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Orientações

Esta seção procura aprofun-


dar um pouco mais o co-
nhecimento dos estudantes VERSÕES DA GUERRA DO PARAGUAI
sobre a Guerra do Paraguai,
que contou com a partici- A Guerra do Paraguai é objeto de diferentes interpretações históricas. No texto a seguir,
pação expressiva de escravi- o historiador brasileiro Boris Fausto apresenta algumas dessas interpretações sobre esse
zados e libertos nas frentes conflito internacional que marcou profundamente a história do Segundo Reinado.
de batalha e posteriormente
A guerra constitui um claro exemplo de como a História, sem ser arbitrária, é um
se mostrou um conflito im-
trabalho de criação que pode servir a vários fins. Na versão tradicional da historiografia

em debate
portante para o desenvol-
vimento das lutas sociais e brasileira, o conflito resultou da megalomania e dos planos expansionistas do ditador
abolicionistas dos afrodes- paraguaio Solano López. Membros das Forças Armadas – especialmente do Exército
cendentes no Brasil. Busca – encaram os episódios da guerra como exemplos da capacidade militar brasileira, exal-
ampliar a discussão sobre as tando os feitos heroicos de Tamandaré, de Osório e, em especial, de Caxias. [...]
possibilidades de interpreta- Atravessando a fronteira, encontramos no Paraguai uma historiografia oposta. O
ções historiográficas. conflito é aí visto como uma agressão de vizinhos poderosos a um pequeno país inde-
Inicie uma discussão com os pendente. Essa versão serviu em anos recentes para glorificar o ditador paraguaio Al-
estudantes sobre a pesquisa fredo Stroessner [que governou o país entre 1954 e 1989]. [...] Stroessner apresentava-se
histórica, os caminhos meto- como continuador da obra do general Bernardino Caballero, [...] oficial de confiança de
dológicos, a visão de mun- Solano López nos anos da guerra.
do, a posição crítica, política
e social que permeia a análi- Na década de 1960, surgiu entre os historiadores de esquerda, como o argentino
se dos historiadores. É inte- León Pomer, uma nova versão. O conflito teria sido fomentado pelo imperialismo inglês.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ressante chamar a atenção O Paraguai era um país de pequenos proprietários que optara pelo desenvolvimento au-
deles para a época em que tônomo, livrando-se da dependência externa. Brasil e Argentina definiam-se como na-
as análises são produzidas, ções dependentes, baseadas no comér-

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL, RIO DE JANEIRO


pois elas dialogam com as cio externo e no ingresso de recursos e
preocupações dos historia- tecnologia estrangeiros. Esses dois paí-
dores em relação ao seu ses teriam sido manipulados pela Ingla-
próprio tempo. terra para destruir uma pequena nação
cujo caminho não lhe convinha. Além
disso, os ingleses estariam interessados
em controlar o comércio do algodão
paraguaio, matéria-prima fundamental
para a indústria têxtil britânica.

AGOSTINI, Angelo. O Nero do século


XIX. 1869. Fundação Biblioteca
Nacional, Rio de Janeiro.
Charge representando Solano López
sobre uma pilha de crânios. Com
frequência, o ditador paraguaio foi
representado na imprensa brasileira
como um líder sanguinário. Por sua
vez, os jornais paraguaios retratavam
o Exército brasileiro de forma racista,
devido à participação de negros
libertos no conflito.

210 Unidade VII – Brasil: da Regência ao Segundo Reinado

Sugestões para o professor:


ARAÚJO, Tiago Gomes de. A identidade nacional brasileira na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Ar Editora, 2013.
PERNIDJI, Joseph Eskenazi; PERNIDJI, Maurício Eskenazi. Homens e mulheres na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

210 – 4o BIMESTRE
Respostas
1. O texto apresenta quatro
versões sobre a Guerra do Pa-
raguai. A primeira é a da his-
Essa interpretação está muito ligada às concepções correntes na esquerda latino-ame- toriografia brasileira tradicio-
ricana das décadas de 1960 e 1970. Pensava-se naqueles anos que os problemas do conti- nal. A segunda foi produzida
nente resultavam basicamente da exploração imperialista. A Guerra do Paraguai seria um pela historiografia tradicional
exemplo a mais de como a América Latina, ao longo do tempo, tinha apenas trocado de paraguaia. A terceira é focada
dono, passando de mãos inglesas para norte-americanas. no imperialismo inglês, ligada
a concepções de correntes da
Nos últimos anos, a partir de historiadores como Francisco Doratioto e Ricardo Salles, esquerda latino-americana das
surgiu uma nova explicação. Não se trata da última palavra no campo da História, mas de décadas de 1960 e 1970, e a
uma versão menos ideológica, mais coerente e bem apoiada em documentos. Ela concen- quarta foi produzida pelo espe-
tra sua atenção nas relações entre os países envolvidos no conflito. Tem a vantagem de cialista em relações internacio-
nais Francisco Doratioto e pelo
procurar entender cada um desses países a partir de sua fisionomia própria, sem negar a historiador Ricardo Salles, e se
grande influência do capitalismo inglês na região. Chama a atenção, assim, para o proces- concentra nas relações entre os
so de formação dos Estados nacionais da América Latina e da luta entre eles para assumir países envolvidos no conflito.
uma posição dominante no continente. 2. Essa interpretação responsa-
biliza o ditador paraguaio Sola-
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2007. p. 208-209.
no López pela eclosão do con-
flito. Segundo esse ponto de
vista, o Brasil entrou em guerra

JAVIER LÓPEZ/BATE Y CA. – BIBLIOTECA NACIONAL DO URUGUAI, MONTEVIDÉU


para conter os planos expan-
sionistas de López. Essa visão
também glorifica as Forças Ar-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

madas brasileiras, destacando


a atuação de alguns comandan-
tes, vistos como heróis.
3. Na versão paraguaia, o con-
flito resultou da agressão de
vizinhos poderosos a um pe-
queno país independente. Essa
versão foi utilizada em anos re-
centes para glorificar o ditador
paraguaio Alfredo Stroessner
[que governou o país entre
1954 e 1989].
4. Segundo essa interpretação,
o conflito foi fomentado pelo
imperialismo inglês. O Para-
guai era um país de pequenos
proprietários que optaram pelo
desenvolvimento autônomo,
livrando-se da dependência
Campo de batalha com corpos de paraguaios empilhados, 1866. Esta imagem contradiz a visão
externa. Brasil e Argentina de-
brasileira ufanista do conflito.
finiam-se como nações depen-
dentes, baseadas no comércio
externo e no ingresso de recur-
1 Identifique as versões sobre a Guerra do Paraguai apresentadas no texto. sos e tecnologia estrangeiros.
De acordo com essa interpre-
2 Explique a visão tradicional da historiografia brasileira sobre essa guerra. tação, Brasil e Argentina foram
manipulados pela Inglaterra
para destruir uma pequena na-
3 Qual é a versão da historiografia paraguaia para o conflito?
ção cujo caminho não lhe con-
vinha. Além disso, os ingleses
4 Segundo as vertentes historiográficas dos anos 1960 e 1970, citadas no texto, qual é a estavam interessados em con-
relação entre o imperialismo inglês e a Guerra do Paraguai? trolar o comércio do algodão
paraguaio, matéria-prima fun-
5 Como a interpretação elaborada por Francisco Doratioto e Ricardo Salles se opõe à damental para a indústria têxtil
ideia de que essa guerra foi fomentada pelo imperialismo inglês? britânica.
5. A vertente dos anos 1960 e 1970 tendeu a analisar o conflito como resultado, principalmente, dos interesses
da Inglaterra em interromper o progresso paraguaio, visto como uma ameaça
Capítulo 16 – O Segundo Reinado 211
aos negócios ingleses na região platina.
Opondo-se a essa visão, Francisco Doratioto e Ricardo Salles analisam o conflito como fruto das disputas pela
hegemonia na região e do caminho escolhido para se consolidarem como Estados nacionais.

4o BIMESTRE – 211

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