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Resenha opinativa: “Colocação de alguns problemas fundamentais”, K.

Popper

Luís Felipe G. Teixeira 11780040 - Integral, 4/2020

Ao longo do texto “Colocação de alguns problemas fundamentais”1, de Karl Popper, o


autor se propõe a descrever e demarcar as ciências naturais e seu método para a
construção de enunciados universais. Para fazê-lo, começa por criticar a concepção
aceita pelo positivismo lógico, segundo a qual a observação empírica de diversos fatos
singulares poderia conduzir a enunciados universais, na forma de leis, princípios,
teoremas etc.. Segundo o autor, não é possível estabelecer um Princípio de Indução –
i.e. um argumento que comprove a validade lógica do método indutivo – sem recorrer a
justificações a priori, como em Kant2 ou em um deslocamento do problema para a
construção de enunciados “prováveis”, como em Reichenbach3 e outros filósofos
influenciados pelo Círculo de Viena.
Outra crítica é feita ao modo como o Positivismo Lógico normalmente diferencia as
ciências naturais da metafísica, ou seja, pela fixação do método indutivo como principal
diferenciador. Muitos pensadores, como Wittgenstein, consideram que um enunciado só
é significativo se puder ser reduzível a “afigurações da realidade”4. Porém, o autor
argumenta, na medida em que o processo pelo qual enunciados ou afigurações
particulares formam enunciados universais é confuso e mal justificado, a diferenciação
entre ciências naturais e metafísica é anulada.
A partir daí Popper apresenta uma nova maneira de definir as ciências naturais e sua
metodologia. Seu critério de demarcação das ciências é por meio da falseabilidade: a
única relação lógica estabelecível entre enunciados singulares e enunciados universais
é negativa, observações podem apenas refutar teorias antes tidas como universais. Essa
descrição do método científico permite dizer que a ciência vai construindo nunca
conhecimentos finais e fixos, mas simplesmente enunciados que ainda não foram
falsificados por nenhuma observação. Para essa elaboração teórica, o autor supõe um
funcionamento ideal da ciência, no qual todos os pesquisadores trabalhariam
arduamente para falsificar suas teses, ao invés de prová-las, usando-se somente de
critérios objetivos em suas observações.
Neste texto, Popper pincela um campo científico no qual as descobertas e reelaborações
se fazem por um progresso contínuo, uma constante refutação de erros na direção da
construção de uma Verdade melhor e mais atualizada. O critério da falseabilidade mostra
um cumulativo esclarecimento sobre o mundo natural, com explicações que deem conta
de uma parcela cada vez maior da Verdade.
Porém, a própria história do nascimento da Biologia mostra uma história mais
descontínua, na qual modos de ver o mundo natural são substituídos, assuntos
simultaneamente são trazidos à tona e deixados de lado: a partir do fim do século XVIII,
começa-se a considerar como entidade separada e com funcionamentos próprios a Vida.
Historiadores naturais como Lineu (1707-1778) estuda com os mesmos métodos
1. POPPER, Karl. A Lógica da Descoberta Científica: Da epistemologia das ciências naturais
modernas. 16. ed. Viena: Cultrix, 1935. p. 27-50.
2. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. [s.n.], 1781 apud POPPER, Karl. op.cit.
3. REICHENBACH, Hans. Erkenntnis, v.1. 1930. p. 186 apud POPPER, Karl. op.cit.
4. WITTGENSTEIN, Ludwig; Tractatus Logico-Philosophicus, 1922 apud POPPER, Karl. op.cit.
5. LINNAEUS, Carolus; Systema Naturae, 1735
animais, plantas e minerais5, a partir de observações externas dos caráteres desses
seres naturais. Por outro lado, algumas décadas depois, Cuvier (1769-1832) descrevia
o funcionamento específico dos sistemas vivos e sua diferença em relação às “leis da
natureza morta”6 e Darwin (1809-1882) desenvolvia um processo natural que permitia
classificar e estudar a diversidade dos seres vivos segundo um funcionamento próprio
da Vida.
É difícil dizer que o processo do nascimento da Biologia tenha se dado, como explicaria
Popper, por uma simples falsificação ou refutação do modelo anterior, utilizado pela
História Natural. Essa crítica também se aplica a discussões como as entre fenéticos e
cladistas, por exemplo. Por ser uma ciência mais observacional que experimental, a
descrição dos seres naturais (seja pela História Natural ou pela Biologia) é muito
influenciada pela lente usada pelos pesquisadores, pelas convenções estabelecidas, em
escalas maiores ou menores e por isso, é difícil a aplicação da teoria popperiana. Como
disse M. Foucault: “Uma ciência, no momento em que ela nasce, não só se livra de certo
número de obstáculos e obscuridades, mas ao mesmo tempo suprime um certo número
de saberes e conhecimentos existentes [...] como se ela aplicasse uma nova grade”7.

6. CUVIER, Georges. Cours d’anatomie pathologique, t.1. p.5 apud FOUCAULT, Michel. As
Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas. 10. ed. Paris: Martins Fontes,
1966. p. 383.

7. FOUCAULT, Michel; CHOMSKY, Noam. Sur la nature humaine: Comprendre le pouvoir. 1. ed.
Bruxelas: Aden, 2005. p. 18-19. (Tradução Livre)

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