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Ayurveda

Fisiologia Ayurvédica e o Processo da Doença

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Esp. Ana Paula Malinauskas

Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
Fisiologia Ayurvédica e
o Processo da Doença

Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:


• Fisiologia Humana do Ayurveda;
• Agni – Digestão e Metabolismo;
• Ama – Toxinas Biológicas;

Fonte: iStock/Getty Images


• Fisiopatologia.

Objetivos
• Introduzir os conceitos da fisiologia humana do Ayurveda;
• Estudar os tipos de Agni, seus efeitos e consequências;
• Identificar os tipos de Jatharagnis e suas modificações no indivíduo;
• Conhecer as causas do acúmulo de ama – toxina – no organismo;
• Avaliar malas – excretas – e suas consequências;
• Entender o processo da doença, bem com reconhecer todas as fases desse processo.

Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl-
timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material
trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você
poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns
dias e determinar como o seu “momento do estudo”.

No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões


de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de
discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de
propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de
troca de ideias e aprendizagem.

Bons Estudos!
UNIDADE
Fisiologia Ayurvédica e o Processo da Doença

Contextualização
Para o Ayurveda, a ingestão de toxinas é a maior causa de doenças, seja por meio da
alimentação incorreta, hábitos de vida não saudáveis e da deturpação dos sentimentos
e das emoções.

De acordo com os textos ayurvédicos, acumulamos toxinas através dos cinco sen-
tidos: respirando ar poluído ou produtos tóxicos, ingerindo alimentos processados ou
transformados, ouvindo ruídos maiores que a nossa capacidade auditiva, vendo cenas
violentas e, por último, pela falta de toque.

Outra forma de acúmulo de toxinas se dá por meio das emoções que a vida atual
nos leva a ter, tais como o medo, a ansiedade, insegurança, angústia, vaidade, raiva,
melancolia etc.

Uma vez que as toxinas estão em nosso corpo, inicia-se o processo da doença, de
modo que essas toxinas se acumulam em nossa fisiologia e aos poucos vão se espalhan-
do até que, em determinado momento, instalam-se em algum local de maior fragilidade.

O estado de saúde no Ayurveda depende de um trabalho árduo de harmonização,


conscientização, auto-observação e responsabilidade com o nosso próprio ser, a fim de
que seja mantido, preservado e promovido diariamente.

Assim, para iniciarmos esta Unidade, assista a uma pequena palestra do médico ayurvédico,
doutor José Ruguê, sobre o que geraria os desequilíbrios no Ayurveda:
https://youtu.be/kFSvDDJ3URo

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Fisiologia Humana do Ayurveda
De acordo com a fisiologia ayurvédica, os três doshas são responsáveis pelos pro-
cessos vitais que sustentam o funcionamento do nosso corpo. O Ayurveda explica que
cada dosha dispõe de estruturas físicas, elementos funcionais e mecanismos fisiológicos
próprios para comandar as funções orgânicas pelas quais são responsáveis.

Vata, o dosha responsável pelos processos de circulação, movimento e percepção


de sensações, realiza essas funções através de um completo sistema de canais que per-
meiam todo o corpo e recebe o nome em sânscrito de srotas – canais.

Pitta, responsável pelos processos de transformação e metabolismo do corpo, go-


verna essas funções mediante a um complexo sistema de enzimas que entram em todo
o processo metabólico, desde a digestão que se dá no trato gastrointestinal até mesmo o
metabolismo celular. Esse comando inclui tanto a formação dos nutrientes – anabolismo
– quanto à produção dos restos ou dejetos – catabolismo.

Kapha, o dosha responsável pela estrutura física, forma material e a coesão de di-
versas substâncias do corpo, governa essas funções por meio de um sistema de tecidos
orgânicos, matérias de excreção e secreções fisiológicas, que são todas as substâncias e
os elementos concretos do nosso organismo.

Agni – Digestão e Metabolismo


O dosha pitta governa todo o processo de metabolismo e transformação de substân-
cias mediante um complexo de enzimas digestivas ou metabólicas. Esse sistema enzimá-
tico inclui enzimas que atuam em todos os níveis da fisiologia, desde a digestão clássica,
representada pelo trato gastrointestinal e pelo metabolismo ocorrido dentro de cada um
dos sete tecidos do corpo, até chegar ao plano sutil do metabolismo dos cinco grandes
elementos (CARNEIRO, 2009) mahabhutas. Essas enzimas são denominadas agni, ou
o poder digestivo.

Charaka Samhita (apud NINIVAGGI, 2015) descreve treze formas de agni: 1 jatha-
ragni, 5 buthagnis e 7 dhautagnis, os quais:
• Jatharagni: o fogo digestivo ocorre no trato gastrointestinal;
• Bhutagnis: inclui as transformações digestivas que estão relacionadas com o pro-
cessamento dos cinco elementos no fígado;
• Dhatuagnis: representa o metabolismo tecidual, que inclui os processos digestivos
e metabólicos dentro dos sete dhatus – tecidos.

Jatharagni
No Ayurveda, o termo agni se refere ao poder digestivo, mas pode ser também usado
como um sinônimo de pitta. Engloba todas as funções digestivas e metabólicas do corpo.

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É responsável pela quebra, absorção e assimilação do alimento ingerido e pela trans-


formação de substâncias heterogêneas em homogêneas (CARNEIRO, 2009). Quando
os três doshas estão em equilíbrio, os agnis funcionam normalmente, no entanto, em
desequilíbrio, há prejuízo na função dos agnis.

Jatharagni, conhecido como o fogo digestivo, é único e representa a digestão reali-


zada no trato gastrointestinal, englobando as funções metabólicas do estômago, dos in-
testinos, do pâncreas, fígado, da vesícula biliar e de suas respectivas enzimas. Ademais,
apresenta quatro estados:
1. Vishamagni: digestão errática, instável;
2. Tikshnagni: digestão muito intensa;
3. Mandagni: digestão fraca;
4. Samagni: digestão ideal.

Vishamagni – Digestão Errática e Instável


Como resultado de vata agravado, o agni pode sofrer mudanças drásticas. Torna-se
errático e produz apetite irregular, digestão variável – às vezes lenta ou às vezes rápida –,
distensão abdominal, indigestão, gases, constipação e cólicas. Uma pequena quantidade
de comida se transforma em gases. Às vezes, pode levar à diarreia. Muitas vezes se tem
a sensação de peso e barulhos nos intestinos após a refeição. O indivíduo pode sentir
ainda pele seca, rachaduras, dor ciática, lombalgia, espasmos musculares ou insônia.

Emocionalmente isso pode resultar em ansiedade, insegurança, medo e outros pro-


blemas neurológicos ou mentais. Nesse estado, a pessoa pode ter desejos pelo sabor
picante e fritura. A qualidade fria do vata desacelera o agni, e a qualidade móvel faz com
que flutue, resultando em metabolismo irregular e instável.

Normalmente, o ama – toxina – que é produzido pode ser visto na língua como re-
vestimento marrom escuro.

Tikshnagni – Digestão Muito Intensa


Devido aos atributos quente, agudo e penetrante de pitta, o agni pode se tornar in-
tenso quando o dosha está aumentado, causando um hipermetabolismo.

Nesta condição de um agni excessivamente excitado, a pessoa tem o forte desejo de


comer, frequentemente uma grande quantidade de comida, o que é digerida em pouco
tempo. Após a digestão é produzida sequidão na garganta, lábios e palato, bem como
sensação de queimação gástrica e outros desconfortos.

Devido às características de pitta como quente, agudo e picante, pode-se produzir


hiperacidez, gastrite, hipoglicemia, colite, diarreia e disenteria.

Emocionalmente pode levar à raiva, ao ódio e à inveja. A pessoa se torna crítica em


relação a tudo e a todos.

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Mandagni – Digestão Fraca
A ação de jatharagni neste estado é influenciada por kapha, uma vez que as qualida-
des dos elementos – água e terra – são pesadas, lentas e frias.

Na vigência de mandagni, a dieta normal não é digerida adequadamente, mesmo


uma pequena quantidade de alimento. E mesmo se o indivíduo jejuar por alguns dias,
ainda assim ganhará peso.

Este estado de agni provoca peso no estômago, dispneia – falta de ar –, tosse, sialor-
reia – excesso de salivação –, perda de apetite, alergias, náuseas, vômitos, letargia e fra-
queza. Algumas pessoas podem apresentar edema, obesidade, hipertensão e diabetes.

Emocionalmente, o indivíduo tem a sensação de dependência, ganância e possessivi-


dade. A pessoa pode ter um forte desejo por comida quente, seca e picante.

Samagni – Digestão Ideal


Quando todos os doshas estão em equilíbrio de acordo com a constituição, o agni
mantém o seu estado de equilíbrio e fornece um metabolismo ideal. Quando uma pessoa
tem o agni equilibrado, pode comer qualquer tipo de alimento em qualquer época do
ano sem sinais, sintomas ou qualquer desconforto, pois a digestão, absorção e elimina-
ção são normais.

Emocionalmente, tem clareza mental e a mente se mantém tranquila, amorosa e


sente felicidade. Possui boa saúde e longevidade.

Samagni é o agni ideal, transformando, assim, o alimento em nutrientes, estes sendo


enviados aos diversos tecidos.

Já vishamagni, tikshnagni e mandagni referem-se ao agni perturbado, sendo a


digestão incompleta e se transformando em uma substância tóxica, espessa e mórbida
denominada ama.

4 Tipos de Agni: https://goo.gl/tpS5Ch

Buthagnis
Buthagani é o agni do fígado, que se manifesta com as enzimas desse. São cinco os
buthagnis e estão relacionados aos cinco elementos – éter, ar, fogo, água e terra –, cada
qual agindo sobre o seu próprio tipo de material nos alimentos (LAD, 2006a, 2006b).

De acordo com o Ayurveda, o fogo do jatharagni vai até o fígado e se manifesta nos
cinco elementos, a saber:
1. Nabhasagni: materiais do elemento éter;
2. Vayavyagni: materiais do elemento ar;

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3. Agneyagni: materiais do elemento fogo;


4. Apuagni: materiais do elemento água;
5. Bhaumagni: materiais do elemento terra.

Sua ação tem início depois que se completa a primeira fase da digestão dos alimentos.
Na Medicina ocidental é conhecida como a segunda etapa da digestão, após as qualida-
des de cada elemento presentes nos alimentos, tornam-se nutrientes aos doshas, dhatus
e malas, componentes do corpo em que predominam os mesmos grandes elementos:
1. Terra torna-se nutriente para os músculos – mamsa dhatu;
2. Água torna-se nutriente para o tecido quimo – rasa dhatu –, tecido gorduroso
– meda dhatu –; medula – majja dhatu;
3. Fogo torna-se nutriente para o tecido sanguíneo – rakta dhatu;
4. Ar torna-se nutriente para o tecido em que o dosha vata predomina, tais como
os ossos – asthi dhatu;
5. Éter torna-se nutriente para espaços vazios, os ouvidos etc.

Dhatuagnis
De acordo com o Ayurveda, são sete os tecidos do corpo humano e cada um desses
possui um agni que é descrito como uma porção do jatharagni, chamado de dhautagni.
Metaboliza o nutriente preparado por jatharagni, transformando-o para torná-lo apro-
priado ao seu respectivo tecido.

Para melhor compreensão, o corpo humano é constituído por sete elementos básicos
e vitais chamados de dhatus. Em sânscrito, dhatu significa elemento construtor – teci-
dos. Os sete dhatus são responsáveis pela total estrutura do corpo.

Os dhatus também compõem o mecanismo protetor biológico. Com a ajuda do agni,


são responsáveis pela estrutura imunológica. Quando um só dhatu está deficiente, afeta
o próximo, pois cada dhatu recebe a nutrição do dhatu anterior.

Seguem os sete dhatus em ordem de importância:


1. Rasa – plasma: contém nutrientes advindos da alimentação que nutrem todos
os tecidos, órgãos e sistemas;
2. Rakta – sangue: governa a oxigenação em todos os tecidos e órgãos vitais e
mantém a vida;
3. Mamsa – músculo: cobre os órgãos vitais frágeis, desempenha o movimento
e mantém o vigor físico;
4. Meda – gordura: mantém a lubrificação e oleosidade de todos os tecidos;
5. Asthi – osso: dá suporte à estrutura do corpo;

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6. Majja – medula e nervos: preenchem os vãos ósseos e governam os impulsos
motores e sensoriais;
7. Shukra – espermatozoide – e artava – óvulo: contêm os ingredientes de
todos os tecidos e são responsáveis pela reprodução.

A transformação metabólica desses tecidos é governada por sete agnis, sendo que
cada tecido possui dentro de si um agni.

O plasma – rasa dhatu – que constitui o primeiro tecido, forma-se a partir dos ali-
mentos, após a digestão, e contribui com uma porção de si mesmo para a formação do
tecido que se segue: o sangue – rakta dhatu. E assim como o plasma em relação ao
sangue, cada tecido contribui para uma porção de si mesmo para a formação do subse-
quente: o sangue – rakta – para a formação do tecido muscular – mamsa dhatu –; os
músculos para a formação do tecido adiposo – meda dhatu –; o tecido adiposo para a
formação do tecido ósseo – asthi dhatu –, o tecido ósseo para a medula – majja dhatu
–, a medula para o tecido reprodutivo ou germinativo – shukra ou artava dhatu.

Apesar de Charaka descrever somente treze formas de agni, outros textos como Sushruta
e Vagbhata mencionam ainda outras formas, chegando a mais de quarenta tipos de agni,
tais como kloma agni, que corresponde ao agni do pâncreas; pilu agni, associado ao agni na
membrana celular; e pithara agni, correspondente ao agni do núcleo celular.

Kloma Agni
Kloma agni é o agni do pâncreas. Governa a digestão de tudo o que é doce, assim
como ajuda na regulação hídrica do corpo. Até mesmo a água deve ser metabolizada;
aquela que não é pode danificar os rins e se acumular no corpo na forma de edemas
subcutâneos. O motivo pelo qual o kloma agni é responsável pela digestão da água é o
fato de o sabor doce ser formado pelos elementos terra e água (LAD, 2006a, 2006b).
Assim, o elemento água do sabor doce é regulado por kloma agni, que atua principal-
mente durante a fase salgada da digestão. Ademais, como o sal tem poder de dispersão
do doce, ajuda no processo digestivo de carboidratos e gorduras.

Após a alimentação, Jatharagni juntamente com os buthagnis – agnis do fígado – e


o klomagni – agni do pâncreas – metabolizam o nutriente, tornando-o apropriado para
nutrir o primeiro tecido rasa dhatu – o plasma –, e contribui com uma porção de si mes-
mo para a formação do tecido seguinte: o sangue – rakta dhatu. Cada tecido contribui
para uma porção de si mesmo para a formação do subsequente e assim por diante até
chegar ao último tecido shukra/artava – tecido reprodutivo. Se o indivíduo está em equi-
líbrio durante este processo, ao final produzirá ojas – vitalidade –, deixando o sistema
imunológico em equilíbrio.

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Figura 1
Fonte: Lad, 2006b

Ama – Toxinas Biológicas


Um conceito fundamental na Ayurveda é o de ama, pois é amplo e geralmente diz
respeito a toxinas metabólicas ou impurezas (NINIVAGGI, 2015).

A palavra ama deriva do radical sânscrito AM, que significa causar dano, enfraquecer,
prejudicar.

Ama é a origem de todas as doenças. Se jatharagni estiver deturpado, ama poderá


ser produzido no sistema gastrointestinal, e assim se deslocar aos dhatus – tecidos –,
consequentemente, enfraquecendo o sistema imunológico.

Hábitos inadequados de alimentação, escolhas incorretas dos alimentos e/ou estilo


de vida não apropriado leva a um sistema desequilibrado, produzindo toxinas físicas e
mentais. Práticas não saudáveis ou indulgentes levam o organismo a uma ação que o
Ayurveda classifica como um crime contra a sabedoria, o que ocasiona a formação e o
acúmulo de ama.

A presença de ama leva à fadiga e sensação de peso, podendo provocar constipa-


ção, indigestão, gases, diarreia, mau hálito, paladar deturpado e confusão mental, assim
como a dores difusas pelo corpo e rigidez.

As toxinas também são criadas pelos fatores emocionais. Por exemplo, a raiva re-
primida altera a flora da vesícula, o condutor biliar e o intestino delgado e agrava pitta,
ocasionando manchas inflamadas nas membranas mucosas do estômago e intestino del-
gado. Similarmente, medo e ansiedade afetam o intestino grosso, como consequência
o abdome fica inflado e com gases, que se acumulam em bolsas do intestino, causando
dor e se manifestando como uma agravação de vata.

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Por conta dos efeitos negativos, recomenda-se que nem as emoções ou qualquer
impulso físico como tossir, espirrar ou liberar gases sejam reprimidos.

Emoções reprimidas criam desequilíbrio que, por sua vez, geram ama e afetam a
resposta autoimune anormal do corpo. Tal reação pode desencadear alergias a certas
substâncias, tais como o pólen, a poeira e o aroma das flores.

Estando as alergias estreitamente relacionadas às respostas imunes do corpo, os in-


divíduos que nasceram com a imunidade irregular, frequentemente sofrem de alergias.
Por exemplo, uma pessoa que nasceu com constituição pitta será naturalmente sensível
a alimentos condimentados e picantes que agravam pitta. Da mesma maneira, emoções
reprimidas como o ódio e a raiva podem aumentar a hipersensibilidade para aqueles
alimentos que exacerbam pitta.

Pessoas de constituição kapha são muito sensíveis a alimentos que sobrecarregam


kapha, tais como laticínios, que produzem distúrbios como tosse, resfriado, respiração
entrecortada. Aqueles que reprimem as emoções kapha, como o apego e a cobiça, te-
rão reações alérgicas às comidas kapha.

O Ayurveda recomenda observar as emoções com imparcialidade e deixá-las ir, para


que se dissipem. Quando as emoções são reprimidas, essa repressão causará distúrbios
na mente e, finalmente, no funcionamento do corpo.

Três Malas
Os produtos de excreção do corpo são chamados de malas – excreta ou restos. Mala
significa aquilo que mancha, de modo que as três excreções mais importantes são:
1. Purisha ou sakrut – fezes;
2. Mutra – urina;
3. Sveda – suor.

Sua eliminação correta é essencial para a manutenção da saúde do indivíduo (LAD,


2006a, 2006b).

Purisha
As fezes são constituídas pelos elementos terra e água. O bolo fecal tem um papel fi-
siológico importante, pois provê a tonicidade do cólon e mantém a temperatura adequa-
da no intestino grosso. O indivíduo saudável evacua com facilidade, sendo as suas fezes
bem formadas e completamente eliminadas. Já a evacuação imprópria gera um ambien-
te interno tóxico, propiciando uma flora intestinal anômala e a infestação parasitária.

A evacuação garante a vitalidade dos tecidos. Uma evacuação saudável deve ser diá-
ria, variando o número de vezes entre um a três, dependendo da quantidade de comida
e constituição. Deve ser fácil, sendo as fezes bem formadas com consistência e forma de

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banana madura. Deve ser única, flutuar, sem a presença de restos de alimentos e odor
suportável, sendo eliminada completamente.

De acordo com o Ayurveda, a evacuação que ocorre pela manhã é mais adequada,
pois é o período Vata – das 2h às 6h –, quando o movimento é para fora. Para estimular
a eliminação, deve-se acordar e tomar um copo com água morna com gotas de limão.

O uso excessivo de laxantes e lavagens intestinais, alimentação inadequada – muito


pesada ou muito leve, produzindo excesso ou falta de fezes –, excesso de viagens –
agravação de vata, aumenta a secura –, café em excesso, uso de drogas e antibióticos,
dormir demais – diminui o metabolismo basal –, infecções intestinais – como diarreias
fortes –, estado mental de vata – preocupação, medo, ansiedade – causam perturbações
na eliminação das fezes.

Fezes em excesso causam sensação de peso no abdome; dor ao evacuar, distensão


abdominal, dor abdominal, aumento do cheiro do corpo, flatulência, hálito ruim, cefa-
leia. Neste caso, o ideal é fazer jejum ou dieta com alimentos leves, suco de frutas ácidas.

Ausência de fezes causam distensão abdominal pelo excesso de gases, barulhos no


abdome, dor lombar, nervosismo e sensação de baixa energia. Neste caso, o ideal é
ingerir farelos, linhaça, cevada, folhas verdes e raízes – bastante elemento Terra – e
manteiga ghee.

Mutra
A urina tem na sua composição os elementos água e fogo. Através da urina elimina-
mos o excesso de água, toxinas e ácidos do corpo. O Ayurveda aconselha a ingestão de
quantidade de água adequada, de modo que a pessoa urine pelo menos, de seis a oito
vezes durante o dia.

O uso frequente de diuréticos, consumo excessivo ou deficiente de líquidos, abuso de ál-


cool, sexo em excesso e fatores emocionais causam perturbações na eliminação da urina.

A carência de urina se demonstra por meio da dificuldade para urinar e o seu escure-
cimento. O ideal nesses casos é tomar mais água, garapa ou suco de frutas, aumentan-
do, assim, a ingestão de líquidos.

Ao urinar estamos eliminando os resíduos do corpo. Se a eliminação for excessiva,


deve-se diminuir a ingestão de água, com uma dieta mais leve e se expor ao calor.

Sveda
O suor tem na sua composição a água e secundariamente o fogo. Na fisiologia, o
suor ajuda a controlar a temperatura corporal, a expelir o excesso de água e toxinas,
contribui para a lubrificação da pele e dos cabelos, purifica o sangue e ajuda no processo
de eliminação da gordura do corpo.

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O uso de substâncias diaforéticas – por exemplo, muita pimenta –, sauna em excesso,
falta ou excesso de exercícios, permanência em lugares muito quentes e/ou consumo de
alimentos muito secos causam perturbações à eliminação do suor.

O suor em excesso causa mau cheiro corporal, brotoejas, micoses, urticárias e desi-
dratação. Para diminuir o suor recomenda-se a exposição ao frio, além do consumo de
alimentos mais secos.

A carência de suor – não o ver – provoca cabelos secos, rugas, suscetibilidade a


resfriados, gripes e doenças de pele relacionadas. Para aumentar o suor, indica-se sve-
dhana – sauna ayurvédica –, exposição ao calor ou consumo de sucos de frutas ácidas
com sal.

Fisiopatologia
Causas das Doenças
No Ayurveda, o conceito de saúde é fundamental para se compreender o significado
da doença. Dessa forma, o estado de saúde é o resultante do equilíbrio dos doshas, da
força do agni, da vitalidade dos dhatus, da permeabilidade dos srotas, da qualidade
de malas, associado ao controle dos sentidos e da serenidade da mente (LAD, 2006a,
2006b). Quando o equilíbrio de qualquer um desses sistemas sofre alteração, inicia-se o
processo da doença.

O Ayurveda estabelece que desequilíbrios do corpo, da mente e do meio ambiente


são responsáveis pelas dores e doenças físicas e psicológicas.

Os desequilíbrios do corpo são aqueles ligados aos fatores da fisiologia: doshas, ag-
nis, malas, srotas etc., que se relacionam diretamente à alimentação, aos hábitos de
vida e ao comportamento cotidiano.

Os desequilíbrios da mente são aqueles, segundo Charaka, provocados “[...] pela


insatisfação dos desejos e pelo enfrentamento com o não desejado [...]”, isto é, a inabi-
lidade para atuar de acordo com o momento e as circunstâncias e com a Lei natural. O
desequilíbrio mental origina-se do desenvolvimento dos estados mentais: rajas – estado
excitado da mente – e tamas – estado letárgico da mente – que, por sua vez, desequili-
bram os doshas vata, pitta e kapha.

Quanto aos desequilíbrios do meio ambiente, o Ayurveda inclui aqueles causados por
fatores exógenos, da natureza física, química, biológica ou traumática – fogo, poluição,
lesões, microrganismos etc. –, que se iniciam com sintomas locais e posteriormente
culminam como desequilíbrios dos doshas.

Esses múltiplos fatores causais – físicos, mentais e exógenos – são de natureza se-
melhante aos dos doshas e opostos aos dhatus, malas, agnis e srotas, iniciando o
processo da patologia.

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Fisiologia Ayurvédica e o Processo da Doença

O Ayurveda ensina, em uma visão mais profunda, que o desequilíbrio causador das
doenças pode se originar na consciência em razão de conteúdos psicológicos negativos
que se manifestam na mente, onde a semente da doença pode repousar nas profundezas
do subconsciente sob a forma de medo, raiva ou apego. Medos reprimidos provocam
desarranjos de vata; sentimentos de raiva agravam pitta; cobiça e apego aumentam ka-
pha. Esses desequilíbrios afetam a resistência natural do corpo, o sistema imunológico,
e assim o corpo se torna suscetível a doenças.

Às vezes, o desequilíbrio causador pode manifestar-se primeiro no corpo, devido a


alimentos, hábitos de vida e condições do meio ambiente para depois aparecer na mente
e consciência.

Seis Estágios da Doença


Independentemente dos fatores causais e mesmo do quadro clínico das doenças, cada
processo patológico começa com alterações do estado de equilíbrio dos três doshas.
Assim, os sinais e sintomas de seu desequilíbrio, individual ou combinado, manifes-
tam-se em seis etapas na evolução das enfermidades, fases chamadas de samprapti
(Figura 3), vejamos:
1. Sanchaya, ou acumulação;
2. Prakopa, ou agravamento;
3. Prasara, ou disseminação;
4. Sthana samshraya, ou localização;
5. Vyakti, ou manifestação;
6. Bheda, ou desdobramento.

Figura 2 – O processo da doença


Fonte: Lad (2006b)

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Sanchaya, ou acumulação
Quando qualquer desequilíbrio da mente, do corpo ou do meio ambiente é suficien-
temente potente para causar a alteração do equilíbrio dos doshas, de modo que, se um
ou mais desses doshas se acumulam no corpo, instala-se uma sensação de deterioração
no bem-estar geral do indivíduo (CARNEIRO, 2009). O corpo sente a necessidade de
comer algo que contrabalanceie o dosha:
• Vata: sensação de peso na parte baixa do abdome, distensão abdominal, gases,
constipação intestinal, secura no corpo e cansaço;
• Pitta: sensação de calor, queimação ou ardência, acidez estomacal, gosto amargo
na boca, pele amarelada e sensação de raiva;
• Kapha: indigestão, sensação de peso no corpo, pernas e braços, letargia, palidez
e edema – inchaço no corpo.

Prakopa, ou agravamento
A não resolução do acúmulo gera o agravamento da intoxicação e o desequilí-
brio dos doshas, o que leva à produção de sintomas mais marcantes de desconforto
(CARNEIRO, 2009):
• Vata: dor e distensão abdominal, ruídos na barriga, sintomas anteriores mais intensos;
• Pitta: mantém a sensação de queimação gástrica, azia, sente muita sede, dificul-
dade para dormir, vermelhidão no corpo, pele quente e queda geral da vitalidade;
• Kapha: náusea, apetite desaparece ou diminui, aumento da saliva, peso na cabeça
e no peito, sono excessivo e sintomas de acumulação intensificados.

Prasara, ou disseminação
Se não tratado, começa a acontecer um fenômeno de disseminação. Os sintomas
locais progridem e ocorre a difusão pelo corpo, de modo que vata os espalha através do
plasma – sangue –, contaminando as estruturas – tecidos, canais e excreções –, seguindo
uma ordem natural, os sintomas deixam de se manifestar somente nos sítios iniciais de
acúmulo e passam a ser mais generalizados (LAD, 2006a, 2006b):
• Vata: os sintomas se intensificam, a barriga fica bem inchada, evacuação dolorosa,
pele e tosse secas, dores articulares e na lombar, cansaço geral – fadiga –, convulsões,
cãibras, espasmos, movimentos abdominais de deslocamento – nó na tripa mestra;
• Pitta: sensação de calor, indigestão, mau cheiro no corpo, diarreia com sensação
de ardor, inflamações na pele, conjuntivite, gengivite, cefaleia pulsante, febre alta,
vômitos com bílis;
• Kapha: desordens digestivas, vômitos, muco nas fezes, tosse produtiva com secre-
ção, febre baixa e contínua, edema nas articulações e depressão.

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Fisiologia Ayurvédica e o Processo da Doença

Sthana samshraya, ou localização


Uma vez disseminados, os doshas agravados tendem a se localizar nos pontos susce-
tíveis da fisiologia e nos órgãos de choque do corpo (CARNEIRO, 2009). Os sintomas
são prodômicos – prodo significa antes –, antecipando a doença e passando a ser in-
tensos. Aparecem enfermidades benignas, tal como a catapora, e outras incuráveis, tal
como a diabete de tipo 1, que é apenas tratável. A passagem ao quinto estágio é bem
rápida, porém variável, podendo levar horas ou dias.

Vyakti, ou manifestação
Após os doshas agravados, o processo doença manifesta-se como uma patologia espe-
cífica, diagnosticável pelos métodos convencionais de clínica e exames complementares.

Bheda, ou desdobramento
Se o processo patológico continua evoluindo, podem surgir complicações, em decor-
rência do aprofundamento e da extensão das lesões orgânicas. Há três caminhos possíveis:
• Cronificação;
• Aparecimento de uma doença secundária;
• Óbito.

Até o terceiro estágio, as chances de cura aumentam enormemente. A partir do


quarto ou quinto estágio torna-se mais difícil, pelas variáveis que entram e nem sempre
a cura é alcançada. No sexto estágio a cura não é mais possível e apenas consegue-se
produzir alívio e efeitos paliativos.

O Ayurveda não menciona curas radicais ou definitivas, pois as condições do equilí-


brio orgânico são dinâmicas e dependem de um trabalho árduo de harmonização, cons-
cientização, auto-observação e responsabilidade com o nosso próprio ser, a fim de que
o estado de saúde seja mantido, preservado e promovido diariamente.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Ayurveda – A Medicina Clássica Indiana
DEVESA, A. C. R. S. Ayurveda – a medicina clássica indiana. Rev. Med., São Paulo,
v. 93, n. 3, p. 156-165. jul./set. 2013.

Yoga e Ayurveda: self-healing and self-realization


FRAWLEY, D. Yoga e Ayurveda: self-healing and self-realization. United States:
Lotus, 2009.

Ayurveda – A Ciência da Autocura: Um Guia Prático


LAD, V. Ayurveda – a Ciência da autocura: um guia prático. São Paulo: Ground, 2007a.

Uma Visão Ayurvédica da Mente


AD, V. Uma visão ayurvédica da mente. São Paulo: Pensamento, 2007b.

Ayurveda – The Science of Self-Healing: A Practical Guide


AD, V. Ayurveda – the Science of self-healing: a practical guide. United States: Lotus, 2004.

Ayurveda: O Caminho da Saúde


MARINO, M. I.; DAMBRY, W. A. G. Ayurveda: o caminho da saúde. São Paulo: Gaia, 2004.

Vídeos
Desequilíbrio, Alimentação e Ayurveda
RUGUÊ, J. Desequilíbrio, alimentação e Ayurveda. 2017.
https://youtu.be/kFSvDDJ3URo

Leitura
Ayurveda: Alimentação, Digestão e Toxinas
ROCHA, A. M. Ayurveda: alimentação, digestão e toxinas. 21 nov. 2014.
https://goo.gl/jWG39F

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UNIDADE
Fisiologia Ayurvédica e o Processo da Doença

Referências
CARNEIRO, Danilo Maciel. Ayurveda: saúde e longevidade na tradição milenar da
Índia. São Paulo: Pensamento, 2009.

LAD, Vasant. Textbook of Ayurveda – fundamental principles. v. 1. United States:


The Ayurvedic Press, 2006a.

________. Textbook of Ayurveda – fundamental principles. v. 2. United States: The


Ayurvedic Press, 2006b.

NINIVAGGI, Frank John. Saúde integral para medicina ayurvédica. São Paulo: Pen-
samento, 2015.

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