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Fundamentos Epistemológicos da Ciência: Principais Contribuições.

A filosofia da ciência é uma produção de conhecimento dotada de complexidade.


Dentro do debate amplo no que abrange o modo e a motivação da concepção do saber
científico, é imprescindível abordar ideais de nomes como Lakatos, Popper, Kuhn e
Foucault. Estes que, entre si, se relacionaram no âmbito racional e tanto divergiram como
convergiram. Dito isto, é necessário entender como se deu a relação entre estes e as
contribuições dos ricos debates envolvendo seus ideais para a filosofia da ciência.
Neste contexto, Karl Popper e Thomas Khun apresentam em suas teses críticas à
métodos anteriores, onde Popper em sua crítica ao indutivismo apresenta a falseabilidade
como critério de demarcação (POPPER, 1959, p. 41) colocando que a indução leva ao
equívoco, uma vez que a utilização de enunciados universais obtidos pela observação e
experiência, por si só, não produz conhecimento (SILVEIRA, 1996, p. 6), ideia também
defendida por Lakatos, onde ao considerar a verdade como decorrente da experiência, os
problemas que levaram à necessidade de formulação do enunciado universal serão
encontradas novamente, os quais serão justificados com outras inferências indutivas, e
assim sucessivamente, sempre em processo de regressão. Outro problema no indutivismo
proposto pelos positivistas apontado por Popper é a não possibilidade de demarcação, ou
seja, delimitar as proposições científicas das não científicas, onde para tal feito, de acordo
com os positivistas, é necessário a inferência ter a característica de ser verificável. Dito
isto, o autor supracitado encontra problemas no princípio da verificação, visto que, pelo
fato de a observação científica ser sempre motivada por uma teoria a ser comprovada,
algo que já se supõe, o critério de verificabilidade nem sempre será válido, e por esta
razão, Popper apresenta como solução para demarcação a falseabilidade, que ao invés de
verificar a veracidade uma proposição, usa como critério a falibilidade desta. Não só
Popper mas Lakatos também critica a maneira empírico-indutivista de produzir ciência,
onde este defende que tal maneira limita o aprendizado e pode gerar à falsas conclusões.
Além disso, outra grande contribuição de Popper para a epistemologia científica
é a concepção de que a refutação de uma teoria promove uma abertura para sua
substituição, sendo assim, o abandono de um raciocínio somente poderá acontecer quando
emergir uma alternativa melhor (SILVEIRA, 1996, p. 5), substituição esta que é colocada
por Kuhn como revolução científica. Esse processo, contudo, é temporalmente extenso,
pois não acontece de maneira instantânea, sendo assim, fica evidenciada a importância do
pluralismo teórico.
Estes e outras metodologias colocadas por Popper foram um norte filosófico para
Lakatos, que, em suas palavras
“Sua filosofia me ajudou a romper, de forma definitiva, com a perspectiva
hegeliana que eu havia retido durante quase vinte anos, e, o que é ainda mais
importante, me forneceu um conjunto muito fértil de problemas, um autêntico
programa de pesquisa" (Lakatos, 1989 apud Silveira, 1996).
Mesmo que seguidor assíduo de Popper, Lakatos não deixou de considerar críticas
que recebeu de Kuhn e Feyerabend, sendo assim, não só se baseou em Popper para propor
sua epistemologia, mas também utilizou de ideias advindas dos autores anteriormente
citados para agregar em seu raciocínio. Posto isto, Lakatos propõe uma Metodologia dos
Programas de Pesquisa Científica (MPPC), que explica a produção do saber científico.
Esta metodologia coloca que um programa de pesquisa – que basicamente é o conjunto
de teorias e técnicas utilizadas pelos cientistas – é caracterizado por seu núcleo firme:
uma teoria convencionalmente aceita e irrefutável, que através da heurística negativa, não
pode ser declarado como falso, e a falsidade incidirá sobre alguma hipótese auxiliar do
"cinturão protetor" (SILVEIRA, 1996, p. 2). Já a heurística positiva auxilia na
modificação nas hipóteses do cinturão, norteando os cientistas para que possam contornar
anomalias (refutações) e as transformar em corroborações.
Dentro dos programas de pesquisa, há como classifica-los de duas maneiras
possíveis: progressivos e regressivos. Suas nomenclaturas já antecedem seus significados,
onde um programa designado como “regressivo” é aquele o qual regride, onde “seu
crescimento se atrasa com relação ao seu crescimento empírico; isto é, se somente oferece
explicações post-hoc de descobertas casuais ou de fatos antecipados e descobertos por
um programa rival” (Lakatos, 1983, p. 117 apud Silveira, 1996, p. 4). Já os progressivos
podem ser caracterizados como “teoricamente progressivo”, quando as mudanças no
“cinturão” levando a predições ou retrodições, e “empiricamente progressivo” quando
alguma das predições é validada. Posto isto, quando, em concorrência, há dois programas
de pesquisa em pauta, a comunidade científica opta por aderir aquele que apresenta
progressão, descartando o concorrente, o que justifica a revolução científica, colocada
previamente.
Essa revolução científica, implantada por Kuhn, é um grande ponto de divergência
entre ele e Popper, pois Karl coloca que as revoluções são produto da crítica, que é um
critério lógico do progresso científico, sendo assim, para ele, “a ciência é “revolução
permanente”” (ALBIERI; TONIOL, 2018, p. 106). Já para Kuhn a revolução científica
ocorre em decorrência da necessidade de substituição de paradigmas em uma crise
relacionada a determinado fenômeno dentro do que ele denomina como “ciência normal”
– que é justamente a ciência guiada por paradigmas –, sendo que esta possui caráter
excepcional, é uma ciência excepcional.
A noção de paradigma tem duas principais concepções em Kuhn, onde pode ser
entendido como um conjunto de regras, suposições teóricas e técnicas de aplicação de leis
que orienta as atividades dos envolvidos no processo da pesquisa, da comunidade
científica (PONTEL, 2014, p. 77), e também como um elemento singular, o qual serve de
exemplo para a resolução de anomalias presentes no paradigma anterior, substituindo as
regras precedentes e definindo um caminho de observação particular e coerente. Com a
concepção de paradigma posta por Kuhn, Giorgio Agamben, filósofo italiano, colocou
um debate acerca da epistemologia de Kuhn, o relacionando com Foucault. Nesse sentido,
Foucault questiona a conjuntura ali determinada, onde:

“Nesse âmbito, Michel Foucault opera um decisivo deslocamento da


compreensão de paradigma, isto é, da epistemologia à política, sobre o plano
de uma política, em relação aos enunciados e os regimes discursivos nos quais
não se trata de uma alteração da forma teórica em si, mas de um regime interno
do poder que determina o modo em que os enunciados se articulam e governam
entre si, para constituir um conjunto”. (PONTEL, 2014, p.84).

Ainda no que diz respeito ao paradigma, Kuhn apresenta outra crítica à


epistemologia popperiana, pautando que nem sempre é possível falsear uma alegação a
partir de metodologias empíricas – experiência –, e que o que a inviabiliza é o surgimento
de uma nova. Sendo assim, Kuhn defende a substituição de um paradigma rodeado de
anomalias por um novo que o suceda, mas este não é necessariamente melhor ou mais
forte, é, portanto, icomensurável. Já Popper propõe que as teorias conflitantes se
confrontem, e são, desta forma, comensuráveis.
A distinção de Kuhn entre ciência normal e ciência extraordinária, para Popper,
“em vez de momentos sucessivos no desenvolvimento da ciência, melhor serviria para
designar a distinção entre ciência pura e ciência aplicada” (ALBIERI; TANIOL, 2018, p.
112), colocando o comportamento do cientista em cada uma destas em evidência, sendo
o cientista “aplicado” aquele que não é iniciado na "tradição crítica da formulação de
problemas, mas vivem da "solução de pequenos quebra-cabeças” (ALBIERI; TANIOL,
2018, p. 112). Já o cientista puro inventa hipóteses e revira teorias por mais sólidas que
pareçam.
Sendo assim, a epistemologia da ciência moderna é formada por uma gama
extensa e diversa de pensadores, cada qual com sua contribuição para tal. A ciência é um
conhecimento em evolução, onde sempre que surge um novo paradigma acerca de um
fenômeno, em outro espectro outro paradigma é substituído. Sendo assim, a ciência está
sempre em movimento, e, não deve ser necessário que surja uma anomalia em um
paradigma para que a comunidade científica possa buscar aprimoramento de seu
programa de pesquisa.

Referências Bibliográficas
ALBIERI, S.; TONIOL, A. P. N. Razão ou revolução: resgatando o debate
Popper-Kuhn na História da Ciência. Khronos, Revista de História da Ciência, São Paulo.
nº 6, pp. 100-112. 2018
PONTEL, E. Paradigma: Um Diálogo Entre Thomas Khun e Michel Foucault na
Perspectiva de Giorgio Agamben. Profanações. Porto Alegre. n. 1, p. 75-88, jan./jun.
2014.
POPPER, Karl. R. A Lógica da Pesquisa Científica. 9. São Paulo: Cultrix, 2006.
SILVEIRA, F. L.. A Metodologia dos Programas de Pesquisa: A Epistemologia
de Imre Lakatos. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, v.13, n.3: 219-
230, dez. 1996.

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