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HISTÓRIA

DO BRASIL
COLÔNIA

Celiane Ferreira da Costa


Inconfidência Mineira
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Caracterizar o contexto pré-conjuração mineira.


 Relacionar o movimento iluminista europeu e a independência dos
EUA com a organização do movimento de revolta contra a Coroa
Portuguesa.
 Analisar as etapas do movimento inconfidente e seus principais
articuladores.

Introdução
A mineração promoveu uma série de transformações no Brasil Colônia,
como o desenvolvimento de várias cidades, a formação de uma classe
média urbana e o fomento de atividades voltadas ao mercado interno,
como a pecuária sulina e a integração entre áreas até então isoladas. O
centro econômico da colônia foi transferido do Nordeste para o Centro-
-Sul, com a consequente mudança da capital para o Rio de Janeiro, em
1763. Ao mesmo tempo, a exploração de ouro e pedras preciosas levou
o governo português a aumentar o controle sobre a colônia, principal-
mente na região mineradora, gerando ainda mais descontentamento
para os colonos, que em 1789 promoveram o primeiro movimento de
rompimento com Portugal.
Neste capítulo, você verá de que forma a administração portuguesa
para a região das Minas Gerais desencadeou a Inconfidência Mineira e de
que forma o Iluminismo e a Independência dos Estados Unidos influen-
ciaram esse movimento. Além disso, conhecerá as fases da Inconfidência
e seus principais líderes.
2 Inconfidência Mineira

1 Os antecedentes da Inconfidência Mineira


Um dos principais objetivos dos portugueses ao se lançarem nas navegações
era encontrar ouro e pedras preciosas. Ao chegarem no Brasil, em 1500, os
portugueses notaram que os indígenas não usavam ouro para se ornamentar.
Tal fato, além do lucrativo comércio com as Índias, fez com que Portugal não
tivesse interesse inicial de colonizar o Brasil. O ouro só foi encontrado no
Brasil em 1693, quando Antônio Rodrigues Arzão descobriu o primeiro filão
de ouro no sertão de Cataguases (FROTA, 2000).
A descoberta do ouro na região das Minas Gerais trouxe alívio, ainda
que efêmero, para os cofres portugueses, que enfrentava uma grave crise
econômica, envolvendo a luta pela libertação do domínio espanhol e o fim
da União Ibérica (1640). A coroa portuguesa teve que arcar com os custos
da guerra contra a Espanha, que durou até 1668 e com a indenização paga
à Holanda em 1654, depois de vencer a Insurreição Pernambucana. Após
serem expulsos do Nordeste, os holandeses passaram a produzir açúcar
nas Antilhas, fazendo concorrência na Europa com o açúcar brasileiro. De
acordo com Maximiliano Menz (2013, p. 44, documento on-line, acréscimo
nosso): “[a] causa estrutural da crise no Nordeste seria a redução secular
dos preços, motivada pela queda da demanda europeia”. Com a queda no
preço internacional do açúcar, a economia colonial, e consequentemente a
portuguesa, foram duramente afetadas.
Além dos problemas vindos da colônia, entre final do século XVII e início
do XVIII a economia portuguesa era extremamente dependente da Inglaterra,
sobretudo após a assinatura do Tratado de Methuen, em 1703, conforme
comenta Boris Fausto (2004, p. 98–99, acréscimo nosso):

A assinatura do tratado] indica a diferença entre um Portugal agrícola, de


um lado, e uma Inglaterra em pleno processo de industrialização, do outro.
Portugal obrigou-se a permitir a livre entrada de tecidos ingleses de lã e al-
godão em seu território, enquanto a Inglaterra comprometeu-se a tributar os
vinhos portugueses importados com redução de um terço do imposto pago
por vinhos de outras procedências.

O alívio aos cofres portugueses foi efêmero, pois a partir da segunda


metade do século XVIII a produção aurífera na região das Minas Gerais
começou a declinar. O Quadro 1 mostra a produção de ouro no Brasil no
século XVIII.
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Quadro 1. Evolução da profução aurífera na América portuguesa ao longo do séc. XVIII

Período Produção (Kg)

1700–1705 1.470

1706–1710 4.410

1711–1715 6.500

1716–1720 6.500

1721–1725 7.000

1726–1729 7.500

1730–1734 7.500

1735–1739 10.637

1740–1744 10.047

1745–1749 9.712

1750–1754 8.780

1755–1759 8.016

1760–1764 7.399

1765-1769 6.659

1770-1774 6.179

1775–1779 5.518

1780–1784 4.884

1785–1789 3.511

1790–1794 3.360

1795–1799 3.249

Fonte: Adaptado de Pinto (1979).

A partir da análise do quadro, podemos verificar que o auge da produção de


ouro em Minas Gerais foi atingido ainda na primeira metade do século XVIII;
porém, a partir da segunda metade do século, a extração aurífera na capitania
4 Inconfidência Mineira

entrou em declínio acentuado. A desaceleração ocorreu de forma natural,


tendo em vista que o ouro é um recurso finito. No entanto, o contrabando do
ouro contribuiu para o decréscimo na arrecadação.
A partir de 1750, a coroa portuguesa substituiu o sistema de capitação
novamente pelo quinto e instituiu uma cota fixa de 100 arrobas (equivalente
a cerca de 1.500 quilos) de ouro, que deveria ser paga anualmente pelos mine-
radores (HOLANDA, 2008). Caso essa cota de ouro não fosse paga, a coroa
portuguesa viria a instituir a derrama, cobrança compulsória dos impostos
atrasados, que deveriam ser pagos com recursos dos mineradores. Até 1766,
essa quantidade foi paga, mas a partir daí as dívidas se acumularam, chegando
a 538 arrobas de ouro (cerca de 8.000 quilos) em 1788 (JARDIM, 1989). A
ameaça da cobrança da derrama atemorizava os mineradores. Além dessa
ameaça, o restabelecimento das companhias de comércio monopolistas en-
careceu excessivamente os gêneros de primeira necessidade.
A coroa portuguesa ignorava, ou fingia ignorar, o fato de que a arrecadação
diminuíra devido ao esgotamento natural dos veios auríferos. Para continuar
a exploração sistemática do ouro, eram necessários recursos financeiros que
os mineiros não possuíam. Alguns funcionários do rei propunham adoções de
medidas alternativas à simplesmente aumentar a fiscalização e os impostos da
região mineradora, como o próprio governador da capitania de Minas Gerais
chegou a sugerir:

Aos espíritos mais judiciosos, não escapava essa decadência da produção au-
rífera, e administradores de visão como o Governador D. Rodrigo de Meneses
propunham à coroa portuguesa uma série de reformas com a criação de um
fundo de crédito aos mineiros e o estabelecimento de uma fábrica de ferro, a
fim de baratear um artigo indispensável à mineração. D. Rodrigo animava-se a
apresentar tal recomendação, mesmo sabendo que ela contrariava frontalmente
o sistema colonial vigente. Defendia, porém, os interesses da Régia Fazenda
(HOLANDA, 2008, p. 439–440).

O sistema colonial vigente à que se refere Sérgio Buarque de Holanda diz


respeito ao Pacto Colonial, relação de exclusividade entre colônia e metrópole
com objetivo de deixar a colônia dependente dos produtos que só poderiam ser
oferecidos pela metrópole. Durante a administração do Marquês de Pombal
(1750–1777), a instalação de algumas manufaturas foi permitida, cujo objetivo
principal era o fomento à produção metropolitana. Era permitida a existência
na colônia de pequenos polos de fabricação de artigos de consumo, como teci-
dos, calçados, armas e ferramentas de trabalho. Tal medida implementada por
Pombal foi proibida pela rainha D. Maria I, sucessora do rei D. José I. “O alvará
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de 5 de janeiro de 1875 proibiu a instalação de estabelecimentos fabris. Em


consequência, as tecelagens paralisaram-se, com exclusão daquelas destinadas
ao fabrico de tecidos para escravos e sacaria” (FROTA, 2000, p. 180). Assim,
aos preços exorbitantes acrescentavam-se outros tributos, de efeitos desastrosos
para a população, que já não tinha mais condições de arcar com tantas taxas.
O governador da capitania de Minas Gerais, Rodrigo de Meneses, que apre-
sentava ideias consideradas “progressistas”, foi substituído por Luís da Cunha
Meneses, que governou a capitania entre 1783 e 1788. Havia dentre os colonos
um sentimento de hostilidade com relação aos funcionários portugueses, prin-
cipalmente para com os governadores. De acordo com Boris Fausto (2004, p.
115, acréscimo nosso), “[o] entrosamento entre a elite local e a administração da
capitania sofreu um abalo com a chegada” de Cunha Meneses, que “marginalizou
os membros mais significativos da elite [mineira], favorecendo seu grupo de
amigos”. O descontentamento dos colonos com a administração portuguesa só
aumentava. Segundo Sergio Buarque de Holanda (2008, p. 440) “bastaria um
motivo concreto, imediato e um líder para se armar um levante”.
A situação na colônia foi agravada com a nomeação de Luís Antônio Furtado
de Mendonça para exercer o cargo de governador da capitania das Minas Gerais,
em julho de 1788. O Visconde de Barbacena, título do governador, assumiu o
governo da capitania com o principal objetivo de promover a derrama.

Barbacena recebeu do ministro português Melo e Castro instruções no sentido


de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas de ouro. Para com-
pletar essa quota, o governador poderia se apropriar de todo o ouro existente
e, se isso não fosse suficiente, poderia decretar a derrama, um imposto a ser
pago por cada habitante da capitania. Recebeu ainda instruções no sentido
de investigar os devedores da coroa e os contratos realizados entre a admi-
nistração pública e os particulares (FAUSTO, 2004, p. 115).

Nesse contexto, a capitania de Minas Gerais devia para Portugal mais de cinco
toneladas de ouro. Os colonos afirmavam que não podiam pagar, porque o ouro
estava se esgotando. As autoridades portuguesas reafirmavam que o problema
era que o ouro estava sendo desviado. Holanda (2008, p. 340) afirma que “Não é
por acaso que o Visconde de Barbacena, em sua circular de 3 de março de 1789,
apresenta como principal causa para a diminuição das quotas pertencentes ao
régio erário a crescente atividade de contrabandistas e extraviadores”. Esse fato
que fez com as elites de Minas Gerais começassem a conspirar contra a Coroa.
Não bastava lutar apenas contra algumas medidas tomadas pela metrópole, era
preciso mais do que isso. A solução definitiva, pensavam as elites, seria separar
a capitania de Minas Gerais do domínio português.
6 Inconfidência Mineira

2 A influência iluminista e norte-americana


Nesse clima de descontentamento, a propagação dos princípios liberais era feita
pelos habitantes da colônia que estudavam na Europa e, quando voltavam ao Brasil,
traziam e espalhavam ideias iluministas. Um grupo de intelectuais, militares,
profissionais liberais e funcionários públicos (a quem doravante chamaremos
de inconfidentes) viu na situação a oportunidade para obter apoio popular a um
movimento armado contra o domínio português, que levaria à independência e à
criação de um governo republicano, nos moldes dos Estados Unidos da América.
Sérgio Buarque de Holanda apresenta um importante paralelo entre a produção
aurífera e a ida de estudantes brasileiros para as universidades europeias. Holanda
aponta que o crescente número de estudantes mineiros em Coimbra coincide com
a grande fase da produção aurífera na capitania. Já quando a produção aurífera
diminuiu, decresceu também o número de estudantes nas universidades europeias:

Não é talvez por acaso que a diminuição mais sensível nas matrículas mineiras
no decênio que se inicia em 1750 — a de 1758 — corresponde exatamente ao
primeiro déficit no rendimento dos reais quintos: o produto da arrecadação que
se mantivera sempre bem acima de cem por cento do exigido baixara, com efeito,
a menos de 89 por centro do período 1757–58. A própria queda verificada em
1759–1760, por ligeira que fosse, também coincide com uma baixa contribuição de
Minas para os estudos superiores: apenas cinco estudantes em 1760, contra onze
no ano antecedente e outros onze no subsequente (HOLANDA, 2008, p. 338).

Esses estudantes acabaram se tornando responsáveis por trazer para co-


lônia ideias liberais. Os inconfidentes conheciam os autores iluministas e
admiravam os líderes da independência dos Estados Unidos, inspirando-se
neles para formular seu plano.
Embora tenha surgido na Inglaterra, foi na França que o Iluminismo teve
maiores desdobramentos. Esse movimento de renovação de ideias baseado no
racionalismo comparava a razão com a luz que dissolve as trevas da ignorância
e, por isso, ficou conhecido como Iluminismo, e o século XVIII, como o Século
das Luzes. Os ideais iluministas atendiam às necessidades dos burgueses, que
se sentiam prejudicados pelos reis absolutistas e pela influência da Igreja em
assuntos do Estado. Em 1690, o pensador inglês John Locke publicou um livro
destruindo as bases filosóficas que sustentavam a teoria do Direito Divino:

Demolia-se a teoria de que o direito dos monarcas à autoridade absoluta derivava


de um poder além dos limites do homem, o poder divino. Configurava-se a teoria
do “contrato social” como base de legitimidade da autoridade dos governos,
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teoria posteriormente desenvolvida também por Jean-Jacques Rousseau. Criava-


-se arcabouço filosófico necessário à burguesia para opor-se às prerrogativas e
privilégios da nobreza e do clero, através das ideias de igualdade social e direito
coletivo de liberdade e garantia de uso e fruição de propriedade. [...] Estabelecia-
-se o direito de revolução contra o governo ilegítimo (JARDIM, 1989 p. 42).

A Universidade de Coimbra destacava-se nesse contexto pelo “espírito


secular” influenciado pelo Iluminismo. Muitos estudantes mineiros que se
envolveram na Inconfidência Mineira haviam estudado em Coimbra. Estima-
-se que entre 1772 e 1785, 300 estudantes brasileiros tenham estudado em
Coimbra, e parte deles tinha estudado também na Universidade de Montpelier,
na França, onde entre 1767 e 1793 haviam passado 15 estudantes brasileiros.
De acordo com Jardim (1989, p. 43), “Em 1786, em Montpelier estavam três
estudantes diretamente envolvidos na Inconfidência: Domingos Vidal de
Barbosa Laje, José Mariano Leal (do Rio de Janeiro) e José Joaquim da Maia
e Barbalho (do Rio de Janeiro)”.
Na França, o estudante José Joaquim da Maia e Barbalho escreveu uma
carta à Thomas Jefferson, redator da Declaração de Independência dos Estados
Unidos, em 1786. No encontro com Thomas Jefferson, “o jovem brasileiro
havia lhe indagado das possibilidade do governo americano ajudar o Brasil,
caso ali se tentasse a libertação de Portugal” (QUIRINO, 1990, p. 273). Di-
plomaticamente, Thomas Jefferson procurou não se comprometer.
A independência dos Estados Unidos teve muita influência do Iluminismo.
As ideias iluministas eram divulgadas nas 13 colônias principalmente por
meio de panfletos e periódicos que circulavam intensamente na Inglaterra do
século XVII e na França do século XVIII. A Declaração de Independência
dos Estados Unidos, aprovada em 4 de julho de 1776, fazia claras menções
aos princípios iluministas:

 igualdade de todos os homens;


 direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade (princípios defendidos
por John Locke como Direitos Naturais);
 se o governo não respeitasse esses princípios, o povo poderia derrubá-lo
e instituir um novo governo.

Outra importante influência para os inconfidentes foi o livro do francês


Thomas Guillaume François, conhecido como Abade Raynal. O livro História
filosófica e política dos estabelecimentos comerciais dos europeus nas duas
Índias, publicado em 1770, foi o mais citado nos Autos da Devassa (processo
judicial) da Inconfidência Mineira:
8 Inconfidência Mineira

[O] livro era uma denúncia dos crimes do colonialismo europeu; denunciava
o Tratado de Methuen e a dependência de Portugal à Inglaterra, o tráfico ne-
greiro, a política fiscal abusiva e os excessos do clero. Dedicava 136 páginas
ao Brasil, para o qual defendia a liberdade de comércio. Fora praticamente
o único livro com grandes informações de ordem econômica, demográfica
e político-administrativa do Brasil do século XVIII a que tiveram acesso os
estudantes brasileiros (JARDIM, 1989, p. 43–44).

Durante a década de 1780, circulava por Vila Rica (atual Ouro Preto) as Cartas Chilenas,
versos anônimos que hoje são atribuídos a Tomás Antônio Gonzaga, Ouvidor Geral de
Vila Rica. Os versos narram de forma satírica os desmandos do governador de Santiago
do Chile, Fanfarrão Minésio. Os versos são narrados por Critilo ao seu amigo Doroteu. A
cidade de Santiago seria na verdade Vila Rica, governada por Luís da Cunha Meneses
(Fanfarrão Minésio), sendo criticada pelo ouvidor-mor Tomás Antônio Gonzaga (Critilo).
Ao todo foram escritas 13 cartas, contendo versos com dez sílabas, sem rimas. Hoje as
cartas estão em domínio público e podem ser acessadas gratuitamente na internet.
Para saber mais, procure pelo artigo “Cartas Chilenas: transformações e tensões
em versos satíricos às vésperas da Inconfidência Mineira”, da historiadora Ana Maria
Bertolino, publicado na revista Horizonte Científico, citado em detalhes na seção Leituras
Recomendadas, ao final deste capítulo.

Mesmo sendo considerado um déspota esclarecido, o Marquês de Pombal


buscava solucionar a crise econômica enfrentada por Portugal, fortalecendo
o poder do rei D. José I. Para tal, censurou a leitura de livros na colônia
que pudessem contestar o poder real. Pensadores como Descartes, Voltaire,
Raynal e Rousseau, bem como as “terríveis ideias francesas”, eram proibidos.
Segundo Quirino (1990, p. 277) “Nas colônias sempre haviam sido proibidas
as obras consideradas subversivas, isto é, aquelas que pudessem de alguma
forma incitar a revolta contra a Metrópole, discutir o poder absoluto dos reis
ou mesmo a liberdade do cidadão”. Ainda que proibidas, essas leituras fizeram
parta da formação intelectual de quase todos os inconfidentes. De acordo
com Márcio Jardim, as ideias iluministas eram absorvidas pelos mineiros por
dois fatores: a posição geográfica, perto de contato constante com os portos,
e por ter intelectuais aptos a recebê-las, como historiadores, filósofos, poetas
e padres esclarecidos. A Constituição dos Estados Unidos já circulava por
Minas Gerais em 1787, um ano após ser elaborada (JARDIM, 1989). Para
Quirino (1990, p. 274):
Inconfidência Mineira 9

Havia, portanto, para os habitantes das colônias americanas, dois focos de


inspiração de caráter libertário: um, bastante óbvio, dizia respeito a uma
revolução bem-sucedida que tinha possibilitado a realização concreta da
libertação de um povo e o surgimento de uma nova nação; outro, de caráter
ideológico, falava em liberdade e igualdade dos homens e era aprendido fora
da colônia por uma elite intelectual, porém curiosamente conseguia se difundir
no seu interior atingindo mesmo os menos favorecidos.

Fica claro, portanto, que o pensamento iluminista serviu de base teórica


para a Inconfidência Mineira, enquanto o sucesso do processo de Indepen-
dência dos Estados Unidos servia como modelo prático de insurgência para
os inconfidentes mineiros, modelo este que deveria ser seguido para libertar
Minas Gerias do domínio português.

3 A Inconfidência Mineira
Quando foi anunciado que a cobrança dos impostos atrasados seria feita
em 1789, acompanhada de uma ampla investigação sobre o contrabando na
região, destacados membros da elite econômica e intelectual de Minas Ge-
rais passaram a se reunir em Vila Rica e a planejar um movimento contra o
domínio colonial, que ficou conhecido como Inconfidência Mineira. Muitos
dos conspiradores aderiram à Inconfidência pois estavam endividados com
Portugal, ou porque eram acusados de contrabando, ou ainda porque haviam
perdido cargos importantes no governo colonial.
Antes de analisarmos o que pretendiam os inconfidentes, é necessário
verificarmos quem eram esses intelectuais mineiros e qual o envolvimento
e interesses deles na Inconfidência Mineira. Vejamos a seguir os principais
envolvidos no movimento.

Os inconfidentes
Ao final da sedição que não se realizou, conforme veremos a seguir, foram
condenados 24 inconfidentes. Desses, os mais estudados pela historiografia
são Joaquim José da Silva Xavier (o Tiradentes), Tomás Antônio Gonzaga,
Cláudio Manoel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e os padres que
se envolveram na Inconfidência.
No livro A inconfidência Mineira: uma síntese factual, o historiador Márcio
Jardim destaca que haveria muitos outros inconfidentes além dos 24 conde-
nados ao final do processo e que se fosse feita uma análise minuciosa de toda
10 Inconfidência Mineira

a documentação existente sobre o tema, o número de inconfidentes passaria


de cem. Jardim (1989, p. 46) aponta que, segundo um dos devassantes, toda a
população de Minas Gerais deveria ser indiciada, pois “ou estava diretamente
envolvida na conspiração, ou dela tinha conhecimento e a apoiava tacitamente”.
Márcio Jardim faz uma extensa análise dos envolvidos na Inconfidência.
Nas 264 páginas de seu livro dedicadas aos inconfidentes, Jardim organiza
uma biografia de 84 envolvidos no movimento, sendo distribuídos da seguinte
forma: 15 militares, 62 civis e 7 clérigos. Não nos cabe, entretanto, mencionar
aqui todos os inconfidentes apontados por Jardim, então faremos uma breve
análise sobre os principais envolvidos na Inconfidência.
A figura mais icônica da Inconfidência Mineira é, sem dúvida, Tiradentes,
cujo nome de batismo era Joaquim José da Silva Xavier. Nascido em 1746,
filho de pai português e mãe brasileira, era o 4º filho do casal. O local de
nascimento de Tiradentes, a região de São José del-Rei, foi rebatizado em
sua homenagem e hoje é a cidade de Tiradentes. Órfão desde muito cedo,
a mãe falecera quando ele tinha 9 anos e o pai, quando tinha 11 anos.
Tiradentes fora criado pelo seu padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, com
quem aprendeu o ofício de dentista. Ao contrário do que por muito tempo
se defendeu, Tiradentes não era pobre. A fazenda onde nascera possuía 35
escravos, trabalhando inclusive na mineração. Segundo Jardim (1989, p.
63, acréscimo nosso), “A casa tinha dois pavimentos [...]. Havia senzalas e
cozinhas coletivas. A família possuía numeroso e valioso instrumental de
ferro para minerar, relacionado, por sua importância, no inventário [de sua
mãe, aberto em 1756]”.
Já adulto, Tiradentes exerceu por algum tempo a atividade de mascate,
adquirindo experiência de vida e variados conhecimentos, como algumas
noções de hidráulica. Aderiu à carreira militar aos 29 anos, em dezembro de
1775, no Rio de Janeiro, ingressando diretamente no posto de alferes, “posição
hierárquica intermediária entre o tenente e o cabo”, que hoje corresponderia
ao posto de 2º tenente (JARDIM, 1989, p. 67–67). Tiradentes permaneceu no
Rio de Janeiro até 1780, quando foi designado para Sete Lagoas, Minas Gerais,
encarregado da guarda do Registro ali existente. Nesse posto, Tiradentes
estabeleceu correspondência com um dos inconfidentes, o contratador João
Rodrigues de Macedo, “e por ela nota-se que já se conheciam” (JARDIM,
1989, p. 69). Com vasto conhecimento sobre a região, Tiradentes participou
da abertura do Caminho Novo, conhecido depois como Caminho de Meneses,
em homenagem ao governador Rodrigo de Meneses. Sobre a carreira militar
de Tiradentes, Kenneth Maxwell (MAXWELL, 2005, p. 144) destaca:
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Apesar de sua personalidade dinâmica, não progredira em posto nem re-


muneração até 1788. Queixava-se amargamente de que, a despeito de seus
bons serviços, fora preterido quatro vezes por outros “mais bonitos” ou que
contavam com a influência de parentes bem situados. Exerceu o comando de
importante destacamento dos Dragões que patrulhava a estrada da Serra da
Mantiqueira, no governo de D. Rodrigo José de Meneses. O governador Luís
da Cunha Meneses removera-o deste lucrativo posto.

Durante sua permanência no Rio de Janeiro, percebeu o potencial da


cidade como porto natural de um grande país. Nesse período, década de 1780,
Tiradentes já havia entrado em contato com ideais separatistas e tinha enorme
apreço pela revolução que garantiu a Independência dos Estados Unidos e
pelo Iluminismo, adotando posições mais radicalizadas durante o processo
conspiratório. Tiradentes circulava com livros sobre a Independência dos
Estados Unidos e buscava outros livros relacionados ao tema. A emancipação
norte-americana empolgava-o e ele tentava convencer as pessoas de suas ideias.
Andava sempre com dicionários, para traduzir os textos em francês. De acordo
com Jardim (1989, p. 75–76), “Esse modo de ser e de agir, reflexo de uma
personalidade exaltada, foi razão de alcunhas que lhe foram apostas. Além
da própria palavra ‘tira-dentes’, chamavam-lhe o ‘corta-vento’, ‘gramaticão’,
‘o República’, ‘o Liberdade’”. Imbuído da missão de protagonizar um levante
contra o domínio português, Tiradentes, recorreu ao seu superior:

Sabendo que uma revolta não se concretiza com palavras, espalhou a ideia
entre os seus camaradas, conseguindo o apoio de seu comandante, o Tenente-
-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, de ilustre linhagem, em cuja
casa reuniam-se os conjurados. Sem dúvida, José Alvares Maciel exerceu muita
influência, pois era cunhado de Freire de Andrade (FROTA, 2000, p. 215–216).

A participação e contribuição de Tiradentes na Inconfidência Mineira foi


muito importante. Nas palavras de Márcio Jardim (1989, p. 85): “radicalizou
suas posições ao ponto de não [sic] importar-se com a entrega da própria
vida”. Conforme veremos adiante, Tiradentes foi o único dos inconfidentes
a ser executado.
Superior de Tiradentes, o militar Francisco de Paula Freire de Andrade foi o
inconfidente de mais alta patente envolvido no movimento. Em 1789, Francisco
de Paula era tenente-coronel e ocupava o posto de comandante do Regimento
Regular de Cavalaria de Minas (RRCM), unidade conhecida também como
“Dragões Reais de Minas”. Vindo de uma família de posses, ainda que fosse
filho ilegítimo de um conde, Francisco de Paula casou-se com Isabel Querubina
12 Inconfidência Mineira

de Oliveira Maciel, cujo dote rendera a Francisco de Paula uma boa quantia
em dinheiro. Juntando a riqueza pessoal de Francisco de Paula com o dote de
sua esposa, eles eram um dos casais mais ricos da capitania (JARDIM, 1989).
A casa de Francisco de Paula era ponto de encontro onde eram realizadas as
reuniões com os principais inconfidentes.
Ao assumir o ministério português, Melo e Castro propôs mudanças com
relação à colônia, a começar pela substituição do governador Luís da Cunha
Meneses pelo Visconde de Barbacena.

Melo e Castro, em suas instruções, acusava os Dragões e suas “abominá-


veis extorsões e assaltos armados” de serem parcialmente responsáveis pelo
calamitoso estado da Fazenda de Minas. Se a reforma da tropa regular — e
Barbacena planejava uma reestruturação radical — ameaçava sua posição
pessoal, não chega a ficar claro (MAXWELL, 2005, p. 146).

O Visconde de Barbacena recebera em outubro de 1788 um relatório sobre


a lista de militares da capitania, que continha o nome de oficiais já afastados
e outros tantos inexistentes. Essa lista “inchada” aumentou o montante a ser
pago aos militares. A Junta da Fazenda determinou que os pagamentos fossem
suspensos até a confirmação das comissões das tropas. As listas em questão
foram elaboradas por Francisco de Paula e “continham muito mais tropas do
que as realmente em serviço” (MAXWELL, 2005, p. 147). Logo, Francisco
de Paula teve grande envolvimento no movimento.
Na visão de Márcio Jardim, o mais importante inconfidente foi Tomás
Antônio Gonzaga, a quem vimos anteriormente e creditado pela criação
das Carta Chilenas. Tomás Antônio Gonzaga nasceu em agosto de 1744, na
cidade do Porto, em Portugal, onde vivera até os 7 anos de idade, quando
seu pai, desembargador João Bernardo Gonzaga, foi nomeado ouvidor de
Recife. Gonzaga e sua família permaneceram em Recife até 1759, quando
seu pai assumiu o cargo de Intendente Geral do Ouro na Bahia. Aos 17 anos,
Gonzaga teria completado os estudos em Salvador, provavelmente no Colégio
dos Jesuítas. Em 1761, Gonzaga e seu irmão, José, retornaram à Portugal para
estudarem na Universidade de Coimbra, onde Gonzaga iniciara seus estudos
de direito em 1763. Durante o curso na Universidade, Gonzaga estudou com
Inácio José de Alvarenga Peixoto, que se tornaria também um inconfidente
(JARDIM, 1989).
Inconfidência Mineira 13

Após concluir o curso de Direito, em fevereiro de 1768, advogou por


um tempo na cidade do Porto. Em 1778, iniciou sua carreira na magistra-
tura, sendo nomeado Juiz de Fora na cidade de Beja. Em 1782, Gonzaga
é nomeado Ouvidor Geral de Vila Rica, assumindo o posto em dezembro
deste mesmo ano (JARDIM, 1989). Gonzaga criticou anonimamente o
governador da capitania de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses, por
meio das Cartas Chilenas, citadas anteriormente. Em 1786, Gonzaga foi
nomeado Desembargador para a Relação da Bahia, mas retardou sua ida
para o Nordeste com o pretexto de organizar o seu noivado (JARDIM,
1989). Sabe-se agora que sua ida foi retardada dado seu envolvimento com
a Inconfidência Mineira.
Permanecendo em Minas Gerais com recursos próprios, Gonzaga usou
de sua influência para criar condições favoráveis ao levante: “pressionava
constantemente seu amigo Bandeira, cujo papel era o de exigir a derrama,
para que pedisse a cobrança da dívida total de mais de 500 arrobas de ouro
devidas à Fazenda e não só os atrasados do ano anterior” (MAXWELL, 2005,
p. 147). Gonzaga almejava com tal atitude inflamar ainda mais os ânimos dos
mineiros contra a dominação portuguesa. Márcio Jardim defende que Gonzaga
foi o mais importante dos inconfidentes:

O papel de Tomás Antônio Gonzaga na revolução mineira de 1789 foi dos mais
importantes e decisivos. Embora a historiografia específica sobre seu caso
pessoal seja polêmica e contraditória, tenho certeza de que a leitura moderna
dos Autos não deixa dúvida quanto a três fatos fundamentais: a) Gonzaga
participara efetivamente da conspiração; b) era um de seus principais líderes
[...]; c) tinha responsabilidade capital na revolta, com a tarefa de redigir a
Constituição e os documentos legais mais importantes de institucionalização
da nova situação política a ser criada (JARDIM, 1989, p. 103).

Do grupo de inconfidentes civis, destaca-se a participação do poeta e mine-


rador Cláudio Manuel da Costa, nascido em Mariana, Minas Gerais, em 1729.
Kenneth Maxwell o aponta como um dos mais instruídos dos inconfidentes, o
qual viria a auxiliar Gonzaga na elaboração das leis do novo Estado sonhado.
Ainda de acordo com Maxwell, Cláudio Manuel da Costa teria traduzido o
livro Riqueza das Nações, de Adam Smith (2005).
14 Inconfidência Mineira

Cláudio Manuel da Costa era um dos mais ricos e influentes inconfidentes. Ao ser preso,
contando com 60 anos e doente, ficou detido em Minas Gerais, enquanto os demais
inconfidentes foram enviados para o Rio de Janeiro. Após prestar seu primeiro, e único,
depoimento no dia 2 de julho de 1789, foi encontrado morto em sua cela no dia 4 do
mesmo mês. O laudo legista atestou suicídio, mas há historiadores que defendem a
tese de que ele foi mesmo assassinado para evitar que o suposto envolvimento do
Visconde de Barbacena com a Inconfidência viesse a ser revelado.
Para se aprofundar no assunto, sugerimos a leitura do livro Cláudio Manuel da Costa:
o letrado dividido, publicado pela historiadora Laura de Mello e Souza em 2011, pela
Companhia das Letras.

Dentre outros civis que se envolveram na Inconfidência, destacam-se:

 Domingos de Abreu Vieira, comerciante português, nascido em 1924, que


mantinha estreitos vínculos pessoais com os principais inconfidentes. Abreu
Vieira teria garantido o fornecimento da pólvora necessária para deflagração
da Inconfidência. De acordo com Maxwell (2005, p. 148), Abreu Vieira
tinha uma grande dívida com a Fazenda Real e se envolveu na Inconfidência
“porque ela proporcionava um meio de eliminar suas dívidas”.
 João Rodrigues de Macedo, contratador português, citado por Melo e
Castro como um dos maiores devedores da Fazenda. Macedo era de uma
abastada família de Coimbra e vivia no mais belo palácio particular da
capitania de Minas Gerais, que abriga hoje a Casa dos Contos, em Ouro
Preto. Segundo Maxwell, a dívida de Macedo era “oito vezes maior do
que seu ativo” (2005, p. 149). Macedo era um dos mais interessados no
rompimento político com Portugal, para que sua fortuna fosse assegurada.
 Joaquim Silvério dos Reis, também contratador português, nascido
em 1755 ou 1756, em Monte Real. Quando foi preso, em 1789, “era um
dos homens mais ricos da capitania e, ao lado de João Rodrigues de
Macedo, o mais endividado em relação ao Erário” (JARDIM, 1989,
p. 156). Silvério dos Reis aderiu à conspiração no início de 1789, a
contragosto de Gonzaga, que inclusive criticava Silvério do Reis nas
Cartas Chilenas, chamando-o de Silverino.
 José Alvares Maciel, nascido em Vila Rica (atual Ouro Preto) em 1760,
sendo o mais jovem dos inconfidentes. Maciel estudou em Coimbra,
onde concluiu o curso de Filosofia Natural (equivalente ao de Engenharia
Inconfidência Mineira 15

Química), em 1785. Aluno exemplar, Maciel teria em Portugal entrado


em contato com os ideais iluministas e também, de acordo com Márcio
Jardim (1989, p. 143), teria aderido à Maçonaria, “e este fato permite
provar que a Maçonaria não era inexistente no Brasil e em Minas Gerais
naquela época, como se pensa geralmente”. José Alvares Maciel era de
uma família rica e sendo totalmente dependente de seu pai, “o jovem
Maciel via-se ameaçado de perder seu patrimônio em virtude das ordens
de Melo e Castro” (MAXWELL, 2005, p. 143).
 Inácio José Alvarenga Peixoto, nascido no Rio de Janeiro, em 1742.
Graduou-se em Direito na Universidade de Coimbra em 1768. Foi
nomeado Juiz de Fora na cidade de Sintra, em Portugal, pelo Marquês
de Pombal, ainda em 1768. Abandonou a magistratura para se dedicar
à mineração e ao latifúndio. Assim como Gonzaga e Cláudio Manoel,
Alvarenga era um excelente poeta, com poemas bastante conhecidos do
público (JARDIM, 1989). Tal como os demais inconfidentes mencio-
nados, Alvarenga Peixoto estava endividado com a Fazenda e também
com João Rodrigues de Macedo, que lhe emprestara dinheiro desde
que este estudava em Coimbra (MAXWELL, 2005).
 Clérigos: Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, o mais radical dos
eclesiásticos envolvidos na Inconfidência Mineira. Nasceu em Taubaté
em 1731 e “era um rico proprietário de terras, com grandes lavouras e
trabalhos na mineração, sendo senhor de numerosos escravos na comarca
de Rio das Mortes” (MAXWELL, 2005, p. 145). Com atuação decisiva
na Inconfidência Mineira, o padre Carlos Correia pode ser considerado
um dos principais líderes, que arregimentou vários adeptos (JARDIM,
1989). Padre José da Silva e Oliveira Rolim, nascido em Diamantina, em
1747. Filho do primeiro administrador do Real Contrato dos Diamantes,
Oliveira Rolim pode ser considerado, “em termos de liquidez, o mais
rico dos inconfidentes” (JARDIM, 1989, p. 296). Diferentemente de
outros inconfidentes, Oliveira Rolim não tinha dívidas com a Fazenda,
mas fora expulso da capitania de Minas Gerais pelo governador Luís da
Cunha Meneses, em 1876. Retornou à capitania, de modo clandestino, no
ano seguinte. Segundo Maxwell (2005, p. 145), “O Padre Rolim tentara
obter de Barbacena a revogação da ordem de seu banimento, sem êxito,
e sua mágoa levou-o — aparentemente — a aderir à conspiração”. Padre
Luís Vieira da Silva, nascido em 1735, em Congonhas, Minas Gerais.
O historiador Márcio Jardim aponta com convicção que o Padre Luís
Vieira da Silva foi o maior líder da Inconfidência Mineira, ao lado
de Tomás Antônio Gonzaga. De acordo com Jardim (1989, p. 276),
16 Inconfidência Mineira

“Luís Vieira foi o criador do movimento, líder intelectual, coordenador,


estrategista”. Entusiasta admirador da luta dos norte-americanos pela
independência, “Luís Vieira muitas vezes falava contra o direito de
Portugal sobre a América” (MAXWELL, 2005, p. 148).

As propostas dos inconfidentes


Motivados pela expectativa da efetivação da derrama, os inconfidentes ini-
ciaram discussões sobre o movimento ainda em 1788. As primeiras reuniões
foram realizadas em dezembro de 1788, na casa do tenente-coronel Francisco
de Paula Freire de Andrade. Além do anfitrião, estavam presentes na primeira
reunião José Alvares Maciel, cunhado de Francisco de Paula, Tiradentes e
o Padre Carlos Correia. Holanda (2008, p. 443) afirma que “Discutiram-se
as possibilidades do levante por ocasião do lançamento da derrama e suas
probabilidades de sucesso, tendo-se em vista a autossuficiência da Capitania
de Minas Gerais”. Nada de concreto fora decidido nessa reunião. Na segunda
reunião, foi acrescentado o Padre Oliveira Rolim. Alvarenga Peixoto só par-
ticiparia futuramente, sendo chamado pelo Padre Correia. Kenneth Maxwell
assim discorre sobre os planos dos inconfidentes:

Os conspiradores esperavam que a derrama fosse imposta em meados de fevereiro


[de 1789]. Contando com a inquietação geral do povo, eles se propunham instigar
um motim sob cuja cobertura, e com a conivência dos Dragões, o governador
seria assassinado e se proclamaria uma república independente. O alferes Silva
Xavier deveria provocar a agitação em Vila Rica. Teria o auxílio de companheiros
que chegariam antecipadamente à cidade [...]. Quando os Dragões fossem convo-
cados para enfrentar a multidão, Freire de Andrade deveria atrasar-se até que o
alferes tivesse partido para Cachoeira [residência do governador da Capitania].
Introduzindo-se na escolta do governador, ele prenderia e executaria Barbacena,
voltando então para Vila Rica. Freire de Andrade, à frente dos Dragões, faria face
à multidão perguntando-lhe o que pretendia. E o alferes, mostrando a cabeça
do governador, bradaria que queriam a liberdade. A seguir seria proclamada a
república e lida uma declaração de independência. [...] Se a conspiração fosse
descoberta, todos deveriam negar qualquer conhecimento dela. Não haveria nada
escrito (MAXWELL, 2005, p. 142, acréscimo nosso).

Tarefa difícil é a de precisar os reais objetivos do movimento, pois as fontes


disponíveis são os discursos dos réus e das testemunhas ouvidas no processo
aberto pela Coroa (FAUSTO, 2004). Conforme já pincelado em algumas
partes deste capítulo, os inconfidentes pretendiam se libertar da dominação
colonial imposta por Portugal. Cabe ressaltar aqui que o anseio de libertação
Inconfidência Mineira 17

do domínio português não se estendia a toda a colônia, uma vez que nesse
período não havia um sentimento de unidade nacional. Logo, os inconfidentes
pretendiam tornar a capitania de Minas Gerais independente de Portugal,
contando que posteriormente outras capitanias, sobretudo de São Paulo e do
Rio de Janeiro, viessem a aderir ao movimento.
Os demais objetivos almejados pelos inconfidentes podem ser resumidos
da seguinte forma, segundo Maxwell (2005):

 separação da região mineira de Portugal e constituição de uma república


cuja capital seria São João del-Rei;
 fundação de uma universidade em Vila Rica;
 criação de uma Casa da Moeda para emissão de papel-moeda;
 abertura de fábricas de tecidos, ferro e pólvora, buscando o desenvol-
vimento industrial;
 não haveria exército permanente e os cidadãos deveriam usar armas e
servir à milícia nacional quando necessário;
 Tomás Antônio Gonzaga governaria a república nos três primeiros anos,
depois disso, eleições seriam realizadas anualmente.

Os inconfidentes decidiram também qual seria a bandeira que iria guiá-los:


“uma bandeira com um triângulo ao centro (influência maçônica), gravada
com a frase de Virgílio: ‘Libertas quae sera tamen’(Liberdade ainda que
tardia)” (FROTA, 2000, p. 216).
Dois pontos sensíveis dividiam as opiniões dos inconfidentes: qual deveria
ser o tratamento dispensado ao governador Visconde de Barbacena e a questão
da escravidão. Com relação ao Visconde de Barbacena, a primeira proposta
apresentada, de executá-lo, passou a ser vista como radical demais. Alguns
defendiam a expulsão do governador da capitania. A primeira ideia, de executá-lo
“parece ter sido a aprovada, embora contra a opinião de Alvarenga Peixoto e de
Carlos Correia. Gonzaga parece ter sido favorável à decapitação do governador
por ser o modo mais seguro de tornar irreversível o compromisso com o levante”
(MAXWELL, 2005, p. 152). A questão da escravidão foi um assunto polêmico
e sem consenso, já que muitos dos líderes eram donos de escravos:

De um lado, no plano ideológico, é incompreensível que um movimento pela


liberdade mantivesse a escravidão; de outro, no plano dos interesses, como
é que membros da elite colonial, dependentes do trabalho escravo, iriam
libertá-los? Essa contradição surge no processo dos inconfidentes, mas é
bom ressalvar que nem sempre depoimentos derivados de interesses pessoais
predominam nas declarações. Alvarenga Peixoto, um dos maiores senhores de
18 Inconfidência Mineira

escravos entre os conjurados, defendeu a liberdade dos cativos na esperança


de que eles assim se tornassem os maiores defensores da República. Outros,
como Alvares Maciel, achavam, pelo contrário, que sem escravos não haveria
quem trabalhasse nas terras e nas minas. Segundo parece, chegou-se a uma
solução de compromissos, pela qual seriam libertados somente os escravos
nascidos no Brasil (FAUSTO, 2004, p. 117–118).

Quando Tiradentes se dirigiu ao Rio de Janeiro, a fim de conseguir adesões


e armas, o movimento foi denunciado ao Visconde de Barbacena por Joaquim
Silvério dos Reis, cujo nome passou a ser associado a traição. Conforme visto
anteriormente, Silvério dos Reis era um dos maiores devedores entre os inconfi-
dentes. Logo, se a Inconfidência lograsse êxito, ele teria suas dívidas perdoadas,
caso contrário poderia ser sua ruína. Temendo que o movimento pudesse não
dar certo, Silvério dos Reis decidiu delatar os inconfidentes. A carta redigida em
15 de março de 1789 por Silvério dos Reis dava conta de todos os envolvidos na
Inconfidência, bem como de todos os detalhes de como o movimento seria levado
a cabo (MAXWELL, 2005). Um dia antes de receber a denúncia de Silvério dos
Reis, o Visconde de Barbacena já tinha cancelado a derrama, acabando com o
estopim que seria necessário para o início da Inconfidência Mineira.
O movimento tinha sido findado antes mesmo de começar. O Visconde de
Barbacena mandou prender os envolvidos, o que causou surpresa na população,
ao ver que os inconfidentes eram homens de grande prestígio na capitania.
Tiradentes foi preso dia 10 de maio de 1789, no Rio de Janeiro. De acordo
com Jardim (1989, p. 378), “No dia seguinte, a Devassa aberta, Tiradentes
sofreu o primeiro de 11 interrogatórios; ficará mudo e na negativa até janeiro
de 1790”. Durante os interrogatórios, conforme havia sido combinado, alguns
prisioneiros negaram o movimento. Mas nem todos negaram. O alferes Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes, assumiu a iniciativa do movimento, sendo
considerado o principal líder, o que não era verdade. Entretanto, essa posição
parecia confirmar suas ações durante o planejamento do movimento, quando
ele divulgava abertamente suas ideias, mostrando-se fiel a suas crenças e um
inconfidente entusiasmado.
O processo dos conjurados, denominado Autos da Devassa, só foi pro-
clamado em 1791, e, durante esse período, a maioria de seus participantes
ficou presa no Rio de Janeiro. A sentença previa a pena de morte na forca
para 11 dos réus, e pena de desterro (exílio) a outros sete. Contudo, no dia
seguinte, a pena de morte foi transformada em desterro, exceto a do alferes
Silva Xavier. Confira a seguir a lista de condenados e suas respectivas penas
(JARDIM, 1989):
Inconfidência Mineira 19

 Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes: condenado à morte por


enforcamento, seguido de esquartejamento.
 Francisco de Paula Freire de Andrade: condenado à morte, pena co-
mutada em degredo perpétuo para Angola. Faleceu em 1808 sem ter
retornado ao Brasil.
 Tomás Antônio Gonzaga: condenado ao degredo em Moçambique, onde
atuou como advogado. Faleceu em 1810 sem ter retornado ao Brasil.
 Cláudio Manuel da Costa: não chegou a ser julgado, pois morreu na
prisão, em Minas Gerais, no dia 4 de julho de 1789.
 Domingos de Abreu Vieira: condenado à morte por enforcamento, teve
a pena comutada em degredo para Angola. Faleceu 28 dias após chegar
em Luanda, no dia 9 de outubro de 1792.
 João Rodrigues de Macedo: não chegou a ser interrogado e julgado,
pois literalmente pagou para não ser preso.
 Joaquim Silvério dos Reis: mesmo tendo se envolvido nas reuniões com
os outros inconfidentes, não chegou a ser preso, por delatar o movimento.
 José Alvares Maciel: preso somente em outubro de 1789, foi condenado
à morte por enforcamento, mas teve a pena comutada em degredo para
Angola. Faleceu em 1804.
 Inácio José Alvarenga Peixoto: condenado à morte por enforcamento,
teve pena comutada em degredo perpétuo para Angola. Chegou em
Luanda em julho de 1792, faleceu pouco mais de um mês depois, em
Ambaca, Angola.
 Padre Carlos Correia de Toledo e Melo: foi condenado à morte por en-
forcamento, mas por ordem da rainha de Portugal, Maria I, foi enviado
para Lisboa, onde ficou preso na Fortaleza de São Julião da Barra, até
1796. Depois de solto, foi para o Convento de São Francisco da Cidade,
onde veio a falecer em 1803.
 Padre José da Silva e Oliveira Rolim: assim como o Padre Toledo e Melo,
Oliveira Rolim foi condenado à morte, tendo a pena comutada por ordem
da rainha Maria I. Também ficou preso na Fortaleza de São Julião até 1796.
Depois disso, passou a viver no Mosteiro de Santo Bento da Saúde. Em 1804,
obteve a licença para voltar ao Brasil. Faleceu em 1835, em Diamantina.
 Padre Luís Vieira da Silva: originalmente condenado ao degredo per-
pétuo na ilha de São Tomé, mas assim como os demais padres, foi
enviado para Lisboa, onde permaneceu preso na Fortaleza de São Julião
da Barra, até 1796. Depois disso, foi para clausura no Convento de São
Francisco da Cidade, onde permaneceu por mais 6 anos. Regressou ao
Brasil por volta de 1805 e faleceu em Paraty, no Rio de Janeiro, em 1809.
20 Inconfidência Mineira

No dia 21 de abril de 1792, na atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro,


Tiradentes foi executado na forca, seu corpo foi esquartejado e a cabeça exposta
num mastro em Vila Rica. A execução de Tiradentes foi utilizada pela Coroa
portuguesa para desencorajar novos movimentos pela emancipação da colônia.
No entanto, outras manifestações contra o domínio metropolitano ocorreram
em diferentes regiões da colônia.

A figura de Tiradentes como “mártir da Independência” começou a ser difundida


após a Proclamação da República, em 1889, quando se pretendia valorizar heróis
nacionais para romper com o passado monarquista e com a Família Real de origem
portuguesa. Leia mais sobre isso no artigo “A Construção do mito de Tiradentes: de
mártir republicano a herói cívico na atualidade”, de Carlos Roberto Ballarotti, referido
na seção Leituras Recomendadas, ao fim do capítulo.

FAUSTO, B. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: Edusp, 2004.


FROTA, G. de A. Quinhentos anos de história do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 2000.
HOLANDA, S. B. de (org.). História geral da civilização brasileira. 12. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2008. 2 v.
JARDIM, M. A inconfidência mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1989.
MAXWELL, K. R. A devassa da devassa: a inconfidência mineira — Brasil e Portugal
1750–1808. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
MENZ, M. M. Reflexões sobre duas crises econômicas no Império Português (1688 e
1770). Revista Varia História, v. 29, nº. 49, p. 35–54, jan./abr. 2013. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/vh/v29n49/a03v29n49.pdf. Acesso em: 21 mar. 2020.
Inconfidência Mineira 21

PINTO, V. N. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português: uma contribuição aos estudos


da economia atlântica no século XVIII. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979.
QUIRINO, C. G. Inconfidentes mineiros: versos ternos, palavras duras. In: COGGIOLA,
O. (org.). A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo: Edusp, 1990.
p. 273-283.

Leituras recomendadas
BALLAROTTI, C. R. A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói
cívico na atualidade. Antíteses, v. 2, nº. 3, p. 1–25, jan./jun. 2009. Disponível em: http://
www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/download/1946/2194. Acesso
em: 21 mar. 2020.
BERTOLINO, A. M. Cartas chilenas: transformações e tensões em versos satíricos as vés-
peras da Inconfidência Mineira. Horizonte Científico, v. 8, nº. 1, p. 1–22, jul. 2014. Disponível
em: http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/view/17906/14903.
Acesso em: 21 mar. 2020.
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo:
Globo, 2001.
GIL, L. F. P. O processo de Tiradentes. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1978.
LINHARES, M. Y. L. (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
NOVAIS, F. A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777–1808). 9. ed. São
Paulo: Hucitec, 2010.
SOUZA, L. de M. e. Cláudio Manuel da Costa: o letrado dividido. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011.

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