Você está na página 1de 6

CASO FAMÍLIA MARIA VS.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE EQUISTE

I. CONTEXTO HISTÓRICO DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE EQUISTE

1. A República Democrática de Equiste é um Estado Democrático com mais de 80


milhões de habitantes. Situado na América do Sul, Equiste faz divisa ao norte com a
República Mondalente, ao leste com o Estado Monarca de Lismonte, ao sul com os
Estados Unidos do Pantanal, tendo à oeste um extenso litoral.
2. O litoral da República de Equiste atrai turistas todos os anos devido à riqueza única de
fauna e flora, águas cristalinas, ambiente favorável aos animais, sendo a maior reserva
de natureza e água doce da América do Sul.
3. O Estado de Equiste ratificou a Convenção de Direitos Humanos e todos os demais
instrumentos normativos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em 21 de
junho de 2000. Na mesma oportunidade, reconheceu a competência contenciosa da
Corte IDH.
4. Até o ano de 2016, a República Democrática de Equiste seguia todos os protocolos
internacionais voltados à proteção do meio ambiente e direitos humanos, sendo
reconhecido como exemplo a ser seguido por todos os demais Estados, visto a sua
atuação incessante voltada ao bem de todos.
5. Todavia, em 22 de outubro de 2016, a presidente da República Democrática de
Equiste veio a falecer repentinamente. No dia seguinte ao velório, o vice-presidente
assumiu o cargo máximo do Poder Executivo. O presidente era conhecido por não
compactuar com as ações e andamento da política que sua coligada apresentava,
apoiando indiretamente indústrias extrativas e petroleiras, empresas que praticam o
desmatamento e perseguições aos defensores de direitos humanos, bem como a
denúncia de todos os instrumentos de proteção ao Direitos Econômicos, Sociais,
Culturais e Ambientais assinados pela República Democrática de Equiste.
6. Um mês após ter assumido o poder, já haviam sido revogados decretos e leis de
proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos em âmbito interno e denunciados
em âmbito internacional, indústrias extrativas já se encontravam atuando ativamente
no litoral da República Democrática de Equiste e casos de defensores de direitos
humanos desaparecidos eram anunciados constantemente na mídia.
7. Além disso, a economia da República Democrática de Equiste que se mantinha
estável, passou a ter um desequilíbrio considerável, visto que os principais países do
mundo e empresas multinacionais aliadas à proteção do meio ambiente e
sustentabilidade começaram a cortar vínculos com a República Democrática de
Equiste, devido a sua nova gestão.
8. Desta forma, a taxa de desemprego e pobreza que era considerada baixa, passou a
crescer. Em março de 2017, mais de 7 milhões de equistenses se encontravam em
situação de pobreza e tendo que se submeter a condições indignas de trabalho para
manter o sustento.
9. As indústrias extrativas que passaram a operar no litoral da República Democrática de
Equiste, juntamente com o presidente e a mídia local, passaram a divulgar os dados
"impressionantes" de contratação de mão de obra e, consequentemente, a diminuição
da taxa de desemprego e de pobreza no país.
10. De outro lado, o aumento de denúncias em âmbito interno e internacional sobre
violações de direitos humanos, trabalho análogo à escravidão, ecocídio,
desaparecimento de defensores de direitos humanos, dentre outros, começaram a
crescer em mais de 50%.

II. INDÚSTRIAS EXTRATIVAS E PETROLEIRAS E A POPULAÇÃO LITORÂNEA

11. Devido à mudança do governo e suas atuações, bem como à abertura da instalação de
diversas indústrias no litoral da República Democrática de Equiste, os comerciantes e
empreendedores locais se viram obrigados a fechar os seus estabelecimentos ou
vendê-los às indústrias, pois as águas cristalinas começaram a ficar poluídas e o
desmatamento começou a tomar proporções significativas, desmotivando o turismo.
12. A população local que trabalhava nos comércios e empreendimentos locais viu em
pouco tempo o cenário de desemprego tomar conta. Após a resistência da população
local em aceitar empregos junto às indústrias extrativas e petroleiras, como forma de
protesto à mudança, boa parte da população acabou se submetendo às vagas existentes
para garantir a sua sobrevivência e a dos familiares.
13. Inicialmente, as vagas se mostravam atrativas, contando com diversos benefícios e
obedecendo a legislação trabalhista vigente. Todavia, após três meses, houveram
cortes drásticos, sob justificativa de que o país se encontrava numa crise econômica e
que seria a única possibilidade dos empregos serem mantidos. No intervalo de mais 4
meses, as jornadas de trabalho passaram a contar com mais de 12 horas diárias, de
domingo a domingo, sem descanso ou folga, por um valor de R$ 650,00, o que
correspondia a ⅓ do valor do salário mínimo vigente. Questões que violavam as
normativas trabalhistas da República Democrática de Equiste.
14. Corroborando com o cenário e como forma de evitar demandas trabalhistas, o
governo aprovou uma lei permitindo a flexibilização da normativa trabalhista vigente,
deixando à critério das empresas as condições de trabalho a serem acordadas, sob
justificativa de que os trabalhadores poderiam negociar com os empregadores as
questões trabalhistas e fomentar o crescimento da economia, dando maior liberdade
ao empregado.
15. Com o passar do tempo, diversas denúncias de trabalho análogo à escravidão
começaram a aparecer, entretanto, sem nenhuma aparição de muita relevância na
mídia local, até 23 de julho de 2017. Neste dia, Regina Maria, senhora de 65 anos e
funcionária da indústria PetroEquiste Energia S.A., desmaiou de fadiga em meio ao
horário de trabalho, vindo a falecer horas depois. O caso foi noticiado na mídia e, a
partir de então, outros casos semelhantes começaram a aparecer. Os colegas de
trabalho de Regina Maria informaram que durante o período de trabalho, eles não
tinham autorização para se alimentar, tomar água ou utilizar o banheiro, e que havia
punição para quem descumprisse as regras da empresa. Relataram, ainda, que no caso
de Regina Maria, nenhum atendimento foi prestado, tendo o corpo da vítima ficado no
chão até o final do turno, quando os seguranças a levaram para o ambulatório médico,
sem batimentos cardíacos mais.
16. Os responsáveis pela indústria foram procurados e, em sua defesa, alegaram que
Regina Maria possuía problemas de saúde prévios e o falecimento havia se dado em
decorrência disso. Em entrevista ao vivo para o canal local, um dos responsáveis
informou que não adiantava a família entrar com pedidos de indenização pois eles
sabiam a verdade, e que os colegas de trabalho de Regina Maria estariam fantasiando,
pois a mesma recebeu atendimento no mesmo momento, tendo vindo a falecer quando
estava a caminho do hospital.

III. PROCEDIMENTO INTERNO

17. Lua Maria, filha de Regina Maria, ficou inconformada com as declarações e resolveu
buscar amparo judicial. Na data de 30 de julho de 2017 ajuizou ação trabalhista
cumulada com pedido de indenização, pleiteando também a determinação de pedido
público de desculpas por parte da empresa.
18. No âmbito do procedimento da ação, o juiz de primeira instância considerou que não
havia provas suficientes para concluir que a indústria petroleira PetroEquiste Energia
S.A. ocasionou a morte de Regina Maria, e em 10 de agosto de 2017, deu ganho de
causa à empresa.
19. Insatisfeita com a decisão, Lua Maria interpôs recurso de apelação de acordo com as
normas processuais em vigor. Em 19 de janeiro de 2018, foi proferida decisão de
segunda instância, que confirmou a decisão do juiz de primeira instância. Na decisão,
a Câmara de Cassação alegou não ter sido devidamente provado que a falecida estava
submetida a regime de trabalho análogo à escravidão e afirmou que "se as condições
de trabalho fossem tão ruins, Regina Maria deveria ter pedido demissão e buscado
outro serviço, pois Equiste dispõe de muitas vagas de emprego".
20. Diante desta última decisão, Lua Maria interpôs recurso de amparo ao Tribunal
Constitucional de Equiste, entidade que sem muitos entraves aceitou sua jurisdição.
Esta instância é extraordinária e não está sujeita a prazos, segundo a legislação em
vigor. Atualmente a ação está em processo de análise.
21. Todavia, durante o decorrer da ação, a filha de Regina Maria sofreu constantes
ameaças de morte caso não retirasse a demanda. Lua Maria, filha de Regina Maria,
desde o início da nova gestão governamental, atuou junto às organizações de direitos
humanos contrárias às indústrias extrativas e petroleiras. Lua Maria fez parte de
diversos protestos e atuou junto dos principais espaços de debate relacionados à
temática, visando a proteção do meio ambiente e das condições trabalhistas que as
indústrias impunham, sendo uma das principais representantes acerca da temática.
22. Lua não gostava de ver sua mãe trabalhando para uma indústria extrativa, mas pouco
pode fazer para dissuadi-la, tendo em vista que ambas não possuíam um bom
relacionamento e Lua não teria condições financeiras de arcar com as despesas da
mãe.

AMEAÇA AO MEIO AMBIENTE E AOS DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

23. Após o falecimento de Regina Maria, em 23 de julho de 2017, a sociedade civil,


inclusive Lua Maria, realizou diversos protestos pleiteando fiscalização das indústrias
e um posicionamento por parte do presidente. O presidente da República Democrática
de Equiste se manifestou dizendo que, infelizmente, questões como essa acontecem e
que este seria um caso isolado, dizendo que a população deveria focar nos avanços
que as atividades extrativas e petroleiras trariam a longo prazo e que Regina Maria
seria lembrada por seu esforço no crescimento do país.
24. Os protestos se intensificaram no mês seguinte e o presidente se manifestou
novamente dizendo que defensores de direitos humanos deveriam estar trabalhando ao
invés de ficarem criando histórias que não contribuem com o progresso.
25. Dias depois, alguns defensores de direitos humanos que atuavam em prol da
manutenção da reserva de água doce e meio ambiente da República Democrática de
Equiste, começaram a desaparecer de seus postos de trabalho. Mais de 6 meses de
buscas e as pessoas não foram encontradas.
26. O governo foi confrontado quanto a isso, respondendo que despenderia todos os
esforços necessários para encontrá-los. Todavia, os fatos se deram em outubro de
2017 e até o presente momento nenhuma investigação foi iniciada.

TRÂMITE PERANTE O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

27. Em 04 de março de 2020, a representação das supostas vítimas “Família Maria”,


apresentou petição perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
alegando violações aos artigos 4, 5, 6, 8, 25 e 26 em relação ao artigo 1.1 da
Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em detrimento de Lua Maria e
Regina Maria.
28. Na data de 08 de dezembro de 2020 a CIDH aprovou o Informe de Admissibilidade.
A República Democrática de Equiste informou não ter interesse em compor uma
solução amistosa, alegou que as supostas vítimas não esgotaram os recursos internos e
que a petição viola a fórmula da quarta instância. Também negou qualquer tipo de
responsabilidade.
29. A CIDH emitiu um Relatório de Mérito em 20 de junho de 2021, atribuindo
responsabilidade ao governo do Equiste pelos mesmos artigos indicados na petição,
fazendo uma série de recomendações para remediar a situação. Cumpridos os prazos e
requisitos previstos na CADH e no Regulamento da CIDH, o Estado não considerou
necessário implementar nenhuma das recomendações.
30. O caso foi submetido à jurisdição da Corte IDH em 18 de outubro de 2022, a respeito
das seguintes violações: 4 (direito à vida); 5 (integridade pessoal); 6 (proibição da
escravidão e da servidão), 8 (garantias judiciais), 25 (proteção judicial) e 26
(desenvolvimento progressivo), em consonância com o artigo 1.1 (obrigação de
garantir e respeitar direitos), da CADH, em detrimento da República Democrática de
Equiste.
31. Mediante resolução, a Corte convocou os representantes das supostas vítimas e o
Estado de Equiste a comparecer em audiência pública, para ouvir as alegações em
relação às exceções preliminares, mérito e reparações, a partir de 17 de novembro de
2023.

Você também pode gostar