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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

UNIDADE I
POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS BÁSICOS
Elaboração
Róbison Castro

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO

UNIDADE I
POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS BÁSICOS............................................................................................................................. 5

CAPÍTULO 1
ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: TRAJETÓRIA E DESENVOLVIMENTO EM NÍVEL INTERNACIONAL..... 5

CAPÍTULO 2
ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: SUA TRAJETÓRIA E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL......................... 12

CAPÍTULO 3
COMPREENSÃO DO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................. 21

CAPÍTULO 4
METODOLOGIAS DE ANÁLISE E FORMULAÇÃO............................................................................................................ 25

CAPÍTULO 5
INTER-RELAÇÃO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS............................................... 27

REFERÊNCIAS................................................................................................................................................29
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POLÍTICAS PÚBLICAS:
CONCEITOS BÁSICOS
UNIDADE I

Capítulo 1
ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: TRAJETÓRIA E
DESENVOLVIMENTO EM NÍVEL INTERNACIONAL

A Gestão Pública, tal como diversas áreas do saber humano, sempre fez parte da história
e também contribuiu para o desenvolvimento da humanidade, em maior ou menor
grau e em todas as sociedades. Especificamente, exceto no Estado Moderno, a gestão/
administração é a parte mais aparente e, por conseguinte, mais bem assistida pelo
governo; ela executa, age, opera, sendo tão antiga quanto o próprio governo, “embora
só tenha passado a ser objeto de estudo sistemático como ciência de governo a partir
de meados do século XIX”. (PROCOPIUCK, 2013, p. 10).

Alguns profissionais entendem que há diferença entre os termos Gestão Pública e


Administração Pública, mas adotaremos o pensamento de Antonio Ney, de nossa
instituição, o afirma que “A nosso ver, os termos são semelhantes e, na verdade, tudo
é administrar”. Para saber mais acesse nosso #FalaProfessor: Qual a diferença entre
Administração Pública e Gestão Pública? Disponível em: https://wpos.com.br/
blog/qual-diferenca-entre-administracao-publica-e-gestao-publica/.

De acordo com Procopiuck (2013, p. 10), em uma perspectiva temporal de longo prazo
de desenvolvimento da Gestão Pública, na medida em que os conhecimentos que
fundamentaram ações práticas em diferentes momentos foram explicitados, “a própria
história normalmente é contada a partir do surgimento, crescimento e declínio de
instituições e de políticas públicas administradas desde períodos históricos prévios aos
tempos bíblicos”.

Na história da humanidade, apesar de a administração ter sido substrato


importante para a sedimentação de relações de poder, muito pouco foi dito
sobre ela e sobre aqueles que se ocuparam dela em nome de diferentes
governos e governantes. O seu tratamento em segundo plano decorre de
a atenção dos historiadores ser voltada mais para o relato dos resultados
de atividades pessoais e espetaculares de governantes. A história da

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administração e dos administradores, por se constituir em meio para


que resultados fossem obtidos, sempre tendeu a ser pouco explorada.
Por motivos como esses não são poucas as lacunas ainda existentes
sobre o desenvolvimento histórico da Administração Pública tanto como
prática quanto como área de geração e aplicação em bases científicas de
conhecimentos sobre o funcionamento de organizações. Os poucos estudos
existentes são ainda insuficientes para constituir uma explicação integrada
do que efetivamente foi Administração Pública. Mesmo assim, a História
permite, por exemplo, a identificação de registros e de conhecimentos
sistematizados sobre estratégias de governo, técnicas de administração,
a natureza do exercício do poder e da liderança, métodos de produção,
propostas de divisão do trabalho (PROCOPIUCK, 2013, p. 10).

A cronologia traçada na figura 1, que o autor nos apresenta, evidencia por si mesma
que, no que tange aos aspectos históricos, trata-se de um período recente em que foi
possível perceber que se passou a estudar Gestão Pública. Também é se pode constatar
a seguir que, na medida em que a Administração Geral ganhou espaço como disciplina
acadêmica e de atuação profissional na modernidade, a Gestão Pública consolidou-se
em conjunto (PROCOPIUCK, 2013).

Figura 1. Cronologia de desenvolvimento da Administração Pública.

Fonte: Procopiuck (2013, p. 11).

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Procopiuck (2013) ressalta, ainda, que desde o século XVI “vêm sendo aprofundadas
as pesquisas para levantamento e interpretação de dados”, e estes se dão por meio das
relações existentes entre a Gestão Pública e a Política em variados contextos, porém
sua identidade mesmo apenas se iniciou após o final do século XIX, momento em que
emergiu a Administração Geral nos Estados Unidos como disciplina e como campo de
atuação profissional independente.

A especialização dos estudos em Administração Geral, por um lado, foi


importante para formar um arcabouço teórico-conceitual próprio da
atividade administrativa de organizações que operam em contextos de
negócios privados. A aceitação da generalização de tais conhecimentos
para aplicação descontextualizada acabou, em muitos casos, por dificultar
a aplicação prática em ambientes específicos, como o da Administração
Pública. No contexto da Administração Pública, as tentativas de adaptar a
qualquer custo técnicas gerenciais desenvolvidas para negócios privados
culminaram por gerar profundas crises originárias da incongruência entre
os meios operados e os fins visados por tais técnicas e os fins perseguidos
pelas instituições públicas. Não que a Administração Pública, em muitas das
suas atividades operacionais, não dependa de instrumentos e de técnicas
desenvolvidas pela Administração Geral (PROCOPIUCK, 2013, p. 11-12).

No caso específico da Gestão Pública, ainda segundo o autor, “a direção racional da


consecução de objetivos da sociedade está relacionada diretamente com uma das funções
centrais da atividade social, que é, em muitos casos, fazer preponderar interesses coletivos
sobre interesses individuais”.

Embora essencialmente, a definição e continuidade de estruturas diretivas de interesses da


sociedade, a Gestão Pública, especialmente no Brasil (da qual veremos sua historicidade
no próximo tópico),

ainda não tem merecido a atenção necessária em muitas áreas, quer


de pesquisadores, quer de praticantes, quer da sociedade em geral.”
Com efeito, “não atribuir a devida importância para as relações entre
Administração e Política trouxe e ainda traz dificuldades, mesmo que
em menor grau, para utilização de ferramental de administração na
própria esfera de atuação de organizações privadas. (PROCOPIUCK,
2013, p. 12).

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Destarte, emergem dificuldades provenientes de organizações que passam de uma


gestão pautada na defesa de interesses puramente individuais para uma perspectiva de
defesa de interesses coletivos, por exemplo. Diz Procopiuck (2013, p. 12) que exemplo
disso são “os processos de ampliação da capacidade de ação das organizações a partir
de estratégias de abertura de capital para captação de recursos em bolsas de valores”.

A importância da compreensão das relações entre política e administração,


nesses casos, se evidencia pela preocupação, por exemplo, com a
publicização da gestão e, consequentemente, com a estruturação de
sistemas de governança corporativa para que a organização aperfeiçoe
suas relações, por meio de mecanismos de accountability, e obtenha a
confiança de expressivo número de stakeholders com expectativas, em
muitos casos, conflitantes em relação aos resultados esperados pelos
gestores da organização (PROCOPIUCK, 2013, p. 12).

Atualmente, o perfil do Estado é definido pela composição articulada entre os Poderes


Legislativo, Executivo e Judiciário. Com efeito, a Administração Pública se coloca como
dispositivo executivo que está a serviço de todo o Estado. No continente europeu, por
exemplo, as primeiras preocupações que se deram de maneira mais sistemática com a
Gestão Pública surgiram, de acordo com Procopiuck (2013, p. 14), “com a emergência
do movimento absolutista e do movimento mercantilista”.

Ainda segundo o autor, no contexto desses dois movimentos, surgiram também


conceitos que foram mais bem definidos para tratar de remodelações de
estruturas administrativas relativamente complexas associadas a estratégias de
sistemas políticos com objetivos mais claros.

Nesses contextos em que a racionalidade das ações passou a ganhar


importância crescente, a explicitação de objetivos por doutrinas políticas
norteou a atuação de administradores nos diversos segmentos de ação
concreta do Estado, tanto em âmbito interno quanto externo. Com o
absolutismo, em diversas sociedades europeias, ocorreu a tomada de
poder sobre regiões e províncias menores e sua concentração em governos
centrais. A consequência natural de tal reestruturação do poder foi a
necessidade de desenvolvimento de métodos de administração e de
controle. Naquela época, melhorias ocorreram na gestão de finanças,
de estruturas burocráticas encarregadas de atividades de controle, e de
sistema de informações para apoio a decisões governamentais. Os dados
estatísticos crescentemente passaram, então, a ganhar importância
como elementos de base para a gestão governamental (PROCOPIUCK,
2013, p. 14).

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No contexto de desenvolvimento da Gestão Pública na Europa, o autor prossegue


afirmando que aqui o que merece atenção especial é a trajetória que teve origem na
Alemanha. Ele continua:

No século XVI ganhou força, a partir de estudos de Ciência Política, de


Economia e de Direito, o movimento chamado camaralismo. O movimento
camaralista tem seus fundamentos na utilização dos gemietete docktoren
(doutores contratados) para atuarem no planejamento e gestão de políticas
públicas, mormente nos reinos germânicos. É interessante notar que nos
principados germânicos em que se desenvolveu o camaralismo grande
parte das receitas públicas tinha origem na gestão de negócios próprios
do Estado. Por meio de empreendimentos agropastoris, comerciais
e industriais, o Estado visava obter receitas para financiar os seus
próprios gastos. Os camaralistas, além de cuidarem dos negócios do
Estado, também procuravam desenvolver métodos e políticas visando
ao crescimento populacional, desenvolvimento da produção e melhoria
das condições de vida das respectivas sociedades [...], o camaralismo,
além de servir de base para o desenvolvimento de políticas públicas,
também trouxe contribuições importantes para gestão de negócios com
fins lucrativos (PROCOPIUCK, 2013, p. 14).

Segundo o autor, entre os séculos XVI e XIV são fartas as referências a escritos alemães
sobre políticas e Administração Pública na Espanha, França, Rússia e Inglaterra. Na
Gestão Pública germânica existem referenciais utilizados por Woodrow Wilson, em seu
clássico artigo de 1887, no qual defendeu a necessidade de desenvolvimento da Gestão
Pública nos Estados Unidos.

A grande diferença da perspectiva alemã para o desenvolvimento teórico da Gestão


Pública, ainda de acordo com Procopiuck (2013, p. 15), “está no fato de seu nascimento ter
ocorrido na própria dinâmica da formação e transformação do Estado durante os quatro
séculos que antecederam a Administração Científica aplicada a operações industriais nos
Estados Unidos.” Aqui existe, com efeito, forte potencial de reinterpretação de alguns
conceitos basilares da Gestão Pública e, em especial, das linhas de pensamento sobre
políticas públicas que se desenvolvem na Europa hodiernamente.

Vejamos mais alguns acontecimentos importantes, especialmente no que tange à


relevância dos escritos de Fredrick Taylor para a questão Pública:

Um destes fundamentos a serem revistos está relacionado ao próprio


nascimento da Administração Pública, normalmente confundido com
o local de origem da Administração Geral no momento em que surgiu
a Administração Científica, fundada em escritos de Fredrick Winslow
Taylor. Antecipando-se aos princípios científicos da Administração de

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Fredrick Winslow Taylor, de 1911, Woodrow Wilson, em 1887, já defendia,


pois, uma Administração Científica do governo. Os administradores
públicos, de acordo com Wilson, precisavam, em primeiro lugar, entender
o que o governo poderia fazer corretamente e com sucesso e, em segundo
lugar, como poderiam fazê-lo com a máxima eficiência e menores gastos
possíveis de dinheiro e de energias. Reconhecendo que modelos de
governo eficiente não seriam encontrados internamente nos Estados
Unidos, Wilson defendia que os administradores públicos da América
deveriam olhar para além das próprias fronteiras para tomar emprestadas
formas e práticas de governo empregadas por Estados europeus. O próprio
Wilson apresentava, como exemplo modelos de Administração Pública,
experiências exitosas europeias oriundas da trajetória de conhecimentos
desenvolvidos no seio do camaralismo alemão, como as da Prússia. O
estudo das ciências camarais, ou camaralística, já era uma disciplina
administrativa científica utilizada para capacitar, tanto em termos de ação
quanto de forma, o governo para administrar o patrimônio estatal. Eram
os primeiros passos da ciência e da arte da administração (PROCOPIUCK,
2013, p. 15).

Embora a Gestão Pública tenha nascido no âmbito da ação estatal para se definir o “o
que fazer”, mais tarde, ao renascer nos Estados Unidos, a preocupação se generalizou
no “como fazer”. Contudo, desde o último quarto do século XX, o escopo da Gestão
Pública “apresentou tendências de ampliação com bases na Policy Science, ao abordar
temas como concepções de políticas públicas e gestão da coisa pública”. Ademais, por
meio da retomada das políticas públicas como centro de atenção é que a Gestão Pública
“voltou a ampliar o seu escopo para além do gerencialismo, que tinha sido reproduzido
no contexto da Administração Pública sob os pressupostos da burocracia”. Com efeito,
tal reposicionamento da Gestão Pública

como instrumento de planejamento e concepção de amplas políticas


públicas é, portanto, possível aprofundar a sua compreensão como
instrumento de ação do Estado com a retomada das bases de seu
desenvolvimento a partir do camaralismo alemão. (PROCOPIUCK,
2013, p. 15).

Para todos os efeitos há ainda muito, realmente muito conteúdo a ser trabalhado dentro
da trajetória de desenvolvimento histórico da Gestão Pública no mundo, porém teríamos
de usar inúmeras outras páginas apenas para trabalhar o assunto em obras de excelentes
autores; por ora vale destacar as conclusões que Procopiuck (2013, p. 64-65) faz acerca
do tema:

Partindo do camaralismo, a evolução da Administração Pública e,


mais tarde, da Administração Geral pode ser vista como o resultado

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de um processo diferente daquele que parte do pressuposto de que a


Administração teve origem nos Estados Unidos. A Administração deixa,
assim, de ser vista como um produto local norte-americano para ser
colocada numa perspectiva evolutiva de princípios desenvolvidos nos
séculos anteriores na Europa. Considerar a origem da Administração
Pública no próprio âmbito da evolução do Estado abre importantes
espaços para não desvinculá-la das Ciências Políticas. Tanto em termos
teóricos quanto em termos práticos, a manutenção de vínculos com
grandes preocupações de ordem política que permeiam a sociedade
evita que os praticantes e teóricos se sintam tentados a simplesmente
reproduzir soluções gerencialistas desenvolvidas e aplicadas para o
contexto típico das organizações privadas, que operam sob a lógica
eminentemente econômica.

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Capítulo 2
ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: SUA TRAJETÓRIA E
DESENVOLVIMENTO NO BRASIL

A trajetória do desenvolvimento da gestão de políticas públicas no Brasil é


demasiadamente vasta, a ponto de ocupar nosso conteúdo inteiro. Porém, nos
deteremos a alguns conteúdos específicos, sempre com o velho risco de olvidar
informações aqui ou ali que são, de igual modo, deveras importantes.

Segundo Procopiuck (2013), o início da formação da Gestão Pública brasileira remonta a


uma época em que não era evidente o suficiente para a distinção entre o que pertencia à
esfera privada e o que era público. No Brasil, ainda segundo fontes do autor, a primeira
fase colonial representa, na sua essência, o domínio feudal. Neste primeiro momento da
história da Gestão Pública brasileira se sobressaem alguns eventos específicos, conforme
podemos ver na Figura 2 a seguir que o autor nos apresenta:

Figura 2. Trajetória da Administração Pública brasileira (1500-1580).

Fonte: Procopiuck (2013, p. 239).

A primeira tentativa de instituição de um sistema de organização em terras


brasileiras, ainda de acordo com Procopiuck (2013, p. 239), foi a administração
por capitanias. Com efeito, o território da colônia foi dividido em faixas. Foi por
meio dos documentos chamados Carta de Doação e Carta de Foral que cada
um destes domínios territoriais foi concedido para a administração privada, a cargo
dos donatários. O autor nos explica melhor esses conceitos:

» Carta de Doação: atribuía posse ao donatário sobre a terra, podendo transmiti-


la para seus herdeiros, mas não vendê-la a terceiros.

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» Carta Foral: tratava principalmente da tributação sobre a atividade dos colonos,


que deveria ser recolhida à coroa e ao donatário.

Aos donatários que eram homens de confiança do rei, segundo Procopiuck (2013, p.
240), “eram concedidos amplos poderes para ocupar e colonizar a sua capitania, fundar
vilas, cobrar tributos e escravizar indígenas e exercer funções judiciárias e militares”.
As capitanias eram consideradas de “propriedade privada dos capitães-donatários e
território português”. Com esse modelo, Portugal buscou instituir a centralização de
gestão político-administrativa em cada uma das capitanias.

De maneira estratégica, “o mecanismo das capitanias hereditárias procurou aliar o


monopólio técnico dos meios de administração e de poder do Estado português com a
apropriação hereditária dos meios de produção econômica por representantes político-
administrativos”.

Aqueles eram fortemente vinculados à coroa; contudo, a forte influência


política da metrópole não surtiu os efeitos como eram almejados. Na verdade,
a “falta de coordenação das atividades dos donatários passou a ser vista como
entrave para o desenvolvimento do sistema de capitanias adotado para a colônia
brasileira”. Ainda de acordo com o autor, D. João III instituiu, em 1548, o posto
de governador-geral do Brasil. “O primeiro Governador-Geral, Tomé de Souza,
a partir da sede localizada na Bahia, foi incumbido do exercício da autoridade
da coroa sobre os capitães-donatários” (PROCOPIUCK, 2013, p. 240).

O sistema de governo-geral foi formado, segundo Procopiuck (2013, p. 240), por uma
estrutura composta pelo seguinte quadro:

» provedor-mor da fazenda: administração das rendas e despesas da colônia,


como cobrança de tributos e pagamento dos funcionários;

» alcaíde-mor: milícia;

» ouvidor-geral: justiça;

» capitão-mor da costa: defesa do litoral dos ataques dos estrangeiros.

Deste modo, foi por meio da instituição de uma Governadoria-Geral que passaria
a defender interesses da metrópole. É que houve a centralização organizacional
e esta passou das capitanias para um governo geral com jurisdição sobre toda
a colônia brasileira. Destarte, a “atuação dos Governadores-Gerais passou,
então, a abrir espaços, mesmo que lentamente, para a formação de estruturas

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administrativas e para o desenvolvimento de um corpo de pensamento político


mais autônomo”. (PROCOPIUCK, 2013, p. 240).

A tônica da Administração geral da colônia se apoiava mais na Câmara,


com sede nas vilas ou cidades. Não havia Administrações distintas e
paralelas, pois a Administração geral se confundia com a Administração
local. Igualmente, inexistia independência de poderes na administração
colonial. Não faz sentido, portanto, falar em poder Executivo, Legislativo
e Judiciário. A Administração era, portanto, uma só. Em um contexto
de inexistência de especialização de funções e de institucionalização
de estruturas de poder, a legislação portuguesa aplicada na colônia
se mostrava ineficaz, deturpada e consonante com os interesses dos
donatários. Os espaços para a formação de um interesse público ou
geral eram praticamente inexistentes; logo, a própria Administração
colonial não pode ser vista como propriamente uma Administração
Pública, como ocorre na atualidade. Apesar dos esforços da coroa para
assegurar a exploração da colônia pela iniciativa privada, o sistema de
capitanias apresentava dificuldades para se sedimentar como solução
eficiente para assegurar os interesses portugueses na colônia brasileira.
Dentre os motivos para o insucesso da iniciativa se apresentam a falta de
apoio econômico governamental, a inexperiência de alguns donatários,
dificuldades de locomoção e de comunicação e a resistência dos indígenas
ao governo dos donatários. Essas dificuldades levaram à desistência da
maioria dos donatários (PROCOPIUCK, 2013, p. 240).

Enquanto houve a chamada União Ibérica – momento em que houve forte modernização
do sistema político português –, os espanhóis aperfeiçoaram a maneira como as colônias
portuguesas eram administradas. Nesse período, de acordo com Procopiuck (2013, p.
241), foram criadas instituições política e administrativamente importantes, como:

» a Provedoria da Fazenda, em 1592;

» o Conselho da Índia, em 1604;

» a Casa de Suplicação, em 1605;

» o Tribunal da Relação da Bahia, em 1609.

Dentre demais eventos cruciais que ocorreram na União Ibérica, o autor com o qual
estamos trabalhando nos traz alguns mais importantes na figura 3 a seguir:

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Figura 3. Administração Pública brasileira durante a União Ibérica (1580-1640).

Fonte: Procopiuck (2013, p. 241).

Saltando muitas décadas e ingressando no período colonial do Brasil, ainda


baseando-nos na ótima obra de Mario Procopiuck (2013), o autor nos informa que,
com a independência da colônia brasileira, o arcabouço institucional do Estado e
da Gestão Pública “se desvinculou da lógica das feitorias encarregadas de proteger
as atividades exploratórias para, sob influências dos instrumentos de gestão estatal
institucionalizados historicamente por espanhóis, ingleses e franceses”, passar
a ganhar uma espécie de identidade própria no que tange à noção de Estado
brasileiro como unidade política.

Ao longo do século XVIII, foram criados e institucionalizados


importantes cargos na administração estatal para serem preenchidos
de acordo com requisitos técnicos. As exigências técnicas exigidas
para o desempenho com maior eficiência de funções públicas
abriram espaço para o surgimento de profissionalização gradativa de
alguns órgãos. Surgiram, então, regulamentações mais sistemáticas
para promoções, transferências, aposentadorias etc. Uma das áreas
cuja profissionalização se iniciou mais cedo e mais prosperou foi a
judiciária. Na maioria dos casos, além de formação acadêmica, a

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UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

atuação dos juízes exigia familiarização com procedimentos e técnicas


restritos ao domínio de poucos (PROCOPIUCK, 2013, p. 253).

O autor destaca que, a despeito destes fatos, não se pode afirmar que se
chegou a formar uma estrutura burocrática sob a acepção weberiana.

Sobre burocracia e acerca do motivo pelo qual o Estado brasileiro jamais chegou a
ser uma democracia, devemos ponderar algumas questões relevantes. O grupo que
comandava o poder no Estado patrimonialista brasileiro é chamado na doutrina de
Estamento Burocrático. Este modelo se caracterizava por desrespeito aos princípios
da impessoalidade e era composto por ocupantes de cargos públicos de alta cúpula,
burocratas e políticos. É importante não confundir a Teoria da Burocracia, ou seu
modelo “puro”, com os problemas que a Burocracia causou – o que chamamos de
disfunções da Burocracia.

Além disso, vale frisar que nenhum modelo de Administração Pública


existiu isoladamente, mas que conviveram e convivem juntos. No nosso
contexto atual, temos ainda aspectos presentes que são heranças do
patrimonialismo (nomeações em cargos de confiança), aspectos da teoria
da burocracia (concursos públicos e noção de carreira, entre outros) e
aspectos do modelo gerencial.

A Administração Pública brasileira, embora marcada pela cultura burocrática


e regida pelo princípio do mérito profissional, não chegou a se consolidar,
no conjunto, como uma burocracia profissional nos moldes weberianos.
Formaram-se grupos de reconhecida competência, como é o caso de
algumas carreiras específicas, bem como em áreas da Administração
indireta, mas os concursos jamais foram culturalmente rotina no País; e o
valor de sua remuneração real variou intensamente em função de políticas
salariais instáveis. Os instrumentos de seleção, avaliação, promoção e
treinamento que deram suporte a esse modelo estão superados.

O modelo de gestão pública buscado no momento é o gerencial, mas ainda é


muito forte a presença do modelo burocrático e, infelizmente, do próprio modelo
patrimonialista na Administração Pública brasileira. Ou seja, nunca aplicamos o
modelo “puro” da burocracia weberiana.

As influências políticas que objetivavam preencher os cargos e ocupação de


funções da gestão pública, assevera Procopiuck (2013, p. 254), jamais deixaram
de ser uma “constante na história imperial brasileira e, posteriormente, ainda
perduraram por longo período”.

Os primeiros sinais de profissionalização na gestão pública permitiram


maior estabilidade institucional e alguma sistematização procedimental,
que permitiriam, pelo menos, possibilidades de comparação entre
iniciativas entre diferentes órgãos e, no caso do Poder Judiciário, ajustes
estruturais influenciados por experiências estrangeiras. A trajetória da

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Políticas Públicas: Conceitos Básicos | UNIDADE I

administração imperial brasileira é dividida em três momentos: primeiro


reinado (1822-1831), período regencial (1831-1840) e segundo reinado
(1840-1889). Cada um desses períodos será tratado em seções distintas
a seguir, sempre iniciadas com uma linha histórica em que são situados
os principais acontecimentos que os definiram (PROCOPIUCK, 2013,
p. 254).

Posto tudo isto, em detrimento de nossa falta de espaço, deixaremos, a seguir, alguns
eventos importantes na história da Gestão Pública no Brasil em linha cronológica,
elaborada pela excelente pesquisa de Procopiuck (2013, p. 257) acerca do Período
Imperial, inserido no Período Colonial:

» Período Imperial (1815-1889).

» A Inglaterra concede maior liberdade política para suas colônias (1822-1850).

» Reinado de D. Pedro I (7 de setembro de 1822 – 30 de abril de 1831).

» Império do Brasil – Primeiro Período (18 de setembro de 1822 – de abril de 1831).

» Segundo Conselho de Estado Brasileiro (13 de novembro de 1822 – 12 de agosto


de 1834).

» Período de previsão constitucional de garantias aos magistrados não regulamentadas


(25 de março de 1824 – 28 de junho de 1850) “Constituição Política do Império do
Brasil” – outorgada (25 de março de 1824 – 23 de fevereiro de 1891).

» Da apresentação do projeto à aprovação do Código do Processo Criminal (28 de


maio de 1829 – 29 de novembro de 1832).

» Império do Brasil – Segundo Período (7 de abril de 1831 – 23 de julho de 1840).

» Período Regencial (30 de abril de 1831 – 13 de julho de 1840).

» Criação da Guarda Nacional (18 de agosto de 1831).

» Promulgação do Código do Processo Criminal (29 de novembro de 1832).

» Publicação do Ato Institucional (12 de agosto de 1834).

» Revolta da Cabanagem (7 de janeiro de 1835 – 25 março de 1840).

» Revolução Farroupilha (20 de setembro de 1835 – 28 de fevereiro de 1845).

» Revolta Sabinada (7 de novembro de 1837 – 15 de março de 1838).

» Revolta Balaiada (13 de dezembro de 1838 – 19 de janeiro de 1841).

» Reinado de D. Pedro II (23 julho de 1840 – 15 de novembro de 1889).

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UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

» Império do Brasil – Terceiro Período (23 de julho de 1840 – 15 de novembro de


1889).

» Terceiro Conselho de Estado Brasileiro (23 de novembro de 1841 – 14 de novembro


de 1889).

» Publicação do Código Administrativo (1842).

» Separação entre os papéis de chefe de Estado e de chefe de governo no Brasil


(1843-1847).

» Proposta de reforma judiciária de Fernandes Torres e Pimenta Bueno (1846-1848).

» Guerra com a Argentina (1850-1852).

» Código Comercial (25 de junho de 1850).

» Tribunais do Comércio criados pelo Código Comercial (25 de novembro de 1850


– 9 de outubro de 1875).

» Proposta de reforma judiciária de Nabuco de Araújo (1854).

» Proposta de reforma judiciária de C. de Sinimbu (1862).

» Guerra com o Paraguai (16 de outubro de 1864 –1 de março de 1870).

» Nova proposta de reforma judiciária de Nabuco de Araújo (1866).

» Portugal publica a carta orgânica descentralizando a administração colonial (1º de


dezembro de 1869).

» Reforma do Judiciário pela Lei nº 2.040 (28 de setembro de 1871).

» O Poder Judiciário passa a ter exclusividade na interpretação da Lei (23 de outubro


de 1875).

» Promulgação da Lei nº 3.029, que tratava do processo eleitoral (9 de janeiro de


1881).

» Abolição da escravatura (13 de maio de 1888).

Conforme demonstra a Figura 4, trata-se da Gestão Pública no Período Republicano,


após o Imperial:

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Políticas Públicas: Conceitos Básicos | UNIDADE I

Figura 4. Administração Pública brasileira (1889-1930).

Fonte: Procopiuck (2013, p. 262).

Por fim, podemos ver a seguir alguns dos demais acontecimentos importantes no setor
ocorridos em tempos recentes, ainda de acordo com as pesquisas de Procopiuck (2013,
p. 287):
» ASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) – Criado pelo Decreto-
Lei nº 579/1938 e extinto pelo Decreto nº 93.211/1989 (30 de julho de 1938 –3 de
setembro de 1986).

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» Regime Militar (15 de março de 1964 – 15 de março de 1985).


» 5a República (15 de março de 1967 – 5 de outubro de 1988).
» Governo do Presidente João Baptista Figueiredo (15 de março de 1979 – 15 de
março de 1985).
» Governo do Presidente José Sarney (15 de março de 1985 – 15 de março de 1990).
» Plano Cruzado (28 de fevereiro de 1986).
» Plano Bresser (12 de junho de 1987) “Constituição da República Federativa do
Brasil” (5 de outubro de 1988).
» 6a República (5 de outubro de 1988).
» Consenso de Washington (1989).
» Plano Verão (16 de janeiro de 1989).
» Governo do Presidente Fernando Collor (15 de março de 1990 –2 de outubro de
1992).
» Plano Collor I (15 de março de 1990).
» Plano Collor II (1º de fevereiro de 1991).
» Governo do Presidente Itamar Franco (29 de dezembro de 1992 –1º de janeiro de
1995).
» Plano Real (1º de julho de 1994).
» Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1º de janeiro de 1995 –1º de
janeiro de 2003).
» Plano Diretor de Reforma do Estado (novembro de 1995).
» Lei do Terceiro Setor (Lei Federal nº 9.790) (23 março de 1999).
» Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101) (4 de maio de 2000).
» Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1º de janeiro de 2003 –1º de
janeiro de 2011).
» Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079) (30 de dezembro de 2004).
» Lei sobre Consórcios Públicos (Lei Federal nº 11.107) (6 de abril de 2005).
» Governo da Presidente Dilma Vana Rousseff (1º de janeiro de 2011).

20
Capítulo 3
COMPREENSÃO DO PROCESSO DE FORMULAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A essência do processo de elaboração de políticas é um empreendimento muito complexo,


tanto no entendimento quanto no cenário. Depende da questão na mesa para o discurso.
Naturalmente, o processo de formulação de políticas é o ônus dos seus formuladores
apoiados por especialistas que devem ser altamente qualificados e bem informados no
campo da formulação de políticas.

Em várias ocasiões, muitas pessoas se aventuraram no campo da formulação de políticas


e falharam porque não compreenderam – nem possuíam qualificações, habilidades e
conhecimentos relevantes necessários para o sucesso desse processo de formulação.
Para o sucesso da formulação de políticas um fator-chave é principalmente identificar
os componentes inerentes a ela.

Depois que os componentes inerentes são identificados e analisados de forma crítica


e sistemática é que é capaz de se entender os estados finais desejados, que ajudarão o
quão eficaz e eficientemente uma política pode ser formulada e implementada.

Fundamentalmente, o processo de elaboração de políticas públicas exigiria um objetivo


específico que o governo pretende perseguir. É um processo para o qual o governo
precisa escolher a alternativa melhor, abrangente, orientada para a ação e executável,
dentre várias alternativas. Em outras palavras, o processo de elaboração de políticas
deve identificar uma meta a ser alcançada e um curso de ação.

O processo de identificação deve envolver um planejamento sistemático por parte


daqueles que estão familiarizados com a análise de políticas e com que prudência utilizar
os escassos recursos disponíveis para alcançar os objetivos pretendidos. O processo de
elaboração de políticas públicas deve ter um prazo e ser executado dentro de estruturas
públicas.

Os formuladores de políticas, como definidores de metas, devem assegurar que as políticas


sejam executadas no âmbito da administração e gestão, o que envolve as estruturas
burocráticas. Como no governo é possível mudar constantemente de mãos que executam
o serviço, a estrutura da burocracia, em grande parte dos casos, permanece a cargo do
operacional da Administração Pública.

Portanto, é significativo que o governo invista na sala de máquinas para produzir


especialistas qualificados que, por sua vez, serão capazes de recuperar suas habilidades
e conhecimentos durante a formulação e implementação de políticas. Eficiência e

21
UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

eficácia, por outro lado, são condições sine qua non e padrões para medir o desempenho
do governo.

A eficiência é uma escala para medir se o trabalho de qualidade foi alcançado. A efetividade,
por sua vez, é a escala para pesar o estado final alcançado em relação aos objetivos
definidos. Eficiência e eficácia são, portanto, mecanismos úteis que devem ser utilizados
durante o processo de formulação de políticas e implementação de políticas para a
utilização de recursos escassos.

O método do caminho crítico é mais bem entendido como a única rota alternativa para
o sucesso. Tomemos por exemplo um caso de fome depois de uma seca severa e a chuva
começa a cair – não haverá nenhum atalho ou abordagem rápida para produzir omahangu
(um cereal nativo do continente africano, importante na agricultura de subsistência) e ter
comida na mesa. Inevitavelmente, produzir omahangu exigiria o processo de preparar
a terra, semear, germinar, crescer, amadurecer, colher antes de se alimentar. O mesmo
se aplica ao conceito de formulação de políticas.

O conceito de método de caminho crítico é, portanto, indispensável durante o processo


de elaboração de políticas. Por sua vez, uma abordagem de correção rápida deve ser
descartada em todos os momentos, a fim de contornar os sintomas de tratamento em
vez da doença.

Um processo de formulação de políticas tem múltiplos componentes inerentes


que incluem, mas não estão limitados a paradigma político, tomada de decisões,
gerenciamento de políticas, planejamento de políticas, análise de políticas,
avaliação/monitoramento de políticas, mobilização de recursos, comunicação/
controle de políticas e implementação de políticas. Esses componentes inerentes
são tão interligados que, às vezes, são considerados intercambiáveis.

Com efeito, política pública refere-se às ações tomadas pelo governo – suas decisões que
se destinam a resolver problemas e melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos. No
nível federal, as políticas públicas são promulgadas para regulamentar a indústria e os
negócios, para proteger os cidadãos no País e no exterior, para ajudar os governos estaduais
e municipais e pessoas, como os pobres, por meio de programas de financiamento e para
incentivar metas sociais. Uma política estabelecida e realizada pelo governo passa por
vários estágios, do início até a conclusão: construção de agenda, formulação, adoção,
implementação, avaliação e rescisão.

As políticas contemplam, em síntese, as fases de formação, formulação, implementação


e, em alguns casos, avaliação. Formação, segundo Castro, Miranda e Grassi (2002),
corresponde ao primeiro estágio de uma política pública, durante o qual há uma disputa

22
Políticas Públicas: Conceitos Básicos | UNIDADE I

entre os diversos atores sociais no intuito de que suas demandas sejam colocadas na
pauta dos debates públicos e, consequentemente, na agenda política.

Ainda segundo os mesmos autores, uma vez incluídos os temas na agenda do Poder
Público, inicia-se o processo de formulação da política propriamente dita. Nessa fase,
os operadores incumbidos da formulação e concepção das políticas públicas envolvem-se
na elaboração de projetos e programas, por intermédio dos quais determinada política
pública se torna objetiva e ganha existência concreta no interior do aparato estatal, via
agências e/ou órgãos especialmente responsáveis por políticas públicas.

A fase seguinte é a implementação da política. Nessa etapa, são materializadas as


estratégias, processos e mecanismos que viabilizam a execução das ações governamentais,
com vistas a alcançar os objetivos estabelecidos no desenho das políticas públicas. Assim,
os processos de formatação e formulação de políticas são fundamentais para compreensão
das ações governamentais. As políticas públicas decorrem de problemas, necessidades
e interesses da sociedade e são implementadas por intermédio de programas. Portanto,
os resultados advindos desses programas devem ser compatíveis com os objetivos
insculpidos na política.

As distorções entre os objetivos pretendidos e os resultados alcançados são identificados


mediante a análise da implementação e avaliação do desempenho, que são realizadas por
intermédio de estudos avaliativos e se relacionam à etapa final do ciclo de constituição
das políticas públicas. Desta forma, os estudos de avaliação buscam examinar em que
medida a intervenção governamental, com a implementação de determinado programa,
contribuiu para a solução de um problema ou atendimento às demandas da sociedade.

Os resultados dos estudos avaliativos devem servir para realimentar o processo de


consecução das políticas, orientando as decisões e, consequentemente, as escolhas
públicas.

A fim de exemplificar o processo de concepção das políticas, para que se possa


compreender as escolhas públicas e os limites do poder do Estado, passemos
a analisar as decisões que redundaram na implementação da política de saúde
no Brasil, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, no que diz
respeito à descentralização das ações e serviços de saúde, bem como os limites ao
poder do Estado quanto à sua capacidade de viabilizar tempestivamente a adequada
implementação do processo de descentralização na área de saúde, em virtude de
limitações de natureza financeira, institucional e organizacional.

23
UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

Por uma série de razões, conforme aponta Sabatier (2007 apud PROCOPIUCK, 2013,
p. 158), o processo político acaba por envolver um conjunto de alta complexidade de
elementos que interagem durante o tempo, quais sejam:

» Centenas de atores pertencentes a grupos de interesses, órgãos governamentais,


políticos, governantes, pesquisadores, jornalistas envolvidos e diferentes aspectos
do processo.

» Trajetórias geralmente com duração de décadas para fechamento de ciclos de


política pública, que abrange desde o surgimento da situação-problema, o acúmulo
de experiência no seu tratamento e implementação de soluções, até a avaliação.
Há estudos que indicam que perspectivas de tempo de 30 ou 40 anos seriam as
mais adequadas para a compreensão global de políticas públicas e para acumular
conhecimento científico sobre a situação-problema.

» No domínio de dada política pública há, em muitos casos, dezenas de programas


conduzidos por múltiplos níveis governamentais e uma diversidade de atores
privados para resolver a situação-problema. Exemplos de tais políticas públicas
são as de combate à pobreza, à criminalidade etc.

» Debates que envolvem disputas técnicas sobre o curso de ações executivas e


legislativas.

» Disputas envolvendo valores e interesses, largas somas em dinheiro e fatias de poder.

Sobre o ciclo que este processo toma, veremos com maiores detalhes a partir da Unidade II.

24
Capítulo 4
METODOLOGIAS DE ANÁLISE E FORMULAÇÃO

Segundo Procopiuck (2013, p. 167), “a ênfase na necessidade de soluções a partir de


análise de políticas públicas para suporte a decisões estratégicas fez com que técnicas de
mensuração e arcabouços teórico-conceituais passassem a ser desenvolvidos”. Segundo o
autor, o objetivo em nenhum momento foi o de identificar apenas um meio de avaliação,
mas, sim, o de incentivar o pluralismo intelectual a fim de que fossem encontrados meios
mais bem expressos sem informações nos relatórios e indicadores sociais.

Ademais, as contribuições de diferentes abordagens teóricas, a análise de políticas


públicas, a partir da década de 1970, “começou a se instrumentalizar por simulações de
grande escala em computadores, o que abria promissoras perspectivas para mensuração
e constituição de novos e refinados modelos analíticos”.

Segundo ainda Procopiuck (2013, p. 152), a análise de políticas públicas, de modo geral,
tem se pautado pelas seguintes fases, com maior ou menor profundidade:

» identificação de objetivos de políticas públicas;

» especificação de alternativas político-administrativas para enfrentamento de


problemas concretos;

» recomendação de ações em políticas públicas;

» monitoração dos resultados de políticas públicas em diferentes fases, desde a


concepção até a execução;

» avaliação do desempenho de políticas públicas, de acordo com diferentes perspectivas


e interesses de políticos, administradores e acadêmicos.

Com tendências normativas, a análise de políticas públicas (policy analysis) tem como
foco questões definidas ex-ante (que trabalharemos também no último tópico da Unidade
IV) e parte da seguinte tese principal: o que devemos fazer?

O grande objetivo da análise de políticas públicas é determinar as


melhores políticas públicas disponíveis e colocá-las como alternativas para
autoridades que se propõem a resolver problemas de suas competências.
Nessa direção, a análise de políticas públicas tem como desafio encontrar
referenciais de comparação para encontrar melhores regras ou alternativas,
tendo como parâmetro critérios de eficiência e de eficácia. Muitas vezes
postas em contraposição a perspectivas mais prescritivas e formais de
análise de políticas públicas, são posicionadas abordagens mais descritivas
de processos holísticos. Visões mais holísticas da análise de política

25
UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

pública surgem como respostas a críticas a um crescente “tecnicismo”


que tenderia a privilegiar a aplicação de modelos formais para resolução
e problemas de política em detrimento de consideração da necessidade
de abertura de espaços para a criação de meios para viabilizar a solução
de problemas, via participação plural e democrática dos interessados.
Embora em alguns casos existam espaços para a contraposição de modelos
racionais e valores normativos sobre o posicionamento da Administração
Pública em relação a amplos valores que guiam dada sociedade, isso
não significa que, necessariamente, tenham que existir clivagens entre
as esferas técnicas pautadas em critérios de racionalidade e esferas de
posicionamentos político-ideológicos sustentadas em amplos valores a
serem preservados (PROCOPIUCK (2013, p. 152).

O autor nos diz que ressalvas também devem ser feitas ao objetivo e aos critérios de
avaliação de políticas públicas. O objetivo,

se considerada a importância do desenvolvimento do senso crítico, não


se restringe à identificação ou ao desenvolvimento de alternativas para
serem postas à disposição de administradores públicos para resolver
problemas sociais. (PROCOPIUCK, 2013, p. 152).

Contudo, trataremos das diferentes metodologias e estratégias de avaliação no último


tópico (Tópico 5) da Unidade IV. Por ora, é importante ressaltar o planejamento
governamental e a análise de políticas públicas.

26
Capítulo 5
INTER-RELAÇÃO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL
E POLÍTICAS PÚBLICAS

Procopiuck (2013, p. 167) comenta que:

Com objetivo de evitar os improvisos cotidianos na gestão, Wildavsky


defendia que a análise de políticas deveria se dedicar ao desenvolvimento
de conhecimentos e meios de aplicação para enfrentar incertezas futuras.
A análise de políticas públicas, ao tentar, por exemplo, realizar projeção do
status quo com fins de investigar consequências de ideias inovadoras, pode
se constituir em variante do planejamento. E, completando o processo
decisório da administração, a análise de política pode se constituir em
instrumento de mudança social. Na análise de políticas públicas em
diferentes níveis, de início, há que se ter alguns objetivos identificáveis e a
atenção dirigida para verificar se podem ou foram efetivamente atingidos.
Embora isso pareça pouco, já é um grande passo. Desenvolver modos
alternativos para tratar de problemas e considerar os futuros custos de
cada solução já representa uma abordagem mais promissora do que
apenas se posicionar incidental e reativamente. A análise de política,
pela sua amplitude, exige ênfase na originalidade, na imaginação, e em
meios de previsão, e, portanto, não pode ser simplesmente descritiva.
A concepção de meios para análise e avaliação de políticas públicas
é equivalente à elaboração de um plano estratégico. É um processo
de decidir sobre objetivos e de modificá-los de acordo com recursos
disponíveis para alcançá-los. É um empreendimento que envolve grandes
planos, planos importantes, planos com impactos significativos.

Ademais, acerca da análise de sistemas e análise de políticas públicas, ainda de acordo


com o autor, diversos estudiosos consideram a análise de políticas públicas à semelhança
da análise de sistemas, e por isso foram delimitados alguns aspectos importantes a serem
considerados em estudos e avaliações, conforme segue:

» Elevado nível de atenção deve ser dedicado para os aspectos políticos das decisões
públicas e do processo de formulação de políticas públicas.

» Para além de considerar somente as decisões sobre alocações de recursos, a análise


de políticas públicas deve abranger amplos processos de tomada de decisão e de
formulação de políticas públicas.

» Grande ênfase deve ser direcionada para a criatividade e para a pesquisa de novas
alternativas de políticas públicas, com a atenção explícita ao encorajamento do
pensamento inovador.

27
UNIDADE I | Políticas Públicas: Conceitos Básicos

» Altos níveis de confiança devem ser atribuídos a métodos qualitativos.

» Valorização do pensamento futurista.

» A abordagem deve ser mais livre e menos rígida. Sem, contudo, deixar de ser
sistemática para reconhecer a complexidade da interdependência entre meios
e fins, a multiplicidade de critérios relevantes de decisão e a natureza parcial e
ensaística de cada análise.

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