Você está na página 1de 148

Manual

Abordagem Sistematizada
do Traumatizado

Outubro, 2019
Manual
Abordagem Sistematizada
do Traumatizado

Autores: António Marques |


Celínia Antunes | Eládio Cardoso
| Sónia Baltazar

Coordenação: Celínia Antunes


Data Revisão: Outubro 2021
SUMÁRIO

1 - ABORDAGEM DO POLITRAUMATIZADO ............................................................................................6


1.1 – BIOMECÂNICA DO TRAUMA .........................................................................................................7
1.2 - TIPOS DE LESÃO............................................................................................................................8
1.2.1- Padrão de lesão .......................................................................................................................9
1.3 – ABORDAGEM INICIAL DO POLITRAUMATIZADO......................................................................12
1.4 - AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA DO POLITRAUMATIZADO...............................................................23
2- CONTROLO DA VIA AÉREA ................................................................................................................29
2.1- ADJUVANTES BÁSICOS DA VIA AÉREA... .................................................................................…33
2.2- DISPOSITIVOS ALTERNATIVOS PARA ABORDAGEM DA VIA AÉREA......................................37
3 - TRAUMATISMO CRANEOENCEFÁLICO (TCE) .................................................................................48
4- TRAUMATISMO VÉRTEBRO-MEDULAR.............................................................................................56
5 – CHOQUE ..............................................................................................................................................64
6 - TRAUMATISMO TORÁCICO................................................................................................................75
7 - TRAUMATISMO ABDOMINAL.............................................................................................................87
8 - TRAUMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO .................................................................................................91
9- TRAUMA DO QUEIMADO .....................................................................................................................97
10 - ANALGESIA......................................................................................................................................116
11 – TRANSPORTE DE DOENTE CRITICO............................................................................................118
11.1 – TRANSPORTE INTRA HOSPITALAR.......................................................................................119
11.2 – TRANSPORTE INTER HOSPITALAR.......................................................................................123

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................127

ANEXOS

TÉCNICAS DE TRAUMA..........................................................................................................................128

TÉCNICA DE ACESSO INTRA-OSSEA ................................................................................................... 134

ALGORITMO DE SBV NO ADULTO ........................................................................................................ 143

ALGORITMO DE REANIMAÇÃO INTRA HOSPITALAR............................................................................145

ALGORITMO DE SAV ................................................................................................................................146


Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

INTRODUÇÃO

A atuação dos profissionais de saúde, relativamente ao doente traumatizado, pode muitas vezes
significar a diferença entre a vida e a morte, ou entre sequelas mínimas e temporárias, sequelas graves
ou permanentes.

Tendo em conta estes aspetos, a avaliação e abordagem do doente, vítima de trauma grave requer
um atendimento em equipa multiprofissional, em que cada elemento deve saber o seu plano de
atuação, em perfeita sintonia e integração com a metodologia de atendimento correta para uma
abordagem e ressuscitação da pessoa doente de trauma.

O trauma é claramente uma situação de Emergência que exige dos profissionais de saúde uma
resposta imediata, metódica e organizada. A prestação de cuidados neste contexto exige uma
formação estruturada, para que se desenvolvam competências específicas, abrindo caminho para a
organização das práticas de trabalho, agindo nesta situação com a máxima brevidade e eficiência.

A Sociedade Portuguesa de Trauma (1998) considera que “a eficácia no tratamento de doentes graves
depende da capacidade da equipa seguir e cumprir os passos pré determinados e protocolados para
preservar os aspetos essenciais à sobrevivência do doente”.

Segundo Sheey (1998), uma avaliação inicial adequada e atenta é a base de todos os cuidados
prestados ao doente de trauma. O atendimento por parte da equipa deve assim, ser efetuado segundo
orientação e coordenação prévias, tendo em conta a diferenciação técnica de cada profissional, os
protocolos existentes e a ordem de prioridades da avaliação primária aceite como o “estado da arte”
neste domínio (Massada, 2002).

Deste modo, este manual visa constituir uma ferramenta de apoio pedagógico, tendo como objetivo a
orientação do estudo dos formandos nas diversas temáticas do trauma, abordadas no decorrer do
curso de Abordagem Sistematizada do Traumatizado.

As normas de orientação clínica abordadas neste manual baseiam-se em conhecimentos clínicos


universalmente aceites e seguem a metodologia do TNCC® (Trauma Nursing Core Course) da
Emergency Nurse Association, do ATLS® (Advanced Trauma Life Support) do American College of
Surgeons e do PHTLS (Basic and advanced Prehospital Trauma Life Support).

Este manual aborda numa primeira fase, aspetos relacionados com a avaliação e abordagem primária
e secundária dos doentes, vítimas de trauma, em contexto intra hospitalar e posteriormente aspectos
clínicos relevantes, a ter em conta na abordagem a doentes com traumas específicos como: TCE, TVM,
trauma torácico e abdominal, trauma músculo-esquelético, trauma no queimado.

4
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 1

ABORDAGEM DO POLITRAUMATIZADO

5
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

1 - ABORDAGEM DO POLITRAUMATIZADO

O trauma é a principal causa de morte na faixa etária dos 1 aos 44 anos, sendo que por ano morrem
como consequência de trauma, três vezes mais americanos do que morreram na guerra do Vietnam.
A cada ano 11 milhões de pessoas ficam com incapacidade temporária e 450 000 com incapacidade
permanente.

A atuação dos profissionais relativamente ao traumatizado pode muitas vezes significar a diferença
entre a vida e a morte, ou entre sequelas mínimas e temporárias e as sequelas graves ou permanentes.

Alguns autores referem que pode considerar-se que a mortalidade associada ao trauma tem uma
distribuição trimodal.

O primeiro pico de mortes ocorre segundos após o trauma, normalmente devido a laceração cerebral,
lesão medular alta, lesão cardíaca, da aorta ou de outro grande vaso. Poucos doentes se poderão
salvar nestas circunstâncias.

O segundo pico ocorre entre poucos minutos a algumas horas após o trauma, sendo as mortes
devidas maioritariamente a hematomas epidurais e sub durais, hemo-pneumotórax, fraturas do baço,
laceração hepática, fraturas da bacia e / ou outras lesões múltiplas associadas a hemorragia grave. É
neste período de tempo que se pretende intervir, proporcionando uma avaliação e tratamento rápidos,
que são fundamentais para a sobrevivência.

O terceiro pico de mortes ocorre vários dias ou semanas após o trauma, devido a sépsis ou a falência
multiorgânica. Estas mortes podem ser consequência direta do tipo de tratamento efetuado nos
primeiros minutos ou horas, já que um doente submetido a uma correta abordagem e estabilização
inicial terá uma maior probabilidade de sobreviver e menor morbilidade associada.

Alguns estudos efetuados nos Estados Unidos revelam que a sobrevivência do doente politraumatizado
está também relacionada com, o tempo decorrido entre o evento e o tratamento definitivo. Estes
mostram que os doentes que recebem o tratamento definitivo, dentro da primeira hora após o trauma
têm uma taxa de sobrevivência maior do que, os que recebem este tratamento mais tarde, criando-se
assim o importante conceito de “golden hour“ (hora de ouro).

O conceito de “ golden hour “ (hora de ouro) enfatiza a urgência existente no correto manuseamento
deste tipo de doentes, tentando maximizar um bom resultado.

É importante relembrar que, a maioria dos politraumatizados necessita da atuação de um centro


cirúrgico para o tratamento definitivo, que normalmente implicam controlo de hemorragias graves.

Uma das grandes responsabilidades dos profissionais, que realizam a primeira abordagem destes
doentes, é gastar o menor tempo possível para os avaliar, realizar as manobras indispensáveis para
manter a vida e preparar a sua referenciação par um hospital Central (ou centro de trauma) se
necessário.

A estandardização de procedimentos que promovam uma correta abordagem inicial e secundária do


politraumatizado, tal como a existência de recursos necessários à estabilização do mesmo, são pilares
fundamentais numa abordagem de emergência.

6
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado
Objectivos:

 Avaliar rápida e detalhadamente a situação clínica do doente


 Proceder à reanimação e estabilização da doente segundo a metodologia de prioridades
ABCDE
 Determinar a adequação dos meios existentes às necessidades da doente
 Tratar de uma transferência adequada da doente para outra unidade hospitalar (quem,
quando e como)
 Assegurar que os cuidados adequados são proporcionados à doente

1.1 – BIOMECÂNICA DO TRAUMA

O tratamento bem-sucedido dos doentes traumatizados depende da avaliação e identificação das


lesões ou prováveis lesões, sendo necessário o desenvolvimento de determinadas habilidades para o
efeito, pois muitas podem passar despercebidas caso não se suspeite da sua existência.
Uma história completa e precisa, do evento traumático, bem como a sua interpretação adequada, pode
fazer com que os profissionais de saúde que lidam com estes doentes, antecipem mais de 90% das
lesões prováveis.
O termo trauma define a lesão nos tecidos e órgãos humanos, resultado da transferência de
energia do meio ambiente para o indivíduo.
A biomecânica diz respeito ao estudo dos princípios das forças de acção e seus efeitos a nível do
corpo humano.
Os mecanismos da lesão referem-se aos mecanismos pelos quais a energia é transferida do ambiente
para o indivíduo.
O agente que causa dano é a energia e as suas fontes podem ser:
- Mecânicas/cinéticas – Os veículos vetores são embates de automóveis, motociclos, quedas, armas
de fogo. Toda a energia que vai além da resistência do corpo pode danificar um ou mais tipos de
tecidos, com diferentes respostas e tolerância à transferência de energia.
- Forças mecânicas associadas à energia mecânica e objetos em movimento – A energia
mecânica atinge o corpo com forças de aceleração/desaceleração ou as duas em simultâneo. O
total da força de um corpo ou objeto depende da sua massa e principalmente da sua velocidade, se
a massa de um objeto duplica a sua energia duplica, mas se a velocidade duplica, a energia
quadruplica, logo quanto maior a velocidade maior a energia do impacto. (EC=M/2 x V 2)
1- Forças de desaceleração (força que pára ou diminui a velocidade) – Quando um objecto
desacelera ou diminui a velocidade até zero, a energia no impacto é dissipada e absorvida à volta
do local de impacto. Quando o corpo em movimento pára, como numa queda ou num embate de
automóvel, a energia descarregada nos tecidos humanos pode causar danos devido às forças de
desaceleração.

7
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Durante um embate ou queda o corpo desacelera, mas nem todas as estruturas do corpo humano
desaceleram ao mesmo tempo e a forma como algumas estruturas anatómicas estão fixas predispõem
a diferentes tipos de lesão por desaceleração
Dois locais anatómicos suscetíveis de lesão devido a este tipo de força são a aorta torácica
descendente e o duodeno retroperitoneal (neste caso pode dar-se uma rotura por pressão intra lúmen).
2 – Forças de aceleração – Neste caso dá-se o aumento da velocidade, que é frequente no caso
do atropelamento. Aquando do embate imprime-se velocidade no peão parado, ou em marcha lenta.
Algumas lesões de embates de automóvel podem resultar da combinação de forças de aceleração e
desaceleração.
3 – Outras forças – Balas e facadas são exemplos de objetos em movimento com quantidades de
energia variadas, cuja lesão depende da velocidade e da massa do objeto.
- Forças internas associadas a energia mecânica e objeto em movimento – à medida que a
energia é descarregada no corpo do indivíduo criam-se pressões internas que podem levar à rotura
de tecidos. A lesão que estas forças provocam depende em muito da elasticidade de cada tipo de
estruturas envolvidas (por ex. os músculos são elásticos, podem ser deformados e esticados como
resultado da carga de energia, por sua vez o baço e o fígado tem uma elasticidade reduzida, podem
romper).

1.2 - TIPOS DE LESÃO

As lesões resultantes da transferência de energia mecânica podem ser abertas, penetrantes e


fechadas. A energia associada ao trauma fechado é mais dissipada à volta da zona de impacto,
mas pode ser absorvida pelas estruturas abaixo.
1- Trauma fechado – A maioria das lesões associadas a acidentes de automóveis e quedas, são
fechadas.
As lesões dos ocupantes variam consoante a localização da pessoa no veículo, velocidade do impacto,
distância de imobilização e outros factores, tal como o tipo de veículo, presença/utilização ou não de
mecanismo de proteção individual.
2- Trauma penetrante – Geralmente nos meios urbanos, este tipo de lesões, está associado a trauma
com armas de fogo e instrumentos de corte. Nos meios rurais os vetores são animais, máquinas,
equipamentos de alta pressão, objetos afiados; pelo que são comuns as lacerações, seguidas de
perfurações, amputações, ou o conjunto das mesmas.
3- Feridas por arma branca – Este tipo de objetos produz feridas penetrantes, em que normalmente
o dano ocorre à medida que as estruturas são perfuradas no caminho percorrido pelo objecto.
A lesão depende do tamanho do objeto, velocidade e força aplicada e ângulo de entrada (Por vezes
pode prever-se a força aplicada sabendo o tamanho do agressor). Embora a perfuração possa parecer
linear os tecidos podem ser rotos e repuxados pelo instrumento perfurante.
4- Feridas por arma de fogo – O dano tecidular infligido pela bala depende da sua velocidade, forma,
construção e massa. As propriedades do tecido e a quantidade de energia cinética no

8
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado
impacto contribuem para a loca e fazem variar o grau e tipo de lesão tecidular. A distância entre o cano
da arma e a pessoa afeta a velocidade com que a bala embate no corpo, quanto menor for esta
distância maior será a velocidade de impacto.
Os projéteis causam lesões diretas a qualquer tipo de tecido no seu caminho, e consequências
indiretas devido às ondas de choque que levam a compressão por deslocamento longitudinal e ondas
que levam à cavidade por deslocamento transverso.

1.2.1- Padrão de lesão

O padrão de lesão é uma combinação da idade da pessoa, mecanismo da lesão, estruturas


anatómicas envolvidas e factores pré existentes (por ex: ingestão de bebidas alcoólicas).
Saber o padrão de lesão pode levar a equipa de trauma a antecipar a possibilidade da existência de
determinado tipo de lesões. A história do evento pode fornecer informações que levem a uma
identificação e tratamento precoces de determinadas lesões.

Lesões relacionadas com veículo motorizado


Os factores que contribuem para o modelo de lesão em pessoas envolvidas em embates de
automóvel são o uso ou não de sistemas de contenção, posição da pessoa na viatura e tipo de colisão.
a) Impacto Frontal (trajetória de impacto para baixo) – Previsíveis lesões no tórax (coração e
aorta); Abdómen (fígado e baço); deslocação posterior da anca; lesões dos pontos de impacto
(fémur, joelhos e tornozelo);

Figura 1 – impacto frontal, trajectória de impacto para baixo


b) Impacto frontal (trajetória de projeção para cima) – Previsíveis lesões da cabeça (a existência
de fratura do para brisa em “olho de boi” pode ser indicativa de lesão craniana), pescoço (a
hiperextensão e hiperflexão do pescoço produzem angulação importante, resultando
frequentemente em fratura ou deslocamento das vértebras), tórax e abdómen superior.

Figura 2 – impacto frontal, trajetória projeção para cima.

9
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

c) Impacto lateral – Cabeça e face quando projetado para a frente, coluna cervical, ombro e
clavícula, tórax e abdómen lateral do lado do impacto.
Nos impactos laterais o condutor e os passageiros do seu lado ficam vulneráveis a lesões
do baço, enquanto os passageiros do lado oposto estão mais expostos a lesões do fígado,
consoante o lado do impacto.

Figura 3 – impacto lateral

d) Impacto traseiro – Lesões principalmente da Cabeça e pescoço (associadas à hiper


extensão e hiper flexão).

Figura 4 – impacto traseiro

e) Capotamento – O capotamento é considerado como uma história significativa de acidente,


que propicia a existência de grandes traumatismos. Durante o capotamento o automóvel pode
sofrer muitos impactos em vários ângulos, assim como o corpo e os órgãos internos dos
ocupantes.
Podem ocorrer traumatismos e lesões em cada um desses impactos, por isso é quase
impossível prever as lesões destas vítimas. Os profissionais de saúde devem ter a noção
que normalmente estas pessoas são potenciais politraumatizados graves.
As lesões previsíveis estão também relacionadas com a situação e posicionamentos da
pessoa na viatura:
 Condutor sem cinto – Lesões cranianas, ossos da face, torácicas, fraturas do fémur,
pélvicas, e tornozelos.
 Passageiro sem cinto – Lesões cranianas, abdominais, fraturas pélvicas e do fémur.
As lesões mais frequentes são na cabeça, tórax e abdómen.

10
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Lesões características de atropelamento


Relativamente ao atropelamento é importante referir que a criança e o adulto têm um padrão de
comportamento, diferentes podendo sofrer padrões de lesão diferentes, consoante as estruturas
anatómicas que são atingidas.
Quando um adulto percebe que vai ser atingido por um automóvel, tenta proteger-se, virando-se
para fugir da colisão, logo frequentemente as lesões são laterais e posteriores.

Figura 5 – atropelamento do adulto

A criança posiciona-se de frente para o veículo, tal atitude resulta mais frequentemente em lesões
anteriores. Inerente ao tamanho da criança esta normalmente sofre lesões mais altas que o adulto.

Figura 6 – atropelamento da criança

a) Embate atracado (entalado) – fraturas pélvicas, fémur, joelho, tíbia e perónio.


b) Quando projetado sobre o veículo – As lesões prováveis dependem da posição da pessoa
aquando do embate; se o embate é frontal há lesão do tórax e abdómen (costelas e baço),
se o embate é por trás há lesão da coluna.
Quando o peão desliza do veículo para o chão as prováveis lesões são do crânio e coluna, se
desliza para baixo do mesmo, são prováveis as lesões pélvicas.

11
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Lesões características de acidentes de motociclos

a) Colisão frontal com projeção sobre o motociclo – provável lesão do crânio, tórax, abdómen
ou pélvis dependendo da região anatómica que colidir com o guiador da mota.
b) Colisão angular – pode entalar as pernas.
c) Ejetado – A lesão ocorre no ponto de impacto após a ejecção. O potencial para a ocorrência
de lesões graves em todo o organismo é muito grande.
d) Queda de lado com a mota – lesões da face interna da perna e lesões laterais do lado do
embate.

Quedas e saltos
As quedas e saltos em altura provocam uma lesão por descarga axial, pelo impacto que se faz
sentir sobre o esqueleto axial, quer se aterre de pé (geralmente estão presentes fraturas das
extremidades e coluna) ou de cabeça (onde é frequente a lesão craniana e cervical).
O tipo de lesão depende da idade da pessoa, altura da queda ou salto, capacidade de absorção de
energia da superfície de impacto, ponto anatómico de impacto, energia de desaceleração
descarregada no impacto.
De modo geral, quedas de altura superior a três vezes a altura da pessoa, são consideradas graves.

1.3 – ABORDAGEM INICIAL DO POLITRAUMATIZADO

Os politraumatizados apresentam-se na sua maioria com alterações significativas dos sinais vitais,
défices neurológicos ou qualquer outra evidência significativa de traumatismo. Estes sinais devem
motivar uma procura cuidadosa de lesões específicas subjacentes e intervenções rápidas para corrigir
as anomalias.
Os sinais não específicos, tais como taquicardia, taquipneia, ou alterações do estado de consciência,
ainda que leves, devem ser presumidos como indicadores de uma lesão grave até prova em contrário,
como tal devem ser avaliados e tratados rapidamente.
É também importante relembrar que apesar da ausência de sinais de traumatismo significativo, o
mecanismo da lesão pode sugerir lesões potenciais que devem ser ativamente procuradas.
Para proceder à abordagem inicial é de vital importância saber o tipo de acidente que a pessoa sofreu,
devendo, sempre que possível, obter a máxima informação possível, nomeadamente:

DADOS DO ACIDENTE
 Local do acidente (auto estrada sugere grande velocidade, zona rural sugere lesão
conspurcada);
 Acidente de viação, atropelamento, acidente com veículo e tipo de veículo;
 Posição da pessoa no veículo (condutor, passageiro da frente ou atrás);

12
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Direção do impacto (frontal, lateral, traseiro, capotamento, projecção);


 Meios de proteção individual (cinto de segurança, airbags, capacete);
 Acidente de trabalho e tipo de actividade;
 Mecanismo da lesão (queda, projéctil, intoxicação, etc.);
 Sinais clínicos no local do acidente (estado de consciência, amnésia para o acidente,
quantificação provável de perda hemática);
 Tempo que mediou entre o acidente e chegada de socorro;
 Cuidados prestados no local e avaliação dos mesmos;
 Detalhes clínicos prévios à lesão (medicação que toma habitualmente).
A avaliação e tratamento da pessoa gravemente lesionada deve consistir numa abordagem inicial
rápida e cuidadosa, de modo a promover o restabelecimento de um estado hemodinâmico equilibrado,
uma avaliação secundária e, se necessário, uma transferência adequada para outra unidade de
saúde.
A abordagem inicial do politraumatizado caracteriza-se pela identificação sistematizada sequencial,
e tratamento concomitante das situações ameaçadoras de vida, sendo a sua avaliação é conhecida
pela nomenclatura ABCDE.
Este processo é resumido pelas siglas:

A – AIRWAY - Abertura e permeabilização da via aérea e estabelecimento de uma via aérea segura
com controlo cervical
B – BREATHING – Ventilação, em que se vai verificar se a pessoa respira ou não e se necessário,
ventila-la manualmente ou mecanicamente
C – CIRCULATION - Avaliar o estado hemodinâmico e controlo de hemorragias
D – DISABILITY – Avaliação da disfunção neurológica
E – EXPOSURE – Exposição total da pessoa evitando a hipotermia e preparação para a abordagem
secundária.
Durante a abordagem inicial, as situações que ameaçam a vida devem ser identificadas e tratadas
simultaneamente, sendo que os enfermeiros não devem saltar nenhum dos passos, para depois
voltar atrás na avaliação.

A – VIA AÉREA
A primeira avaliação consiste em verificar a permeabilidade da via aérea, SEMPRE com proteção
da coluna cervical (evitar hiperextensão, hiperflexão ou rotação da coluna cervical).
A permeabilização da via aérea é essencial para se poder obter uma ventilação adequada do
doente. Deve-se assim verificar existência de:
 Sangue

13
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Alimentos
 Corpos estranhos
 Dentes partidos
 Prótese dentária
Caso seja verificada a presença de alguns destes resíduos devem ser imediatamente retirados ou
aspirados.
Se o doente está consciente e orientado terá supostamente a via aérea permeável, embora deva
ser regularmente verificada a sua permeabilidade.
Os doentes inconscientes têm frequentemente obstrução da via aérea por queda da língua. Existem
duas técnicas para a abertura da via aérea evitando a queda da língua com proteção cervical:
 Elevação do queixo
 Protusão do maxilar inferior

Alem destas manobras, deve colocar-se um tubo de Guedel para melhorar a abertura da via aérea.
Os doentes com Traumatismo Craneo Encefálico (TCE) grave, com alterações da consciência ou
qualquer doente com uma Escala de Glasgow inferior a 8, têm indicação formal para via aérea
protegida, devendo proceder-se a entubação oro traqueal, sempre com proteção da coluna
cervical. Nestas circunstâncias, a entubação deve ser realizada com colar cervical ou com um
segundo elemento a proceder à estabilização da cervical e alinhamento com o eixo corporal.

B – VENTILAÇÃO
Uma ventilação eficaz necessita de uma função adequada dos pulmões, parede torácica e diafragma,
elementos que devem ser avaliados rapidamente.
O tórax do doente deve ser exposto para ser possível a sua avaliação na totalidade. A auscultação
permite ouvir o fluxo de ar a nível pulmonar, a percussão permite identificar a presença de ar ou
sangue no tórax e a palpação permite identificar lesões na parede torácica que podem dificultar ou
impossibilitar uma ventilação adequada. Deve assim proceder-se à auscultação, percussão e
palpação do tórax do doente, procurando sinais de ventilação inadequada.
Sinais objetivos de ventilação inadequada:
Verificar se existe expansão simétrica do tórax – uma assimetria pode sugerir um “vollet“
costal ou apenas fratura de costelas, que pela dor podem comprometer a ventilação. É
fundamental avaliar o padrão respiratório, pois um doente com dispneia, taquipneia ou que
demonstra um grande esforço respiratório, provavelmente estará em perigo de paragem
ventilatória.
Verificar existência de focos de contusão.
Ouvir o fluxo de ar pulmonar bilateralmente através da auscultação, uma diminuição do fluxo
ou a ausência de fluxo de ar indicam lesão torácica.

Pneumotórax – dispneia, hiper ressonância à percussão, ausência de fluxo de ar, podendo


existir ou não enfisema subcutâneo.

14
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Pneumotórax hipertensivo – dispneia intensa, desvio da traqueia para o lado não afetado,
hiper ressonância à percussão, enfisema ou não.
Hemotórax – macicez à percussão torácica, dispneia, hemoptises.

A oximetria de pulso é um valioso indicador da saturação de O2 e da perfusão periférica. No entanto


não consegue distinguir entre oxihemoglobina e carboxihemoglobina e é limitada quando há uma
severa vasoconstrição periférica e no doente com intoxicação por monóxido de carbono. Em caso
anemia profunda ou hipotermia a técnica tem também um valor limitado.

O PNEUMOTÓRAX E PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO são situações que constituem uma ameaça


imediata à vida, devendo ser prontamente identificados e drenados.
Nestes doentes é possível obter uma ventilação adequada com máscara e INSUFLADOR MANUAL,
embora se estiver a ser efetuada apenas por uma pessoa, possa dar origem a fugas e ineficácia.
O ideal será usar a técnica com duas pessoas, uma a segurar firmemente a máscara e outra a
proceder à insuflação com insuflador manual.

C – CIRCULAÇÃO COM CONTROLO DE HEMORRAGIAS


A hemorragia é a causa predominante de morte no trauma, que só pode ser evitada, se a hemorragia
for tratada precoce e agressivamente. Deve realizar-se uma avaliação rápida e sistematizada do
estado hemodinâmico do doente.
Os elementos do exame clínico que nos podem fornecer informação vital em segundos são:
 Estado de consciência
 Coloração da pele
 Pulso
Estado de consciência
Quando o volume de sangue circulante diminui, a perfusão cerebral pode ficar gravemente
comprometida, resultando em alterações do estado de consciência. No entanto mesmo um doente
consciente pode ter perdido uma quantidade significativa de sangue.

Coloração da pele
Um doente com uma pele rosada, com uma coloração aparentemente normal, principalmente a
nível da face e das extremidades, raramente é um doente com hipovolémia. Pelo contrário um doente
com coloração da pele acinzentada a nível da face e branca a nível das extremidades é decerto um
sinal de hipovolémia grave.

Pulso
O pulso deve ser avaliado preferencialmente a nível central (carotídeo ou femural), de forma
bilateral, avaliando a frequência, débito e regularidade. Um pulso periférico cheio, rítmico e “lento” é
normalmente sinal de um doente com normovolémia.

15
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Um pulso rápido e filiforme é normalmente sinal de hipovolémia, podendo no entanto ter outras
causas, mas serve como sinal de alerta para uma potencial disfunção cardíaca.
Quando não são palpáveis pulsos femural e radial deve proceder-se imediatamente a fluidoterapia
agressiva na tentativa de restaurar uma função cardíaca normal.
Sempre que possível deve monitorizar-se o doente do ponto de vista cardíaco de forma a ter uma
avaliação precisa e continua da frequência cardíaca, respiratória, pressões arteriais e oximetria de
pulso.
A hipotensão após trauma deve ser considerada de origem hipovolémica até prova em contrário,
sendo no entanto importante relembrar que esta é um sinal tardio de choque.
As primeiras manifestações de choque são:
Taquicardia
Palidez
Diminuição da pressão de pulso (de realçar que a tensão arterial frequentemente só desce
após uma perda de cerca de 30 % do volume de sangue).
Após a avaliação destes parâmetros podemos inferir que um doente pálido, com pele fria e
taquicárdico, se encontra em choque até prova em contrário.

Hemorragias
Uma hemorragia externa pode ser controlada por compressão direta sobre a ferida. Deve evitar-se o
uso de garrotes, excepto em situações de amputação de extremidades, porque os garrotes esmagam
os tecidos causando isquémia distal à área de garrotagem.
As maiores causas de hemorragia oculta são a hemorragia para a cavidade abdominal, cavidade
torácica, para os tecidos moles que envolvem uma fractura de ossos longos e para a cavidade
retroperitoneal, devido a fratura da bacia.
Relativamente ao politraumatizado é importante estar alerta para aspetos que podem constituir
autênticas “ratoeiras” na sua avaliação e consequente tratamento.

NOTAS IMPORTANTES:
Doentes medicados com beta-bloqueantes podem ter um pulso rítmico e cheio, apesar de
sofrerem uma perda sanguínea significativa (a taquicardia é mascarada pela toma dos beta-
bloqueantes).
Pessoas idosas saudáveis têm uma capacidade limitada para aumentar a frequência
cardíaca em resposta a uma hemorragia, ocultando por isso, um dos primeiros sinais de
hipovolémia. A tensão arterial tem pouca correlação com o débito cardíaco nesta faixa etária.
As crianças têm normalmente uma reserva fisiológica elevada e mostram poucos sinais de
hipovolémia, mesmo após hemorragia grave. Quando se verifica deterioração clínica esta é
precipitada e catastrófica.

16
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Um atleta tem um mecanismo compensatório parecido ao da criança, não demonstrando


uma taquicardia precoce, como reposta à depleção de volume, já que normalmente é
bradicárdico.
Um traumatismo craniano ISOLADO não constitui uma causa de choque. Um doente nesta
situação deve ser reavaliado para apurar outras causas de choque.
Embora uma lesão vértebromedular possa causar hipotensão associada ao choque
neurogénico, esta cursa sem taquicardia ou vasoconstrição periférica (o doente tem as
extremidades quentes) que corresponde a uma vasoplegia periférica por desenervação
simpática.
A dilatação gástrica ocorre frequentemente em traumatizados, principalmente em crianças,
causando hipotensão e bradicardia por estimulação vagal. A distensão gástrica dificulta o
tratamento do doente em choque e aumenta o risco de aspiração de vómito. Deste modo
torna-se útil a colocação de uma sonda ORO-gástrica para descompressão gástrica.

ACTUAÇÃO INICIAL
A atuação na abordagem inicial versa essencialmente a colocação de acessos vasculares e
fluidoterapia agressiva, tentando manter o indivíduo clinicamente estável para uma posterior
abordagem cirúrgica.
1- Acesso vascular:
O acesso vascular deve ser realizado de imediato, com a cateterização de duas veias periféricas, de
preferência nos membros superiores, com cateteres de grande calibre (14 G a 18 G).
Em crianças com idade inferior a 6 anos, deve considerar-se a colocação de uma via intra-óssea.
O acesso venoso central não tem indicação para cateterização imediata, mas sim para ser realizado
á posteriori, visto a sua colocação ser mais demorada e não ser o mais indicado para infusões de
grande volume.

2- Fluidoterapia:
Para a reposição inicial de fluidos devem administrar-se preferencialmente soros isotónicos
aquecidos, sendo o Soro fisiológico e Lactato de Ringer os soros de eleição. Estes proporcionam uma
expansão intravascular transitória e estabilizam o volume vascular. O soro de primeira escolha é o
lactato de Ringer, devendo ser administrado um bólus inicial de 1 a 2 litros no Adulto e 20 ml/kg de
peso na Criança.
Não devem ser administrados soros glicosados, porque consomem os tampões fisiológicos, levando
a acidose metabólica.
A quantidade de líquidos e sangue necessários para efetuar uma reanimação inicial é difícil de prever,
no entanto a estimativa do volume de sangue perdido constitui uma orientação primordial para a
quantidade de fluido a repor (ver tabela de reposição no capítulo do Choque).
No entanto é mais importante avaliar a resposta do doente á reposição de volume e conseguir verificar
que existe uma adequada perfusão e oxigenação dos órgãos, através da monitorização do nível de
consciência, perfusão periférica, estado hemodinâmico e débito urinário.

17
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

O débito urinário, no adulto, após a reposição de volume circulante, deve ser de aproximadamente
de 0,5ml/Kg/hora

DECISÕES TERAPÊUTICAS BASEADAS NA RESPOSTA DO DOENTE

I. – RESPOSTA RÁPIDA
Os traumatizados que se incluem neste grupo, respondem rapidamente à fluidoterapia inicial e
permanecem hemodinâmicamente estáveis após o bólus inicial. Neste caso os soros devem ser
diminuídos para uma dose de manutenção, tendo sempre em atenção a reavaliação continua como
padrão de atuação, já que a sua deterioração clínica pode acontecer.

II. – RESPOSTA TEMPORÁRIA


Neste grupo estão os doentes que respondem ao bólus inicial de soros, no entanto começam a
mostrar alguma deterioração do seu estado clínico logo que os soros diminuem para níveis de
manutenção.
Este facto pode traduzir uma hemorragia activa ou uma fluidoterapia inadequada, devendo reavaliar
o doente revendo a sua situação clínica e considerar a revisão da fluidoterapia.

III. – RESPOSTA MÍNIMA OU AUSENTE


Neste caso estamos em presença de uma situação de extrema urgência, com provável hemorragia
maciça, que apenas se resolverá com intervenção cirúrgica de emergência. Pode também dever-se
a falência de bomba, por contusão ou tamponamento cardíaco.

D – DISFUNÇÃO NEUROLÓGICA
Após a avaliação e correcção de alterações da via aérea, ventilação e circulação deve avaliar-se
sumariamente o estado neurológico do doente, que pressupõe:
 Avaliação do estado de consciência,
 Tamanho e reatividade pupilar
 Movimento dos olhos e resposta motora
A avaliação inicial do estado neurológico do doente pode ser efectuada duas formas, sendo uma
delas, uma mnemónica simples que fornece dados rápidos e outra mais completa, que permite uma
avaliação mais fiel em termos de continuidade e provável evolução do doente.
A primeira consiste na mnemónica AVDS:
A – Alerta
V – Responde à Voz
D – Responde à Dor…. ≤ Que 8 na escala de Glasgow
S – Sem Resposta

18
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado
Esta primeira avaliação obtém-se de uma forma rápida permitindo ter logo uma noção da gravidade do
doente. No entanto logo que possível deve avaliar-se a Escala de Glasgow. Esta vai de um score
mínimo de 3 e um máximo de 15.

Abertura Espontânea 4
À fala 3
Abertura de Olhos À dor 2
Sem resposta 1
Orientado 5
Confuso 4
Resposta Verbal Palavras Inapropriadas 3
Sons Incompreensíveis 2
Sem Resposta 1
Obedece 6
Localiza 5
Retirada 4
Resposta Motora
Flexão 3
Extensão 2
Sem Resposta 1
Tabela 1- Escala de Coma de Glasgow
Uma alteração do estado de consciência pode indicar uma diminuição da oxigenação e/ou perfusão
cerebral, ou estar relacionada com uma lesão cerebral. Assim, uma alteração do estado de
consciência implica uma reavaliação do estado de oxigenação, ventilação e perfusão do doente.
Num doente traumatizado, a alteração do estado de consciência, após exclusão de causas como
hipoxémia ou hipovolémia, deve ser atribuída a uma lesão neurológica central, até prova em
contrário. Embora o álcool e/ ou drogas possam afetar o estado de consciência, nestes doentes é
um erro atribuir esta alteração a estas causas, sem excluir completamente uma lesão neurológica.
Após a avaliação do estado de consciência é fundamental avaliar o tamanho, forma, simetria e
reatividade à luz, das pupilas e sinais de lateralização ou défices neurológicos motores.

MIOSE

MIDRIASE

ANISÓCORIA

Figura 7 tamanho das pupilas


19
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Qualquer evidência de perda de sensibilidade, paralisia ou diminuição da força motora, sugere uma
lesão vertebral (e medular) ou do sistema nervoso periférico.
Qualquer alteração neurológica deve ser documentada e reavaliada periodicamente, tanto para
avaliar deterioração do seu estado, como melhorias e se necessário ser possível efetuar ajustes
terapêuticos.
Este tipo de informação para além de poder ser vital, é de extrema importância para quem
posteriormente vai receber o doente, em termos de decisão/orientação terapêutica.
Para protecção do doente, sempre que se verifica um défice neurológico ou não, esta deve ser
correctamente imobilizada antes de se proceder à sua transferência para outra unidade hospitalar.
Isto inclui imobilização de TODO o doente, com colar cervical semi-rígido, em plano duro com
imobilizadores de cabeça e cintos ou em maca Coquille, que só deve ser retirada APÓS
EXCLUSÃO DE LESÃO DE TRAUMA VÉRTEBROMEDULAR. Aquando da avaliação neurológica,
é importante ter presente alguns aspetos relativamente à atuação, de forma a prevenir o agravamento
do estado neurológico do doente.

NOTAS IMPORTANTES:
Qualquer aumento da pressão intra craniana (PIC) pode levar a uma redução da perfusão
cerebral e provocar lesão cerebral secundária. Deve ter-se em conta, que praticamente todas
as técnicas de avaliação e estabilização, do doente com TCE podem levar a um aumento da
PIC (por ex: a entubação oro-traqueal é uma manobra que provoca elevação da PIC,
devendo ser realizada recorrendo à técnica de entubação sequencial rápida).
Cair no erro de apenas imobilizar a coluna cervical, deixando livre o tórax do doente, pois
permiti-mos na mesma que a coluna cervical faça flexão, servindo o corpo como fulcro.
Apesar de uma abordagem correcta de um traumatizado craniano, este pode deteriorar
rapidamente. É o caso dos hematomas epidurais agudos, que apresentam frequentemente
um “ intervalo lúcido “, sendo este o típico doente que “ anda e morre “.
Este problema pode ser minimizado por reavaliações frequentes, em que qualquer alteração
pode ser detectada e eventualmente tratada.
Qualquer doente com suspeita ou confirmação de TCE que deteriora em termos
neurológicos deve ser reavaliada desde o início. Isto implica uma revisão total do ABCDE,
verificando se a via aérea está segura (pode ter caído o tubo de Guedel, pode o tubo
endotraqueal ter-se deslocado, a doente pode ter vomitado etc.), se a doente ventila
adequadamente (verificar se entretanto se desenvolveu Pneumotórax, ou se evidenciou um
vollet costal que tinha passado despercebido, se o tubo endotraqueal ficou obstruído com
secreções, ou se a doente está reativa e se está a defender do tubo), se mantém
parâmetros compatíveis com uma oxigenação adequada (boas saturações, pele rosada) e
consequentemente uma boa oxigenação e perfusão cerebrais.

20
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

TRATAMENTO INICIAL
Perante uma doente com lesão cerebral grave, o objetivo primordial é impedir o agravamento das
lesões cerebrais, proporcionando um ambiente favorável à regeneração neuronal.
 Oxigenação
Nestes doentes deve manter-se uma boa oxigenação e evitar a hipercapnia. Deve manter-se uma
saturação (SaO2) superior a 95% e um CO2 entre os 32-38 mmHg, que pode ser avaliado por
capnografia. Estes doentes têm indicação formal para entubação Oro traqueal sempre que escala
de Glasgow inferior ou igual a 8 e devem ser ventilados sempre que necessário.
 Fluidoterapia
A fluidoterapia endovenosa deve ser realizada de forma a manter a normovolémia evitando
sobrecarga de fluídos. É especialmente importante nestes doentes evitar o uso de solutos hipotónico
ou glicosados, sendo que estes últimos provocam hiperglicémia que é muito nociva para o cérebro
já lesado. Recomenda-se o uso de NAcl 0,9% ou Lactato de Ringer.

E – EXPOSIÇÃO
O doente deve ser exposto para ser avaliado da cabeça aos pés e assim preparar-nos para a
abordagem secundária sendo pertinente despir a pessoa e retirar os adereços que esta possa ter.
É importante não esquecer que o doente de trauma entra facilmente em hipotermia logo deve ser
mantido um ambiente aquecido aquando da exposição.
A manutenção da temperatura corporal é essencial, visto que a hipotermia é extremamente deletéria,
pois provoca aumento do consumo de oxigénio, vasoconstrição periférica, diminuição do débito
cardíaco, agravamento da má perfusão periférica.

21
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Algoritmo de Abordagem Inicial


Não Aspiração
Passo 1- garantida a permeabilidade da via aérea?
Elevação da mandíbula
Protusão da mandíbula
Sim Via aérea definitiva Confirmar a posição do TET
Via aérea cirúrgica

Não
Imobilização da coluna Colocar colar cervical
Imobilização em plano duro
Sim Doente imobilizado ao plano

Não
Passo 2- Respiração e Ventilação adequadas? Via aérea assegurada
Desvio da traqueia?
Expansão torácica simétrica
Auscultação simétrica

Reavaliar índices de
Sim trocas gasosas, SatO2
com oximetro de pulso,
Administrar O2 e vigiar CO2através de
capnografia Necessidade de drenagem torácica?
Necessidade de colocação TET
Necessidade de ventilação mecânica
Não
Passo 3-Circulação e volume sanguíneo adequados? Identificar e controlar hemorragias
Restabelecer volume de sangue circulante

 Taquicardia
 Alteração do estado de Necessidade de intervenção cirúrgica?
consciência
Sim  Cor e temperatura da pele
Vias EV  Tempo de repreenchimento Reavaliar índices de deplecção de volume
Envio de sangue capilar
ao laboratório  Débito urinário

Passo 4- Avaliação Neurológica

 Avaliar diâmetro, reatividade e simetria


pupilar
 Determinar escala de Glasgow
 Simetria motora e sensorial
 Registar dados
Não
Oxigenação adequada

Sim 22
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Não
Volémia adequada

Sim

Passo 5- Expor o doente e controlar a temperatura

Sim

Passo 6- Verificar ou Efectuar após abordagem inicial

 Descompressão gástrica
 Cateterismo vesical
 Monitorização de ECG e parâmetros vitais
 Oximetro de Pulso
 Vigiar ETCO2
 Radiografias
 Ecografia Abdominal
 Cateterismo venoso central, se necessário

Passo 7- Reavaliar os passos do 1 ao 6 antes de proceder ao exame secundário

Nota: A vigilância periódica das funções vitais durante a abordagem secundária é fundamental
Adaptado de: Moore, Matox e Feliciano (2003)

1.4 - AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA DO POLITRAUMATIZADO

Após ter assegurado a abordagem primária, inicia-se o processo sistemático e breve para
determinar TODAS as lesões.
Segundo a metodologia do Trauma Nursing Core Course (TNCC), deve proceder-se na abordagem
secundária, à avaliação segundo os 3 F´s, G, H e I isto é:
1. Avaliar novamente todos (Full) os sinais vitais;
2. Assegurar as cinco (Five) intervenções;
Monitorizar actividade e ritmo cardíaco
Monitorizar oximetria de pulso
Colocação de sonda vesical para vigilância de débito urinário (não se deve efetuar
se traumatismo da uretra, presença de sangue no meato urinário, toque rectal que

23
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

confirme deslocamento da próstata, sangue no escroto ou suspeita de fratura


pélvica).
Colocação de sonda gástrica
Providenciar as análises laboratoriais
3. Facilitar (Facilitate) a presença da família;
4. G – Give (dar) medidas de conforto;
5. H- História e Head-to-toe (Avaliação da cabeça aos pés);
6. I- Inspecionar as superfícies posteriores.
O enfermeiro deve atender às diversas necessidades da família nesta etapa de crise, envolvendo-os
sempre que possível nos cuidados a prestar ao doente.
Se o doente tiver DOR proceder ao seu controlo farmacológico ou não farmacológico (NUNCA
esquecer que a DOR no doente politraumatizado é um fator de instabilidade, geradora de toda uma
cascata de repercussões hemodinâmicas).
Sempre que possível, nesta etapa da avaliação a equipa responsável pelo doente, deve obter
informação relativa a vários aspetos do acidente:
 Mecanismo de lesão
 Suspeitas de lesão
 Sinais Vitais no local do acidente
 Tratamento iniciado e resposta do doente
 Antecedentes pessoais

A observação sistematizada da cabeça aos pés (Head-to-toe) deve ser efetuada através da inspeção,
auscultação, palpação e percussão de todo o corpo.

CABEÇA:
 Inspecionar e palpar todo o crânio e face procurando contusões, lacerações, queimaduras
e fraturas.
 Reavaliar diâmetro e reatividade pupilar
 Reavaliar nível de consciência e escala de Glasgow
 Avaliar presença de hemorragia ocular ou ferida penetrante e a presença de lentes de
contacto
 Inspecionar ouvidos e nariz procurando perda de liquor e sangue (otorraxis ou rinorraxis)
 Inspecionar orofaringe procurando hemorragias, perda de fluido cerebrospinal, lacerações
e dentes partidos
Atuação:
1. Assegurar a via aérea, ventilar e oxigenar conforme a necessidade da situação.

24
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

2. Controlar hemorragias.
3. Prevenir lesão secundária cerebral.
4. Remover lentes de contacto.

COLUNA CERVICAL E PESCOÇO:


 Inspecionar procurando sinais de trauma contuso ou penetrante, desvios da traqueia e
presença de tiragem.
 Palpar procurando deformidades, edema, enfisema subcutâneo, desvios da traqueia e
simetria de pulsos.
Atuação:
Manter um alinhamento e imobilização adequadas da coluna cervical, enquanto se procede à sua
avaliação.

TÓRAX
 Inspecionar todo o tórax, procurando sinais de trauma contuso e/ou penetrante, utilização
de músculos acessórios para a respiração (tiragem inter costal, supra clavicular) e simetria
da expansão torácica.
 Auscultar bilateralmente o tórax, procurando simetria dos sons respiratórios e realizar
auscultação cardíaca.
 Palpar todo o tórax procurando trauma contuso ou penetrante, enfisema subcutâneo e
crepitação.
 Percutir todo o tórax procurando hiper ressonância ou macicez anómala.

ABDÓMEN
 Inspecionar todo o abdómen procurando sinais de trauma contuso ou penetrante,
hemorragias ativas ou sinais de hemorragia oculta
 Auscultar pesquisando ruídos hidro aéreos
 Percutir o abdómen, procurando enfisema ou macissez anómala.
 Palpar o abdómen avaliando dor, defesa ou a presença de um útero grávido.

PELVIS E PERINEO
 Procurar lacerações, abrasões, contusões, feridas perfurantes, objetos empalados,
equimoses e edema.

25
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Procurar deformidades ósseas, tensão ou instabilidade sobre a crista ilíaca e a sínfise púbica.
 Realizar toque rectal para despiste de deslocamento da próstata.
 Despistar a presença de sangue no meato urinário, vagina e recto.
 Verificar a existência de alterações neurológicas (priapismo, presença ou não de tónus do
esfíncter anal).

EXTREMIDADES
 Inspecionar fragmentos empalados e não os remover caso a função neurológica esteja
conservada.
 Avaliar circulação, cor e temperatura da pele e pulsos periféricos.
 Despistar a existência de hemorragia, lacerações, abrasões, contusões, feridas
perfurantes e objetos estranhos.
 Despistar lesões ósseas observando angulações, deformações, feridas abertas com sinais
de fragmentos ósseos, edema e equimoses
 Palpar as deformidades e áreas de tensão à procura de crepitações ósseas.
 Avaliar a função motora através da existência de movimentos espontâneos das extremidades,
determinando a força e amplitude dos movimentos nas quatro extremidades.

I – INSPECIONAR SUPERFICIES POSTERIORES


Mantendo a coluna cervical alinhada e apoiando as extremidades com suspeita de lesão, a equipa
deve rolar o doente em bloco de forma a observar a parte posterior do corpo.
Este deve ser rolado para o lado contrário à extremidade lesionada:
 Visualizar a existência de lacerações, abrasões, contusões, feridas perfurantes, objetos
estranhos e edemas.
 Palpar a coluna vertebral e toda a superfície posterior, incluindo os ângulos
costovertebrais, para despiste de deformidades e tensões anormais.
 Fazer palpação do esfíncter anal para despiste da conservação do tónus, caso não tenha
sido possível efetuá-lo na inspeção pélvica.

26
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

RESUMO METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO SISTEMATIZADA

A – Permeabilização da via aérea com proteção cervical


B – Respiração
C – Circulação com controlo de hemorragia
D – Disfunção neurológica
E – Exposição com controlo da temperatura
F – Avaliação de todos os sinais vitais (Full sinais vitais), Five intervention e facilitar a presença da
familia
G – Dar medidas de conforto (Give confort)
H – História e avaliação da cabeça aos pés (Head to toe)
I – Inspeção de superfícies posteriores

27
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 2

CONTROLO DA VIA AÉREA

28
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

2- CONTROLO DA VIA AÉREA

As guidelines de suporte avançado de vida em trauma sugerem como primeira prioridade, na


abordagem do politraumatizado, a atenção imediata para a permeabilização da via aérea com controlo
e imobilização da coluna cervical.
Cerca de 3 % dos sobreviventes de traumatismo por contusão, apresentam lesão da coluna cervical
das quais 25% a 75% são lesões instáveis. Os doentes com traumatismos cranianos, com
relevância clínica, têm maior probabilidade de ter lesões da coluna cervical, sendo que a incidência
é maior em doentes cuja escala de Coma de Glasgow é inferior ou igual a 8.
Trinta a 70% dos doentes, com fratura significativa da coluna cervical, apresenta défices neurológicos
e a compressão medular é frequentemente relacionada com fratura/luxação de C5 a C7.
Deste modo, a abordagem do doente politraumatizado deve ser efetuada com imobilização e
controlo cervical até ser possível excluir prováveis lesões da coluna.
A inadequada perfusão e oxigenação, do cérebro e outros órgãos nobres, é uma das causas que
provoca a deterioração do estado hemodinâmico do doente e pode rapidamente levar á morte. A
prevenção da hipóxia requer muitas vezes uma permeabilização, abordagem avançada e protegida
da via aérea e uma adequada ventilação. Assim, a permeabilização da via aérea e a administração
de oxigénio suplementar devem ser efetuados e logo que possível, deve ser garantida a abordagem
segura da via aérea e apoio ventilatório.
O compromisso da via aérea pode ser súbito e completo, insidioso e parcial, progressivo ou
recorrente. A taquipneia pode ser um sinal subtil, mas precoce de compromisso respiratório, embora
frequentemente se relacione com a dor e a ansiedade.
O compromisso da via aérea e esforço respiratório no doente traumatizado pode surgir associado a
traumatismo craniano com alteração do estado de consciência, consumo de álcool ou drogas e
traumatismo torácico com relevância clínica. Nestes a entubação endotraqueal pode assumir
particular importância tendo como objetivos:
Proporcionar uma via aérea segura e prevenir a aspiração de vómito
Administrar oxigénio suplementar
Proporcionar apoio ventilatório
Manter a oxigenação adequada e evitar a hipercapnia são passos decisivos na abordagem do doente
crítico politraumatizado, principalmente em doentes vítimas de TCE.
As avaliações e reavaliações da permeabilidade da via aérea e da adequada ventilação são
fundamentais.
Causas de obstrução da via aérea
A obstrução pode ser parcial ou total e pode ocorrer em qualquer nível da via aérea desde o nariz e
boca até à traqueia. No doente com alteração do estado de consciência o local de obstrução mais
frequente é ao nível da faringe. À medida que o nível da consciência deprime, o tónus muscular
diminui permitindo a queda da língua e tecidos moles adjacentes de forma a ocluir a via aérea.

29
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Outras causas de obstrução incluem o vómito, sangue, regurgitação do conteúdo gástrico, trauma
da via aérea ou corpos estranhos. A obstrução laríngea pode resultar do edema secundário a
queimaduras, inflamação ou anafilaxia. A estimulação da via aérea superior pode provocar espasmo
laríngeo reflexo (laringospasmo).
A obstrução infra-laríngea é menos frequente, mas pode ocorrer se as secreções brônquicas
estiverem aumentadas e/ou não forem adequadamente eliminadas, na sequência de episódios de
bronco-constrição, edema pulmonar ou até aspiração do conteúdo gástrico.

Diagnóstico de obstrução da via aérea


A primeira deteção de obstrução da via aérea faz-se através da abordagem VOS (Ver, Ouvir e
Sentir):
 Ver se há movimentos torácicos ou abdominais;
 Ouvir e Sentir se há fluxo de ar saindo da via aérea.
Nos doentes com obstrução da via aérea a entrada do ar está diminuída e é ruidosa:
 A presença de estridor inspiratório denuncia obstrução alta da via aérea, ao nível da laringe
ou acima;
 Os sibilos expiratórios sugerem obstrução das pequenas vias aéreas, distais, que tendem a
colapsar durante a expiração;
 O Gorgolejo sugere a existência de líquidos ou fluidos ao nível da via aérea alta;
 Ressonar é um ruído de timbre grave, originado na faringe parcialmente ocluída pela língua
ou palato mole
 O estridor é provocado ao nível da laringe por espasmo ou obstrução.
A observação do doente estado de consciência é fundamental para perceber como este se
encontra. A agitação sugere hipóxia e o esturpor, hipercápnia. A cianose dos leitos ungueais e
perilabial indicam hipoxémia por uma inadequada oxigenação.
Durante a respiração normal o abdómen faz protusão à medida que o tórax se expande. No caso de
haver obstrução da via aérea o abdómen retrai quando a pessoa faz esforço para tentar inspirar –
respiração paradoxal.
Em caso de obstrução da via aérea há recurso aos músculos acessórios da respiração, com contração
dos músculos do pescoço e intercostais que tentam contribuir para a expansão do tórax. Com este
esforço vê-se a retração dos espaços intercostais e subcostais.
A avaliação adequada destas manifestações exige observação e avaliação cuidadosas e por vezes
é difícil distinguir movimentos paradoxais da respiração normal, sendo necessário auscultar para
verificar se há ou não murmúrio vesicular presente. Se a obstrução da via aérea for total não há
sons respiratórios à auscultação.
Quando se procede á auscultação durante a respiração normal houve-se um murmúrio suave, por
sua vez a obstrução provoca um silêncio auscultatório, aumento de intensidade e alteração de
frequência dos sons traqueo-brônquicos que indicam alteração do calibre da via aérea.
Se a ventilação é ineficaz e compromete as trocas alvéolo-capilares provocando hipóxia os órgãos
nobres entram em sofrimento, a menos que a situação seja revertida em minutos. A hipóxia

30
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

sustentada provoca lesão neurológica, lesão de outros órgãos nobres e pode culminar em paragem
cárdio-respiratória.
Sempre que possível administrar oxigénio em altas concentrações, durante as tentativas de
tratamento da obstrução da via aérea. Quando a obstrução se resolve a saturação da hemoglobina
corrige tanto mais depressa quanto maior for a percentagem de oxigénio no ar inspirado.

Problemas com a ventilação


Assegurar uma via aérea permeável para promover a oxigenação do doente é muito importante,
mas é só o primeiro passo, pois uma via aérea permeável pode não ser suficiente para um doente
cuja mecânica respiratória esteja alterada.
As lesões cranianas podem causar padrões respiratórios anormais e afetar a eficácia da ventilação.
Lesões da medula cervical podem resultar numa respiração diafragmática e interferir com a
capacidade de expansão torácica, pois a secção medular a nível de C3-C4 resulta numa respiração
abdominal com paralisação dos músculos intercostais.
Traumatismos torácicos, especialmente com fraturas de costelas, causam dor ao respirar e levam a
uma respiração rápida e superficial causando hipoxémia.
Deste modo é fundamental avaliar se a ventilação do doente politraumatizado é adequada, deve-se
assim:
Observar se existe uma adequada amplitude e expansão torácica, assimetria dos
movimentos de inspiração e expiração. A assimetria sugere a presença de um tórax
instável, e a respiração laboriosa aponta para ameaça iminente de hipoxia;
Auscultar o tórax em ambos os campos pulmonares. A diminuição ou ausência de murmúrio
vesicular deve alertar para a possibilidade de lesão torácica;
Avaliar a oxímetria do doente com um oxímetro de pulso, pois este é um instrumento que
proporciona informação acerca da saturação de oxigénio e da perfusão periférica, embora
não forneça dados sobre se a ventilação é adequada.

Abordagem dos problemas relacionados com a ventilação


A avaliação da permeabilidade da via aérea e da ventilação adequada deve ser realizada de uma
forma rápida e segura. A avaliação da oximetria de pulso é um recurso essencial e fácil de utilizar
para esta avaliação.
Quando se identifica ou se suspeita de um problema ao nível da via aérea e ventilação devem
tomar-se medidas de imediato para melhorar a oxigenação e reduzir o risco de alterações
ventilatórias. Este objetivo pode implicar o recurso a técnicas de manutenção da via aérea, colocação
de uma via aérea segura através da Entubação endotraqueal e utilização de métodos de ventilação
suplementar.
Não esquecer que toda e qualquer manobra no doente politraumatizado, deve ser efetuada com
controlo e proteção cervical até á exclusão de lesão da coluna cervical.

31
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

TÉCNICAS BÁSICAS PARA PERMEABILIZAR A VIA AÉREA


Logo que a obstrução é identificada é necessário atuar de imediato de forma a desobstruir a via aérea.
Existem três manobras básicas que permitem a desobstrução:
 Extensão do pescoço
 Elevação do queixo
 Protusão da mandíbula

No doente com suspeita de lesão da coluna cervical, a mobilização do pescoço pode provocar ou
agravar a lesão da medula cervical. Nestes casos deve-se preferir a protusão da mandíbula associada
à elevação do queixo ou fazer a estabilização manual com alinhamento do tronco, coluna e cabeça,
com a colaboração de um ajudante.
Caso persista risco de vida por obstrução da via aérea depois de feita a protusão da mandíbula e
elevação do queixo, fazer discreta e cuidadosa extensão do pescoço por rotação da cabeça até
conseguir permeabilizar a via aérea.
A permeabilização da via aérea tem prioridade sobre a possibilidade de lesão da espinal-medula
cervical.
Protusão da mandíbula
A protusão da mandíbula é outra das técnicas para trazer a mandíbula para a frente, repuxando a
língua e dessa forma desobstruir a faringe (Figura 8). É mais eficaz quando se associa à extensão
do pescoço

Figura 8 – protusão da mandibula

Técnica para fazer a protusão da mandíbula


 Identificar o ângulo da mandíbula;
 Exercer pressão continua, com o indicador e os dedos colocados por trás da mandíbula,
para cima e para a frente;
 Ao mesmo tempo, com o polegar, pressionar a mandíbula para baixo e abrir a boca.
A associação destas três manobras é em geral suficiente para abrir a via aérea quando a causa da
obstrução é a hipotonia dos tecidos moles peri-glóticos. Para verificar se a intervenção foi adequada
repetir a avaliação segundo a metodologia VOS.
Se persistirem os sinais de obstrução, considerar a observação da boca à procura de potenciais
corpos estranhos, que devem ser retirados. Considerar igualmente a remoção de placas / próteses

32
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

que possam estar soltas/partidas. Não retirar próteses bem fixas, na medida em que estas ajudam a
manter a morfologia normal da boca e facilitam as manobras de ventilação boca a boca e a adaptação
das máscaras faciais.
2.1- ADJUVANTES BÁSICOS DA VIA AÉREA
Os adjuvantes básicos da via aérea são muitas vezes úteis e até essenciais para permeabilizar a via
aérea, em particular quando as manobras de reanimações são prolongadas. Quer a via orofaríngea
quer a nasofaríngea, ultrapassam a obstrução provocada pela queda da língua.
Tubo orofaríngeo (Guedel)
O tubo orofaríngeo ou de Guedel é um tubo de plástico curvo, flangeado e reforçado na extremidade
oral, aplainado para dar forma e caber ordenadamente entre a língua e o palato duro (Figura 9).
Está disponível em vários tamanhos desde tubos para recém nascidos até tubos para adultos. Os
tamanhos mais frequentes para adultos são o 2, 3 e o 4 e tem a ver com a estrutura de cada indivíduo.

Figura 9- tubos de Guedell

Durante a sua inserção estar atento a possível deslocação posterior da língua, acentuando a
obstrução em vez de a resolver. Usando uma técnica correta será possível prevenir esta
contrariedade.
A sua introdução deve apenas ser efetuada em doentes inconscientes, já que a estimulação gerada
por esta manobra pode provocar laringoespasmo, tosse e vómito se os reflexos glossofaríngeos ou
laríngeos estiverem presentes.
O cálculo do tamanho apropriado a cada doente efetua-se medindo a distância entre os incisivos e o
ângulo da mandíbula (Figura 10).

Figura 10 - Escolha do tamanho do tubo orofaríngeo

33
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Técnica de inserção do tubo orofaríngeo


 Abrir a via aérea do doente e verificar se não existe nenhum corpo estranho que possa ser
deslocado para a faringe. Aspirar a orofaringe se necessário;
 Introduzir o tubo, na vertical e em posição inversa daquela em que vai ficar, através dos
dentes em direção ao palato duro e nesse ponto faz-se a rotação de 180º à medida que
progride em direção à orofaringe (Figura 11). A técnica de rotação visa minimizar os riscos
de empurrar a língua para trás. Remova o tubo se o doente tossir, reagir ou tentar expeli-lo.
 A colocação correta percebe-se pela melhoria da permeabilidade da via aérea do doente e
pelo facto do tubo estar introduzido até à porção mais grossa (reforçada). Quando a
colocação é correta a obstrução é aliviada e a forma achatada e reforçada do tubo adapta-o
de forma estável à fenda dentária entre os incisivos ou gengivas;

Figura 11- técnica de colocação do tubo orofaríngeo

Depois da inserção do tubo confirmar a permeabilidade da via aérea pela técnica VOS, enquanto se
mantém o alinhamento do pescoço e a cabeça com extensão do pescoço, com elevação do queixo
e/ou protusão da mandíbula.

Tubo Nasofaríngeo
O tubo nasofaríngeo é feito de plástico maleável, é melhor tolerado do que o tubo orofaríngeo em
doentes com menor grau de depressão do estado de consciência. Pode ser uma medida “life- saving”
em doentes com trauma maxilar grave, trismus ou maxilares cerrados.
A inserção inadvertida de um tubo nasofaríngeo num doente com uma fratura da base do crânio ou
na abobada craniana é possível, mas extremamente raro. Na presença suspeita de uma fratura
basal é preferível um tubo por via oral. No entanto, se este não estiver disponível, e a via aérea se
apresentar obstruída, a inserção delicada de um tubo por via nasal pode salvar a vida da pessoa.
Os tubos nasofaríngeos têm dimensões classificadas em milímetros que representam o calibre interno
e quanto maior o calibre mais longo o tubo. O tamanho do adulto tem habitualmente 6-7mm. Os tubos
longos de mais podem estimular reflexos laríngeos ou vómitos. Alguns modelos incluem alfinete de
segurança para impedir que o tubo se desloque e se desloque do local correto.
A inserção do tubo nasofaríngeo pode causar danos na mucosa nasal, tendo por resultado a
hemorragia até 30% dos casos. Se o tubo for demasiado longo pode estimular os reflexos laríngeos
ou glosso-faríngeos e produzir o laringo-espasmo ou vómito.

34
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Técnica de introdução do tubo nasofaríngeo


 Lubrificar a via aérea com gel hidro-solúvel;
 Inserir primeiro a extremidade em bisel na vertical, seguindo a base da narina e avançando
com rotações (Figura 12). Se existir resistência retirar e tentar introduzir na outra narina;
 Confirmar a permeabilidade utilizando o método VOS, após a sua colocação, mantendo o
alinhamento da cabeça e pescoço, com elevação do queixo ou protusão da mandíbula.

Figura 12- colocação de tubo nasofaringeo

Oxigénio
Administrar oxigénio sempre que disponível em concentrações superiores a 50%. Quando se usa
máscara de Venturi administram-se concentrações de oxigénio de 24 a 60%.
Uma máscara tradicional pode fornecer até 50% de oxigénio, enquanto uma máscara com
reservatório pode administrar uma concentração até aos 85%.
Inicialmente, administrar a mais alta concentração possível de oxigénio e em seguida ajustar a
percentagem mais adequada a cada doente com a ajuda da monitorização da saturação de oxigénio
fornecida pela oximetria de pulso e gasimetria arterial.

Aspiração
A aspiração pode ser efetuada com um tubo de aspiração rígido, para aspirar fluidos da via aérea
superior (sangue, saliva e conteúdo gástrico). É necessário ser cauteloso quando o reflexo de
regurgitação permanece activo, porque a técnica de aspiração pode precipitar o vómito.
Em doentes com a boca semi cerrada, pode ser necessário usar uma sonda fina e flexível para
aspiração da boca e orofaringe. Esta pode ser introduzida igualmente, através das vias orofaríngea
(Guedel) e nasofaríngea. Os cateteres muito finos não são adequados para aspirar fluidos com
partículas.
Devem ser usadas sondas finas e maleáveis para aspiração traqueal, podendo ser passadas pelo
interior do tubo traqueal.
.
Máscara de bolso - “Pocket mask”
A mascara de bolso, é muito utilizada, parece uma máscara de anestesia, mas que permite a
ventilação boca-máscara. Estas são transparentes, permitindo a visualização da presença de vómito
35
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

ou sangue, têm uma válvula unidireccional para que o ar expirado não retorne para o reanimador.
Existem máscaras de bolso com entrada suplementar para oxigénio.
Quando se utiliza uma máscara que não tem entrada para oxigénio suplementar, este pode ser
administrado por um tubo colocado sob a máscara, assegurando no entanto que esta fica bem selada.
A maior dificuldade é a capacidade de manter o tubo de oxigénio selado, pelo que é aconselhável
nesta situação, utilizar a técnica de adaptação da mascara á face do doente com ambas as mãos,
maximizando o efeito de selo e melhorando a eficácia da ventilação.
O risco de distensão gástrica e subsequente regurgitação aumenta se a pressão proximal da via aérea
estiver elevada, como acontece quando:

 A via aérea está desalinhada, aumentando a resistência à insuflação do ar


 Os volumes correntes forem demasiado altos
 Nos doentes com relaxamento do esfíncter esofágico, como é o caso dos doentes em
paragem cardíaca.
Quando se ventila com ar ambiente são necessários volumes relativamente altos (10 ml/Kg), mas
utilizando oxigénio suplementar, podem ser administrados volumes mais baixos (6-7ml/Kg – 400-
600 ml) providenciando assim uma adequada oxigenação e ventilação e reduzindo o risco de
insuflação gástrica.
Se a inspiração for demasiado lenta, o tempo inspiratório é prolongado e o tempo para efetuar as
compressões é reduzido. Com 1 segundo de tempo de insuflação e volume corrente suficiente para
provocar expansão torácica visível, há um compromisso equilibrado entre volume corrente
suficiente, risco de insuflação gástrica minimizado e tempo suficiente para as compressões
torácicas.
Se durante a reanimação, a via aérea não está segura devem-se fazer 2 ventilações depois de cada
série de 30 compressões torácicas.

Insuflador manual
Os insufladores manuais podem-se adaptar às mascaras faciais, às ML (máscara laríngea) ou tubos
traqueais e permitem o enriquecimento do ar inspirado com oxigénio. O insuflador, sem suplemento
de oxigénio, proporciona ventilação com 21% de O2 no ar inspirado, mas com a adição de 5-6l/

minuto, permitem atingir uma concentração de cerca de 45% de oxigénio no ar inspirado.


Quando se conecta o insuflador manual a um reservatório, com um débito de 10l/minuto, pode
chegar aos 85% de O2 no ar inspirado. A ventilação com insuflador manual permite obter uma boa

percentagem de O2 no ar inspirado, mas a sua utilização eficaz exige treino e perícia.

Quando utilizado com máscara facial é difícil conseguir uma boa selagem da máscara com a face
do doente. A técnica de ventilação com insuflador manual de um único reanimador, exige que este
com uma mão faça protusão da mandíbula e com a outra faça pressão no insuflador para o
comprimir. A utilização desta técnica por pessoas menos experientes, pode levar facilmente a
hipoventilar o doente devido às fugas, ou ao facto de forçar e pressionar excessivamente o
insuflador e obstruir a via aérea.
36
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Por outro lado se a pressão de compressão, durante a ventilação com insuflador-máscara for
excessiva, o volume pode ser demasiado e insuflar o estômago dificultando ainda mais a ventilação
e aumentando o risco de regurgitação.
A ventilação com insuflador–máscara, para reanimadores menos experientes, executa-se mais
facilmente com dois operadores (Figura 13). Um dos operadores fixa a máscara à face, com as
duas mãos e o outro comprime o insuflador. Desta forma a selagem é melhor permitindo que a
ventilação seja mais eficaz e segura.

Figura 13- Ventilação com insuflador manual e máscara

2.2- DISPOSITIVOS ALTERNATIVOS PARA ABORDAGEM DA VIA AÉREA

Objectivo:
 Compreender o papel da Máscara Laríngea e de outros dispositivos supraglóticos durante a
reanimação

A máscara laríngea e os restantes dispositivos supraglóticos são boas alternativas na abordagem


da via aérea, já que a ventilação com insuflador manual requer um razoável nível de treino: pouca
experiência leva a que sejam administradas ventilações ineficazes, insuflação gástrica, logo risco
agravado de regurgitação e aspiração do conteúdo gástrico. Em comparação com o insuflador
manual, o uso da máscara laríngea e dos restantes dispositivos supraglóticos de abordagem da via
aérea permitem uma ventilação mais eficaz, bem como risco reduzido de aspiração do conteúdo
gástrico.
Sem um treino adequado e experiência, a incidência de complicações na tentativa de entubação
traqueal é muito elevada. Uma entubação esofágica não identificada e prolongadas tentativas de
entubação traqueal podem ter resultados desastrosos: a interrupção das compressões cardíacas
durante o tempo que demora a entubação, o que compromete a circulação coronária e cerebral.
Os dispositivos alternativos de abordagem da via aérea, podem ser utilizados se a tentativa de
entubação traqueal falhou ou quando não se encontra presente ninguém com experiência nesta
técnica.
A máscara laríngea e o combitubo são alternativas de abordagem da via aérea que foram
estudadas durante a reanimação cárdio-respiratoria, no entanto nenhum estudo demonstra o seu

37
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

impacto na sobrevivência dos doentes. A maioria dos estudos tem abordado a sua inserção e o seu
sucesso na ventilação. Não existem estudos que suportem que um dispositivo é melhor que outro
durante uma paragem cardíaca. A melhor técnica depende das circunstâncias especiais de cada caso
de paragem e da experiência e competência do reanimador.

MÁSCARA LARÍNGEA
A máscara laríngea (ML), tal como os outros dispositivos para a via aérea que se colocam em posição
supra-glótica, permite ventilar com maior eficácia do que a máscara-insuflador manual e reduz a
probabilidade de insuflação gástrica.
A ML é um tubo grosso com um “cuff” elíptico insuflável na ponta, que se destina a ser colocado
acima da fenda laríngea.
Foi introduzido na prática anestésica em meados dos anos 80, é fiável, segura, pode ser colocada
com facilidade e a sua colocação tem elevada taxa de sucesso ao fim de um período de treino curto.
A ML não garante a proteção da via aérea mas a aspiração é uma complicação invulgar. Desde que
o volume corrente não gere pressões de insuflação demasiado altas (> 20cm H 2O) é improvável a
ocorrência de insuflação gástrica.
A colocação da ML não exige movimentos vigorosos para alinhar o pescoço e a cabeça pelo que
pode ser um auxiliar útil em caso de suspeita de lesão da coluna cervical. É um auxiliar que, em
contexto de reanimação, pode ser utilizado com eficácia por enfermeiros e paramédicos treinados
para esse fim. Tal como acontece com a entubação traqueal, exige que o doente esteja
profundamente adormecido / inconsciente. É particularmente útil quando a entubação traqueal não foi
conseguida e a ventilação com insuflador – máscara é impossível ou ineficaz. Pode ser esterilizada
cerca de 40 vezes, havendo contudo, múltiplos produtos para uso único. Algumas das ML para uso
único têm formas distintas e são feitas de materiais ligeiramente diferentes, pelo que o seu
desempenho pode não ser igual.

Técnica de inserção da ML
Selecionar a ML com tamanho apropriado, 4 a 5 em adultos pequenos. Desinsuflar
totalmente o “cuff”e aplicar gel lubrificante na superfície externa do “cuff”;
Colocar o doente em decúbito dorsal, com pescoço e cabeça alinhados. O ideal é que o
pescoço esteja em extensão a menos que haja suspeita de lesão da coluna cervical;
A ML pode ser introduzida pela frente nos casos em que o doente não é abordável por trás;
A ML introduz-se pela boca, segurando o tubo como se fosse uma caneta, dirigindo a ponta
para o palato duro e acompanhando a sua superfície, usando o indicador como guia, até
chegar à parede faríngea posterior (Figura 13). Manter o tubo na linha média, pressionar a
máscara para trás e para baixo contornando a curvatura faríngea até sentir a resistência
que resulta do seu posicionamento na faringe posterior;

38
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Figura 14- Colocação de mascara laríngea

Insuflar o “cuff” com ar, sem fixar a ML durante a insuflação, porque o tubo vai exteriorizar-
se ligeiramente à medida que a laringe é pressionada para a frente.

Volume de ar para insuflar o “cuff”:


ML nº 3 - Adulto pequeno - até 20 mL
ML nº 4 - Adulto médio / maioria das mulheres até - 30 mL
ML nº 5 - Adulto grande / maioria dos homens até - 40 mL

Confirmar a permeabilidade da via aérea por auscultação e observação da expansão


torácica. A audição de sons de fuga significativa sugere que a ML está mal posicionada. As
pequenas fugas são aceitáveis, desde que a expansão torácica seja adequada;
Fixar bem o tubo e inserir um rolo de gaze na fenda dentária para impedir que o doente
trinque o tubo e não obstrua a via aérea.

Limitações da ML

A probabilidade de fuga, com risco de hipoventilação, é tanto maior quanto maior for a
resistência à insuflação pulmonar (edema pulmonar, broncoconstrição, DPOC). A maior parte
do ar sai pela boca, mas pode ir para o estômago;
Não se sabe se a ventilação durante a reanimação sem interromper as compressões
torácicas é eficaz. A resistência à insuflação gerada pelas compressões torácicas provoca,
pelo menos, alguma fuga de ar em volta da ML durante a insuflação. Portanto é necessário
testar a importância da fuga, tentando ventilar durante as compressões. Se a fuga e
consequente hipoventilação é relevante deve-se interromper as compressões para ventilar;
A ML não sela a laringe como o tubo endotraqueal e por isso, com a ML, há risco teórico de
fuga de ar para o estômago, que na prática clínica é rara;
Se o doente não está profundamente inconsciente pode reagir com tosse ou até espasmo
laríngeo;
39
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Quando não se consegue assegurar uma boa permeabilidade da via aérea, deve-se retirar
a ML, exsuflar o “cuff” e fazer uma nova tentativa de entubação, assegurando que o
alinhamento do pescoço e cabeça é o mais adequado e que a técnica de colocação é a
mais correta possível;
Ocasionalmente durante a sua introdução a epiglote pode ficar dobrada para o lúmen o que
pode provocar a obstrução da via aérea. Nesse caso a ML tem de ser retirada e reiniciada a
técnica desde o início.

COMBITUBO
O Combitubo é um tubo de duplo do lúmen introduzido às cegas sobre a língua e a faringe. Este foi
planeado de modo a fornecer uma via para a ventilação se o tubo passar na traqueia ou no esófago.
A cânula traqueal tem uma extremidade distal aberta. O tubo esofágico não tem nenhuma abertura
terminal, mas tem diversos furos pequenos e laterais localizados entre os dois cuffs. Há um cuff distal
pequeno e um cuff proximal grande que pode ser insuflado dentro da faringe.

Figura 15 - Combitube

O combitube, quando introduzido às cegas, entra geralmente no esófago (em 95% dos casos), e os
pulmões do doente são ventilados através da cânula esofágica pelos furos laterais, que estão situados
acima da laringe. O ar não pode passar para o esófago por causa da extremidade cega da cânula
esofágica, e o cuff distal, que é posicionado na extremidade proximal da extremidade cega. O cuff
faríngeo impede o ar de se escapar pela boca. Se o tubo entrar na traqueia, a ventilação é conseguida
pela via traqueal através de sua extremidade distal aberta (Figura 16).

Figura 16- técnica de colocação de combitube

40
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Limitações do Combitubo
 O dispositivo é relativamente caro e de utilização única;
 Requer uma boa abertura da boca e pode ser impossível de colocar se o estado de
consciência não estiver muito deprimido, tal como na entubação traqueal e na colocação de
máscara laríngea,
 A presença de colar cervical semi-rígido não permite a colocação do combitubo, ao
contrário da máscara laríngea;
 Durante a introdução é necessário ter cuidado com dentes afiados porque podem danificar
ambos os cuffs;
 Existem relatos de enfisema subcutâneo e ruptura do esófago associados à utilização do
combitubo. Isto pode dever-se ao seu formato e ao facto de ser relativamente rígido;
 Num estudo retrospetivo a ventilação incorreta foi utilizada em 3,5% dos casos, sendo que
ventilar no lúmen errado causa distensão do estômago, o que pode levar a regurgitação e
aspiração do conteúdo gástrico.

ENTUBAÇÃO TRAQUEAL
A entubação traqueal é entendida como o método mais eficaz e mais seguro para permeabilizar a
via aérea. Deve ser usada unicamente por pessoal com treino suficiente para a realizar com a
mais elevada performance.

As vantagens da entubação traqueal em relação à ventilação com insuflador manual são facilmente
identificáveis. Incluem uma via aérea segura, protegida da aspiração do conteúdo gástrico, de sangue
ou secreções da via aérea superior. Permite uma ventilação eficaz e sem fugas mesmo quando as
compressões cardíacas são ininterruptas. Deixam as mãos do reanimador mais livres para a
realização de outras tarefas, além de permitir a aspiração endotraqueal, sempre que necessário. O
uso de insuflador manual promove alguma insuflação gástrica, o que teoricamente aumenta o risco
de regurgitação e aspiração do conteúdo gástrico. No entanto este risco teórico não foi ainda provado
em estudos clínicos.
As desvantagens da entubação traqueal em relação à ventilação com insuflador manual têm a
ver com o risco de uma incorreta entubação não identificada (± 17% dos casos em estudos realizados
em paragens cárdio-respiratorias fora do hospital), o tempo prolongado sem compressões
enquanto é tentada a entubação e um considerável número de insucessos.
A formação para o pessoal de saúde que empreende a entubação, devia ser efetuado através de
programas estruturados, monitorizados e que incluíssem as habilidades e oportunidades de treino e
atualização de conhecimentos. Nalguns casos, a laringoscopia e a tentativa de entubação são a causa
de deterioração grave da condição de vida do doente, nomeadamente em casos de epiglotite, de
patologia faríngea, de traumatismo crânio encefálico (pelo risco de aumento da pressão intracerebral)
e em doente com trauma cervical. Nestas circunstâncias, só pessoal altamente treinado, deve
efetuar a entubação, como por ex. anestesistas, em que pode ser necessário recorrer a fármacos
anestésicos ou outras técnicas específicas de laringoscopia tais como a fibroscopia óptica flexível.
Estas técnicas requerem um elevado nível de experiência e de treino.

41
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Os reanimadores devem ponderar os riscos e os benefícios da entubação, com a necessidade de


realizar compressões cardíacas eficazes. Pessoal qualificado deve proceder à entubação traqueal
efetuando apenas uma pequena pausa nas compressões cardíacas para a introdução do tubo. Em
alternativa, aguardar até ao restabelecimento da circulação para efetuar a entubação. Nenhuma
tentativa de entubação deve demorar mais de 30 segundos. Se ao fim deste tempo a entubação não
tiver sido conseguida, deve iniciar-se de novo as manobras de reanimação cárdio-respiratoria
(compressões e ventilação com insuflador e máscara).
Após a entubação deve ser confirmada a posição do tubo e efetuada a sua correcta fixação. Se existir
qualquer dúvida da sua correta posição, o tubo traqueal deverá ser retirado e re-oxigenar o doente
antes de voltar a efetuar nova tentativa de entubação.
Equipamento essencial para entubação
 Laringoscópio – habitualmente utiliza-se uma lâmina curva de Macintosh. Existem lâminas
de vários tamanhos mas a número 3 é a mais adequada para a maioria dos casos. A
funcionalidade do laringoscópio deve ser testada regularmente e devem existir pilhas
suplentes de reserva;
 Tubos Traqueais com cuff – os tamanhos devem ser adequados às características dos
doentes. Um tubo traqueal nº8 (diâmetro de 8.0 mm) é habitualmente usado para o doente
de sexo masculino, enquanto o tubo traqueal nº 7 / 7,5 (diâmetro de 7.0 mm) é habitualmente
usado para o doente de sexo feminino;
 Os tamanhos 6, 7 e 8 cobrem normalmente as necessidades para a maioria dos indivíduos
adultos;
 Seringa para insuflar o cuff;
 Pinça de Maguill e um condutor elástico ou semi – rígido;
 Condutores;
 Fita de nastro ou adesivo para fixação;
 Estetoscópio;
 Aspirador de secreções com cânula rígida (ex. Yankauer) e vários tamanhos de sondas de
aspiração flexíveis;
 Dispositivo para detecção de CO2 expirado, que permite confirmar a correcta localização do
tubo. O dispositivo esofágico é o detector mais fidedigno na paragem cardíaca.(por ex:
colorimetric)

Administração de agentes hipnóticos, analgésicos e relaxantes musculares


Antes de se proceder à entubação endotraqueal é essencial pré-oxigenar o doente com oxigénio a
100%, por máscara e Ambu assistindo manualmente a ventilação.

Doente com TCE


A Entubação orotraqueal deve ser realizada sob hipnose, para evitar o aumento da hipertensão
intracraniana.

42
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Indução
Etomidato – 1 ampola = 10 cc = 20 mg (excelente estabilidade hemodinâmica, mesmo em doentes
em choque) 20 a 40 mg e.v. (0,2 a 0,5 mg/Kg),
Propofol – 1 ampola a 1% = 20 cc = 200 mg (risco de hipotensão) 100 a 200 mg e.v. (2 mg/Kg), ou
Midazolam – ampolas a 5mg por cc (risco de hipotensão quando associado a narcótico) 10 mg e.v.
(0,15 mg/Kg).

Paralisação
Nunca administrar um fármaco paralisante sem administrar previamente um fármacohipnótico, para
evitar o risco do doente ficar paralisado (sem poder respirar) e acordado.

Vecurónio – 1 ampola em 10 cc = 10 mg (1mg/ml) (tempo médio de relaxamento ideal de ± 3


minutos) 10 mg e.v. (0,1 a 0,2 mg/Kg), ou
Cisatracúrio – 1 ampola de 5cc = 10 mg (2mg/ml) (tempo médio de relaxamento ideal ± 90
segundos) 10 mg e.v. (0,15 mg/Kg), ou
Succinilcolina – 1 ampola = 2 cc = 100 mg (tempo médio de relaxamento ideal de ± 15 a 30
segundos) 100mg e.v. (1 a 2 mg/kg)
Spray de lidocaína nas cordas vocais, ou 50 mg de lidocaína e.v. antes da laringoscopia.

Doente em choque hipovolémico/instabilidade hemodinâmica


Está indicada a Entubação orotraqueal sequencial rápida com manobra de Sellick:

Indução
Etomidato 20 mg e.v., ou
Ketamina – 1 ampola a 10% - 1cc = 10 mg 1 ampola a 50% - 1cc = 50 mg 100 mg e.v. (1 a 2 mg/Kg)

Nota: A Ketamina provoca taquicardia, hipertensão arterial e intracerebral. É um fármaco de


segunda escolha, mas útil no choque.
Tem efeito por via intramuscular (5 a 7 mg/Kg) o que poderá ser útil nos doentes sem acesso
venoso (por ex. queimados). No entanto o seu efeito demora entre 3 a 5 minutos a estabelecer-se.
Provoca hipersalivação pelo que será útil associar Atropina na mesma ampola de administração IM
– dose de atropina: 0,01mg/Kg (1 amp de atropina = 0,5 mg).

Paralisação
Vecurónio 10 mg e.v. (0,1 a 0,2 mg/Kg), ou
Cisatracúrio – 10 mg e.v. (0,15 mg/Kg), ou
Succinilcolina 100 mg e.v. (1 a 2 mg/Kg)

Procedimentos pós entubação


 Após uma entubação bem sucedida, conectar o tubo traqueal a um dispositivo de ventilação
e ventilar com a máxima concentração de oxigénio.
 Insuflar o cuff, o suficiente que impeça fugas de ar durante a insuflação.
 Auscultar a região epigástrica para verificar se há fuga de ar para o estômago. Observar os
movimentos respiratórios e auscultar para verificar se o doente ventila em ambos os

43
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

campos pulmonares. Se apenas o lado direito estiver a ser ventilado, provavelmente o tubo
está demasiado introduzido e encontra-se no brônquio principal direito. Nesta situação,
após desinsuflar o cuff, extrair o tubo1 a 2 cm, re-insuflar o cuff e verificar de novo.
 Continuar a ventilar com altas concentrações de oxigénio.
 Fixar o tubo com fita de nastro ou adesivo. O adesivo não é aconselhável se a face do
doente se encontra húmida.
 Colocar um adjuvante da via aérea como o tubo de guedel, para ajudar a manter a posição
do tubo e prevenir a mordedura do tubo quando o doente começar a recuperar a consciência.

Confirmação da correcta localização do tubo traqueal


A confirmação da colocação do tubo traqueal pode ser efetuada, por um dispositivo esofágico ou um
dispositivo para deteção de CO2 expirado, reduzindo o risco de entubação esofágica não detetada.
O dispositivo esofágico cria uma força de sucção na extremidade traqueal do tubo traqueal, ao
puxar o êmbolo de uma seringa grande para trás ou enche-se de ar. O ar é facilmente aspirado da
via aérea inferior através de um tubo traqueal colocado na traqueia com os seus anéis rígidos. Quando
o tubo está no esófago, o ar não pode ser aspirado porque colapsa o esófago quando for tentada a
aspiração. O dispositivo esofágico é geralmente de confiança nos doentes com ritmo de perfusão e
não perfusão mas pode ser enganador nos doentes com obesidade mórbida, gravidez tardia, asma
severa ou quando houver muitas secreções traqueais; nestas circunstâncias a traqueia pode colapsar
quando se tenta a aspiração.
Os dispositivos detetores de dióxido de carbono medem a concentração do CO2 expirado dos
pulmões. A persistência de CO2, após seis ventilações indica a colocação do tubo na traqueia ou num
brônquio principal. Nos doentes com circulação espontânea, a falta de CO2 expirado indica que o
tubo está no esófago. Durante a paragem cardíaca, o fluxo de sangue pulmonar pode ser tão baixo
que há CO2 expirado insuficiente para que o detetor identifique a colocação correta do tubo traqueal.
Quando o CO2, é detetado na paragem cardíaca, indica fielmente que o tubo está na traqueia ou num
dos brônquios principais, mas quando é ausente, a colocação do tubo traqueal é melhor confirmada
por um dispositivo esofágico.
Nenhuma destas técnicas diferenciará um tubo colocado num dos brônquios principais ou colocado
corretamente na traqueia. A confirmação da colocação correta acima da carina requer a auscultação
torácica bilateral na linha média clavicular.
Uma variedade de dispositivos electrónicos simples e baratos estão disponíveis para utilização intra
e extra hospitalar (por ex: colorimetric- sistema de cores).

Potenciais problemas durante a entubação traqueal


Algumas alterações anatómicas e patológicas podem tornar a entubação difícil ou impossível, tais
como a retracção do maxilar, pescoço curto, incisivos proeminentes, boca estreita, garganta dura e
trismus. Estas situações requerem técnicas especiais de entubação e por vezes é necessário recorrer
á utilização de um fio condutor através da glote, de mais fácil introdução do que um tubo traqueal, e
uma vez no lugar o tubo é introduzido sobre o fio e guiado para a traqueia. Também

44
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

pode utilizar-se a introdução do tubo com um condutor rígido e pré formar a curvatura do tubo ou
guiá-lo na laringe.
Alguns problemas durante a entubação podem ser causados por:
 Queimaduras faciais ou trauma – pode ser impossível usar-se técnicas de entubação em
doentes com trauma facial grave ou queimaduras da via aérea superior. Em tais casos pode
ser necessário estabelecer uma via aérea cirúrgica, por exemplo, cricotiroidotomia;
 Patologia da via aérea superior, tais como tumores, infeções ou edema pós anafilaxia;
 Próteses dentárias ou dentes mal fixos – podem ser lesados durante a entubação. Esse
risco pode ser minimizado através de uma boa técnica de laringoscopia;
 Regurgitação gástrica – ter sempre à mão um aspirador de secreções. A pressão da
cricóide pode prevenir a regurgitação gástrica e aspiração do conteúdo gástrico;
 Entubação esofágica – não deve passar despercebida se forem cumpridos todos os
protocolos, especialmente o dispositivo de deteção esofágica e/ou o sensor de capnografia.
Em caso de dúvida, retire o tubo e ventile com insuflador manual;
 Suspeita de lesão cervical – em caso de trauma suspeitar sempre de lesão cervical. Nestes
casos a entubação deve ser realizada por num reanimador experiente, com a cabeça e o
pescoço em posição neutra e com estabilização manual.

PRESSÃO DA CRICÓIDE
A pressão na cricóide é aplicada no intuito de prevenir o regurgitamento gástrico e o consequente
risco de aspiração pulmonar. Um reanimador prevenido pode realizá-la durante a ventilação com
insuflador manual e durante a entubação.
A cartilagem cricóide é facilmente identificável, abaixo da cartilagem tiroideia, quando forma um anel
completo na parte superior da traqueia. Uma pressão de ± 3 kg é aplicada no sentido antero- posterior
forçando o anel da cricóide a deslocar-se para trás, empurrando o esófago de encontro à coluna
vertebral (Figura 17).
Esta pressão é mantida até que o tubo traqueal é passado através das
cordas vocais e o cuff é insuflado. É o reanimador que realiza a
entubação que deve dizer quando a pressão deve ser aliviada.
Não deverá ser exercida pressão enquanto um episódio de vómito estiver
a decorrer, pelo risco de rutura do esófago. Se a pressão for efetuada de
forma imprecisa ou excessiva, a ventilação com insuflador manual pode
tornar-se difícil. Se a ventilação pulmonar for mesmo impossível de realizar,
diminua ou elimine mesmo a pressão da cricóide.

Figura 17- pressão da cricoíde

45
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

CRICOTIROIDOTOMIA
Ocasionalmente pode ser impossível ventilar um doente em apneia com insuflador manual, ou pode
mesmo não ser possível realizar nem a entubação traqueal nem as alternativas da via aérea
avançada. Isto pode ocorrer em doentes com trauma facial extenso ou por obstrução laríngea
provocada por edema, anafilaxia, ou por corpo estranho.
Nestas circunstâncias, é necessário criar uma via aérea cirúrgica abaixo do nível da obstrução. Uma
traqueostomia está contra-indicada em situação de emergência, pelo tempo que consome e pelo
equipamento específico que requer, além do pessoal especializado necessário à sua realização.
A cricotiroidotomia por agulha ou cirúrgica é a técnica de emergência a efetuar, já que requer
equipamento simples e é muito mais rápida de realizar.

46
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 3

TRAUMATISMO CRANEOENCEFÁLICO

47
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

3 - TRAUMATISMO CRANEOENCEFÁLICO (TCE)

As lesões crânio encefálicas são responsáveis por aproximadamente metade de todas as mortes
relacionadas com traumatismos. Os TCE são frequentes em acidentes com veículos motorizados,
quedas e armas de fogo.
As lesões podem danificar a estrutura rígida do crânio, cérebro, tecidos moles, estruturas vasculares
e nervos.
Uma lesão inicial de impacto no encéfalo produz vários graus de lesão mecânica, axonal e neuronal.
A lesão crânioencefálica secundária é provocada por factores potencialmente tratáveis, tais como
hemorragia intracraniana, edema cerebral, isquémia, hipoxia, hipercapnia e pressão intracraniana
aumentada. O tratamento no serviço de urgência é primordial para minimizar lesões cranianas
secundárias, diminuindo a taxa de morbilidade e mortalidade.

Objectivos:
Identificar os mecanismos de lesão frequentes no doente com TCE;
Planear intervenções adequadas ao doente com TCE;
Avaliar a eficácia das intervenções
Os doentes com TCE podem apresentar lesões que vão desde as fraturas cranianas a hematomas
e hemorragias cerebrais.

LESÕES NO DOENTE COM TCE

Fraturas Cranianas
As fraturas sem afundamento lineares isoladas, com o couro cabeludo intacto não necessitam de
tratamento. No entanto, se a fratura causar rotura da artéria meningea média, ou de um dos seios
venosos da dura mater, pode provocar hemorragia intra craniana com perigo de vida.
As fracturas com afundamento são classificadas como abertas ou fechadas dependendo da
integridade do couro cabeludo subjacente.
As fraturas da base do crânio são normalmente graves, podem ocorrer em toda a base do crânio,
embora se localizem com frequência no rochedo do osso temporal. Os indícios associados a este tipo
de fraturas incluem hemotímpano, otorreia ou rinorreia, equimose periorbitária e equimose retro-
auricular (este é chamado o “sinal de Battle”).

Concussão Cerebral
A concussão é uma lesão craniana difusa associada a perda de consciência transitória, que ocorre
imediatamente a seguir ao impacto craniano não penetrante. Geralmente ocorre quando a cabeça
atinge ou é atingida por um objeto, durante o movimento.

48
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

A duração do estado de inconsciência é tipicamente breve (seg. a min.), a recuperação completa é


também típica.
No entanto, as cefaleias persistentes, problemas de memória, ansiedade, insónias e tonturas podem
prolongar-se em alguns doentes, durante semanas após a lesão.

Contusão Cerebral
Os locais mais comuns de contusão cerebral são os pólos frontais, o córtex sub frontal e os lobos
temporais. As contusões podem ocorrer directamente sob o local de impacto ou no lado contra
lateral (chamada a lesão por contra golpe).
A área de contusão é normalmente hemorrágica com edema circundante, estando frequentemente
associada a hemorragia subaracnoideia.
A disfunção neurológica pode ser profunda e prolongada, apresentando confusão mental, obnubilação
ou coma e podem estar presentes défices neurológicos focais.

Hemorragia Intra-Cerebral
A hemorragia parenquimatosa resulta da rotura de vasos sanguíneos. A combinação de hemorragia
e contusão parenquimatosa, pode produzir uma lesão em massa expansiva, cujos indícios clínicos
são frequentemente semelhantes aos dos doentes com contusões graves.

Hematoma Epidural
O Hematoma Epidural resulta de uma retenção sanguínea aguda entre a tábua interna do crânio e a
dura-mater. Em 80% dos casos está associado a fratura craniana com rotura da artéria meningea,
mas cujo a lesão cerebral subjacente não é necessariamente grave.
Num quadro clínico clássico o doente apresenta actividade mental clara, simbolizando “o intervalo
lúcido”, começando à posteriori a desenvolver deterioração do estado de consciência.
Dois dos indícios clássicos tardios são assimetria pupilar com uma pupila fixa e dilatada do lado da
lesão e hemiparesia contra lateral.

Hematoma Subdural
O Hematoma Subdural define-se como uma retenção de sangue venoso entre a dura-máter,
aracnoide e o encéfalo subjacentes, resultante da rotura das veias marginais que se estendem
desde o espaço subaracnoideu até aos seios venosos da dura-máter. Os mecanismos de lesão
comuns são os associados a forças de aceleração/desaceleração.
Os hematomas Subdurais agudos revelam-se sintomáticos nas primeiras 24h após a lesão e os
sintomas podem variar desde as cefaleias até a apatia ou coma.

49
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Síndromes de herniação
Estes acontecem como resultado de uma PIC elevada, podendo levar partes do cérebro a deslocar-
se e herniar.
Estes doentes podem apresentar sinais evidentes de PIC elevada, tais como:
Dilatação fixa das pupilas unilateral ou bilateralmente;
Assimetria da actividade pupilar;
Padrões de postura anormais (flexão, extensão, flacidez);
Hipertensão e bradicárdia (fazem parte do reflexo de Cushing);
Outras evidências de deterioração neurológica (como hiperventilação, descerebração,
apneia).

Lesões penetrantes
Feridas provocadas por armas de fogo ou por objetos cortantes penetrantes podem resultar em lesão
do encéfalo.
O grau de lesão neurológica vai depender da energia do projétil, da sua trajetória no encéfalo, da
quantidade de fragmentos ósseos e metálicos e da existência ou não de lesão da massa encefálica.

CLASSIFICAÇÃO DO TCE

Embora os doentes com TCE possam apresentar qualquer uma das lesões anteriormente referidas,
conceptualmente podem dividir-se em leves, moderados e graves. Esta é a classificação mais útil e
que deve ser utilizada, em termos de abordagem primária e baseia-se na avaliação da Escala de
Coma de Glasgow:

Classificação TCE Escala de Glasgow


Leves Score de 13-15
Moderados Score de 9-12
Graves Score de ≤ 8

A Escala de Coma de Glasgow (ECG) é uma escala de avaliação do nível de consciência,


altamente reprodutível que pode ser aplicada por qualquer equipa médica. Esta avalia três aspetos
de resposta do doente que são abertura dos olhos, melhor resposta verbal e melhor resposta
motora.
A escala de Glasgow tem um mínimo de 3 e um máximo de 15 e tal como a própria escala indica deve
ser sempre valorizada a melhor resposta.

50
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

AVALIAÇÃO DO DOENTE COM TCE


A equipa de urgência deve obter alguns dados importantes, em relação ao estado do doente
imediatamente depois da lesão, junto de quem o entrega, tais como:
Mecanismo da lesão;
Hora da lesão;
Ocorrência de intervalo de lucidez/inconsciência, tempo de inconsciência, verbalização e
resposta motora;
Conhecimento da ingestão de álcool ou drogas prévio à lesão;
Esforço ventilatório.
Se o doente está consciente deve-se questionar as suas queixas tais como cefaleias, náuseas,
vómitos e défices de memória.
A avaliação do doente com TCE, com alteração do estado de consciência é feita segundo a
metodologia ABCDE.
No entanto iremos referir alguns achados importantes e a sua interpretação, particulares nestes
doentes.

Sinais Vitais
A oxigenação e ventilação adequada são essenciais para o doente com TCE, visto que a hipóxia e
hipercapnia podem converter uma lesão cerebral reversível em irreversível.
A hipercapnia moderada pode determinar intensa vasodilatação cerebral, resultando em hipertensão
intracraniana e deterioração ventilatória. Estes factores contribuem para que a lesão cerebral
secundária se torne mais grave que a decorrente do impacto inicial.
O aumento da pressão sistólica pode refletir a hipertensão intracraniana, e surge na tentativa do
cérebro manter a pressão de perfusão cerebral.
A hipotensão raramente se deve ao traumatismo craniano e pode alterar bastante a função
neurológica, por isso deve ser tratada para depois proceder a uma avaliação neurológica adequada.
É importante não esquecer de procurar a causa da hipotensão despistando a existência de outro
traumatismo associado.

Exame Neurológico
O exame neurológico é essencial para estabelecer a gravidade da lesão craniana e a sua evolução
clínica. Este deve ser adequado e rápido de forma a não atrasar o tratamento emergente do doente.
Os exames seriados, tal como o seu registo, são fundamentais para avaliação do agravamento ou
não destes doentes.
O exame neurológico inclui avaliação de:
Escala de Coma de Glasgow;
Pupilas, relativamente ao seu tamanho, simetria e reatividade à luz;

51
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Défices motores (se existe hemiparesia ou défices de força muscular).

Exames complementares de diagnóstico


Os doentes com TCE devem ser submetidos a exames complementares de diagnóstico que levam ao
esclarecimento da lesão específica que possuem.
Estes devem ser realizados com a máxima brevidade possível e obviamente quando disponíveis,
sendo que nem sempre existe essa possibilidade na primeira unidade de saúde que os recebe.
Os doentes com TCE têm associado, até prova em contrário, um traumatismo da coluna cervical,
como tal têm indicação para realização de radiografia cervical. Devem também realizar RX do crânio
e Tomografia Axial Computorizada -TAC (não disponível na maioria das unidades periféricas, logo
só realizável na sua maioria, no hospital central que vai receber o doente).
As principais indicações para realização de TAC no doente com TCE são:
Diminuição persistente do nível de consciência,
Deterioração neurológica,
Défice persistente do estado de consciência ou neurológico focal,
Fracturas cranianas.

ABORDAGEM DO DOENTE COM TCE


Perante uma doente com lesão cerebral grave, o objetivo primordial é IMPEDIR o AGRAVAMENTO
das lesões cerebrais, proporcionando um ambiente favorável à regeneração neuronal.

Via aérea
Nos doentes com TCE assegurar a oxigenação suplementar e proteger a via aérea é uma
prioridade, visto que a hipóxia está associada a elevados índices de mortalidade.
A administração de oxigénio deve ser realizada com máscara de alto débito com 12 a 15 litros por
minuto e/ou uma Fio2 de 100%. Esta administração deve ser mantida caso se ventile o doente com
insuflador manual.
Os doentes com escala de Glasgow ≤ 8 têm indicação formal para entubação oro-traqueal, sempre
com controlo cervical e ventilação mecânica. Para a entubação deve ser usada a “técnica de
entubação sequencial rápida” de forma a não aumentar demasiado a pressão intracraniana durante
o procedimento.

Normoventilação
A hiperventilação reduz a PaCO2 levando a vasoconstrição cerebral e consequentemente diminui o
edema cerebral, diminuindo a Pressão Intracraniana (PIC). No entanto esta hiperventilação provoca
vasoconstrição e descida do fluxo sanguíneo cerebral, sendo que valores de PaCO2 inferiores a 30
mmHg podem levar a isquémia cerebral (os valores de PaCO2 podem ser controlados com

52
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

monitorização, através do uso de capnografia). Deste modo valores de PaCO2 de cerca de 35


mmHg são aceitáveis.
Quando se estabelece ventilação nestes doentes, é importante ponderar a sedação no sentido de
controlar a reatividade e o aumento da pressão intracraneana.

Sedação, analgesia e paralisação


A sedação é a chave para o controlo do doente agitado e da PIC. A resposta simpática ao traumatismo,
a dor e a agitação do doente perante a ventilação mecânica pode elevar a PIC, por aumento da
pressão intratoracica, venosa jugular ou da pressão arterial.
A combinação ideal para estes doentes baseia-se na utilização de um opióide para analgesia, por
exemplo Fentanil e remifentanil, e de um indutor anestésico ou um sedativo, como o propofol e o
midazolan. É importante fazer uso de fármacos de curta duração de acção, para permitir a avaliação
clínica e neurológica rápida ao parar a sedação.
A utilização de relaxantes musculares deve ser considerada, pois estes diminuem os picos de
aumento de PIC associados por exemplo à aspiração de secreções.

Fluidoterapia
A hipotensão pode conduzir a uma diminuição de pressão de perfusão cerebral sendo fundamental
restabelecer uma pressão sanguínea adequada.
A Fluidoterapia endovenosa deve ser realizada de maneira a manter a doente com uma
normovolémia, evitando sobrecarga de fluidos.
Recomenda-se a utilização de soluções isotónicas tais como o Nacl 0,9% e de Lactato de Ringer.
É especialmente importante nestes doentes, evitar o uso de solutos hipotónicos ou glicosados, sendo
que estes últimos provocam hiperglicémia que é muito nociva para o cérebro já lesado, agravando as
lesões isquémicas. Além disso a glicose provoca arrastamento osmótico de água no seu transporte,
pelo que contribui para o aumento do edema cerebral.
A hipertensão arterial concomitante com a PIC elevada deve ser tratada com cautela (evitar os
vasodilatadores), pois as tentativas de redução da pressão arterial podem resultar em pressão de
perfusão cerebral inadequada.
Inicialmente deve tratar-se a hipertensão arterial com medidas que diminuam a pressão intracraniana.

Administração de Manitol
Em doentes com défices neurológicos focais, anisócoria, deterioração neurológica ou ECG ≤ 8 deve
administrar-se Manitol.
O Manitol em solução a 20 % é largamente usado para diminuir a pressão intracraniana,
administrando-se numa dosagem de 1g / kg de peso, em bólus.

53
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Este atua como um diurético osmótico retirando água do parênquima cerebral ao criar um gradiente
osmótico, conseguindo reduzir a hipertensão intracraniana. Se possível estes doentes devem ser
algaliados.
Não devem ser administradas doses elevadas de Manitol a um doente com hipotensão, pois corre-
se o risco de a agravar.
Uma indicação formal para a administração de Manitol é um doente em coma, que inicialmente tinha
pupilas isocóricas e reativas e desenvolve um quadro de dilatação pupilar acompanhado ou não de
hemiparésia. Não é recomendado o seu uso profilático.
Corticóides
Os corticóides não mostraram ter efeito benéfico numa abordagem primária em situações de TCE.

Anticonvulsivantes
O Diazepam deve ser usado para controlar crises convulsivas, evitando dosagens exageradas que
podem levar a depressão respiratória.
A epilepsia pós traumática que ocorre em 5 % das vítimas de TCE deve ser controlada com
anticonvulsivantes tais como a fenitoína, numa dose de carga de 18mg/kg IV, infundida a uma
velocidade não superior a 50mg/min. A sua administração profilática é controversa e só deve
ser efetuada após consultar o neurocirurgião

ERROS COMUNS A EVITAR


Nos doentes com TCE devem ser evitados os seguintes erros:
Atribuir incorretamente a deterioração do estado de consciência à ingestão de álcool ou
drogas;
Dar alta a um doente com TCE no intervalo de lucidez, é preferível pecar por excesso
quando um período de inconsciência está documentado;
Não proteger a via aérea num doente com deterioração neurológica;
Não corrigir prontamente a hipóxia e hipotensão;
Não reconhecer uma deterioração neurológica progressiva;
Colocar sonda nasogástrica em doente com suspeita de fractura da base do crânio;
Não efetuar avaliação neurológica antes de sedar o doente;
Nas unidades de saúde onde não estão disponíveis cuidados neurocirúrgicos, estes doentes têm que
ser transferidos para outra instituição.
Antes da transferência deve estabelecer-se contacto direto com o neurocirurgião e determinar um
plano para o melhor transporte, definindo a necessidade de ventilar o doente e administração de
fármacos específicos.
É importante não negligenciar a vigilância neurológica do doente durante o transporte.

54
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 4

TRAUMATISMO VERTEBRO-MEDULAR

55
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

4- TRAUMATISMO VÉRTEBRO-MEDULAR

O traumatismo vértebro-medular ocorre quando uma força energética externa atinge o corpo,
causando alterações estruturais ou fisiológicas a nível da coluna vertebral o que leva a alterações
de ordem motora, sensitiva, autónoma e reflexa. Essas forças externas podem ser formas de
energia de radiação, elétrica, química ou mecânica.
Para a maior parte dos autores “Traumatismo Vértebro-medular é entendido como a lesão da coluna
vertebral e por vezes da espinal medula.”
Tratar de um doente com traumatismo vértebro-medular em qualquer fase da sua evolução não é
uma tarefa fácil, exigindo cuidados de elevado nível. As lesões vértebro-medulares dão na maioria
das vezes origem a grandes deficiências e incapacidades, influenciando dramaticamente a
qualidade de vida de um indivíduo. Podem ser fatais, especialmente nas lesões da coluna
cervical, exigindo o máximo de cuidado e perícia na sua manipulação.
Os traumatismos vértebro-medulares são um grande problema da saúde pública a nível mundial,
levando a internamentos hospitalares prolongados e a reformas precoces. Afetam essencialmente
pessoas jovens e saudáveis. A incidência da lesão vértebro-medular é de 5 em cada 100 000 traumas
da coluna, tem maior incidência nos homens que nas mulheres (3/1), sendo que 60% se encontram
na faixa etária entre os 16 os 30 anos. Os acidentes de viação contribuem com o maior número de
traumatismos vértebro-medulares com 45% logo seguido das quedas com 20%.
Podem causar fortes dores, prejudicar a sustentação e a flexibilidade e até criar deformidades. No
entanto, o maior risco é o de lesão da espinal-medula ou das raízes nervosas capazes de provocar
dano e incapacidade permanente e que têm normalmente um efeito devastador.
Apesar dos avanços técnicos e científicos e dos grandes passos que se deram para diminuir a
quantidade e a gravidade das complicações associadas às lesões da espinal-medula, pouco se
descobriu que revertesse eficazmente a disfunção neurológica provocada pelo traumatismo. Assim,
só a prevenção pode reduzir a incidência das lesões medulares.
A coluna vertebral, o seu conteúdo (espinal medula, as raízes nervosas de saída) e as estruturas
vizinhas (ligamentos espinhais e músculos para espinhosos) são responsáveis por algumas das
patologias mais comuns no homem. A coluna vertebral é um mecanismo altamente versátil
resultado de uma combinação marcante de qualidades estruturais. É suficientemente rígida para
sustentar o peso da cabeça e do corpo, mas com um elevado grau de flexibilidade que lhe é conferido
pelos discos intervertebrais. Uma série de
ligamentos dão suporte e estabilidade à coluna mantendo os
discos e os corpos vertebrais na mesma posição.
É constituída por 33 ossos (vértebras), separadas pelos
discos intervertebrais, sendo 7 cervicais -as mais pequenas e
mais flexíveis, 12 dorsais – que se articulam com as costelas,
sendo a área menos flexível da coluna, 5 lombares – com
alguma liberdade de movimento e de rotação, 5 sagradas
(fundidas numa só) e 4 coccígeas (fundidas numa só) (Fig.17).
A espinal medula, além de ser um centro que regula e controla
importantes funções, funciona como um elo de comunicação Figura 18 – Coluna vertebral

56
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

entre o encéfalo e o sistema nervoso periférico. É composta por uma massa de tecido nervoso que
ocupa todo o fóramen vertebral desde C1 até ao topo superior de L2. Abaixo, situa-se uma estrutura
denominada cauda equina que é constituída por um conjunto de raízes nervosas.
MECANISMO DE LESÃO
Quando são exercidas forças excessivas na espinal-medula pode ocorrer contusão, compressão,
hemorragia, lesão celular e alterações estruturais (lesão primária).
Danos secundários podem surgir na espinal-medula a partir de:
Choque hipovolémico e hipoperfusão daí resultante;
Choque medular (neurogénico) levando a bradicardia, vasodilatação maciça e hipotensão
embora com normovolémia (em lesão acima de D6);
Lesões causadas por uma imobilização inadequada;
Respostas bioquímicas endógenas causando edema e necrose celular;
Hipóxia.
Sabendo que os neurónios da espinal-medula não se regeneram, uma lesão grave com morte
celular leva a danos e incapacidades permanentes. O tipo de lesão sofrida depende
fundamentalmente do mecanismo do acidente. Este pode ser direto ou indireto.
MECANISMO DIRECTO
Ocorre quando há agressão com armas de fogo e armas brancas, ou também resultante da
penetração dos fragmentos ósseos.
A gravidade da lesão depende da potência da arma e/ou da distância a que é disparado o tiro. Este
tipo de agressão pode causar danos permanentes por seccionar anatomicamente a medula espinal.
Resultam deste tipo de agressão, lesões como; concussão medular transitória, contusão medular e
transeção, com consequente edema e presença de focos hemorrágicos.
A concussão é uma perda temporária de funções durante 24 a 48 horas, não havendo alteração
estrutural demonstrável.
A contusão é ferida na medula com edema e possível necrose tecidular pela compressão medular.
A transeção é a ruptura completa ou incompleta da medula.
MECANISMO INDIRECTO
Caracteriza-se por uma força aplicada à distância, de uma força agressora numa outra parte do corpo
que não a coluna. Deste modo podem ocorrer várias situações:
Hiperflexão: A lesão por hiperflexão encontra-se a maior parte das vezes na área cervical em C5/C6,
a porção com maior mobilidade da espinal medula. Este tipo de lesão é causada na maior parte das
vezes pela desaceleração súbita do movimento, como nas colisões frontais e acidentes de mergulho.
A lesão ocorre pela compressão da medula, em consequência de luxações, fraturas - luxações das
vértebras, penetração de fragmentos ósseos na medula ou deslocação dos corpos vertebrais.
Hiperextensão: As lesões por hiperextensão dependem de um movimento da cabeça para trás e
para baixo, encontrando-se muitas vezes na colisão pela retaguarda, nos acidentes de mergulho e
tentativas de suicídio por enforcamento. Neste tipo de lesão é a própria espinal-medula que é

57
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

esticada e torcida. Verifica-se a rutura do disco intervertebral, deslocamento, fratura, fratura e/ou
luxação das vértebras bem como compressão ou fratura dos elementos posteriores da coluna
vertebral.
Os défices neurológicos associados a esta lesão são muitas vezes causados por contusão e isquémia
da medula sem envolvimento ósseo significativo, uma vez que ao ocorrer um afastamento das
vértebras provoca um estreitamento do canal medular resultando lesão da parte central da medula.
Flexão Lateral: A cabeça e o pescoço fletem para um lado para além do limite da amplitude do
movimento normal.
Rotação: As lesões de rotação ocorrem muitas vezes em conjunto com as de flexão ou de
extensão. Uma rotação acentuada da cabeça ou do corpo causa rutura dos ligamentos posteriores e
deslocação (rotação) da coluna vertebral.
Sobrecarga axial: A sobrecarga axial, ou traumatismo de compressão vertebral, resulta de uma força
vertical ao longo da medula espinhal. Encontra-se com mais frequência numa queda em altura,
em que se faz o embate sobre os pés ou sobre as nádegas.
Compressão: Os traumatismos por compressão causam fraturas por rebentamento do corpo
vertebral projetando muitas vezes fragmentos ósseos no canal espinhal ou directamente na medula.
Pode ocorrer também achatamento das vértebras provocando um estreitamento do canal espinhal,
não havendo lesão óssea.
LESÕES DA ESPINAL-MEDULA
É importante para a avaliação e tratamento inicial numa lesão da espinal-medula saber distinguir uma
lesão completa duma incompleta.
Lesões incompletas da espinal-medula – Uma lesão incompleta é aquela em que o doente pode
ter preservado algumas das suas funções motoras e sensitivas abaixo do nível da lesão. Os sinais e
sintomas são diferentes consoante o síndrome medular que apresentar.
Síndrome de Brown-Séquard – É causado por uma hemissecção transversal da medula. A lesão
de um dos lados da medula espinhal leva à perda do controle motor voluntário homolateral e perda
contralateral das sensações de dor e temperatura.
Síndrome medular central – Acompanha uma lesão cervical de hiperextensão / flexão, que produz
um défice motor e sensorial mais acentuado nos membros superiores do que nos membros inferiores.
Síndrome do cordão anterior – É causado por traumatismo das células cinzentas (motoras) do corno
anterior da medula, dos feixes espinotalâmicos (dor) e dos feixes corticoespinais (temperatura). Esta
lesão conduz à perda da função motora, bem como, das sensações de dor e de temperatura.
Consideram-se intactas, no entanto, as sensações do tato, sentido de posição, pressão e
vibração.
Síndrome medular posterior – Esta síndrome associa-se geralmente com a hiperextensão cervical
e resulta em perda da sensibilidade táctil discriminativa e da proprioceção. Permanecem intactas a
função motora e a sensação de dor e temperatura.
Lesões completas da espinal-medula – Uma lesão medular completa resulta numa disfunção total
do sistema nervoso motor, sensitivo e autónomo abaixo do nível do traumatismo. Pode resultar de
uma secção anatómica ou fisiológica da medula. Seja qual for o mecanismo da lesão, o resultado é

58
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

uma dissecção completa da medula espinal e das suas vias neuroquímicas, provocando uma de duas
situações: Tetraplegia ou paraplegia. Cerca de 50% dos doentes inicialmente diagnosticados como
lesão completa recuperam alguma função com a resolução do choque medular.
Sinais e sintomas:
Perda da função motora, sensitiva e autónoma abaixo do nível da lesão;
Rotação externa bilateral das pernas;
Hipotensão;
Perda do controle voluntário da função intestinal e vesical;
Pode existir priapismo
Uma lesão que afeta a medula espinal cervical baixa ou torácica alta pode provocar hipoventilação
devido á paralisação dos músculos intercostais e do diafragma. Compromisso medular no segmento
de C3 a C5 interfere com o funcionamento do diafragma e abaixo de C6 afeta os intercostais.

FRACTURAS DA COLUNA VERTEBRAL


São mais frequentes nos segmentos cervicais e lombares devido à sua maior flexibilidade. As fraturas
podem ocorrer no corpo da vértebra ou em combinação com outra parte. As lesões nos ligamentos
podem causar luxações ou subluxações das vértebras que podem ou não fazer acompanhar de
fraturas. As fraturas de coluna podem ser classificadas em:
Fraturas simples
Fraturas compressivas ou em cunha
Fraturas cominutivas ou estilhaços
Fraturas em lágrima
Podem também ser classificadas como estáveis ou instáveis dependendo da integridade dos
ligamentos e das estruturas ósseas. Durante a estabilização/reanimação cardiopulmonar de um
doente politraumatizado deve assumir-se que existe uma lesão instável e manter-se a imobilização.
O traumatismo da coluna vertebral pode acontecer sem lesão medular, assim como pode existir lesão
medular sem evidência radiológica de lesão da coluna vertebral.

FISIOPATOLOGIA
É muito semelhante à lesão cranioencefálica no desencadear de uma cadeia de acontecimentos
secundários em resposta à lesão primária. A danificação da espinal-medula parece resultar desses
acontecimentos secundários, como a hemorragia, lesão vascular, mudanças estruturais e
consequentes alterações bioquímicas.
A lesão vascular e hemorragia ocorrem quando decai significativamente a perfusão da área
danificada. A diminuição da perfusão leva à diminuição da oxigenação, isquémia e necrose da espinal-
medula, que se torna edemaciada formando pequenas áreas hemorrágicas na substância cinzenta e
na substância branca. As alterações estruturais destas duas substâncias provocam a abertura da
apertada junção vascular endotelial, o que leva a alteração eletrofisiológica da condução
neuronal. As reacções bioquímicas do trauma levam à vasoconstrição e desarranjo

59
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

parcial do metabolismo, com libertação de mediadores vasoativos (noradrenalina, serotonina e


histaminas). Estes mediadores geram radicais livres que rompem as membranas neuronais e levam
a hipóxia isquémica e rápida destruição dos tecidos. Na sequência da danificação provocada por
estes eventos secundários, deixa de poder dar-se a condução neuronal.
A abordagem do doente com TVM orienta-se hoje em dia para a suspensão ou reversão destes
acontecimentos secundários. A crioterapia local (para diminuir as necessidades metabólicas), o uso
de corticóides (para reduzir a degeneração da membrana celular), de bloqueadores dos canais de
cálcio (para reduzir a produção ou a interação das aminas vasoactivas) e a naloxona (para bloquear
os efeitos causados pela libertação das endorfinas neurais na área danificada), fazem parte da
investigação que existe para deter ou reverter os processos secundários de lesão. Contudo
nenhuma terapêutica definitiva provou ser totalmente eficaz.

CHOQUE MEDULAR
Choque medular consiste na perda total de toda a actividade reflexa abaixo do nível da lesão. Inclui
a perda dos reflexos tendinosos profundos assim como a perda do tónus vasomotor, controlo da
temperatura e do tónus vesical e intestinal. Da perda destes reflexos resulta bradicardia, hipotensão
(com normovolémia), retenção urinária e ileos paralítico devido à perda da função simpática
autónoma. Instala-se imediatamente após o acidente, sendo difícil prever o seu grau e a sua duração.
O reaparecimento de qualquer reflexo é sinal de regressão do choque medular.
Tratamento
O tratamento rápido e adequado do doente desde o local do acidente é essencial no índice de
sobrevida e no grau de invalidez, já que a manipulação imprópria pode causar aumento do dano e
perda da função neurológica. Muitas das lesões da espinal medula são devidas a manipulação
inadequada.
Qualquer vítima de um acidente com veículos a motor, ou de uma lesão em desporto de contacto, em
quedas ou em qualquer traumatismo direto na região cefálica e cervical deve ser considerada como
tendo uma lesão da coluna vertebral, até prova em contrário. Impõe-se uma imobilização correta
em plano duro em posição alinhada neutra. Em alguns casos será contra-indicado mover a cabeça
do doente para uma posição alinhada neutra:
Espasmo da musculatura do pescoço;
Aumento da dor;
Aparecimento ou aumento de défice neurológico;
Comprometimento das vias aéreas ou da ventilação.
Tratamento de Emergência
Como em qualquer traumatizado o tratamento deve iniciar-se com a avaliação primária (ABCDE) e a
avaliação secundária do protocolo do politraumatizado. Os objetivos do são tratar as lesões
associadas, prevenir maior lesão local e observar quanto ao aparecimento de sintomas de défices
neurológicos progressivos.
A mobilização deve ser a estritamente necessária e seguindo as técnicas de trauma específicas. A
transferência inter ou intra-hospitalar deve ser cuidadosamente planeada e bem organizada.
Uma história detalhada deve ser realizada:

60
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Quais as queixas que o doente apresenta;


Havia movimento espontâneo ou alteração da sensibilidade nas extremidades no local do
acidente.
Avaliação
 Imobilizar e estabilizar a coluna cervical;
 Aspirar a via aérea se necessário (com cuidado para não estimular o nervo vago –
bradicardia);
 Observar a função respiratória, frequência e a eficácia (lesões de C3 a C5 interferem com a
função diafragmática). Nas lesões medulares cervicais estar preparado para dificuldade
e/ou paragem respiratória;
 Administrar fluidos endovenosos de forma criteriosa e com controlo rigoroso pelo perigo da
sobrecarga hídrica. A hipotensão e a bradicardia podem surgir por paralisia vasomotora
abaixo do nível da lesão. Após despiste de outras causas de hipotensão privilegiar as aminas.
Nunca utilizar soros glicosados a não ser em caso de hipoglicemia;
 Administrar corticóides conforme protocolo
 Monitorizar ritmo cardíaco (risco de bradicardia), pressão arterial, temperatura e dor
 Avaliar as funções motoras:
Estender e fletir os braços C5-C7;
Estender e fletir as pernas L2 – L4;
Esfíncter anal S3-S5.
 Avaliar a força muscular das quatro extremidades
 Avaliar a função sensitiva:
C5 – topo dos ombros;
D4 – linha mamária;
D10 – umbigo;
L4 – hálux;
 Se ainda não efetuado, realize o rolamento e examine a coluna vertebral procurando
deformidades ou feridas.
 Palpar a frequência e a qualidade do pulso. O pulso está lento e forte no choque
neurogénico e rápido e fraco no choque hipovolémico.
 Palpar a temperatura da pele. A pele está quente e seca no choque neurogénico e fria e
húmida no choque hipovolémico.
 Palpar o esfíncter anal para pesquisar a presença de tónus.
 Testar reflexos
 Analgesia se necessário
 Ponderar colocação de sonda vesical. Está contra-indicada na presença de sangue no
meato, hematoma do escroto ou na suspeita de fractura pélvica.

61
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Ponderar colocação de sonda gástrica.


 Manter o doente aquecido. A hipotermia diminui o aproveitamento do oxigénio, diminui a
força de contração cardíaca e provoca alterações da coagulação.
 Promover o apoio psicológico.
 Ponderar a transferência inter-hospitalar que deve ser efetuada segundo as normas em
vigor.
Para manter a Pa02 elevada administra-se oxigénio, pois a hipóxia pode originar ou agravar o
défice neurológico da espinal medula.
Em caso de necessidade de entubação traqueal, esta deve efetuar-se com cuidado, evitando
fletir ou estender o pescoço, pois estes movimentos podem resultar no agravamento da
lesão.

Intervenção Cirúrgica
Se as deformidades não forem reduzidas por tração, na presença de fragmento ósseos no canal
medular, na presença de significativa instabilidade da coluna ou pelo agravamento do estado
neurológico, realiza-se a cirurgia para reduzir a fratura ou o deslocamento espinal, ou para
descomprimir a medula.

Protocolo de administração de corticóides


Para controlar o edema medular poderão ser administrados corticóides em elevadas doses,
metilprednisolona segundo protocolo. No entanto atualmente as evidências são insuficientes para
sustentar o uso rotineiro de corticoides em lesões medulares.

Procedimentos radiológicos
Radiografias da coluna vertebral.
Considerar Tomografia Axial Computorizada e/ou Ressonância Magnética Nuclear

62
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 5

CHOQUE

63
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

5 – CHOQUE

O risco de vida em trauma tem uma cronologia previsível, sendo a perda de volume sanguíneo
circulante (Choque Hipovolémico) uma das principais causas de morte, pelo que exige do enfermeiro,
uma avaliação e intervenção rápida e sistemática, sendo fundamental desenvolver e aperfeiçoar
conhecimentos nesta área que possam conduzir a práticas de qualidade e melhorar a sobrevida
destes doentes.

OBJECTIVOS:
No final deste capítulo os formandos devem ser capazes de:

 Identificar os vários tipos de choque e a fisiopatologia envolvida;


 Planear intervenções adequadas no doente com sinais e sintomas evidentes de choque;
 Avaliar o resultado das intervenções de enfermagem nos doentes em choque.

O choque é uma síndrome que se caracteriza por uma alteração da perfusão tecidular que provoca
hipóxia celular generalizada (metabolismo anaeróbio), diminuição da produção de energia e disfunção
dos órgãos nobres. Representa um processo agudo e disseminado de deficiente perfusão tecidual
que provoca alterações celulares, metabólicas e hemodinâmicas.

FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE
O choque constitui um processo fisiopatológico complexo, do qual pode resultar uma síndrome
disfuncional de múltiplos órgãos e morte. O transporte sistémico de oxigénio inadequado para as
necessidades metabólicas dos tecidos, provoca a ativação de mecanismos compensatórios, que
visam atenuar/reverter o estado de hipoperfusão e deste modo proteger os órgãos nobres da
subsequente disfunção. Esses mecanismos consistem essencialmente na ativação neuroendócrina;
ocorre participação do sistema adrenérgico como resposta imediata, ativação do córtex da supra renal
com libertação de cortisol e do sistema renina-angiotensina-aldosterona e libertação da hormona
antidiurética pelo eixo hipolálamo-hipofisário.
Sempre que estes mecanismos falhem no restabelecimento da perfusão, surge uma cascata de
anormalidades celulares que podem originar falência orgânica.

Resposta Cardiovascular
A hipovolémia/hipotensão e hipóxia presentes no choque são responsáveis pela ativação do
sistema adrenérgico, provocando aumento da resistência vascular periférica, vasoconstrição e
manutenção do débito cardíaco (DC). Estas alterações têm como finalidade assegurar a perfusão
de órgãos nobres.
A nível cardíaco a ativação do sistema nervoso simpático tem como objetivo a manutenção de um
DC adequado, através do aumento da contractilidade miocárdica (efeito inotrópico positivo) e da

64
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

frequência cardíaca (efeito cronotrópico positivo). Pela sua importante acção cardiovascular, o
sistema adrenérgico constitui um dos pilares da adaptação ao choque, sendo que a falência deste, é
uma das causas primárias de choque (choque neurogénico).
Resposta Renal
A hipoperfusão renal decorrente do choque pode levar ao desenvolvimento de insuficiência renal
aguda, caracterizando-se por desequilíbrios eletrolíticos e metabólicos que podem originar arritmias
cardíacas.
Ocorre libertação de renina para o plasma (enzima armazenada nas arteríolas renais) fazendo com
que se liberte a partir da angiotensina do plasma, Angiotensina I que posteriormente se converte em
Angiotensina II, cujos efeitos são a vasoconstrição, (efeito inotrópico positivo), estimula a libertação
de aldosterona pela suprarenal e da hormona antidiurética pela neuro-hipófise, favorecendo a
retenção de líquidos e sódio.

Resposta Cerebral
Em caso de choque o cérebro é irrigado através de um mecanismo autoregulador mediante as
necessidades dos seus tecidos; uma vez que a perfusão deste órgão é beneficiada em detrimento
de outros, a vasoconstrição tem pouco efeito nos vasos cerebrais. As alterações do estado de
consciência podem indicar isquémia cerebral, culminando em letargia e coma.

Resposta Pulmonar
A hipoxémia presente no choque resulta em acidose metabólica que consequentemente estimula os
pulmões a aumentar a frequência respiratória (hiperventilação) para corrigir essa acidose e fornecer
mais oxigénio aos tecidos. Assim, uma dos sinais que podem existir no choque é a taquipneia, com
intuito de manter o equilíbrio ácido-base e um elevado aporte de oxigénio.
O agravamento do choque tem particular importância na disfunção do trato gastrointestinal, fígado,
rim e as alterações inflamatórias e metabólicas multiorgânicas. Ao condicionarem uma acentuada
queda da pressão arterial, são responsáveis pelo agravamento do choque, situação que pode
chegar ao ponto da irreversibilidade.
A hipoperfusão entérica promove perda de função de barreira, que associada à proliferação da flora
intestinal, favorece a passagem de bactérias e toxinas para o sistema porta. A hipo-perfusão
hepática justifica a perda da sua função de órgão depurador. A disfunção conjunta, pode
eventualmente levar a um quadro de sépsis.

ETIOLOGIA DO CHOQUE
Existem vários esquemas de classificação de choque, com intuito de sistematizar os processos
fisiopatológicos subjacentes. Atualmente o mais aceite distingue 4 tipos de choque em função das
causas e dos mecanismos responsáveis pelo aparecimento e pela manutenção do síndrome, cada
um deles representa uma entidade fisiopatológica diferente, que se manifesta com diferentes padrões
hemodinâmicos (Tabela).

65
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

1-HIPOVOLÉMICO
-Hemorrágico
-Não hemorrágico (depleção de volume intravascular por desidratação, vómitos, diarreia,
fístulas, queimaduras)
2-CARDIOGÉNICO
-Miocardiopatias: enfarte, miocardite, miocardiopatia
-Mecânico: estenose ou insuficiência valvular,
-Arritmias: auriculares, ventriculares, bradicardias, bloqueio AV

3-OBSTRUTIVO
-Obstrução vascular extrínseca (tumores mediastínicos)
-Obstrução vascular intrínseca (embolia pulmonar, tumores, dissecção da aorta, hipertensão
pulmonar aguda, tamponamento pericárdico)
-Aumento da pressão intratorácica (pneumotórax)

4-DISTRIBUTIVO OU VASOGÉNICO
-Séptico
-Anafilático
-Neurogénico: trauma medular
Tabela 3-Classificação etiológica do choque

SINAIS E SINTOMAS
Os sinais e sintomas diferem mediante a etiologia (tabela 2) e o estádio do choque, bem como da
resposta geral do doente.
Assim, as manifestações clínicas do choque são:
Hipotensão (PAM < 60 mmHg),
Taquicardia
Taquipneia
Sudorese
Sede intensa
Sinais de hipoperfusão periférica (palidez, cianose, aumento do tempo de preenchimento
capilar, extremidades frias e húmidas, oligúria, acidose metabólica, alterações sensoriais e do
estado de consciência: ansiedade, agitação, agressividade e sonolência)

66
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

SINAIS HIPOVOLÉMICO NEUROGÉNICO SÉPTICO CARDIOGÉNICO

Fria,
Temperatura Fria, macilenta Quente, seca Fria, macilenta
macilenta

Coloração
Palidez, cianótica Rosada Palidez Palidez, cianótica
da pele

Pressão
Hipotensão Hipotensão Hipotensão Hipotensão
Arterial

Estado de
Alterado Normal Alterado Alterado
Consciência

Enchimento
Retardado Normal 20-30 Retardado Retardado
Capilar

Tabela 4-Sinais associados aos vários tipos de choque

CLASSIFICAÇÃO DO CHOQUE

A - CHOQUE HIPOVOLÉMICO
Este tipo de choque corresponde a 90% dos estados de choque em trauma, devido a hemorragia,
uma vez que as fraturas, principalmente as de ossos longos, levam a uma considerável perda de
sangue local; por exemplo, uma fratura de úmero ou tíbia pode ocasionar perdas equivalentes a 750
ml de sangue, o fémur pode perder até 1500 ml.
Lesões de tecidos moles levam ao decréscimo do volume circulatório através do edema, assim, de
2 litros de edema que podem estar associados a uma fratura de fémur, 500 ml é decorrente do volume
plasmático. Portanto, um paciente que tiver uma fratura de fêmur pode entrar em choque, mesmo que
não apresente nenhuma outra lesão associada, pois ele perde 1500 ml de sangue mais
500 ml de exsudato pelo edema.
Surge em consequência da diminuição do volume de sangue circulante devido a hemorragias
(externas e/ou internas), da perda de líquidos orgânicos, como o plasma, (queimaduras, vómitos,
diarreias, etc.), por traumatismos, desidratação. Ocorre uma redução geral do volume intravascular
(pré-carga).
Durante o choque hipovolémico a perda inicial de volume reduz o volume vascular, com queda da
pressão sistémica média e do débito cardíaco. Como resposta, o sistema nervoso simpático provoca
vasoconstrição promovendo a saída de líquidos do espaço intersticial para o vascular levando a um
aumento da pressão hidrostática capilar, na intenção de normalizar a volémia; o coração é estimulado
a aumentar o débito cardíaco pelo aumento da força e frequência das contrações, através da
libertação de adrenalina pelas glândulas supra-renais. O estado de choque representa assim, um
mecanismo de sobrevivência, no qual o sangue é desviado para os órgãos vitais. Estes mecanismos
compensatórios tentam controlar a redução de volume, quando deixam de ser eficazes o doente
apresenta hipotensão e a fase de choque compensado passa para uma fase

67
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

de choque descompensado. O choque decorrente de hemorragia pode dividir-se em quatro classes,


com respostas fisiológicas distintas, dependendo da gravidade da hemorragia (Tabela 5). A tabela
que se segue serve de orientação para a reposição de volume relacionada com as perdas
hemorrágicas previsíveis.

Classificação
Sinais Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4

Perdas Até 750ml 750-1500ml 1500-2000ml >2000ml


sanguíneas (15%) (15-30%) (30-40%) (> 40%)

Frequência <100 >100 >120 >140


cardíaca

Tensão arterial Normal Normal Diminuída Diminuída

Frequência 14-20 20-30 30-40 >35


respiratória

Diurese >30 20-30 5-15 Desprezível

Ligeiramente Moderadamente Confuso e


Estado mental Ansioso e confuso
ansioso Ansioso letárgico

Fluidoterapia Cristalóides Cristalóides Cristalóides e Cristalóides e


sangue sangue

Tabela 5 -Classificação do Choque Hipovolémico (Adaptado do American College of Surgeons; Advanced Trauma Life
Support (ATLS 8th Edição; 2008)

O Volume de sangue normal corresponde a 7% do peso ideal em adultos e a 8-9% do peso ideal para
crianças. Na tabela os dados referentes a perda sanguínea (ml) são calculados para uma pessoa
adulta, do sexo masculino e com peso de 70 Kg
O diagnóstico deste tipo de choque pode ser rápido se o doente apresentar sinais clínicos de
instabilidade hemodinâmica e a fonte da perda de volume for evidente.

TRATAMENTO
O tratamento dos doentes em choque hipovolémico requer intervenção agressiva, sendo orientado
no sentido de controlar, ou impedir a maior perda do volume circulatório e de restabelecer o volume
intravascular, pelo que é fundamental:
• Corrigir a causa da hipovolémia
• Repor a volémia com fluidoterapia
É indispensável para o eficaz tratamento do choque, identificar a origem das perdas de líquidos e
controlá-la, fazendo uma reposição rápida da quantidade perdida, com fluidoterapia prescrita.

68
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Como podemos inferir da leitura da tabela anterior, os colóides têm indicação de utilização quando as
perdas são abundantes e na ausência de sangue.
Duma maneira geral pode-se afirmar que são necessários 3 ml de fluidos para repor cada ml de
sangue supostamente perdido. Em caso de hemorragia abundante (visível ou suspeita), podem
utilizar-se soros colóides (ex. Gelafundina, Hemacel e hidroxietilamido), numa proporção de 1 litro
de Lactato para cada litro de colóides. Em caso de hemorragias de menor gravidade, poderá fazer-
se uma proporção de 3 litros de Lactato para cada litro de colóide.
Numa doente relativamente estável, mantém-se o Lactato de Ringer como fluido de eleição.
De notar que o uso abusivo de soros colóides pode alterar a cascata da coagulação, precipitando uma
coagulação intravascular disseminada.
Mais importante do que estimar o volume de fluidos a repor, é a observação da resposta do
traumatizado, já que as evidências de uma boa perfusão tecidular e oxigenação adequada são
traduzidas por débito urinário normal, recuperação do nível de consciência e perfusão periférica
normalizada. Estes são indicadores inequívocos de recuperação do doente.
Se após fluidoterapia adequada e agressiva, não houver sinais de recuperação por parte do doente,
este deve ser reavaliado, para procurar lesões ocultas ou não identificadas.
A Hipotermia deve ser prevenida ou revertida se já instalada num traumatizado. O ideal nestas
circunstâncias é a administração de fluidos previamente aquecidos, já que a infusão maciça de
soros frios pode provocar ou agravar a hipotermia. Este aquecimento pode ser obtido mergulhando
os soros em água quente (para além do doente dever ser mantido em ambiente aquecido).
A resposta do doente durante esta infusão inicial deve ser observada para decisões terapêuticas
posteriores.

B - CHOQUE CARDIOGÉNICO
É um estado de baixo débito secundário a patologia cardíaca condicionando uma perfusão e
oxigenação inadequadas devido a uma queda de volume sistólico, quer seja por disfunção miocárdica
(enfarte, miocardite, contusão do miocárdio, embolia gasosa, tamponamento cardíaco) ou por um
preenchimento insuficiente dos ventrículos (arritmias). O choque cardiogénico secundário a isquémia
é o mais frequente.

TRATAMENTO
• O objectivo é a estabilização da força contráctil a nível cardíaco com oxigénio
• Agentes inotrópicos positivos (Dobutamina, Dopamina, Digoxina)
• Reduzir a pré-carga e a pós-carga com agentes Vasodilatadores

C- CHOQUE DISTRIBUTIVO OU VASOGÉNICO


Caracteriza-se por um inadequado fornecimento e extração de oxigénio, subsequente a vasodilatação
periférica, apesar do débito cardíaco ser normal. A perda da tonicidade vascular que causa a
vasodilatação pode resultar de várias situações:

69
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

I. -Choque Neurogénico
II. -Choque Séptico
III. -Choque Anafilático

I-Choque Neurogénico
Esse tipo de choque é decorrente de uma lesão medular (ao nível da coluna cervical e dorsal alta),
esta lesão leva a perda do tônus simpático, ou seja, interrompe-se o estímulo vasomotor sobre a
musculatura lisa, deixando de manter a tonicidade abaixo do nível de lesão ocasionando uma
intensa vasodilatação periférica. Subseqüentemente, regista-se uma diminuição do retorno venoso
com consequente queda do débito cardíaco.
Surge perda das funções simpáticas autónomas, resultando em:
 Perda do tónus vasomotor, resultando em vasodilatação periférica e diminuição da
resistência vascular sistémica, originando hipotensão.
 Perda de controlo cutâneo das glândulas sudoríparas, levando à incapacidade de
transpirar, perda de controlo da regulação térmica.
 Aumento do controle parassimpático na frequência cardíaca, causando bradicardia.

O doente apresenta hipotensão, taquipneia, e perda da sensibilidade, mobilidade e/ou reflexos abaixo
do nível da secção medular. O controlo de esfíncteres anal e vesical está ausente. Nos doentes do
sexo masculino observa-se priapismo. Os doentes assumem a temperatura do ambiente circundante.

TRATAMENTO
 Apoio e manutenção da via aérea, ventilação e da circulação
 Realinhamento e estabilização da coluna
 Aquecimento do doente
 Correcção da hipotensão
 Tratamento da bradicardia sintomática

II-Choque Séptico
Choque por infecção imediatamente após o trauma é pouco frequente. Resulta da resposta
sistémica a uma infecção grave.
Os principais agentes responsáveis pela gênese do Choque Séptico são os bacilos aeróbios Gram
Negativos, em torno de 60% dos casos é a Escherichia coli, já dentre os anaeróbios destaca-se o
Bacterioides fragilis.

70
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

O choque séptico ocorre particularmente nos pacientes com feridas penetrantes, com contaminação
peritoneal por conteúdo intestinal; em pacientes com mecanismos de defesa comprometidos, tais
como: idosos, pacientes desidratados, em tratamento com drogas imunossupressoras e citotóxicas.
O quadro sintomático pode incluir:
–Temperatura acima de 38º C, ou abaixo de 36ºC
–Frequência Cardíaca > 90 batimentos /minuto
–Frequência Respiratória > 20 incursões / minuto
–Contagem de leucócitos acima de 12.000/mm3, ou abaixo de 4.000 / mm3, com mais de
10% de formas imaturas (bastões)

TRATAMENTO
 Suporte da função respiratória e circulatória
 Administração de O2 suplementar
 Ventilação mecânica caso necessário
 Antibioterapia
 Remoção ou drenagem do foco infecioso
 Controle das complicações
O Choque ocorre porque a endotoxina causa vasoconstrição arteriolar e venular na circulação renal,
mesentérica e pulmonar levando a hipoperfusão, hipóxia e subseqüente metabolismo anaeróbico com
produção de acidose lática, este quadro progride para vasodilatação arterial mas persiste a
vasoconstrição venosa, deste modo eleva-se a pressão hidrostática intraluminal com perda de volume
para o interstício. O volume circulatório efetivo decresce e existe uma resposta adrenérgica com
vasoconstrição reflexa, causando a anóxia e dano tecidual subsequente.
III-Choque Anafilático
Ocorre quando um indivíduo entra em contacto com um antigénio para o qual está sensibilizado
(microorganismo, fármaco, alimento), originando uma reacção de profunda hipersensibilidade com
uma resposta sistémica antigénio-anticorpo.
A reacção alérgica cursa com libertação de histamina, quininas e prostaglandinas, que provocam
vasodilatação periférica maciça. Caracteriza-se por um início agudo com edema das vias aéreas
superiores, broncoespasmo podendo evoluir para obstrução das vias aéreas e paragem respiratória.

D-CHOQUE OBSTRUTIVO
Resulta de um volume inadequado de sangue em circulação por obstrução/compressão em grandes
vasos ou no coração. As etiologias que levam a este tipo de choque incluem:
 Compressão cardíaca com obstrução do preenchimento auricular (tamponamento cardíaco)
 Deslocamento mediastínico com obstrução do preenchimento auricular (Pneumotórax
hipertensivo)

71
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Uma combinação das duas situações descritas (Hemotórax)

AVALIAÇÃO DO DOENTE EM CHOQUE


A abordagem inicial do doente em choque deve ser rápida e sistematizada, com uma adequada
intervenção simultânea, com objetivo de otimizar o estado de oxigenação e hemodinâmico, e
melhorar a perfusão e oxigenação tecidular prevenindo a acidose metabólica.
O exame físico é dirigido para as lesões que ameaçam a vida e incluem a avaliação primária do
ABCDE em trauma.
A grande finalidade do tratamento do doente em choque é melhorar e preservar a perfusão dos
tecidos. Os passos essenciais para o sucesso do tratamento destes doentes são:
A – Permeabilizar via aérea com controlo da coluna cervical
Observar cavidade oral e a presença de lesões óbvias que comprometam a via
aérea
Posicionar o doente em decúbito dorsal mantendo estabilização da cervical
Remover corpos estranhos (próteses, secreções, vómito, sangue) que possam
provocar obstrução
Colocar um adjuvante da via aérea oro ou nasofaríngea
Se necessário proceder à entubação
B – Assegurar ventilação adequada
Avaliar a coloração da pele e mucosas
Despistar existência de ventilação espontânea, elevação e depressão torácica
Simetria, profundidade e padrão respiratório
Auscultar sons respiratórios bilaterais e cardíacos
Avaliar integridade dos tecidos moles e estruturas do tórax
Observar veias jugulares e posição da traqueia
Fornecer oxigénio por máscara de alto débito
Monitorizar oximetria de pulso e capnografia
C- Avaliar sinais de circulação
Palpar pulso central (ritmo: normal, lento, rápido e qualidade: normal, fraco, forte) e
pressão arterial
Observar a coloração e temperatura da pele o e grau de sudorese
Inspecionar sinais evidentes de hemorragia
Avaliar o tempo de preenchimento capilar
Controlar hemorragia externa por pressão direta
Iniciar reposição da volémia com fluidoterapia e hemoderivados

72
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Estabilizar fraturas instáveis

D- Avaliar disfunção neurológica


Avaliar estado de consciência
Avaliar tamanho, reatividade e simetria pupilar
Avaliar a força e simetria das extremidades
Verificar presença de parestesias

Em suma, podemos afirmar que o objetivo do tratamento do doente em Choque é restabelecer a


perfusão orgânica e a oxigenação tecidual.
Quando o doente não responde ao tratamento, deve considerar-se a possibilidade de existirem perdas
de volémica não reconhecidas, Choque Cardiogênico- Tamponamento Cardíaco, Contusão
Miocárdica, IAM ou Pneumotórax Hipertensivo; Choque Neurogênico.
Nestes casos a reavaliação do doente deve ser constante, sendo fundamental:
 Oxigenação adequada
 Aumento do volume circulatório
 Correcção do equilíbrio ácido-base
 Monitorização hemodinâmica

73
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 6

TRAUMATISMO TORÁCICO

74
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

6 - TRAUMATISMO TORÁCICO

OBJECTIVOS:

No final deste capítulo o formando deve ser capaz de:


 Identificar as diversas lesões torácicas com base nos sinais e sintomas presentes;
 Planear intervenções adequadas em doentes com traumatismo torácico;
 Avaliar o resultado das intervenções de enfermagem nos doentes com traumatismo
torácico.

EPIDEMIOLOGIA
“O traumatismo torácico é por si só, responsável por 20% a 25% do total de mortes por trauma”
SHEEHY (1998.p.315). Este autor considera que a mortalidade por lesão torácica isolada é de 5% a
10% geralmente devido a hipóxia e /ou choque hipovolémico, aumentando para 30% a 35% quando
são afetados mais de dois órgãos ou sistemas. As lesões torácicas são a segunda causa principal
de morte no trauma, após lesões cerebrais e medulares.
A morbilidade deste tipo de lesões é elevada e responsável por internamentos hospitalares
prolongados e sequelas graves (PRYOR, 2002). Segundo o mesmo autor, as lesões associadas
podem ser letais, atrasando o diagnóstico preciso de cada uma delas e a aplicação do tratamento
adequado, pelo que o exame clínico deve ser tão rápido como preciso.
Segundo SHEEHY (1998), o traumatismo torácico pode ser provocado por mecanismos penetrantes
ou não penetrantes, afetando estruturas e órgãos da cavidade torácica. As lesões não penetrantes
surgem em consequência de acidentes de viação, quedas, atropelamentos, esmagamentos e
agressões. Os ferimentos por arma branca ou de fogo são responsáveis por grande parte das
lesões penetrantes.
O doente com traumatismo torácico requer uma avaliação sistemática, quanto a possíveis lesões
mortais e uma rápida intervenção por parte dos profissionais de saúde.

TIPOS DE LESÕES
A energia mecânica aplicada na caixa torácica pode provocar fracturas bem como lesões cardíacas
fechadas e contusões pulmonares (Tabela 6).

75
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Mecanismo Lesões Torácicas Associadas


 Vollet Torácico Anterior
 Lesão Cardíaca Fechada
Frontal
 Pneumotórax
 Secção da Aorta
 Vollet Torácico Lateral
 Pneumotórax
Lateral
 Rutura Traumática da Aorta
 Rutura Diafragmática
Atropelamento  Lesões Torácicas e abdominais
Tabela 6- Tipo de Impacto e Lesões Torácicas Associadas

A lesão fechada é o tipo de lesão mais comum associada ao traumatismo torácico. As facadas e
armas de fogo provocam lesões penetrantes do tórax, em que frequentemente surge associado
trauma abdominal pela proximidade anatómica inerente.
O traumatismo torácico pode conduzir a uma total alteração e compromisso do processo fisiológico
respiratório normal; a dor resultante destas lesões pode alterar a capacidade do doente ventilar
eficazmente, conduzindo a uma ventilação ineficaz. O edema alveolar e intersticial resultante da
hemorragia e laceração pulmonar, altera a difusão dos gases respiratórios e consequentemente
conduz a alterações na relação ventilação/perfusão.
As lesões cardíacas e de grandes vasos torácicos reduzem o sangue circulante, provocando uma
circulação ineficaz por hemorragia, hipovolémia e consequentemente, choque.

AVALIAÇÃO INICIAL DO DOENTE COM TRAUMA TORÁCICO


A abordagem rigorosa destes doentes exige ao enfermeiro a avaliação de um conjunto de aspetos
fundamentais que irão nortear a sua prática. Assim é fundamental que tenha conhecimento do
mecanismo de lesão (história do acidente), os sinais e sintomas presentes e proceda a uma
avaliação física sistematizada tendo em conta os aspetos seguintes:

Inspeção: movimentos torácicos (amplitude), simetria torácica, padrão respiratório, lesões


na parede torácica, posição da traqueia, frequência respiratória.
Palpação do tórax e pescoço: pontos dolorosos, crepitação óssea, enfisema subcutâneo
Percussão: verificar a existência de macicez ou hiperressonância na percussão do tórax.
Auscultação: avaliar o murmúrio vesicular

76
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

FRACTURAS DE COSTELAS E DO ESTERNO


São as lesões mais frequentes do tórax, sendo o trauma direto e a compressão do tórax as
etiologias mais comuns.
A localização mais comum destas fraturas é a face lateral, da 3ª à 8ª costela, pelas suas
características longas, finas e pouco protegidas, enquanto a 1ª e 2ª costela, são curtas, altas e
grossas, protegidas pela musculatura da parte superior do tórax, omoplata e clavícula. Quando se
verifica fratura do 1º arco costal associada com fraturas do 2º e/ou 3º arcos, deve-se suspeitar de
lesão esofágica e traqueal. Lesões das três primeiras costelas indicam maior incidência de lesão da
coluna cervico-dorsal, as fraturas inferiores à esquerda podem estar associadas com lesão
esplénica e à direita com lesões hepáticas. As fraturas do esterno surgem associadas a uma lesão
fechada (embate do tórax no volante) com possível lesão cardíaca e grandes vasos.
Lesões associadas a estas fraturas incluem a contusão pulmonar, laceração de artéria e/ou veias
intercostais, provocando hemotórax e pneumotórax.

Sinais e Sintomas:
 Dor na inspiração e à palpação, o que provoca restrição na ventilação e consequente estase
brônquica. As atelectasias e pneumonias podem complicar o prognóstico, essencialmente em
doentes com doença pulmonar pré-existente.
 Dispneia
 Dor
 Crepitação óssea ou deformação
 Equimose da parede torácica ou contusão esternal

Atuação
A atuação nestas situações implica fundamentalmente o controle da dor com analgesia adequada,
cinesiterapia respiratória, hidratação e a administração de fluidificantes que visam prevenir a estase
de secreções.

VOLLET COSTAL
Surge quando um segmento da parede torácica deixa de estar solidário com o resto da grelha
costal, em consequência de fraturas de costelas em múltiplos pontos. Este segmento vai sofrer um
movimento paradoxal relativamente à restante caixa torácica (retração na inspiração e movimento
contrário na expiração). O movimento torácico é assimétrico e descoordenado (Figura 1). Geralmente
são posteriores ou laterais, com risco de perfuração pulmonar. A hipóxia surge associada à dor, à
restrição dos movimentos respiratórios e à lesão do parênquima pulmonar.
Sinais e sintomas:
 Dispneia
 Dor torácica
 Movimentos paradoxais da parede torácica

77
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Atuação
A prioridade é otimizar a ventilação e oxigenação do doente, nos casos mais graves pode estar
indicada a entubação e ventilação artificial. A administração de analgésicos para controlo da dor deve
ser outra prioridade.

Figura 19-Movimentos inspiratórios e expiratórios no vollet costal

PNEUMOTÓRAX

Esta lesão resulta da entrada de ar para o espaço pleural, com consequente perda de pressão
intrapleural negativa, restringindo o parênquima pulmonar e prejudicando a dinâmica respiratória.
Um pneumotórax aberto caracteriza-se pelo contacto do espaço pleural com o meio ambiente,
levando a uma equivalência entre a pressão atmosférica e intratorácica, o que em última instância
provoca colapso pulmonar homolateral, com consequente alteração da ventilação e hipóxia. Pode
surgir em consequência de lesões abertas da parede torácica, frequentemente resultado de
ferimentos por arma de fogo ou arma branca, objetos empalados, quedas e acidentes de viação.

Sinais e Sintomas:
 Dispneia
 Taquipneia
 Taquicardia
 Hiperressonância no lado afetado
 Diminuição ou ausência de sons respiratórios no lado afetado
 Dor Torácica

78
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Abordagem do Doente com Pneumotórax


Assegurar uma via aérea permeável e uma ventilação eficaz.
Selar imediatamente a ferida realizando um penso oclusivo que permita um fluxo unidireccional,
esse penso deve ser suficientemente grande para cobrir completamente a ferida e permitir a sua
fixação em todo o perímetro, excepto num dos lados, produzindo um efeito de válvula; desse modo,
na expiração ocorre saída de ar que é impedido de entrar na inspiração (figura 20), evitando um
pneumotórax hipertensivo.
Drenar rapidamente o pneumotórax colocando um dreno no 5º espaço intercostal, na linha axilar
média. Preparar material para entubação endotraqueal ou via aérea cirúrgica, caso necessário.

Figura 20- penso em janela

PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO
Lesão grave que coloca em risco imediato a vida do doente. Resulta da entrada de ar para o espaço
pleural através de uma solução de continuidade da parede torácica ou do próprio pulmão, em que o
mecanismo valvular permite a entrada desse ar na inspiração mas impede a saída do espaço
pleural durante a expiração. O pulmão do lado da lesão sofre um aumento da pressão intratorácica
ficando colapsado, provocando desvio do mediastino que comprime o coração, os grandes vasos, a
traqueia e o pulmão não lesado. Desta situação surgem duas complicações: a ventilação torna-se
progressivamente mais difícil, surgindo hipóxia e diminuição do retorno venoso, que resulta em
diminuição total do débito cardíaco e choque.
As causas mais comuns são a ventilação artificial com pressão expiratória final positiva (PEEP),
lesões traumáticas da parede torácica, inserção de catéteres na veia subclávia ou jugular interna.
De salientar que o diagnóstico desta situação é clínico, pelo que não se deverá atrasar para
confirmação radiológica.

Sinais e sintomas:
 Dispneia
 Cianose

79
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Taquicardia
 Hipotensão
 Enfisema subcutâneo
 Ausência de sons respiratórios no pulmão afetado
 Desvio contralateral da traqueia (sinal tardio e de mau prognóstico)
 Distensão das veias jugulares (sinal de aumento da pressão intratorácica)
 Hiperressonância à percussão do hemitórax em causa

Atuação
O diagnóstico de um pneumotórax hipertensivo exige a descompressão imediata do espaço pleural,
através da introdução de um catéter com seringa em aspiração ao nível do 2º espaço intercostal na
linha médio-clavicular, do hemitórax afectado; o tratamento definitivo consiste na inserção de um
dreno torácico no 5º espaço intercostal, anterior à linha axilar média. Deve ser reavaliada a
estabilidade do doente, monitorizando sinais vitais.

Figura 21- Descompressão de pneumotórax hipertensivo


HEMOTORAX MACIÇO
Resulta da rápida acumulação de sangue no espaço pleural, por lesão vascular ou cardíaca; o espaço
pleural pode acumular cerca de 2500 a 3000 ml de sangue; à medida que este deixa o espaço
cardiovascular e entra no espaço pleural, ocorre hipotensão. As etiologias mais frequentes são: a
lesão da artéria intercostal, laceração do parênquima pulmonar e lesão cardíaca. No trauma
penetrante, frequentemente surge pneumotórax associado ao hemotórax (hemopneumotórax).

Fig. 5.19
Figura 22- Acumulação de sangue no espaço pleural

80
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Sinais e sintomas:
Os sintomas do hemotórax estão relacionados essencialmente com a hipovolémia e em menor
extensão com o colapso pulmonar. Os sintomas estão associados com o compromisso respiratório
e circulatório que decorre com o evoluir da situação.
 Dispneia
 Diminuição do murmúrio vesicular com hiporessonância
 Diminuição da expansão torácica no hemitórax afectado
 Ausência de sons respiratórios no lado do hemotórax
 Macicez à percussão no lado afetado
 Desvio da traqueia para o lado contralateral
 Hipotensão

Atuação
Assegurar uma via aérea permeável e uma ventilação eficaz.
Efetuar toracotomia no 5º espaço intercostal na linha média clavicular.
Vigiar volume das drenagens e repor volémia se necessário.
Monitorização contínua e avaliação da estabilidade hemodinâmica do doente.

CONTUSÃO PULMONAR
É uma lesão pulmonar que origina hemorragia intersticial e alveolar. A quantidade de fluído intersticial
aumenta no espaço entre as paredes dos capilares e alvéolos, provocando uma diminuição do
transporte de oxigénio pelas membranas espessadas. A hemorragia nos alvéolos impede a
oxigenação da zona afectada. Podem ocorrer como resultado de impacto direto, de forças de
desaceleração, ou resultado de um ferimento penetrante. O grau de insuficiência respiratória depende
de vários aspetos, entre os quais, a dimensão da contusão, da gravidade da lesão da membrana
alvéolo-capilar e do desenvolvimento de atelectasias.
Sinais e sintomas:
 Dispneia
 Hipóxia
 Ferimentos na caixa torácica
 Dor torácica

Atuação
Como em outras condições traumáticas envolvendo a estrutura pulmonar, é fundamental assegurar
uma ventilação adequada e a vigilância da estabilidade hemodinâmica do doente.

81
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

RUPTURA DIAFRAGMÁTICA
O aumento de pressão intra-abdominal resultante de forças externas, como armas de fogo, ou
forças de aceleração ou desaceleração, podem ser suficientes para provocar rutura do diafragma e
permitir herniação do conteúdo abdominal para a cavidade torácica. Nas lesões fechadas, o ramo
esquerdo do diafragma é mais afetado que o direito devido à proteção pelo fígado.
O espaço ocupado por estes órgãos restringe a expansão pulmonar e a ventilação. Qualquer
ferimento penetrante anterior que ocorra abaixo da linha mamilar, pode ter como consequência a
laceração do diafragma.

Sinais e sintomas:
 Dispneia
 Queixas abdominais
 Murmúrio vesicular diminuído no hemitórax lesado
 Ruídos hidroaéreos a nível médio e inferior do tórax
 Abdómen com aparência escavada ou vazia, quando uma quantidade considerável de conteúdo
abdominal se desloca para o tórax

LESÃO TRAQUEOBRÔNQUICA
Estas estruturas anatómicas podem sofrer lesão em casos de trauma penetrante ou fechado (forças
de aceleração ou desaceleração). A maioria das feridas penetrantes na traqueia e brônquios (75%)
ocorrem na traqueia proximal. Esta lesão permite a rápida passagem de ar para o espaço pleural,
provocando um pneumotórax hipertensivo por vezes refractário à descompressão. O diagnóstico é
obtido essencialmente pela história clínica e pelo tipo de trauma.

Sinais e sintomas:
 Dispneia
 Taquipneia
 Sons respiratórios diminuídos ou ausentes
 Enfisema subcutâneo na face, pescoço e área supraesternal.
 Hemoptises
 O pneumotórax hipertensivo é uma complicação frequente

Actuação
Assegurar uma ventilação adequada, preparar broncofibroscopia e intervenção cirúrgica.

82
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

CONTUSÃO CARDÍACA
Este tipo de lesão ocorre em traumatismos fechados (colisões frontais), sendo a mais comum a
contusão miocárdica, derivada da compressão cardíaca entre o esterno e a coluna. Os ventrículos
podem ser comprimidos de tal forma, ao ponto de causar destruição celular, ruptura da própria parede
cardíaca ou danos valvulares. Pela localização subesternal, o ventrículo direito sofre lesões mais
frequentes.
Normalmente o doente refere desconforto e toracalgias, podem observar-se deformidades na caixa
torácica, palpitações e dor à palpação. A lesão do sistema de condução eléctrico cardíaco pode ter
representação por várias arritmias (taquicardia sinusal, extrassístoles ventriculares, fibrilhação
auricular). A lesão da parede muscular manifesta-se pela elevação do segmento ST. A ruptura
valvular, manifesta-se através de sinais de falência cardíaca e murmúrio cardíaco elevado.
O diagnóstico é efectuado pela forte dor torácica, pelo ecocardiograma, doseamento de enzimas
cardíacas e ECG.
O tratamento em doentes com contusão cardíaca inclui a administração de oxigénio,
monitorização cardíaca , repouso e analgesia.

TAMPONAMENTO CARDÍACO
Este tipo de traumatismo cardíaco resulta da acumulação de sangue no saco pericárdico, ocorre na
maioria das vezes em consequência de lesões penetrantes, embora possam surgir em
traumatismos fechados. À medida que o sangue passa para o espaço pericárdico, diminui a expansão
ventricular, pelo que o ventrículo não enche totalmente, diminuindo o débito cardíaco. A fisiopatologia
é semelhante à do choque hipovolémico, ocorre restrição do enchimento à direita, com consequente
restrição diastólica pela diminuição do retorno venoso e diminuição da pré-carga.

Figura 23- Compressão cardíaca entre o esterno e parede torácica posterior

Sinais e sintomas
 Dispneia
 Taquicardia

83
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Cianose das extremidades


 Distensão ou turgescência das jugulares
 Sinais de choque
 Diminuição progressiva da amplitude dos complexos do ECG
 Tríade de Beck`s (sinais clássicos de tamponamento):
- Hipotensão;
- Hipofonese cardíaca;
- Aumento da pressão venosa central

Actuação
Monitorização contínua do doente.
Corrigir choque hipovolémico através da administração fluidoterapia.
Preparar pericardiocentese (remoção do sangue do pericárdio).
Correcção cirúrgica da lesão inicial.

LESÕES AÓRTICAS
Podem ocorrer em consequência de um traumatismo fechado (forças de desaceleração) ou
penetrante. O mecanismo de lesão está associado a diversas forças de tração, compressão da
aorta na coluna vertebral e ao aumento de pressão dentro do vaso durante o episódio de trauma.
Lesões da aorta ascendente são fatais e cerca de 80 a 90% dos doentes com lesões na aorta
descendente apresentam rutura da aorta e exsanguinação completa para o espaço pleural esquerdo
na primeira hora, resultando em morte antes da chegada ao hospital.
O diagnóstico é difícil, sendo necessária realização de estudo radiológico da aorta (tomografia axial
computorizada ou aortografia).
A isquémia da espinal medula provocada pela diminuição do fluxo sanguíneo da aorta para as
artérias vertebrais, pode originar alterações motoras e sensitivas graves (paraplegia).

Sinais e Sintomas
 Hipotensão
 Diminuição do estado de consciência
 Dor torácica
 Equimose na parede torácica
 Paraplegia
 Mediastino alargado no Rx
 Diminuição dos pulsos femorais relativamente ao das extremidades superiores

84
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Os doentes com trauma torácico representam uma situação de emergência com particular importância
devido ao potencial comprometimento das funções respiratória e circulatória e pela frequente
associação ao trauma multissistémico, exigindo da equipa de enfermagem, uma resposta rápida e
sistematizada. Desta forma, os cuidados de enfermagem serão orientados pelo conhecimento das
circunstâncias do acidente e um exame físico completo e rigoroso. A doente é frequentemente um
politraumatizado e a prioridade das intervenções deve ter em conta a mortalidade das diferentes
lesões.

85
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 7

TRAUMATISMO ABDOMINAL

86
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

7 - TRAUMATISMO ABDOMINAL

OBJECTIVOS:
No final deste capítulo o formando deve ser capaz de:
 Identificar as diversas lesões abdominais com base nos sinais e sintomas presentes;
 Planear intervenções adequadas nos doentes com traumatismo abdominal
 Avaliar o resultado das intervenções de enfermagem nos doentes com traumatismo
abdominal.

Denomina-se traumatismo abdominal, quando este compartimento orgânico sofre a acção violenta de
agentes que produzem lesões de diferente magnitude e gravidade nos órgãos que constituem a
cavidade abdominal, quer sejam da parede, do conteúdo ou de ambos.

As lesões abdominais são mais frequentes nos doentes que sofrem um grande traumatismo, têm
habitualmente uma alta mortalidade (13 a 15%), e é comum que lesões abdominais não
identificadas sejam causa de morte. Os traumatismos abdominais podem causar hemorragias
graves e levar ao choque hipovolémico, sendo das poucas situações em que deve efetuar o transporte
antes de estabilizar o doente, instituindo apenas medidas básicas, pois só uma intervenção cirúrgica
emergente o pode salvar.

Os acidentes de viação são a causa mais frequente de traumatismo abdominal fechado enquanto
que os acidentes por armas de fogo e agressões por arma branca são as causas mais comuns de
traumatismo abdominal penetrante.

O abdómen é bastante vulnerável a lesões em virtude dos órgãos nele alojados não terem qualquer
proteção óssea. A gravidade do traumatismo abdominal é determinada pela lesão de órgãos ou
estruturas vitais e pela alta probabilidade de coexistirem outros traumatismos associados.

A suspeita de lesão abdominal deve basear-se no mecanismo de trauma e em sinais externos como
equimoses e marcas de colisão. As manifestações do traumatismo abdominal podem por vezes ser
muito ténues passando despercebidas e ocorrerem perdas hemáticas significativas sem grande
evidência. A cavidade abdominal pode conter até 1,5 litros de líquido sem sinais de distensão.
Desconforto abdominal, vários tipos de dor, rigidez ou distensão abdominal e a ausência de ruídos
intestinais podem ser sintomas de lesão abdominal. Dor, rigidez, espasmo e defesa involuntária são
os sinais clássicos de lesão abdominal. A avaliação é ainda mais difícil nos doentes inconscientes
ou com traumatismo cranioencefálico.

Lesões do fígado (35 a 45%) e baço 40 a 55%) são as mais frequentes e por serem muito
vascularizados podem levar a hematomas, lacerações ou a rápidas perdas de sangue do parênquima
ou das suas estruturas vasculares.

Lesões de vísceras ocas podem resultar de traumatismos abdominais abertos ou fechados. O


intestino delgado é o órgão oco mais frequentemente atingido.

87
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Lesões renais não levam habitualmente a hipovolémia e encontram-se muitas vezes associadas a
fratura de costelas posteriores e a traumatismo da coluna lombar.

AVALIAÇÃO

História

Pormenores do acidente fornecidos pelo doente e pela equipa que o assistiu podem dar informações
importantes sobre o momento e o mecanismo da lesão, a avaliação inicial e a resposta ao
tratamento iniciado.

Exame físico

 Inspeção. O doente assim que possível deve ser despido para se poder inspecionar as faces
anterior e posterior do abdómen em busca de ferimentos, escoriações, contusões, lacerações
ou ferimentos penetrantes. Efetuar o rolamento para o exame da região posterior.
 Auscultação. O abdómen deve ser auscultado nos quatro quadrantes para avaliação dos ruídos
hidroaéreos. A ausência de sons associada a defesa e distensão abdominal são fortes
indicadores de lesão. O tórax também deve ser auscultado procurando sons intestinais, já que
se estes forem ouvidos deve-se suspeitar de rutura diafragmática e/ou herniação de víscera
oca para a cavidade torácica.
 Palpação. Deve ser iniciada pela área onde o doente ainda não se queixou com dor e deve
estender-se aos quatro quadrantes. Permite obter informações sobre a localização, tipo e
intensidade da dor. Dor bem caracterizada à descompressão súbita é sinal inequívoco de irritação
peritoneal. A dor bem como todas as suas características é dos sintomas mais importantes para
a realização de um diagnóstico correto. No caso da existência de objeto empalado o abdómen
não deve ser palpado pelo risco de provocar mais laceração e afundar mais a ponta do objeto.

A instabilidade pélvica está habitualmente associada a fraturas da bacia que geralmente se fazem
acompanhar de hemorragia intensa.

 Toque rectal, toque vaginal e exame do pénis são outros procedimentos específicos que
poderão ser realizados.

PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS

 Radiografia simples do abdómen.


 Tomografia Axial Computorizada do abdómen. Apenas em doentes hemodinamicamente
estáveis.
 Lavagem peritoneal, diagnóstica - Usado para detetar rapidamente se existe sangue na cavidade
abdominal especialmente em doentes gravemente feridos, hipotensos e com sugestão de lesão
abdominal. Tem uma precisão de 98%. Só deve ser realizada após introdução de uma sonda
gástrica e de sonda vesical.

88
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

ATUAÇÃO ESPECIFICA

Por serem doentes potencialmente instáveis requerem uma avaliação e monitorização


permanente.

Realizar o ABCDE descrito no protocolo do politraumatizado, a única que é possível realizar


em muitos casos, já que gravidade da situação não permite passar à avaliação secundária;
Monitorizar o estado cardiovascular;
Puncionar duas veias com cateteres 14-16 Gauge e infundir cristalóides e/ou colóides;
Administrar oxigénio em alto débito para manter uma PaO2 elevada;
Sendo a hipotermia uma causa importante de mortalidade e morbilidade nos doentes com
traumatismo abdominal, impõe-se que sejam instituídas medidas para a evitar;
Algaliar. Em caso de suspeita de lesão da uretra a algaliação está contraindicada.
Monitorizar a eliminação vesical;
Colocação de sonda gástrica e esvaziar o conteúdo gástrico;
Cobrir o conteúdo abdominal com compressas húmidas em caso de evisceração;
Estabilizar objetos empalados;
Administrar analgesia e antibioterapia;
Imobilizar e transportar rapidamente o doente para um centro cirúrgico;
Preparar o doente para intervenção cirúrgica;
Não esquecer o apoio psicológico ao doente e família.

89
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 8

TRAUMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO

90
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

8 - TRAUMA MÚSCULO-ESQUELÉTICO

OBJECTIVOS:
No final deste capítulo o formando deve:
 Identificar as diversas lesões músculo-esqueléticas com base nos sinais e sintomas
presentes;
 Planear intervenções adequadas nos doentes com trauma músculo-esquelético
 Avaliar o resultado das intervenções de enfermagem nos doentes com trauma músculo-
esquelético.

Mais de metade das admissões hospitalares por trauma são doentes com algum tipo de fratura,
geralmente a nível dos membros inferiores.
Das lesões em passageiros envolvidos em colisões de veículos, não fatais 46% apresentam fraturas
pélvicas e 41% fraturas do fémur; os condutores apresentam 65% de fraturas do fémur, 46% da bacia
e 39% dos tornozelos.
O trauma músculo-esquelético pode ser causado por uma lesão ou combinação de lesões.
Estas lesões podem resultar da aplicação de forças de aceleração e/ou desaceleração. As lesões
ósseas resultam de forças de tensão, compressão, flexão ou torção.

TIPOS DE LESÃO
As lesões podem ser fechadas ou penetrantes e envolver tecidos moles, osso, músculos, nervos e/ou
vasos sanguíneos.
Lesões das extremidades ósseas podem estar associadas a lesões dos nervos, artérias, veias ou
tecidos moles.
As fracturas graves da bacia podem ter associadas lesões dos órgãos pélvicos e/ou grandes perdas
sanguíneas.

Perdas sanguíneas
Artérias, veias e capilares podem entrar em rotura em todos os tipos de lesões músculo esqueléticas.
Devido à disrupção das mesmas próximas dos ossos, uma fratura do fémur pode causar a perda de
1500ml de sangue, uma tíbia ou um úmero pode perder mais de 750ml, logo fraturas múltiplas podem
significar risco de choque hipovolémico.
As perdas nas fraturas pélvicas dependem em muito do mecanismo de lesão, tipo de fratura, vasos
danificados ou a existência de outras lesões intra abdominais.

91
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

A tabela seguinte mostra as perdas sanguíneas previsíveis relacionadas com o tipo de fratura.

FRACTURAS PERDAS SANGUINEAS


Bacia Instável 2000 a 5000ml
Fémur 1000 a 1500ml
Ossos da perna 500 a 1000ml
Ossos do antebraço Cerca de 250ml
Tabela 6 – estimativa de perdas sanguíneas relacionadas com as fracturas
É importante relembrar que normalmente as fraturas expostas sangram mais e quanto maior a
massa muscular envolvida maior a hemorragia.

LESÕES MUSCULO-ESQUELÉTICAS SELECCIONADAS

FRACTURAS PÉLVICAS
As fraturas da bacia podem ser estáveis (conseguem suster as forças fisiológicas normais sem
deformação) e instáveis (quando o anel pélvico é fraturado em mais do que um local resultando em
duas luxações do anel, o deslocamento rotativo está sempre presente).
Estas fraturas estão normalmente associadas a uma elevada morbilidade e mortalidade, pois
geralmente são acompanhadas de grandes perdas sanguíneas e de lesão do aparelho genito-
urinário. A vascularidade dos ossos pélvicos e a proximidade dos vasos pélvicos justificam as
perdas sanguíneas abundantes.
São necessárias grandes forças para fraturar a cintura pélvica, por isso é comum a verificação
concomitante de lesões crânio encefálicas, torácicas e abdominais.
As fraturas de compressão Antero posterior e lateral causam hemorragia significativa.
Deve-se suspeitar de fracturas pélvicas sempre que existe traumatismo do tronco ou queda de
altura elevada.
A presença de dor, crepitação óssea (esta deve ser pesquisada UMA ÚNICA VEZ), ou instabilidade
pélvica na palpação sugerem fratura. A suspeita aumenta quando se verifica a existência de
hematoma no ligamento inguinal ou períneo.
A hipotensão pode justificar-se por lesões torácicas e abdominais, ou ser secundária a uma perda
aguda devido à rotura dos ossos ou dos vasos pélvicos.

Atuação em doentes com fraturas pélvicas


Em doentes com suspeita de fratura da bacia ter em atenção ao “C”da abordagem inicial com controlo
de hemorragia e reposição de volémia para promover a estabilidade hemodinâmica.
Os poli traumatizados com suspeita de fratura da bacia devem ser imobilizados em maca coquille.
Não se deve realizar cateterismo vesical, sem despistar lesões do aparelho génito urinário.

92
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

FRACTURAS DO FÉMUR
As fraturas do fémur resultam de grandes traumas, como quedas, colisões de veículos motorizados.
As fraturas fechadas podem levar a perdas sanguíneas na ordem dos 1000 a 1500ml que se
acumulam na coxa.
Estes doentes apresentam:
 Dor e incapacidade de suster o peso
 Encurtamento da perna afectada
 Rotação interna ou externa, dependendo da localização da fratura
 Edema e deformação da coxa

FRACTURAS ABERTAS/EXPOSTAS
Estas fraturas são aquelas em que é interrompida a integridade cutânea, sobre o local de fratura. São
sempre consideradas contaminadas devido aos corpos estranhos e bactérias que podem entrar pela
ferida.
Pode verificar-se:
 Interrupção da pele sobre a fratura
 Protusão do osso através da ferida aberta
 Dor
 Compromisso neurovascular
 Hemorragia, que pode ser mínima ou grave

Lesões articulares
Uma articulação pode deslocar-se quando a amplitude de movimento normal é excedida. As
luxações articulares podem complicar-se por compromisso neurovascular e fraturas associadas.
Os doentes com fraturas e luxações articulares podem apresentar:
 Dor, edema e deformação articular
 Incapacidade de mover a articulação afectada
 Amplitude de movimentos anormal
 Compromisso neurovascular (os pulsos podem estar diminuídos ou ausentes e a função
sensitiva pode estar afectada)
Atuação em doentes com fraturas
Aquando da abordagem do doente com fratura deve-se proceder à avaliação e palpação de forma
a:

93
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Observar a aparência geral da extremidade afectada, verificar cor, posição e diferenças


obvias entre a extremidade lesionada e a não lesionada;
Avaliar protusões ósseas, lesões da pele, hemorragias;
Identificar danos nos tecidos moles, edema, equimoses, contusões, abrasões, esfacelos e
lacerações;
Pesquisar deformações e/ou angulações da extremidade;
Avaliar o estado neurovascular da extremidade lesionada pesquisando:
Dor – palpar cuidadosamente a extensão total de cada membro, determinar a
localização e tipo de dor.
Palidez – avaliar a coloração e temperatura (a palidez e extremidade fria indicam
compromisso vascular).
Pulsos – palpar os pulsos próximal e distal à lesão e comparar com a qualidade
dos mesmos na extremidade não lesada.
Parestesias e paralisias – determinar a presença de sensações de queimaduras
e/ou adormecimento e a capacidade de movimento da extremidade afectada.

Todos os dados verificados devem ser registados e transmitidos a quem vai efetuar o tratamento
definitivo das fraturas encontradas.

A redução imediata da deformação provocada pela fratura com tração, alinhamento e imobilização
com talas até ao tratamento definitivo está indicada para:
 Aliviar a dor;
 Aliviar a tensão exercida sobre as estruturas neurovasculares;
 Minimizar o risco de conversão de uma fratura fechada em aberta, que pode acontecer
quando um fragmento ósseo sem imobilização se introduz na pele subjacente;
 Restaurar a circulação numa parte distal sem pulso.
Nos ossos longos imobilizar sempre a articulação acima e abaixo da fractura e nas lesões articulares
imobilizar sempre o osso longo acima e abaixo da articulação.
Após a imobilização das fraturas deve reavaliar-se o estado neurovascular da extremidade.
Estes doentes devem ser analgesiados, pois como já foi referido anteriormente a dor é um fator de
instabilidade hemodinâmica.
Relativamente às fraturas expostas, deve-se fazer o alinhamento possível para proceder à
imobilização, após uma lavagem abundante com soro fisiológico e coberta a ferida com um penso
estéril e seco.
A desinfeção das mesmas é feita normalmente em ambiente de bloco operatório.

94
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

AMPUTAÇÕES
O axioma de “salvar a vida acima do membro” deve estar presente para quem trata de doentes com
amputações dos membros. No entanto, se possível, ter todos os cuidados para manter a viabilidade
de uma implantação.
Amputações do tipo guilhotina têm mais hipóteses de se reimplantarem com sucesso do que
amputações por arrancamento ou esfacelos. No entanto essa decisão cabe ao cirurgião que realiza
este procedimento.
As amputações completas sangram menos que as parciais devido à retração das artérias, mas as
amputações completas por esfacelo podem causar hemorragias muito abundantes.

Atuação no doente com hemorragia por amputação traumática


Controlar qualquer hemorragia activa com pensos compressivos e elevação do coto;
Evitar a utilização de garrotes;
Manter a parte amputada fria e envolta em compressas humedecidas em solução salina e
colocá-la num saco de plástico fechado, finalmente colocar este saco num recipiente com
gelo esmagado de forma a não permitir que congele;
Preparar a transferência do doente e parte amputada para o hospital de referência.

SINDROME COMPARTIMENTAL
O Síndrome Compartimental ocorre quando a pressão aumenta dentro do compartimento fascial,
resultando na alteração do fluxo sanguíneo capilar e isquémia celular.
Embora este síndrome possa desenvolver-se em qualquer compartimento fascial, ocorre
principalmente nos músculos inferiores da perna e antebraço.
A pressão aumentada pode ter causa interna, como uma hemorragia ou edema provocados nas
lesões por fraturas e esmagamentos. As causas externas estão essencialmente relacionadas com
tração e imobilização, compressão excessivas com compromisso de vasos sanguíneos, músculos e
nervos.
Este síndrome pode resultar em isquémia prolongada levando a que o doente apresente:
 Membro doloroso e sem função;
 Dor desproporcional à lesão devido ao aumento de pressão nos tecidos e isquémia;
 Défice sensitivo (adormecimento, parestesias ou perda total de sensibilidade);
 Astenia muscular progressiva;
 Área tensa e edemaciada;
 Pressões elevadas no compartimento muscular (a pressão normal é> 10 mmhg, uma leitura>
35 a 45 mmhg é sugestiva de anóxia dos músculos e nervos);
 Perda de pulso (sinal tardio).

95
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Atuação no doente com síndrome compartimental


Monitorizar o doente vigiando ativamente a frequência e eficácia respiratória (taquipneia,
estridor e sibilos podem ser um indicador de embolia gorda);
Elevar o membro para promover o retorno venoso e prevenir o edema;
Reavaliar e registar com frequência, o estado neurovascular;
A fasciotomia está indicada para prevenir danos musculares, neurovasculares e a perda do
membro, mas normalmente exige alguém experiente para ser realizada.

96
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 9

TRAUMA DO QUEIMADO

97
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

9- TRAUMA DO QUEIMADO

As pessoas vítimas de queimaduras passam por dramas terríveis, que começam com o evento inicial,
passando pelas sucessivas hospitalizações e longos períodos de reabilitação, até terem que lidar com
as alterações na imagem corporal, alterações da auto-estima e sobrecargas de ordem financeira.
A incidência de queimaduras graves e consequente hospitalização baixou 50% nas passadas 2
décadas, o que reflete mudanças sociais tais como uma melhor educação, progressos na tecnologia
médica, legislação e medidas de segurança. Apesar disso, as queimaduras representam a terceira
maior causa de morte em crianças e a segunda no período dos 1-4 anos.
No total, as queimaduras ocupam o 5 º lugar de mortes acidentais, a maioria por incêndios em casa
e pela inalação de substâncias tóxicas.
O uso descuidado de materiais inflamáveis é um fator comum, em incêndios domésticos fatais, sendo
que mais de 40% das mortes nesses fogos estão relacionadas com o consumo de álcool ou drogas.
As queimaduras por escaldão são mais frequentes em idades <5 anos ou> 65. As pessoas com
queimaduras por líquidos quentes geralmente recorrem muito ao hospital, mas felizmente, poucas
são mortais. Água a 65,5º pode causar uma queimadura num segundo.
A idade também é significativa para pessoas em que as queimaduras provocam a combustão das
roupas, sendo que 75% das pessoas que morrem nestas circunstâncias têm mais de 65 anos, estando
estas queimaduras relacionadas com fumadores, aquecedores/fogões e lareiras.
Queimaduras por contacto elétrico são mais frequentes nas idades entre os 10 e os 19 anos, e
maioritariamente nos homens; podem ocorrer por relâmpagos (principalmente no verão e em
trabalhos ao ar livre), que variam de frequência mediante a área geográfica.
Estas lesões acarretam grandes custos quer pela hospitalização, quer pela perda de anos de
produtividade. A principal causa de morte de envolvimentos em fogos continua a ser derivada à
inalação de substâncias tóxicas.
As queimaduras que lesam a Pele podem resultar na perda de uma ou mais das suas funções,
nomeadamente afetar a dinâmica capilar dos fluidos.

Dinâmica capilar e dos fluidos


Os fluidos corporais são formados por água, eletrólitos, proteínas, e outras substâncias de
compartimentos intra e extra-celulares. Como existem eletrólitos e outras substâncias dissolvidas na
água do corpo, os compartimentos dos fluidos apresentam propriedades quer químicas, quer elétricas,
O tamanho de todas as células é controlado pelo movimento da água entre os compartimentos. Como
a água está em movimento, a pressão gerada é denominada pressão osmótica. A actividade
osmótica resultante é por causa do número (não do tamanho), de partículas não-difundíveis.

98
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Há 4 forças que contribuem para o movimento fluído através da membrana semipermeável:


• Pressão hidrostática ou capilar – Arterial: até 3OmmHg; venosa: até l0mmHg. A sua função é
forçar os fluídos a saírem dos capilares na terminação arterial. Como a pressão hidrostática é maior
ao nível da terminação capilar arterial do que na terminação venosa, o fluído pode sair na
terminação arterial. Na terminação venosa do capilar, a pressão hidrostática é mais baixa.
• Pressão osmótica de plasma coloide – 28mmHg; puxa os fluidos para dentro do capilar na
terminação venosa. A pressão osmótica coloide do capilar é a pressão dominante que puxa o fluído
de volta para dentro do capilar na terminação venosa. As Proteínas, as únicas partículas dissolvidas
no plasma que não passam pelos poros das membranas semi-permeáveis das células, são
responsáveis por gerarem a pressão osmótica coloide capilar.
• Pressão de fluído intersticial livre – ligeiramente menor que a atmosférica (-3 a-5), mas pode
ser positiva. Sua função é puxar os fluidos para fora do capilar (quando a pressão de fluído intersticial
livre é negativa) ou forçá-los a entrar no capilar (se a pressão de fluído intersticial livre for positiva).
• Pressão osmótica de fluído intersticial – é de 8 mmHg e serve para puxar o fluído para fora do
capilar.
Qualquer rutura da integridade da membrana capilar levará a uma redução na pressão osmótica
capilar e à perda da água intra capilar no interstício.

Mecanismos de lesão e biomecânica


Os agentes causadores das queimaduras são:
 Energia térmica
 Energia química
 Electricidade
 Radiação ultravioleta
 Radiação ionizante

Os mecanismos mais comuns de queimaduras térmicas são os eventos que geram calor ou
chamas. Estas queimaduras são causadas por chamas, relâmpagos, escaldões e pelo contacto com
outras substâncias, objetos e químicos.
O mecanismo de lesão pulmonar relaciona-se com a inalação de calor, combustão de materiais
sintéticos ou naturais, derivados da combustão. À medida que o O2 vai sendo consumido, o nível de
CO2 sobe e com ele, a temperatura.

Outras lesões concorrentes


As queimaduras são lesões provocadas pela acção de energia térmica, electricidade, substâncias
químicas ou radiações. Embora as queimaduras atinjam principalmente a pele, as suas
repercussões acabam por ser sistémicas, com profundas alterações de todos os órgãos e sistemas.

99
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

As potenciais lesões pulmonares exigem imediata avaliação e intervenção. As lesões por inalação
geralmente aumentam a mortalidade nos queimados. Outras lesões podem resultar de forças
explosivas, ou de saltos na busca de segurança. Podem ocorrer fraturas, lesões cranianas,
abdominais e/ou torácicas.
Alguns dos efeitos sistémicos mais importantes incluem alterações cardiovasculares,
hematológicas, imunológicas, hormonais e metabólicas.
A gravidade das queimaduras é muito variável, com o prognóstico a depender essencialmente da
extensão e profundidade das queimaduras, atingimento da via aérea, lesões associadas, idade do
queimado, patologia prévia e existência de falência aguda de órgãos ou sistemas.

ANATOMO-FISIOLOGIA COMO BASE DOS SINAIS E SINTOMAS

Lesões da pele e tecidos moles


O calor ou energia térmica que o corpo não consegue dissipar, pode queimar as camadas da pele e
das estruturas abaixo.
Queimaduras graves da pele apresentam zonas de lesão:
 Zonas de coagulação – as células afetadas formam uma área de coagulação no centro,
onde o tecido não é viável.

 Zona de estase – à volta da zona de coagulação, está a área onde ocorre a obstrução
capilar, a perfusão diminuída e o edema, 24-48 horas após a queimadura.

 Zona de hiperemia (fluxo de sangue aumentado) – esta área rodeia a zona de estase; o
fluxo aumentado é apenas uma das consequências da resposta inflamatória.
Muitos químicos vasoativos são libertados, como resultado do processo de lesão. O mais grave na
queimadura térmica é relacionado com o grau de problemas sistémicos, como a hipovolémia ou
falência cardíaca, renal e respiratória. Na presença de queimaduras graves da pele (20-30%),
podem ser antecipadas mudanças anatomo-fisiológicas sistémicas.

Perda de plasma e outras respostas vasculares


O queimado pode apresentar-se em choque devido às perdas de volume intravascular,
hipoperfusão tecidular ou lesões traumáticas associadas. Como resultado quer das lesões capilares
diretas, quer da libertação de substâncias vaso ativas, a semipermeabilidade dos capilares é
perdida, levando as proteínas e outras substâncias dissolvidas a deslocarem-se para fora dos
espaços intravasculares para dentro do interstício.
A hiperemia (fluxo sanguíneo aumentado) aumenta a pressão capilar nas terminações arteriais e
venosas dos capilares. A perda das proteínas diminui a pressão osmótica colóide capilar. Ambas
mudanças de pressão contribuem para a hipovolémia e edema. A formação de edema pós -
queimadura surge devido ao estado hiperosmolar do interstício, causada pela presença de Sódio e
detritos esmolares ativos das células e perdas proteicas.

100
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

A quantidade de fluidos perdidos do espaço intravascular depende da Idade, tamanho e profundidade


da queimadura, pressão intravascular, tempo decorrido desde a queimadura.
A resposta inflamatória do organismo leva à libertação de numerosas substâncias que contribuem
para o edema e consequências cardiovasculares.
A resposta anatomo-fisiológica à queimadura leva a mudanças no sistema vascular:
 Hemoconcentração do sangue manifestado por um hematócrito elevado.

 Aumento da viscosidade do sangue. Como a percentagem de glóbulos vermelhos é alta,


a fricção entre as células é maior; esta fricção influencia a capacidade das células em se
moverem. Logo, quanto maior a fricção, maior será a viscosidade e a resistência ao fluxo.

 Aumento da resistência periférica devido à viscosidade aumentada.


Embora a percentagem de glóbulos vermelhos seja maior, o número atual destas células é
diminuído devido a hemólise direta e à formação de trombos.

Hipoxemia/asfixia – O processo de combustão consome O2; logo, vítimas de fogo que estão em
espaços fechados, como uma casa ou um carro, inalam ar com uma concentração de oxigénio inferior
a 21%. Esta redução na fração de oxigénio inspirado leva à hipoxemia arterial. A asfixia ocorre quando
o sangue e tecidos têm diminuída a concentração de oxigénio e aumentada a concentração de dióxido
de carbono. A asfixia ou privação de oxigénio pode advir da falta de oxigénio no meio ambiente ou
pela inalação de substâncias tóxicas. A inalação de substâncias (geralmente monóxido de carbono)
é citada como a principal causa de morte em fogos domésticos.

INTOXICAÇÃO POR MONÓXIDO DE CARBONO

Este é um gás sem gosto, sem cheiro e sem cor, presente no fumo da combustão de substâncias
orgânicas, como a madeira, a gasolina e o carvão. É libertado quando o oxigénio disponível para a
combustão é consumido e ocorre uma combustão incompleta.
O CO quando inalado, atravessa a membrana alvéolo capilar e liga-se aos locais de fixação do
oxigénio nas moléculas de hemoglobina. Como tem maior afinidade e maior tendência para se ligar
à hemoglobina, que o oxigénio, ocupa as células e diminui a capacidade da hemoglobina para
transportar oxigénio.
O monóxido de carbono pode ainda afetar o músculo cardíaco ligando-se à mioglobina (pigmento
muscular transportador de O2), levando a alterações como hemorragias e necrose do músculo
cardíaco.
O oxigénio restante na molécula de hemoglobina não é logo libertado para os tecidos, por isso, a
hipoxia tecidular torna-se ainda mais séria para os doentes com antecedentes cardíacos ou
pulmonares.
A presença do monóxido de carbono na molécula de hemoglobina não afeta a pressão parcial de
oxigénio do doente (PaO2), mas afecta o conteúdo/capacidade do oxigénio (O2 combinado com

101
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

hemoglobina em solução física). O doente irá apresentar uma saturação de oxigénio abaixo do normal
(SaO2) evidenciado na gasimetria. O SpO2 obtido pelo oxímetro de pulso pode ser impreciso,
uma vez que não descrimina com precisão entre a oxi e a carboxihemoglobina. Uma vez que a PaO2
se mantém normal, os quimiorecetores não são estimulados a aumentar a ventilação, e o doente
mantém a hipoxia tecidular. Em fogos, a inalação de substância tóxicas não se limita ao monóxido de
carbono.
Lesão pulmonar
O fumo é a mistura de gases e matéria produzidos na decomposição e combustão de materiais
sintéticos. A composição do fumo depende de:
Substância que está arder.
Temperatura e quantidade que está sendo produzido.
Quantidade de oxigénio presente no meio em combustão.
À medida que a vítima o inala, o fumo e partículas de fuligem entram no aparelho respiratório. O
tamanho das partículas e a localização anatómica onde se depositam reflete-se na gravidade da lesão
pulmonar. Partículas maiores podem afetar as vias aéreas superiores, mas serão de alguma forma
filtradas e impedidas de entrar nas vias aéreas inferiores. Alguns gases quando inalados produzem
ácidos ou bases lesivos, causando edema das membranas com consequente formação de úlcera e
necrose. Outros gases destroem a membrana celular e interferem com a capacidade da célula em
usar o oxigénio. O vapor, que tem uma capacidade de transportar calor 4000 vezes superior ao ar
seco, quando inalado, pode danificar directamente as vias aéreas por dano térmico direto.
Obstrução da via aérea, atelectasias e diminuição da capacidade de limpeza ciliar, ocorrem devido à
acumulação de detritos e secreções. A inalação de fumo pode-se estender aos alvéolos, levando ao
edema e colapso. Para mais, pode haver perda do surfactante, que reveste a superfície interior dos
alvéolos e que reduz a tensão superficial. Sem o surfactante, o alvéolo colapsa e a dinâmica pulmonar
fica reduzida.
Os doentes com grave lesão térmica da pele com ou sem lesão inalatória têm como possíveis
sequelas o edema pulmonar, diminuição da dinâmica pulmonar, uma ventilação/perfusão
desenquadrada, um aumento da resistência da via aérea, traqueobronquite e pneumonia.

Hipermetabolismo
Um aumento na taxa metabólica após uma queimadura ou trauma grave relaciona-se com a
resposta do Sistema Nervoso Autónomo e consequente libertação de hormonas das supra-renais,
hipotálamo e glândula pituitária (hipófise), o que leva a um aumento da temperatura. O grau de
aumento da taxa metabólica está relacionado com a extensão da queimadura, percentagem de
superfície corporal queimada e grau de hiperemia. Outras influências da resposta do corpo à
queimadura e à taxa metabólica são:
• Idade.
• Temperatura ambiente.
• Dor.
• Ansiedade.

102
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

• Actividade do doente.
• Infecção (mais tarde).
O hipermetabolismo manifesta-se por:
 Taquipneia – devido em parte ao consumo elevado de O2.
 Taquicardia – pela resposta simpática.
 Sub-febril.

QUEIMADURAS
Causa (tipo) das queimaduras
1) Térmicas: Calor húmido, Calor seco, Transmissão de calor
2) Eléctricas: Contacto directo (Electrocussão), Arco voltaico (Flash elétrico)
3) Químicas: Pós, Líquidos
4) Por radiação: Raios ultravioletas, Raios x, Substâncias radioativas

QUEIMADURAS ELÉCTRICAS

Por exposição direta à corrente ou um relâmpago; causam diferentes tipos de lesões para além das
queimaduras pelo calor. Este tipo de queimaduras é dividido em categorias, segundo a exposição a
baixa ou alta voltagem. Exposições a alta voltagem, como cabos elétricos, podem envolver 1 milhão
de volts. A corrente alternada (AC) é mais perigosa que a corrente contínua ou direta. Isso ocorre
porque a AC pode causar tétano, pelo que a pessoa fica colada à fonte de energia, permanecendo
mais tempo exposta à corrente.

Na avaliação é importante determinar:


 A voltagem
 O tipo de corrente.
 Localização da fonte de corrente elétrica.
 Duração do contacto com a fonte elétrica.

Em queimaduras elétricas, é difícil descobrir a verdadeira extensão dos danos, uma vez que a
electricidade entra no corpo no ponto de contacto e atravessa pelos caminhos de menor resistência.
Este caminho pode atravessar estruturas internas e tecidos fundos antes de sair; a pele pode estar
intacta com exceção das feridas de entrada e de saída, enquanto que estruturas subjacentes podem
estar danificadas ao ponto de necrose.
A electricidade pode lesar qualquer tipo de tecido, dependendo da resistência desse tecido, da
intensidade (voltagem a dividir pela resistência) e tempo de contacto. A corrente elétrica segue o
103
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

caminho por alguns tecidos pela ordem da sua capacidade em conduzir a corrente; os nervos são a
primeira estrutura pela qual a corrente vai passar, seguindo-se os vasos sanguíneos, músculos,
pele, tendões, gordura e finalmente o osso. Mais importante que a resistência do tecido é a
densidade. Quanto menor a área em contacto com a electricidade, maior o dano para o tecido.
Lesões elétricas causam danos importantes nas extremidades e menos danos no tronco (torso) e
vísceras.
A lesão dos vasos e músculos é um aspeto importante das feridas por electricidade. Destruição
vascular, hemorragia e/ou trombos podem resultar dos danos dos vasos. A Hemoglobina pode ser
libertada e aparecer na urina. Se as fibras musculares estriadas forem destruídas (rabdomiólise),
então a mioglobina (pigmento proteico muscular que transporta o 02) pode ser libertada e excretada
na urina. Os danos musculares podem levar à formação de edema e consequente aumento das
pressões dos compartimentos.

Sinais e sintomas:
• 2 Feridas, de entrada e de saída.
• Alteração do estado de consciência.
• Disritmias cardíacas, incluindo fibrilhação auricular ou ventricular e assistolia.
• Possível mioglobinúria.

QUEIMADURAS QUÍMICAS

Ocorrem quando há contacto direto com agentes químicos cáusticos, como ácidos, bases e/ou
produtos à base de petróleo. Os químicos quebram a parede celular e destroem as proteínas
celulares. Químicos alcalinos são geralmente responsáveis pelas queimaduras mais sérias, uma
vez que os alcalinos penetram mais profundamente na área de contacto que os ácidos.
O dano para a pele, nas queimaduras químicas, é influenciado pelo tempo de contacto, e pela
concentração e quantidade de químico. Na maioria dos casos, o dano limita-se à área local e não
envolve uma resposta sistémica.
Durante a fase de avaliação, importa identificar o agente causador. Pode ser necessário o contacto
com um centro anti-venenos para identificar as características de certas substâncias e para identificar
os métodos de neutralização. A extensão de danos nos tecidos devido à exposição aos químicos não
é imediatamente aparente, e a extensão da lesão pode progredir após a exposição inicial,
dependendo do tipo de químico envolvido e da eficácia dos procedimentos de descontaminação.

QUEIMADURAS - SINAIS E SINTOMAS

• Eritema, edema, vesículas ou necrose do tecido.


• Dor.

104
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

PROFUNDIDADE DAS QUEIMADURAS (CLASSIFICAÇÃO “CLÁSSICA”)


1) Primeiro Grau
 Envolvimento da epiderme (a epiderme está intacta).
 Rubor, dor e edema, sem formação de flictenas.
 A pele está seca, com manchas brancas na área queimada.
 Cura Espontânea (dias).
 Ausência de Sequelas

2) Segundo Grau
 Envolvimento da epiderme e da derme.
 Rubor, dor, edema e flictenas.
 Envolve a derme superficial ou profunda, mediante é de espessura parcial superficial ou
profunda.
 Cura espontânea (7-10 dias).
 Geralmente sem sequelas

3) Terceiro Grau
 Envolvimento da totalidade da pele e, eventualmente, tecidos subjacentes.
 Coloração acastanhada pálida, esbranquiçada ou preta (carbonização), pele “tipo couro”,
sem dor.
 A pele está seca. Pode ser perigosa à vida.
 Sem cura espontânea
 Sequelas constantes
Nota: A profundidade da queimadura pode não ser totalmente determinada na
urgência/emergência; isso só poderá ser determinado após um cuidadoso exame, desbridamento e
arrefecimento da área queimada.
A extensão da lesão pode progredir nas primeiras 48 horas.

EXTENSÃO DAS QUEIMADURAS


Geralmente a determinação da superfície corporal total queimada faz-se segundo a regra dos nove
de Wallace, como se apresenta na seguinte figura:

105
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Figura 24- Cálculo da superfície corporal queimada (% da superfície corporal total atingida).

A Regra dos Nove de Wallace, divide a superfície de área corporal em áreas de 9 ou múltiplos de
9%, excepto para o períneo que é igual a 1% de superfície de área corporal. Esta regra é mais útil
em adultos e crianças com mais de 10 anos. Como as proporções variam durante o crescimento
infantil, um método mais correto de cálculo é a tabela de Lund and Browder, onde as percentagens
são relacionadas com a idade da pessoa e representa uma estimativa mais assertiva das
proporções de superfícies específicas do corpo.
Para medir a extensão de queimaduras irregulares, a percentagem de superfície queimada pode ser
estimada considerando a palma da pessoa como igual a 1% da superfície total do corpo, e depois
estima-se a superfície de área corporal queimada a partir desta referência.

COMPLEXIDADE DAS QUEIMADURAS

Pequeno queimado
Considera-se como queimado de pequena gravidade o doente com:
• Queimaduras de primeiro grau em qualquer extensão, e/ou queimaduras de segundo grau com
área corporal atingida até 5% em crianças menores de 12 anos e 10% em maiores de 12 anos.
No pequeno queimado as repercussões da lesão são locais.

Médio queimado
Considera-se como queimado de média gravidade o doente com:
• Queimaduras de segundo grau com área corporal atingida entre 5% a 15% em menores de 12
anos e 10% e 20% em maiores de 12 anos, ou
• Queimaduras de terceiro grau com até 10% da área corporal atingida em adultos, quando não
envolver face ou mão ou períneo ou pé, e menor que 5% nos menores de 12 anos, ou
• Qualquer queimadura de segundo grau envolvendo mão ou pé ou face ou pescoço ou axila.

106
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Obs.: todo doente deverá ser reavaliado quanto à extensão e profundidade, 48 a 72 h após o acidente.

Grande queimado
As repercussões da lesão manifestam-se de maneira sistêmica. Considera-se como queimado de
grande gravidade o doente com:
Queimaduras de segundo grau com área corporal atingida maior do que 15% em menores
de 12 anos ou maior de 20% em maiores de 12 anos, ou
Queimaduras de terceiro grau com mais de 10% da área corporal atingida no adulto e maior
que 5% nos menores de 12 anos, ou
Queimaduras de períneo, ou
Queimaduras por corrente elétrica, ou
Queimaduras de mão ou pé ou face ou pescoço ou axila que tenha terceiro grau.

Observação: É considerado também como grande queimado o doente com queimadura de


qualquer extensão, que tenha associada a esta lesão uma condição clínica que possa deteriorar seu
estado geral.

ABORDAGEM DA PESSOA VITIMA DE QUEIMADURAS


A pessoa vítima de queimadura pode ter outras lesões para além da queimadura, como tal deve ser
submetido a uma avaliação sistematizada segundo a metodologia ABCDE.

A – Via Aérea
Quando há suspeita de queimadura da via aérea deve-se fazer-se uma avaliação de toda a via
aérea (A) com controlo da cervical, através do alinhamento anatómico e estabilização manual da
cabeça e pescoço. Podendo ser necessária a aspiração da orofaringe, extração de próteses dentárias
e/ou corpos estranhos e também aplicação de tubos oro ou nasofaríngeos. Seguidamente é feita a
recolha da informação do acidente e observação da vítima

B – Respiração
A respiração pode ficar alterada por queimaduras de espessura total de todo o perímetro do tórax. A
queimadura pode limitar a mobilidade da parede torácica e impedir as trocas gasosas adequadas. A
prova de que a respiração está comprometida passa por expansão torácica inadequada, agitação,
confusão, oxigenação e volume corrente, diminuídos e respiração superficial e rápida. A lesão mais
comum por inalação de fumos é a intoxicação por monóxido de carbono. O monóxido de carbono é
um gás incolor, sem cheiro e não-irritante. Tem uma elevada afinidade com hemoglobina, deslocando
reversivelmente o oxigénio da hemoglobina, produzindo carboxiemoglobina, resultando hipoxia
tecidual.

107
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

C – Circulação
O doente com queimadura corre um grande risco, de hipovolémia por perda e redistribuição de fluidos,
devido a maior permeabilidade capilar e vasodilatação. Deve-se avaliar o doente e estar alerta para:
 Aumento da frequência respiratória,
 Aumento do pulso,
 Redução da pressão arterial,
 Redução do débito urinário,
 Diminuição da perfusão capilar,
 Agitação,
 Confusão,
 Náuseas e vómitos

Infeção:
O doente com lesão de queimadura perdeu a proteção mais importante contra a invasão de agentes
patogénicos, devendo por isso deve ser escrupulosamente protegido com técnica asséptica.
Devem-se usar luvas, mascaras, toucas e batas. A técnica esterilizada é indispensável para todos
os procedimentos. A cobertura antibiótica só é feita após confirmação de infeção por cultura.
Crianças pequenas, idosos, doentes diabéticos ou com compromisso imunitário, poderão constituir
exceção. Nas queimaduras, pequenas ou moderadas, faz-se a imunização contra o tétano, se o
doente não a tiver feito nos últimos 10 anos. Nas grandes queimaduras faz-se mesmo que tenha o
calendário de vacinação atualizado.

Controle da dor
As dores nas queimaduras podem ser muito dolorosas. O doente também pode ter dores na sequência
de outras lesões. Doente com agitação, taquicardia e taquipneia pode ser um bom indicador de dor.
Pode-se ponderar o uso de morfina e de ansiolíticos, após se afastar a hipótese de hipoxia ou de
outras lesões.

CUIDADOS À PESSOA VITIMA DE QUEIMADURAS


Garantir a segurança quer da vítima quer de quem a socorre.
Efetuar uma avaliação rápida do local da ocorrência, identificando factores que poderão comprometer
a segurança, necessidades especiais e os mecanismos de trauma envolvidos.
Qual foi o agente/mecanismo causador da queimadura (ex.: raio, contacto com chamas, queimadura
com água quente)?
O agente responsável ameaça a integridade física da equipa?

108
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Se ainda não realizado, com a vítima em local seguro, parar o processo responsável pela lesão:
A pessoa vítima de queimadura tem alguma roupa ou adereços que devam ser retirados
imediatamente para parar o processo de queimadura e prevenir a constrição que leva à formação
de edema?
Nas queimaduras por fogo, devem ser extintas eventuais chamas, preferencialmente com água. Em
alternativa, com um cobertor ou obrigando a pessoa a rodar sobre si mesma.
Nas queimaduras elétricas deve ser confirmado que a corrente elétrica foi desligada ou fazê-lo
antes de abordar a vítima. No caso particular de acidentes envolvendo corrente elétrica de alta tensão,
a abordagem do local apenas deve ser feita após obter garantias de que é seguro, pela possibilidade
de formação de arcos voltaicos com propagação da corrente através do ar.
Nas queimaduras químicas deve ser removida a roupa da vítima e a área atingida deve ser limpa com
compressas secas (excepto nos olhos) e lavada com água em abundância, pelo menos durante
15 minutos, podendo a lavagem continuar durante o transporte da vítima.
Queimaduras químicas nos olhos devem ser copiosamente irrigadas com soro fisiológico durante,
pelo menos 30 minutos. Devem ser tomadas todas as precauções para que a água de lavagem não
atinja outras zonas da vítima ou outras pessoas.
Nunca deve ser tentada a neutralização da substância que está a provocar a queimadura.
Perante a suspeita de queimaduras por radiação a primeira preocupação deve ser a identificação e
localização da fonte radioativa e o imediato afastamento da equipa (e da vítima) desse local,
procurando a proteção de edifícios ou acidentes de terreno (atenção à possibilidade de a vítima
estar contaminada com material radioativo).

Realizar Avaliação sistematizada da pessoa


Quais são as queixas da pessoa?
A sua voz apresenta-se com rouquidão?
Onde se encontrava a pessoa vítima de queimadura? - Deve-se suspeitar de uma lesão por
inalação se o fogo estava em espaço fechado, em associação com ar quente, vapor ou com a
combustão de materiais potencialmente tóxicos. Uma explosão aumenta as hipóteses de outras
lesões de perigo à vida, incluindo trauma penetrante. Pessoas com queimaduras da face em
espaços fechados e com um nível de CO> 15% têm uma probabilidade de lesão inalatória de 90%.
Qual era o peso aproximado da pessoa antes da queimadura?
Consumiu recentemente álcool ou outras substâncias de abuso?
O mecanismo/padrão da queimadura é sugestivo de abuso?
È fumador?

 Determinar a profundidade (1º, 2º ou 3º grau) e extensão da queimadura.


 Garantir a imobilização perante suspeita de lesões traumáticas associadas (frequentes
nas eletrocussões com corrente de alta tensão).
 Avaliar se a pessoa está ou não consciente.

109
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Avaliar e garantir a permeabilidade da via aérea.


 Efetuar o VOS e avaliar a eficácia da respiração, pesquisando sinais de dificuldade
respiratória.
 Determinar a permeabilidade da via aérea e eficácia da respiração.
 Inspecionar a nasofaringe e orofaringe - procurar indícios de fuligem, expetoração
carbónica, irritação das membranas mucosas e/ou aumento das secreções, Determinar a
presença ou ausência de tosse, rouquidão, estridor e reflexo de vómito.
 Pesquisar a existência de pelos nasais, faciais e sobrancelhas chamuscadas.
 Pesquisar a existência de queimaduras e edema, especialmente à volta do pescoço e
na face.
 Determinar a frequência e padrão respiratórios, e observar a expansão torácica durante
a inspiração – uma frequência respiratória aumentada pode indicar hipercapnia, lesão
pulmonar, shock, ansiedade, dor e/ou hipermetabolismo. Feridas circunferenciais no tórax
podem impedir a total insuflação pulmonar e levar ao comprometimento respiratório.
 Iniciar a monitorização da SpO2. Ter em consideração a possibilidade de intoxicação
por CO e a interferência com a monitorização da SpO2.
 Administrar Oxigénio de acordo com a SpO2, procurando que esta se mantenha > 95
%. Na vítima que não se encontra consciente, orientada e colaborante, na suspeita de
queimadura da via aérea e na vítima de queimaduras por incêndio em espaços fechados,
administrar imediatamente oxigénio através de máscara de alta concentração.
 No doente com suspeita de intoxicação por CO administrar Oxigénio, na máxima
concentração possível, independentemente dos valores de SpO2.
 Assegurar uma via aérea permeável – preparar para a entubação precoce,
especialmente se há sinais de lesão por inalação. A entubação traqueal pode ser difícil
devido ao edema, devendo-se eleger alguém capaz em entubações difíceis e técnicas
cirúrgicas de vias aéreas. É importante usar um tubo de grande calibre para facilitar
uma permeável e adequada ventilação pulmonar, especialmente em pessoas com
lesões por inalação. Se existir queimadura da face, considerar o uso de nastro para
segurar o tubo endotraqueal.
 Na pessoa em PCR agir de acordo com o algoritmo para PCR.
 Nos queimados com lesões traumáticas associadas, identificar e controlar hemorragias
externas importantes. Avaliar a possibilidade de hemorragias internas ou ocultas.
 Determinar a localização das queimaduras – queimaduras que circunscrevem o tórax
ou o pescoço podem comprometer a respiração, enquanto queimaduras que
circunscrevem as extremidades podem levar a compromisso neurovascular.
Certas localizações de queimaduras térmicas apresentam problemas específicos; queimaduras da
face e pescoço podem causar problemas respiratórios se existir edema, podendo também interferir
com a capacidade para falar, engolir, comer ou beber. Queimaduras das mãos impedem de
exercem várias atividades, incluindo as do dia-a-dia. Queimaduras dos pés interferem com o

110
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

caminhar. Queimaduras do períneo têm um risco aumentado de infeção, dificuldades em urinar e


eliminação intestinal, bem como dificuldades na actividade sexual.
 Determinar a gravidade da queimadura - baseando-se na Profundidade, Extensão e
Localização. A idade, estado de saúde pré-existente, presença de outras lesões e
mecanismos de lesão contribuem para a gravidade geral.
 Palpar os pulsos periféricos para detetar qualquer compromisso vascular associado a
queimaduras que circunscrevam as extremidades e qualquer lesão direta nos vasos.
 Palpar as extremidades para determinar a função sensitiva e detetar qualquer compromisso
neurológico. Queimaduras de profundidade/espessura total, como destroem as terminações
nervosas, não são dolorosas. As áreas à volta da queimadura de 39 grau que não estão tão
queimadas, permanecerão com sensação e dor.
 Sentir a temperatura da pele para determinar o estado de perfusão periférico. Os tecidos
queimados parecem frios devido à diminuição da perfusão e aos fluidos perdidos.

 Avaliar as características da pele, em particular, a temperatura, coloração e sudorese.


Avaliar o tempo de preenchimento capilar.
 Palpar pulso periférico e avaliar frequência e amplitude. Avaliar a pressão arterial.
 Nas vítimas com queimaduras> 15 % da superfície corporal total ou que apresentem
qualquer tipo de compromisso de ABC (real ou potencial), obter acesso (s) venoso (s)
periféricos, em função da distribuição das queimaduras e iniciar a administração de Lactato
de Ringer (LR).
Deste modo deve puncionar 2 acessos venosos com catéter 14-16, e iniciar perfusão de
soluções aquecidas evitando se possível as zonas queimadas; deve ser administrado uma
solução cristalóide, como o Lactato de Ringer.
Pessoas com superfície de área queimada superior a 15% necessitam de suporte de fluídos. Para
o cálculo das exigências hídricas nas primeiras 24 horas existem várias fórmulas. Estas baseiam-
se no peso da pessoa e na extensão (% de área queimada), no entanto este suporte contínuo
é ajustado à resposta individual, monitorizando com rigor o débito urinário. Pessoas que exijam
mais fluidos que o previsto são as vítimas de lesão por inalação, com lesões por alta-voltagem
elétrica e Ingestões alcoólicas e demora na administração de fluidos desde a altura da lesão.
Deve-se ter em atenção também a existência de antecedentes patológicos.
Segundo uma das fórmulas orientadoras para a reposição de fluidos, Fórmula de Parkland, a
perfusão deve ser de 2-4 ml/Kg/% da superfície total queimada nas primeiras 24 horas
após lesão, sendo que metade deve perfundir nas primeiras 8 horas (o início do tempo começa
no momento da queimadura e não no momento em que chega ao hospital); em crianças,
deve ser considerado o uso de fluidos de suporte adicionais.
Nas queimaduras eléctricas, pela não correspondência entre as lesões e as queimaduras, deve
ser administrado um volume de 20 ml/Kg durante a primeira hora.
 Monitorizar débito urinário – as recomendações para um débito urinário adequado variam
devendo ter-se em atenção o tipo de queimaduras, o estado renal, pulmonar e cardiovascular
e tamanho da vítima. Uma recomendação é a de que 30-50 ml/h é

111
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

adequado em adultos, e 1 ml/Kg/hr é adequado em crianças; não se deve exceder um


débito superior a 30-50 ml em crianças com mais de 50 Kg.
 Elevar as extremidades queimadas, se não houver contra-indicação, para facilitar o retorno
venoso.
 Pesquisar alterações neurológicas.
 Efetuar a Exposição de forma cuidadosa, tendo um cuidado particular no controlo da
hipotermia. Manter a pessoa aquecida, especialmente durante o transporte. Como não
conseguem manter a temperatura corporal, o quarto deve ser aquecido para evitar a
hipotermia; manter o ambiente quente também é importante uma vez que a pessoa se
encontra num estado hipermetabólico. Para pessoas com mais de 50% de superfície de
área queimada a temperatura acima dos 30º pode reduzir o seu hipermetabolismo.
 Lavar as queimaduras com água (potável) em abundância, mantendo as condições de
assépsia possíveis, de preferência tépida, terminando a lavagem com líquido estéril (SF ou
água destilada). Nas queimaduras químicas, a lavagem deve ser precedida de remoção
mecânica (limpeza com compressas secas), excepto nas queimaduras oculares. O
arrefecimento provocado pela lavagem tem efeitos analgésicos mas devem ser tomadas
medidas para evitar a hipotermia.
 Remover cuidadosamente restos de roupa queimada.
 Remover anéis, colares, cintos e outros acessórios, mesmo que se localizem em zonas não
queimadas.
 Não romper flictenas. Exceção: as flictenas com mais de 5 cm de diâmetro, dado o risco do
seu rebentamento espontâneo, podem ser cuidadosamente drenadas com agulha EV.
 Proteger as zonas queimadas com lençol de queimados.
 Os membros queimados, se possível, devem ser colocados numa posição mais elevada
para reduzir a formação de edema.
 Efetuar o Exame Secundário de acordo com o Protocolo de Abordagem do Traumatizado.
 Reavaliar a vítima regularmente, seguindo o esquema ABCDE.
 Administrar analgesia – narcóticos (ex.: morfina) devem ser administrados por via E. V. pois
a absorção pode ser alterada por via I.M.
 Inserir sonda nasogástrica, para prevenir a distensão/obstrução (ileus) gástrica em pessoas
com grandes queimaduras.
 Aplicar gases de solução salina, esterilizada e fresca para superfície de área queimada
inferiores a 10% - nunca aplicar gelo, mas manter a área fresca pois ajuda a aliviar a dor;
 Aplicar gases frescas nos 10 minutos após a queimadura para reduzir o calor contido nos
tecidos e a profundidade da lesão. Evitar o uso de gases frescas mais de 20 minutos para
evitar mais lesões nos tecidos e hipotermia.
 Cobrir as lesões> 10% de superfície corporal com gases limpas e frescas.
 Ajudar nas escarotomias (fasciotomias) da parede torácica e/ou extremidades para facilitar
a expansão torácica e fluxo sanguíneo adequado (a escarotomia é uma incisão feita para
libertar a tensão cincunferencial na escara ou tecido queimado).

112
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 Tratar ou ajudar no tratamento da queimadura - a ferida em si é uma prioridade mínima em


pessoas gravemente queimadas, e só deverá ser feita após o estado da via aérea, respiratório
e circulatório ter sido estabilizado
 Providenciar apoio psicossocial á pessoa e família, até porque as queimaduras podem ser
difíceis de encarar.

Procedimentos diagnósticos

Estudos radiológicos
Rx do tórax para estabelecer uma base de comparação da evolução da lesão pulmonar.
Estudos laboratoriais
• Gasimetria, pH e SaO2 – a gasimetria pode ser usada para um melhor estudo da oxi-hemoglobina,
carboxi-hemoglobina e metamoglobina (ferrohemoglobina). A taxa normal de carboxi-hemoglobina é
entre 0-13% e o nível tóxico é considerado acima dos 60%.
• Pode ser indicado uma análise à urina e pesquisa de hemoglobina e mioglobina; no entanto, o
diagnóstico é geralmente baseado na cor da urina.

Outros
• Oxímetro de pulso – não diferencia entre a carboxi-hemoglobina e a oxi-hemoglobina, mas pode
ser útil para medir a SpO2 em algumas pessoas.
• Broncoscopia flexível e de fibras ópticas, para determinar o grau de lesão por inalação

INTERVENÇÕES ESPECIFICAS À PESSOAS COM QUEIMADURAS ELÉCTRICAS

Monitorizar o pH, PaO2, PaCO2, SaO2, SPO2 e níveis séricos de bicarbonato.


Assegurar a adequada ventilação e reposição hídrica.
Perfundir fluídos E.V. ao ritmo necessário para manter um débito urinário de 70-100 ml/h. O
ritmo de perfusão não pode ser calculado com precisão, pois embora possa haver feridas
superficiais para avaliar a superfície total de área corporal, também podem existir danos
musculares profundos nos tecidos subjacentes. Uma vez que não estejam presentes os
pigmentos na urina, recomenda-se um débito de 0,5-1, o ml/Kg.
Observar a cor da urina - se se apresentar escura, rosada, ou vermelha, a mioglobina; a
administração de bicarbonato de sódio pode ser considerada, para facilitar a excreção destas
substâncias, uma vez que são eliminadas mais rapidamente em urina alcalina. Se a coloração
da urina não voltar ao normal, deve-se antecipar a administração de Manitol (diurético
hiperosmolar) para promover a diurese e excreção da mioglobina. Se a mioglobina não
for excretada, pode-se acumular nas tubuladuras renais, levando à falência renal.
Monitorizar a função cardíaca pelo menos 24 horas.

113
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Monitorizar os sinais vitais e sintomas do Síndrome de Compartimento, preparando-se para


eventuais fasciotomias, conforme indicado.

INTERVENÇÕES ESPECIFICAS À PESSOA VITIMA DE QUEIMADURAS QUÍMICAS

Assegurar a proteção da equipa de trauma de eventual contaminação, usando luvas,


barrete, máscara e viseira.
Irrigar a área queimada com água normal ou salina; os alcalinos requerem mais tempo de
irrigação para neutralizar e remover.
Não perder tempo em identificar o agente neutralizador; as superfícies queimadas, NÃO
DEVEM ser regadas de imediato com água, uma vez que esta combinação de água e químico
produz uma substância corrosiva que irá agravar ainda mais a queimadura. Após limpar o pó
com uma toalha seca, a área poderá ser então irrigada.
Para pessoas vítimas de queimaduras de asfalto moderadas a graves, deve-se arrefecer
primeiro a área e usar derivados de petróleo (ex.: óleo mineral ou Sulfato de Neomícina) para
dissolver a substância.

114
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 10

ANALGESIA

115
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

10 - ANALGESIA
O tratamento da dor deve ser cuidadoso mas eficiente, para conforto do doente, bem como para
minimizar o aumento do consumo de oxigénio provocado pela ativação do sistema adrenérgico
(agitação, contractura muscular, ansiedade).
No contexto da avaliação de um doente com trauma não faz sentido diminuir o conforto do doente
com receio de efeitos indesejáveis dos analgésicos. Sendo raros, existe sempre a possibilidade de
minimizar ou reverter esses efeitos. O não tratamento é mais deletério.
A dor deve ser eficazmente tratada.
1. Avaliar etiologia da dor
- Os narcóticos por via endovenosa (e apenas esta via) são os analgésicos de primeira linha no
contexto do trauma.
- Os anti-inflamatórios não esteróides por via endovenosa são analgésicos de grande utilidade como
complemento da analgesia nos doentes com trauma musculo-esquelético.
2. Imobilizar áreas com suspeita ou evidência de fratura (grande eficácia analgésica)

3. Analgésicos Opiáceos
Morfina – diluir 1 ampola de morfina (10mg) até 10 cc de SF - Iniciar a analgesia com 4mg
endovenoso, podendo ser administrada seriadamente com 2 mg de 5 em 5 minutos até obter o
resultado esperado.
Fentanil – 1 ampola tem 0,05 mg / cc- Iniciar com 0,1 mg (2 cc) e.v., tendo a possibilidade de
administrar mais 1 a 2 cc (0,05 a 0,1 mg) e.v.

4. Analgésicos anti-inflamatórios não esteróides


Cetorolac de Trometamina (Toradol®) 1 amp a 3% e.v – 30 mg
Tenoxicam (Tilcotil®) 2 amp e.v. – 40 mg
No trauma múltiplo a associação de analgésico narcótico com anti-inflamatório é vantajosa.
O risco de depressão respiratória pelos analgésicos narcóticos é mínimo se a utilização destes
fármacos for seriada até à obtenção do efeito desejado.
A morfina é o analgésico de eleição pela sua eficácia e o seu efeito ansiolítico/sedativo associado.
O controlo da dor em circunstância alguma altera a semiologia de outra patologia, pelo que é errado
não tratar a dor com a premissa de que se aguarda o fim da avaliação do doente.
Depressão respiratória dos analgésicos opiáceos
No caso raro de depressão respiratória por sobredosagem de narcótico:
– Administrar antagonista puro - 1 ampola e.v de naloxona -0,4 mg.
- Se necessário repetir a dose até obter efeito.
A semi-vida da naloxona é mais curta que a maioria dos opiáceos, pelo que poderá ser vantajoso
administrar uma dose suplementar de 0,4 mg de naloxona por via intramuscular.

116
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Capítulo 11

TRANSPORTE DO DOENTE CRÍTICO

117
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

11 – TRANSPORTE DE DOENTE CRITICO

A Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI, 2001) define doente crítico, como aquele
cuja sobrevivência depende de meios avançados de monitorização e terapêutica, por disfunção ou
falência profunda de um ou mais órgãos e/ou sistemas.
O transporte destes doentes envolve alguns riscos, podendo no entanto justificar-se pela necessidade
de facultar um nível assistencial superior, a realização de exames complementares de diagnóstico e
terapêuticas impossíveis de realizar no serviço ou instituição onde o doente se encontra,
decisivos para o seu tratamento.
Segundo o Grupo de Trabalho de Urgências (2004), criado para proceder ao diagnóstico de problemas
e à proposta de medidas e de projetos que visem a melhoria organizacional, de gestão e operacional
dos Serviços de Urgência dos Hospitais SA, tanto no que diz respeito à emergência, como à urgência
médica, o transporte de doentes deve ser assumido como um dos objectivos prioritários de
investimento na manutenção do atendimento e acompanhamento adequado de doentes
urgentes/críticos.
Como refere o mesmo grupo de trabalho a SPCI, seguindo o exemplo da Sociedade Americana de
Cuidados Intensivos, investiu na sistematização da boa prática clínica em relação ao transporte
secundário de doentes. Em 1997 foi elaborado e divulgado pela SPCI o Guia para Transporte de
Doentes Críticos, revisto em 2001, que deve ser respeitado no interesse de manter a qualidade
desejável segundo aquilo que é o “estado da arte” relativamente a esta temática.
Assim segundo o Guia para o Transporte de Doentes Críticos (SPCI, 2008) o transporte destes
doentes quer no intra hospitalar, quer no inter hospitalar envolve as seguintes fases:
 Decisão
 Planeamento
 Efetivação

DECISÃO

A decisão de transportar um doente crítico, como referem Júnior, Nunes e Basile-Filho (2001)
deve ser baseada na avaliação e ponderação dos riscos e dos benefícios para o doente, sendo que
o transporte deve acrescer benefício ao tratamento do mesmo.
Como referem as Normas de transporte secundário da Administração Regional de Saúde do
Norte (2002) o transporte tem condicionantes próprias, como as vibrações, efeitos de
aceleração/desaceleração, variações térmicas, anomalias da fiabilidade na monitorização, entre
outros consoante a especificidade do transporte, que deverão pesar na tomada de decisão.
Esta decisão é um acto médico, como tal a responsabilidade do mesmo é do médico que
assiste o doente (SPCI, 2008).

118
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

PLANEAMENTO

O planeamento da acção é da responsabilidade da equipa médica e de enfermagem do serviço ou


unidade referente (ibidem).
Este deve ter em consideração os seguintes aspetos:
 Escolha e contacto com o serviço recetor, avaliando o tempo de demora;
 Escolha do meio de transporte;
 Seleção dos meios adequados de monitorização;
 Previsão das possíveis complicações;
 Seleção orientada de meios de terapêuticas gerais e específicos;
 Escolha da equipa de transporte, de acordo com as disponibilidades da unidade e com as
características do doente a transportar.

EFETIVAÇÃO

A efetivação do transporte fica a cargo da equipa de transporte selecionada, cuja responsabilidade


técnica e legal só cessa no momento de entrega do doente à equipa médica do serviço destinatário,
ou no regresso ao serviço de origem. Idênticas responsabilidades cabem aos médicos responsáveis
pela decisão da deslocação e transporte (SPCI, 2008).
A qualidade da vigilância e da intervenção terapêutica durante o transporte não devem ser
inferiores às verificadas no serviço de origem (ibidem).

11.1 – TRANSPORTE INTRA HOSPITALAR

O transporte intra hospitalar de doentes críticos realiza-se para intervenções terapêuticas, como a
necessidade de intervenção cirúrgica; para transferência de doentes para unidades de cuidados
mais diferenciados, ou seja, as unidades de cuidados intensivos; ou para realização de exames
complementares de diagnóstico decisivos para o tratamento do doente.
O transporte de doentes críticos envolve sempre riscos, alguns deles segundo Júnior, Nunes e Basile-
Filho (2001), inerentes ao próprio transporte. Nem sempre as alterações hemodinâmicas durante o
mesmo estão relacionadas com erros técnicos, mas sim com alterações cárdio respiratórias
resultantes da dor provocada pelo movimento do doente quer no transporte em si, como nas
mudanças de cama/maca, mudanças de decúbito.
Assim o autor reforça que a decisão de transportar estes doentes deve ser ponderada tendo em conta
a necessidade real do mesmo, pois o transporte não deve ser efetuado se não acrescentar beneficio
para o doente.

119
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Segundo Júnior, Nunes e Basile-Filho (2001), alguns estudos demonstram que destes doentes
transportados para realizar exames complementares de diagnóstico, só 29% a 30% são submetidos
a alteração de conduta terapêutica após a realização dos mesmos.
Existem no entanto doentes cuja sobrevivência depende da realização do transporte, então à que
ter consciência que este período caracteriza-se por grande instabilidade para o doente, podendo
agravar o seu estado clínico e originar complicações que devem ser previstas (SPCI, 2008).
Alguns riscos e acidentes mais comuns durante o transporte são identificados por Massada (2002)
alertando para o facto de ser essencial evitar os riscos e estar preparado para resolver os acidentes
que possam ocorrer.
Os riscos mais comuns durante o transporte intra hospitalar são:
 Deterioração da oxigenação e ventilação (Hipo ou hipercapnia);
 Instabilidade hemodinâmica;
 Agravamento da hipertensão intra craniana;
 Transformação de uma fratura estável de coluna em fratura instável;
 Agravamento da dor.
Os acidentes mais comuns são:
 Extubação acidental;
 Deslocação do tubo endotraqueal (habitualmente para o brônquio direito);
 Esvaziamento inadvertido das botijas de oxigénio;
 Falha/fuga no ventilador de transporte;
 Perda de acessos venosos;
 Exteriorização de drenos;
 Falhas de baterias nos monitores, ventiladores e perfusoras.
Os riscos para o doente podem ser minimizados através de um cuidadoso planeamento do mesmo,
envolvendo uma equipa qualificada para realizar o transporte e seleção adequada do equipamento
a utilizar. Deste modo as Recomendações para o Transporte do Doente Crítico (SPCI,2008) refere
que o transporte intra hospitalar devem obedecer a regras como: a coordenação pré transporte,
escolha dos profissionais que acompanham o doente, a seleção adequada do equipamento e
monitorização durante o transporte.

COORDENAÇÃO PRÉ TRANSPORTE

 Deve ser feita a confirmação prévia de que a área para onde o doente vai ser
transportado está pronta para o receber e iniciar imediatamente o exame ou terapêutica
programada;
 O médico responsável deverá acompanhar o doente ou quando a responsabilidade do
transporte do doente é assumida por uma equipa diferente, deve estabelecer-se

120
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

comunicação médico a médico e/ou enfermeiro a enfermeiro, no que diz respeito à


situação clínica do doente e terapêuticas em curso, antes e após o transporte;
 Determinação do risco de "inoculação" ou "contaminação" por sangue, secreções,
excreções ou lesões cutâneas;
 Registo no processo clínico das indicações para o transporte e da evolução do estado
do doente durante o mesmo.

PROFISSIONAIS QUE ACOMPANHAM O DOENTE

O doente crítico quando transportado deve ser acompanhado no mínimo por dois profissionais
(médicos/enfermeiros)
 Um dos acompanhantes deve ser o enfermeiro responsável pelo doente, com
experiência em reanimação ou especialmente treinado em transporte de doentes
críticos;
 De acordo com a gravidade e instabilidade do doente, o segundo elemento pode ser um
enfermeiro de formação geral ou um médico;
 Os doentes que apresentem instabilidade fisiológica e que possam necessitar de
intervenção emergente ou urgente devem ser acompanhados por um médico.
Relativamente à equipa que acompanha o doente Massada (2002) refere a importância do médico e
o enfermeiro que vão proceder ao transporte terem formação específica. O médico deve ter”
formação adequada que permita resolver situações críticas inesperadas, como controle da via
aérea, da ventilação e de controlo e suporte hemodinâmico (…)” (Massada 2002, p.65). O mesmo
autor refere também que “É fortemente recomendável que o enfermeiro que acompanha o doente
tenha formação em suporte avançado de vida e trauma (…)”(Massada 2002, p.65)
Júnior, Nunes e Basile-Filho (2001), referem que o principal fator determinante na qualidade dos
cuidados prestados durante o transporte é o treino e eficiência da equipa que procede ao transporte.
Embora os equipamentos para monitorização sejam obviamente importantes, o seu avanço
tecnológico tem resolvido muitos problemas associados à falta de espaço, baterias e susceptibilidades
a artefactos de movimento.

EQUIPAMENTO QUE ACOMPANHA O DOENTE


Existe algum equipamento que deve ser preparado para realizar o transporte destes doentes,
normalmente a responsabilidade da preparação do mesmo é do enfermeiro.
As Recomendações da SPCI referem a utilização do seguinte material e equipamento:
Monitor de transporte, com módulo de avaliação de pressão arterial;
Material de entubação endotraqueal com sondas de calibres adequados ao doente e
ressuscitador manual (com válvula de pressão positiva);
Fonte de Oxigénio de capacidade previsível para todo o tempo de transporte, com reserva
adicional para 30 minutos;

121
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Ventilador portátil, capaz de oferecer volume/minuto, pressão, FiO2 de 100% e PEEP que o
doente esteja a fazer previamente, com alarme de desconexão e alarme de altas pressões
na via aérea (durante o transporte pediátrico a FiO2 deve ser rigorosamente controlada);
Fármacos de ressuscitação: adrenalina, lidocaína, atropina e bicarbonato de sódio, etc.
Fluidos endovenosos e fármacos contínuos regulados por seringas ou bombas infusoras,
com bateria suficiente para que não haja interrupções em nenhuma das medicações já em
curso;
Medicações adicionais que possam ser administradas intermitentemente de acordo com
prescrição médica.
MONITORIZAÇÃO DURANTE O TRANSPORTE
As Recomendações para o Transporte do Doente Crítico (SPCI, 2008) consideram três níveis de
monitorização durante o transporte:
Nível 1 – obrigatório
Nível 2 – fortemente recomendado
Nível 3 – ideal.

Nível 1-obrigatório
Monitorização contínua com registo periódico:
 ECG e Oximetria de pulso.
Monitorização intermitente e registo:
 Pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória em doentes do foro pediátrico;
 Pressão das vias aéreas em doentes entubados e ventilados mecanicamente.

Nível 2-fortemente recomendado


 Frequência respiratória em doentes adultos;
 Capnografia.

Nível 3-Ideal
Em doentes cujo seu estado clínico o recomende:
 Medição contínua da pressão arterial;
 Medição da pressão da artéria pulmonar;
 Medição da pressão intra craniana;
 Medição intermitente da Pressão venosa central.

122
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

11.2 – TRANSPORTE INTER HOSPITALAR

O transporte inter hospitalar, também denominado transporte secundário de doentes críticos,


pressupõe o transporte de doentes de um hospital para outro, normalmente de um menos diferenciado
para um mais diferenciado, ou então com o intuito de gestão de vagas existentes (Ministre des
Travaux publics et Services gouvernementaux Canadá, 2002). O autor referencia ainda, que o
transporte de doentes críticos deve reger-se por normas instituídas para que não existam atropelos
aos princípios base para um transporte adequado.
Partindo do conceito que o transporte deve fazer parte do tratamento, segundo o Instituto Nacional
de Emergência Médica (INEM, 2002) o doente beneficia de um acompanhamento adequado à sua
situação clínica, para que sejam implementadas medidas tendentes a que o doente chegue ao seu
destino em melhores ou iguais condições das que apresentava antes do início do transporte.
“O transporte tem designações diferentes consoante o local de origem” (Júnior, Nunes e Basile- Filho,
2001, p. 75). Assim, considera-se a divisão do transporte de doentes em dois tipos: transporte primário
e transporte secundário.
O transporte primário, também designado como extra hospitalar, refere-se ao transporte do doente
crítico desde o local da emergência, quer seja por acidente ou doença aguda, até à unidade de saúde.
Na realidade portuguesa, este tipo de transporte é efetuado por equipas pré hospitalares, quer pelas
equipas das Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (INEM, 2002).
O transporte secundário define-se como a transferência do doente crítico entre duas instituições, e
designa-se inter hospitalar se é efetuado entre dois serviços de hospitais distintos, ou intra
hospitalar se é efetuado entre dois serviços da mesma instituição (Júnior, Nunes e Basile-Filho,
2001).
O transporte inter hospitalar de doentes críticos, tem como objetivo manter o nível de cuidados das
unidades de cuidados intensivos (UCI) dos hospitais centrais a utentes internados em hospitais que
não possuem UCI, ou que requeiram um nível de assistência mais diferenciado que aquele que é
possibilitado pelo hospital de origem (Rua, 1999).
Existindo a necessidade de transportar um doente crítico, devemos fazê-lo com método e rigor
considerando para tal, algumas fases no processo de transporte já referenciadas. Para
apresentação dessas fases, seguimos como padrão base as Recomendações para o Transporte de
Doente Crítico da Sociedade Portuguesa Cuidados Intensivos (SPCI, 2008).

DECISÃO

A decisão de transportar um doente deve ser baseada na avaliação do mesmo perante os


benefícios potenciais, contra os riscos potenciais ponderados. Assim para a tomada de decisão é
necessário esclarecer e clarificar os seguintes pontos: o diagnóstico, os recursos e equipamentos
necessários, os benefícios e os riscos do transporte (Júnior, Nunes e Basile-Filho, 2008).

123
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

 O Diagnóstico
O diagnóstico é da responsabilidade do médico que assiste o doente (SPCI, 2008).

 Recursos e Equipamentos necessários


Após o estabelecimento do diagnóstico devem ser analisados as potencialidades e os meios
necessários para fazer face à situação clínica do doente. Se os recursos e os equipamentos não
são os exigidos para a situação é necessário transferir o doente para uma unidade que colmate os
défices existentes. Mas esses défices devem ser colocados em equilíbrio, como se de uma balança
se tratasse, entre os benefícios e os riscos. A análise dos recursos e equipamentos deve ser realizada
em equipa, entre o médico e o enfermeiro do doente (Júnior, Nunes e Basile-Filho, 2001).
A SPCI (2008), define o material e equipamento necessários já abordados no capítulo do transporte
intra hospitalar.

 Benefícios do transporte
Os benefícios do transporte prendem-se normalmente com a inexistência de recursos humanos e da
sua diferenciação, dos meios diagnósticos e terapêuticos ou então pela inexistência de vagas nas
unidades de cuidados diferenciados do hospital (Júnior, Nunes e Basile-Filho, 2008).

 Riscos de transporte
O início do transporte deve corresponder ao maior grau de estabilidade hemodinâmica possível, se
essa estabilidade depender da intervenção do hospital recetor deve proceder-se ao transporte de
imediato, no entanto este não deve comprometer o prognóstico do doente.
A avaliação dos possíveis factores como: ruídos, vibrações, forças de aceleração e desaceleração,
variações de luminosidade e temperatura ambiente, e da forma como interagem com a situação clínica
do doente devem ser ponderados (Júnior, Nunes e Basile-Filho 2001).
Após a tomada de decisão do transporte surge a necessidade de efetuar o planeamento, que segundo
a Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN, 2002) se deve basear nas ferramentas
apresentadas no quadro 1 e 2.
No quadro 1 é proposto um sistema de avaliação dos doentes para transporte, com a atribuição de
um score de risco. Enquanto que no quadro 2 são atribuídas recomendações, segundo o score do
quadro 1, onde é atribuído o nível, o veículo, o acompanhamento, a monitorização e o equipamento
específico para cada transferência inter hospitalar.

124
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Tabela 7 – Score de avaliação dos doentes para transporte


Resumo do sistema para avaliação dos doentes para transporte

1. HEMODINÂMICA 7. VIA AÉREA


Estável 0
Não 0
Moderadamente estável (requer vol>15mL/min) 1
Sim (tubo de Guedel) 1
Instável (inotrópicos ou sangue) 2
Sim (intubação ou traqueostomia) 2
2. ARRITMIAS (existentes ou prováveis)
8. SUPORTE RESPIRATÓRIO
Não 0
Não 0
Sim, não sérias (e EAM > 48 h) 1
Sim (Oxigenoterapia) 1
Sérias e EAM < 48 h 2
Sim (Ventilação Mecânica) 2
3. MONITORIZAÇÃO DO ECG
9. AVALIAÇÃO SNC
Não 0
Glasgow= 15 0
Sim (desejável) 1
Glasgow>8 e <14 1
Sim (ESSENCIAL) 2
Glasgow < 8 e/ou doença neurológica 2
4. LINHA INTRAVENOSA
10. PREMATURIDADE
Não 0
RN > 2000g
Sim 1
RN > 1200g e > 2000g
Catéter na artéria pulmonar 2
RN < 1200 g
5. PACEMAKER PROVISÓRIO
11. SUPORTE TÉCNICO E FARMACOLÓGICO
Não 0
Nenhum 0
Sim (não invasivo). Sempre EAM < 48 h 1
Grupo I 1
Sim (endocavitário) 2
Inotrópicos Antiepilépticos
6. RESPIRAÇÃO
Vasodilatadores Corticosteróides
FR entre 10 e 14 nos adultos 0
Antiarrítmicos Manitol a 20%
FR entre 15 e 35 nos adultos 1
Bicarbonatos Trombolíticos
Apneia ou FR <10 ou FR>35 ou respiração 2
Analgésicos Naloxona
irregular
Dreno torácico e Aspiração
Grupo II 2
Inotrópicos + Vasodilatadores
Incubadora
Anestésicos Gerais
Relaxantes Uterinos

TOTAL...

Adaptado de: ARSN, 2002

125
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Tabela 8- Recomendações para acompanhamento e monitorizarão de transporte de doentes críticos

Pontos Nível Veículo Acompanhamento Monitorização Equipamento


0-2 A Ambulância Nenhum Nenhum Standard ambulância AMS
normal Equipamento

3-6 B Ambulância Enfermeiro TA, FC, Sat.O2, ECG (+) Monitor de transporte,
normal material injectáveis, soros
>7 C Ambulância Médico+ Enfermeiro TA, FC, Sat.O2, ECG e (+) Ventilador transporte,
medicalizada Capnografia se Material para a via aérea
ou helicóptero indicado avançada, Desfibrilhador
Adaptado de: ARSN, 2002

PLANEAMENTO
O Planeamento da acção é realizado pela equipa médica e de enfermagem do serviço e segundo a
SPCI (2008) e deve reger-se pela abordagem dos seguintes pontos: a determinação do hospital
recetor, a seleção do meio de transporte, a seleção da equipa, o início de procedimentos de transporte
e preparação do doente e família.
Tal como refere PHTLS (2003) nesta fase pretende-se ter um pensamento abrangente de forma a
garantir que o doente certo é transportado na altura certa para o local certo em transporte
adequado.

 Seleção do hospital recetor


Os autores referidos são unânimes que para a seleção do hospital recetor é necessário avaliar as
necessidades do doente em cuidados médicos, de enfermagem e de equipamento. Após a
determinação dos hospitais que detenham as valências e condições exigidas para a situação do
doente, deve ser contactado o hospital pretendido a fim de apurar a existência de vaga com o nível
de cuidados apropriados. Antes da confirmação da transferência deve ser auscultada, se possível a
preferência do doente e da sua família.
Ao determinar o hospital recetor deve realizar-se um contacto com o mesmo, afim de formalizar o
processo de transferência. De seguida, deve ser efetuado um contacto personalizado entre as
equipas, tanto médicas como de enfermagem, para a apresentação do doente e das necessidades
identificadas. Pretende-se que à chegada do doente, a sua unidade esteja personalizada ao nível
de cuidados necessários.

 Seleção do meio de transporte


A seleção do transporte específico para cada doente, faz-se tendo por base a legislação
portuguesa, sobre o transporte de doentes por via terrestre, a revisão de conceitos sobre transporte
primário e secundário e as normas de orientação segundo “o estado da arte” neste âmbito. Para
esta opção deve assim, ter em conta os seguintes aspetos: a situação clínica do doente; a distância,
duração e geografia do transporte; as intervenções necessárias; a disponibilidade de pessoal e
recursos; e as informações meteorológicas.

126
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

BIBLIOGRAFIA

ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE NORTE (ARSN) - Normas de Transporte Secundário


de Doentes, 2002.

AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS – COMMITTEE ON TRAUMA – Advanced Trauma Life


Support for Doctors. 8ª ed. Chicago: American College of Surgeons.2008

COMMITTEE OF THE NATIONAL ASSOCIATIONOF EMERGENCY MEDICAL TECHNICIANS IN


COOPERATION WITH THE COMMITTEE ON TRAUMA OF THE AMERICAN COLLEGE OF
SURGEONS – Basic and Advanced Prehospital Trauma Life Support. 5ª ed. Missouri :Mosby,
1999. 423 p ISBN 0-323-01490-9

EMERGENCY NURSES ASSOCIATION – Trauma Nursing Core Course. 6ª ed.USA, Emergency


Nurses Association, 2007.

GRUPO DE TRABALHO DE URGÊNCIAS, 2004 - O Serviço de Urgência: Recomendações para a


Organização dos Cuidados Urgentes e Emergentes [Consult. 3 Agost. 2006]. Disponível em
WWW:<URL:http//www.hospitaisepe.min saude.pt/.../Bibiloteca_Online/produção_qualidade/Reorg-
Urgenc_Hospitalares.htm - 122k.

MASSADA, S. – Avaliação e ressuscitação do doente com trauma grave. 1ª ed. Grupo de


Trauma do Hospital de S.João do Porto. 2002. 111p.ISBN 972-9027-98-6.

MONTEJO, J.C. et al – Manual de Medicina Intensiva. 3ª ed. Madrid: Elsevier, 2006. ISBN 10:84-
8174-852-8. 681P.

MOORE, E.; MATTOX, K.; FELICIANO, D. – Manual del Trauma. Trad.de Dr. José Perez Gómez. 4ª
ed.México: Mc Graw Hill, 2003. ISBN 0-07-136508-7

PREHOSPITAL TRAUMA LIFE SUPPORT – Basic and advanced Prehospital Trauma Life
Support. 5ª ed. St. Louis, Missouri: Mosby, 2003. ISBN 0-323-01490-9.

PRYOR, J. - Traumatismos Torácicos. Urgência Prática, nº5: 15-20.2002

SHEEHY, S. – Enfermagem de urgência – Da teoria à Prática. 4ª Ed. Lusociência. 1998

SOCIEDADE PORTUGUESA DE CUIDADOS INTENSIVOS – Transporte de Doente Crítico –


Recomendações. 2008

TINTINALLI, J. et al – Emergências Médicas. 4º ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1996. ISBN


970-10-1459-6

127
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Anexos

ANEXO I - Técnicas de Trauma

128
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

TÉCNICAS DE TRAUMA

OBJECTIVOS DA IMOBILIZAÇÃO EM CONTEXTO DE TRAUMA

 Prevenir o aparecimento de lesão vértebro-medular


 Evitar o agravamento de uma lesão já instalada

EQUIPAMENTO

 Maca de vácuo (coquille)


 Plano duro
 Colares cervicais de vários tamanhos
 Estabilizadores de cabeça

TÈCNICAS DE TRAUMA

1) Aplicação do colar cervical


2) Rolamento
3) Levantamento

APLICAÇÃO DO COLAR CERVICAL

Deve ser executada:

 - vítimas de traumatismo inconscientes


 - vítimas de traumatismo craniano
 - em caso de duvidas sobre a existência e traumatismo da coluna
 - após realização do rolamento
 - antes de efectuar o levantamento

TÉCNICA

1- Um elemento (com experiência na realização desta técnica) toma posição junto à cabeça da
vítima (mas de forma que fique na sua linha de visão) e utilizando a chave polegar/indicador, apoios
na região malar e na região occipital, faz uma firme estabilização, uma ligeira tracção cefálica e o
alinhamento possível da coluna cervical, segundo o eixo Nariz, Umbigo, Pés.

A tracção deve ser efectuada ao longo de toda a superfície entre o 2º e o 5º dedo e não
apenas nas extremidades dos dedos;

2 - Explica todo procedimento à vítima e pede a sua colaboração;

129
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

3 - Pede para serem retirados quaisquer objectos de adorno como fios e brincos;

4 - Com a cabeça estabilizada e traccionada, o segundo elemento avalia o tamanho do colar


cervical semi-rigido medindo a distância, com a mão em posição transversal, entre duas linhas
imaginárias paralelas que passem no mento e no ombro.

(Num colar de 4 apoios essa distância é a que corresponde ao topo da fita de velcro e a margem
que apoia no ombro).

5 – O segundo elemento coloca o colar cervical certificando-se do seu correcto posicionamento,


tamanho e adequada imobilização, enquanto o 1º elemento mantém a estabilização da coluna
cervical.

Não esquecer que o Colar Cervival

 Não imobiliza por si só

 Deve ser do modelo e tamanho apropriado para cada vítima

 Não deve impedir a abertura da boca da vítima

 Não deve de forma alguma obstruir ou impedir a ventilação

ROLAMENTO

Esta manobra deverá ser realizada apenas em situações indispensáveis.

Está contra-indicada em vítimas com fractura da bacia confirmada ou com fortes probabilidades e
em vítimas com corpos estranhos encravados.

Devem ser evitados movimentos desnecessários.

Está indicada por exemplo na avaliação da região posterior.

Sempre que possível optar pela técnica de levantamento.

Para realizar esta técnica são necessários, pelo menos quatro elementos.

1- O chefe de equipa (deve ser o elemento com mais experiência na realização desta técnica) explica
todo procedimento à vítima e pede a sua colaboração;
2- O chefe de equipa faz e mantém a estabilização, a tracção e o alinhamento possíveis da coluna
cervical, segundo o eixo Nariz, Umbigo, Pés, comanda todos os movimentos tendo sempre em
atenção o alinhamento e a posição de chegada da vítima. Distribui os elementos que irão colaborar
na mobilização;

130
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

3- Na tracção este elemento usará a chave polegar/indicador: formado com apoios na região malar e
na região occipital. A tracção deverá ser efectuada ao longo de toda a chave e não apenas nas
extremidades desta.
4- Com a vítima em decúbito dorsal o segundo elemento coloca-se lateralmente, do lado oposto para o
qual se fará o rolamento da vítima, com o plano duro inclinado entre si e o corpo da vítima, deixando
se possível parte do topo do plano livre para no final centrar a vítima;
5- O terceiro e o quarto elemento colocar-se-ão lateralmente à vítima, para o lado que a vítima vai ser
rolada, posicionam os membros da vítima de forma a se poder efectuar o rolamento (mantidos em
extensão com a palma da mão voltada para dentro). Ao comando do chefe de equipa colocam as
mãos alternadamente desde a região escapular até à zona da anca e sempre com a ajuda do segundo
elemento e sob o comando do chefe de equipa, rolarão para eles o corpo da vítima;
6- Em seguida enquanto o segundo elemento vai diminuindo a inclinação do plano duro, o terceiro e o
quarto elemento vão rolando o corpo para cima do plano duro, acompanhando o movimento até à
horizontal, sempre sob o comando do chefe de equipa;
7- De seguida a vítima é centrada no plano duro através de movimento de deslizamento para cima e
para o centro, sempre sob o comando verbal do chefe de equipa e mantendo a estabilização e o
alinhamento e por fim feita a aplicação do colar cervical;
8- Certificar-se que a vítima se sente segura e confortável;

Nota - Sempre que possível efectuar o rolamento para o lado onde não se observem lesões.

LEVANTAMENTO

O levantamento é a técnica recomendada para mobilizar qualquer vítima com lesão vértebro- medular
real ou potencial.

Para efectuar esta manobra correctamente recomendamos que seja efectuada por seis elementos
com treino (mais um para colocar e/ou retirar o plano), embora possa ser efectuada por um mínimo
de quatro elementos (mais um para colocar e/ou retirar o plano), dependendo também da estrutura
física do doente.

TÉCNICA

1- O chefe de equipa (deve ser o elemento com mais experiência na realização desta técnica)
explica o procedimento à vítima e pede a sua colaboração;
2- O chefe de equipa faz a estabilização e o alinhamento possíveis da coluna cervical, segundo
o eixo Nariz, Umbigo, Pés, comanda todos os movimentos com comandos verbais e distribui os
elementos que irão colaborar com ele na realização deste procedimento;
3- De um e de outro lado da vítima posicionar-se-ão dois elementos que colocarão os membros
da vítima de modo a permitir o levantamento, nomeadamente ao longo do corpo ou sobre o
abdómen (se não houver lesões que o impossibilitem). O sexto elemento segura os membros
inferiores;
4- O sétimo elemento coloca-se em posição de retirar o plano duro ou a maca coquille dos
bombeiros;

131
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

5- Colocar mãos A este comando, os elementos da equipa de ambos os lados, colocam


alternadamente as mãos sobre a vítima de forma a percepcionarem a sua correcta posição (as
mãos dos elementos de um lado alternam com as dos elementos do lado contrário e não com as
dos elementos do mesmo lado) de forma a manter o alinhamento com distribuição de forças e para
que a vítima seja mobilizada o menos possível, mantendo o alinhamento e a imobilização da coluna
cervical;
6- Introduzir mãos – A este comando, os elementos da equipa introduzem as ¾ da superfície
das mãos debaixo da vítima, utilizando movimentos suaves de deslizamento;
7- 1-2-3-levantar – A este comando, os elementos da equipa realizam o levantamento em bloco,
exercendo uma força para cima e ao mesmo tempo de encontro ao corpo da vítima. O levantamento
será efectuado até à altura previamente designada pelo chefe de equipa de forma a criar espaço
sob a vítima para a remoção do plano duro (± 30 cm).

Exº ““à minha voz de 3 vamos levantar a vítima até…1,2,3,levantar”;

8- Nesta fase o sétimo elemento retira o plano duro ou a maca coquille;


9- 1-2-3- baixar A este comando, os elementos da equipa baixam a vítima em bloco.

Exº “à minha voz de 3 vamos baixar a vítima…1,2,3, baixar”;

10- Nesta fase efectua-se a troca de colar cervical;

11 - Por fim o chefe de equipa certifica-se que a vítima se sente segura e confortável;

ENTRETANTO NUNCA ESQUECER DE:

 Respeitar sempre que possível a privacidade da vítima;


 Explicar à vítima todos os procedimentos;
 Avaliar os sinais vitais, sempre que se justifique;
 Mobilizar a vítima de forma que se sinta segura, usando movimentos suaves mas firmes;
 Certificar-se que a vítima se sinta confortável e segura;
 Manter uma atitude adequada, usar um tom de voz firme mas suave, de modo a transmitir
segurança.

Nota – O plano duro deve-se retirar o mais precocemente possível, devendo permanecer numa vítima
num período máximo de duas horas, ou na impossibilidade de o fazer efectuar o rolamento e efectuar
massagem na região posterior com creme hidratante.

NOTA - Antes de se efectuar o transporte, a fixação da cabeça deve ser completada com os
imobilizadores laterais de cabeça e as fitas de fixação da cabeça correctamente colocadas,
enquanto a vítima se encontra em plano duro e com os tirantes devidamente colocados. Se é
previsível que o transporte vai ser demorado, então privilegiar a maca coquille.

132
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Anexos

ANEXO II– Técnica Acesso intraóssea

133
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

II- Acesso vascular por via intraóssea

Em 2010 com a implementação de novas orientações no algoritmo de Suporte Avançado de Vida, o


acesso vascular por via intraóssea (IO) tem vindo a ganhar cada vez mais importância no que diz
respeito à abordagem do doente crítico, mais especificamente na avaliação da Circulação no qual se
torna essencial a obtenção de um acesso vascular para administração de terapêutica de forma rápida e
eficaz.

O acesso IO é normalmente utilizado com a inserção de um catéter nas regiões distais e proximais
(epífise) de ossos longos numa região de menor resistência óssea, mas altamente vascularizada pela
presença de osso esponjoso. Através deste cateter IO toda a terapêutica passa para um vasto sistema
vascular dentro do osso tal como demonstra a Figura 1.

Figura 1- Anatomia óssea

Este tipo de acesso vascular está indicado nas mais variadas situações, em que é de extrema
importância a administração de fármacos ou fluidoterapia de forma rápida e eficaz. Em situações de
emergência, a probabilidade de um profissional de saúde falhar a primeira tentativa de acesso venoso
periférica é de cerca de 40%. No entanto, encontramos dispositivos de acesso intraósseo no mercado
que nos oferecem uma taxa de eficácia de 97-98% logo na primeira tentativa.

Em relação a complicações que podem advir da utilização do acesso IO, estas também segundo a
literatura apresentam uma incidência muito reduzida, tendo por exemplo uma probabilidade de acontecer
um sindrome compartimental, osteomielite ou necrose dos tecidos em 1 para cada 100 000 inserções
(Registo Arrow EZ-IO®).

134
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Alguns exemplos de indicações para a utilização do acesso IO são:

 Alteração do estado de consciência  Intoxicações medicamentosas


 Anafilaxia  Paragem cardio-respiratória
 Cetoacidose diabética  Ponte para colocação de catéter
 Choque venoso central
 Disritmias  Queimado
 Hipotermia  Sépsis
 Indução anestésica  Sindrome coronária aguda
 Instabilidade hemodinâmica  Trauma major

Existem também outras situações embora menos urgentes no qual pode ser utilizado o acesso IO:

 Administração de antibioterapia
 Dor torácica
 Desidratação
 Alterações metabólicas
 Administração de analgesia
 Procedimentos cirúrgicos

A lista de fármacos que podem ser utilizados por via IO é vasta, no entanto há terapêutica na qual não
existe evidência da sua eficácia ou que é passível de causar dano ósseo, como por exemplo:

- Soluções hipertónicas não devem ser administradas em perfusão contínua num período de tempo
superior a 2 horas.

- Nutrição parentérica e Citostáticos

135
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Tabela 1 – Contraindicações para a utilização do acesso intraósseo

Contraindicações para a utilização do acesso intraósseo

Fractura ou suspeita de fractura do membro que é selecionado para fazer a


inserção.

Zona de inserção com sutura operatória. Assume-se como sendo um local com
prótese ou cirurgia ortopédica major.

Zonas sem marcas para referência anatómica. Não é recomendado selecionar um


local onde não se tem a certeza de onde se está a colocar o catéter IO.

Infeção na zona do local de inserção

Zona em que houve inserção de outro acesso IO há menos de 48h

136
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

1- Zonas de inserção para o acesso IO

Úmero proximal
 Zona de eleição para administração com volume
elevado
 Chegada do fármaco à auricula direita em cerca de
3 segundos
 Melhor tolerável em doente consciente e reativo à
dor
Fémur distal
 Local de eleição apenas em pediatria
Tibia proximal
 Indicado para doentes inconscientes por se
tratar de uma zona mais dolorosa ao infundir
terapêutica
 Profissionais pouco familiarizados com outras
zonas de inserção
 Incapacidade de referências anatómicas em
outros locais possíveis
 Tempo de chegada do fármaco ao coração
cerca de 10 segundos
Tibia distal
 Indicado em doentes com obesidade
 Incapacidade em aceder a outras zonas de
inserção do acesso IO

137
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

2- Técnica de inserção

A. Úmero proximal

 Membro em rotação interna ou membro em extensão com a mão rodada internamente


 Identificar o colo cirúrgico do úmero e medir 2cm acima.
 Inserido no troquiter a 45° em relação ao plano anterior.

Figura 3 – Inserção do catéter IO no úmero

Figura 2- Localização do local de inserção IO umeral

B. Fémur distal (pediatria)

 Medir 1cm acima da rótula e 1 cm para a região interna com membro em extensão

 Num ângulo de 90° inserir o catéter IO

Tibia proximal Figura 4- Local de inserção no fémur distal

138
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

C. Tibia proximal

Adulto

 Medir 2-3cm abaixo da rótulo e 2-3cm para a região interna ou palpar tuberosidade anterior da
tibia e medir 2-3cm para a região interna

 Colocar num ângulo de 90° na face plana da tibia o catéter IO com o membro em extensão

Figura 5 – Anatomia e local de inserção do catéter IO na tibia proximal no adulto

Pediatria

 Medir 1cm abaixo da rótulo e 1cm para a região interna ou palpar tuberosidade anterior da tibia
e medir 1cm para a região interna

 Colocar num ângulo de 90° na face plana da tibia o catéter IO com o membro em extensão

Figura 6- Zona de inserção do catéter IO na tibia proximal em pediatria

139
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado
D. Tibia distal

Adulto

 Palpar o maléolo interno e cerca de 3cm da maior proeminência, no meio da tibia entre a face
anterior e posterior desta.

 Inserir o catéter num ângulo de 90° com o membro em posição neutra

Figura 7- Zona de inserção do catéter IO na tibia distal no adulto

Pediatria

 Palpar o maléolo interno e cerca de 1-2cm da maior proeminência, no meio da tibia entre a face
anterior e posterior desta.
 Inserir o catéter num ângulo de 90° com o membro em posição neutra

Figura 8- Zona de inserção do catéter IO na tibia distal em pediatria

140
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Pontos essenciais a reter após a colocação do catéter IO

 Avaliar estabilidade do catéter


 Capacidade de refluxo de sangue com uma seringa
 Administrar bólus de solução salina para libertar todo o espaço intraósseo após a sua
correta inserção

Sem bólus não é possível ter o fluxo adequado

141
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Anexos

ANEXO III – Algoritmo de SBV no Adulto

142
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

III - ALGORITMO DE SBV COM DAE NO ADULTO

143
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Anexos

ANEXO IV – Algoritmo de Reanimação Intra-


Hospitalar

144
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

IV - ALGORITMO DE REANIMAÇÃO INTRA HOSPITALAR


Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

Anexos

ANEXO V e VI- Algoritmo de SAV

146
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado
V - ALGORITMO DE SAV

147
Manual de Abordagem Sistematizada do Politraumatizado

VI - ALGORITMO DE SAV- TRAUMA

148

Você também pode gostar