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Já nesse texto avulta como central a questão do saber. Com efeito, não
estaremos, por certo, forçando a análise se afirmarmos que a produção não
material coincide com a produção do saber. De fato, a produção não mate
rial, isto é, a produção espiritual, não é outra coisa senão a forma pela qual o
homem apreende o mundo, expressando a visão daí decorrente de distintas
maneiras. Eis por que se pode falar de diferentes tipos de saber ou de conhe
cimento, tais como: conhecimento sensível, intuitivo, afetivo, conhecimento
intelectual, lógico, racional, conhecimento artístico, estético, conhecimento
axiológico, conhecimento religioso e, mesmo, conhecimento prático e co
nhecimento teórico. Do ponto de vista da educação, esses diferentes tipos
de saber não interessam em si mesmos; eles interessam, sim, mas enquanto
elementos que os indivíduos da espécie humana necessitam assimilar para que
se tornem humanos. Isto porque o homem não se faz homem naturalmente;
ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir,
pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou
avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo. Assim, o saber
que diretamente interessa à educação é aquele que emerge como resultado do
processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo. Entretanto,
para chegar a esse resultado a educação tem que partir, tem que tomar como
referência, como matéria-prima de sua atividade, o saber objetivo produzido
historicamente.
O fenômeno anteriormente apontado manifesta-se desde a origem do
homem pelo desenvolvimento de processos educativos inicialmente coinciden
tes com o próprio ato de viver, os quais se foram diferenciando progressiva
mente até atingir um caráter institucionalizado cuja forma mais conspícua se
revela no surgimento da escola. Esta aparece inicialmente como manifestação
secundária e derivada dos processos educativos mais gerais, mas vai trans
formando-se lentamente ao longo da História até se erigir na forma principal
e dominante de educação. Esta passagem da escola à forma dominante de
educação coincide com a etapa histórica em que as relações sociais passaram
a prevalecer sobre as naturais, estabelecendo-se o primado do mundo da
cultura (o mundo produzido pelo homem) sobre o mundo da natureza. Em
consequência, o saber metódico, sistemático, científico, elaborado, passa a
predominar sobre o saber espontâneo, “natural”, assistemático, resultando daí
que a especificidade da educação passa a ser determinada pela forma escolar.
A etapa histórica em referência- que ainda não se esgotou - corresponde ao
surgimento e desenvolvimento da sociedade capitalista, cujas contradições vão
8 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
colocando de forma cada vez mais intensa a necessidade de sua superação. Eis
por que no texto “Sobre a natureza e especificidade da educação” se considerou
legítimo tomar-se a educação escolar como exemplar.
A questão do saber objetivo recebe uma determinação mais precisa no
texto seguinte, motivado pela polêmica em que se contrapôs a competência téc
nica ao compromisso político. O ponto de vista histórico-crítico permitiu aí des
montar o raciocínio positivista, afastando a armadilha em que frequentemente
caem os próprios críticos do positivismo ao deixarem intacta a premissa maior
que vincula a objetividade à neutralidade. Tal desmontagem tornou possível
negar a neutralidade e, ao mesmo tempo, afirmar a objetividade. A neutralidade
é impossível porque não existe conhecimento desinteressado. Não obstante
todo conhecimento ser interessado, a objetividade é possível porque não é todo
interesse que impede o conhecimento objetivo. Há interesses que não só não
impedem como exigem a objetividade. Mas como diferenciá-los? Tal tarefa re
sulta impossível de ser realizada no plano abstrato, isto é, no terreno puramente
lógico. Para se saber quais são os interesses que impedem e quais aqueles que
exigem a objetividade, não há outra maneira senão abordar o problema em ter
mos históricos. Só no terreno da História, isto é, no âmbito do desenvolvimento
de situações concretas, essa questão pode ser dirimida. E é isso que a conclusão
do texto “Competência política e compromisso técnico” procurou evidenciar,
exemplificando com o desenvolvimento da sociedade burguesa.
Na sequência encontram-se dois textos referidos diretamente à peda
gogia histórico-crítica. Ambos se complementam na medida em que situam
essa corrente pedagógica no contexto brasileiro em confronto com as demais
tendências, esclarecendo as principais objeções a ela formuladas e explicitando
a sua relação com a educação escolar. Em ambos os textos também o problema
do saber ocupa lugar proeminente. Com efeito, em “A pedagogia histórico-
crítica no quadro das tendências críticas da educação brasileira”, observa-se
que todas as objeções examinadas na forma de dicotomias estão referidas ao
problema do saber. E em “A pedagogia histórico-crítica e a educação escolar”
reitera-se que “o saber é objeto específico do trabalho escolar”.
Em suma, é possível afirmar que a tarefa a que se propõe a pedagogia
histórico-crítica em relação à educação escolar implica:
a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o
saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições
de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações,
bem como as tendências atuais de transformação.
DERMEVAL SAVIANI 9