto lança aquela luz, que recebeu
terras et varias ipsa lucis mutationes habet, atque etiam do sol, para as terras quanto tem ela mesma várias
tum subiecta atque opposita soli radios eius et lumen mudanças de luz, e também, ora estando sujeita e
obscurat, tum ipsa incidens in umbram terrae, cum est oposta ao sol, oculta os seus raios e a luz, ora ela
e regione solis, interpositu interiectuque terrae repente mesma – caindo na sombra da terra, quando está
deficit. Isdemque spatiis eae stellae, quas vagas afastada da região do sol, pela interposição e
dicimus, circum terram feruntur eodemque modo interpolação da terra – repentinamente desaparece. E
oriuntur et occidunt, quarum motus tum incitantur, tum naqueles mesmos espaços, aquelas estrelas, que
retardantur, saepe etiam insistunt, chamamos de errantes, movem-se ao redor da terra e
do mesmo modo, nascem e perecem; seus
movimentos, ora são acelerados, ora são retardados,
ora sempre persistem,

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 122

[104] quo spectaculo nihil potest admirabilius esse, nada pode ser mais admirável do que este espetáculo,
nihil pulchrius. Sequitur stellarum inerrantium maxima nada mais belo. Segue uma enorme quantidade de
multitudo, quarum ita descripta distinctio est, ut ex estrelas errantes, cuja distinção foi descrita assim, pois
notarum figurarum similitudine nomina inuenerint.” receberam os nomes a partir da semelhança de figuras
Atque hoc loco me intuens “Vtar”, inquit, “carminibus conhecidas.” E neste ponto observando-me, disse:
Arateis, quae a te admodum adulescentulo conuersa ita “usarei versos de Arato106, que traduzidos por ti ainda
me delectant, quia Latina sunt, ut multa ex is memoria adolescente, tanto me deleitam, porque estão em latim,
teneam. Ergo, ut oculis adsidue uidemus, sine ulla que detenho muitos deles na memória. Então, como
mutatione aut uarietate vemos incessantemente com os olhos sem nenhuma
‘cetera labuntur celeri caelestia motu mudança ou variação:
cum caeloque simul noctesque diesque feruntur’, “outros corpos celestes se movem com rápido
movimento
E com o céu simultaneamente tanto os dias quanto as
noites se movem’,

106
Versos transcritos de dois poemas ou de dois fragmentos de
um poema de Arato: Φαινόμενα (Coisas Brilhantes) e Διοσημεῖα
(Presságios).

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[105] quorum contemplatione nullius expleri potest pela contemplação deles107 não se pode satisfazer o
animus naturae constantiam uidere cupientis. ânimo de ninguém que deseje ver a constância da
‘Extremusque adeo duplici de cardine uertex natureza.
dicitur esse polus.’ ‘E absolutamente o ponto mais alto do eixo duplo108,
Hunc circum Arctoe duae feruntur numquam diz-se ser o pólo.’
occidentes. Em torno deste se movem as duas Ursas que nunca se
‘Ex his altera apud Graios Cynosura uocatur, põem.
altera dicitur esse Helice’, “Sobre elas, uma, segundo os gregos, é chamada de
cuius quidem clarissimas stellas totis noctibus Cinosura109, a outra se diz ser Hélice110’,
cernimus, quas cujas estrelas muito brilhantes percebemos certamente
‘nostri Septem soliti uocitare Triones’; todas as noites, que ‘os nossos estão habituados a
chamar de Septentriones’;

107
Corpos celestes. Vide Das Constelações p. 191.
108
Em relação à rotação e à translação.
109
Ursa menor.
110
Ursa maior.

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[106] paribusque stellis similiter distinctis eundem e com iguais estrelas ornadas semelhantemente, a
caeli uerticem lustrat parua Cynosura. pequena Cinosura ilumina o mesmo ponto do céu.
‘Hac fidunt duce nocturna Phoenices in alto. ‘Os fenícios no alto mar confiam nesta guia noturna.
Sed prior illa magis stellis distincta refulget Mas ela mais ornada brilha primeiro do que as estrelas
et late prima confestim a nocte uidetur. e de longe é vista logo no início da noite.
Haec uero parua est, sed nautis usus in hac est; Ela certamente é pequena, mas para os marinheiros o
nam cursu interiore breui conuertitur orbe.’ uso está nisto;
Et quo sit earum stellarum admirabilior aspectus, pois tendo um percurso mais perto do centro gira em
‘has inter ueluti rapido cum gurgite flumen uma breve órbita.’
toruus Draco serpit supter supraque reuoluens Também por isso dentre aquelas estrelas tenha um
sese conficiensque sinus e corpore flexos’. aspecto mais admirável,
‘entre elas, como um rio com impetuoso turbilhão,
o terrível Dragão avança por baixo e por cima se
enrolando
e fazendo a partir de seu corpo sinuosas curvas.’

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[107] Eius cum totius est praeclara species, tum in Por um lado, é belíssimo o aspecto daquele todo, por
primis aspicienda est figura capitis atque ardor outro, sobretudo, deve-se observar a aparência da
oculorum: cabeça e o ardor dos olhos:
‘Huic non una modo caput ornans stella relucet, ‘Não só uma estrela brilha ornando-lhe a cabeça,
uerum tempora sunt duplici fulgore notata mas as têmporas foram marcadas por duplo brilho
e trucibusque oculis duo feruida lumina flagrant e dos olhos ferozes ardem duas chamas férvidas
atque uno mentum radianti sidere lucet; e o queixo reluz como uma estrela brilhante;
obstipum caput, ac tereti ceruice reflexum dizes que a cabeça inclinada e com pescoço
optutum in cauda maioris figere dicas.’ arredondado
fixa o olhar recurvado na cauda da Ursa maior.”

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[108] Et relicum quidem corpus Draconis totis E o resto do corpo do Dragão certamente percebemos
noctibus cernimus, todas as noites.
‘hoc caput hic paulum sese subitoque recondit111, ‘esta cabeça então se esconde um pouco e subitamente,
ortus ubi atque obitus parti admiscetur in una’. onde o nascimento e a morte se misturam em uma só
Id autem caput attingens parte.’
‘defessa uelut maerentis imago uertitur’, Porém tocando essa cabeça
quam quidem Graeci ‘se volta como uma imagem fatigada de algo triste,
‘Engonasin uocitant, genibus quia nixa feratur’. que os gregos certamente
‘Hic illa eximio posita est fulgore Corona.’ ‘Chamam de Engonasi112, porque se mostra apoiado
Atque haec quidem a tergo, propter caput autem sobre os joelhos.’
Anguitenens, ‘Ali foi colocada aquela Coroa de exímio brilho.’
E certamente esta está atrás, porém próximo da cabeça
está Serpentário,

111
: “Hoc caput hic paullum sese subitoque recondit”
: “Hoc caput hic paulum sese subito aequore condit” 112
O ajoelhado ou Hércules.

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[109] ‘quem claro perhibent Ophiuchum nomine ‘a que os gregos dão o nome ilustre de Ophiucus113.’
Graii’. Ele segura com as duas mãos apertadas a Serpente
‘Hic pressu duplici palmarum continet Anguem E o mesmo se mantém ligado ao corpo sinuoso dela;
atque eius ipse manet religatus corpore torto; pois a Serpente sob o peito envolve ao meio o homem.
namque uirum medium Serpens sub pectora cingit. Porém ele brilhando põe pesadamente as pegadas
Ille tamen nitens grauiter uestigia ponit E aperta com os pés os olhos e o peito de Nepa.’
atque oculos urget pedibus pectusque Nepai.’ Porém segue os Septentriões
Septentriones autem sequitur ‘O Boieiro, que comumente se diz ser Bootes,
‘Arctophylax, uulgo qui dicitur esse Bootes, porque toca a sua frente a Ursa quase atrelada ao
quod quasi temone adiunctam prae se quatit Arctum’. timão.’

113
Constelação de Serpentário.

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[110] Dein quae sequuntur: ‘huic’ enim Booti Depois, estas coisas se seguem: ‘nesse’ Bootes, pois,
‘supter praecordia fixa uidetur ‘debaixo do diafragma parece fixada
stella micans radiis, Arcturus nomine claro’; uma estrela brilhante com raios, com claro nome de
cuius [pedibus] subiecta fertur Arturo114’,
‘Spicum inlustre tenens splendenti corpore Virgo’. próxima aos seus [pés] se mostra
Atque ita demetata signa sunt, ut in tantis ‘Virgem de resplandecente corpo segurando a ilustre
descriptionibus diuina sollertia appareat: espiga115’.
‘Et Natos Geminos inuisses sub caput Arcti; E as constelações foram tão delimitadas que em tantas
subiectus media est Cancer, pedibusque tenetur divisões se mostra a habilidade divina:
magnus Leo tremulam quatiens e corpore flammam.’ ‘E sob a cabeça da Ursa116 verás os nascidos Gêmeos;
Câncer foi sobposto no meio, e nos pés tem-se
o Leão maior, lançando do corpo uma trêmula chama.’

114
Estrela α de Bootes.
115
Estrela α de Virgem.
116
Maior.

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Auriga Auriga
‘sub laeua Geminorum obductus parte feretur. ‘se mostrará posto sob a parte esquerda dos Gêmeos.
Aduersum caput huic Helice truculenta tuetur. Hélice ameaçadora olha a sua117 cabeça face a face118.
At Capra laeum umerum clara optinet.’ Mas a Cabra119 clara ocupa o ombro esquerdo.’
[Tum quae sequuntur:] [Então, seguem-se estas coisas:]
‘Verum haec est magno atque inlustri praedita signo, ‘Na verdade esta foi provida de uma grande e ilustre
contra Haedi exiguum iaciunt mortalibus ignem.’ constelação,
Cuius sub pedibus ao contrário os Cabritos120 lançam uma modesta luz
‘corniger est ualido conixus corpore Taurus’. aos mortais.’
Sob seus pés
‘o cornígero Touro apoiou o robusto corpo’.

117
Huic: Auriga.
118
Aduersum.
119
Estrela α de Auriga.
120
Estrelas η e ζ de Auriga.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 130

[111] Eius caput stellis conspersum est frequentibus; A cabeça dele foi aspergida com numerosas estrelas,
‘has Graeci stellas Hyadas uocitare suerunt’ ‘os gregos se habituaram a chamar estas estrelas de
a pluendo – ὕειν enim est pluere –, nostri imperite Hyadas121’
Suculas, quasi a subus essent, non ab imbribus de chover – pois ὕειν significa chover –, os nossos por
nominatae. Minorem autem Septentrionem Cepheus imperícia chamam de Suculas122, como se tivessem
passis palmis [post] terga subsequitur; sido nomeadas a partir de porcas, não de chuvas.
‘namque ipsum ad tergum Cynosurae uertitur Arcti’. Porém Cefeu segue por trás com as mãos estendidas a
Hunc antecedit Ursa Menor;
‘obscura specie stellarum Cassiepia’. ‘pois ele se volta para as próprias costas da Ursa
‘Hanc autem inlustri uersatur corpore propter Cynosura.’
Andromeda aufugiens aspectu maesta parentis.’ Precede este
‘Cassiepia de estrelas com aparência obscura.’
‘Porém Andrômeda, fugindo triste do olhar da mãe,
se volta junto desta com ilustre corpo.’

121
Enorme aglomerado com cerca de 200 estrelas.
122
De suculae: porquinhas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 131

‘Huic Equos123 ille iubam quatiens fulgore micanti ‘O Cavalo124, sacudindo a crina com brilho reluzente,
summum contingit caput aluo, stellaque iungens toca-lhe o ápice da cabeça com o ventre, e uma
una tenet duplices communi lumine formas estrela125,
aeternum ex astris cupiens conectere nodum.’ unindo-os, mantém duplas formas com uma luz
‘Exin contortis Aries cum cornibus haeret.’ comum
Quem propter desejando dar um nó eterno nos astros.’
‘Pisces, quorum alter paulum praelabitur ante ‘Depois permanece imóvel Áries com os chifres
et magis horriferis aquilonis tangitur auris’. recurvos.’
Junto do qual
‘estão Peixes, um dos quais nada um pouco próximo
e é tocado pelos mais horríveis ares do aquilão.’

124
Huic equus, conforme γ.
123
γ: huic equus. 125
Estrela α de Adrômeda, considerada δ de Pégasus.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 132

[112] Ad pedes Andromedae Perseus describitur, Aos pés de Andrômeda é descrito Perseus,
‘quem summa ab regione aquilonis flamina pulsant’. ‘a quem da região mais elevada agitam os ventos de
Cuius aquilão’.
‘propter laeum genum’ ‘ao lado do seu127 joelho esquerdo’
‘Vergilias126 tenui cum luce uidebis’. ‘verás as Plêiades128 com tênue luz’.
‘Inde Fides leuiter posita et conuexa uidetur.’ ‘De lá a Lira é vista levemente posta e covexa.’
Inde De lá
‘est ales Auis lato sub tegmine caeli’. ‘há uma Ave alada sob a vasta abóboda do céu.’
Capiti autem Equi proxima est Aquari dextra totusque Porém a mão direita de Aquário está próxima à cabeça
deinceps Aquarius. Tum do Cavalo e depois todo o Aquário. Então,
‘gelidum ualido de pectore frigus anhelans ‘ofegando um gélido frio do forte peito,
corpore semifero magno Capricornus in orbe; está Capricónio com corpo monstruoso no grande
quem cum perpetuo uestiuit lumine Titan, círculo;
brumali flectens contorquet tempore currum’. que Titã129 revestiu com uma luz perpétua,
afastando-se, faz girar o carro no inverno.’

126
γ: “‘At propter laeuum genus omni ex parte locatas’/ 127
Cuius: Perseus.
‘ParuasVergilias’”. 128
Enorme aglomerado com cerca de 250 estrelas na constelação
: “‘Cuius propter laeuum genus omni ex parte locatas’/ ‘Paruas de Touro.
129
Vergilias’”. O Sol.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 133

[113] Hic autem aspicitur Aqui, porém, é visto


‘sese ostendens emergit Scorpios alte ‘Escorpião, mostrando-se, emerge do alto,
posteriore trahens flexum ui corporis Arcum’. contraindo com a força de trás do corpo o Arco
Quem curvado.’
‘propter nitens pinnis conuoluitur Ales’. Junto do qual
‘At propter se Aquila ardenti cum corpore portat.’ ‘uma Ave brilhante se enrosca com as penas’.
Deinde Delphinus. ‘Mas perto uma Águia se porta com o corpo ardente.’
‘Exinde Orion obliquo corpore nitens.’ Depois o Golfinho.
‘Depois Órion brilhante com corpo oblíquo.’

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 134

[114] Quem subsequens Seguindo-o,


‘feruidus ille Canis stelarum luce’ ‘com a luz das estrelas o Cão’
refulget. Post Lepus subsequitur resplandece. Depois a Lebre se segue
‘curriculum numquam defesso corpore sedans. ‘nunca cessando a corrida apesar do corpo fatigado.
At Canis ad caudam serpens prolabitur Argo’. Mas junto da cauda do Cão se move rastejando Argo’.
‘Hanc Aries tegit et squamoso corpore Pisces ‘Áries cobre esta130, também Peixes com o corpo
Fluminis inlustri tangentem corpore ripas.’ escamoso,
Quem longe ‘serpentem’ et manantem aspicies Tocando com ilustre corpo as margens do rio.’
‘proceraque Vincla uidebis, Que ao longe ‘rastejando’ e correndo olharás
quae retinent Pisces caudarum a parte locata’. ‘e verás os grandes Laços,
‘Inde Nepae cernes propter fulgentis acumen que amarram os Peixes pela parte localizada nas
Aram, quam flatu permulcet spiritus austri.’ caudas’.
‘De lá distinguirás, junto da ponta do resplandecente
Nepa131,
Ara, que o sopro do austro acaricia com o vento.’

130
Argo.
131
Escorpião.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 135

Propter quae Centaurus Junto disso Centauro


‘cedit Equi partis properans subiungere Chelis. ‘caminha, se apressando em juntar as suas partes de
Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta tenetur’. Cavalo com os braços do Escorpião.
‘tendit et inlustrem truculentus cedit ad Aram. Este quadrúpede, estendendo a mão direita, mantém-se
Hic sese infernis e partibus erigit Hydra’, com ela vazia’.
cuius longe corpus est fusum, ‘dirigi-se e caminha, feroz, para Ara ilustre.
‘in medioque sinu fulgens Cretera relucet. Aqui Hydra se ergue das partes inferiores’,
Extremam nitens plumato corpore Coruus Cujo corpo ao longo foi espalhado,
rostro tundit, et hic Geminis est ille sub ipsis ‘e Cretera reluz resplandecente em meia curva.
Antecanem, Procyon Graio qui nomine fertur’132. Corvo brilhante com o corpo plumado o extremo da
Hydra
importuna com o pico, e aqui sob os próprios Gêmeos
está
Procião, que é chamado pelo nome grego de Procyon’.

132
: “Propter quae Centaurus/ ‘Cedit, Equi partis properans
subiungere Chelis.’/ ‘Hic dextram porgens, quadrupes qua uasta
tenetur,’/ ‘Tendit, et inlustrem truculentus caedit ad aram.’/ ‘Hic
sese infernis de partibus erigit Hydra:’ cuius longe corpus est
susum. ‘In medioque sinu fulgens Cratera relucet.’/ ‘Extremum
nitens plumato corpore Coruus’/ ‘Rostro tundit: et hic Geminis est
ille sub ipsis’/ ‘Ante Canem, Procyon Graio qui nomine fertur.’”
: Não apresenta este trecho.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 136

[115] Haec omnis descriptio siderum atque hic tantus Toda esta descrição dos astros e este tão grande
caeli ornatus ex corporibus huc et illuc casu et temere ornamento do céu podem parecer a alguém são que
cursantibus potuisse effici cuiquam sano uideri potest, puderam ser feitos a partir de corpos correntes por
aut uero alia, quae natura mentis et rationis expers acaso e sem ordem aqui e ali, ou, na verdade, que outra
haec efficere potuit, quae non modo, ut fierent, ratione natureza privada de mente e de razão pôde realizar
eguerunt, sed intellegi, qualia sint, sine summa ratione estas coisas, que não só têm tido necessidade de razão
non possunt? Nec uero haec solum admirabilia, sed para que se fizessem, mas também não podem ser
nihil maius, quam quod ita stabilis est mundus atque entendidas quais sejam sem uma suma razão? E, na
ita cohaeret, ad permanendum, ut nihil ne excogitari verdade, estas coisas não são apenas admiráveis, mas
quidem possit aptius. Omnes enim partes eius undique não há nada de maior do que aquilo que é um mundo
medium locum capessentes nituntur aequaliter. tanto estável que também está unido para se conservar,
Maxime autem corpora inter se iuncta permanent, cum de modo que nem mesmo se possa pensar nada de
quasi quodam uinculo circumdato colligantur; quod mais conveniente. Pois todas as suas partes, tendendo
facit ea natura, quae per omnem mundum omnia mente de todos os lados para o meio, se apoiam
et ratione conficiens funditur et ad medium rapit et uniformemente. Porém os corpos permanecem
conuertit extrema. maximamente unidos entre si, pois são ligados, por
assim dizer, por um vínculo posto em volta, o que
realiza aquela natureza, que em todo o mundo,
formando todas as coisas com mente e com razão, se
estabelece e arrasta e atrai para o meio as partes
extremas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 137

[116] Quocirca si mundus globosus est ob eamque Por conseguinte, se o mundo é esférico e, por tal causa,
causam omnes eius partes undique aequabiles ipsae per todas as suas partes proporcionais de todos os lados
se atque inter se continentur, contingere idem terrae estão elas mesmas contidas por si e entre si, é
necesse est, ut omnibus eius partibus in medium necessário que o mesmo aconteça a terra para que em
uergentibus (id autem medium infimum in sphaera est) todas as suas partes convergindo ao meio (porém este
nihil interrumpat, quo labefactari possit tanta contentio meio é a parte mais baixa na esfera) nada interrompa,
grauitatis et ponderum. Eademque ratione mare, cum ao ponto que possa ser enfraquecida tamanha tensão de
supra terram sit, medium tamen terrae locum expetens gravidade e de peso. E pela mesma razão o mar,
conglobatur undique aequabiliter neque redundat porque está sobre a terra, procurando, todavia, o centro
umquam neque effunditur. da terra, reunia-se de todos os lados uniformemente e
nunca transborda nem se espalha.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 138

[117] Huic autem continens aer fertur ille quidem Porém próximo a ele, move-se certamente o ar com
leuitate sublimi, sed tamen in omnes partes se ipse sublime leveza, porém ele mesmo se difunde por todas
fundit; itaque et mari continuatus et iunctus est et as partes, assim tanto foi unido, quanto ligado ao mar,
natura fertur ad caelum, cuius tenuitate et calore como por natureza se eleva ao céu, com sua133 sutileza
temperatus uitalem et salutarem spiritum praebet e calor devidamente misturado oferece aos seres
animantibus. Quem complexa summa pars caeli quae animados um espírito vital e salutar. A parte mais alta
aetheria dicitur, et suum retinet ardorem tenuem et do céu que o134 abraça, que é chamada de etérea, tanto
nulla admixtione concretum et cum aeris extremitate conserva o seu ardor tênue, quanto por nenhuma
coniungitur. In aethere autem astra uoluuntur, quae se mistura é condensado, como se une à extremidade do
et nisu suo conglobata continent et forma ipsa ar. Porém no éter giram os astros, que tanto se
figuraque sua momenta sustentant; sunt enim rutunda, conservam em forma de globo por seu movimento
quibus formis, ut ante dixisse uideor, minime noceri quanto com a própria forma e aspecto mantêm seus
potest. movimentos, pois são redondos, por tais formas, como
antes pareço ter dito, minimamente pode ser
prejudicado135.

133
Cuius.
134
Quem.
135
Noceri potest: refere-se ao éter.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 139

[118] Sunt autem stellae natura flammeae; quocirca Porém as estrelas existem pela natureza da chama,
terrae maris aquarum [que reliquarum] uaporibus porque são alimentadas por estes vapores da terra, do
aluntur is, qui a sole ex agris tepefactis et ex aquis mar, [e das demais] águas, que são provocados pelo
excitantur; quibus altae renouataeque stellae atque Sol a partir das terras e das águas aquecidas, com os
omnis aether effundunt eadem et rursum trahunt quais as estrelas são alimentadas e renovadas, e por
indidem, nihil ut fere intereat aut admodum paululum, todo éter espalham-se estas coisas e de novo arrastam
quod astrorum ignis et aetheris flamma consumat. Ex do mesmo lugar para que nada pereça ordinariamente
quo euenturum nostri putant id, de quo Panaetium ou muito pouco pereça, o que consome o fogo dos
addubitare dicebant, ut ad extremum omnis mundus astros e a chama do éter. A partir disso os nossos
ignesceret, cum umore consumpto neque terra ali julgam que há de vir aquilo de que diziam que Panécio
posset nec remearet aer, cuius ortus aqua omni duvidava, que todo mundo se inflamaria ao máximo,
exhausta esse non posset: ita relinqui nihil praeter quando, tendo-se consumida a umidade, nem a terra
ignem, a quo rursum animante ac deo renouatio mundi poderia ser alimentada nem voltaria a ser alimentado o
fieret atque idem ornatus oreretur. ar, cujo nascimento não poderia haver com toda água
extinta: assim nada poderia ser deixado junto do fogo,
depois por este ser animado e pelo deus a renovação
do mundo seria feita e o mesmo ornamento surgiria.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 140

[119] Nolo in stellarum ratione multus uobis uideri, Não vos quero parecer prolixo sobre a razão das
maximeque earum, quae errare dicuntur; quarum estrelas, sobretudo, das que se dizem errar, cuja
tantus est concentus ex dissimillimis motibus, ut, cum harmonia dos movimentos diferentes é tão grande que
summa Saturni refrigeret, media Martis incendat, is – quando a órbita mais afastada de Saturno refrigera, a
interiecta Iouis inlustret et temperet, infraque Martem órbita média de Marte aquece – a de Júpiter, posta
duae soli oboediant, ipse sol mundum omnem sua luce entre elas, ilumina e modera, e abaixo de Marte duas
compleat, ab eoque luna inluminata grauiditates et órbitas obedecem ao Sol, o próprio Sol enche todo o
partus adferat maturitatesque gignendi. Quae copulatio mundo com sua luz, e a Lua iluminada por ele traz as
rerum et quasi consentiens ad mundi incolumitatem gestações, e os partos, e as maturações do que é
coagmentatio naturae quem non mouet, hunc horum gerado. Há o encadeamento das coisas e, por assim
nihil umquam reputauisse certo scio. dizer, a combinação da natureza em conformidade com
a conservação do mundo, que não se move, sei que
certamente este nunca foi deste modo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 141

[120] Age ut a caelestibus rebus ad terrestres Faz com que cheguemos das coisas celestes às
ueniamus, quid est in his, in quo non naturae ratio terrestres, há algo nestas em que não apareça a razão
intellegentis appareat? Principio eorum, quae de uma natureza inteligente? Primeiramente as raízes
gignuntur e terra, stirpes et stabilitatem dant his, quae daquilo que nasce da terra tanto dão a estabilidade
sustinent, et e terra sucum trahunt, quo alantur ea, quae àquelas, que sustentam, quanto trazem da terra a seiva
radicibus continentur; obducunturque libro aut cortice com a qual são alimentadas aquelas que são mantidas
trunci, quo sint a frigoribus et caloribus tutiores. Iam pelas raízes; e os troncos são cobertos pela casca ou
uero uites sic clauiculis adminicula tamquam manibus pelo córtice, com que estão mais protegidos do frio e
adprehendunt atque ita se erigunt ut animantes; quin do calor. Já as videiras certamente agarram assim os
etiam a caulibus brassicae, si propter sati sint136, ut a apoios com as gavinhas como com mãos e se levantam
pestiferis et nocentibus refugere dicuntur nec eos ulla assim como os seres animados; mas dizem que fogem
ex parte contingere. dos caules de couve, se forem plantados perto, como
de coisas perniciosas e nocivas, e nem os tocam de
nenhuma parte.

136
: “Quin etiam a caulibus, [brassicisque,] si propter sati sint
(...)”.
: “Quin etiam a caulibus, si propter sati sint (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 142

[121] Animantium uero quanta uarietas est, quanta ad Há certamente tanta diversidade de seres animados,
eam rem uis, ut in suo quaeque genere permaneat. tanta força para aquela coisa, de modo que cada uma
Quarum aliae coriis tectae sunt, aliae uillis uestitae, permaneça no seu gênero. Destas, umas foram cobertas
aliae spinis hirsutae; pluma alias, alias squama com couro, outras foram revestidas com pelo, outras
uidemus obductas, alias esse cornibus armatas, alias ainda foram eriçados com espinhos; umas vemos
habere effugia pinnarum. Pastum autem animantibus recobertas com plumas, outras com escamas, umas
large et copiose natura eum, qui cuique aptus erat, foram armadas com chifres, outras têm evasões de
comparauit. Enumerare possum, ad eum pastum asas. A natureza, porém, preparou larga e
capessendum conficiendumque quae sit in figuris abundantemente aos seres animados aquele pasto que
animantium et quam sollers subtilisque descriptio era apropriado a cada um. Posso enumerar: para
partium quamque admirabilis fabrica membrorum. alcançar e consumir aquele pasto, a137 destribuição das
Omnia enim, quae quidem intus inclusa sunt, ita nata partes nos aspectos dos seres animados é também tão
atque ita locata sunt, ut nihil eorum superuacuaneum hábil e sutil, e a fábrica dos membros é tão admirável.
sit, nihil ad uitam retinendam non necessarium. Pois tudo, que certamente foi incluído no interior,
assim nasceu e assim foi posto, de modo que nada
daquilo seja inútil, nada seja desnecessário para
conservar a vida.

137
Quae.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 143

[122] Dedit autem eadem natura beluis et sensum et Porém a mesma natureza deu aos animais tanto o senso
adpetitum, ut altero conatum haberent ad naturales quanto o apetite para que com um tivessem o impulso
pastus capessendos, altero secernerent pestifera a para procurar os pastos naturais, com outro
salutaribus. Tam uero alia animalia gradiendo, alia distinguissem os perniciosos dos salutares. Assim,
serpendo ad pastum accedunt, alia uolando, alia nando, certamente uns seres animados andando, outros
cibumque partim oris hiatu et dentibus ipsis capessunt, rastejando, chegam ao alimento, uns voando, outros
partim unguium tenacitate arripiunt, partim aduncitate nadando; e uns alcançam o pasto pela abertura da boca
rostrorum, alia sugunt, alia carpunt, alia uorant, alia e com os próprios dentes, outros agarram com a
mandunt. Atque etiam aliorum east138 humilitas, ut tenacidade das unhas, outros ainda com a curvatura
cibum terrestrem rostris facile contingant. dos bicos; uns sugam, outros arrancam, outros
devoram, outros ainda mastigam. E também há
aquela139 baixa estatura de outros para que alcancem
facilmente com os bicos o alimento da terra.

138
γ: ea est. 139
Ea est, conforme γ.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 144

[123] Quae autem altiora sunt, ut anseres, ut cycni, ut Porém existem aqueles mais altos, como os patos,
grues, ut camelli, adiuuantur proceritate collorum; como os cisnes, como os grous, como os camelos, são
manus etiam data elephantost140, quia propter ajudados pelo alongamento dos pescoços; uma mão142
magnitudinem corporis difficiles aditus habebat ad também foi dada ao elefante, porque, por causa da
pastum. At quibus bestiis erat is cibus, ut aliis generis grandeza do corpo, seria difícil o acesso ao alimento.
escis uescerentur, aut uires natura dedit aut celeritatem. Mas àqueles animais havia o alimento, de modo que se
Data est quibusdam etiam machinatio quaedam atque alimentassem de outros alimentos do gênero, ou a
sollertia, ut in araneolis aliae quasi rete texunt, ut, si natureza deu força ou a rapidez. A alguns foi dado
quid inhaeserit, conficiant, aliae autem ut * * ex também certo artifício e habilidade como nas pequenas
inopinato obseruant et141, si quid incidit, arripiunt aranhas, umas tecem, por assim dizer, uma rede, para
idque consumunt. Pina uero (sic enim Graece dicitur) que, se algo ficar preso, consumam, porém outras
duabus grandibus patula conchis cum parua squilla observam inesperadamente, e143, se algo cair, agarram
quasi societatem coit comparandi cibi; itaque cum e o consomem. O largo marisco certamente (pois assim
pisciculi parui in concham hiantem innatauerunt, tum dizem os gregos) com duas grandes conchas
admonita a squilla pina morsu conprimit conchas: sic juntamente com a pequena esquila144 forma quase uma
dissimillimis bestiolis communiter cibus quaeritur; sociedade para obter alimento e assim, quando os
pequenos peixinhos nadam dentro da concha aberta,
então o marisco, avisado pela esquila através de uma
mordida, contrai as conchas: assim o alimento é obtido
em comum por animaizinhos tão diferentes;

142
Tromba.
140
γ: elephantis. 143
“porém outras observam inesperadamente, e”, conforme γ.
141
γ: aliae autem ex inopinato obseruant, et. 144
Tipo de peixe.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 145

[124] in quo admirandum est, congressune aliquo inter nisso deve-se admirar que, através de algum acordo,
se an iam inde ab ortu natura ipsa congregatae sint. Est entre eles ou já desde o nascimento tenham sido unidos
etiam admiratio nonnulla in bestiis aquatilibus is, quae pela própria natureza. Há também certa admiração
gignuntur in terra; ueluti crocodili fluuiatilesque naqueles animais aquáticos, que nascem na terra: como
testudines quaedamque serpentes ortae extra aquam, os crocodilos, e as tartarugas fluviais, e certas
simul ac primum niti possunt, aquam persequuntur. serpentes nascidas fora da água, logo que podem pela
Quin etiam anitum oua gallinis saepe subponimus; e primeira vez se mover, procuram a água. Porém,
quibus pulli orti primo aluntur ab his ut a matribus, a frequentemente pomos debaixo das galinhas ovos de
quibus exclusi fotique sunt; deinde eas relinquunt et patas, os filhotes nascidos a princípio são alimentados
effugiunt sequentes, cum primum aquam quasi por aquelas, como pelas mães, pelas quais foram
naturalem domum uidere potuerunt: tantam ingenuit retirados dos ovos145 e aquecidos; depois as deixam e
animantibus conseruandi sui natura custodiam. Legi fogem, seguindo, logo que tenham podido ver a água
etiam scriptum esse auem quandam, quae platalea como morada natural: tamanha custódia para se
nominaretur; eam sibi cibum quaerere aduolantem ad preservar a natureza faz crescer nos seres animados. Li
eas auis, quae se in mari mergerent; quae cum também ter sido escrito que certa ave, que é chamada
emersissent piscemque cepissent, usque eo premere de pelicano, procura o seu alimento, voando ele até
earum capita mordicus, dum illae captum amitterent, in aquelas aves, que submergem no mar, quando elas146
quod ipsa inuaderet. Eademque haec auis scribitur submergem e capturam peixe, aperta suas cabeças,
conchis se solere complere, eas, cum stomachi calore mordendo a tal ponto que elas deixam escapar a presa
concoxerit, euomere atque ita eligere ex his, quae sunt à qual ele mesmo se lança. E está escrito que esta
esculenta. mesma ave está habituada a se encher com conchas,
quando as tem cozido com o calor do estômago,
vomita e assim separa delas o que é comestível.

145
E quibus.
146
Quae.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 146

[125] Ranae autem marinae dicuntur obruere sese Porém se diz que as rãs marinhas estão habituadas a se
harena solere et moueri prope aquam; ad quas quasi ad esconderem na areia e a se moverem perto da água;
escam pisces cum accesserint, confici a ranis atque quando os peixes se aproximam delas como de uma
consumi. Miluo est quoddam bellum quasi naturale isca, são mortos e devorados pelas rãs. Para o
cum coruo; ergo alter alterius, ubicumque nanctus est, milhafre147 há uma guerra quase natural com o corvo,
oua frangit. Illud uero (ab Aristotele animaduersum, a pois um destrói os ovos do outro, onde quer que
quo pleraque) quis potest non mirari: grues cum loca encontre. Isto certamente (foi percebido por
calidiora petentes maria transmittant, trianguli efficere Aristóteles, pelo qual a maior parte foi percebida)
formam; eius autem summo angulo aer ab is aduersus quem pode não admirar: os grous, quando procurando
pellitur, deinde sensim ab utroque latere, tamquam lugares mais quentes, atravessam os mares, formam
remis, ita pinnis cursus auium leuatur; basis autem uma figura de triângulo; porém, no seu mais elevado
trianguli, quam efficiunt grues, ea tamquam a puppi ângulo o ar é tocado contrariamente por eles, depois
uentis adiuuatur; eaeque in tergo praeuolantium colla gradualmente pelos dois lados, assim com as asas o
et capita reponunt; quod quia ipse dux facere non curso das aves é aliviado pelas asas como por remos;
potest, quia non habet, ubi nitatur, reuolat, ut ipse porém a148 base do triângulo, que os grous formam, é
quoque quiescat; in eius locum succedit ex his, quae ajudada pelos ventos como uma popa; e eles colocam
adquierunt, eaque uicissitudo in omni cursu os pescoços e as cabeças nas costas dos que voam na
conseruatur. frente; o que, pois, não pode fazer o próprio
condutor149, porque não há onde se apoiar, voa para
trás para que ele também descanse; para o seu lugar
avança um daqueles que repousaram e essa alternância
se conserva por todo o curso.

147
Ave de rapina.
148
Ea.
149
O grou que vai à frente do triângulo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 147

[126] Multa eius modi proferre possum, sed genus Posso mostrar muitas coisas do mesmo modo, mas
ipsum uidetis. Iam uero illa etiam notiora, quanto se vedes o mesmo gênero. E até também aquelas coisas
opere custodiant bestiae, ut in pastu circumspectent, ut mais conhecidas, com quanto trabalho os animais se
in cubilibus delitiscant. Atque illa mirabilia, quod – ea protegem, como no pasto olham em torno de si, como
quae nuper, id est paucis ante saeclis, medicorum se escondem em tocas. E há aquelas coisas
ingeniis reperta sunt – uomitione canes, purgando extraordinárias, pois – aquelas coisas que foram
autem aluo se ibes Aegyptiae curant. Auditum est descobertas pelos engenhos dos médicos há pouco, isto
pantheras, quae in barbaria uenenata carne caperentur, é, poucos séculos antes – os cães curam-se pelo
remedium quoddam habere, quo cum essent usae non vômito, porém as íbis de Egito purgando os intestinos.
morerentur, capras autem in Creta feras, cum essent Foi ouvido que as panteras, que nas terras bárbaras
confixae uenenatis sagittis, herbam quaerere, quae eram capturadas com carne envenenada, tinham algum
dictamnus uocaretur, quam cum gustauissent, sagittas remédio, quando elas usavam-no150, não morriam;
excidere dicunt e corpore; porém as cabras selvagens de Creta, quando eram
trespassadas por flechas envenenadas, procuravam
uma erva que é chamada de dictamno, que, quando a
comiam, dizem que as flechas caíam do corpo;

150
Quo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 148

[127] ceruaeque paulo ante partum perpurgant se e os cervos pouco antes do parto se purgam com uma
quadam herbula, quae seselis dicitur. Iam illa pequena erva que é chamada de séselis. Já percebemos
cernimus, ut contra uim et metum suis se armis aquelas coisas, como cada um se defende com suas
quaeque defendat: cornibus tauri, apri dentibus, cursu armas contra a força e o medo: os touros com os
leones151, aliae fuga se, aliae occultatione tutantur, chifres, os javalis com os dentes, os leões com a
atramenti effusione saepiae, torpore torpedines, multae corrida, uns se protegem com a fuga, outros com a
etiam insectantis odoris intolerabili foeditate depellunt. ocultação; as sibas152 com a profusão de um líquido
Vt uero perpetuus mundi esset ornatus, magna adhibita negro, os torpedos153 com o entorpecimento, muitos
cura est a prouidentia deorum, ut semper essent et também afastam os perseguidores com um mau cheiro
bestiarum genera et arborum omniumque rerum, quae insuportável. Para que o ornamento do mundo na
a terra stirpibus continerentur; quae quidem omnia eam verdade fosse perpétuo, foi empregado um grande
uim seminis habent in se, ut ex uno plura generentur. cuidado pela providência dos deuses, de modo que
Idque semen inclusum est in intuma parte earum existissem sempre tanto as espécies dos animais,
bacarum, quae ex quaque stirpe funduntur, isdemque quanto das árvores e de todas as coisas, que fossem
seminibus et homines adfatim uescuntur et terrae sustentadas por raízes na terra; todas essas coisas
eiusdem generis stirpium renouatione conplentur. certamente têm em si a força de semente, de modo que
de apenas uma são geradas muitas. E aquela semente
foi incluída na parte mais íntima daqueles frutos, que
nascem de cada raiz, e das mesmas sementes tanto os
homens se alimentam abundantemente, quanto as
terras se preenchem com renovação de raízes do
mesmo gênero.

151
: “morsu leones (...)”. 152
Saepia ou sepia é uma espécie de peixe.
: “morsu leones (...)”. 153
Torpedo é uma espécie de peixe.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 149

[128] Quid loquar, quanta ratio in bestiis ad perpetuam O que falarei: quanta razão aparece nos animais para a
conseruationem earum generis appareat? Nam primum perpétua conservação de seu gênero? Pois,
aliae mares, aliae feminae sunt, quod perpetuitatis primeiramente, uns são machos, outros fêmeas, o que a
causa machinata natura est, deinde partes corporis et natureza planejou para perpetuação; depois, há as
ad procreandum et ad concipiendum aptissimae, et in partes do corpo mais aptas tanto para procriar quanto
mari et in femina commiscendorum corporum mirae para conceber, tanto no macho, quanto na fêmea, há
libidines; cum autem in locis semen insedit, rapit desejos admiráveis de unir os corpos; porém quando a
omnem fere cibum ad sese eoque saeptum fingit semente está colocada no lugar, atrai quase todo
animal; quod cum ex utero elapsum excidit, in iis alimento para si e protegida por ele forma o animal;
animantibus, quae lacte aluntur, omnis fere cibus quando ele154, dado a luz, cai, naqueles seres animados
matrum lactescere incipit, eaque, quae paulo ante nata que se alimentam de leite, quase todo o alimento das
sunt, sine magistro duce natura mammas adpetunt mães começa a se transformar em leite, e aqueles que
earumque ubertate saturantur. Atque ut intellegamus foram gerados um pouco antes, sem mestre,
nihil horum esse fortuitum et haec omnia esse opera conduzindo a natureza, procuram alcançar as mamas e
prouidae sollertisque naturae, quae multiplices fetus se saciam com sua abundância. E para que
procreant, ut sues, ut canes, iis mammarum data est compreendamos que nada destas coisas é casual e que
multitudo, quas easdem paucas habent eae bestiae, todas estas coisas são obras de uma natureza prudente
quae pauca gignunt. e engenhosa, as quais geram múltiplos filhos, como os
porcos, como os cães, foi-lhes dada uma grande
quantidade de mamas, aqueles animais, que geram
pouco, têm também155 poucas mamas156.

154
Quod.
155
Easdem.
156
Quas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 150

[129] Quid dicam, quantus amor bestiarum sit in O que direi: quanto amor de animais há em educar e
educandis custodiendisque is, quae procreauerunt, proteger aqueles que procriaram até àquele momento
usque ad eum finem, dum possint se ipsa defendere. em que possam eles mesmos se defender. Se bem que
Etsi pisces, ut aiunt, oua cum genuerunt, relinquunt, os peixes, como dizem, quando têm gerado as ovas,
facile enim illa aqua et sustinentur et fetum fundunt; abandonam, pois elas facilmente tanto são mantidas
testudines autem et crocodilos dicunt, cum in terra pela água quanto asseguram a cria; porém, dizem que
partum ediderint, obruere oua, deinde discedere: ita et as tartarugas e os crocodilos, quando têm exposto o
nascuntur et educantur ipsa per sese. Iam gallinae parto na terra, escondem os ovos, depois se afastam:
auesque reliquae et quietum requirunt ad pariendum assim tanto nascem quanto eles mesmos se educam. Já
locum et cubilia sibi nidosque construunt eosque quam as galinhas e as outras aves tanto procuram um lugar
possunt mollissume substernunt, ut quam facillume tranquilo para parir quanto constroem para si pequenas
oua seruentur; e quibus pullos cum excuderunt, ita tocas e ninhos, e os cobrem o quanto podem
tuentur, ut et pinnis foueant, ne frigore laedantur, et, si delicadamente para que os ovos se conservem mais
est calor a sole, se opponant; cum autem pulli pinnulis facilmente; quando tiram deles os filhotes, protegem
uti possunt, tum uolatus eorum matres prosequuntur, de tal modo que tanto aquecem com as asas, para que
reliqua cura liberantur. não se prejudiquem com o frio, quanto se interpõem,
caso haja o calor do sol; porém, quando os filhotes
podem usar as pequenas asas, então as mães
acompanham os seus voos, são libertados dos demais
cuidados.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 151

[130] Accedit etiam ad non nullorum animantium et Acrescenta-se também à conservação e à saúde dos
earum rerum, quas terra gignit, conseruationem et homens, de alguns seres animados e daquelas coisas,
salutem hominum etiam sollertia et diligentia. Nam que a terra produz, também a habilidade e a diligência.
multae et pecudes et stirpes sunt, quae sine Pois há muitos, tanto animais, quanto raízes, que não
procuratione hominum saluae esse non possunt. podem ser salvas sem o cuidado dos homens. Também
Magnae etiam oportunitates ad cultum hominum atque outras grandes oportunidades para o cultivo e
abundantiam aliae aliis in locis reperiuntur. Aegyptum abundância dos homens são encontradas em outros
Nilus inrigat, et cum tota aestate obrutam oppletamque lugares. O Nilo irriga o Egito e embora o tenha
tenuit, tum recedit mollitosque et oblimatos agros ad mantido por todo o verão coberto e cheio, retira-se
serendum relinquit. Mesopotamiam fertilem efficit então e deixa os campos macios e cobertos de limo
Euphrates, in quam quotannis quasi nouos agros para semear. O Eufrates torna fértil a Mesopotâmia, à
inuehit. Indus uero, qui est omnium fluminum qual traz por assim dizer novos campos todos os anos.
maximus, non aqua solum agros laetificat et mitigat, O Indo, certamente, que é o maior de todos os rios, não
sed eos etiam conserit; magnam enim uim seminum só torna fértil e amolece os campos com água, mas
secum frumenti similium dicitur deportare. também os semeia, pois se diz que leva consigo uma
grande quantidade de sementes semelhantes a grãos.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 152

[131] Multaque alia in aliis locis commemorabilia Posso mostrar muitas outras coisas memoráveis em
proferre possum, multos fertiles agros alios aliorum outros lugares, muitos outros campos férteis de outros
fructuum. Sed illa quanta benignitas naturae, quod tam frutos. Mas tamanha é a benevolência da natureza, pois
multa ad uescendum tam uarie, tam iucunda gignit, gera tão numerosas, tão variadas e tão agradáveis
neque ea uno tempore anni, ut semper et nouitate coisas para se nutrir, e isto não é em uma só estação do
delectemur et copia. Quam tempestiuos autem dedit, ano, pois sempre somos agradados, tanto pela
quam salutares non modo hominum, sed etiam novidade, quanto pela abundância. Porém, deu os
pecudum generi, is denique omnibus, quae oriuntur e ventos etésios tão oportunos, tão salutares não só ao
terra, uentos etesias; quorum flatu nimii temperantur gênero dos homens, mas também ao dos animais,
calores, ab isdem etiam maritimi cursus celeres et certi enfim a todas aquelas coisas, que nascem da terra, com
diriguntur. Multa praetereunda sunt et tamen multa o sopro deles se temperam os excessivos calores, pelos
dicuntur. mesmos também as navegações marítimas se
conduzem velozes e seguras. Muitas coisas devem ser
omitidas, porém muitas são ditas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 153

[132] Enumerari enim non possunt fluminum Pois não podem ser enumeradas as vantagens dos rios,
oportunitates, aestus maritimi simul cum luna a agitação dos mares, simultaneamente com a lua,
accedentes et recedentes, montes uestiti atque avançando e recuando, os montes cobertos e silvestres,
siluestres, salinae ab ora maritima remotissimae, as salinas muito distantes da costa marítima, as terras
medicamentorum salutarium plenissumae terrae, artes plenas de medicamentos salutares, enfim as
denique innumerabiles157 ad uictum et ad uitam inumeráveis artes necessárias para o sustento e para a
necessariae. Iam diei noctisque uicissitudo conseruat vida. Já a sucessão dos dias e das noites conserva os
animantes tribuens aliud agendi tempus, aliud seres animados, distribuindo um tempo para agir, outro
quiescendi. Sic undique omni ratione concluditur para descançar. Assim de todas as partes com toda
mente consilioque diuino omnia in hoc mundo ad razão se conclui que todas as coisas neste mundo são
salutem omnium conseruationemque admirabiliter administradas admiravelmente para a saúde e
administrari. conservação de tudo por uma mente e deliberação
divina.

157
: “plenissimae terrae: artes denique innumerabiles (...)”.
: “plenissimae terrae, utilitates denique innumerabiles (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 154

[133] Sin quaeret quispiam, cuiusnam causa tantarum Mas se alguém procurar saber por causa de que tenha
rerum molitio facta sit – arborumne et herbarum, quae, sido feita a construção de tão grandes coisas – se das
quamquam sine sensu sunt, tamen a natura sustinentur: árvores e das ervas, que, ainda que sejam sem senso,
at id quidem absurdum est; an bestiarum: nihilo porém sejam mantidas pela natureza: mas isto
probabilius deos mutarum et nihil intellegentium causa certamente é absurdo; ou dos animais: em nada seja
tantum laborasse. Quorum igitur causa quis dixerit mais provável que os deuses tenham trabalhado tanto
effectum esse mundum? Eorum scilicet animantium, por causa de seres mudos e nada inteligentes, então
quae ratione utuntur; hi sunt di et homines; quibus por causa deles, alguém diria que o mundo tenha sido
profecto nihil est melius; ratio est enim, quae praestet criado? Certamente por causa daqueles seres animados
omnibus. Ita fit credibile deorum et hominum causa que se servem da razão; estes são os deuses e os
factum esse mundum, quaeque in eo mundo sint homens; certamente nada é melhor do que eles; pois é
omnia. Faciliusque intellegetur a dis inmortalibus a razão que é superior a tudo. Assim se faz verossímil
hominibus esse prouisum, si erit tota hominis que o mundo tenha sido feito por causa dos deuses e
fabricatio perspecta omnisque humanae naturae figura dos homens, e tudo o que neste mundo exista. E mais
atque perfectio. facilmente se compreenderá que tenha sido provido
aos homens pelos deuses imortais, se for observada
toda a estrutura do homem e todo o aspecto e a
perfeição da natureza humana.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 155

[134] Nam cum tribus rebus animantium uita teneatur, Pois, como a vida dos seres animados é mantida por
cibo, potione, spiritu, ad haec omnia percipienda os est três coisas, por alimento, por bebida, por respiração,
aptissimum, quod adiunctis naribus spiritu augetur, para apanhar todas estas coisas a boca é mais
dentibus autem in ore constructis manditur atque ab iis apropriada, que, unidas as narinas, enche-se com a
extenuatur et mollitur cibus. Eorum aduersi acuti respiração, porém com os dentes ordenados na boca o
morsu diuidunt escas, intimi autem conficiunt, qui alimento é mastigado e quebrado, e amolecido por
genuini uocantur; quae confectio etiam a lingua eles. Com a mordida deles, os afiados da frente
adiuuari uidetur. dividem os alimentos, porém os do interior
complementam, os quais são chamados de molares; tal
ação parece também ser ajudada pela língua.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 156

[135] Linguam autem ad radices eius haerens excipit Porém o esôfago, aderindo a suas raízes, sucede a
stomachus, quo primum inlabuntur ea, quae accepta língua, através do qual passam primeiramente aquelas
sunt ore. Is utraque ex parte tosillas attingens palato coisas que foram recebidas pela boca. Ele de ambas as
extremo atque intimo terminatur atque is agitatione et partes tocando as amígdalas é limitado pelo palato
motibus linguae, cum depulsum et quasi detrusum mais afastado e profundo, e ele, com a agitação e os
cibum accepit, depellit. Ipsius autem partes eae, quae movimentos da língua, quando recebe o alimento caído
sunt infra quam id, quod deuoratur, dilatantur, quae e quase lançado para baixo, expulsa. Porém as partes
autem supra, contrahuntur. do mesmo158, que estão mais abaixo do que é
devorado, dilatam-se, porém aquelas que estão acima
contraem-se.

158
Esôfago.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 157

[136] Sed cum aspera arteria (sic enim a medicis Mas como a traqueia-artéria áspera (pois assim é
appellatur) ostium habeat adiunctum linguae radicibus chamada pelos médicos) tenha uma abertura junto às
paulo supra quam ad linguam stomachus adnectitur, raízes da língua um pouco acima dela, o esôfago se
eaque ad pulmones usque pertineat excipiatque une à língua, e ela se estende até os pulmões e recebe o
animam eam, quae ducta est spiritu eandemque a ânimo, que foi trazido com a respiração, e o respira
pulmonibus respiret et reddat, tegitur quodam quasi dos pulmões e exala, é coberta quase por uma tampa,
operculo, quod ob eam causam datum est, ne, si quid que foi produzida para aquela causa, se algo de
in eam cibi forte incidisset, spiritus impediretur. alimento por acaso caísse sobre ela, não impediria a
respiração.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 158

Sed cum alui natura subiecta stomacho cibi et potionis Mas como a natureza de estômago posta abaixo do
sit receptaculum, pulmones autem et cor extrinsecus esôfago seja o receptáculo de alimentos e de bebidas,
spiritum ducant, in aluo multa sunt mirabiliter effecta, os pulmões e o coração, porém, conduzem a respiração
quae constant159 fere e neruis; est autem multiplex et do exterior, muitas coisas foram feitas admiravelmente
tortuosa arcetque et continet, siue illud aridum est siue no estômago, que se compõe160 geralmente de nervos;
humidum, quod recepit, ut id mutari et concoqui porém é sinuoso e tortuoso, e retém e mantém, quer
possit, eaque tum adstringitur, tum relaxatur, atque seja seco, quer úmido aquilo que recebe, de modo que
omne, quod accepit, cogit et confundit, ut facile et isto possa ser transformado e ser digerido, e ela161 ora
calore, quem multum habet, et terendo cibo et se contrai, ora relaxa, e reúne e mistura tudo o que
praeterea spiritu omnia cocta atque confecta in recebe, de modo que facilmente, tanto pelo calor que
reliquum corpus diuidantur. In pulmonibus autem inest tem muito, quanto por triturar o alimento, como, além
raritas quaedam et adsimilis spongiis mollitudo ad disso, pela a respiração todas as coisas digeridas e
hauriendum spiritum aptissima, qui tum se contrahunt consumidas são divididas para o restante do corpo.
adspirantes, tum in respiratu dilatantur, ut frequenter Porém, nos pulmões há certa porosidade e
ducatur cibus animalis, quo maxime aluntur animantes. flexibilidade semelhante às esponjas, muito apta a
absorver a respiração, eles162 ora se contraem
aspirando, ora se dilatam ao respirar, para que
frequentemente se conduza o alimento no ser animado
com o qual, sobretudo, os seres animados se
alimentam.

160
De acorda com γ e δ.
159
: “quae constat (...)”. 161
Natura alui.
: “quae constat (...)”. 162
Qui: pulmões.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 159

[137] Ex intestinis autem et aluo secretus a reliquo Dos intestinos, porém, e do estômago, o suco separado
cibo sucus is quo alimur permanat ad iecur per do resto do alimento, com o qual nos alimentamos,
quasdam a medio intestino usque ad portas iecoris (sic chega ao fígado através da porosidade do intestino
enim appellantur) ductas et directas uias, quae médio até as entradas do fígado (pois assim são
pertinent ad iecur eique adhaerent; atque inde aliae * * chamadas), vias condutoras e diretas, que se estendem
pertinentes sunt, per quas cadit cibus a iecore dilapsus. ao fígado e a ele se unem; e há outras que se estendem
Ab eo cibo cum est secreta bilis eique umores, qui e de lá, através das quais cai o alimento dissolvido pelo
renibus profunduntur, reliqua se in sanguinem uertunt fígado. Quando daquele alimento foi separada a bílis e
ad easdemque portas iecoris confluunt, ad quas omnes aqueles líquidos que são produzidos a partir dos rins,
eius uiae pertinent; per quas lapsus cibus in hoc ipso as outras se transformam em sangue e convergem para
loco in eam uenam, quae caua appellatur, confunditur as mesmas portas do fígado, às quais todas as suas vias
perque eam ad cor confectus iam coctusque perlabitur; se dirigem; através delas o alimento caído neste
a corde autem in totum corpus distribuitur per uenas mesmo lugar se espalha por aquela veia, que é
admodum multas in omnes partes corporis pertinentes. chamada de côncava, e através dela, já consumido e
digerido, chega ao coração; porém, pelo coração é
distribuído certamente para todo o corpo através de
muitas veias, que se estendem a todas as partes do
corpo.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 160

[138] Quemadmodum autem reliquiae cibi depellantur Como os restos do alimento, porém, são expulsos, ora
tum astringentibus se intestinis, tum relaxantibus, haud contraídos os intestinos, ora relaxados, certamente não
sane difficile dictu est, sed tamen praetereundum est, é difícil de dizer, no entanto deve ser omitido, para que
ne quid habeat iniucunditatis oratio. Illa potius o discurso não tenha algo de desagradável. Seja
explicetur incredibilis fabrica naturae: nam quae explicado de preferência aquele incrível artifício da
spiritu in pulmones anima ducitur, ea calescit primum natureza: pois o ânimo que é levado pela respiração
ipso ab spiritu, deinde contagione pulmonum, ex eaque aos pulmões, este primeiramente se torna quente pela
pars redditur respirando, pars concipitur cordis parte própria respiração, depois através do contato com os
quadam, quam uentriculum cordis appellant, cui pulmões, e parte dele é devolvida ao respirar, parte é
similis alter adiunctus est, in quem sanguis a iecore per recebida por alguma parte do coração, que chamam de
uenam illam cauam influit. Eoque modo ex is partibus ventrículo do coração, ao qual foi unido outro
et sanguis per uenas in omne corpus diffunditur et semelhante, no qual o sangue flui do fígado através
spiritus per arterias; utraeque autem crebrae multaeque daquela veia côncava. E deste modo, a partir daquelas
toto corpore intextae uim quandam incredibilem partes163, tanto o sangue é difundido através das veias
artificiosi operis diuinique testantur. em todo o corpo, quanto a respiração através das
artérias; porém, umas e outras, numerosas e muitas,
entrelaçadas em todo corpo, atestam uma potência
incrível de uma obra engenhosa e divina.

163
Ventrículos.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 161

[139] Quid dicam de ossibus; quae subiecta corpori O que dizer sobre os ossos; que, postos abaixo do
mirabiles commissuras habent et ad stabilitatem aptas corpo, têm maravilhosas junturas tanto aptas para a
et ad artus finiendos adcommodatas et ad motum et ad estabilidade quanto apropriadas para estabelecer as
omnem corporis actionem. Huc adde nervos, a quibus articulações, tanto para o movimento quanto para toda
artus continentur, eorumque inplicationem corpore toto ação do corpo. A isto junte os nervos, pelos quais as
pertinentem; qui sicut venae et arteriae a corde tractae articulações são contidas, e o seu entrelaçamento que
et profectae164 in corpus omne ducuntur. se estende por todo o corpo; os quais se estendem
como veias e artérias provenientes e derivadas do
coração para todo o corpo.

164
: “a corde tracti et profecti (...)”.
: “a corde tracti et profecti (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 162

[140] Ad hanc prouidentiam naturae tam diligentem A esta providência da natureza tão diligente e tão
tamque sollertem adiungi multa possunt, e quibus engenhosa podem se juntar muitas coisas a partir dos
intellegatur, quantae res hominibus a dis quamque quais se compreende quantas e quão exímias coisas
eximiae tributae sint. Qui primum eos humo excitatos, foram concedidas aos homens pelos deuses. Eles165
celsos et erectos constituerunt, ut deorum cognitionem primeiramente os166 criaram altos e eretos, levantados
caelum intuentes capere possent. Sunt enim ex terra da terra, para que, olhando atentamente o céu,
homines non ut incolae atque habitatores, sed quasi pudessem tomar conhecimento dos deuses. Pois os
spectatores superarum rerum atque caelestium, quarum homens são provenientes da terra não como habitantes
spectaculum ad nullum aliud genus animantium e moradores, mas quase espectadores das coisas
pertinet. Sensus autem interpretes ac nuntii rerum in superiores e celestes, cujo espetáculo a nenhum outro
capite tamquam in arce mirifice ad usus necessarios et gênero de seres animados se estende. Porém os
facti et conlocati sunt. Nam oculi tamquam sentidos, intérpretes e mensageiros das coisas, tanto
speculatores altissimum locum optinent, ex quo foram feitos, quanto colocados na cabeça, como se
plurima conspicientes fungantur suo munere; estivessem magnificamente sobre a parte mais alta de
uma cidade para os usos necessários. Pois os olhos
ocupam, como observadores, o lugar mais alto, de
onde observam muitas coisas, cumprem sua função;

165
Qui: deuses.
166
Eos: homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 163

[141] et aures, cum sonum percipere debeant, qui e as orelhas, como devem perceber o som, que pela
natura in sublime fertur, recte in altis corporum natureza é levado para o alto, justamente foram
partibus collocatae sunt; itemque nares et, quod omnis colocadas nas partes altas dos corpos; e também o
odor ad supera fertur, recte sursum sunt et, quod cibi et nariz, já que todo cheiro é levado para o alto,
potionis iudicium magnum earum est, non sine causa justamente estão no alto e, já que é importante o seu
uicinitatem oris secutae sunt. Iam gustatus, qui sentire julgamento de alimentos e de bebidas, não sem motivo
eorum, quibus uescimur, genera deberet, habitat in ea seguiram a vizinhança da boca. Já o paladar, que
parte oris, qua esculentis et posculentis iter natura deveria sentir os gêneros daquilo que comemos, tem
patefecit. Tactus autem toto corpore aequabiliter fusus lugar naquela parte da boca, na qual a natureza abriu
est, ut omnes ictus omnesque minimos et frigoris et um caminho aos alimentos e às bebidas. Porém o tato
caloris adpulsus sentire possimus. Atque ut in foi distribuído uniformemente por todo o corpo para
aedificiis architecti auertunt ab oculis naribusque que possamos sentir todos os golpes e todos os
dominorum ea, quae profluentia necessario taetri mínimos contatos, tanto de frio, quanto de calor. E
essent aliquid habitura, sic natura res similis procul como nos edifícios os arquitetos afastam dos olhos e
amandauit a sensibus. dos narizes dos donos aquelas coisas que
necessariamente haviam de ter algo de desagradável
em abundância, assim a natureza afastou coisas
semelhantes dos sentidos.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 164

[142] Quis uero opifex praeter naturam, qua nihil Qual artista certamente além da natureza, nada pode
potest esse callidius, tantam sollertiam persequi haver de mais hábil do que ela, teria podido dar aos
potuisset in sensibus? Quae primum oculos membranis sentidos tanta habilidade? A natureza168 primeiramente
tenuissimis uestiuit et saepsit; quas perlucidas fecit167, revestiu e cingiu os olhos com membranas muito
ut per eas cerni posset, firmas autem, ut continerentur. tênues, que fez transparentes, para que através delas se
Sed lubricos oculos fecit et mobiles, ut et declinarent, pudesse ver, porém fortes, para que se conservassem.
si quid noceret, et aspectum, quo uellent, facile Mas fez os olhos móveis e lúbricos para que tanto se
conuerterent; aciesque ipsa, qua cernimus, quae pupula afastem, se algo prejudicar, quanto facilmente vertam a
uocatur, ita parua est, ut ea, quae nocere possint, facile visão para o que quiserem; e a própria faculdade da
uitet; palpebraeque quae sunt tegmenta oculorum, visão com a qual vemos, que é chamada de pupila, é
mollissimae, tactune laederent aciem, aptissime factae assim pequena para que evite aquelas coisas que
et ad claudendas pupulas, ne quid incideret, et ad podem prejudicar; e as pálpebras, que são a cobertura
aperiendas, idque prouidit ut identidem fieri posset dos olhos, muito sensíveis, para que com o toque não
cum maxima celeritate. prejudiquem a visão, feitas muito convenientemente,
tanto para fechar as pupilas, para que não caia nada,
quanto para abrir, e previu isto para que possa se fazer
várias vezes com a máxima rapidez.

167
: “quas primum perlucidas fecit (...)”.
: “quas primum perlucidas fecit (...)”.
: “quas primum perlucidas fecit (...)”. 168
Quae.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 165

[143] Munitaeque sunt palpebrae tamquam uallo E as pálpebras foram munidas como de uma sequência
pilorum, quibus et apertis oculis, si quid incideret, de pelos, com os quais tanto com os olhos abertos, se
repelleretur, et somno coniuentibus, cum oculis ad algo caísse, repeliria, quanto com os olhos fechados
cernendum non egeremus, ut qui tamquam inuoluti pelo sono, quando não precisássemos dos olhos para
quiescerent169. Latent praeterea utiliter et excelsis ver, para que eles descançasem como se velados. Além
undique partibus saepiuntur. Primum enim superiora disso, estão escondidos utilmente e de todas as partes
superciliis obducta sudorem a capite et fronte são cercados por partes mais elevadas. Pois
defluentem repellunt; genae deinde ab inferiore parte primeiramente as partes superiores que estão acima do
tutantur subiectae leuiterque eminentes; nasusque ita supercílio repelem o suor da cabeça e da testa; depois
locatus est ut quasi murus oculis interiectus esse as bochechas, que estão abaixo e suavemente se
uideatur. elevam, protegem desde a parte inferior; e o nariz foi
assim colocado, de modo que pareça quase ser um
muro situado entre os olhos.

169
: “non egeremus, ut qui, tamquam inuoluti, quiescerent (...)”.
: “non egeremus, tamquam inuoluti quiescerent (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 166

[144] Auditus autem semper patet; eius enim sensu Porém o ouvido está sempre aberto, pois também
etiam dormientes egemus; a quo cum sonus est dormindo, precisamos de seu sentido, pelo qual,
acceptus, etiam e somno excitamur. Flexuosum iter quando um som é recebido, também somos
habet, ne quid intrare possit, si simplex et directum despertados do sono. Tem um percurso sinuoso, para
pateret; prouisum etiam, ut, si qua minima bestiola que nada possa entrar, se fosse aberto simples e direto;
conaretur inrumpere, in sordibus aurium tamquam in provido também para que, se algum pequeno animal
uisco inhaeresceret. Extra autem eminent, quae tentasse entrar, se fixasse nas ceras dos ouvidos como
appellantur aures, et regendi causa factae tutandique em um visgo. Porém fora se elevam aquelas que são
sensus, et ne adiectae uoces laberentur atque errarent, chamadas de orelhas, feitas tanto para reger e proteger
prius quam sensus ab his pulsus esset. Sed duros et os sentidos, quanto para que os sons lançados não se
quasi corneolos habent introitus multisque cum dispersem e nem se afastem antes que o sentido tenha
flexibus, quod his naturis relatus amplificatur sonus; sido alcançado por eles. Mas têm aberturas duras e
quocirca et in fidibus testudine resonatur aut cornu, et quase como chifres e com muitas curvas, pois com esta
ex tortuosis locis et inclusis referuntur170 ampliores. natureza, o som trazido é amplificado; porque tanto
nas liras, no casco de tartaruga ou no chifre ressoa,
quanto em lugares sinuosos e fechados, os sons se
reproduzem171 mais amplos.

170
γ: soni referuntur. 171
Soni referuntur, conforme γ.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 167

[145] Similiter nares, quae semper propter necessarias Similarmente as narinas, que sempre estão abertas por
utilitates patent, contractiores habent introitus, ne quid causa das necessárias utilidades, têm aberturas muito
in eas, quod noceat, possit peruadere; umoremque estreitas, para que nada, que prejudique, possa penetrar
semper habent ad puluerem multaque alia depellenda nelas; e têm sempre uma umidade útil para expulsar a
non inutilem. Gustatus praeclare saeptus est; ore enim poeira e muitas outras coisas. O paladar foi
continetur et ad usum apte et ad incolumitatis nitidamente cercado, pois é mantido na boca, tanto
custodiam. Omnesque sensus hominum multo para o uso de modo apropriado, quanto para a proteção
antecellunt sensibus bestiarum. Primum enim oculi in da conservação. E todos os sentidos dos homens
his artibus, quarum iudicium est oculorum, in pictis, superam em muito os sentidos dos animais.
fictis caelatisque formis, in corporum etiam motione Primeiramente, pois, os olhos nestas artes cujo juízo é
atque gestu multa cernunt subtilius; colorum etiam et próprio dos olhos, nas formas pintadas, esculpidas e
figurarum tum uenustatem atque ordinem et, ut ita gravadas, também no movimento e gesto dos corpos,
dicam, decentiam oculi iudicant, atque etiam alia distinguem muitas coisas mais sutis; os olhos também
maiora: nam et uirtutes et uitia cognoscunt, iratum, julgam tanto a beleza e a ordem das cores e das figuras
propitium, laetantem, dolentem, fortem, ignauum, quanto, por assim dizer, a formosura, mas também
audacem timidumque cognoscunt. outras coisas mais importantes, pois reconhecem tanto
as virtudes quanto os vícios, reconhecem o irado e o
propício, o que se alegra, o que se aflige, o forte, o
preguiçoso, o audaz e o tímido.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 168

[146] Auriumque item est admirabile quoddam E do mesmo modo é próprio dos ouvidos um
artificiosumque iudicium, quo iudicatur et in uocis et admirável e artificioso juízo, com o qual se julga tanto
in tibiarum neruorumque cantibus uarietas sonorum, nos cantos de vozes quanto nos de flautas e de cordas a
interualla, distinctio, et uocis genera permulta, variedade dos sons, os intervalos, a separação e muitos
canorum, fuscum, leue, asperum, graue, acutum, tipos de vozes, o harmonioso, o velado, o ligeiro, o
flexibile, durum, quae hominum solum auribus áspero, o grave, o agudo, o flexível, o duro, o que é
iudicantur. Nariumque item et gustandi et *parte julgado apenas pelos ouvidos dos homens. E do
tangendi172 magna iudicia sunt. Ad quos sensus mesmo modo são próprios dos narizes importantes
capiendos et perfruendos plures etiam, quam uellem, juízos, tanto para gostar, quanto igualmente173 para
artes repertae sunt; perspicuum est enim, quo tocar. Para alcançar e gozar daqueles sentidos, muitas
conpositiones unguentorum, quo ciborum conditiones, artes também, mais do que eu desejaria, foram
quo corporum lenocinia processerint. descobertas; é, pois, evidente para produzir as
composições dos perfumes, para as preparações dos
alimentos, para os enfeites dos corpos.

172
γ: et gustandi pariter et tangendi. 173
Pariter, conforme γ.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 169

[147] Iam uero animum ipsum mentemque hominis, Já, na verdade, aquele que não percebe que a própria
rationem, consilium, prudentiam qui non diuina cura alma e a mente, a razão, o conselho, a prudência do
perfecta esse perspicit, is his ipsis rebus mihi uidetur homem foram criados pelo cuidado divino, este me
carere. De quo dum disputarem, tuam mihi dari parece ser privado destas mesmas coisas. Enquanto
uellem, Cotta, eloquentiam. Quo enim tu illa modo discutia sobre isto, queria que a tua eloquência me
diceres, quanta primum intellegentia, deinde fosse dada, Cota. Pois deste modo tu dirias isto,
consequentium rerum cum primis coniunctio et primeiramente quanta compreensão, depois união e
conprehensio esset in nobis; ex quo uidelicet percepção dos argumentos que se seguem desde o
iudicamus, quid ex quibusque rebus efficiatur, idque início; a partir disso certamente julgamos o que se
ratione concludimus singulasque res definimus demonstra a partir de cada coisa, e concluímos isto
circumscripteque conplectimur, ex quo scientia com razão, e definimos cada argumento, e abraçamos
intellegitur, quam uim habeat qualis[que] sit; qua ne in de modo preciso; a partir disto se compreende a
deo quidem est res ulla praestantior. Quanta uero illa ciência, quanta força tenha e qual seja; nem mesmo em
sunt, quae uos Academici infirmatis et tollitis, quod et um deus há alguma coisa melhor do que ela. Quantas
sensibus et animo ea, quae extra sunt, percipimus são certamente aquelas coisas que vós, acadêmicos,
atque conprendimus; refutais e destruis, porque tanto com os sentidos,
quanto com a alma percebemos e compreendemos
aquelas coisas que estão fora;

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 170

[148] ex quibus conlatis inter se et conparatis artes do que reunis e comparais entre si, criamos também
quoque efficimus partim ad usum uitae, partim ad artes necessárias em parte para o uso da vida, em parte
oblectationem necessarias. Iam uero domina rerum, ut para a distração. Já, certamente, a força de falar,
uos soletis dicere, eloquendi uis, quam est praeclara senhora das coisas, como vós costumais dizer, quanto
quamque diuina. Quae primum efficit, ut et ea, quae é ilustre e quanto é divina. Ela174 primeiramente faz
ignoramus, discere et ea, quae scimus, alios docere com que possamos, tanto aprender aquilo que
possimus; deinde hac cohortamur, hac persuademus, ignoramos, quanto ensinar aos outros aquilo que
hac consolamur adflictos, hac deducimus perterritos a sabemos; depois com ela exortamos, com ela
timore, hac gestientes conprimimus, hac cupiditates persuadimos, com ela consolamos os aflitos, com ela
iracundiasque restinguimus; haec nos iuris, legum, retiramos do temor os que se apavoram, com ela
urbium societate deuinxit, haec a uita inmani et fera contemos os que gesticulam violentamente, com ela
segregauit. extinguimos as paixões e as iras; ela175 nos tem unido
em relação à justiça, às leis, às cidades em sociedade,
ela tem afastado de uma vida cruel e feroz.

174
Quae.
175
Haec.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 171

[149] Ad usum autem orationis incredibile est, nisi Porém para o uso do discurso é incrível, a não ser que
diligenter adtenderis176, quanta opera machinata natura tenhas prestado atenção diligentemente, quantas obras
sit. Primum enim a pulmonibus arteria usque ad os a natureza executou. Primeiramente, pois, a traqueia-
intimum pertinet, per quam uox principium a mente artéria dos pulmões se estende até o interior da boca,
ducens percipitur et funditur. Deinde in ore sita lingua através desta177 a voz, trazendo um princípio a partir
est finita dentibus; ea uocem inmoderate profusam da mente, é percebida e se difunde. Depois, na boca foi
fingit et terminat atque sonos uocis distinctos et colocada a língua delimitada pelos dentes; ela178 molda
pressos efficit, cum et dentes et alias partes pellit oris; e delimita a voz profusa sem ordem e produz os sons
itaque plectri similem linguam nostri solent dicere, da voz distintos e precisos, quando tanto os dentes
chordarum dentes, nares cornibus his, quae ad neruos quanto outras partes da boca toca; desta maneira os
resonant in cantibus. nossos costumam dizer que a língua é semelhante ao
plectro179, os dentes às cordas, os narizes àqueles
chifres que nos cantos ressoam diante das cordas.

176
: “nisi diligenter adtenderis (...)”. 177
Quam.
: “nisi diligenter attenderis (...)”. 178
Ea: língua.
: “si diligenter attenderis (...)”. 179
Plectrum: vara de marfim com que se tocava a lira.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 172

[150] Quam uero aptas quamque multarum artium Certamente a natureza tem dado ao homem mãos tão
ministras manus natura homini dedit. Digitorum enim aptas e tão servidoras de muitas artes. Pois a fácil
contractio facilis facilisque porrectio propter molles contração e a fácil extensão dos dedos graças às moles
commissuras et artus nullo in motu laborat. Itaque ad junturas e às articulações não se esforça em
pingendum, fingendum180, ad scalpendum, ad movimento algum. Assim, com o movimento dos
neruorum eliciendos sonos, ad tibiarum181 apta manus dedos, a mão está apta para pintar, modelar, para
est admotione digitorum. Atque haec oblectationis, illa esculpir, para tirar sons de cordas e de flautas182. E isto
necessitatis, cultus dico agrorum extructionesque é para a distração, aquilo para a necessidade, digo o
tectorum, tegumenta corporum uel texta uel suta cultivo dos campos e as construções de casas, as
omnemque fabricam aeris et ferri; ex quo intellegitur coberturas dos corpos, ou os tecidos, ou as costuras, e
ad inuenta animo percepta sensibus adhibitis opificum toda a fabricação de bronze e de ferro; a partir disso se
manibus omnia nos consecutos, ut tecti, ut uestiti, ut compreende que, para as coisas criadas pela alma,
salui esse possemus, urbes, muros, domicilia, delubra percebidas pelos sentidos, usadas as mãos dos artífices,
haberemus. nós alcançamos tudo, podemos tanto ser cobertos,
quanto vestidos, como salvos, temos cidades, muros,
domicílios, templos.

180
γ: ad fingendum.
181
γ: ac tibiarum. 182
Ac tibiarum, conforme γ.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 173

[151] Iam uero operibus hominum id est manibus cibi Já, certamente, com os trabalhos dos homens, isto é,
etiam uarietas inuenitur et copia. Nam et agri multa com as mãos, também é criada variedade e abundância
efferunt manu quaesita, quae uel statim consumantur de alimentos. Pois também os campos produzem
uel mandentur condita uetustati, et praeterea uescimur muitas coisas colhidas com as mãos, que ou
bestiis et terrenis et aquatilibus et uolantibus partim imediatamente se consomem ou se mastigam, tendo-se
capiendo, partim alendo. Efficimus etiam domitu conservado por longo tempo, e além disso nos
nostro quadripedum uectiones, quorum celeritas atque nutrimos de animais, tanto terrestres, quanto aquáticos,
uis nobis ipsis adfert uim et celeritatem. Nos onera como que voam, parte caçando, parte criando. Com
quibusdam bestiis, nos iuga inponimus; nos nossa domesticação, realizamos também os transportes
elephantorum acutissumis sensibus, nos sagacitate com quadrúpedes, cuja rapidez e força dá força e
canum ad utilitatem nostram abutimur; nos e terrae rapidez para nós mesmos. Nós pomos os pesos, os
cauernis ferrum elicimus, rem ad colendos agros jugos em alguns animais; nós usamos dos perspicazes
necessariam, nos aeris, argenti, auri uenas penitus sentidos dos elefantes, da sagacidade dos cães para
abditas inuenimus et ad usum aptas et ad ornatum nossa utilidade; nós extraímos o ferro das aberturas da
decoras. Arborum autem confectione omnique materia terra, coisa necessária para cultivar os campos, nós
et culta et siluestri partim ad calficiendum corpus igni descobrimos veios plenamente cheios de bronze, de
adhibito et ad mitigandum cibum utimur, partim ad prata, de ouro, tanto para o uso quanto para decoração.
aedificandum, ut tectis saepti frigora caloresque Porém nos servimos do corte das árvores e de toda
pellamus. madeira tanto cultivada quanto silvestre, parte para
aquecer o corpo, usando o fogo, e para aquecer o
alimento, parte para construir para que, protegidos
pelos tetos, afastemos o frio e o calor.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 174

[152] Magnos uero usus adfert ad nauigia facienda, Certamente traz grandes utilidades para construir
quorum cursibus subpeditantur omnes undique ad navios, com cujas navegações são fornecidos de todas
uitam copiae. Quasque res uiolentissimas natura as partes todos os recursos para a vida. E nós sozinhos
genuit, earum moderationem nos soli habemus, maris temos o comando daquelas coisas, mares e ventos, que
atque uentorum, propter nauticarum rerum scientiam, a natureza criou muito violentas e – graças ao
plurimisque maritimis rebus fruimur atque utimur. conhecimento das coisas náuticas – usufruímos e
Terrenorum item commodorum omnis est in homine usamos de muitas coisas marítimas. Todo o domínio
dominatus: nos campis, nos montibus fruimur, nostri das comodidades terrestres há também para o homem:
sunt amnes, nostri lacus, nos fruges serimus, nos nós usufruímos dos campos, nós usufruímos dos
arbores; nos aquarum inductionibus terris fecunditatem montes, nossos são os rios, nossos os lagos, nós
damus, nos flumina arcemus, derigimus, auertimus; semeamos os grãos, nós semeamos as árvores; nós
nostris denique manibus in rerum natura quasi alteram damos fecundidade a terras com a indução de águas,
naturam efficere conamur. nós retemos, dirigimos, desviamos os rios; enfim com
as nossas mãos tentamos quase criar outra natureza na
natureza das coisas.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 175

[153] Quid uero hominum ratio non in caelum usque Por que a razão dos homens não penetrou ainda até o
penetrauit? Soli enim ex animantibus nos astrorum céu? Pois dos seres animados só nós conhecemos o
ortus, obitus cursusque cognouimus, ab hominum nascimento, a morte e o curso dos astros, pelo gênero
genere finitus est dies, mensis, annus, defectiones solis dos humano foi determinado o dia, o mês, o ano, os
et lunae cognitae praedictaeque in omne posterum eclipses do Sol e da Lua, conhecidos e previstos por
tempus, quae, quantae, quando futurae sint. Quae todo tempo vindouro, quais, quantos, quando haverão
contuens animus accedit ad cognitionem deorum, e de ocorrer. Examinando isso, a alma chega ao
qua oritur pietas, cui coniuncta iustitia est reliquaeque conhecimento dos deuses, a partir do qual surge a
uirtutes, e quibus uita beata exsistit par et similis pietas que está unida à justiça e a outras virtudes, a
deorum, nulla alia re nisi immortalitate, quae nihil ad partir das quais a vida beata existe igual e semelhante à
bene uiuendum pertinet, cedens caelestibus. Quibus dos deuses, em nenhuma outra coisa a não ser na
rebus expositis satis docuisse uideor, hominis natura imortalidade, a que nada chega para se viver bem,
quanto omnis anteiret animantes. Ex quo debet chegando às coisas celestes. Tendo exposto tais coisas,
intellegi nec figuram situmque membrorum nec ingenii pareço ter demonstrado suficientemente quanto a
mentisque uim talem effici potuisse fortuna. natureza do homem ultrapassa todos os seres
animados. A partir disso deve-se compreender que
nem a forma e a posição dos membros nem tal força de
inteligência e da mente podem ter sido criadas pelo
acaso.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 176

[154] Restat, ut doceam atque aliquando perorem Resta que ensine e finalmente conclua que todas as
omnia, quae sint in hoc mundo, quibus utantur coisas que existem neste mundo, das quais os homens
homines, hominum causa facta esse et parata. Principio se servem, tenham sido feitas e preparadas por causa
ipse mundus deorum hominumque causa factus est, dos homens. No início o próprio mundo foi feito por
quaeque in eo sunt, ea parata ad fructum hominum et causa dos deuses e dos homens, e aquelas coisas, que
inuenta sunt. Est enim mundus quasi communis estão nele, foram preparadas e inventadas para o
deorum atque hominum domus aut urbs utrorumque; proveito dos homens. Pois o mundo é por assim dizer a
soli enim ratione utentes iure ac lege uiuunt. Vt igitur morada comum dos deuses e dos homens ou a cidade
Athenas et Lacedaemonem Atheniensium de ambos; pois nós somos os únicos, que se servem da
Lacedaemoniorumque causa putandum est conditas razão, vivem segundo o direito e a lei. Como então se
esse omniaque, quae sint in his urbibus eorum deve pensar que Atenas e a Lacedemônia foram
populorum recte esse dicuntur, sic, quaecumque sunt fundadas por causa dos atenienses e dos lacedemônios,
in omni mundo, deorum atque hominum putanda sunt. e tudo que existe naquelas cidades, dizem seguramente
que são daqueles povos, assim qualquer coisa que
exista em todo o mundo deve ser considerada dos
deuses e dos homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 177

[155] Iam uero circumitus solis et lunae reliquorumque Já certamente as órbitas do Sol, e da Lua, e dos outros
siderum, quamquam etiam ad mundi cohaerentiam astros, ainda que sejam úteis também para a conexão
pertinent, tamen et spectaculum hominibus praebent; do mundo, todavia oferecem também um espetáculo
nulla est enim insatiabilior species, nulla pulchrior et aos homens; pois nenhuma aparência é mais
ad rationem sollertiamque praestantior; eorum enim insaciável, nenhuma é mais bela e mais extraordinária
cursus dimetati maturitates temporum et uarietates para a razão e para o engenho; pois conhecemos o
mutationesque cognouimus. Quae si hominibus solis curso regulado deles, as ordens e as variedades e as
nota sunt, hominum facta esse causa iudicandum est. mudanças das estações. Isso, se foi notado só pelos
homens, deve-se julgar que tenha sido feito por causa
dos homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 178

[156] Terra uero feta frugibus et uario leguminum A terra certamente, cheia de frutos e de vários gêneros
genere, quae cum maxuma largitate fundit, ea de legumes, a qual produz com a máxima
ferarumne an hominum causa gignere uidetur? Quid de generosidade, parece os produzir por causa dos
uitibus oliuetisque dicam, quarum uberrumi animais ou por causa dos homens? O que dizer sobre
laetissumique fructus nihil omnino ad bestias as videiras e sobre os olivais, cujos frutos muito
pertinent; neque enim serendi neque colendi nec abundantes e venturosos absolutamente em nada são
tempestiue demetendi percipiendique fructus neque covenientes aos animais; pois não há nenhum
condendi ac reponendi ulla pecudum scientia est, conhecimento nos animais para semear nem cultivar
earumque omnium rerum hominum est et usus et cura. nem colher oportunamente, nem para recolher os
frutos, nem para guardar e reservar, tanto o uso quanto
a administração de todas aquelas coisas é dos homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 179

[157] Vt fides igitur et tibias eorum causa factas Como, então, deve-se dizer que a cítara e as flautas
dicendum est, qui illis uti possent, sic ea, quae dixi, is foram feitas por causa daqueles que podem fazer uso
solis confitendum est esse parata, qui utuntur, nec, si delas, assim deve-se reconhecer que o que eu disse foi
quae bestiae furantur aliquid ex is aut rapiunt, illarum preparado apenas para aqueles que fazem uso, se tais
quoque causa ea nata esse dicemus. Neque enim animais roubam algo deles ou furtam, não diremos que
homines murum aut formicarum causa frumentum aquilo foi gerado também por causa deles. Pois nem os
condunt, sed coniugum et liberorum et familiarum homens guardam os cereais por causa dos ratos ou das
suarum; itaque bestiae furtim ut dixi, fruuntur, domini formigas, mas dos cônjuges, e dos filhos, e dos seus
palam et libere; familares; assim, como eu disse, os animais usufruem
furtivamente, os senhores clara e abertamente;

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 180

[158] hominum igitur causa eas rerum copias então se deve confessar que aquelas abundâncias de
comparatas fatendum est. Nisi forte tanta ubertas coisas foram reunidas por causa dos homens. A não ser
uarietasque pomorum eorumque iucundus non gustatus que, por acaso, tanta riqueza e variedade de frutos, e
solum, sed odoratus etiam et aspectus dubitationem não só o seu agradável sabor, mas também o odor e o
adfert, quin hominibus solis ea natura donauerit. aspecto, trazem a dúvida de que a natureza tenha dado
Tantumque abest, ut haec bestiarum etiam causa parata aquelas coisas apenas aos homens. E tanta coisa
sint, ut ipsas bestias hominum gratia generatas esse afasta-se de que isto tenho sido preparado também por
uideamus. Quid enim oues aliud adferunt, nisi ut causa dos animais, pois vemos que os próprios animais
earum uillis confectis atque contextis homines foram gerados por causa dos homens. Que outra coisa,
uestiantur; quae quidem neque ali neque sustentari pois, produzem as ovelhas a não ser para os homens se
neque ullum fructum edere ex se sine cultu hominum vestirem com suas peles preparadas e entrelaçadas;
et curatione potuissent. Canum uero tam fida custodia elas certamente nem poderiam se nutrir, nem se
tamque amans dominorum adulatio tantumque odium sustentar, nem comer nenhum fruto de si mesma, sem
in externos et tam incredibilis ad inuestigandum o cultivo e o cuidado dos homens. Certamente tão fiel
sagacitas narium, tanta alacritas in uenando quid proteção dos cães e tão amorosa adulação dos donos, e
significat aliud, nisi se ad hominum commoditates esse tamanha aversão aos estrangeiros, e tão incrível
generatos. agudeza do olfato para investigar, tamanha vivacidade
para caçar, que outra coisa revela, senão que tenham
sido criados para a comodidade dos homens.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 181

[159] Quid de bubus loquar; quorum ipsa terga O que dizer dos bois, cujos próprios dorsos mostram
declarant non esse se ad onus accipiendum figurata, que eles não foram concebidos para receber uma carga,
ceruices autem natae ad iugum, tum uires umerorum et porém os pescoços foram criados para o jugo, então a
latitudines ad aratra * extrahenda. Quibus cum terrae força e a largura dos ombros para levar os arados. Com
subigerentur fissione glebarum, ab illo aureo genere, ut os quais, quando as terras foram submetidas através do
poetae loquuntur, uis nulla umquam adferebatur: cultivo dos solos por aquela raça de ouro, nunca era
‘Ferrea tum uero proles exorta repentest feita nenhuma força, como dizem os poetas:
ausaque funestum primast fabricarier183 ensem ‘Então, certamente, de repente surgiu uma prole férrea
et gustare manu iunctum domitumque iuuencum184’: e ousou primeiramente fabricar a funesta espada
tanta putabatur utilitas percipi e bubus, ut eorum e provar um jovem touro atado e domado pela mão’.
uisceribus uesci scelus haberetur. Longum est Tanta utilidade se pensava receber dos bois, de modo
mulorum persequi utilitates et asinorum, quae certe ad que era considerado crime se alimentar de suas
hominum usum paratae sunt. vísceras. É longo enumerar as utilidades das mulas e
dos asnos, que certamente foram preparados para o uso
dos homens.

183
As edições latinas usam a forma fabricarier para traduzir o
verbo grego ἐχαλκεύσαντο: forjaram, fabricaram.
184
Versos transcritos do poema Φαινόμενα,de Arato.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 182

[160] Sus uero quid habet praeter escam; cui quidem, O que verdadeiramente tem o porco além do alimento;
ne putesceret, animam ipsam pro sale datam dicit esse a ele certamente Crisipo diz que a própria alma foi
Chrysippus; qua pecude, quod erat ad uescendum dada por causa do sal para que não se estragasse; a
hominibus apta, nihil genuit natura fecundius. Quid natureza não produziu nada de mais fecundo do que
multitudinem suauitatemque piscium dicam, quid este animal, pois fora preparado para alimentar os
auium; ex quibus tanta percipitur uoluptas, ut interdum homens. O que dizer da quantidade e do sabor
Pronoea nostra Epicurea fuisse uideatur, atque eae ne agradável dos peixes, o que dizer das aves; deles se
caperentur quidem nisi hominum ratione atque retira tanto prazer que algumas vezes a nossa Pronoia
sollertia; quamquam auis quasdam, et alites et oscines, parece ter-se tornado Epicurista, e estas coisas nem
ut nostri augures appellant, rerum augurandarum causa sequer seriam alcançadas senão com a razão e a
esse natas putamus. habilidade dos homens; ainda que julguemos que
algumas aves, tanto aladas quanto óscens185, como os
nossos áugures chamam, tenham sido criadas por
causa das coisas dos augúrios.

185
Aves cujo canto servia de presságio.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 183

[161] Iam uero immanes et feras beluas nanciscimur Já, certamente, encontramos caçando os terríveis e
uenando, ut et uescamur is et exerceamur in uenando ferozes animais para que tanto nos alimentemos deles,
ad similitudinem bellicae disciplinae et utamur domitis quanto nos exercitemos na caça à semelhança da arte
et condocefactis, ut elephantis, multaque ex earum bélica, como usemos dos domesticados e adestrados,
corporibus remedia morbis et uulneribus eligamus, como os elefantes, e tiremos de seus corpos muitos
sicut ex quibusdam stirpibus et herbis, quarum remédios para as doenças e feridas, como de algumas
utilitates longinqui temporis usu et periclitatione raízes e ervas cujas utilidades conhecemos com o uso e
percepimus. Totam licet animis tamquam oculis com a experiência de um longo tempo. É possível
lustrare terram mariaque omnia: cernes iam spatia examinar toda a terra e todos os mares com os ânimos
frugifera atque immensa camporum uestitusque como com os olhos: verás já os férteis e imensos
densissimos montium, pecudum pastus, tum incredibili espaços dos campos e os muito densos revestimentos
cursus maritimos celeritate. dos montes, os pastos dos animais, além disso, os
cursos marítimos de incrível rapidez.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 184

[162] Nec uero supra terram, sed etiam in intumis eius Na verdade não só sobre a terra, mas também nas suas
tenebris plurimarum rerum latet utilitas, quae ad usum mais profundas trevas se enconde a utilidade de muitas
hominum orta ab hominibus solis inuenitur. Illud uero, coisas que, criada para uso dos homens, é descoberta
quod uterque uestrum arripiet fortasse ad pelos homens. Isso certamente que cada um dos vós
reprendendum, Cotta, quia Carneades lubenter in talvez atacará para repreender: Cota, porque Carneade
Stoicos inuehebatur, Velleius, quia nihil tam inridet com prazer se lançava contra os estoicos; Veleio,
Epicurus quam praedictionem rerum futurarum, mihi porque Epicuro não ri de nada tanto quanto da
uidetur uel maxume confirmare deorum prudentia186 predição das coisas futuras; parece-me confirmar o
consuli rebus humanis. Est enim profecto diuinatio, máximo possível que através da prundência dos deuses
quae multis locis, rebus, temporibus apparet cum in se cuida das coisas humanas. Há, pois, certamente uma
priuatis rebus, tum maxume in publicis: divinação que em muitos lugares, coisas, tempos,
mostra-se tanto nas coisas privadas quanto, sobretudo,
nas públicas:

186
: “deorum prouidentia (...)”.
: “deorum prouidentia (...)”.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 185

[163] multa cernunt haruspices, multa augures muitas coisas veem os arúspices, muitas preveem os
prouident, multa oraclis declarantur, multa áugures, muitas são declaradas pelos oráculos, muitas
uaticinationibus, multa somniis, multa portentis; por vaticínios, muitas por sonhos, muitas por
quibus cognitis multae saepe res [ex] hominum presságios; conhecido isso187, muitas coisas criadas188
sententia atque utilitate partae, multa etiam pericula sempre foram afastadas dos homens pela opinião e
depulsa sunt. Haec igitur siue uis siue ars siue natura pela utilidade, também muitos perigos. Então ou esta
ad scientiam rerum futurarum homini profecto est nec força, ou a arte, ou a natureza para a ciência das coisas
ali cuiquam a dis inmortalibus data. Quae si singula futuras certamente foi dada ao homem, não a algum
uos forte non mouent, uniuersa certe tamen inter se outro, pelos deuses imortais. Cada uma destas coisas
conexa atque coniuncta mouere debebant. se por acaso não vos move, porém certamente deviam
mover tudo ligado e unido entre si.

187
Quibus cognitis.
188
Partae.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 186

[164] Nec uero uniuerso generi hominum solum, sed Certamente não só a todo o gênero humano, mas
etiam singulis a dis immortalibus consuli et prouideri também a cada um costuma ser cuidado e provido
solet. Licet enim contrahere uniuersitatem generis pelos deuses imortais. Pois é possível reunir a
humani eamque gradatim ad pauciores, postremo totalidade do gênero humano e diminuí-la
deducere ad singulos. Nam si omnibus hominibus, qui gradativamente a um pequeno número, finalmente a
ubique sunt quacumque in ora ac parte terrarum ab um só. Pois se a todos os homens que estão por toda
huiusce terrae, quam nos incolimus, continuatione parte, em qualquer região e em parte das terras
distantium, deos consulere censemus ob has causas, distantes das redondezas desta terra, que nós
quas ante diximus, his quoque hominibus consulunt, habitamos, pensamos que os deuses cuidam destas
qui has nobiscum terras ab oriente ad occidentem causas, que dissemos antes, cuidam também destes
colunt. homens, que habitam conosco estas terras do oriente
ao ocidente.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 187

[165] Sin autem consulunt, qui quasi magnam Mas se cuidam, aqueles que habitam, por assim dizer,
quandam insulam incolunt, quam nos orbem terrae uma grande ilha que nós chamamos de globo terrestre,
uocamus, etiam illis consulunt, qui partes eius insulae cuidam também daqueles que têm partes daquela ilha:
tenent, Europam, Asiam, Africam. Ergo et earum Europa, Ásia, África. Então, estimam tanto as suas
partes diligunt, ut Romam, Athenas, Spartam, partes como Roma, Atenas, Esparta, Rodes, quanto
Rhodum, et earum urbium separatim ab uniuersis estimam geralmente cada um daquelas cidades sem
singulos diligunt, ut Pyrrhi bello Curium, Fabricium, exceção, como na guerra de Pirro: Cúrio, Fabrício,
Coruncanium, primo Punico Calatinum, Duellium, Coruncânio; na primeira guerra Púnica: Calatino,
Metellum, Lutatium, secundo Maxumum, Marcellum, Duélio, Metelo, Lutácio; na segunda: Máximo;
Africanum, post hos Paulum, Gracchum, Catonem, Marcelo, o Africano; depois destes: Paulo, Graco,
patrumue memoria Scipionem, Laelium; multosque Catão; ou na memória dos pais: Cipião, Laélio; além
praeterea et nostra ciuitas et Graecia tulit singulares disso, tanto a nossa cidade, quanto a Grécia trouxe
uiros, quorum neminem nisi iuuante deo talem fuisse muitos homens extraordinários, nenhum deles deve se
credendum est. julgar ter sido tão importante, exceto o ajudando um
deus.

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[166] Quae ratio poetas maxumeque Homerum inpulit, Tal razão induziu os poetas e, sobretudo, Homero, a
ut principibus heroum, Vlixi, Diomedi, Agamemnoni, que juntasse aos principais dos heróis, Ulisses,
Achilli certos deos discriminum et periculorum Diomedes, Agamêmnon, Aquiles, certos deuses
comites adiungeret. Praeterea ipsorum deorum saepe companheiros de riscos e de perigos. Além disso,
praesentiae, quales supra commemoraui, declarant ab sempre as presenças dos próprios deuses, tais como
is et [in] ciuitatibus189 et singulis hominibus consuli; falei acima, declaram que por eles se cuida tanto das
quod quidem intellegitur etiam significationibus rerum cidades190 quanto de cada homem; o que certamente se
futurarum, quae tum dormientibus, tum uigilantibus compreende também sobre os sinais das coisas futuras,
portenduntur; multa praeterea ostentis, multa in extis que são anunciadas, ora aos que dormem, ora aos que
admonemur multisque rebus aliis, quas diuturnus usus estão acordados; além disso, muitas coisas por
ita notauit, ut artem diuinationis efficeret. presságios, muitas nas vísceras e somos aconselhados
por muitas outras coisas, que o uso contínuo assim tem
mostrado, de modo que se criasse a arte da divinação.

189
γ: et ciuitatibus. 190
Conforme γ.

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[167] Nemo igitur uir magnus sine aliquo adflatu Então ninguém nunca foi um grande homem sem
diuino umquam fuit. Nec uero ita refellendum est, ut, alguma inspiração divina. Nem certamente deve ser
si segetibus aut uinetis cuiuspiam tempestas nocuerit refutado assim, como se uma tempestade prejudicasse
aut si quid e uitae commodis casus abstulerit, eum, cui a terra semeada ou os vinhedos de alguém, ou se o
quid horum acciderit, aut inuisum deo aut neglectum a acaso tirasse algo da comodidade da vida, julguemos
deo iudicemus. Magna di curant, parua neglegunt. aquele191, a quem uma dessas coisas ocorreu, ou foi
Magnis autem uiris prosperae semper omnes res, desagradável ao deus, ou abandonado pelo deus. Os
siquidem satis a nostris et a principe philosophiae deuses cuidam das grandes coisas, abandonam as
Socrate dictum est de ubertatibus uirtutis et copiis. pequenas. Porém aos grandes homens sempre todas as
coisas são prósperas, visto que satisfatoriamente foi
dito pelos nossos e pelo príncipe192 da filosofia
Sócrates sobre o proveito da virtude e sobre a
abundância.

191
Eum.
192
Princeps: o que vem à frente, o primeiro, o mais importante.

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[168] Haec mihi fere in mentem ueniebant, quae Chegavam-me à mente geralmente aquelas coisas que
dicenda putarem de natura deorum. Tu autem, Cotta, si eu pensava que devem ser ditas sobre a natureza dos
me audias, eandem causam agas teque et principem deuses. Porém tu, Cota, se me ouves, defende o mesmo
ciuem et pontificem esse cogites et, quoniam in argumento e pensa que tu és tanto um importante
utramque partem uobis licet disputare, hanc potius cidadão quanto um pontífice como, já que vos é
sumas eamque facultatem disserendi, quam tibi a permitido discutir ambas as partes, assume de
rhetoricis exercitationibus acceptam amplificauit preferência esta e aquela faculdade de discutir que,
Academia, potius huc conferas. Mala enim et impia recebida por ti de exercícios retóricos, a Acadêmia
consuetudo est contra deos disputandi, siue ex animo ampliou, traze aqui apressadamente. Há, pois, um
id fit siue simulate.” hábito mal e ímpio de discorrer contra os deuses, o que
se faz ou verdadeira ou dissimuladamente.”

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 191

Das Constelações193

193
Imagens retiradas de Uranografia, vide Referências.

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D a N a t u r e z a d o s D e u s e s I I ( D e N a t u r a D e o r u m – L i b e r I I ) | 192

Referências

Cicero, M. Tullius. De Natura Deorum. O. Plasberg. Leipzig. Teubner. 1917.


Cicerone. La Natura Divina; a cura de Cesare Marco Calcante, texto latino a fronte. 6.ed. Milano: BUR, 2007.
M. Tulli Ciceronis. De Natura Deorum, Libri Tres; cum notis integris Paulli Manucii, Petri Victorii, Joachimi
Camerarii et alii. Editio secunda. Cantabrigiae: typis academicis, MDCCXXIII.
M. Tullio Cicerone. De Natura Deorum; texto, costruzione versione letterale e note. 3.ed. Roma: Società Editrice
Dante Alighieri, 1984.
Mourão, Ronaldo Rogério de Freitas. Uranografia: descrição do céu com mapas e desenhos do autor. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1989.

ISBN 978-85-463-0295-6 SUMÁRIO

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