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A grotesca debacle das Lojas Americanas, uma das mais populares varejistas brasileiras,
pode ser vista de duas formas.
Consta no site da Americanas que um dos valores da companhia é “ser obcecado por
resultados”. Segundo definição do dicionário Michaelis da língua portuguesa, obcecado
significa “cego; que está com a razão sem discernimento; que insiste no erro; apegado a
uma ideia fixa de maneira irracional”.
Não é difícil concluir que, se o valor da empresa é a obsessão por resultados, assim será
sua cultura e, portanto, sua prática.
A busca pelo resultado a qualquer custo inclui passar por cima dos interesses
dos stakeholders para atender interesses próprios, muitas vezes negligenciando
integridade e ética.
Neste sentido, não podemos ver a Americanas como um caso isolado, mas sim como
produto de uma cultura da fase mais hostil do capitalismo, que teve seu auge nos anos
1990 e 2000 – coincidentemente o período em que a Americanas destacava-se e figurava
entre as empresas mais admiradas do país.
Apenas como parâmetro de comparação, nas Lojas Renner, varejista com melhor
reputação em governança, este índice de disparidade é de 137 vezes, ainda distante da
média de 44 vezes do índice FTSE-350 (Reino Unido). Na média do Sistema B Brasil –
referência de empresas que equilibram propósito e lucro – o índice é de 20 vezes, uma
fração do praticado na Americanas.
Os críticos à abordagem ESG precisam entender de uma vez por todas que ESG não se
trata de abraçar árvores ou observar pássaros. Já os adeptos precisam entender de uma
vez por todas que ESG não trata somente de medir emissão de carbono ou equidade de
gênero.
A Americanas pertence ao Novo Mercado, por muitos considerado um selo de virtude nas
questões de governança corporativa. Ledo engano.
Vale lembrar que grande parte dos escândalos em matéria de más práticas de governança,
fraude ou operações lesivas a acionistas minoritários ocorreram em empresas
pertencentes ao Novo Mercado, tais como IRB, CVC, Linx, Smiles, JBS, Hypera, todas as
empresas “X” de Eike Batista, entre outras.
O Novo Mercado nada mais é do que um conjunto de normas às quais algumas empresas
atendem. Boa governança não é uma questão normativa, mas sim de bons processos e
princípios éticos.
A Americanas é também integrante do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3.
Obviamente, uma empresa que possui cultura tóxica e comete fraudes no balanço não é
sustentável. Atender a determinados requisitos – bastante amenos, por sinal – não faz da
empresa responsável ou sustentável. Há uma série de empresas que não figurariam na
composição do ISE se os critérios fossem minimamente mais rigorosos.
Infelizmente, o mercado sempre procura atalhos. É muito mais fácil recorrer a uma lista do
que realizar uma análise adequada e exaustiva.
Pertencer ao Novo Mercado não significa ter boa governança, pertencer ao ISE não
significa ser avançado em ESG e possuir o selo “IS” da ANBIMA não significa que o fundo
seja sustentável (nenhum fundo de ações do Brasil merece este sufixo).
O bizarro escândalo das Americanas não pode resultar “apenas” no prejuízo de dezenas
de bilhões de reais.