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J. Marques-Teixeira
Fernando Barbosa
2014
Anatomia Funcional do Sistema Nervoso
ÍNDICE O Sistema Nervoso Central (SNC), constituído pelo encéfalo e medula espinal, está coberto por três
meninges: duramáter, aracnóide e piamáter. Anatomicamente, ele está organizado ao longo dos eixos
1. Introdução
rostrocaudal e dorsoventral.
2. Divisão do Sistema Nervoso
Se considerarmos um vertebrado, como um mamífero por exemplo, é fácil entender o significado
Direções do SN acima da junção:
3. Medula Espinal rostral - nariz destas palavras. Rostral significa “em direção ao nariz” (do latim rostrum), caudal quer dizer “em
caudal - nuca
dorsal - topo da cabeça direção à cauda” (mesmo termo em latim), dorsal “em direção ao dorso” (do latim dorsum), e ventral
1. Embriogénese ventral - mandíbula
“em direção ao abdómen” (do latim, venter) (Figura 1).
2. Localização e morfologia externa
Como no homem existe uma flexão do SNC na junção do
3. Macroestrutura interna Direções do SN abaixo da junção:
tronco encefálico e diencéfalo (na altura da base do
rostral - pescoço
4. Microestrutura interna caudal - cóccix crânio), para caracterizar a localização de uma
dorsal - costas determinada estrutura é necessário primeiro situá-la em
ventral - abdómen
5. Aspectos funcionais
relação a esta junção ou flexão, ou seja, se está acima ou
6. Reflexos medulares abaixo dela. Se estiver acima, rostral quer dizer em direção
Figura 1 - Eixos de orientação anatómica
ao nariz, caudal em direção à nuca, dorsal em direção ao
7. Mecanismos medulares excitatórios e (mamífero)
topo da cabeça e ventral
inibitórios
em direção à mandíbula.
8. Reflexos medulares e aprendizagem Se a estrutura que queremos localizar está abaixo da junção, as
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organização particular de suas células. Segundo a disposição dos corpos caloso. Quando um aglomerado de axónios se projeta no lado oposto do neuro-
celulares (soma) e dos prolongamentos (axónios) dos neurónios surgem as eixo recebe o nome de comissura, como a comissura anterior que conecta os
diversas estruturas neuronais características do sistema nervoso central. Os lobos temporais.
corpos celulares podem constituir núcleos quando formam aglomerados mais ou
menos esféricos, como o núcleo rubro, ou alongados, como o núcleo caudado; Os neurónios podem também constituir faixas quando se interpõem entre
córtices ou pálios quando se reúnem em forma de lâminas, casca (do latim córtex) estruturas nucleares, como a zona incerta e o claustro (do latim claustra =
ou manto (do latim pallius); substâncias, aglomerados maiores que os núcleos, clausura); colunas e cornos, como as colunas anteriores, posteriores e
mas ainda bem delimitados numa determinada região, como a substância intermédio-laterais e cornos dorsais e ventrais da medula espinal.
Esta classificação será a O manto diferencia-se em duas placas: uma na zona dorsal - a alar - onde se
Figura 5 - Divisão embriológica do SNC diferenciam os neurónios sensitivos e, outra, na zona ventral - a basal - onde se
seguida ao longo desta obra.
desenvolvem neurónios motores (Figura 6). Por sua vez, a camada marginal,
contendo os prolongamentos das células do manto, vai dar origem à substância
branca da medula a partir de um processo de mielinização, assegurado pelos
oligodendrócitos aí posicionados. Assim, enquanto a substância cinzenta da
medula tem origem na camada intermediária do neuroepitélio, a substância
branca origina-se na camada marginal.
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Localização e morfologia externa uniformidade anatómica, considera-se que a espinal medula tem uma
organização metamérica, isto é, apresenta 31 segmentos medulares idênticos
A espinal medula é uma porção alongada do SNC que se encontra localizada no (mielómeros), definindo-se cada um pela inserção das raízes ventrais e dorsais de
interior da coluna vertebral, mais precisamente no canal raquidiano, envolvida um par de nervos raquidianos, que enervam determinada região cutânea,
pelas três meninges – duramater, aracnóide e piamater (Figura 7). muscular, articular ou visceral. Cada uma dessas regiões, sob a influência dos
nervos espinais de dado mielómero, designa-se dermátomo, miótomo,
Apresenta, em média,
esclerótomo e viscerótomo, respectivamente (Figura 9).
30g de peso e 45cm de
comprimento, surgindo Note-se que existe um paralelismo,
na continuidade do embora relativo, entre os
! tronco cerebral, mielómeros e as vértebras da
e s p e c i fi c a m e n t e d o coluna, podendo dividir-se a espinal
!
bulbo raquidiano, e medula em 4 regiões distintas:
Figura 7 - Localização em vista oblíqua – cima (modificado de
descendo da primeira cervical (nervos C1 a C8), torácica
Debivort, 2007) e em secção transversa – baixo (modificado de !
Gray, 1918)
vértebra cervical até ao (nervos T1 a T12), lombar (nervos L1
Figura 9 - Exemplo de três dermátomos (Uwe Gille,
limite superior da a L5), sagrada (nervos S1 a S5). O
2007).
segunda vértebra lombar, portanto, ocupando os dois terços superiores do canal nervo coccígeo constitui o trigésimo
raquidiano. primeiro e último.
A partir da sua extremidade caudal, onde forma o cone medular, Conjuntamente, estes nervos são responsáveis pela transmissão da informação
surge um conjunto de feixes nervosos aparentando uma cauda sensorial e motora de praticamente todo o corpo, exceptuando-se, obviamente,
de cavalo (motivo pela qual recebe essa designação), que as áreas sob influência dos nervos cranianos.
rodeiam o filamento terminal (prolongamento da piamadre) e
descem pelo interior da coluna até emergirem pelos orifícios Exteriormente, a espinal medula tem uma forma grosseiramente cilíndrica, um
(foramen) intervertebrais inferiores. pouco achatada na face ventral e dorsal, sendo a sua superfície percorrida por
vários sulcos longitudinais (Figura 10): (1) dividindo a espinal medula em duas
O seu diâmetro está próximo de um cm, podendo triplicar em metades simétricas segundo o eixo anteroposterior, são visíveis o sulco mediano
alguns dos segmentos cervicais e lombares, onde apresenta posterior que, internamente, se prolonga no septo mediano posterior (uma
duas dilatações, visto aí se inserirem as raízes dos nervos membrana glial) e a fissura mediana anterior (que origina a comissura branca
r a q u i d i a n o s d o s m e m b ro s s u p e r i o re s e i n f e r i o re s , anterior); (2) visíveis de cada lado da superfície da espinal medula encontram-se o
respectivamente, constituindo o plexo braquial e o plexo sulco lateral posterior (zona de entrada das raízes dorsais) e o sulco lateral
!
lombar (Figura 8). Figura 8 - Vista geral anterior (zona de saída das raízes ventrais); (3) nos segmentos cervicais e nos
(modificado de Gray, primeiros segmentos torácicos podem ainda observar-se os sulcos intermédios
Ainda que, à vista desarmada, se caracterize por uma grande 1918).
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posteriores, entre o sulco Microestrutura interna
mediano posterior e os sulcos
laterais posteriores, formando um A substância branca é maioritariamente constituída por axónios mielinizados, não
septo intermédio posterior. só que estabelecem conexões ao nível de cada segmento, mas sobretudo dos
axónios que correm paralelamente à medula, assegurando a transmissão vertical
Fora da espinal medula, na zona do impulso nervoso, no sentido ascendente e descendente. A distribuição desses
em que a raízes dorsais se axónios pela substância branca não é uniforme, mas sim organizada em três
aproximam das ventrais, cordões (funículos) de feixes de cada lado: (1) o posterior, entre o sulco mediano
l o c a l i z a m - s e a g re g a d o s d e e o sulco lateral posterior; (2) o lateral, entre o sulco lateral posterior e a saída das
corpos neuronais, formando os raízes anteriores dos nervos raquidianos; e o anterior, entre a saída das raízes
gânglios espinais ou raquidianos anteriores e a fissura mediana anterior (ver Figura 10).
!
(ver número 13 na fig. 10).
Figura 10 - Morfologia e macroestrutura da espinal Por entre os principais feixes de transmissão da informação nervosa no sentido
medula (modificado de Polarlys, 2006).
ascendente, em direcção às estruturas encefálicas, encontram-se (Figura 11):
Macroestrutura interna (1) o fascículo grácil no funículo posterior que, a nível torácico, se divide num
novo fascículo - o cuneiforme - projectando no encéfalo, por exemplo,
Em corte transversal, cada segmento medular apresenta substância branca na informação proprioceptiva consciente, assim como exteroceptiva de tipo táctil
periferia e substância cinzenta na parte central, ambas com área e forma variáveis epicrítico;
de segmento para segmento, mas com a substância cinzenta a apresentar
sempre uma configuração em forma de borboleta ou, grosseiramente, em forma (2) o trato espinotalámico que, ocupando parte do cordão lateral e ventral, conduz
de H (ver Figura 10). informação nociceptiva e térmica (via fibras laterais), bem como informação de
tipo táctil protopática (via fibras anteriores) até o tálamo; refira-se ainda o feixe
Dividindo a substância cinzenta em corte coronal pelo eixo horizontal do H, espino-reticular, parte integrante da via paleoespinotalâmica, que ascende pela
forma-se um segmento dorsal em que se distinguem as colunas ou cornos zona ventrolateral até à formação reticular, desempenhando um papel
posteriores e um segmento ventral em que se observam as colunas anteriores. Na importante na transmissão sensorial dolorosa e, também, o trato
parte superior da região lombar e na região torácica surge também uma saliência espinomesencefálico que cursa em associação com o trato espinotalámico,
lateral, constituindo o corno lateral. conduzindo informação nociceptiva;
Sensivelmente no centro da substância cinzenta, especialmente a partir da região (3) os tratos espinocerebelosos dorsal e ventral, que conduzem informação
cervical, observa-se o orifício do canal central, que sobe até ao chão do quarto proprioceptiva até ao córtice do paleocerebelo, colaborando para a regulação
ventrículo. inconsciente dos movimentos;
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(4) as fibras espinobulbares, que cursam entre os cordões anterior e lateral até ao muscular e da postura conforme informação sensorial vestibular, pelo que
bulbo raquidiano, a partir de onde projeta informação cutânea e propioceptiva parece estar envolvido no controlo reflexo do equilíbrio;
no cerebelo.
(4) os tratos retículo-espinais, cursando pelos cordões anterior e lateral, conforme
As principais vias descendentes são: tem origem na ponte ou no bulbo, até aos neurónios da coluna posterior, onde
modificam a transmissão de informação sensorial, sobretudo nociceptiva, e
(1) os tratos cortico-espinais anterior e aos neurónios da coluna anterior, onde influenciam os reflexos espinais
lateral, que fazem parte do sistema modelando a activação de motoneurónios gama;
piramidal, dado a maior parte das suas
fi b r a s t e re m o r i g e m n a s c é l u l a s (5) os tratos tecto-espinais lateral e ventral, que se originam no tecto
piramidais do córtice motor, transmitindo mesencefálico (colículos superiores), cursando lado-a-lado com os tractos
informação motora para as colunas retículo-espinais e desembocando nos interneurónios ou neurónios motores
anteriores dos vários segmentos ventrais, onde intervêm no ajuste reflexo da postura em função da estimulação
medulares e, dessa forma, intervindo no visual;
controlo dos movimentos voluntários,
embora parte das fibras se projectem (6) a via rafe-espinal, com início no núcleo magno da rafe e projecção nos
! para as colunas posteriores, onde neurónios das extremidades das colunas anteriores, onde colabora na inibição
assumem um papel modulador dos da informação sensorial aferente, nomeadamente na modulação nociceptiva; a
Figura 11 - Vias ascendentes e descendentes
impulsos aferentes; par com a via locus ceruleus-espinal, coopera com o sistema autonómico
(modificado de Polarlys, 2006).
descendente, com origem no hipotálamo e no tronco cerebral e projecção nos
(2) o trato rubro-espinal, que se encontra envolvido nos reflexos cerebelosos e faz neurónios pré-ganglionares do sistema nervoso simpático e parassimpático,
parte do sistema extrapiramidal, a par das demais vias descendentes não intervindo na expressão corporal dos estados emocionais.
cortico-espinais com alguma interferência somatomotora a nível da
musculatura estriada (especificamente o tracto vestíbulo-espinal, os tractos Além destes tractos e fascículos, que constituem as principais vias ascendentes e
retículo-espinais e tecto-espinais que cursam juntamente, e o bulbo-espinal); descendentes, sublinhem-se algumas vias de transmissão bidireccional,
desce pelo cordão lateral a partir do núcleo rubro e projecta-se em designadamente o fascículo longitudinal mediano, que transmite informação entre
interneurónios e neurónios com função motora da coluna anterior, ajudando na o tronco cerebral e a medula e, ainda, os fascículos próprios lateral anterior e
inibição da actividade dos extensores e facilitando a actividade de flexão; posterior, bem como o tracto de Lissauer, que permitem a transmissão de
impulsos intersegmentais.
(3) o trato vestíbulo-espinal, com origem nos núcleos do nervo vestibular, desce
pelo cordão anterior e participa na modulação da actividade dos Por sua vez, a substância cinzenta é constituída essencialmente pelos corpos
motoneurónios inferiores, contribuindo para manutenção da tonicidade celulares de três tipos de neurónios: (a) neurónios de projecção central
(sensoriais); (b) neurónios de projecção periférica (motores); (c) interneurónios.
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Estes últimos são células nervosas de associação, podendo ser segmentares ou concentração de corpos celulares nas
proprioespinais, conforme transmitem informação intra-segmento ou colunas anteriores da substância cinzenta.
intersegmentos. Adicionalmente, aqueles interneurónios que procedem à
transmissão contralateral da informação dizem-se comissurais. A transmissão dos impulsos nervosos entre
os dois segmentos é frequentemente
Os neurónios aferentes, que entram pelas raízes dorsais e possuem os corpos assegurada por interneurónios que, ao
celulares nos gânglios dessas raízes, são neurónios sensoriais que tanto actuarem como reguladores da actividade
transportam informação extraceptiva (proveniente dos receptores cutâneos e de outros neurónios, têm um papel activo !
terminações livres, permitindo resposta a estímulos ambientais de pressão, na integração reflexológica (actividade que Figura 12 - Ilustração da lei de Bell-
temperatura ou dor) e proprioceptiva (proveniente dos fusos musculares, dos se descreverá no ponto seguinte). Magendie (adaptado de Polarlys, 2006).
das terminações nervosas vegetativas). Temos, deste modo, dois tipos de informação sensorial em motora se opere a nível medular. Na verdade, a
neurónios sensoriais: os somáticos e os vegetativos ou viscerais. distribuição não uniforme dos corpos celulares na substância cinzenta permite
distinguir uma organização em 10 camadas de cada lado, designadas Láminas de
Os neurónios de projecção periférica (eferentes), que saem pelas raízes ventrais, Rexed (Figura 13):
são neurónios motores e, à semelhança dos sensoriais, podem também ser de
tipo somático (motoneurónios) ou vegetativo, conforme asseguram o controlo da (a) Láminas I a IV – situam-se na coluna
actividade músculo-esquelética, ou constituem as fibras pré-ganglionares do dorsal e recebem informação cutânea por
sistema nervoso autónomo que enervam os músculos lisos dos órgãos internos e via das fibras exteroceptivas primárias
vasos sanguíneos, bem como o músculo cardíaco e as glândulas. Saliente-se que (e.g., dor, pressão e temperatura); a
os motoneurónios podem ser, ainda, subdivididos em tipo α (alfa) e tipo (gama). lâmina II corresponde à substância
Os primeiros são mais longos, de maior calibre e estimulam as fibras musculares gelatinosa de Rolando, cuja aparência é
estriadas extrafusais (fibras musculares propriamente ditas), ao passo que os ! devida à baixa concentração de fibras
segundos enervam as fibras intrafusais (fibras especializadas, mais pequenas e Figura 13 - Láminas de Rexed (esq.ª) e mielinizadas, interneurónios de pequena
pouco relevantes para a contracção muscular), modulando a frequência da principais núcleos (dir.ª) da substância dimensão reactivos a estímulos dolorosos
terminações dessas fibras à distensão do músculo. neurónios destas láminas tanto enviam
informação próprio-espinal, como projectam informação ascendente, por
Uma vez que a entrada da informação sensorial na espinal medula ocorre sempre exemplo, via tracto espinotalámico;
pela secção dorsal, enquanto a saída se dá pela secção ventral, a sua divisão em
corte coronal permite distinguir um segmento sensório-dorsal e um segmento (b) Láminas V e VI – são fundamentalmente constituídas por interneurónios
moto-ventral (lei de Bell-Magendie, ver Figura 12), motivo pelo qual há uma maior situados ainda na coluna dorsal, mas já na proximidade da zona intermédia,
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que recebem informação proprioceptiva primária, nomeadamente das vísceras Deste modo, apesar de se constituir como a divisão estruturalmente mais simples
(V) e fusos musculares (VI), enviando-a no sentido ascendente pelas vias do SNC, a espinal medula assume importantes funções sensoriais e motoras:
espinotalámicas e espinocerebelosas, respectivamente; especialmente os
interneurónios da lámina VI participam na integração da informação motora (1) recebe informação sensorial (somática e visceral) proveniente do corpo, mais
somática, pelo que concorrem para o papel da espinal medula como centro precisamente dos receptores periféricos que transduzem os fenómenos físicos
(c) Lámina VII – ocupa praticamente toda a área intermédia e lateral da espinal (2) transmite essa informação no sentido ascendente até ao encéfalo, via
medula, sendo composta por interneurónios que recebem informação de neurónios de projecção;
(d) Lámina VIII – ocupa a maior parte da coluna anterior e é constituída por superior, possibilitando a execução de movimentos e a regulação da postura;
(e) Lámina IX – situa-se na parte mais extrema da coluna anterior e compõe-se de assegura a conversão dinâmica de informação sensorial em motora,
motoneurónios de vários tipos, que enervam fibras intrafusais e extrafusais dos garantindo o controlo de actividade reflexa elementar.
músculos estriados;
Reflexos medulares
(f) Lámina X – é constituída por células gliares e corpos celulares de neurónios
Por definição, os reflexos medulares são respostas automáticas, não aprendidas
vegetativos que constituem a zona central da substância cinzenta da espinal
e estereotipadas a estímulos de tipo sensorial, com origem e natureza variada,
medula.
assegurando as formas mais simples de coordenação motora por parte do
Além de assegurar a condução da informação sensorial ao cérebro, pelas vias De facto, as respostas reflexas medulares envolvem apenas receptores e vias
nervosas ascendentes, e dos impulsos motores do cérebro à periferia, pelas vias sensoriais, a espinal medula, as vias motoras e respectivos órgãos efetores,
descendentes, a espinal medula ocupa o nível inferior na hierarquia do sistema dispensando a regulação por parte de estruturas supramedulares, ainda que tal
motor, sendo responsável pela génese de respostas reflexas somáticas e regulação possa acontecer e influenciar tanto a ocorrência como a intensidade da
actuando como centro de controlo de actividade reflexa vegetativa, o que lhe resposta reflexa. Na realidade, muitas dessas respostas nunca são tornadas
permite contribuir para a regulação homeostática global do organismo. conscientes e podem ser desencadeadas mesmo em situação de coma.
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Esquematizados de forma simplificada, todos os reflexos medulares constituem Algumas respostas reflexas obedecem à “lei do tudo ou nada”, i.e. ou estão
arcos sensoriomotores, na medida em que uma via sensorial aferente e uma via presentes ou ausentes, mas outras podem apresentar uma gradação quantitativa.
motora eferente estabelecem um circuito neuronal com origem e fim Mesmo nos reflexos mais simples, a excitabilidade do neurónio motor pode ser
respectivamente em receptores e efetores periféricos, passando geralmente pela afectada por influências inibitórias ou excitatórias com origem em vários níveis do
espinal medula. Assim, um arco reflexo é constituído por um receptor sensorial, sistema nervoso, suprimindo, atenuando ou, pelo contrário, amplificando a
um neurónio aferente, uma ou mais sinapses que têm lugar, em regra, na matéria resposta reflexa. Essas influências podem ter ser exercidas no sentido
cinzenta da espinal medula, um neurónio eferente e um órgão efetor (e.g., descendente, a partir de estruturas nervosas superiores, designadamente do
músculos estriados, músculos lisos, glândulas, etc.) (Figura 14). tronco cerebral, cerebelo, gânglios basais e, ainda, do córtice, mas também são
possíveis influências localizadas na própria medula, quer a nível intra-segmentar
Os arcos reflexos simples caracterizam-se por como intersegmentar, visto que os impulsos dos nervos aferentes, uma vez
sinapses directas entre a fibra sensorial e o entrados na medula, tanto podem gerar potenciais sinápticos excitatórios como
neurónio motor que vai produzir a resposta na inibitórios.
área estimulada (dizem-se monossinápticos e
são intra-segmentares), enquanto os arcos Contudo, regra geral, qualquer lesão que afecte a via sensorial ou motora do
! reflexos compostos envolvem um ou vários reflexo, assim como a matéria cinzenta do segmento medular em causa, produz a
Figura 14 - Arco reflexo simples neurónios de associação, que fazem a supressão ou, pelo menos, a atenuação do reflexo.
interligação (interneurónios) da entrada
sensorial com a saída motora (dizem-se reflexos polissinápticos e podem ser intra Por outro lado, visto que a maior parte das vias descendentes que convergem
ou intersegmentares), possibilitando que áreas diferentes da que recebeu a nos neurónios efetores, nomeadamente as cortico-espinais, exercem um efeito
estimulação sensorial sejam envolvidas na inibitório sobre os reflexos medulares, o resultado comum da sua lesão consiste
reflexo braquiorradial, constituem os únicos transecção medular a nível cervical (preparação experimental designada de
Figura 15 - Reflexo polissináptico
casos de reflexos monossinápticos no Homem, o “animal espinal”), começa por se observar um período de “choque espinal”
que justifica a sua curta latência (25 a 30 mseg). O reflexo de flexão, os reflexos caracterizado pela hipoativação transitória das funções medulares, incluindo da
cutâneos e, ainda, os reflexos autonómicos que permitem regular o actividade reflexa motora e vegetativa, mas essa actividade é habitualmente
funcionamento dos órgãos internos, dos vasos sanguíneos e das glândulas, são, retomada com aumento de actividade e excitabilidade funcional ao fim de um
todos eles, reflexos polissinápticos (Figura 15). período de tempo variável, dependendo da gravidade da lesão e do grau de
encefalização das funções motoras na espécie a que pertence o indivíduo
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afectado. No Homem, a recuperação das funções medulares após qualquer aferentes estabelecem sinapses com interneurónios inibitórios dos motoneurónios
situação que determine a secção transversal da espinal medula pode demorar de α dos músculos antagonistas, inibindo a respectiva flexão. É com base neste tipo
um par de semanas a vários meses (Rodrigues, 1992). de mecanismo miotático que se processam
as correcções automáticas na tonicidade
Extensor
Aliás, trabalhos de Grillner (1973) em gatos com preparações espinais sugeriram a muscular, contribuindo para a manutenção
+
existência na medula um conjunto de neurónios que se activam mutuamente, de da postura. Neste caso, o reflexo diz-se
forma rítmica, tendo sido designados de osciladores. Se a actividade de um miotático tónico, reservando-se a
Sinapse inibitória
Sinapse excitatória -
oscilador for autocontrolada, os componentes da sua actividade podem ser designação de miotático dinâmico para o Flexor -
+
+
utilizados para desencadear e controlar movimentos rítmicos, tais como andar ou reflexo de extensão.
Extensor
coçar.
Quanto à inibição recorrente (Figura 18), Figura 17 - Inibição recíproca
Mecanismos medulares excitatórios ou inibitórios !
trata-se de um mecanismo de autocontrolo
da atividade medular no qual as células de Renshaw assumem um papel
A actividade reflexa medular, sobretudo a polissináptica, é regulada por vários
relevante: recebem derivações colaterais eferentes dos motoneurónios e exercem
tipos de mecanismos de inibição ou de facilitação espaciotemporal: (1) Inibição
um efeito de retroacção inibitória sobre o
aferente; (2) Inibição recíproca; (3) Inibição recorrente; (4) Regulação bilateral.
próprio motoneurónio, impedindo o excesso
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O α-motoneurónio constitui um outro conceito importante ao nível medular, Reflexo de flexão = reflexo de afastamento, de retirada ou nociceptivo
simbolizando a convergência numa via final comum da: (1) informação que vem
da periferia e se destina a ficar na medula - fazendo sinapse com o interneurónio Reflexos autonómicos = reflexos vegetativos
e este com a fibra eferente; (2) da informação que vem da periferia e segue para
Reflexos cutâneos = reflexos superficiais
níveis superiores - ligação do mesmo interneurónio a níveis superiores; e, (3) da
informação que vem dos centros superiores. Deste modo pode-se dizer que o - Tracto (feixe de fibras mais dispersas) = fascículo (feixe de fibras mais compactas)
motoneurónio é a resposta final do organismo, nela se integrando o presente e o
passado. Presente, no sentido do que está acontecer no momento (informação Tracto espinotalámico = tracto anterolateral = fascículo sensorial secundário =
vinda da periferia); passado, no sentido da informação armazenada ao longo da Lemnisco espinal
evolução filo e ontogenética (informação vinda dos centros superiores). É pois um
Feixe espinobulbar = feixe espino-olivar
referencial informacional que está na base desta organização do α-motoneurónio.
Canal central = canal do epêndima Quadro 1. Classificação terminológica dos reflexos em função de diferentes critérios
Cornos = Colunas
Ventral = anterior
Dorsal = posterior
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Bibliografia
Gray, H. (1918). Anatomy of the Human Body. Lea & Febige: Philadelphia, PA.
Grillner, S. (1973). Locomotion in the spinal cat. In R. B. Stein et al. (Eds.), Control
of Posture and Locomotion (pp. 515–535). New York: Plenum Press.
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