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A escolhas dessas revistas não ocorreu de forma aleatória, posto que, as duas
primeiras situam-se na qualificação máxima atribuída pela Capes (Qualis A1) e a última revista
mencionada é produzida pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social –
ABEPSS que, por sua vinculação, já demonstra a qualidade e compromisso crítico dos artigos
produzidos.
Esperamos que esse documento possa contribuir com assistentes sociais que já
atuam na área ao trazer reflexões de outros profissionais e outras instituições, bem como, com
estudantes de serviço social que gostariam de conhecer um pouco mais sobre a atuação do
assistente social na política de saúde.
Agosto de 2020.
Todo o conteúdo compilado das revistas, estão disponíveis em meio eletrônico
licenciados sob uma Licença de Atribuição Creative Commons metodologia
comum para a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da
literatura científica em formato eletrônico.
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COMO A GENTE LIDA? A ATUAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONJUGAL..132
Education in Health and Social Work: A strategic political instrument in professional practice
Abstract: Education about healthcare is one of the main instruments of the professional work of social assistants in the field of
healthcare. It therefore uses ethical-political, theoretical-methodological and technical-operatives, which are dimensions that guide the
professional action of social workers and that are essential to a critical understanding of the professional reality and to supporting the
intervention of social work. This article raises some elements for the debate about education in health as one of the working instruments
of social workers in the field of healthcare. To do so, it addresses the historic trajectory of education in health within Brazilian healthcare
policy, highlights the main paradigms that have guided the actions of healthcare in the country and raises some questions for reflection
about the ethical-political dimension of education in health as a field of intervention of social workers.
Keywords: Education in health. Social work. Socio-educational actions.
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440 Marta Alves Santos e Mônica de Castro Maia Senna
Introdução
A área da saúde tem se constituído, ao longo do tempo, em um dos principais campos de atuação
profissional do assistente social no Brasil. Dentre as ações desenvolvidas pelo profissional de Serviço Social
nessa área, merecem destaque aquelas vinculadas à Educação em Saúde que, embora não exclusivas do
assistente social, tem sido uma das mais constantes e frequentemente requisitadas a esse profissional, sobretu-
do no âmbito da chamada Atenção Primária em Saúde.
Mais do que um procedimento exclusivamente técnico, a Educação em Saúde reveste-se de uma dimen-
são social e ético-política e, como tal, produz “[...] efeitos reais na vida dos sujeitos” (IAMAMOTO, 1999, p.
67), na medida em que veiculam determinados interesses e compromissos de classe. Isto posto, entende-se que
é preciso considerar as concepções, finalidades e objetivos que orientam tais ações.
É possível identificar diferentes concepções de Educação em Saúde que se colocam em disputa ao
longo da trajetória da política de saúde no país. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a concepção hegemônica
baseia-se em uma noção restrita do processo saúde-doença a seus aspectos biológicos, reforçando a respon-
sabilidade individual na promoção e garantia da saúde. Desse modo, a Educação em Saúde tende a se consti-
tuir em um instrumento de dominação e de afirmação do saber dominante, visando apenas à integração do
usuário às condições sociais, políticas e econômicas em que vive. Ao mesmo tempo, desconsidera a perspec-
tiva ampliada de saúde como produto das relações sociais vigentes, tal como defendida pelo movimento da
Reforma Sanitária brasileira a partir dos anos 1970.
Outras formas de conceber e de trabalhar a Educação em Saúde têm desafiado a concepção hegemônica,
contribuindo para o reconhecimento da saúde como um processo de construção coletiva e dos sujeitos envol-
vidos como autores de sua própria história. Tais concepções advogam que a Educação em Saúde não se
operacionaliza pela mera transferência de informação, o que reforça a subalternização dos usuários, mas, ao
contrário, pode contribuir para enfatizar a participação social dos usuários e produzir conhecimento crítico da
realidade. Segundo Nogueira e Mioto (2006), a Educação em Saúde e sua promoção estão vinculadas à
eficácia da sociedade em efetivar, de fato, a implantação de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida
e ao desenvolvimento da capacidade de contextualizar criticamente a conjuntura em que está inserida, a fim de
contribuir para a transformação real dos fatores determinantes da condição de saúde. Uma proposta de Edu-
cação em Saúde objetiva socializar o conceito de consciência sanitária.
Torna-se fundamental, desse modo, que o profissional de Serviço Social priorize ações coletivas que
democratizem informações e conhecimentos necessários para a promoção, prevenção e recuperação da saú-
de, a partir de uma prática educativa crítica, que fortaleça a autonomia dos sujeitos e que seja construída por
dois sujeitos sociais: profissionais e usuários.
Esse artigo busca contribuir nessa direção, trazendo elementos para o debate em torno da Educação em
Saúde como um dos instrumentos de trabalho do assistente social na área da saúde. Inicialmente, aborda a trajetória
histórica da educação em saúde no interior da política de saúde brasileira. Em seguida, destaca os principais paradigmas
que têm orientado as ações de Educação em Saúde no país. Por fim, elenca algumas questões para reflexão sobre
a dimensão ético-política da Educação em Saúde como campo de intervenção do assistente social.
Entende-se que as concepções de Educação em Saúde estão profundamente imbricadas com os mode-
los de atenção à saúde constituídos no Brasil, os quais, por sua vez, são parte integrante dos processos sociais,
políticos e econômicos mais amplos em diferentes contextos históricos. Nesse sentido, cabe reconhecer que a
emergência da Educação em Saúde como campo de prática se dá de forma articulada ao que vem a se
constituir a Saúde Pública no Brasil (MARQUES, 2006).
No início do século XX, o Estado brasileiro amplia suas ações dirigidas à coletividade, visando a comba-
ter as epidemias que atingiam os interesses econômicos das elites dominantes, em especial os setores da
produção e exportação de café e da incipiente indústria nacional. Institucionalizava-se a Saúde Pública como
área de intervenção estatal, dando ênfase a medidas higienistas de saneamento e controle de doenças, elegen-
do os cortiços – local de moradia da classe trabalhadora de mais baixa renda – como foco central das interven-
ções sanitárias. Predominavam percepções que imputavam à classe trabalhadora a responsabilidade pela falta
de higiene, pela ausência de saneamento e pela precariedade das condições de vida.
Dentro desse contexto, a Educação em Saúde ganha força como importante mecanismo de normaliza-
ção de comportamentos das classes populares, assumindo um caráter disciplinador e repressivo. Como salien-
tam Smeke e Oliveira (2001, p. 118), no Brasil, a Educação em Saúde “tem origem marcada por um discurso
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Educação em Saúde e Serviço Social: instrumento político estratégico na prática profissional 441
e prática normatizadores. Esses discursos operavam no sentido de uma conduta racional e laica perante a
doença, contrapondo-se à ideologia místico-religiosa, então predominante”.
Essa tendência é realçada nas análises de Costa (1984, p. 7), ao afirmar que
A estratégia de educação em saúde foi regulamentar, enquadrar, controlar todos os gestos, atitudes, com-
portamentos, hábitos e discursos das classes subalternas e destruir ou apropriar-se dos modos e usos do
saber estranhos a sua visão do corpo, da saúde, da doença, enfim, do ‘bom’ modo de andar a vida.
O caráter extremamente autoritário das práticas educativas no período foi destacado por Silva et al.
(2010), que identificam a influência do modelo alemão da Polícia Médica. De acordo com os autores, nesse
contexto foi criada a política sanitária no Brasil com atuação assentada no discurso da higiene com imposição
de normas e regras.
Inflexões ganham vulto a partir dos anos 1930, quando o Brasil dá impulso ao processo de industrializa-
ção e o Estado passa a intervir na questão social. Com a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão
(IAP), tem início a atenção sanitária voltada aos trabalhadores, demarcando o padrão dual de organização da
política de saúde que vigoraria até a Constituição Federal de 1988, caracterizado, em linhas gerais, pela conju-
gação de ações de saúde pública, de caráter preventivo e voltado às coletividades a ações de assistência
médica com enfoque individual e predominantemente curativa (BRAVO, 2004).
No campo específico da Educação em Saúde, assiste-se, no período, ao avanço da influência norte-
americana, por meio do desenvolvimento da educação sanitária. Essa perspectiva criticava o modelo autoritá-
rio anterior, apontando sua baixa eficácia diante de demandas relacionadas à saúde da criança e do trabalhador
que se apresentavam naquele momento. Assim, propunha ações persuasivas e de conscientização em que
os métodos educativos eram propostos com base na crença de que boas condições de saúde passavam pela
consciência sanitária dos indivíduos (SILVA et al., 2010).
Com forte influência eugenista, a educação sanitária foi introduzida nas escolas públicas brasileiras,
tendo por base a concepção de que aspectos de moral e bom comportamento possibilitariam o ajuste dos
indivíduos a uma vida considerada normal perante a sociedade. De acordo com Silva et al. (2010), entendia-se
que o acesso a informações sobre hábitos saudáveis levaria aos setores populares a consciência sobre compor-
tamentos insalubres e isso seria suficiente para mudanças nesses comportamentos.
Essa tendência é reforçada nos anos seguintes, no bojo do fortalecimento do denominado sanitarismo-
desenvolvimentista. Trata-se, em linhas gerais, de uma ideologia baseada na crença de que o nível de saúde de
uma dada sociedade está atrelado ao grau de desenvolvimento do país. Nesse sentido, as ações de educação
em saúde são enfatizadas como estratégicas para melhorar as condições socioeconômicas da população,
ancoradas no plano disciplinador, individual e cultural.
A ditatura militar interrompeu os intentos participacionistas que caracterizaram a ação estatal do período
populista. Há reformulações importantes no sistema de saúde brasileiro, com unificação dos IAP no Instituto
Nacional da Previdência Social (INPS) e posterior incorporação ao Sistema Nacional da Previdência Social
(SINPAS). Como sinaliza Bravo (2007), tratava-se de um processo de modernização estatal, em que o Estado
aumentava seu poder regulatório sobre a sociedade e, ao mesmo tempo, desmobilizava as forças políticas que
estavam em cena no período anterior.
Durante o período ditatorial, a política de saúde privilegiou o setor privado, por meio de um dado
padrão de intervenção estatal que incentivava a extensão da cobertura previdenciária via oferta privada e
financiamento público. Consolidava-se a hegemonia do modelo médico curativo, hospitalocêntrico, individual
e especializado, por meio da articulação do Estado aos interesses das indústrias farmacêuticas, de equipa-
mentos médicos e seguros saúde.
Em contraposição ao regime autoritário, ganhava terreno uma abordagem histórico-estrutural dos pro-
blemas de saúde, impulsionada pelos Departamentos de Medicina Preventiva das Faculdades de Medicina e
pela crescente efervescência dos chamados novos movimentos sociais. Afirmava-se a noção de saúde-doen-
ça como um processo socialmente determinado, chamando atenção para aspectos-chave como sua articulação
com o mundo do trabalho, a prática social da medicina e a tendência de medicalização da sociedade. Ao
mesmo tempo, cresciam as críticas ao Estado autoritário e ao modelo médico hegemônico, com defesa da
mobilização e participação da sociedade civil.
Nesse contexto, há uma reformulação no campo da Educação em Saúde. De acordo com Marques
(2006), mudanças na nomenclatura do campo indicavam diferentes concepções e orientações para o desenvol-
vimento das ações educativas na área da saúde. Há uma tendência à adoção de uma perspectiva mais demo-
crática, em grande parte impulsionada pelo emergente movimento sanitário. Todavia, foram grandes as resis-
tências por parte dos segmentos hegemônicos, principalmente das indústrias farmacêuticas e da Federação
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442 Marta Alves Santos e Mônica de Castro Maia Senna
Brasileira de Hospitais, que se articulavam aos governos militares e assumiam a hegemonia no processo
decisório em torno da política de saúde.
Nesse contexto, cabe destacar a influência recebida do método de Educação Popular, elaborado por
Paulo Freire (1987, 2014), para o desenvolvimento da Educação em Saúde. Este método se ancora na aliança
entre técnicos e classes populares, valorizando o saber popular e considerando essa aliança uma troca de
experiências de saberes diferenciados. Mais ainda, a Educação em Saúde passou a ser vista como um proces-
so capaz de possibilitar a conscientização dos grupos sociais desfavorecidos sobre suas condições de vida e
saúde e, desse modo, uma estratégia fundamental para a superação de tais condições (MARQUES, 2006).
Sob essa ótica, e referenciadas pela Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde
ocorrida em Alma Ata no ano de 1979, várias experiências locais em torno da saúde foram desenvolvidas pelo
país, sendo a Educação em Saúde importante eixo aglutinador para onde convergiam iniciativas de resistência
e oposição ao regime militar.
No contexto de transição democrática da década de 1980, a luta pela saúde pública se ampliou no Brasil,
e as propostas advindas de várias manifestações sociais ganharam visibilidade. Nesse período, eventos impor-
tantes na área da saúde revelaram um campo de tensão constante entre os interesses de cunho capitalista e
aqueles postos pelas mobilizações que buscavam implementar uma política sanitária mais igualitária.
Um marco nesse processo foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), ocorrida em 1986 e que
contou com a participação não apenas de setores do governo – como era até então – mas, de forma então
inédita, com profissionais de saúde e representantes dos movimentos sociais. Denunciando as precárias condi-
ções de organização da atenção à saúde e reivindicando maior responsabilização pública e níveis de equidade
e justiça social, o relatório final da 8ª CNS encampou os princípios da participação, da equidade, da integralidade
e da universalização, que serviram de base para a elaboração do capítulo da saúde na Constituição de 1988.
O campo da Educação em Saúde também sofreu influências do clima democrático que se destacava no
país. Propostas com ideais inovadores se confrontavam com o modelo tradicional de educar no âmbito da
saúde. Segundo Silva et al. (2010), novas abordagens em educação em saúde buscavam promover o cresci-
mento da capacidade crítica da realidade, como também, aperfeiçoar formas de lutas, resistência e enfrentamento.
A partir de um olhar crítico e pedagógico, a educação em saúde adquiriu um perfil democrático que possibilitou
fomentar a participação e as ações coletivas em direção à perspectiva de transformação social.
Mas a tensão entre concepções distintas sobre Educação em Saúde se faz presente no processo de
construção e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), esse também atravessado por disputas entre
projetos distintos. Verificam-se continuidades e também mudanças em relação aos princípios defendidos pela
Reforma Sanitária brasileira, com avanços importantes em termos de cobertura das ações sanitárias, do pro-
cesso de descentralização e pactuação entre os três níveis de governo e da ampliação da arena decisória,
dentre outros. No entanto, o subfinanciamento setorial, o potente viés mercadológico da saúde e a expansão do
subsistema privado, em grande parte subvencionada por recursos públicos, configuram limites estruturais às
mudanças no modelo de atenção e de gestão pública.
A implantação da Estratégia Saúde da Família e a institucionalização das Políticas Nacionais de Atenção
Básica - PNAB (BRASIL, 2006a), de Promoção da Saúde (BRASIL, 2006b) e de Educação Popular em
Saúde - PNEPS (BRASIL, 2012) – iniciativas que ganham potência na segunda metade dos anos 2000 –
abrem espaço para o fortalecimento da Educação em Saúde, sendo marcadas pela tensão entre concepções
mais restritas que associam as práticas educativas à mera transmissão de conhecimento ou mudança de
comportamentos e abordagens que enfocam a participação, o diálogo, a troca de saberes e a busca da eman-
cipação e da autonomia dos sujeitos. Esse rumo significa enfocar a participação na saúde como ferramenta
para efetivar uma política de saúde mais democrática e equitativa.
Como demonstra sua trajetória histórica, a Educação em Saúde assume concepções diversas em
diferentes contextos sociais. Concepções essas que incidem na forma de agir e implementar ações
socioeducativas, na medida em que expressam modelos distintos e mesmo divergentes. A literatura que trata
da Educação em Saúde tem sido unânime em identificar a existência de duas grandes matrizes de aborda-
gem ou modelos de Educação em Saúde que têm influenciado as práticas sanitárias no Brasil: o chamado
modelo tradicional e o modelo dialógico. Essas matrizes tendem a assumir posições polares no debate em
torno da temática da Educação em Saúde.
Nesses termos, caracteriza-se o modelo tradicional de educar em saúde como um modelo de educação
bancária, em que a função do educador é depositar conteúdos aos educandos. A educação torna-se verticalizada
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Educação em Saúde e Serviço Social: instrumento político estratégico na prática profissional 443
e o educador disciplina, prescreve sua opção, dita e escolhe o conteúdo programático. Enfim, o educador é
sujeito do processo e os educandos, meros objetos que se submetem a ele.
A educação, no âmbito da saúde, construiu sua história sob esse molde tradicional. Os educandos são
considerados carentes de informação em saúde e a eles são prescritos hábitos e comportamentos ditos como
saudáveis. São ditadas normas e regras de como agir para manter a saúde. Tal fato procede com a memorização
do conteúdo narrado pelo educador.
Normas e regras ditadas perpassam pela relação de poder. Tomando por referência o trabalho de Foucault
(1979), entende-se que o poder está em toda parte, pois ele não existe sozinho em si. O poder funciona e
materializa-se através das práticas e relações sociais. Há certa funcionalidade do poder que não está alocado
em determinado lugar, mas perpassa por todos os lugares, pelas relações que se estabelecem na sociedade.
O modelo tradicional de educar em saúde não apresenta o poder como repressor, pois Foucault (1979)
afirma que existe outro lado do poder. A concepção de que o poder produz saber, pois nesse processo poder/
saber há o sujeito que conhece e outro que recebe as informações e necessita adquirir conhecimento. Há,
portanto, um processo de disciplinamento.
O modelo tradicional que dita normas aos usuários da saúde segue essa linha de pensamento alicerçado na
disciplina. Torna-se visível o controle do corpo, dos seus gestos e comportamentos, pelas técnicas de poder que
são concebidas como disciplina, configurando-se uma relação de adestramento. Essa forma de educar cria usu-
ários submissos e dóceis em termos de aceitação do que é dito e de obediência. O indivíduo não é sujeito de ação,
é um depósito bancário de informações, nos termos de Freire (1987) ou um produto de disciplina, conforme
Foucault (1979). Além disso, desconsidera a realidade dos usuários, tornando a prática educativa lassa e acrítica.
No entanto, há outros modelos de Educação em Saú-
de que surgem no Brasil como forma de resistência ao mo-
delo tradicional. Trata-se do modelo dialógico, que apresen- A Educação em Saúde que
ta o diálogo como fundamento teórico e metodológico e tor-
na o usuário protagonista da prática educativa. Em outros aponta o diálogo como eixo
termos, o educando torna-se sujeito de sua própria história,
responsável também pela construção de novos
central do processo educativo
posicionamentos no processo saúde-doença-cuidado. Por- inscreve a educação popular
tanto, tende a estabelecer interlocução e uma visão crítica
da realidade, das demandas e serviços de saúde, fortalecen- em saúde como instrumento de
do as condições de possíveis estratégias de transformação.
Segundo Vasconcelos, E. M. (2011), o diálogo deli- gestão participativa da ação
neia soluções e orienta as práticas educativas, contribuindo
para a superação do biologicismo, da autoridade do profissi- social. Surge como processo
onal de saúde e do enfoque restrito na doença. O modelo
dialógico busca a construção ampliada de saúde no campo inovador de práticas
sanitário. O autor afirma que a educação popular em saúde
é percebida como estratégia de construção de uma saúde
educativas que tende a romper
mais adequada à vida da população e utiliza o diálogo como com o modelo tradicional.
um dos seus atributos. Tendo como base esse paradigma, o
processo educativo na saúde não viabiliza apenas a produ-
ção de uma nova consciência sanitária, mas também for-
talece e favorece a democratização das políticas públicas. Autores como Figueiredo, Rodrigues Neto e Leite
(2010) e Alves (2005) descrevem o profissional de saúde como um educador que estimula a autonomia dos
usuários, reconhecendo-o como sujeito de sua história e do processo educativo em saúde.
A Educação em Saúde que aponta o diálogo como eixo central do processo educativo inscreve a educa-
ção popular em saúde como instrumento de gestão participativa da ação social. Surge como processo inovador
de práticas educativas que tende a romper com o modelo tradicional.
Tais experiências inovadoras nas práticas educativas eram construídas a partir do diálogo entre o saber
popular e o acadêmico, e já nos anos 1970 muitos profissionais da saúde faziam interlocução com os movimen-
tos sociais das periferias urbanas e territórios rurais. Vasconcelos, A. C. C. P. (2013) relata que nesse período
iniciavam-se experiências inovadoras de serviços comunitários que, desassociados do Estado, ampliavam rela-
ções com grupos populares, considerando a dinâmica local da região.
Nesse prisma, vários segmentos de profissionais de saúde buscam, a partir dos anos 1970, uma ruptu-
ra com o modelo tradicional e autoritário de Educação em Saúde que dita normas e disciplinas aos usuários.
Surge no âmbito sanitário uma nova cultura de relação com as classes populares, que insere um ambiente de
troca de saberes e diálogo entre os sujeitos do processo educativo. Muitas dessas experiências educativas
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444 Marta Alves Santos e Mônica de Castro Maia Senna
contribuíram para fortalecer e disseminar as proposições em torno da Reforma Sanitária brasileira. Não é
exagerado afirmar que muitos dos profissionais que atuavam no campo da Educação Popular em Saúde
integravam o chamado movimento sanitário.
Com a implantação do SUS ao final da década de 1980 – e seus princípios da universalidade, equidade
e integralidade –, as experiências de educação popular em saúde continuaram a persistir em favor de política
de saúde mais igualitária e participativa. Muitos profissionais engajados com a luta pela efetivação do SUS
adotaram a metodologia de educação popular em saúde como estratégia para o fortalecimento da participação
popular na gestão e na orientação de novas formas de conduzir a política pública de saúde.
Segundo Vasconcelos, E. M. (2013), a educação popular não busca criar sujeitos subalternos polidos,
limpos e bebendo água fervida. Seu propósito é estimular a participação para a organização do trabalho político
que abre os caminhos para as conquistas dos direitos. O objetivo desse processo educativo consiste em apurar,
organizar, aprofundar o pensar e o agir dos diversos sujeitos subalternos à lógica da sociedade. O pensar e o
agir a partir de uma visão crítica tornam-se eixos fundantes na construção de uma sociedade solidária e justa.
Segundo Vasconcelos, E. M. (2013), a educação popular pode ser sintetizada como a formação de pessoas
mais críticas e dispostas a almejar uma melhor contribuição a sua condição econômica, cultural, política e
sanitária.
No entanto, para formar pessoas críticas que redesenham as relações sociais existentes, a educação popular
inscreve um novo modelo de operacionalizar ações educativas. Não é coerente impor conteúdo, objetivos, regras de
comportamentos e atitudes vistas como as corretas, mas também não é a veneração da cultura popular. Há, portanto,
a troca, o intercâmbio das experiências e da participação, e nessa dinâmica o diálogo torna-se peça fundamental.
Sob essa luz, a educação popular em saúde abrange a integralidade de forma mais precisa e ampliada,
pois as abordagens em diversas dimensões recaem além dos problemas pessoais. Abarcam dimensões políti-
cas, culturais, econômicas, locais e societárias. Vasconcelos, E. M. (2013) afirma que a educação popular em
saúde é instrumento de promoção voltado para a formação da cidadania ativa.
Para tanto, o cotidiano em saúde necessita ser trabalhado e desvelado em suas variadas dimensões no
caminho da construção da democracia, da justiça, da solidariedade e da superação das múltiplas expressões da
desigualdade social. No entanto, seguir nesses rumos significa encarar desafios constantes do dia a dia profis-
sional, principalmente no âmbito do SUS.
Com ela [a ênfase nas ações socioeducativas] espera-se contribuir para a formação de uma consciência
crítica entre sujeitos, através da apreensão e vivência da realidade, para a construção de processos demo-
cráticos, enquanto espaços de garantia de Direitos, mediante a experiência de relações horizontais entre
profissionais e usuários. Nesse processo educativo, projeta-se a emancipação e a transformação social.
(LIMA; MIOTO, 2011, p. 217-218).
No entanto, como chamam atenção as autoras, é preciso atentar para a armadilha, bastante comum na
profissão, de considerar que a simples invocação dos princípios de autonomia, emancipação e participação é
condição suficiente para que projeto ético-político da profissão se materialize nas ações socioeducativas.
Como mencionado, a educação popular em saúde no SUS busca não apenas reverter o quadro de saúde
da população envolvida, como também fortalecer e intensificar a participação, o que viabiliza a democratização
das políticas públicas e da promoção da saúde. Nesse sentido, essa perspectiva se articula aos princípios que
orientaram a criação do SUS, quando se tem como referência a participação, a promoção e as ações integra-
das como componentes fundantes do sistema público de saúde.
6
Educação em Saúde e Serviço Social: instrumento político estratégico na prática profissional 445
Nesse contexto é importante o trabalho profissional do assistente social no que tange à Educação em
Saúde, entendendo-o enquanto um profissional da saúde que atua nas relações sociais entre os sujeitos e no seu
cotidiano, através de uma ação socioeducativa que objetiva desenvolver educação permanente em saúde, a fim
de socializar e democratizar informações. Vasconcelos, A. M. (2006) registra que uma proposta socioeducativa
do profissional de Serviço Social na saúde politiza as demandas, enfatiza a participação social dos usuários,
produz o conhecimento crítico da realidade e aposta na constante busca da autonomia dos sujeitos sociais. Por
isso, reforça-se a ideia que a Educação em Saúde deve ser pensada como instrumento teórico-metodológico e
ético-político do exercício profissional, que pode fomentar sua transformação qualitativa em direção aos inte-
resses dos usuários e à satisfação das necessidades dos segmentos menos favorecidos.
O ato da Educação em Saúde pode contribuir para o profissional de Serviço Social articular as diversas
mediações e contradições que surgem no cotidiano dos espaços sócio-ocupacionais, potencializando outras
formas de condução das dimensões metodológicas e políticas que transforme a realidade. Nesse sentido, o
assistente social deve conhecer a realidade do usuário e priorizar ações educativas coletivas que apostem na
emancipação humana. Evidencia-se, portanto, o caráter essencialmente político do exercício profissional do
Serviço Social. Assinala-se a relevância do desenvolvimento de ações mediadoras pedagógicas, ético-políticas
que contribuam para formação da sensibilidade crítica dos usuários.
A prática profissional do assistente social possui dimensão socioeducativa e fomenta a operacionalização
do projeto ético-político da profissão, o que pode viabilizar meios de construir a transformação social no cotidi-
ano dos usuários.
Considerações Finais
A partir do exposto, observa-se que a Educação em Saúde é atravessada por concepções e propostas
distintas e mesmo antagônicas, que se colocam em disputa ao longo de sua trajetória histórica. Longe de se
constituir em uma perspectiva ultrapassada, abordagens disciplinadoras, normalizadoras e estigmatizantes de
educação em saúde se fazem presentes na atuação profissional na cena contemporânea, sendo desafiadas por
outros enfoques, em que as ações de educação em saúde configuram-se em eixo articulador entre a análise
crítica da realidade social e a busca de possibilidades de transformá-la.
À dimensão técnico-operativa e teórico-metodológica que reveste esse campo de atuação profissional, asso-
cia-se a dimensão ético-política, as quais estão profundamente imbricadas entre si. Tal imbricação permite romper
com noções que restringem a educação em saúde a um ato voluntarista por parte de seus agentes, recuperando
interseções entre as condições objetivas do fazer profissional ao compromisso ético-político profissional.
Enfatiza-se, nesse sentido, que a educação em saúde apresenta potencial para o fortalecimento de processos
emancipatórios dos sujeitos envolvidos, em direção à formação de uma consciência crítica da realidade, à garantia de
direitos e à transformação social. De fato, o assistente social pode operacionalizar uma prática educativa e interventiva
a partir da leitura crítica da realidade em que atua, reconfigurando, portanto, ideias e ações que perpassam a dinâmi-
ca social marcada por contradições e correlações de forças. Igualmente, pode integrar e fomentar formas de
participação da população no contexto de sua vida cotidiana, mediante a construção de processos democráticos
baseados no estabelecimento de relações horizontais entre profissionais e usuários.
Encaminhar uma sistematização da prática profissional no âmbito da saúde que reforce o projeto ético-
político da profissão pode contribuir para a viabilização de práticas educativas potencializadoras nos rumos da
participação, autonomia e visão crítica da realidade e na construção de novas relações sociais no âmbito sanitário.
No entanto, trilhar esses rumos significa superar desafios postos pelo atual contexto de acumulação capi-
talista e sua expressão na sociedade brasileira, que atingem as políticas públicas como um todo, não deixando a
saúde isenta desse processo. Diante de tempos sombrios, cada vez mais se faz necessário apostar no coletivo nas
formas de intervenção, nas estratégias de fortalecimento da mobilização e na participação dos usuários onde os
grupos educativos podem ser estratégicos desse processo. Em suma, há de se apostar no acompanhamento das
dinâmicas societárias, como também na capacitação permanente dos profissionais de Serviço Social.
Referências
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UNIABEU
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8
Educação em Saúde e Serviço Social: instrumento político estratégico na prática profissional 447
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PESQUISA
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As profissões em saúde e o Serviço Social: desafios para a formação profissional 213
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214 Líria Maria Bettiol Lanza, Fabrício da Silva Campanucci e Letícia Orlandi Baldow
Alguns autores, como Pereira e Ramos (2006), palmente em tempos de ataque às políticas sociais.
têm destacado a crescente valorização do ensino téc- Os baixos recursos financeiros investidos, associa-
nico no Brasil em detrimento do ensino superior e dos à frágil gestão do trabalho e da educação, têm
denunciado a política governamental neoliberal. Ori- configurado a saúde como uma área em débito com
entada pelo Banco Mundial, tal estratégia fomenta a a sociedade brasileira.
formação aligeirada e focada na mão de obra para Todavia, como necessidade humana e afirmação
atender as exigências de aumento da produtividade da vida, a saúde ainda demonstra vitalidade e conti-
pelo mercado. nua a mobilizar profissionais, militantes, pesquisado-
Tal entendimento encontrou eco nos Ministérios res e usuários na superação de problemas e na bus-
do Trabalho e da Educação, atraindo investimento ca do atendimento integral, público e de qualidade.
público para viabilizar a abertura de cursos, convêni- Assim, as profissões da área da saúde ganham
os e parcerias de incentivo à capacitação. Entretan- proeminência na sociedade pela complexidade de
to, orientado pela ideologia da empregabilidade, esse todo o conhecimento adquirido durante a sua for-
modo de investir em qualificação profissional trans- mação e à habilidade que se deve possuir para exe-
fere para o trabalhador a responsabilidade de con- cutar suas múltiplas ações e enfoques, sobretudo
quistar seu espaço no competitivo mundo do traba- ao trazer para a cena o usuário e seu modo de vi-
lho, deixando claro o cariz neoliberal dos incentivos ver, conviver e produzir.
estatais para formação profissional no Brasil. Nesse sentido, concorda-se com Carvalho e Ceccim
No que diz respeito às profissões em saúde, o Sis- (2009, p. 157) quando enfatizam que há profissões em
tema Único de Saúde (SUS) assume a responsabili- saúde com núcleos de competências ligados à assistên-
dade de acompanhar o desenvolvimento de políticas cia e outras às práticas de promoção à saúde.
de formação dos profissionais de saúde, como pre-
visto no artigo 15, inciso IX, da Lei Orgânica da Saú- Para ser um profissional de saúde há necessidade
de (BRASIL, 1990). do conhecimento científico e tecnológico, mas tam-
Uma abordagem mais ampla considera parte des- bém de conhecimento de natureza humanística e
se coletivo qualquer indivíduo que trabalhe na área. social relativo ao processo de cuidar, de desenvol-
Outras preferem ainda – mesmo considerando a am- ver projetos terapêuticos singulares, de formular e
pliação dos diferentes profissionais – trabalhar com a avaliar políticas e de coordenar e conduzir siste-
denominação “pessoal de saúde” (BETTIOL, 2010). mas e serviços de saúde.
Dentro de uma linha sociológica, o perfil profissi-
onal caminha na divisão sociotécnica do trabalho. Para os autores, “o conjunto de profissões de saú-
Embora se agrupem em uma definição mais genéri- de, aprende, trabalha e reconstrói no cotidiano a Gran-
ca de “trabalhadores em saúde” ou “pessoal de saú- de Área [Ciências da Saúde], ao mesmo tempo em
de”, as profissões possuem diferentes formações e que aprofunda, aperfeiçoa e especializa cada área,
recortes verticais em que têm graus diferenciados subárea ou especialidade” (CARVALHO; CECCIM,
de autonomia e poder. Dessa forma, os profissionais 2009, p. 156).
alcançam diferentes tipos de trabalho assalariado, que Essa reflexão encontra escopo no conceito am-
variam de acordo com suas especialidades. pliado de saúde e no princípio da integralidade,
Ancorados em uma base sindicalista, há os que deflagrados pela Constituição Federal de 1988, que
consideram o conjunto dos profissionais da saúde “tra- sinalizaram o alargamento do que se considera, in-
balhadores da saúde”, designação que abarca pro- clusive nos marcos jurídicos legais, profissões em
fissionais diversificados que não têm, necessariamen- saúde. No contexto do Serviço Social, merece des-
te, uma ligação específica com a saúde, como o pes- taque a Resolução n. 218, de 06 de março de 1997,
soal administrativo e o da limpeza. do Conselho Nacional de Saúde, que determinou o
Diferenciações à parte, é consenso que o setor conjunto das profissões em saúde e nele incluso o
de saúde é um dos maiores existentes (mesmo se Serviço Social.
precarizado), além de altamente diversificado. Para
alguns autores, como Machado (2005), a crescente
incorporação de novas tecnologias gera a necessi- 2 O Serviço Social como uma profissão em
dade de novas ocupações, sobretudo aquelas de saúde
fundo técnico.
Frequentemente, dificuldades nas ações de assis- Na reflexão sobre o trabalho dos assistentes so-
tência e na produção do cuidado são atribuídas ao ciais é relevante destacar que esses profissionais atu-
trabalhador da saúde e à sua base formativa. No am nas manifestações da questão social e no modo
entanto, a assistência oferecida, condições e contex- como elas interagem com a política social, “media-
tos de trabalho ou questões técnicas podem estar, na ção incontornável na constituição do trabalho profis-
maior parte, ligadas a questões institucionais, princi- sional” (IAMAMOTO, 2007, p. 185).
12
As profissões em saúde e o Serviço Social: desafios para a formação profissional 215
O enfrentamento da questão social pelo Estado necessidade de convocar outros profissionais para atuar
evidencia o papel das políticas sociais e indica como nesta área, incluindo os assistentes sociais.
as mesmas traduzem a correlação de forças entre o Uma das consequências da adoção deste concei-
Estado e as demandas da classe trabalhadora. É nesta to de saúde foi a ênfase no trabalho multidisciplinar,
disputa que se move o trabalho profissional do assis- utilizado, dentre outros motivos, para preencher a falta
tente social. de profissionais e racionalizar o setor saúde. Com
No que se refere à saúde, Bravo (1996, p. 13) equipes compostas por diversos “auxiliares”, busca-
salienta que este é “um dos setores mais significati- va-se disseminar informações com conteúdo
vos na atuação do Serviço Social, tendo concentrado preventivista, ampliar a abordagem em saúde “e cri-
historicamente um grande quantitativo de profissio- ar programas prioritários com segmentos da popula-
nais, situação que permanece até os dias correntes”. ção, dada a inviabilidade de universalizar a atenção
Para apresentar de que forma os assistentes so- médica e social” (BRAVO, 2009, p. 199).
ciais estão inseridos neste âmbito de atuação e mar- As contradições geradas pelo formato contributivo
car seu posicionamento acerca da concepção de que caracterizavam os serviços de saúde no Brasil
Serviço Social, faz-se necessário indicar que essa também influenciaram o exercício profissional do
profissão emerge no evolver da conjuntura de 1930 e assistente social nesta área. Como o acesso a saúde
se consolida no Brasil a partir de 1945 em consonân- não era universal – nem nos termos da lei –, seu
cia com a expansão do capitalismo no país (BRA- caráter seletivo e excludente colocou estes profissi-
VO, 2009). onais entre a instituição hospitalar e a população,
As discussões travadas entre os assistentes soci- desenvolvendo atividades que tinham a finalidade de
ais que teorizam “a natureza e o processo da gênese viabilizar a utilização dos serviços e benefícios, mas
do Serviço Social” revelam duas concepções que, que, devido ao caráter seletivo dos mesmos, cristali-
para Montaño (2009, p. 17), constituem verdadeiras zavam práticas que mais excluíam do que incluíam.
“teses, claramente opostas, sobre a gênese do Servi- Seguindo a lógica desenvolvimentista do Brasil, o
ço Social”. Serviço Social recebeu as influências da moderniza-
Uma delas, com “perspectiva endogenista”, sus- ção conservadora na década de 1960, “sedimentando
tenta a origem da profissão “na evolução, organiza- sua ação na prática curativa, principalmente na assis-
ção e profissionalização” das formas de ajuda – se- tência médica previdenciária” (BRAVO, 2009, p. 202),
jam elas de princípio religioso ou filantrópico – que adentrando a década de 1970 sem grandes alterações.
agora se vinculam à intervenção na “questão social” Enquanto as conquistas constitucionais da déca-
(MONTAÑO, 2009, p. 20). da de 1980 eram comemoradas pelos brasileiros, o
Já a segunda tese2, na mesma linha desta pesqui- Serviço Social iniciava uma fase de amadurecimento
sa, assume uma perspectiva “histórico-crítica” que da “tendência atualmente hegemônica na academia
trilha um caminho de análise oposto. Tal abordagem e nas entidades representativas da categoria – a in-
tenção de ruptura – e, com isso, a interlocução real
[...] entende o surgimento da profissão do assis- com a tradição marxista” (BRAVO, 2009, p. 204).
tente social como um produto da síntese dos proje- O problema é que boa parte dos assistentes soci-
tos político-econômicos que operam no desenvol- ais que compartilhava desta vertente, inseriram-se
vimento histórico, onde se reproduz material e ide- nas universidades. Deste modo, a perspectiva crítica
ologicamente a fração de classe hegemônica, quan- adotada por esses profissionais teve pouca interven-
do, no contexto do capitalismo na sua idade ção nos serviços, isto é, na prática profissional.
monopolista, o Estado toma para si as respostas à Bravo (2009, p. 205) destaca que ainda são insu-
‘questão social’ [...] entende-se o assistente social ficientes os avanços conquistados pelo exercício pro-
como um profissional que desempenha um papel fissional de assistentes sociais na saúde devido ao
claramente político, tendo uma função que não se fato de a profissão ter chegado à década de 1990
explica por si mesma, mas pela posição que o pro- “com uma incipiente alteração do trabalho
fissional ocupa na divisão sociotécnica do traba- institucional”, por permanecer “desarticulada do
lho (MONTAÑO, 2009, p. 30). Movimento de Reforma Sanitária” e pela pequena
contribuição no que se refere às questões colocadas
De acordo com Bravo (2009), no Brasil, os assis- à categoria na prática em saúde.
tentes sociais começaram a ser requisitados no setor “Considerando que os anos noventa foi o período
saúde a partir de 1945, no contexto do processo de de implantação e êxito ideológico do projeto neoliberal
expansão do capitalismo e das mudanças internacio- no país, identifica-se que, nesse contexto, os dois pro-
nais geradas pelo fim da Segunda Guerra Mundial. jetos políticos em disputa na área da saúde” – o
Soma-se a essas características conjunturais o con- privatista e o sanitarista –, “passam a apresentar di-
ceito de saúde voltado a “aspectos biopsicossociais” ferentes requisições para o Serviço Social” (BRA-
adotado pelos organismos internacionais, que gerou a VO, 1998, apud CFESS, 2010, p. 26).
13
216 Líria Maria Bettiol Lanza, Fabrício da Silva Campanucci e Letícia Orlandi Baldow
Com base em Escorel (1989), Bravo (1996) sali- [...] funções técnicas propriamente ditas. Do ponto
enta que a saúde pode ser considerada um compo- de vista da demanda, o Assistente Social é chama-
nente fundamental da democracia e da cidadania e do a constituir-se no agente intelectual de ‘linha de
um campo privilegiado da luta de classes. Nessa pers- frente’ nas relações entre instituição e população,
pectiva, a prática do Serviço Social encontra-se inti- entre os serviços prestados e a solicitação desses
mamente ligada à estrutura de classes e sofre deter- mesmos serviços pelos interessados.
minações estruturais e conjunturais da sociedade.
Por um lado, destacam-se entre as demandas Regulamentado pela Lei n. 8.662 de 1993 e por
postas para a categoria profissional pelo projeto um Código de Ética Profissional (1993), o Serviço
privatista: a seleção socioeconômica dos usuários, a Social apresenta-se na cena contemporânea como
atuação psicossocial, a fiscalização dos usuários dos uma profissão analítica e interventiva, com uma sé-
planos de saúde e o “assistencialismo por meio da rie de atribuições e competências fundadas na ga-
ideologia do favor e predomínio de práticas individu- rantia de direitos sociais e na construção de uma so-
ais” (CFESS, 2010, p. 26). ciedade verdadeiramente democrática, sem precon-
Por outro, o projeto de reforma sanitária solicita a ceitos e iniquidades sociais.
contribuição do Serviço Social em questões ligadas Na perspectiva de atenção integral em saúde, as
ao acesso aos serviços de saúde, à busca de estraté- demandas sociais emergem de várias formas no co-
gias para aproximar as ações em saúde da realidade, tidiano do trabalho do Assistente Social. Comumente
ao trabalho interdisciplinar, à ênfase nas abordagens exigem a intervenção profissional na viabilização do
grupais com vistas a atender o maior número de pes- acesso a consultas, exames, internações e tratamen-
soas possível, ao acesso democrático às informações tos. Sendo assim,
e ao estímulo à participação popular.
Nota-se, portanto, que há uma relação entre o As ações a serem desenvolvidas pelos assistentes
projeto ético-político3 e o de reforma sanitária, prin- sociais devem transpor o caráter emergencial e bu-
cipalmente, nos seus grandes eixos: “principais aportes rocrático, bem como ter uma direção socioeducativa
e referências teóricas, formação profissional e prin- por meio da reflexão com relação às condições só-
cípios” (CFESS, 2010, p. 26). Além disso, observa- cio-históricas a que são submetidos os usuários e
se que a grande bandeira continua sendo a mobilização para a participação nas lutas em defesa
implementação do projeto de Reforma Sanitária. E da garantia do direito à Saúde (CFESS, 2010, p. 43).
nesta luta, cabe aos assistentes sociais buscar estra-
tégias que possibilitem a efetivação do direito à saú- Afinal, esta intervenção abrange as mudanças que
de, prestando serviços diretos à população, sejam eles ocorrem no cotidiano do indivíduo e também de seus
no âmbito da gestão, planejamento, mobilização ou familiares, provocadas, dentre outros fatores, pela
participação social. hospitalização, pelo desconhecimento do cidadão em
Isto significa que a atual conjuntura conclama pro- relação ao diagnóstico/tratamento, pelo agravamen-
fissionais articulados aos movimentos sociais, de tra- to da situação financeira, pela ansiedade e medo da
balhadores e usuários, que não se cansam de lutar doença, pelo preconceito e discriminação, pela difi-
por um SUS de qualidade; pelo acesso universal em culdade de acesso aos serviços e aos profissionais,
todos os níveis de complexidade, com ações e servi- pela necessidade de insumos, violência e até mesmo
ços complementares, capazes de integrar as equipes pela agilização de alta hospitalar.
de saúde e estimular a intersetorialidade, viabilizando Diante do exposto, pode-se afirmar que as de-
a participação dos usuários e dos trabalhadores nas mandas que se apresentam ao Serviço Social envol-
decisões a serem tomadas. vem uma série de condicionantes e exigem uma in-
É pertinente destacar que, para Bravo (1996), os tervenção profissional que não se limite à prática
assistentes sociais atuam nas instituições de saúde curativa, mas que inclua aspectos preventivos, infor-
para administrar a tensão que existe entre as deman- mativos e de promoção da saúde. Para tanto,
das postas pela população e os limitados recursos
para a prestação de serviços. Deste modo, o exercí- O profissional precisa ter clareza de suas atribui-
cio profissional mantém as características observa- ções e competências para estabelecer prioridades
das, como a triagem e a seleção socioeconômica. de ações e estratégias, a partir de demandas apre-
Ao descrever algumas características da prática sentadas pelos usuários, de dados epidemiológicos
profissional dos assistentes sociais, Iamamoto (1992, e da disponibilidade da equipe de saúde para ações
p. 100-101) esclarece que os profissionais desempe- conjuntas (CFESS, 2010, p. 43).
nham funções tanto de “suporte à racionalização do
funcionamento” das entidades das quais são vincula- Cabe aqui complementar que a inserção dos as-
dos – organismos estatais, paraestatais ou privados sistentes sociais no contexto do SUS também ocorre
– como pela efetivação do princípio da integralidade da aten-
14
As profissões em saúde e o Serviço Social: desafios para a formação profissional 217
ção à saúde, que pressupõe uma ação interdisciplinar defasagem na formação profissional dos assistentes
e intersetorial (NOGUEIRA; MIOTO, 2009). A sociais para a atuação em saúde e que deve ser en-
integração da prevenção, promoção e recuperação frentada pelas instituições de ensino superior (IES).
da saúde, contempladas no acesso aos três níveis de
complexidade do SUS, é um dos principais sentidos
dessa proposta. 3 Os desafios da formação profissional para o
Segundo Cecílio (2001, p. 116), a integralidade trabalho em saúde
da assistência à saúde apresenta diferentes dimen-
sões. Uma delas é a “integralidade focalizada” que As mudanças na saúde exigiram que as profis-
é desenvolvida nos serviços de saúde por equipes sões se adaptassem ao contexto do SUS, desenca-
multiprofissionais e pode ser definida “como o es- deando um processo de revisão das instituições for-
forço da equipe de saúde de traduzir, atender, da madoras dos trabalhadores em saúde (BETTIOL,
melhor forma possível, tais necessidades [de saú- 2010). No caso do Serviço Social, esta revisão se
de], sempre complexas, mas, principalmente, tendo inclui num quadro mais amplo de discussões profissi-
que ser captadas em sua expressão individual”. onais que vinham ocorrendo desde meados da déca-
Outra dimensão apresen- da de 1960 com o Movimento
tada pelo autor é denomina-
da “integralidade ampliada”, ... a atual conjuntura conclama de Reconceituação na Amé-
rica Latina. Neste ínterim,
devendo ser concebida como profissionais articulados aos houve uma aproximação do
“relação articulada, comple- Serviço Social às Ciências
mentar e dialética, entre a movimentos sociais, de Sociais que deu base para as
máxima integralidade no cui- discussões sobre os processos
dado de cada profissional, de trabalhadores e usuários, que técnico-profissionais, teórico-
cada equipe e da rede de ser- metodológicos e ético-políti-
viços de saúde e outros” não se cansam de lutar por um cos, e abriu espaço para uma
(CECÍLIO, 2001, p. 120). reavaliação da própria face
Trata-se, portanto, de SUS de qualidade; pelo acesso social e ideológica da profis-
viabilizar à população o aces-
so não só a todos os níveis de universal em todos os níveis de são. No Brasil, a luta profissi-
onal juntou-se à luta da socie-
complexidades do SUS, mas complexidade, com ações e dade por democracia e inci-
a todas as políticas e servi- tou a discussão do novo pro-
ços sociais que todo cidadão serviços complementares, jeto profissional, que culminou
brasileiro tem direito. Prática com o projeto ético-político.
que exige profissionais com capazes de integrar as equipes Em 1988, a Constituição
um cabedal de conhecimen- Federal contemplou boa par-
to tanto sobre as políticas e de saúde e estimular a te das reivindicações sociais,
legislações quanto sobre a principalmente na área da
rede de serviços sociais para intersetorialidade, viabilizando saúde. A partir de então, esta
promoverem tal integração. passa a ser reconhecida
Exigências que também se a participação dos usuários e como um direito universal e
aplicam ao exercício profis- dos trabalhadores nas decisões resultado das condições de
sional do assistente social. alimentação, transporte,
Nogueira e Mioto (2009, a serem tomadas. lazer, acesso e posse de ter-
p. 225) ressaltam que, como ra, educação, meio ambien-
o princípio da integralidade te, trabalho, habitação, ren-
sustenta-se nos pilares da interdisciplinaridade e da da e acesso a serviços de saúde.
intersetorialidade, ele não só possibilita como justifi- Apesar da década de 1990 ter sido fundamental
ca uma “inserção diferenciada do assistente social para a perspectiva dos direitos sociais, no caso espe-
na área da saúde, superando o estatuto de profissão cífico da saúde houve um ataque dos agentes finan-
paramédica, típico do modelo biomédico”. ceiros internacionais que pregavam as
Dessa forma, é necessário que o assistente social contrarreformas no contexto da crise do capital
que atua nessa área aprofunde seus conhecimentos monopolista, refutavam o caráter universal e público
para ser capaz de entender suas origens e desdobra- e visavam a mercantilização e a privatização da saú-
mentos e dominar certos conhecimentos epide- de. Para a superação da crise, os organismos inter-
miológicos e administrativos que conformam o agir nacionais como o Fundo Monetário Internacional
em saúde. No entanto, em recente avaliação da (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial
Abepss (UCHÔA, 2009), é possível verificar certa do Comércio (OMC), impõem às Nações em desen-
15
218 Líria Maria Bettiol Lanza, Fabrício da Silva Campanucci e Letícia Orlandi Baldow
16
As profissões em saúde e o Serviço Social: desafios para a formação profissional 219
formação profissional, inclusive dos profissionais em BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre
saúde, quando nos currículos os conteúdos, estágios as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
supervisionados e outros espaços formativos, privile- a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e
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acesso à saúde – em sua concepção ampliada – de- p. 197-217.
terminada constitucionalmente e reafirmada na le-
gislação complementar. CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em
Tais requisições incidem no projeto de formação saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W.
profissional da categoria. O estudo sobre o processo S. et al. Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de
ensino/aprendizagem com foco no ensino de gradua- Janeiro: Fiocruz, 2009.
ção evidenciou a urgência em introduzir e aprofundar
as discussões acerca da saúde nos projetos pedagó- CECÍLIO, L. C. de O. As necessidades de saúde como conceito
gicos de cada IES. Ademais, deve-se privilegiar o estruturante. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Org.). Os
enfoque no exercício profissional. Nesse sentido, sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio
pode-se tomar a saúde como um espaço importante de Janeiro: UERJ, IMS: Abrasco, 2001, p. 113-126.
para essa empreitada, já que congrega elementos
como a atuação essencialmente interdisciplinar e CORREIA, M. V. C. A saúde no contexto da crise contemporânea
relacional, que contribuem no desenvolvimento de do capital: o Banco Mundial e as tendências da contrarreforma na
habilidades fundamentais para a profissão, como a política de saúde brasileira. Temporalis, Brasília, v. 13, p. 11-38,
comunicação, escuta ativa, construção de projetos 2007.
terapêuticos singulares e um domínio fundamental do
campo disciplinar para a atuação em equipe. CUNHA, L. A. A universidade temporã. Rio de Janeiro: Livraria
Ressalta-se, ainda, a necessidade de formação Francisco Alves Editora, 1986.
constante por meio da educação continuada que en-
globa um esforço do ser profissional para o compro- ESCOREL, S. Saúde: uma questão nacional. In: TEIXEIRA, S. F.
misso com a qualidade dos serviços prestados. En- (Org.). Reforma Sanitária em busca de uma teoria. São Paulo:
volve desde a busca por cursos de especializações Cortez/Abrasco, 1989, p. 181-192.
lato sensu até o incentivo às residências profissio-
nais, multidisciplinares, além da importância dos es- FRANZOI, N. L. Profissão (Verbete). In: PEREIRA, I. B.; LIMA,
tudos produzidos no âmbito da pós-graduação stricto J. C. F. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde.
sensu que nutre a profissão dos debates e experiên- Rio de Janeiro: EPSJV, 2008, p. 328-333.
cias que abarcam a saúde e as políticas sociais.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na divisão do trabalho.
In: ______. Renovação e conservadorismo no Serviço Social:
Referências ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992, p. 87-112.
17
220 Líria Maria Bettiol Lanza, Fabrício da Silva Campanucci e Letícia Orlandi Baldow
______. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital 2 Esta concepção da emersão e legitimação da profissão “Serviço
financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. Social” é defendida principalmente por “Marilda Vilela Iamamoto,
Raul de Carvalho, Manuel Manrique Castro, Vicente de Paula
MACHADO, M. H. As profissões e o SUS: arenas conflitivas. Faleiros, Maria Lúcia Martinelli, José Paulo Netto, entre outros”
Divulgação em Saúde para Debate, n. 14, p. 44-47, 1996. (MONTAÑO, 2009, p. 30).
______. Trabalhadores da saúde e sua trajetória na Reforma 3 Este projeto é resultado de um longo e coletivo processo construído
Sanitária. In: LIMA, N. T. (Org.). Saúde e democracia: história e nas últimas três décadas e tem seus valores e pilares pautados no
perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 257-281. Código de Ética Profissional, na Lei n. 8.662/93, que regulamenta a
profissão e nas Diretrizes Curriculares aprovada pela Associação
MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Sistematização, Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). “Afirma
planejamento e avaliação das ações dos Assistentes Sociais no a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio
campo da Saúde. In: MOTA, A. E. et al. (Org.). Serviço Social e e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo,
saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2009, tanto na sociedade como no exercício profissional” (PAULO
p. 273-303. NETTO, 2006, p. 155).
Notas
18
Expressões conservadoras no trabalho em saúde:
a abordagem familiar e comunitária em questão
Conservative expressions in health work:
the family and community approach in question
Resumo: O presente artigo apresenta o debate Abstract: This article presents the debate
sobre as expressões conservadoras no trabalho em about the conservative expressions in health
saúde a partir da análise da abordagem familiar work based on the analysis of the family and
e comunitária na Saúde da Família. Toma como community approach in the Family Health. It takes
referência de análise o movimento de disputa as reference of analysis the hegemonic dispute
hegemônica existente na política de saúde e a movement existing in the health policy and the
direção social que trabalho em saúde assume nesse social direction that work in health assumes in
contexto. Situa os impactos da contrarreforma that context. It places the counterreform impacts
na política de saúde no processo de trabalho, na on health policy in the work process, on the
análise e intervenção das relações familiares e analysis and intervention of family and community
comunitárias e na educação em saúde. relations and on the health education.
Palavras-chave: Política de saúde. Saúde da Keywords: Health policy. Family Health. Counter-
Família. Contrarreforma. Conservadorismo. -reformation. Conservatism. Family and community
Abordagem familiar e comunitária. approach.
Considerações introdutórias
O
recurso ao espaço familiar e comunitário como lócus de reprodução
social não é uma novidade deste momento da política social. Recen‑
temente é possível identificar uma série de programas voltados para
o atendimento à família em diversas áreas. Como aponta Mioto (2009), este
fenômeno não acontece desarticulado do contexto político e representa uma das
repercussões diretas do neoliberalismo nos sistemas de proteção social.
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http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.124
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20
e agentes comunitários de saúde, dentista, auxiliar de consultório dentário e técnico em higiene dental. São
adotados instrumentos, como visita domiciliar, grupos educativos e consultas como estratégias de assistência
à saúde. As atividades são realizadas com a priorização de grupos, como hipertensos, diabéticos, idosos,
recém-nascidos, combate à tuberculose e hanseníase, saúde da mulher, entre outros.
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24
4. Destaca-se, assim, o papel da conferência de Alma-Ata (1978) como referência para reorganização
dos sistemas de saúde, reconhecida como estratégia para o alcance da meta “Saúde para todos no ano 2000”.
Como expressão de diversas experiências, a declaração é uma referência na orientação da reorganização dos
serviços de saúde e estabeleceu a Atenção Primária à Saúde (APS) como porta de entrada para os sistemas
de saúde, que toma como referência as análises (Starfield, 2002). Como resultado de uma movimentação em
torno da temática, a Carta de Otawa, resultado da Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em
1986, trouxe o debate sobre a promoção da saúde, que se ampliou nos anos que se seguiram, incorporando
novas demandas com a realização de novas conferências ao longo dos anos (Brasil, 2010).
5. Nesse cenário, destaca-se o desmonte do padrão de proteção do Welfare State e a difusão do ideário
neoliberal (Behring e Boschetti, 2007), a liberdade de mercado e o processo de mundialização e financeirização
do capital como um novo estilo de acumulação, acompanhado por grandes mudanças no padrão de organização
da produção com a acumulação flexível, a partir do modelo toyotista (Iamamoto, 2007b). A acumulação é
dada pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (Chesnais, 1996), assim como
os impactos nos espaços geográficos (Harvey, 2005, p. 97).
6. No Brasil, o processo de questionamento ao modelo médico-hegemônico vai acontecer através da
construção de uma abordagem histórico-estrutural dos problemas de saúde, por meio dos departamentos de
medicina preventiva, inicialmente influenciados pela difusão do modelo preventivista americano, que passa
a ser questionado a partir da constituição uma teoria social da saúde que considerava o caráter público da
área da saúde e a determinação social do processo saúde-doença, com crítica à teoria de sistemas e sua visão
positivista da sociedade e a neutralidade do planejamento (Escorel, 2012), com a elaboração de propostas
que resultaram na Reforma Sanitária.
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27
projeto de governo em que prevaleçam os interesses de grupos de poder e do mercado em detrimento dos
direitos sociais. Seus desdobramentos ainda estão em curso, com a destituição de diversos direitos sociais,
trabalhistas e previdenciários.
9. Esta reflexão é baseada na pesquisa realizada a partir de pesquisa bibliográfica buscando compreender
como se organizou a política de saúde diante das demandas do capitalismo e como se configurou o atendi‑
mento à família e à comunidade em diferentes momentos históricos. Foi analisado o material didático de
cursos de especialização em Saúde da Família, disponibilizado pelos espaços de formação da UNA-SUS,
por meio eletrônico, publicados entre 2009 e 2016, ofertados pelas seguintes universidades: Uerj, Unifesp,
UFMG, UFMA, UFMS, UFSC. A análise do material foi realizada a partir do reconhecimento do conteúdo,
sistematização dos dados e análise dos resultados através dos eixos: concepção saúde e doença, política de
saúde, processo de trabalho, educação em saúde, família, comunidade e instrumentos de abordagem.
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33
Considerações finais
A análise da abordagem familiar e comunitária por meio do processo de
formação de especialistas em Saúde da Família evidencia que há um posiciona‑
mento claro na disputa entre projetos de saúde e sociedade. O que inicialmente
parecia obscurecido por uma proposta mediadora entre o político e o assisten‑
cial, é desvelado pelo exame da abordagem familiar e comunitária, seu foco
de atenção. A multiplicidade de influências e referenciais, longe de só revelar
ecletismo, reafirma uma direção social hegemônica na reprodução de uma
lógica conservadora.
Ainda que haja a declaração de posicionamento de defesa do SUS, de seus
princípios, e uma motivação para a construção de novas práticas assistenciais, à
medida que essas ações passam a ser permeadas pelo processo de contrarreforma
e de toda lógica neoliberal, sem mediações com as contradições societárias, há,
consequentemente, o favorecimento da lógica privatista e flexibilizada. Não há
neutralidade que se sustente em uma sociedade de classes!
O que queremos sustentar é que, ao alcançar a esfera cotidiana dos indivíduos
e nela reproduzir a lógica da individualização, da subjetivação da vida social, da
responsabilização, do (auto)cuidado, do empoderamento, legitima-se o projeto de
minimização do Estado para o social e de maximização do Estado para o capital,
que vem resultando no desmonte dos direitos sociais, na transferência de res‑
ponsabilidades, no apassivamento dos conflitos sociais e no não questionamento
e obscurecimento do processo de exploração capitalista da força de trabalho.
Por outro lado, a lógica do acolhimento, da humanização, da integralidade,
da escuta, apartada das mediações societárias, em um serviço que se apresenta
como porta de entrada, mas se efetiva como porta de contenção, tende a respon‑
sabilizar os trabalhadores de saúde pela condução de processos que extrapolam
suas possibilidades. As consequências da atuação voltada para as relações do
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34
Referências bibliográficas
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profissionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
BRAVO, Maria Inês Souza; MATOS, Maurílio Castro. Projeto Ético-Político do Serviço
Social e sua relação com a Reforma Sanitária: elementos para o debate Política de
Saúde no Brasil. In: MOTA et al., Ana Elizabete (Org.). Serviço Social e Saúde. São
Paulo: Opas, 2006.
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35
ESCOREL, Sarah. História das políticas de saúde no Brasil de 1964 a 1990. In:
GIOVANELLA, Ligia (Org.). Política e sistema de Saúde no Brasil. 2. ed. rev. e
amp. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
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social. São Paulo: Cortez, 2007b.
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uma interpretação histórico-metodológica. 34. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
MIOTO, Regina Célia Tomasio. Família e políticas sociais. In: BOSCHETI, Ivanete
(Org.). Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo:
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______. Modelos de atenção à saúde no Brasil. In: GIOVANELLA, Ligia (Org.). Política
e sistema de saúde no Brasil. 2. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 130, p. 564-582, set./dez. 2017 581
36
SILVA, Alessandra Ximenes da. Lutas sociais e contradições dos sujeitos políticos
coletivos no processo da reforma sanitária brasileira. In: BRAVO, M. I. S.; MENEZES,
J. S. B. (Orgs.). A saúde nos governos do Partido dos Trabalhadores e as lutas sociais
contra a privatização. Rio de Janeiro: Uerj, Rede Sirus, 2014.
582 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 130, p. 564-582, set./dez. 2017
37
Francis Sodré*
Abstract: This article is about the social workers´s work in primary attention in Vitória/ES. We are
interested in thinking about the actions towards “promoting health” social workers undertake. We make
a distinction between two approaches in public health: prevention of diseases and promotion of health.
When related to promotion of health, the work is directed to the production of attachment and reception.
“To promote” health is also a model of formal education, centered in classrooms in schools, and the
professional is the one who “teaches” good practices, habits or behaviors.
Keywords: Social Work. Promotion of health. Public health.
38
A
estratégia de saúde da família como parte da proposta de atuação na
atenção primária da saúde pública trouxe desafios aos assistentes sociais
envolvidos nas práticas de saúde em equipes multidisciplinares. Inte‑
ressa-nos aqui desenvolver um estudo sobre a proposta de inversão do
modelo hospitalar trazida pelo SUS, por meio de ações de prevenção e promoção
da saúde nas unidades básicas de saúde. O assistente social como parte da equipe
considerada “de apoio” — profissionais que dão suporte à equipe mínima de saúde
nas unidades — passa a ser exigido por cumprir atividades em nome da promoção
da saúde. Junto a isso existe também uma exigência do Ministério da Saúde brasi‑
leiro, que diferencia atividades preventivas de doenças de outras que são promoto‑
ras de saúde. Discutiremos aqui a relação entre a prevenção e a promoção da saúde
nas práticas dos assistentes sociais de unidades de saúde a partir de três momentos
distintos: a) o olhar sobre o território da saúde pública, b) a família como foco de
intervenção e c) o trabalho do assistente social nas ações de prevenção e promoção
da atenção primária à saúde.
Nessa pesquisa exploramos as experiências de trabalho de doze assistentes
sociais (duas de cada uma das seis microáreas regionais de saúde da cidade de
Vitória (ES).1 Elegemos os profissionais com mais tempo de atuação nas unidades
de saúde para realizarmos uma entrevista semiaberta sobre o trabalho dos assisten‑
tes sociais com atividades de promoção da saúde. As entrevistas foram gravadas,
transcritas e analisadas por conteúdo temático com a concordância dos profissionais
entrevistados.
1. Vitória possui aproximadamente 330 mil habitantes e é dividida em seis microáreas de saúde: região
Central, Continental, Forte São João, São Pedro, Maruípe e Santo Antônio.
39
programas voltados à atenção à saúde das famílias, que, posteriormente veio a ser
considerada uma “estratégia” de intervenção do sistema no âmbito local dos terri‑
tórios de saúde.
A primeira preocupação foi esquadrinhar os territórios. Para explorar o âmbi‑
to local da vida exigiu-se o exame apurado dos hábitos e do cotidiano dos morado‑
res. Nos moldes da medicina urbana francesa do século XVII,2 a estratégia de saúde
da família previu que o âmbito local, suas dinâmicas e o fluxo de deslocamento dos
seus moradores continham a matéria-prima para a intervenção dos profissionais de
saúde. Era preciso pensar o cotidiano do local, o território, e investir em medidas de
impacto que interferissem na circulação e no deslocamento dos habitantes.
Desde a implantação do SUS, a vida na cidade foi envolvida de cuidados. A
dinâmica urbana se tornou passível de ser examinada. O fluxo e a circulação dos
seus moradores tornaram-se foco de averiguação para estudos minuciosos de roti‑
nas que pudessem interferir nos quadros sanitários em todo o país. A população
tornou-se muito numerosa nas grandes cidades, e pouco a pouco as diferentes
realidades sociais do Brasil se tornaram cada vez mais complexas para uma inter‑
venção julgada eficaz no quadro político-sanitário.
Essa preocupação não pode ser considerada de tipo novo, pois que desde o
início da idade moderna existiam as medidas de contenção das populações em sua
territoriedade. A contagem das casas, das pessoas, das ruas, dos riscos de adoeci‑
mento ou insalubridade, desde o século XVII na Europa, foi mapeada com o intui‑
to de transformar a cidade em um grande banco de estatísticas sobre o cotidiano.
Daí a necessidade do esquadrinhamento das cidades e bairros. A cidade deveria ser
inspecionada, rua por rua, percorrida com um olhar permanente e controlada pelo
registro de todos os seus fenômenos de saúde por meio de uma incessante vigilân‑
cia. Primeiro, por razões econômicas: o crescimento da cidade, suas relações co‑
merciais e o surgimento da indústria nos grandes centros e suas consequências nas
mudanças urbanas. Segundo, por razões políticas: o aparecimento de múltiplos tipos
de trabalhadores, o controle dos movimentos sociais urbanos e a divisão do terri‑
tório por classes sociais — uma espécie de segregação social e espacial que pode‑
ria vir a gerar conflitos.
40
O interessante é observar que o primeiro objetivo desse olhar sobre a cidade
é que a aglomeração de pessoas e a confusão das rotinas tornam-se um perigo para
o tecido urbano. Em tempos atuais, a atenção primária à saúde apresenta a neces‑
sidade de verificar as coisas, os objetos, os elementos que circulam pela cidade
juntamente com as pessoas. Essa medida de exame sobre o “território salubre”
torna-se o primeiro pilar da saúde da família como estratégia desse nível de atenção
à saúde pública.
A mobilidade urbana, o movimento das pessoas nos bairros, a construção de
edificações, o movimento dos veículos e o fluxo por eles gerado passam a ser foco
de estudo para a saúde pública, dividida e mapeada geograficamente. A primeira
ação, portanto, é voltada para a observação da saúde como pertencente a um dis‑
trito sanitário (a cidade pode ser insalubre e por isso deve ser mapeada por uma
geografia humana e pelos seus “riscos”). Esse território contém o hábito e o coti‑
diano das pessoas. Dessa forma, torna-se um objeto de estudo e intervenção para a
saúde pública.
41
ESF, são marcadas pela miséria, focalizadas nas políticas de assistência social,
habituadas a sobreviver pelos laços de solidariedade e ser objeto de ação do Estado
somente por meio de políticas de moralização.
Costa (2004) relata que a criação da medicina de família no século XVIII no
Brasil foi a criação de uma atuação profissional tirânica. O modelo da medicina
familiar, que hoje se expandiu a muitas profissões de saúde, deu origem a profis‑
sionais que fazem da saúde das populações objeto de ação despótica.
Todo esse caldo de história não se perde reinventando modelos. A Estratégia
de Saúde da Família traz consigo a obrigatoriedade de reorientação de modelos de
serviços pautados unicamente na centralidade hospitalar; mas também se reorienta
por meio de uma sociedade altamente medicalizada e com costumes que evocam a
busca por um corpo perfeito — tanto em sua estética, quanto na necessidade de
tornar este corpo apto ao trabalho, pronto a produzir, livre de adoecimentos. Desta
maneira, a ação do Estado ainda que autoritária, encontra novos valores relaciona‑
dos à produção de saúde.
Eis então a fórmula para a intervenção da atenção primária: território e famí‑
lia. Essa fórmula é a mesma do Brasil colonial quando foi implantado o primeiro
olhar social sobre a saúde pública no Brasil (Costa, 2004). O que agora pretendemos
compreender é como e de que forma, cria-se um discurso reformado desse método
com nome de “promoção à saúde” e de que forma esta prática é vivida por assis‑
tentes sociais que atuam na atenção básica do SUS.
42
Essa atividade, portanto, está diretamente relacionada à figura do médico —
profissional central às práticas de prevenção. A centralidade em um profissional de
saúde direcionará o cuidado, principalmente aos “grupos-alvo”, “grupos de risco”
ou “grupos vulneráveis”, tais como diabéticos, obesos, hipertensos. Para estes de‑
verá ser criada uma estratégia que usará de argumentos de persuasão para evitar
agravos e sequelas das enfermidades de que são portadores. O foco aqui é fazer
com que as pessoas mudem seu modo de vida, não como escolha, mas como im‑
posição de uma norma sanitária.
Por outro lado, quando objetivamos a promoção da saúde, essa prática é
avaliada socialmente de forma positiva pelos profissionais da saúde. Os trabalhos
de promoção à saúde não se tornam objetos apenas de profissionais da área médica,
mas ao contrário, deverão favorecer o envolvimento e a participação de todas as
pessoas, as organizações da sociedade civil, as associações de bairros etc. Nessa
perspectiva, dar-se-á ênfase não apenas à saúde, mas toda uma rede de temas di‑
versos deverá ser abordada a fim de criar possibilidades de mudanças nos modos
de vida, comportamentos e no ambiente em que vivem e convivem as pessoas. Esse
enfoque deve abranger as instâncias municipal, regional e federal, além de incen‑
tivar a intersetorialidade das ações.
Para atuar com promoção da saúde é preciso associar os saberes técnicos aos
saberes populares, para, agindo em ações intersetoriais, gerar o protagonismo dos
sujeitos levando, consequentemente, a um nível ótimo de vida (Buss, 2003). Por‑
tanto, a promoção da saúde é um conceito em construção por meio de ações que se
completam entre a prevenção e a promoção, de tal forma que uma não venha a
anular a outra e o saber técnico dialogue com o saber popular, proporcionando a
criação de um “novo saber” que não tem parâmetros ou pressupostos sobre ele.
De acordo com Czeresnia (2003), pela promoção é possível fortalecer as ca‑
pacidades individuais e também coletivas, proporcionando maior capacidade de
escolhas e atitudes sobre a própria vida. Segundo a autora, promoção não é apenas
questão de existência, é questão de qualidade de existência. Grande parte dos pro‑
gramas de promoção da saúde passa pela mudança de comportamentos e hábitos
de vida. Essa confusão entre os termos ocorre por ser a promoção um campo novo,
ao contrário da prevenção, que já está consolidado entre as práticas de saúde. A raiz
da questão pauta-se no entendimento sobre a saúde não apenas como ausência de
doenças, mas é analisada a partir de vários outros aspectos da vida de uma pessoa
ou de um grupo antes de considerá-los ou não saudáveis.
Por isso podemos afirmar que não há e não haverá um modo correto de pro‑
duzir ações de promoção à saúde. Ela não está contida em protocolos ou manuais
43
do sistema público de saúde com a maneira certa ou errada. A promoção da saúde
resguarda aspectos da educação em saúde, baseada na tecnologia do diálogo que
produz conhecimento em ato, no momento do encontro. Sendo assim, trata-se de
uma ação baseada no acesso ao serviço de saúde como aquele que irá “produzir
junto” conhecimentos, ações, vinculações e interpretações sobre o modo de produ‑
zir saúde.
Não temos dúvidas que na política pública o que motiva a discussão em torno
do tema é um interesse ou uma necessidade de diminuir os custos elevados que vêm
sendo contabilizados na atenção à saúde. Esse enfoque pode atender a ideais capi‑
talistas, pois que buscam efetivar a autonomia das pessoas para, dessa forma,
possibilitar uma menor necessidade de ação do Estado.
Por outro lado, autores como Buss (2003) ressaltam ainda que o movimento
em torno do tema coincide com os interesses do desenvolvimento sustentável da
Agenda 21, que considera não só os aspectos internos da vida, mas o ambiente onde
ele vive e se relaciona.
Para dar conta desse amplo leque de aspectos da vida toma-se o tema “pro‑
moção da saúde” com conceitos discutidos nas duas últimas décadas, principalmen‑
te no Canadá, Estados Unidos e alguns países da Europa. Aconteceram nesse lapso
de tempo várias conferências quando o tema foi pensado e discutido em encontros
que ocorreram em Ottawa (1986), Adelaide (1988), Sundsval (1991), Jacarta (1997),
México (2000) e também na Conferência Internacional de Promoção da Saúde
realizada no Brasil em 1992 (Buss, 2003).
44
A promoção da saúde quase sempre é referida como uma atividade de educa‑
ção em saúde pelos assistentes sociais. Referem-se às atividades dialógicas, como
as reuniões com a comunidade, mas também mencionam as palestras — como
forma de transmissão de conhecimentos considerados “científicos” aos usuários
dos SUS.
Evidencia-se que os assistentes sociais permitem entender a educação em
saúde por duas vertentes de atuação: 1) algo que se dá em ato, no momento do
encontro como troca de saberes e a capacidade de dialogar sobre comportamentos,
estilos de vida, dúvidas em relação a determinada atitude. Proporciona acolhimen‑
to e muitas vezes “traduz” para a linguagem dos usuários uma ação desejada pelas
diretrizes ministeriais como uma “atitude saudável”. Neste sentido, a “tradução”
realizada pelo assistente social coloca-se como um papel a ser desempenhado na
qualidade de um interlocutor entre as ações educativas propostas pela saúde públi‑
ca e o conhecimento que se quer transformar em ação pelos usuários. Outra com‑
preensão deriva de um entendimento sobre educação em saúde como: 2) uma
concepção que se resume à transmissão de conhecimento científicos. O usuário do
SUS é visto com um receptor de informações. Os assistentes sociais elegem um
tema específico a ser tratado em reuniões, atividades grupais ou outra ação que seja
coletiva, denominada “atividades de educação em saúde”, pois envolve o trabalho
com a linguagem e uso de recursos professorais: projeção de slides, cadeiras em
fila, sala de aula formal ou auditório, quadro, cartazes ou imagens para repassar um
conhecimento sobre determinado tema. Muitas vezes esse suposto tema não é de
interesse dos usuários presentes nas reuniões, que estão ali para cumprir um pré‑
-requisito de determinada atividade — como os critérios de inclusão do programa
Bolsa Família do governo federal — requisito considerado obrigatório (uma con‑
dicionalidade).
A reunião do programa Bolsa Família se torna o espaço de muitos assistentes
sociais atuam na atenção primária e se colocam como interlocutores da ação mi‑
nisterial em sua relação com a comunidade. Muitos profissionais entendem que um
programa que gere renda contém em si a ação de promoção da saúde, visto que essa
ação desencadeará inúmeras outras possibilidades de gerar autonomia e liberdade
para o consumo de mercadorias que proporcionarão maior qualidade de vida, aces‑
so a determinados alimentos, medicamentos, vestuários etc. No entanto, o formato
como são realizados os encontros coletivos para cumprir as condicionalidades do
programa muitas vezes é desvirtuado pelos próprios assistentes sociais.
Encontramos profissionais que usam os encontros do programa Bolsa Família
como um espaço para realizar reuniões sobre doenças, como diabetes, tuberculose,
45
hipertensão ou tabagismo. Muitas vezes o público presente a essas reuniões não era
portador de nenhuma dessas doenças e colocavam-se sentados, em lugar de sub‑
missão ao profissional de saúde, para cumprir a condicionalidade do programa e
continuar recebedores dos direitos que o Bolsa Família proporciona. Quando per‑
guntados ao final das reuniões, os usuários não entendiam os motivos pelos quais
tiveram que ouvir uma “palestra” sobre um tema que não se relacionava com suas
vidas, não encontravam sentido na ação, mas diziam compreender que aquilo era
realizado para cumprir um protocolo. Por outro lado, os assistentes sociais faziam
mecanicamente uma palestra sobre um tema escolhido, muitas vezes com um con‑
vidado especialista no assunto abordado (por exemplo, um enfermeiro com espe‑
cialização em controle de diabetes) e assim finalizavam a ação como quem atendeu
um quesito do programa estabelecido pelo governo federal. O papel do especialis‑
ta e também do assistente social reproduzem, nesse sentido, uma hierarquização do
saber biomédico, em que cada profissional se responsabiliza por sua “clínica”,
abordando temas específicos recortados por agravo ou por risco à saúde. Tratam de
temas que se correlacionam com o surgimento de doenças, repetindo receitas e
hábitos que julgam difundir como “corretos”. Isso também se aplica a temas como
planejamento familiar ou uso de drogas, pregando práticas de controle em geral
autoritárias sobre a mulher que frequenta a unidade de saúde e a abstinência como
única alternativa ao uso de drogas consideradas ilícitas.
Os espaços de encontro com os usuários da saúde são poucos quando realiza‑
dos coletivamente. Sabemos que existe uma “métrica” que calcula a ação dos assis‑
tentes sociais por produção em determinados serviços de saúde, mas a utilização
desses espaços que se denominam “educação em saúde” como um repasse de infor‑
mação sem uma perspectiva de diálogo com a comunidade é uma ação frequente.
Nesse caso, os assistentes sociais denominam esse encontro como uma ação
de “promoção da saúde”, associado ao espaço de “educar” para hábitos e compor‑
tamentos saudáveis. Promover, assim, passa a ser entendido como uma ação ampla,
tanto pelo seu lastro coletivo de abordagem quanto por requerer uma ação que o
profissional se expõe no uso da linguagem perante muitos usuários do SUS e outros
profissionais com quem dividem as atribuições do “fazer saúde” nas unidades de
saúde municipais.
Frequentemente, essa ação tem um foco direcionado para a ação individual
(e individualizante), no esforço do indivíduo em mudar seu pensamento ou atitude
— mesmo que aconteça por meio de uma abordagem grupal. Ou seja, ainda que
reunidos para uma ação coletiva, o foco do assistente social está na atitude direcio‑
nada ao indivíduo, podendo ser uma reunião com abordagens grupais, mas espe‑
46
rando uma ação que seja uma resposta de indivíduo por indivíduo. Além disso, a
palestra é uma forma de abordagem que coloca lugares estabelecidos: um indivíduo
sabe e detém o poder da transmissão do conhecimento; outros não sabem e colocam‑
-se no lugar da recepção de informações. Isto aborta qualquer perspectiva dialógi‑
ca em um trabalho de abordagem coletiva.
Essa relação está atravessada pela concepção da prevenção embutida na pro‑
moção da saúde. Existe um entendimento que “promover” significa não deixar
desenvolver uma doença ou não deixar potencializar um risco, e isto se define como
prevenir, mas aparece denominado pelos assistentes sociais como “promoção da
saúde”. A preocupação pela adoção de “comportamentos saudáveis” baseia‑se na
premissa de que boa parte dos problemas de saúde está relacionada com estilos de
vida. Dessa forma, ações ligadas às mudanças das condições de existência, como
acesso à educação, à moradia e ao saneamento, não são encaradas como relevantes
nesse processo. Podemos dizer que essa concepção de saúde relaciona-se à ideia
de ausência de doenças e reflete a primazia da ação individual. O foco da ação
passa a ser, então, o indivíduo e seus hábitos, como se fosse possível isolá‑lo de seu
contexto social, econômico e político (Santos et al., 2010).
A relação que reforça e faz repetir essa concepção de abordagem em saúde
pelo assistente social se faz presente no modelo biomédico de atenção à saúde. Os
assistentes sociais trazem de forma frequente em seu discurso a necessidade de
conversar com a equipe sobre o entendimento do que seja saúde ou doença. Veem‑
-se no lugar ainda repetido daqueles profissionais que recebem toda e qualquer
demanda que não tem resposta imediata pelos profissionais de formação biomé‑
dica. E aquilo que não apresenta uma resposta imediata ou um diagnóstico fecha‑
do pelos profissionais que usam o jaleco branco é dirigido aos assistentes sociais
como “uma questão que é social” e, portanto, precisa de um encaminhamento ou
ação do profissional que não consegue resolver a demanda de forma a fechar um
diagnóstico, anamnese, exame ou evidência numérica que se torne uma estatística
epidemiológica.
Está contido nesse diálogo (não dito e não verbalizado diretamente) uma
concepção de saúde pública que se associa à formação de pequenos prontos‑
-atendimentos ou mini-hospitais dentro das unidades de saúde. Entende-se por
social tudo aquilo que não tem resposta imediata por parte da equipe considerada
“básica” (médico, enfermeiro, dentista e agente de saúde). Há repetição de um
entendimento de que aquilo que é social é exógeno à saúde pública, como se a
questão social, suas expressões e suas macrodeterminações não fossem parte da
saúde. Assim, o que requer uma intervenção social não se mostra como algo en‑
47
dógeno ao campo da saúde. É tratado como uma externalidade. É como se exis‑
tisse uma porta imaginária dentro das unidades de saúde que dividissem o bioló‑
gico e o social, devendo o usuário atravessar essa porta ou não passar por ela. O
que é social então aparece como algo “diferente” e isolado da saúde e seu campo
duro de saber.
Daí então que as ações de promoção à saúde são consideradas indicadores
importantes para os gestores das Secretarias Municipais de Saúde para mostrar uma
prática social de trabalho com a saúde coletiva. Todavia, quando acontece a divisão
do trabalho em equipe, aquele trabalho que condensa a prática do diálogo com a
comunidade, este mesmo trabalho é considerado algo menor, com indicadores não
muito claros, metas não muito rígidas a serem alcançadas pelos profissionais da
estratégia de saúde da família. Isto porque esse trabalho de promoção da saúde não
pertence à saúde no seu campo duro (químico e biológico) de saber.
Por outro lado, o assistente social cumpre um papel fundamental de responder
a demandas que se relacionam à dimensão local do território: atender vítimas de
violência velada ou visíveis e encaminhá-las a serviços específicos, abandono de
idosos, maus-tratos a crianças ou mulheres em situação de vulnerabilidade social
ou a pobreza que se expressa na “falta de” — uma dimensão capturada nas visitas
domiciliares.
Encontramo-nos, portanto, em outra dimensão do trabalho do assistente
social nas unidades de saúde: a sua aproximação ao trabalho do agente comuni‑
tário de saúde. Logo no início da implantação da estratégia de saúde da família
pelo Ministério da Saúde, o Serviço Social, por meio do seu órgão de represen‑
tação de classe, questionou a inserção do assistente social como “equipe de apoio”
à “equipe básica” nas unidades de saúde. Essa distinção fez permanecer uma
separação preexistente ao modelo de intervenção com famílias. Questionava-se
o isolamento do Serviço Social dentro da divisão do trabalho em equipe, ques‑
tionava-se o instrumental subutilizado do assistente social na abordagem com
famílias (visto que era uma estratégia de saúde da família) e, ainda, o trabalho de
visita domiciliar — tão característico da prática do Serviço Social — atribuído
então para um segundo profissional, de nível médio de escolaridade, o agente
comunitário de saúde.
Atualmente, essa divisão do trabalho dentro das unidades faz com que o as‑
sistente social e o agente comunitário de saúde realizem a visita domiciliar. O
primeiro, o assistente social, com a intenção de esclarecer informações que não
estejam tão evidentes para subsidiar o seu processo de intervenção, parecer social
ou trazer novos dados e informações para a equipe de saúde como um todo, buscar
48
novos subsídios sobre o acompanhamento de um caso ou algo que não tenha sido
dito claramente após a reunião de um grupo. O segundo, o agente comunitário,
utiliza a visita domiciliar como uma captura de dados, coleta de informações deli‑
mitadas previamente e organizadas em dezenas de questionários que devem ser
aplicados e preenchidos de forma correta. Será o agente comunitário que trará a
informação primeira, o dado bruto a ser trabalhado pela equipe, suas impressões,
sua observação sobre a realidade. Ou seja, espera-se desse agente comunitário um
olhar sensível sobre a realidade de saúde que subsidiará a intervenção da equipe
que acontecerá a posteriori.
O fato é que a visita domiciliar tornou-se uma ferramenta comum para ambos,
e no jogo das relações de trabalho os agentes comunitários de saúde observam as
visitas feitas pelos assistentes sociais como um trabalho a menos a ser realizado
por eles. Uma vez que o assistente social tenha visitado determinada família,
considera-se uma a menos para o agente comunitário abordar, e isso se torna um
motivo de conflito a ser resolvido pelas gerências dos serviços.
A proposta das visitas domiciliares é diferente em sua essência. Contudo,
quem acaba perdendo com esse processo de trabalho assim organizado é o usuário
do serviço de saúde que tem sua casa “aberta” para os profissionais de saúde várias
vezes, passivo a uma intervenção que ele ainda não sabe no que resultará. Assim,
a visita domiciliar se torna um procedimento invasivo do assistente social e do
agente comunitário de saúde, objetivando uma intervenção rotineira ao âmbito mais
privado da vida: a residência e os hábitos domésticos de comportamentos. Nas
casas das famílias mais pobres isso se torna um procedimento corriqueiro, e os
profissionais de saúde veem essas famílias como pessoas que “devem” abrir as
portas das suas casas para a intervenção dos profissionais em nome do SUS e em
nome do Estado.
Em um comparativo, os profissionais relatam que nas casas de famílias de
classe média ou com renda mais alta em bairros considerados ricos, existe grande
dificuldade de entrar nas casas das pessoas, visto que nem sempre permitem ou
julgam não ser necessário. Por outro lado, os assistentes sociais avaliam que as
famílias mais pobres permitem sua entrada de forma cortês. Os profissionais então
rotulam que essas famílias são mais “educadas”, pois abrem suas portas e entendem
o procedimento de entrada da equipe em suas casas.
A visita domiciliar é uma ferramenta apontada pelos assistentes sociais como
subsidiária ao trabalho de promoção da saúde, pois ela proporciona a coleta de uma
informação em estágio avançado a ser trabalhado pelo Serviço Social, quando a
informação não está clara e o parecer social está ainda obscuro. Desta forma, re‑
49
sulta da visita um “esclarecimento” de algo que o assistente social pressupunha ou
não tinha informação alguma.
Alguns profissionais chegam a declarar que não consideram a visita domiciliar
uma ferramenta da promoção da saúde, pois ela se confunde com um “trabalho de
polícia”. A visita algumas vezes funciona como a busca por uma prova ou evidên‑
cia sobre um hábito, um comportamento ou uma atitude que será combatida pelo
assistente social. Associam-se a isso o abandono de crianças, o envolvimento com
tráfico de drogas, violência contra mulheres, maus-tratos em caso de transtornos
mentais, higiene (individual ou no âmbito dos cuidados da casa), alimentação ina‑
dequada a doentes ou idosos que demandam cuidados. Nesses casos, o assistente
social tem sua prática de visita domiciliar legitimada como “autoridade sanitária”
na investigação dos casos que se manifestam como uma expressão da questão social.
Contudo, essas “descobertas” feitas por meio de um trabalho denominado de “in‑
vestigação” pelos assistentes sociais não são consideradas atividades de promoção
da saúde, realizadas, muitas vezes, com incerteza pelos profissionais. Pois produz
um questionamento sobre o limite tênue da visita domiciliar associado ao trabalho
de policiar, inquirir, investigar a vida dos usuários da saúde pública. Alguns profis‑
sionais, em situações mais graves, preferem não realizar o trabalho de visita domi‑
ciliar, tamanho o envolvimento de determinada família com o tráfico de drogas
— o que implica a segurança de suas próprias vidas.
A diferença desse trabalho realizado pelo assistente social e o agente comu‑
nitário está, também, na contagem dessa produção. O assistente social habitualmen‑
te não tem um número a ser perseguido em suas visitas domiciliares. O agente
comunitário, sim. Daí que a visita realizada pelo assistente social tem uma flexibi‑
lidade que o agente comunitário não possui. Portanto, ela passa a ser mais dialoga‑
da, não preocupada com o tempo ou com um número de questionários a ser
preenchidos. Desta forma, a dimensão dessa produção, ganha em qualidade e se
difere do trabalho medido pela quantidade.
O produto final da visita resulta em um relatório que pode vir a subsidiar um
parecer social para o Juizado da Infância e Juventude, servir de encaminhamento
para um centro de referência de assistência social ou resposta a um questionamen‑
to do ministério público — uma demanda que a equipe considerada “básica” de
saúde não quer para si. E esse trabalho não consta nos boletins de produtividade
das unidades de saúde para as Secretarias Municipais, nas metas estabelecidas pelo
Ministério da Saúde e não é “contabilizado” pelos assistentes sociais. Muitos pro‑
fissionais possuem um controle interno dessa produção e guardam consigo, até em
armários próprios, os pareceres e relatórios gerados pelo Serviço Social.
50
Considerações finais ou a saúde como produção de vínculos
O olhar biomédico que demarca a questão social como exógena à saúde deli‑
mita uma segmentação do trabalho social demarcado, contraditoriamente, pela
produção de vínculos com o usuário. Será esse o diferencial do trabalho produzido
pelo assistente social. A escuta que acolhe ou o uso de uma linguagem que produ‑
za afetação no usuário do serviço de saúde é o que resulta em uma prática que
envolve e tece relações diretamente com os usuários.
Os assistentes sociais usam da linguagem como sua principal ferramenta no
encontro com os usuários do SUS através da atenção primária à saúde. Percebem
que é a dinâmica de produzir subjetivação nas relações sociais que envolve e poli‑
tiza o encontro entre o assistente social e o usuário. Usam de recursos que se baseiam
majoritariamente na escuta que acolhe, nas orientações que reorganizam o raciocí‑
nio, na tradução de informações técnicas e burocráticas para uma ação que direcio‑
na para a produção do acesso às políticas sociais. Essa forma de receber o usuário
produz vínculo, acolhimento e tradução.
Observamos que a palavra “vínculo” no seu sentido etimológico pode signi‑
ficar conexão, junção, ligamento, amarração. E é exatamente nesse sentido que
queremos fazer uso da palavra. Observamos que os usuários da estratégia de saúde
da família muitas vezes se relacionam com o assistente social em uma relação de
espelhamento. Veem nele a possibilidade de ser acolhidos e depositam nesse pro‑
fissional uma vinculação que produz um elo de corresponsabilidade sobre questões
mais intimistas de suas vidas.
Quando visitados ou entrevistados por um profissional de Serviço Social
vocalizam demandas que não são conotativas de uma doença ou acompanhamento
de algum tratamento apenas. O atendimento individual do assistente social habi‑
tualmente é realizado de portas fechadas, em uma relação que resguarda o sigilo.
Não pela preocupação em mostrar o corpo sem roupa ou o uso de um medicamen‑
to injetável, mas pela linguagem verbalizada que é dialogada de forma direta entre
assistente social e usuário, abrindo códigos e informações somente direcionadas a
um profissional que a população julga “recebedora” dessa relação de confiança. De
forma rotineira, os usuários são correspondidos nessa relação.
O trabalho de escuta e produção de vínculo promove a saúde dos usuários, e
os assistentes sociais têm clareza disto. Este trabalho do diálogo, da atenção, orien‑
tação e escuta é um trabalho que não atende a indicadores ou metas a serem alcan‑
çadas por gestores dos serviços de saúde, pois não são contabilizados como algo
calculável. Por um lado, isso não proporciona visibilidade ao trabalho do assisten‑
51
te social nas “métricas” administrativas de gerenciamento dos serviços de saúde.
Por outro lado, evidencia a potência da ação desse profissional. No encontro com
os usuários (individual ou coletivamente), esse trabalho não é controlado (ou cap‑
turado) por dentro de sua dinâmica. O produto em decorrência do atendimento
realizado pelo assistente social é potente pelos seus resultados, pois é fruto de um
trabalho que se dá em ato, por meio de uma relação direta com os usuários, argu‑
mentado e fundamentado em ferramentas que são dialógicas. Neste sentido, gera
um produto livre de amarras produtivistas — ainda que as gerências tentem colocar
esse trabalho subordinado a indicadores estatísticos ou epidemiológicos.
Daí que o assistente social percebe que sua principal ferramenta (a linguagem)
gera um produto vital: a ação orientada, com perspectivas de continuidade da vida,
para além do discurso da doença, uma promoção da saúde no seu sentido lato. Esta,
então, se torna a dimensão política do seu trabalho — uma política que produz mais
relações sociais, no sentido de arregimentar, agregar relações humanas para pers‑
pectivar a continuidade da vida. Neste sentido, afirmamos que este trabalho, que é
relacional, é potente em sua ação.
Referências bibliográficas
52
O trabalho do assistente social
em contextos hospitalares:
desafios cotidianos*
The Social Worker’s job in hospitals: daily challenges
Abstract: Taking into consideration the challenges that the social worker acting in the field of health
faces everyday, at several aspects, this article treats of the ethical dimensions present in his work and
which constitute the identity of the profession, expressing themselves at different levels from the ethic
of cares up to the active ethic and the social protection. I finish it by pointing out the importance of the
research to qualify the knowledge and the professional intervention itself.
Keywords: Social Work. Health. Professional. Ethical exercise.
* Elaborado com base em artigo publicado na revista Serviço Social e Saúde, ano VI, n. 6, 2007, p. 21‑33.
** Assistente social, doutora em Serviço Social, docente, pesquisadora e coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisa sobre Identidade do Programa de Estudos Pós‑Graduados em Serviço Social da Pontifí‑
cia Universidade Católica de São Paulo/SP, Brasil. E-mail: mlmartinelli@terra.com.br.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011 497
53
O
Serviço Social é uma profissão cuja identidade é marcadamente histó‑
rica. Seu fundamento é a própria realidade social e sua matéria‑prima
de trabalho são as múltiplas expressões da questão social, o que lhe
confere uma forma peculiar de inserção na divisão social e técnica de
trabalho. Como profissão de natureza eminentemente interventiva, que atua nas
dinâmicas que constituem a vida social, participa do processo global de trabalho
e tem, portanto, uma dimensão sócio‑histórica e política que lhe é constitutiva e
constituinte.
Como área de conhecimento e de intervenção profissional, consolida o seu
significado social em suas relações com as demais profissões e com as práticas
societárias mais amplas, especialmente com as que se direcionam para o enfrenta‑
mento das situações de violações de direitos que afetam as condições de vida da
população em geral e, sobretudo, dos setores mais empobrecidos da sociedade.
O exercício profissional, expressão material e concreta do processo de traba‑
lho do assistente social, explicita a dimensão política da profissão e o reconheci‑
mento da condição de sujeitos de direitos daqueles com os quais atua, tendo por
fim último a sua emancipação social.1
Para tanto, em cada ato profissional são mobilizados conhecimentos, saberes
e práticas que, mediante uma ampla cadeia de mediações e do uso adequado de
instrumentais de trabalho, visam alcançar os resultados estabelecidos.
Cada um desses momentos é saturado de determinações políticas, econômicas,
históricas, culturais que estão presentes no atendimento demandado e nas respostas
oferecidas, pautadas sempre em valores éticos que fundamentam a prática do Ser‑
viço Social, com base no Projeto Ético‑Político profissional, como expressão que
é do Código de Ética, aprovado pela Resolução do CFESS n. 273/93, com alterações
posteriores, bem como da Lei n. 8662, de junho de 1993, que regulamenta o exer‑
cício profissional.
A dimensão ética é constitutiva da identidade da profissão, juntamente com
as dimensões técnico‑operativas e teórico‑metodológicas, articulando‑se em termos
de poderes, fazeres e saberes como mediações da prática profissional e expressões
de nossa práxis humana. Há um fim último que buscamos com nossas ações pro‑
fissionais e que configuram a particularidade histórica da profissão. Cada um de
1. É indispensável o aprofundamento do estudo desta categoria por seu uso recorrente no âmbito do
Serviço Social, inclusive no próprio Código de Ética. Recomenda‑se, para tanto, a consulta à obra de Marx,
especialmente, A questão judaica.
498 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011
54
nossos atos profissionais, até mesmo o menor deles, é dimensionado eticamente,
direciona‑se à emancipação humana e, portanto, sua vocação é sempre a humani‑
zação da prática profissional.
Consolidamos a nossa identidade profissional, fortalecemo‑nos enquanto
seres humanos quando somos capazes de humanizar a nossa prática, pois
Isto se dá, evidentemente, não apenas como trabalho individual, mas como
expressão necessária de um sujeito coletivo, pois a “espécie humana só é humana
na medida em que se efetiva em sociedade” (idem, p. 48). Na área da saúde, este
é um verdadeiro imperativo, não somente por força da política de humanização,
mas sobretudo porque esta é uma área em que pulsam valores humanos candentes
e onde trabalhamos com a vida em suas múltiplas manifestações, desde o nasci‑
mento, passando pela infância, juventude, vida adulta, processo de envelhecimen‑
to, até a finitude.
No atendimento direto aos usuários, trabalhamos com pessoas fragilizadas
que nos pedem um gesto humano: um olhar, uma palavra, uma escuta atenta, um
acolhimento, para que possam se fortalecer na sua própria humanidade.
A Política Nacional de Assistência Social — PNAS, aprovada pela Resolução
do Conselho Nacional de Assistência Social n. 145, de 15 de outubro de 2004 nos
pede um novo olhar para o social: o da proteção social como direito, como elemen‑
to fundante da cidadania. Da mesma forma, os princípios da Política Nacional de
Saúde Lei n. 8080, de 19 de setembro de 1990, nos direcionam na luta pela vida,
no compromisso pela construção de práticas democráticas, sintonizadas com as
necessidades sociais e de saúde da população.
Assim também a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde” — Ministério
da Saúde, 2006 — partindo do princípio consagrado na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 196, de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado,
preconiza
• que todo cidadão tem o direito ao acesso ordenado e organizado aos sis‑
temas de saúde, visando um atendimento mais justo e eficaz;
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011 499
55
• que ao cidadão é assegurado o tratamento adequado e efetivo para seu
problema, visando a melhoria da qualidade dos serviços prestados;
• que ao cidadão é assegurado atendimento acolhedor e livre de discrimina‑
ção, visando a igualdade de tratamento e uma relação mais pessoal e
saudável;
• que ao cidadão é assegurado um atendimento que respeite os valores e
direitos do paciente, visando preservar sua cidadania durante o tratamento.
é fonte de sentido para a vida humana, organiza nossa vida diária. Define o tempo e
a história humana [...] O trabalho nos revela para os outros e para nós mesmos. Por
meio dele construímos nossa identidade. A partir dele descobrimos habilidades, po‑
500 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011
56
deres, limites, competências, alegrias, tristezas. Criamos vínculos com as pessoas,
com os ambientes, com a cidade e a nação. O trabalho é o lugar privilegiado onde
descobrimos, inclusive, para que viemos e o que nos compete cuidar nesta vida.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011 501
57
pêutica — uma alusão à definição macro de cuidados paliativos descritos pelo
Ministério da Saúde: a cura científica para este paciente não existe, mas terapêuti‑
cas de cuidado e tratamento sempre são possíveis para proporcionar‑lhe uma mor‑
te digna” (Sodré, 2005, p. 143).
A atuação do Serviço Social neste momento, no âmbito da terapêutica dos
cuidados, é de fundamental importância, preservando o respeito ético pela vida
humana.
Ao trabalhar nessa perspectiva do cuidado ético, da humanização da prática,
estamos fazendo um uso consciente de conhecimentos, sentimentos, valores, na
busca da qualidade do atendimento de nossos atos profissionais. Daí a importância
da ética dos cuidados, pois se o trabalho é um uso de si,2 pressupõe na mesma
medida um cuidado de si.
Nesta primeira dimensão do trabalho como uso de si, é de se destacar a
importância:
• do sentimento partilhado, de sentir com o outro, não como o outro;
• do espaço da escuta, tanto no diálogo como no silêncio;
• do espaço do acolhimento, de ter a sensibilidade de oferecer o acolhimen‑
to no momento do desconforto, da dor, “abrir a porta quem não bateu”,
como nos lembra o poeta Fernando Pessoa (1965);
• da dignidade no trato, da sensibilidade de perceber a condição do outro
naquele momento tão peculiar de sua vida;
• do reconhecimento do sofrimento psíquico, da tristeza, do desconforto
emocional, que acompanham o adoecimento e o agravamento do quadro
de saúde;
• da ética no trato da informação;
• da verdade como base do diálogo, na justa medida, tanto com o paciente
quanto com seus familiares;
• da responsabilidade social partilhada, criando relações de parceria com o
cuidador e familiares, e estimulando‑os a criar também vínculos de per‑
tencimento.
2. Competente abordagem da concepção de trabalho e uso de si é realizada por Yves Schwartz (2000).
Vale ressaltar, também, a contribuição de Edna Goulart Joazeiro (2002), ao trabalhar com essa temática na
análise do estágio supervisionado em Serviço Social como formação e trabalho.
502 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011
58
Quanto ao trabalho como cuidado de si, é sempre recomendável:
• manter um estado de espírito positivo;
• alimentar a paz de espírito e a tranquilidade;
• dedicar‑se a práticas que permitam o recriar das energias e que estimulem
a criatividade;
• manter acesa a chama da busca do conhecimento, da prática, da pesquisa;
• buscar permanentemente o aprimoramento profissional, tanto na perspecti‑
va multidisciplinar quanto na profissão de origem;
• lembrar‑se, a cada momento, do permanente compromisso que devemos
ter no sentido da consolidação do projeto ético‑político da profissão.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011 503
59
É preciso, portanto, qualificar o conhecimento para qualificar a intervenção,
o que exige:
• realizar a pesquisa a partir da prática;
• construí‑la a partir do lugar da experiência;
• trabalhar a partir de uma proximidade crítica com os sujeitos;
• ter sempre no horizonte o valor social do conhecimento produzido, seu
retorno ao campo da intervenção e aos sujeitos que dele partilham;
• intercambiar experiências, dialogar pela via interdisciplinar, para ser cria‑
tivo na construção do conhecimento;
• ancorar esse modo de produzir conhecimento nas próprias vivências, na
experiência social cotidiana, dando‑lhe visibilidade e transformando o
“conhecimento silencioso” em “conhecimento partilhado” (Polanyi, 1983),
por meio de sua socialização;
• enfim, ter sempre presente que pela construção do conhecimento, de
novos saberes e práticas, buscamos melhorar a intervenção para que,
como expressão de nosso projeto ético‑político possamos nos fortalecer,
produzindo práticas que expressem nossa vontade política e que sejam
capazes de refundar a política como campo de direitos e refundar o
social como espaço de construção de utopias, de invenção de futuros
(Martinelli, 2006).
Ainda que saibamos que, para muitos dos sujeitos com quem trabalhamos no
contexto hospitalar, o crepúsculo da vida se avizinhe, não podemos perder o com‑
promisso com a construção de utopias, com a reinvenção da própria vida.
É isso que nos pede a ética, que humanizemos as nossas ações no trato com
a vida, em todas as suas expressões, incluindo certamente o momento da finitude.
Barchifontaine e Pessini, estudiosos da Bioética, divulgam em seu livro Bioética
e saúde (1989, p. 198‑99) a “Carta dos direitos do paciente terminal”, que resul‑
tou de um seminário realizado em Lansing, Michigan, nos Estados Unidos, sobre
esta temática — Paciente terminal, como ajudá‑lo? —, e cujo princípio é exata‑
mente o seguinte: “Tenho o direito de ser tratado como pessoa humana até que
eu morra”.
Mesmo considerando que hoje a própria expressão paciente terminal sofre
questionamentos por parte dos estudiosos da bioética, da tanatologia e dos profis‑
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sionais que atuam na área dos cuidados paliativos, que falam em termos de pacien‑
tes criticamente enfermos, parece‑nos oportuno situar em anexo a referida Carta,
por sua profunda dimensão ética. O importante é que tenhamos a coragem de fazer
de nossa prática uma expressão plenamente ética e desejante, que pulse com a
própria vida.
Para que tenhamos sempre presente em nosso horizonte o compromisso de
humanizar a nossa prática, aprendamos a evocar, como bem nos ensina Fernando
Pessoa (1965, p. 343):
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011 505
61
ANEXO
“Tenho o direito de participar das decisões referentes aos meus cuidados e trata‑
mentos.”
“Tenho o direito de ter esperança, não importa quais mudanças possam acontecer.”
“Tenho o direito de ser cuidado por pessoas que mantêm o sentido da esperança,
mesmo que ocorram mudanças.”
506 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 107, p. 497-508, jul./set. 2011
62
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64
O Serviço Social nas ONGs no campo da saúde:
projetos societários em disputa*
ONGs’ Social Services in the field of health: collective projects in debate
Abstract: The article analyses the Social Services’ practices in the non-governmental organiza-
tions (ONGs) in the field of health. The study aims at identifying the dilemmas and challenges in
the social workers´ daily interventions in the sequels of the social issue. It also presents the research
as a strategy in the construction of collective proposals towards citizenship, as a counterpoint to the
logic of favour.
Keywords: Non-governmental organizations. Social Services. Health.
* Dedico este artigo às “minhas” estagiárias Paula Alexandra Trovisco (PUC-RJ) e a Nathália Marinho
(UVA) por seu empenho na pesquisa e por sua contribuição no horizonte ético-político no trabalho cotidiano
da ONG. Também à amiga Juliana Fiúza, pelas trocas teóricas, e a Sílvia Ladeira por suas críticas e revisão
do artigo.
** Mestre em Serviço Social pela ESS-UFRJ, especialista em Saúde Mental Coletiva pela Escola de
Saúde Pública do Rio Grande do Sul, professora da Pós-Graduação de Responsabilidade Social Organizacio-
nal da Universidade Veiga Almeida — Rio de Janeiro/RJ, Brasil, e assistente social do Programa Nacional de
Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Ro de Janeiro (Iser). E-mail: grazi.email@ibest.com.br.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010 269
65
Pressupostos iniciais
O
estudo partiu da experiência de trabalho do Serviço Social numa
Organização não Governamental no campo da saúde. Temos como
pressuposto que as ONGs não são monolíticas, ou seja, existe uma
pluralidade de ações e discursos, e que muitas vezes aparecem entre-
laçados na lógica do favor e da cidadania: diretos sociais, mobilização social,
atendimento às necessidades sociais, o favor, moralização e humanização. Outro
ponto é que o espaço institucional das ONGs é lugar de contradições e disputas
por projetos societários, ou seja, se de um lado existem as pressões das lógicas
mercantilista e privatista no trato da questão, de outro existem pressões relaciona-
das a discursos e ações ligadas à cidadania e aos direitos sociais, projetos profis-
sionais e sujeitos atendidos, que trazem consigo suas reivindicações de acesso a
um nível de civilidade mínimo (trabalho, moradia, alimentação, educação), da qual
grande parte encontra-se à margem.
O Serviço Social no campo do “terceiro setor” vive um paradoxo, no sen-
tido de reconhecermos o espaço das ONGS e a filantropia empresarial como
estratégias de esvaziamento de direitos sociais, ao mesmo tempo que o assisten-
te social enquanto um trabalhador assalariado não tem condições de recusar sua
inserção nesse campo sócio-ocupacional, pois depende da venda de sua força de
trabalho. O trabalho do Serviço Social possui na raiz profissional os dilemas da
alienação e das determinações sociais que afetam a coletividade dos trabalhado-
res. O exercício profissional supõe a mediação do mercado de trabalho, por
tratar-se de uma atividade assalariada (Iamamoto, 2008). Não há como negar o
que a realidade nos impõe enquanto trabalhador assalariado; de modo que é
necessário estarmos atentos aos inúmeros assistentes sociais e estagiários inse-
ridos nas ONGs, que precisam de maior proximidade com o debate acadêmico,
com a análise da realidade do cotidiano institucional, pois “a questão social se
enfrenta com teoria e não com trabalho voluntário” (Vasconcelos, 2008). É es-
sencial lembrar que as ONGs atualmente representam 5% do PIB no brasileiro
(Silva, 2009).
Então, ficam o desafio e o dilema atual de descobrirmos mecanismos e estra-
tégias de assegurar os direitos sociais e de repolitizar a questão social nesses espa-
ços sócio-ocupacionais, para além de contornos neoliberais.
270 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010
66
O artigo está organizado em três partes: a primeira tem como fio condutor o
entendimento das metamorfoses históricas das ONGs no Brasil e suas implicações
alicerçadas no capitalismo e no Estado. A segunda enfatiza as particularidades das
ONGs no campo da saúde e o trabalho dos assistentes sociais. Na terceira, aborda-
mos a pesquisa, enquanto dispositivo estratégico na construção de propostas demo-
cráticas que fortaleçam a cidadania.
(Renato Russo)
Para Alvarez et al. (2000), a sociedade civil constituiu-se amiúde em uma esfe-
ra disponível ou a mais importante para organizar a contestação política e cultural.
Entretanto, a sociedade civil não é uma família ou uma aldeia global homogênea, mas
um território de luta, minado muitas vezes por relações de poder não democráticas e
pelos problemas constantes de racismo, heterossexismo, destruição ambiental e outras
formas de exclusão. Atualmente estamos vivendo uma crescente predominância das
ONGs nos movimentos latino-americanos. As ONGs por vezes agem como organi-
zações “neo” ou “para”, em vez de não governamentais, caminhando no sentido de
ajudar a sustentar um setor público esvaziado pelo Estado e, ao mesmo tempo, tornar
possível que este se exima do que era considerada sua responsabilidade.
O debate da articulação entre o Estado e a sociedade civil está intimamente
relacionado ao processo constitutivo do voluntariado e à solidariedade, pois existe
uma estreita vinculação entre a ação voluntária e a solidariedade e a sociedade civil,
representada pelo “terceiro setor”. Há uma tendência de constituir uma analogia
entre terceiro setor e sociedade civil, passando esta última a ser denominada de
conjunto de organizações, transpondo para o segundo plano o aspecto político, num
processo de despolitização das desigualdades sociais (Fagundes, 2006).
As políticas sociais públicas são uma das respostas privilegiadas à questão social,
ao lado de outras formas, acionadas para enfrentamento por distintos segmentos da
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sociedade civil, que possuem programas de atenção à pobreza, como corporações
empresárias, organizações não governamentais, além de outras, de organização das
classes subalternas, para fazer frente aos níveis crescentes de exclusão social a que
se encontram submetidas (Iamamoto, 2004, p. 58). Conforme Fagundes (2006),
Montaño (2002) aponta que as ONGs nos anos 1970 e 1980 tinham um claro
papel de articuladoras ao lado dos movimentos sociais e captadoras de recursos
para estes. Ou seja, as ONGs surgiram com a missão de contribuir para a melhoria
da organização interna, a articulação e a transferência de recursos captados de or-
ganismos internacionais para os movimentos sociais. Contudo, paulatinamente as
ONGs começaram a ocupar o lugar dos movimentos sociais nos anos 1990. O autor
ressalta que atualmente as ONGs tornaram-se o ator principal na negociação com
o Estado, o que acarretou enfraquecimento dos movimentos sociais, deslocando a
lógica das lutas e das reivindicações para o caminho da parceria e da negociação.
Em que pese tal afirmação, é necessário considerar que existe uma trama de
aspectos complexos que ocasionaram a transformação ou o “enfraquecimento” dos
movimentos sociais, que não são lineares.
Gonh (2000), na análise dos movimentos sociais no período de transição dos
anos 1980 para os 1990, aponta diferentes aspectos que impulsionaram as seguintes
mudanças:
1. A diminuição dos empregos na economia formal com o advento da reestru-
turação produtiva, o que acarretou instabilidades e incertezas, exigindo longas jor-
nadas de trabalho, fato que interfere no tempo disponível das pessoas para partici-
parem de mobilizações. As políticas econômicas dão suporte às atividades informais,
que contribuem para a diminuição de trabalhadores filiados aos sindicatos.
272 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010
68
2. Ao longo dos anos 1980, com a transição democrática, o Estado tinha in-
teresse em dialogar com os movimentos sociais, pois estava redemocratizando-se,
sendo necessário mudar a imagem ligada à repressão e ao autoritarismo. Entretan-
to, nos anos 1990 o Estado prescinde do apoio dos movimentos para se legitimar
diante da sociedade como agente não repressor.
3. Os movimentos populares progressistas perderam nos anos 1990 o apoio
irrestrito que tiveram da Igreja Católica no período 1970-80, em sua ala da Teologia
da Libertação.
4. As utopias sociais transformadoras, motores de mobilização e motivação das
ações sociais coletivas, estiveram ausentes nesse fim de século, devido à influência
da queda do muros de Berlim e dos regimes que sustentaram algumas delas.
5. Nos anos 1980, a participação social era pauta na agenda política das elites
devido à crise de governabilidade das estruturas de poder do Estado autoritário, à le-
gitimidade das demandas expressas pelos movimentos sociais e à conquista de espaços
institucionais como interlocutores válidos. Nos anos 1990, a agenda política das elites
dirigentes modifica-se em função de problemas internos e de novas políticas sociais
impostas ao mundo capitalista, sendo que as arenas de negociação passaram a ser
formadas pelo poder público. Orientadas em mecanismos jurisdicionais de controle,
as elites políticas fomentaram o surgimento de movimentos sociais a seu favor.
6. Nos anos 1990 surgem novos movimentos sociais que têm foco nas questões
éticas e na revalorização da vida humana, enfatizando questões de direitos no pla-
no da identidade ou igualdade. Esses novos movimentos enfatizam a consciência
individual em vez da coletiva, ancorada em valores de solidariedade humana; suas
ações são organizadas em forma de “campanhas”. Surgiram nos anos 1990 organi-
zações de cunho misto de movimento social e ONG.
Em nosso ponto de vista, existem quatro fatores fundamentais para que as
ONGs assumam o “papel” de principal agente de interlocução junto às políticas
sociais, quais sejam: as transformações no mundo do trabalho com redução do
trabalho vivo, impactando diretamente na fragilização da sindicalização e organi-
zação dos trabalhadores;1 o Estado sob hegemonia do capital financeiro estimulou
1. Segundo Faleiros (1986), os neoliberais em momentos de crise propõem a extinção das medidas
sociais e a volta ao mercado de trabalho sem proteção estatal, e isto ocorre justamente num momento em que
os trabalhadores estão mais vulneráveis pela desmobilização decorrente do desemprego e da procura de
emprego.
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69
a criação de dispositivos legais de financiamento do atendimento de demandas
sociais fora da esfera pública; o processo de democratização do país levou a maior
complexidade e pulverização dos interesses dos sujeitos sociais; e, finalmente, a
redução do financiamento internacional das ONGs no Brasil.
Desta forma, podemos apontar que o financiamento das ONGs pelo Estado
foi uma via de mão dupla. Por um lado houve reconhecimento histórico da capaci-
dade técnica e assistencial das ONGs vinculadas à questão social e à cidadania; por
outro, possibilitou ao Estado a redução do custo das políticas sociais sem perder a
legitimidade, já que ressaltou vetores consensuais dos direitos civis e políticos na
manutenção da cidadania.
O Estado, por intermédio das ONGs, pôde construir uma nova concepção de
cidadania social, fora da órbita da política pública estatal. Conforme Becker (2003,
p. 117),
2. O marco legal do terceiro setor engloba sob um mesmo título as instituições filantrópicas, o volun-
tariado e as organizações não governamentais, que contemplam desde aquelas mais combativas, oriundas de
movimentos sociais, até filantropia empresarial (Iamamoto, 2008). Diante desse o cenário “nebuloso” do
terceiro setor, pudemos constatar que a literatura profissional aponta como denominador comum na análise
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70
namental para ONGs e mercantilização do atendimento às necessidades sociais,
evidente no campo da saúde, da educação, entre muitos outros.
Para Yazbek (2001), atualmente vivemos um movimento de refilantropização,
que visa à substituição da lógica da cidadania, tendo como base o não reconheci-
mento dos direitos sociais historicamente conquistados, pois está alicerçada num
discurso humanitário da solidariedade e da filantropia, alavancado por uma morali-
dade de ajuda aos necessitados. É preciso frisar ainda que esta perspectiva fortalece
a lógica do favor em detrimento do direito. No Brasil, o favor perpassou o conjunto
da existência nacional nas relações entre homens livres, sendo que o favor foi nossa
principal mediação nas relações sociais (Schwarz, 1991, apud Iamamoto, 2008).
Contudo, é preciso salientar que a chamada refilantropização é acompanhada
por um aprofundamento da racionalização e mercantilização do próprio trato da
questão social. As empresas que financiam as ONGs exigem resultados de seus
investimentos (relatórios, pesquisas de impactos etc.), que posteriormente possam
ser utilizados para marketing social, vinculando imagens e discursos na órbita da
questão social para venda de suas mercadorias. Acreditamos que o elemento novo
da “filantropização” no momento atual é o aprofundamento da transformação da
racionalidade do caráter humanitário em mercadorias.
Vivemos uma tensão entre a defesa de direitos sociais e a mercantilização dos
atendimentos sociais (Iamamoto, 2001). Em relação à tendência da refilantropiza-
ção mercantilizada, não podemos perder de vista a legislação social. Segundo Silva
(2009), a Lei Orgânica da Assistência Social de 1993 e toda a legislação criada
posterior a ela, que regula a relação das ONGs, implantam a concepção de assis-
tência social como direito. Assim, usuários são vistos enquanto cidadãos, que re-
querem do estabelecimento outro tipo de relação além do favor, da caridade e do
assistencialismo. As ONGs precisam adequar-se ao novo marco regulatório. “A
legislação social é em boa parte responsável por essa mudança cultural da assistên-
cia social” (Silva, 2009, p. 54).
A partir desse contexto, observa-se que as ONGs não são a sociedade civil.
Na verdade, são expressões condensadas de relações sociais, econômicas, políticas
e culturais circunscritas historicamente e que hoje aparecerem hegemonicamente
uma crítica de sua imprecisão conceitual e despolitizada, pois tenta reduzir a sociedade civil a entidades sem
fins lucrativos, tratadas como locus esvaziados de conflitos e tensões de classes, pautados em discursos de
solidariedade, coesão social com um forte apelo moral ao bem comum.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010 275
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enquanto canais (sedimentados da lógica neoliberal) por onde a sociedade civil,
principalmente a massa pauperizada, está sendo atendida. Em suma, as ONGs, como
parte da sociedade civil que nos leva a considerar que também são arenas de lutas
e disputas de projetos societários.
(Cazuza)
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72
custo para aquisição de medicamentos, sendo uma das principais características a
luta social pelo acesso a medicamentos. Além disso, outra questão trazida por esses
sujeitos é o enfrentamento do estigma, a vivência da discriminação perpetrada pela
sociedade. O trabalho voluntário será composto e mobilizado a partir da experiên-
cia ou da proximidade com o processo de saúde-doença, focando o direito à vida e
ao exercício da cidadania. Exemplos desse perfil são organizações de familiares e
portadores de diferentes doenças, como: HIV-Aids, transtorno mental, fibrose cís-
tica, ostomizados etc. Acreditamos que estes segmentos são os mais atuantes nas
arenas das lutas políticas junto ao Estado.
b) Perfil centrado na dinâmica hospitalar: neste, o foco das demandas será o
suporte social na intercessão das necessidades sociais e de saúde dos usuários vin-
culados às instituições hospitalares. Caracteriza-se pela existência de uma parceira
entre a ONG e o hospital na complementaridade das “lacunas” da política de saúde
e da articulação com outras políticas sociais. A atenção é voltada para a pobreza na
interface com a saúde, cuja ênfase é a materialidade no acesso a equipamentos,
alimentação e medicamentos, para a manutenção do tratamento da saúde (que de-
veriam estar sendo fornecidos enquanto direito social). Os voluntários serão com-
postos e mobilizados pela identificação com o hospital e alicerçados nas propostas
das ONGs. Exemplos desse tipo perfil são as organizações de apoio aos hospitais
públicos e de ex-funcionários.
c) Perfil centrado na prestação de serviços: neste grupo, a centralidade será
a prestação de serviços na área da saúde (médica e odontológica) para pessoas
oriundas de comunidade de baixa renda. A principal característica é que o trabalho
é composto por profissionais voluntários, calcados em propostas de prevenção e
promoção da saúde para população de baixa renda. O trabalho voluntário terá um
caráter profissional, mobilizado por princípios de educação em saúde e pautados
em discursos humanitários de responsabilidade profissional com a sociedade. Os
exemplos desse perfil são as associações de profissionais e grupos profissionais com
propostas de práticas inovadoras.
É plausível afirmar que esses diferentes perfis das ONGs expressam “vestígios”
de duas heranças antagônicas e contraditórias: uma de origem dos movimentos
sociais, na década de 1980, ligada às conquistas democráticas e de cidadania, e
outra oriunda do projeto neoliberal, na década de 1990, de desmonte da política
social do Estado, pautada na cultura do favor.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010 277
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Em nossa experiência3 podemos identificar que as ONGs no campo da saúde
mesclam discursos conservadores (reestruturação da família, higiene, moralidade
de condutas) e progressistas (cidadania, situação social na produção e no aprofun-
damento da doença). As intervenções aparecem atravessadas por antigas práticas
de voluntariado, pautadas na cultura do favor, centralizadas na família em interface
com a saúde, orientadas por uma gestão na lógica empresarial (eficiência e eficácia)
no trato da questão social no processo de saúde-doença, mensurados por indicado-
res de saúde, sob um verniz do discurso da cidadania.
As ONGs no campo da saúde são uma unidade dinâmica e contraditória na
intercessão do público e do privado, pois se localiza numa relação da saúde públi-
ca com um tipo de “assistência social” privada, imersa por demandas relacionadas
à saúde. Em nosso ponto de vista, as ONGs no campo da saúde além de serem
expressão do Estado mínimo, oriundo do sistema neoliberal, que transfere para a
esfera privada os direitos sociais e sua execução, tem como consequências diretas
a fragilização do estatuto de cidadão. O movimento de refilantropização está bali-
zado na reatualização de condutas e valores do século XIX.
Conforme observamos nas reuniões da rede de profissionais das ONGs, com-
posta em sua maioria por assistentes sociais, os conflitos mais pertinentes e persis-
tentes são os que ocorrem cotidianamente com os voluntários4 na condução do
trabalho, pois estes tentam impor a lógica do favor às intervenções sociais. Ou seja,
voluntários vinculados às práticas de solidariedade muitas vezes diluem o caráter
igualitário e universal dos direitos sociais, garantidos constitucionalmente.
Uma assistente social declara que estamos vivendo a “Maldição da Mary
Richmond”. O confronto do Serviço Social com os voluntários está na origem de
nossa profissão. Vejamos o retorno dos fantasmas de Richmond, na sua fala em
1922 no livro O que é Serviço Social de caso,
3. A análise está ancorada nas observações sistemáticas das reuniões de assistentes sociais de dezesse-
te ONGs no campo da saúde e na nossa experiência cotidiana. Deve-se ressaltar que a maioria dos atendi-
mentos é realizada com as mães das crianças e adolescentes, que são oriundas de regiões pauperizadas e com
experiência de abandono do companheiro, após vivência de adoecimento do filho.
4. O poder do voluntariado emana da base econômica, pois contribui para as ONGs na diminuição de
pagamentos de mão de obra, sendo também fonte de captação de recursos financeiros e humanos.
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Estados Unidos, não há muito anos, podia-se comprar diploma. Em pleno século XIX
muitos estados confiavam em juízes sem treino legal, enquanto o chefe dos magistra-
dos de Rhode Island era um fuzileiro. (Rios, 1999, p. 12)
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mento. Essa tutela é perceptível nas formulações, já que o emprego de um vocabulário
científico permite, por meio de um deslocamento de registro, a introdução da noção
de higiene social e de patologia social. [...] insiste-se nas noções de taras e de doenças
mentais. Através das metáforas, impõe-se uma visão do mundo social tal como da
saúde-estado precário; o corpo social está constantemente ameaçado por infecções,
contaminações e epidemias. (p. 31)
8. Em nosso ponto de vista, a intervenção dos assistentes sociais foi um dos sustentáculos para medi-
calização da vida social. Medicalização é um processo pelo qual o modo de vida dos homens é apropriado
pela medicina e que interfere na construção de conceitos, regras de higiene, normas de moral e costumes
prescritos — sexuais, alimentares, de habitação — bem como de comportamentos sociais (Luz, 2004). Em
nosso ponto de vista, a psiquiatria e a medicina social na Europa e nos Estados Unidos fortaleceram as bases
“científicas” de legitimidade do Serviço Social na intervenção nas sequelas da questão social, expressa na
concepção do diagnóstico social e do caso social sob espectro da patologia social.
280 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010
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Lima (1978) aponta que o trabalho do Serviço Social estava ancorado em dois
eixos: médico e jurídico, que apresentava uma concepção mesclada de filantropia,
caridade ou assistência, de certo modo tecnificada. Os problemas individuais eram
manipulados de forma paternalista, atendendo a certos aspectos de caráter social,
como: aglomerações, promiscuidade, desnutrição, tudo aquilo que causasse ou
propagasse enfermidades sociais. O assistente social se assemelhava a um auxiliar
médico, buscava a melhor maneira de tratar as enfermidades, sempre atento ao
problema dominante da defesa ou da recuperação da saúde.
À luz da formação brasileira podemos identificar que o trabalho cotidiano do
assistente social é revestido por uma reatualização de velhos discursos e práticas:
o voluntariado, o controle higienista das famílias e o favor, orientado por filantropia
mercantilizada.
Para Iamamoto (2008), o novo é mediado pelo arcaico, que recria elementos
de nossa herança colonial e patrimonialista, que atualiza marcas persistentes e, ao
mesmo tempo, se transforma, no contexto de mundialização do capital sob hege-
monia financeira.
As ONGs, no campo da saúde, têm como fio condutor a refilantropização e a
mercantilização, tensionadas pelas conquistas democráticas ligadas à cidadania. No
âmbito da intervenção do assistente social, essas tendências se expressam na “rea-
tualização” do “arcaico”, no sentido de que o campo é permeado por uma lógica
pendular, da medicalização “higienista” e do favor no trato da questão social, que
se encontram em disputa com o projeto ético-politico profissional e da cidadania
no horizonte do cotidiano. Não podemos esquecer que o cotidiano das ONGs é
mobilizado pela contradição, sendo necessário que o assistente social consiga fazer
a leitura dos projetos societários em confronto, que possa construir estratégias, que
viabilize a organização da população usuária na garantia de direitos.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010 281
77
serviço social); moradia (melhoria habitacional, relacionada à situação de saúde)
e trabalho (geração de renda e profissionalização). Os projetos estão calcados
num conceito ampliado de saúde, uma vez que o processo saúde-doença abrange
situações de moradia, saneamento, renda, alimentação, educação, acesso a lazer
e bens.
O trabalho é centralizado na intervenção junto às famílias na órbita do direito
social, pois possibilita a materialidade no acesso a equipamentos, alimentação e
medicamentos garantidos constitucionalmente e que deveriam estar sendo forneci-
dos enquanto direito social.9 Conforme Vasconcelos (1997, p. 134),
A existência de um direito social não determina que se tenha acesso a ele como tal. O
direito existe formalmente, mas, dependendo da forma como se usufrui dele, trans-
forma-se num objeto de favor, doação, constrangimento, troca... O acesso a um recur-
so por um cidadão-sujeito social-crítico, consciente, é que transforma o direito formal
em direito real.
282 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010
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que pressupõem a compreensão das distintas faces do poder, envolvidas na rela-
ção social questionada pela ação, seja esta o protesto, a indignação ou a revolta
(Ribeiro, 2004).
Por meio de nosso trabalho observamos a insastifação dos integrantes do
projeto de geração de renda,10 cujas principais queixas eram: insatisfação do retor-
no financeiro (aliado a “sentimentos de exploração”) e a dificuldade de participar
do projeto, por não ter com quem deixar os filhos.11
No entanto, nossa condição de assalariado nos impunha certos condiciona-
mentos para um diálogo direto e aberto junto à coordenação do projeto e à direção
da instituição. Além disso, não poderíamos expor os usuários, que dependiam
desse recurso financeiro. Em que pese tal afirmação, é preciso frisar que o profis-
sional nesse processo não se resume a expectador ou ouvinte, mas a participante
com responsabilidade de desburocratizar a prestação de serviço, de possibilitar a
reflexão e de apresentar propostas viáveis para os sujeitos envolvidos (Vasconcelos,
1997).
O exercício profissional agrega um complexo de novas determinações e me-
diações essenciais, sendo que é uma unidade contraditória de trabalho concreto e
trabalho abstrato. O exercício profissional especializado realiza-se por meio do
trabalho assalariado alienado. Esta condição sintetiza tensões entre o direcionamen-
to que o assistente social pretende imprimir ao seu trabalho concreto e os constran-
gimentos inerentes ao trabalho alienado, que se repõem na forma assalariada do
fazer profissional (Iamamoto, 2008).
Para Baptista (1993), o assistente social trabalha entre dois polos: em um no
qual o empregador que solicita com uma demanda específica, originada nas políti-
cas e estratégias institucionais; em outro as pessoas que vêm buscar o recurso
10. O programa de geração de renda funciona uma vez na semana, sendo custeados o transporte, a
alimentação e o material. O pagamento do trabalho é feito com base na produção individual.
11. A pesquisa apontou que família é um importante suporte no cuidado dos filhos das integrantes para
que elas possam estar na programa (47%). Outro dado que chama atenção é a situação de que os filhos das
integrantes geralmente ficam sozinhos (23%), ou com os irmãos mais velhos (18%), somando um percentual
de 41%. Vale ressaltar que a maioria das entrevistadas cujos filhos ficam sós relatam que estes ficam sob os
cuidados dos parentes que moram próximo. Os dados nos revelam também a falta de creches públicas e es-
colas em tempo integral de forma que as integrantes possam deixar seus filhos para trabalharem. Outro fato
é a dificuldade de esses locais aceitarem crianças com doenças crônicas, que implicam dietas especiais, uso
de medicamentos, sondas etc.
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79
disponibilizado e, na maior parte das vezes, não têm acesso a ele. Esta situação cria
um “falso dilema”, em que o profissional geralmente procurar definir “de que lado
está”, desqualificando a natureza contraditória em que ele opera. O dilema não está
em optar por qual dos lados atender, mas superar essa contradição no sentido de
reelaborar essa demanda.
A partir deste contexto, procuramos construir uma estratégia de democratiza-
ção das relações sociais na direção do projeto ético-político na ONG por meio da
pesquisa de avaliação participativa junto aos integrantes dos programas institucio-
nais, que contemplasse o impacto, as demandas implícitas dos sujeitos, seus conhe-
cimentos acerca dos direitos sociais e serviços públicos, e o que deveria melhorar
na atuação do Serviço Social nos projetos. Segundo Vasconcelos, a prática é ato e
movimento. O voltar-se permanente sobre a prática contribui para ação pensada,
avaliada quanto aos seus objetivos, metas, resultados, dando visibilidade ao seu
desenvolvimento. Acreditamos que “a avaliação permite aflorar as diversas ‘verda-
des’ sobre os propósitos e resultados do programa ou ação institucional” (Carvalho,
2007, p. 91).
A pesquisa foi organizada junto ao estágio das acadêmicas de Serviço Social
sob nossa responsabilidade e coordenação. A escolha da pesquisa de avaliação
participativa enquanto estratégia foi motivada por três aspectos:
• a possibilidade de sair das questões individuais do atendimento para
transformá-las em uma demanda coletiva e que possibilitasse a construção
de propostas interventivas em sintonia com as necessidades dos sujeitos;
• fomentar um olhar crítico e propositivo das estagiárias, partindo da análi-
se concreta da realidade institucional e social;
• ampliar a legitimidade da intervenção do Serviço Social.
284 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010
80
capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva de-
mocratização das relações sociais, orientado por um compromisso ético-político
pautado em competências teórico-metodológicas, na teoria crítica, na explicitação
da vida social, aliado a uma capacidade técnica-operativa que possibilite a pesqui-
sa da realidade, a fim de decifrar as situações particulares das refrações com a
questão social, com a qual o assistente social defronta-se (Iamamoto, 2008).
Esta investigação proporcionou às acadêmicas fazer análise institucional não
só pelo viés da instituição e da academia, mas principalmente pela ótica da popu-
lação. A avaliação da situação concreta dos usuários, dos programas e do próprio
Serviço Social contribuiu para o planejamento de ações de cunho participativo e
democrático, que realmente pudessem alcançar os anseios da população atendida.
Concluindo, citamos Vasconcelos (1997, p. 162), para quem “teorizar sobre
a democracia e sobre solidariedade não é mesmo que viver democraticamente e ser
solidário”.
Considerações finais
Este artigo buscou trazer apenas contribuições iniciais nesse tenso debate do
trabalho do Serviço Social nas ONGs no campo da saúde. Este estudo não teve em
nenhum momento a intenção de esgotar a temática, mas sim de tentar sistematizá-la
e ampliá-la para proporcionar um melhor entendimento do exercício profissional
nesse campo sócio-ocupacional. Conforme relatamos, acreditamos que o trabalho
do assistente social nas ONGs no campo da saúde traz dilemas e desafios no ho-
rizonte da cidadania. Acreditamos que é imprescindível que o profissional avance
na realidade concreta, entendendo que o real é formado por contradição e por
projetos societários em disputa. Cabe a nós, profissionais, direcionarmos os pro-
jetos em disputa rumo à cidadania de direitos, em contraponto à cultura do favor.
Finalizamos o artigo com um poema que expressa a síntese do fazer do Serviço
Social nas ONGs na atualidade:
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e, passo a passo, habitar outras noites
coalhadas de pirilampos.
É urgente içar novos versos,
escalar novas metáforas
recalcadas pela angústia.
É urgente partir sem medo
e sem demora
para onde nascem sonhos,
buscar novas artes de
esculpir a vida.
(Armando Artur)
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84
Serviço Social e o campo da saúde:
para além de plantões e encaminhamentos
Social Services and health policy: beyond shifts and forwarding
Francis Sodré*
Abstract: This article aims at analyzing health policy and social work from two distinct forms of
working management: Ford’s model and the model of flexible accumulation. These two axes of analy-
sis are discussed as applied to the field of health and to the integration of social work in health. The
two axes were chosen to examine the trends of social determinants to health and the social worker´s
working process in this field.
Keywords: Social Services. Working process. Public health. Collective health.
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010 453
85
A
necessidade de escrever sobre o trabalho do assistente social no
campo da saúde traz desafios recorrentes desde a inserção do pro-
fissional de Serviço Social nesta área de atuação. Temos há muito
tempo acúmulo nas discussões produzidas para a saúde pública
através das ferramentas que o Serviço Social, juntamente com outros profissio-
nais, desenvolveu e aprimorou ao longo da reforma sanitária e da implantação
do Sistema Único de Saúde (SUS), tornando-as coletivas.
Do conhecimento acumulado nas lutas sociais, o assistente social contribuiu
para a politização do campo da saúde. Inseriu o debate sobre os determinantes
sociais de forma definitiva e ainda hoje se insere nas frentes de trabalho para
demarcar um posicionamento macropolítico que luta por um SUS menos bio-
médico nas suas mais diversas redes de serviços e especialidades.
Nas duas décadas de vida deste Sistema Único de Saúde comemoramos
também trinta anos do Congresso da Virada, algo que não foi simples coinci-
dência histórica. O nascimento do SUS é verdadeiramente um produto das
lutas sociais, nas quais os assistentes sociais tiveram importante contribuição
e trouxeram para si a afirmação de um referencial teórico até então hegemô-
nico pautado nas reflexões de uma teoria social crítica e comprometida com
um projeto de sociedade que determinou toda a história subsequente desta
profissão.
Na área da saúde, verifica-se as interfaces da história e das políticas pú-
blicas que vivenciamos através das conexões estabelecidas com as políticas
sobre a vida. O que é uma política de saúde se não uma política sobre a vida?
Ou em chave marxista: as políticas de reprodução social. Neste campo das re-
lações sociais, duas observações serão aqui pontuadas em diferentes momentos
históricos dos processos de gestão do trabalho em saúde: o fordismo e a acu-
mulação flexível em suas determinações na saúde — uma demarcação que fi-
zemos para elucidar momentos diferenciados da política de saúde e que influen-
ciam nas práticas dos profissionais, entre eles o assistente social inserido na
saúde coletiva. Essa demarcação histórica norteará toda nossa análise no decor-
rer do debate que ora propomos. Esse exame sobre tendências está pautado na
produção de Harvey (1989), que contrapõe dois momentos distintos nas formas
de gestão do trabalho denominados por ele como fordismo e acumulação flexí-
vel. Desse arcabouço produzido pelo autor, aplicaremos tal análise ao campo
da saúde, refletindo sobre a inserção dos assistentes sociais.
454 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010
86
A Modernidade e o Fordismo na Saúde Pública
A afirmação da industrialização por meio da formação de um amplo par-
que industrial abrigado em um discurso nacionalista trouxe a modernidade ao
país. A industrialização endógena e financiada por um capital exógeno fez com
que o Brasil vivenciasse um amplo processo de crescimento dos seus centros
urbanos. Essa mesma industrialização trouxe consigo as mazelas de um traba-
lho de fábrica, conflitos urbanos e a criação de políticas de controle da força
de trabalho.
Para o Serviço Social isso representou a necessidade de criação de práticas
“modernas”, a exigência de uma racionalidade burocrática-administrativa e a
inserção do seu trabalho em estruturas institucionais complexas do ponto de
vista organizacional.1 O embate de tendências estruturalistas retomadas no
Serviço Social e confrontadas com referenciais da psicologia e da sociologia
caracterizam a chegada da modernidade à profissão.
No campo da saúde pública, foi o momento das grandes instituições cen-
tralizadas e verticalizadas em uma estrutura única de poder. A construção de
um Estado forte e presente por meio do fomento às políticas sociais fez deter-
minar a criação do campo da saúde pública. A própria terminologia “saúde
pública” refere-se à formação de uma política estatal, portanto “pública” no seu
sentido de ser atrelada ao Estado.
As instituições de porte estavam também correlacionadas à chegada dos
grandes projetos industriais, principalmente aqueles que trouxeram a promessa
do desenvolvimento2 econômico, invertendo o perfil populacional do Brasil
rural para o Brasil urbano. Modelos americanizados de políticas públicas fun-
cionalistas entravam em discussão, colocando o cerne do debate profissional do
assistente social na clássica divisão caso/grupo/comunidade. Ou seja, o indiví-
duo, o grupo e a vida em sociedade eram tratados de forma estanque, como se
fossem diferenciados ou como se não estivessem correlacionados.
1. Este raciocínio foi desenvolvido de forma muito qualificada no livro Ditadura e Serviço Social, de
José Paulo Netto, com o requinte do detalhamento histórico que isso representou para o amadurecimento
profissional do Serviço Social.
2. É interessante notar como a palavra “desenvolvimento” traz a noção de retirada do envolvimento
(des-envolvimento), o que faz sentido à nossa história, que se pautou por uma modernização ditada por padrões
internacionais.
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87
Esse misto entre funcionalismo e estruturalismo no campo do Serviço
Social pautou práticas sociais importantes e momentos históricos para a profis-
são. Destaca-se entre eles a inserção maciça dos assistentes sociais nos grandes
hospitais, o trabalho muitas vezes higienista de retirada das populações de rua
com o discurso do sanitarismo organizado por meio de normas de higiene e
cuidado com o corpo.
No Brasil, o Serviço Social demarcou sua entrada no campo da saúde
pública pelo viés dos trabalhos com comunidade, por meio de práticas educa-
tivas sobre procedimentos de higiene aplicados à vida privada, incentivando o
controle de natalidade, o controle de doenças infantis, de higiene bucal, de sa-
neamento para a criação das primeiras políticas urbanas de saúde, muitas vezes
realizado por meio de um trabalho educativo baseado em proporcionar acesso
à informação sobre o próprio corpo e a higiene do mesmo. Esse era um trabalho
que se mostrava necessário a um país sem escolaridade, com grande parte da
população em condição de miséria e revelando desconhecimento sobre o próprio
corpo.
Também nesse período, por meio das políticas urbanas, as abordagens
individuais sobre a saúde foram desenvolvidas de forma ampla. O Serviço So-
cial de caso para a saúde pública era a representação da necessidade de inter-
venção do assistente social nas políticas de reprodução social. Trazia ainda o
reconhecimento de que a saúde possuía seus determinantes sociais, mas também
a afirmação que muitos desses determinantes eram tratados isoladamente. Isso
caracterizou uma ação maciça de atendimentos de “casos sociais” — quase um
contrassenso.
Assim, o atendimento de caso nas grandes instituições se ampliou, apoia-
do em um excesso de demandas com o qual o assistente social teve de se depa-
rar. A prática da sistematização se perdeu em muitas instituições devido ao
grande contingente de pessoas atendidas.
Desse mesmo período, nasce nos hospitais públicos, como ferramenta do
Serviço Social, o “livro preto”. Um livro de ata, com capa preta, em que o as-
sistente social relata o atendimento que chega até ele como registro de sua de-
manda. Atualmente, o “livro preto” está para o Serviço Social no campo da
saúde como o Ford modelo T está para o fordismo — algo superado. Trata-se
de um registro superficial, sem dados que venham a servir de fonte para uma
sistematização qualificada. Registros pontuais realizados de acordo com a von-
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tade, o tempo e a decisão do assistente social no momento da chegada do usuá-
rio. Uma forma padronizada de dizer “resolva no próximo plantão”. Assim, as
demandas que chegam ao Serviço Social são tratadas como uma situação iso-
lada fazendo com que o próprio assistente social desqualifique seu trabalho, não
colocando a dimensão macrossocial que está contida em cada atendimento que
realiza, ou melhor, não destacando a complexidade das manifestações da ques-
tão social naquela demanda trazida ao campo da saúde pública.
O grande hospital traz consigo a gestão do trabalho em um formato seme-
lhante ao concebido dentro da grande fábrica. Atendimentos em massa, cirurgias
em massa, internações contabilizadas pelo seu gasto financeiro, leitos em série
e atendimentos sequenciais sem tempo de parada. Desta forma, aos poucos
molda-se uma rotina também para aquele trabalho que não deveria ser consi-
derado rotineiro. O Serviço Social criou e reproduziu normas institucionais de
forma mecanizada para todos aqueles que o procuravam. Mas como não ter um
texto pronto se a proposta institucional é seriada, dividida por especialidades?
Em cada clínica, enfermaria ou ambulatório “apertam-se parafusos” em partes
diferentes do corpo humano.
A especialidade técnica na saúde pública criou equipes que não interagem.
São profissionais compartimentalizados, como se a vida fosse a junção de co-
nhecimentos sobre pedaços do corpo humano. O “fordismo modernizador”
proporcionou ao campo da saúde uma formação maciça de profissionais que
tratam a vida como partes contidas em um todo. A estrutura administrativa
centralizada do grande hospital, proporcionou a criação de um modelo de
saúde-fábrica. Uma produção sem originalidade, centrada em um discurso de
defesa do Estado protetor que nunca conhecemos através do fordismo na saúde
pública.
A criação da saúde-fábrica deu origem também a formação dos primeiros
cartéis de terceirização nos serviços de saúde. A criação dos planos de saúde
ou mesmo a chegada decisiva de serviços especializados de grande custo que
funcionam dentro dos hospitais públicos de todo o Brasil marcaram esse mo-
delo. Em hospitais universitários, filantrópicos ou mesmo hospitais de médio
porte, tornou-se comum o surgimento de serviços de hemodiálise, quimiotera-
pia ou radioterapia, fornecidos por equipes que detêm o controle sobre as má-
quinas. Exatamente o mesmo formato capitalista do início da sociedade bur-
guesa: um grupo de médicos detém as máquinas de radioterapia e por eles serem
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010 457
89
os donos das máquinas, fornecem (dentro de um serviço público) seus trabalhos
altamente especializados, cobrando o quanto querem pelo serviço e sendo pagos
pelo Estado. Este modelo de Estado-empresa3 reflete não só o campo da saúde,
mas o único formato de Estado de bem-estar social que o país conheceu, refor-
çando teses dos estudos marxistas em que o Estado sempre foi a representação
de uma classe.
Para o Serviço Social, isso não foi muito diferente. A hegemonia do dis-
curso biomédico dentro da instituição hospitalar reforçou uma atitude aguerri-
da dos assistentes sociais para afirmarem seu espaço na saúde pública. O mo-
delo estatal era pautado pela atuação no grande hospital-fábrica ou nos centros
de saúde que funcionavam por meio de um modelo militar campanhista. A as-
sociação entre ambos formava uma lógica dual de atuação exclusiva para o
campo da saúde. A inserção dos assistentes sociais nesses dois âmbitos propor-
cionava questionamentos de politização da saúde que não só se resumiam a esse
modelo dual, mas a outras formas de inserção e outras formações de um dis-
curso não hegemônico à saúde pública. Este questionamento já demarcava os
idos dos anos 1980 com a inserção decisiva da teoria social crítica no debate
profissional. Também a crítica ao Estado classista que convivia, contraditoria-
mente, com referenciais fenomenológicos e outras correntes de pensamento que
à época formavam os debates da sociologia e da filosofia.
Não se pode afirmar que todo esse contexto histórico tenha gerado uma
atuação específica dos assistentes sociais no campo da saúde, mas surgem nes-
se momento histórico, em reposta à saúde-fábrica, o modelo de resistência
também pautado na ideologia de uma produção em massa e em série: associações
de assistentes sociais da oncologia, da infância, da clínica... como se a profissão
estivesse de fato inserida na serialização da saúde pública que o Estado fordis-
ta criou.
Em outro ponto de vista, o livro de Maria Inês de Souza Bravo, que narra
a trajetória do Serviço Social na reforma sanitária,4 mostra também outras for-
mas de resistência, lutas coletivas, em que os assistentes sociais foram aliados
dos movimentos de moradia, de luta pela saúde e pela políticas urbanas de sa-
neamento básico — um reflexo que apontava para transições ou deslocamentos
do modelo vigente trazendo os ideais do sanitarismo.
458 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010
90
Por isso à saúde-fábrica atribui-se a lógica intervencionista estatal como
se as políticas de saúde criadas pelo Estado não fossem passíveis de ser ques-
tionadas, pois trazem consigo uma falsa noção que exercem unicamente o “bem
comum”. As políticas fordistas ao campo da saúde proporcionaram uma con-
traditoriedade: por um lado, um avanço no campo das conquistas pelas lutas
sociais em criar, executar e garantir as políticas sociais de saúde; por outro, no
campo do Serviço Social, criou “legitimidade” de um discurso “estatalista” que
reforçava as políticas fordistas intervencionistas como algo legítimo, provedor
de bem-estar para a sociedade. O discurso do Estado provedor esteve presente
em muitos meios acadêmicos, como se o Estado não fosse porta-voz dos inte-
resses de classe. Com certa opacidade, isso legitimou a entrada violenta do
capital privado nos serviços públicos e a lógica privatista e privatizante de mui-
tas dessas políticas.
Por essas ações do jogo macropolítico, o Estado fordista pode ser consi-
derado o Estado-empresa, pois colocou dentro das instituições públicas o modo
de produção gerido “em parceria” entre o público e o privado, como se isso
fosse o caminho “natural” das coisas. Esse cenário, introduzido de forma am-
pliada pelo discurso modernizador industrial no campo da saúde, abriu os
precedentes necessários para a chegada do neoliberalismo na década seguinte.
A saúde pública sofreu refrações desse discurso. A construção das grandes
instituições de saúde verticalizadas e associadas à Previdência Social no con-
trole da força de trabalho foi aliada ao fordismo estatal. A política “moderniza-
dora” de industrialização só foi possível no cenário brasileiro quando associada
à Previdência (que funcionava como uma seguradora privada) e à Saúde (que
cuidava de vidas como se cuidasse somente de corpos aptos ao trabalho).
No campo das práticas, foi sob a égide desse modelo que foi criado o
prontuário do usuário separado por atuação profissional. O assistente social
tinha o seu prontuário, e os demais profissionais tinham outros. Por onde o
usuário da saúde passava deixava um registro em uma “gaveta” diferente. O
argumento para isso foi a ética do sigilo profissional.5 Algo que não diz nada
5. “Os assistentes sociais dispõem de um manancial de denúncias sobre a violação de direitos humanos
e sociais e, desde que não firam as prescrições éticas do sigilo profissional podem ser difundidas e repassadas
aos órgãos de representação e meios de comunicação atribuindo-lhes visibilidade pública na defesa dos di-
reitos […] Por meio da socialização de informações procura-se tornar transparente, aos sujeitos que busca
os serviços, as reais implicações de suas demandas — para além das aparências e dos dados imediatos —
assim como os meios e condições de ter acesso aos direitos. Nesse sentido, essa abordagem extrapola uma
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91
ao usuário que segue de porta em porta de uma mesma instituição e não recebe
um retorno dos profissionais que não dialogam entre si. Sabemos que as infor-
mações sigilosas podem ser sistematizadas em um documento à parte que fique
sob a guarda do assistente social, por isso não explicam a compartimentalização
das informações. Não temos claro até que ponto tal atitude seja, em vez da
“ética do sigilo”, a “ética do corporativismo”. O prontuário não pode servir de
instrumento de diálogo se cada um só quer dialogar apenas com seus pares.
Neste jogo, somente o usuário perde, pois não encontra equipes provocativas
que coloquem no centro das discussões um debate sobre a demanda atendida.
Desta forma, reproduz-se serviços hierarquizados, padronizados, centralizados,
compartimentalizados e corporativistas, como o fordismo nos ensinou.
Os assistentes sociais precisam atentar para não repetir o modelo de pro-
dução em massa, que no caso da saúde-fábrica pode ser compreendido por
plantões e encaminhamentos. Aquele arquétipo resumido em uma sala, um livro
preto, um assistente social e uma agenda antiga com contatos telefônicos desa-
tualizados. O que poderia ser equiparado ao médico que só entrega receitas.
Este modelo não condiz com o discurso que foi criado pelo Serviço Social, que
apregoa a emancipação humana como princípio. O que a instância hospitalar
proporcionou à formação profissional foi uma lógica inserida na dimensão
histórica maior da instituição — uma máquina de fabricar produtos sem sentidos
para o seu produtor e para o seu demandante. Produtos que se esgotam em si
mesmos e perdem a dimensão processual do trabalho do assistente social.
O modelo saúde-fábrica cria as bases para a atuação pautada em um dis-
curso moralizador, que trata a pobreza como algo irreversível ou as instituições
como um âmbito da política pública em que não há caminhos para mudanças.
De forma ampliada, introjeta no campo da saúde pública a naturalização da
pobreza, despolitiza a miséria, realizando serviços pobres e práticas esvaziadas
aos mais pobres. Gera um vazio de sentidos às instituições, aos profissionais e
aos usuários, em um conformismo que reforça a banalização da pobreza em
todos os âmbitos da vida.
abordagem com um foco exclusivamente individual, ainda que, por vezes, realizada a um único indivíduo
— a medida que considera a realidade dos sujeitos como parte de uma coletividade. Impulsiona, assim,
também a integração de recursos sociais que forneça retaguarda aos encaminhamentos sociais e a articulação
do trabalho com as forças organizadas da sociedade civil, abrindo canais para a articulação do indivíduo com
grupos e/ou entidades representativas, capazes de negociar interesses comuns na esfera pública” (Iamamoto,
p. 428, 2007).
460 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010
92
A Saúde, o Serviço Social e o Modelo de Acumulação Flexível
Os anos 1990 inseriram de forma ampliada a transição do fordismo-taylo-
rismo para as modos flexíveis de acumulação (o toytismo foi o maior exemplo).
Proporcionou o envio das fábricas para regiões sem tradição industrial, com
maiores perspectivas de exploração da classe trabalhadora — o que veio a incre-
mentar novas formas de extração de superlucros. Todo esse contexto favorece a
“naturalização” da mercantilização da vida no capitalismo avançado, transfor-
mando os cidadão sujeito de direito em um “cidadão consumidor”,6 o desempre-
gado em um “empreededor” ou em mero cliente das políticas de assistência
social focalizadas. Este mesmo cenário, aprofundado em períodos neoliberais,
demarcou o crescimento de inciativas da sociedade civil, por meio da expansão
das ONGs, do voluntariado, da filantropia e do denominado “terceiro setor”.
Nesse quadro de profundas perdas para os trabalhadores, foi se desfazen-
do o seu potencial político-organizativo. Entre outros fatores, as novas práticas
flexíveis de gestão da força de trabalho, o trabalho por domicílio, o trabalho nas
infovias de comunicação, as terceirizações, o trabalho parcial, temporário e
fragmentado estabeleceram mecanismos e novos meios de controle e dominação
sobre a classe trabalhadora com o argumento falso e perverso da “empregabi-
lidade”.
É interessante notar como essas mudanças nos modelos de gestão da for-
ça de trabalho desencadeiam influências importantes sobre o campo da saúde.
Na evolução do discurso dos campos de conhecimento, percebe-se um deslo-
camento entre as terminologias saúde pública e saúde coletiva. Pode-se, de
forma breve, introduzir que o campo da saúde coletiva traz questionamentos às
políticas públicas de saúde em seu formato gerido unicamente pelo Estado
“parceiro” das empresas de saúde. Cabe aqui destacar exemplos como a indús-
tria de equipamentos hospitalares, os cartéis dos planos de saúde, a indústria de
medicamentos e as organizações não governamentais,7 tão presentes na atual
política de saúde.
6. Ana Elisabete Mota desenvolveu tais conceitos em dois momentos diferenciados de suas obras,
destacamos aqui o livro Cultura da crise e Seguridade Social e, atualmente, O mito da assistência social,
ambos publicados pela Cortez Editora.
7. Atualmente tornou-se impossível pensar a política de saúde sem a participação das ONGs. Exemplo
disso são as casas de recuperação de dependentes químicos (muitas delas com vertentes religiosas), as co-
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 103, p. 453-475, jul./set. 2010 461
93
A nomenclatura “saúde coletiva” não representa apenas uma mudança
entre termos, mas a incorporação de questionamentos trazidos principalmente
pelas lutas sociais. A saúde coletiva desperta para o fato de que o motor do
desenvolvimento das políticas públicas são os movimentos de resistência, e não
a modernização proposta por mais industrialização. Para a saúde, um campo
empírico por excelência, o acúmulo já produzido pela reforma sanitária forne-
ceu elementos suficientes para este entendimento. Despertou-nos para o fato de
que não será mais industrialização que trará desenvolvimento, mas sim a aber-
tura definitiva de um diálogo do Estado com as lutas sociais — admitindo a
demanda dos movimentos como agenda das políticas públicas.
Tomando esse raciocínio como central a esse segundo momento de análi-
se, podemos inferir que do ponto de vista dos movimentos de resistência, a
década de 1990 foi a expressão máxima de que esse jogo estava temporaria-
mente perdido. A chegada avassaladora do neoliberalismo às políticas de saúde
deixou muito claro, por um lado, os atores sociais que disputavam projetos
privatistas de saúde e, por outro lado, a continuidade dos ideais da reforma
sanitária.8 Esse embate que marcou a década passada deixou-nos heranças
muito representativas, a maior delas o silenciamento dos movimentos.
As lutas sociais do trabalho na década de 1990 expressaram a fragmenta-
ção da classe trabalhadora em diversas formas de vínculos e contratos empre-
gatícios que manifestaram a precarização das relações de trabalho no período
de crise do fordismo. Por muitos, esse período foi denominado como sendo de
acumulação flexível, guiando várias formas de gerir não somente o campo das
políticas do trabalho, mas também, nesse caso, as formas de gestão das políticas
de saúde.
Diante desse quadro, o assistente social demarcou de forma vertical sua
atuação na reprodução das relações sociais. Na saúde coletiva, foi o reflexo dos
questionamentos que tentavam distanciar o fordismo das políticas de saúde, um
questionamento definitivo ao modelo saúde-fábrica. Criou-se como principal
estratégia para operacionalizar seu posicionamento no campo um modelo de-
nominado estratégia de saúde da família (ESF). Diferentemente da lógica de
munidades terapêuticas, as casas de acolhida de pessoas portadoras do vírus HIV/Aids, voluntários de orga-
nizações que recebem vítimas de violência, entre muitas outras.
8. Maria Inês Bravo formula uma importante discussão sobre o tema no livro Política social e democra-
cia, publicado pela Cortez Editora e pela UERJ em 2001.
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produção fordista, a produção passava a ser por demanda, e não em série. O
trabalho dos profissionais da saúde retomava uma antiga discussão no campo
das ciências: o retorno do generalista e a crítica ao especialista.
A ESF retomou o debate que propunha menos operários que apertassem
somente parafusos, mas inseria uma leitura de que as políticas de saúde são de
fato políticas sobre a vida, por isso não são objeto de forma exclusiva a um
único saber profissional ou peça a ser trocada por um especialista. O discurso
científico pedia a ampliação do campo, alargava as bases de análise e a tornava
multiprofissional de forma definitiva. Com isso, passa a existir um chamamen-
to ao discurso da participação e da multiplicidade.
Outro momento importante foi a criação das equipes de agentes comuni-
tários. Os agentes precisavam ser locais, “nativos” em seus territórios de traba-
lho. Os agentes de saúde saem todos os dias das unidades de saúde com o
objetivo de capturar os “nichos”, exatamente como no modelo de acumulação
flexível. Em cada casa que se entra busca-se o hábito, o comum, o cotidiano, o
corriqueiro, a rotina para se compreender a “saúde como estilo”, como forma
de vida.
Criou-se novos indicadores para compreender as políticas de saúde. Isso
não foi uma peculiaridade brasileira, mas internacional. O fato é que “qualida-
de de vida” (um critério extremamente subjetivo) tornou-se mensurável. “Qua-
lidade” e “estilo” compõem atualmente um mesmo critério de análise, um cri-
tério que passou a ser medido e capturado como estilo de vida saudável.
Isso proporciona aos assistentes sociais, profissionais da saúde, dois pon-
tos de reflexão: 1) Frente aos determinantes sociais que conhecemos sobre a
saúde, o que seria um estilo de vida saudável? Iremos pontuar a miséria e a
pobreza como critério de avaliação ou encontraremos estilos saudáveis mesmo
dentro das condições de pobreza da população?; 2) O que essa inversão propos-
ta pelo campo da saúde coletiva nos coloca como demanda? Que modos de
reprodução da vida estão sendo pautados?
No início dos anos 2000 assistiu-se à contratação em grande escala de
agentes comunitários. Durante um longo período tomou-se conhecimento de que
o trabalho do agente comunitário era basicamente centrado no ato de entrar de
casa em casa, obter delas informações importantes para direcionar o trabalho das
equipes de saúde da família nas unidades. Este trabalho, se feito de forma mais
politizada, traria uma processualidade interessante à saúde — uma provável
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perspectiva de continuidade com diálogos mais profícuos com a população. Os
assistentes sociais perceberam com isso a perda de um espaço no mercado.
A técnica de vista domiciliar é parte da história da profissão do assistente
social. Entramos no âmbito privado da vida das pessoas, no espaço residencial,
doméstico. Certamente, para usar a linguagem biomédica, um procedimento
invasivo. A visita domiciliar proporciona essa leitura sobre o privado, uma
busca por informações que personalizam a ação do profissional com seu usuá-
rio; portanto, uma ferramenta perfeita ao modelo flexível de saúde.
Para a saúde coletiva, o território tornou-se o foco da ação; milimetrica-
mente esquadrinhado, os hábitos e as manifestações da cultura local são colo-
cados como determinantes sociais da saúde. Aliás, nunca os determinantes
sociais foram tão evidentes à saúde, operando de forma clara, marcando a es-
fera da reprodução social. As dinâmicas dos territórios são dinâmicas locais
com influências das políticas mundializantes, a cultura se manifesta nesse di-
verso, e os hábitos tornam-se a fonte primária para trabalhar a saúde como
produto final da ação profissional.
O que aqui queremos afirmar é que esse trabalho requer uma ação política
por excelência. Dinamizar redes, ativar e conhecer as dinâmicas produtivas dos
territórios, conhecer hábitos e a cotidianeidade da coletividade posta em análi-
se nas lentes das unidades de saúde focadas no território. Um trabalho caracte-
rístico da ação de um profissional de Serviço Social.9
Nos hospitais, a saúde coletiva também proporcionou um olhar flexível
sobre a relação saúde-doença. Aqui queremos chamar a atenção para um dis-
curso que circula com fluidez entre os profissionais da saúde e entre os assis-
tentes sociais que atuam no campo da gestão: o discurso da humanização.
Pontuamos a humanização como discurso porque ela é parte de uma série de
9. A categoria profissional ainda não conseguiu garantir que o número de assistentes sociais seja am-
pliado nas unidades de saúde para fazer a proposta de qualificar a intervenção dos trabalhos com as famílias
e as redes sociais dos territórios do SUS. Ainda vigora, na maior parte das unidades de saúde do Brasil, que
somente um assistente social dê conta de todo o trabalho com a população local, mensurado nos mapas dos
gestores que tentam ser cartesianos na saúde pública, salvo raras exceções. Não é preciso rever as formas de
intervenção do nosso trabalho social com os moradores das mais diversas regiões, mas sim rever os critérios
do SUS, que se baseiam em quantitativos de habitantes que só se tonariam possíveis de ser trabalhados de
forma fordista, em massa. Não é esta a intenção de um trabalho qualificado nos territórios para alcançar a
política de saúde que almejamos. O SUS que queremos está longe das condições de trabalho postas aos
profissionais de saúde.
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ações que dizem tornar humano aquilo que não possui formas ou atitudes hu-
manas. Retirar a centralidade do trabalho morto, aquilo que está incorporado
às máquinas, e recolocar a centralidade do trabalho vivo na saúde — objetivar-se
na ação humana.
Tem-se por pré-sabido que o discurso da humanização propõe as mesmas
ações planejadas pelas formas formas flexíveis de acumulação: atenção, aco-
lhimento, cuidado, criar vínculos — afetividade posta em um processo de tra-
balho que se dá em ato. Esse processo de trabalho humanizador, ao mesmo
tempo que proporciona relações mais abertas com o usuário, também abre
precedentes para trabalhos mais alienantes do ponto de vista da sua execução.
Certa vez ouvi de um profissional da saúde: “É fácil ser ‘humanizador’ com
alguém que está vulnerável”. E tomamos então isto como ponto principal de
nossa análise, nos direcionando aos assistentes sociais gestores das políticas
públicas.
Há uma ambiguidade no discurso da humanização. Se por um lado pro-
move menos máquinas, menos produção em série, menos fordismo na saúde,
por outro traz uma prática extremamente alienante, tanto do ponto de vista do
profissional da saúde, quanto para seu usuário. No campo hospitalar, hoje, os
usuários caracterizam-se por pessoas doentes. Não existem pessoas saudáveis
em busca de atendimento hospitalar. Neste sentido, qualquer um desses deman-
dantes estão ali à espera de qualquer profissional que lhe dê o mínimo de aten-
ção, de escuta ou mesmo uma ínfima informação. Assim compreende-se melhor
a frase acima citada, ouvida de um profissional de saúde. Em situação extrema-
mente vulnerável, qualquer discurso profissional que contenha mínimas infor-
mações pode ser entendido como “humano” ao usuário.
Por outro lado, do ponto de vista do trabalhador, o modelo flexível da
saúde propõe um profissional de saúde participativo, que introjete certa docili-
dade, seja compreensivo na ação, sensível em seus procedimentos ou palavras.
O gestor humanizante é aquele que transmite informações, tenta não tratar de
forma piramidal seus modos de gerir e que ainda atenda o usuário para se tornar
próximo a ele. Um modelo de trabalhador pressuposto pela acumulação flexível10
10. Não se pode perder de vista que o modelo de acumulação flexível ditou uma “flexibilidade” nas re-
lações de trabalho, mas também nos processos, nas formas de produção, nas relações de consumo, e uma
desregulamentação dos direitos do trabalho.
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como participativo; aquele que além do trabalho feito com as mãos, tão caro ao
âmbito hospitalar, é também requerido em seu espírito — sempre compreensi-
vo e atento ao outro, independentemente de suas condições de trabalho. Ou seja,
uma evidência que os níveis de exploração sobre o trabalhador da saúde atual
chegaram ao extremo em suas formas de exploração.
O assistente social tem sido cada vez mais convocado a atuar na gestão
dessa força de trabalho no campo da saúde, algo que nos desafia a pensar sobre
essas relações de forma mais aprofundada. Ao profissional que se resume a dar
plantões e encaminhamentos, as políticas de saúde lhe reservam lugares exte-
nuantes de trabalho, equipes despreparadas, ambientes insalubres, condições
inferiores de administrar seu processo de trabalho no atendimento aos usuários.
O modelo flexível da saúde requer um assistente social para além do arquétipo
“plantão-encaminhamento”. Um caminho de mão dupla que abre janelas para
longos debates.
Não existe aqui intencionalidade de dizer que o plantão do Serviço Social
é uma atividade desnecessária ou superada, pois sabemos bem que ele se cons-
titui, muitas vezes, como a única porta de entrada realmente existente aos
usuários das instituições tradicionais; um momento em que o usuário é recebi-
do para ser ouvido em sua queixa sobre a própria instituição, buscar orientações
breves, complementar um atendimento realizado por outro profissional (e que
o usuário sai de lá sem as informações que realmente necessitava), abrir um
diálogo com os canais da rede de serviços ou mesmo intrainstitucionais. No
entanto, atentamos para o fato de que o trabalho desse assistente social não pode
se esgotar nisso, como se encontrasse um fim em si mesmo.
O assistente social despreparado continua a repetir que “apaga incêndios”
ou que somente resolve problemas nos hospitais. Mas quem não resolve pro-
blemas em hospitais? A instituição hospitalar colocou-se na modernidade como
uma máquina de resolver problemas de saúde. Todos no campo hospitalar atuam
com a finalidade de desenvolver estratégias para fazer viver, ampliar a sobrevi-
da, retirar a população que lhe demanda de uma condição de sofrimento, que
na maior parte das vezes trata-se de um sofrimento físico ou psicológico.
A maneira como se deu (e ainda acontece) a implantação da política de
saúde traz aspectos importantes para analisar a forma fabril de fazer a ação
de Estado. O assistente social é solicitado, durante todo o seu tempo de trabalho,
a atender demandas complexas, de forma desmedida pode ser considerada a sua
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intensidade. Por vezes, o atendimento a uma só pessoa pode ocupar dias de
trabalho devido a sua complexidade. E mesmo com demandas grandes e inten-
sas de atendimento direto à população, é também convocado a ocupar cargos
que dialogam com a gestão.
O projeto de lei11 que defende trinta horas semanais de trabalho para o
assistente social tem no seu excesso, intensidade e sobrecarga de trabalho a base
de toda a discussão apresentada em 2008. A questão trabalhista maior centra-se
na forma em como fazer reconhecer nesse perfil de trabalhador sua peculiari-
dade de ação profissional sem destituí-la em seu salário. Um claro dilema fabril
do trabalho mensurado através da hora trabalhada ou do produto concreto que
produz, e não pela sua processualidade, como se dá entre todas as demais pro-
fissões que atuam na reprodução da vida.
Informação é capital
Diante desse cenário, temos assistido de forma ainda muito tímida o cres-
cimento da demanda por pesquisa ou assessoria para as políticas públicas de
saúde. As pesquisas solicitadas aos assistentes sociais pedem que os mesmos
realizem uma interface entre os dados empíricos obtidos com a política executa-
da, geralmente por órgãos públicos. É interessante notar como a produção do
assistente social nesta leitura macropolítica sobre a realidade da saúde agrega
capital ao Estado na sua forma de direcionar os serviços e os programas de
governo.
A produção de informação sistematizada e qualificada pelo assistente
social proporciona leituras que subsidiam o trabalho do gestor. No modelo de
acumulação flexível, a informação tornou-se um capital valiosíssimo. Daí o
crescimento da demanda por pesquisas e estudos que precedem as ações dos
gestores das políticas sociais. A dimensão investigativa do trabalho do assisten-
te social tem sido também demandada por outros fatores, não dependendo ex-
clusivamente de uma “atitude” desse profissional.
11. Em 2008 foi extenso o debate sobre o projeto de lei que pleiteava trinta horas semanais de trabalho
para o assistente social. A jornada reduzida visa primordialmente preservar a saúde e a segurança do profis-
sional.
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A produção de pesquisa tem sido demandada de forma mais constante ao
assistente social, que hoje tem se preocupado com a sua inserção nas pós-gra-
duações tanto lato sensu quanto stricto sensu. Essa preocupação aparece de
forma recorrente entre aqueles assistentes sociais interessados em atualizar
conhecimentos e produzir uma prática crítica. Mesmo nas cidades que fogem
ao circuito das grandes metrópoles, essa necessidade em qualificar-se e inserir
estudos à sua prática começa a tomar maiores proporções. Sabemos que a in-
serção nos cursos de especialização ou mestrados não garantem a continuidade
da prática da pesquisa em seus ambientes de trabalho, todavia desperta o inte-
resse e o experimento nesse campo, atentando para a necessidade e a realidade
que esse trabalho não seja necessariamente exclusivo dos meios acadêmicos.
O atual momento do Serviço Social deixa claro sua intencionalidade de
buscar incessantemente o novo. Uma busca pelas tendências às demandas dos
usuários que traz a sua inserção definitiva na prática da pesquisa dentro das
instituições públicas e privadas. O Sistema Único de Assistência Social, mode-
lo criado a partir da experiência do SUS, já mostra a preocupação com a criação
do cargo de pesquisador como parte do âmbito da gestão.12 Informação siste-
matizada e geração de conhecimento associado à produção tornam-se um capi-
tal importante às novas formas de gestão. “O conhecimento não é só um verniz
que se sobrepõe superficialmente à prática profissional, podendo ser dispensa-
do, mas é um meio pelo qual é possível decifrar a realidade e clarear a condução
do trabalho a ser realizado”, diz Iamamoto (2001, p. 63).
No modelo “flexível” de produção da saúde a pesquisa não tem sido uma
alternativa ou mera liberalidade do profissional em escolher com ela trabalhar
ou não. Por mais que ainda apresente um caráter de sazonalidade nas formas
como são produzidas, geralmente atendendo a interesses imediatos dos profis-
sionais, verifica-se um novo momento em que o assistente social é convocado
a produzir sistematizações mais elaboradas, traduzindo-se em processos de
análise que requerem maior disponibilidade de tempo para a percepção de novas
demandas ou a identificação de tendências e possibilidades na ação das políticas
públicas e sociais.
Essa forma de planejar seu trabalho, uma forma que contém e pressupõe
a pesquisa, não se esgota somente na coleta de depoimentos de usuários ou
12. Ainda é necessário superar essa herança binária na gestão das políticas sociais em que o “pesquisa-
dor” realiza o trabalho do pensar e os demais situam-se na “execução”.
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gestores. Resulta em saber ler as produções estatísticas excessivamente produ-
zidas por bancos de dados infinitos na atualidade, fazer o cruzamento das in-
formações, produzir certa análise de conjuntura à luz desses dados e dar res-
postas criativas e embasadas em pressupostos teóricos sobre seu trabalho.
Esgota-se o entendimento de que a pesquisa nas instituições começa e termina
em uma simples fase coleta de dados em campo. Sua dimensão investigativa de
maneira contínua é o que insere o diferencial da ação, recombinando vários
instrumentos, fases, referenciais, sistematizações e reflexões críticas sobre os
dados levantados.
É exatamente nessa dimensão investigativa do trabalho que imprimimos
uma noção constituinte do direito à saúde e aos serviços sociais. Quando os
assistentes sociais pensam a realidade, capturando o seu movimento, projetam
e imprimem ações que proporcionam enxergar a necessidade de ampliação e de
universalização. Assim, em vez de compreender o direito como um campo que
se esgota na lei, no constituído, passam a visualizá-lo como um campo aberto,
em que novas demandas se reconfiguram, fazendo imprimir a necessidade de
pensar as leis, o acesso, a política e a universalização de forma cada vez mais
ampla.
Por outro lado, também as próprias instituições públicas começam a criar
suas estratégias para garantir seus pactos corporativos diante de tal crescimen-
to da publicação de estudos e pesquisas sobre órgãos públicos. Se antes os
comitês de ética e pesquisa eram uma prerrogativa do trabalho acadêmico hoje,
as instituições públicas tentam se resguardar criando seus próprios comitês de
ética, os quais burocratizam por meses a entrada de determinados estudos em
campo para coleta de dados. Uma forma clara de dizer não à cientificidade
quando atinge as bases críticas das políticas públicas.
Os comitês de ética criam verdadeiras barreiras burocráticas a estudos que
não venham de suas próprias demandas. As Secretarias Estaduais de Saúde,
municipais, hospitais públicos e unidades de saúde colocam profissionais de-
sautorizados a falar em nome dos serviços que atuam, se antes não passar pelo
aval dos seus comitês internos. Os assistentes sociais, que sempre estiveram na
porta de entrada das instituições públicas de saúde, são hoje muitos dos que
estão entre aqueles que não permitem a entrada de pesquisadores nas instituições
de saúde pública sem ter antes uma carta de apresentação dos seus próprios
comitês internos.
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Mas não são instituições públicas? Por que assistentes sociais não fornecem
depoimentos a pesquisas acadêmicas sem ordem dos seus gestores? Será uma
nova ditadura provocada pela burocracia estatal contra a transparência da infor-
mação? Não está, pois, em nosso código de ética, o nosso papel na construção
do conhecimento científico? As instituições públicas têm criado, no campo da
saúde, ao invés de comitês de ética, a ética dos comitês, autorizando a entrada
de pesquisadores que não representam ameças aos seus gestores e, também,
assistentes sociais que não fazem uso de sua liberdade ou autonomia para falar
sobre seu próprio trabalho ou o de suas equipes.
O trabalho com a pesquisa sempre foi uma realidade das instituições de
saúde, principalmente os hospitais. No entanto, na atualidade isto vem se es-
tendendo para as unidades de saúde e ampliando-se para secretarias, fazendo
crescer a figura do gestor com a função específica de produzir estudos e pes-
quisas no campo da saúde. Muitas vezes, esse gestor no campo das políticas
públicas voltadas para a saúde tem sido um assistente social. Temos por certo
a preocupação com o campo da pesquisa associada à gestão; entretanto, o que
se mostra novo é que muitos assistentes sociais organizam comitês de pesquisa
nas instituições e dificultam a entrada de pesquisadores que sejam externos à
gestão das políticas públicas e sociais.
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zindo aquelas condições que são indispensáveis ao funcionamento de uma ordem
— o que, no campo da saúde, ganha evidências expressivas.
Temos como pressuposto que toda riqueza existente é fruto do trabalho
humano. Essa riqueza é redistribuída na forma de rendimentos distintos, bem
como parte dela é transferida ao Estado, especialmente sob a forma de impostos
e taxas pagas pela população. Por outro lado, parte dessa riqueza apropriada é
transferida para a classe trabalhadora sob a forma de serviços sociais. Desta
maneira, muitas vezes tais serviços ganham a forma de “doação” ou “benefício”.
Em nosso caso, as políticas de saúde se travestem claramente com esse perfil
“provedor” de Estado, aparecendo como políticas sobre a vida, com forte nu-
ance “humanizadora”.
Merece destaque o processo de trabalho do assistente social em sua dimen-
são educativa dentro dessa política aparentemente provedora de um “bem comum”.
O assistente social realiza atividades que incidem sobre comportamentos e atitu-
des da população e tem na linguagem seu principal instrumento privilegiado de
ação. Isso lhe permite trabalhar nas expressões concretas das relações sociais, no
cotidiano da vida dos sujeitos e faz com que disponha de relativa autonomia na
condução do exercício de suas funções institucionais (Iamamoto, 2007).
Nas ações de execução das políticas de saúde, esse perfil “humanizador”
da política social ganha maior visibilidade, visto que o o trabalho dos profissio-
nais da saúde, neste caso do assistente social, cria os nexos de ligação entre os
interesses de Estado e os dos usuários por meio da linguagem, uma ação emi-
nentemente humana. Por intermédio dessa dimensão do trabalho vivo, pode-se
afirmar que nunca seu processo de trabalho será idêntico, ainda que as tentativas
dos interesses de seu empregador sejam transformar esse trabalho em uma ação
serializada, maciça, sem reflexão contida na ação.
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efeitos diversos como porta-voz das políticas públicas, atestando uma possível
“polivalência” ou intervenção profissionalizada dentro dos aparelhos de Estado
(p. 275). Será esse o efeito mimético do processo de trabalho do assistente
social dentro da execução das políticas sociais. Um efeito que provoca e se
autorrefere à sua execução como uma intervenção compensatória, imediata e
aparentemente benevolente.
Toda política social é apenas um fragmento das políticas públicas. Não se
tem o esgotamento das questão social por meio da ação dos profissionais que
atuam e executam as políticas sociais, mesmo porque não é interesse da ordem
econômica e social vigente que isso de fato se concretize. As instituições em-
pregadoras dos assistentes sociais dependem de uma prévia fragmentação das
políticas definidas pelos organismos empregadores que estabelecem as priori-
dades das políticas públicas como um todo. Atuar na questão social por meio
das políticas sociais representa apenas uma parte da ação de um todo que o
compromisso profissional do Serviço Social quer extinguir: as múltiplas expres-
sões da questão social.
Na saúde isso não é diferente. Assim como em todas as outras políticas
sociais, a saúde tem vivenciado algumas tendências no seu diálogo com o Es-
tado para a formação de novas agendas para a política pública. Os movimentos
sociais atuais, congregados, por exemplo, no Fórum Social Mundial da Saúde,
demostram que as novas lutas trazem muito mais que reivindicações por leitos
em hospitais ou “humanização” da atenção. As agendas formadas dentro desses
movimentos apontam para um debate que começa a pautar um novo modelo de
seguridade social ampliado, mundial. Ou, em outros aspectos, trazem como
debate a quebra de patentes de medicamentos monopolizados nas mãos de la-
boratórios internacionais — verdadeiras manifestações de um capital mundia-
lizado. Pautam ainda o direito de exercer a profissão de qualquer profissional
da saúde, independentemente de sua nacionalidade, em qualquer país. O fórum
de trabalhadores da saúde do Mercosul trouxe-nos essa demanda.13
13. O Mercosul Salud é formado por profissionais de saúde, entidades e representações dos movimentos
sociais da América do Sul em prol do livre exercício de suas profissões em qualquer país do Cone Sul. Os
profissionais de saúde que o compõem pleiteiam o direito de ser enfermeiros, médicos, nutricionistas, psicó-
logos, fisioterapeutas etc., em qualquer país do bloco, sem barreiras nacionais por motivos da localidade de
sua formação. Os assistentes sociais são representados por uma comissão de profissionais ligados ao CFESS
nesta rede. Os debates acontecem a cada seis meses com todos os ministros da Saúde do Mercosul e as refe-
ridas representações, além da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Organização Mundial de
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Em épocas de “capital fetiche”, o que temos por pressuposto ao estudar o
processo de trabalho do assistente social no campo da saúde é que não existe
um processo de trabalho do Serviço Social, visto que o trabalho é atividade de
um sujeito vivo, enquanto realização de faculdades, possibilidades e capacida-
des do sujeito trabalhador (Iamamoto, 2007). Isto é, falamos de uma potência
em ato. Existe, sim, um trabalho do assistente social e processos de trabalho
nos quais se envolve na condição de trabalhador especializado. O trabalho,
força de trabalho em ação, é algo temporal, que só pode existir no sujeito vivo.
É um movimento criador do sujeito (Idem, p. 429).
Ao assistente social que atua no campo da saúde torna-se importante trazer
à tona que talvez a saúde seja uma das políticas sociais que manifestam uma
diversidade enorme de demandas e necessidades da vida humana. Não é possí-
vel realizar ações estanques e padronizadas em políticas públicas que atuam
diretamente sobre a vida. Tomar a análise de Iamamoto (2007) representa re-
pensar as ferramentas de trabalho, seu objeto, mas principalmente repensar o
próprio trabalho do assistente social como potência, constituinte — um trabalho
que trará à tona manifestações da questão social que se conectam na sua dimen-
são micro e macropolítica na rotina de atuação desse profissional.
O que os novos movimentos sociais, e aqui me refiro unicamente ao cam-
po da saúde, trazem como elemento de análise é que uma das atuais manifes-
tações da questão social se insere na apropriação monopolista do produto do
trabalho coletivo. A posse de patentes de medicamentos e do direito do exercí-
cio da profissão nos remetem a uma apropriação generalizada do trabalho social
(general intelect). Isto não significa mera transferência das novas lutas sociais
para a dimensão mundializada de apropriação global do capital ou simplesmen-
te mais uma forma de acumulação de capital fetichizado, mas sim uma ampla
expropriação do trabalho criado e acumulado coletivamente pela classe traba-
lhadora. A pauta gestada pelos movimentos sociais tem nos sinalizado que o
direito à vida representa também ter direito aos direitos: direito a medicamen-
tos, a atendimentos que contemplem a dimensão humana, a adoecer sem ser
desrespeitado nas suas relações de trabalho, a exercer seu trabalho (nas mais
Saúde (OMS). As reuniões ocorrem sempre em países diferentes. A presidência pro tempore neste momento
é da Argentina. O Mercosul Salud está hoje também relacionado ao Ministério das Relações Exteriores no
Brasil. Muitas de suas lutas estão sendo ampliadas no Fórum Social Mundial da Saúde. O movimento, em
âmbito de Estado, se reúne em um Subgrupo Trabalho do acordo Mercosul (SGT 11). O site para ter acesso a
todas as atas, relatórios e demais documentos produzidos pelo movimento é <www.mercosulsalud.org>.
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105
diversas formas), ter acesso à água potável, saneamento, alimentação e a um
meio ambiente sem poluição, por exemplo.
Decifrar as novas mediações por meio por meio das quais se expressa a questão
social, hoje, é de fundamental importância para o serviço social em uma dupla
perspectiva para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem,
na atualidade, as desigualdades sociais — sua produção e reprodução ampliada
— quanto projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. (Iamamoto,
2001, p. 28)
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ciais: a luta por produção de conhecimento e por direito à informação, por mais
democracia e transparência.
Nessa tendência, identificamos claramente os processos de trabalho dos
assistentes sociais como essenciais. A contribuição do Serviço Social a este
momento histórico é distante de padrões fordistas de produção na gestão do seu
trabalho, mas claramente pautada pela sua primazia: produção de informação
qualificada na era da produção do acesso. Proporcionar o ter direito aos direitos
e, assim, concretizar a democracia.
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107
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE:
O SIGNIFICADO NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL
Parameters for the practice of social assistants in health policy: the meaning in the work
exercise
RESUMO
Este artigo tem como objetivo identificar o significado que os Parâmetros para a
Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde representam para o exercício
profissional no âmbito hospitalar. Este documento de subsídio para atuação do serviço
social na saúde completará uma década, em que se observa a necessidade de refletir
sobre o seu significado e em que medida representa adensamento teórico-
DOI 10.22422/temporalis.2018v18n35p265-288
metodológico, político e operativo para o exercício profissional. Metodologicamente, a
pesquisa se caracterizou como exploratória e qualitativa, através da realização de
grupos focais com assistentes sociais que atuam em dois hospitais da grande
Florianópolis. Os resultados apontam que há um superficial conhecimento do referido
documento, com ênfase no eixo de atendimento direto aos usuários e o
reconhecimento de práticas vinculadas essencialmente às demandas socioassistenciais
e emergenciais. Em grande medida, ficou ausente nos grupos focais a referência
política do documento em relação aos fundamentos do projeto ético político do
serviço social e do Sistema Único de Saúde.
Assistente Social. Especialista com titulação em Residência Integrada Multiprofissional em
Saúde/Ênfase em Alta Complexidade HU/UFSC. Mestranda em Serviço Social do programa de pós-
graduação UFSC. Assistente Social da Unidade de Pronto Atendimento Forquilhinha. (UPA, São José
(SC), Brasil). Rua Vereador Arthur Manoel Mariano, n. 1439, Forquilhinha, São José (SC), CEP.: 88106-501.
E-mail: <dehboracs89@gmail.com>. ORC ID: <https://orcid.org/0000-0001-8468-3432>.
Assistente Social. Pós-doutoranda no Centro de Estudos Sociais (CES), Universidade de Coimbra. (UC,
Coimbra, Portugal). Professora Pesquisadora (PQ2) do CNPq. Docente do Departamento de Serviço
Social da Universidade Federal de Santa Catarina. (UFSC, Florianópolis, Brasil). Campus Reitor João David
Ferreira Lima, s/n, Trindade, Florianópolis (SC), CEP.: 88040-900. E-mail: <tania.kruger@ufsc.br>. ORC
ID: <https://orcid.org/0000-0002-7122-6088> .
265
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
108
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
ABSTRACT
The aims of this article is identify the meaning that the Parameters for the Acting of
Social Workers in the Health Policy represent for the professional exercise in the
hospital scope. This document of subsidy for Social Work in the health, will complete a
decade and it is observed the necessity or reflect about its meaning and to what
extent it represents a theoretical-methodological, political and operational density for
the professional exercise. Methodologically, there search was characterized as
exploratory and qualitative, through the realization of focus groups with social
workers who work in two hospitals in the greater Florianópolis. The results indicate
that there is a superficial knowledge of the mentioned document, with emphasis on
the axis of direct service to users and the recognition of practices essentially linked to
socio assistential and emergency demands. The political reference of the document to
the foundations of the ethical political project of the social service and the Unified
Health System was largely absent from the focus groups.
KEYWORDS
Health. Social work. Professional exercise.
INTRODUÇÃO
1
Como principais fundamentos da estruturação do Projeto Ético-Político da década de 1990, destacam-
se: o Código de Ética de 1993, pelo CFESS e a Lei de Regulamentação da Profissão nº 8.662 de 1993. Além
destes, em 1996, foram lançadas Diretrizes Curriculares, pela ABEPSS, em paralelo à ampliação das
pesquisas nos Programas de Pós-Graduação e de publicações que vêm sustentando teórica,
metodológica, técnica e politicamente o Projeto Ético-Político.
2
Saúde não é simplesmente não estar doente, posto que o conceito vai além: é um bem-estar social, é o
direito ao trabalho, a um salário condigno; é o direito a ter água, à vestimenta, à educação e até a
informação sobre como se pode dominar o mundo e transformá-lo. É ter direito a um meio ambiente
que não seja agressivo, mas que, pelo contrário, permita a existência de uma vida digna e decente; a um
sistema político que respeite a livre opinião, a livre possibilidade de organização e de autodeterminação
de um povo. É não estar todo tempo submetido ao medo da violência, tanto daquela violência
resultante da miséria, que é o roubo, o ataque, como a violência de um governo contra o seu próprio
povo para que sejam mantidos os interesses que não sejam os do povo (AROUCA, 1987, p. 36).
266
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
109
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
prevenção da saúde. De acordo com Bravo (2013), “[...] a saúde passa a ser
considerada um meio e um fim para o desenvolvimento e o bem-estar” (BRAVO, 2013,
p. 67). Com estes referenciais, o profissional passa a ter maior reconhecimento social e
demanda na área da saúde, em meio às equipes multiprofissionais. Além disso,
entende a questão social como objeto da intervenção profissional, que se manifesta
por um conjunto muito variado de expressões, tornando fundamental o exercício
profissional se pautar nas diretrizes do SUS: a integralidade, a universalidade do
acesso, a intersetorialidade, a participação deliberativa, a interdisciplinaridade, dentre
outras (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2010).
267
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
110
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
6
Os profissionais da pesquisa serão identificados pelos números (1, 2, 3 e sucessivamente até 19).
Ressalta-se que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC, sob aprovação com
parecer número 2.079.144, na data de 24 de maio de 2017 e cumpriu os requisitos preconizados na
Resolução 466/2012, no que se refere às normas e diretrizes de pesquisas que envolvem seres humanos.
268
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
111
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
A literatura das políticas sociais em geral reconhece que a saúde foi uma das áreas em
que os avanços constitucionais foram mais significativos. Em 1988, a saúde, após lutas
do Movimento de Reforma Sanitária, passa a ser considerada direito social e dever do
Estado. A Constituição reconheceu como dever do Estado garantir a saúde da
população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1990, o SUS foi
regulamentado pelas Leis Orgânicas da Saúde (LOS) 8.080/1990 e 8.142/1990. A
Reforma Sanitária é um movimento social que tem como projeto a defesa da saúde
pública universal. Nessa concepção que o SUS foi incorporado na Constituição Federal.
Com o SUS, em tese, há uma ruptura do entendimento de política de saúde médico-
curativa e há ênfase na concepção da universalidade do acesso e na integralidade da
assistência. Além de trazer um novo conceito do que é saúde, reconheceu-se a
determinação social da saúde e da doença por meio da alimentação, moradia, lazer,
emprego, trabalho, educação, segurança, meio ambiente, acesso à terra, etc.
269
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112
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
Particularmente no âmbito dos três projetos em disputa no SUS, Krüger (2016), avalia
que “[...] as tendências reformistas, que defendiam um mix público/privado na gestão
do SUS, voltam-se agora à defesa do SUS meio sem seus fundamentos, tendo em vista a
total predominância da lógica do mercado” (KRÜGER, 2016, p. 2). Mas o cenário nos
aponta para a contínua hegemonia do projeto privatista da saúde, aniquilamento do
projeto da Reforma Sanitária e talvez certa sobrevida do projeto transformista, ficando
um sistema público de saúde pobre para atender os pobres. Ou seja, um sistema
público para a vigilância à saúde, para os procedimentos caros e de alta complexidade,
para o interior do país em áreas que o setor privado não pode obter lucro e com as
emergências.
7
As possíveis implicações do Novo Regime Fiscal para o financiamento do SUS e para a garantia do
direito à saúde, contidas na proposta inicial que deu origem à Proposta de Emenda Constitucional Nº
241/2016 (PEC 241), foram analisadas em artigo de Vieira e Benevides (2016a) e em nota técnica do IPEA,
publicada em 21/09/2016. (VIEIRA; BENEVIDES, 2016a; VIEIRA; BENEVIDES, 2016b).
270
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113
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
8
Aqui adotamos o sentido de contrarreforma definido por Behring (2008), como o conjunto de
reformas neoliberais no Estado brasileiro, que implicaram num profundo retrocesso social. A
contrarreforma vivenciada no Brasil é um processo que historicamente aflige a classe trabalhadora. Com
efeito, trata-se de “[...] uma contrarreforma conservadora e regressiva, diferente do que postulam os
que a projetaram entre as paredes dos gabinetes tecnocráticos e inspirados nas orientações das
agências multilaterais” (BEHRING, 2008, p. 171). A autora se “[...] recusa de caracterizar como reforma
processos regressivos” (BEHRING, 2008, p. 171), por isso os qualifica como contrarreforma.
271
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SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
O Conselho Federal de Serviço Social como autarquia pública tem a função de orientar,
disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional do/a assistente
social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS).
Para além de suas atribuições, contidas na Lei 8.662/1993 (CONSELHO FEDERAL DE
SERVIÇO SOCIAL, 1993), a entidade vem promovendo ações políticas para a construção
de um projeto de sociedade democrático, anticapitalista e em defesa dos interesses da
classe trabalhadora. Para este órgão, a defesa do exercício profissional do/a assistente
social tem colocado inúmeros desafios. Por isso, desde meados da primeira década dos
anos 2000, vem promovendo uma série de eventos e realizando publicações que se
tornaram referências teóricas, políticas e técnicas na intervenção profissional em
direção ao projeto profissional que a categoria vem construindo nos últimos 30 anos.
272
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PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
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Este documento faz uma importante crítica e análise acerca da atuação dos
assistentes sociais na saúde, revelando os vários desafios e possibilidades
destes profissionais neste campo, que vem absorvendo uma parte
significativa de assistentes sociais (PEREIRA, 2013, p. 160).
Já o segundo item, intitulado Serviço Social e Saúde, traz a discussão teórica e política
presente no Serviço Social na Saúde. Neste item, é resgatada a trajetória do Serviço
Social nessa política. Para os anos recentes, há a identificação de alguns desafios que
os profissionais enfrentam nessa área, como a constatação de que ainda existem
profissionais que, após realizarem uma formação em saúde pública, passam a não se
reconhecerem mais como assistentes sociais e a tendência de denominar alguns
trabalhos como serviço social clínico. Por fim, ressalta a importância de formar
trabalhadores de saúde para o SUS, com visão generalista e não fragmentada, fazendo
com que o assistente social seja um profissional que se articule com outros segmentos
que defendam o SUS, efetivando o direito social à saúde.
No terceiro item, que fala sobre a Atuação do Assistente Social na Saúde, as atribuições
e competências gerais do profissional são caracterizadas, enfatizando as ações deste
na área da saúde, na perspectiva de permitir ao profissional realizar a análise crítica da
realidade, utilizando como base o Código de Ética e a Lei de Regulamentação da
profissão. Na continuidade, o subitem intitulado Parâmetros para a Atuação de
Assistentes Sociais na Saúde explicita as principais ações desenvolvidas pelos
profissionais que atuam na saúde, em quatro grandes eixos articulados entre si: a)
atendimento direto aos usuários; b) mobilização, participação e controle social; c)
investigação, planejamento e gestão; d) assessoria, qualificação e formação
profissional. O texto afirma que as diversas ações estão interligadas e são
complementares, apontando a uma equivalência no grau de importância entre as
ações assistenciais, as de mobilização popular e as de pesquisa e planejamento do
trabalho profissional. As possibilidades de trabalho a partir desses quatro eixos são
indicadas por Krüger (2016):
274
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117
PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
O roteiro semiestruturado foi utilizado para o debate nos grupos focais com questões
referentes à identificação dos integrantes do grupo, aos desafios do exercício
profissional no hospital e questões sobre os Parâmetros para a Atuação de Assistentes
Sociais na Saúde (como utilizam o documento, caracterização das demandas atendidas
de acordo com os quatro eixos de atuação do profissional na saúde e os aspectos
destacados com relação ao Serviço Social na instituição em que atuam). No
desenvolvimento desse texto, privilegiaremos algumas das questões sobre o
reconhecimento do documento e os eixos norteadores do exercício profissional.
Para a coleta dos dados, foram realizados quatro grupos focais que aconteceram
durante o mês de junho de 2017, agendados previamente, em salas privadas nas
unidades hospitalares. As manifestações dos profissionais foram gravadas e
posteriormente transcritas. Os grupos dividiram-se: dois de residentes e dois de
trabalhadores das instituições. O primeiro grupo focal foi composto por cinco
assistentes sociais residentes do HU/UFSC; o segundo composto por seis assistentes
sociais residentes do HU/UFSC 9; o terceiro realizado com cinco assistentes sociais de
9
Dos onze residentes, quatro desses estavam no segundo ano de residência (R2) e sete no primeiro ano
de residência (R1). Desses residentes oito possuem sua formação em serviço social pela Universidade
Federal de Santa Catarina, nos anos de 2006, 2013, 2016 e 2017. Um residente formou-se na Universidade
275
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118
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
um hospital geral da grande Florianópolis; o quarto e último grupo, realizado com três
assistentes sociais do HU10. Dos 19 participantes dos grupos focais, 18 eram do sexo
feminino e um do sexo masculino. Na apresentação dos dados, não diferenciaremos as
falas dos profissionais e dos residentes, tratando igualmente todos como profissionais.
Inicialmente neste item, apresentaremos as falas dos profissionais que dizem respeito
a como os Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde são utilizados e
o significado dele no exercício profissional cotidiano.
Já li algumas vezes, mas, enfim, não sei de cor. Daí eu estava lendo aqui e
identifiquei várias situações que colocam aqui que não deveria, que não é
atribuição do assistente social e que o serviço de saúde vem requisitando, do
assistente social e várias assim acontecem aqui no HU, de forma bem comum
(Sujeito 7).
Durante os grupos, foi possível perceber que cinco dos participantes mencionaram ter
conhecido o documento na graduação e tiveram acesso apenas durante a graduação,
conforme a fala do sujeito 4: “A minha aproximação com os Parâmetros vem da
graduação, na disciplina referente à saúde” (Sujeito 4). Também pode ocorrer em
situações pontuais, como estágios e até mesmo após estar formado, como destaca o
sujeito 11: “Eu tomei contato com esse documento através de uma experiência que tive
numa policlínica do interior [...] e até nem conhecia na época o documento” (Sujeito
11).
Federal de Mato Grosso, em 2015, um residente pela Universidade Federal de Santa Maria, no ano de
2015, e outro formado pela Universidade Estadual de Londrina, em 2016.
10
Dos grupos focais, participaram oito trabalhadores, cinco profissionais de um hospital da grande
Florianópolis. Sete tiveram sua formação em serviço social pela Universidade Federal de Santa Catarina
e um pela Unisul, nos anos de 1988, 1989, 1992, 2002, 2003, 2007 e 2009. O período que atuam na
instituição varia entre dois anos e meio e vinte e dois anos.
276
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PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
Então, eu acho que por mais que o documento em si não sirva de base aqui
para o serviço social do Hospital, a gente pode trazer ele durante nossa
intervenção profissional. Esses eixos que têm dentro do documento, a gente
acaba vendo na nossa intervenção profissional (Sujeito 5).
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Para finalizar, trazemos mais uma fala que reafirma o que grande parte dos
participantes trouxe: a não utilização dos Parâmetros no exercício profissional,
conforme é explicitado pelo sujeito 17:
Em outro momento do grupo focal, foi solicitado aos profissionais que caracterizassem
as demandas no exercício profissional, conforme os eixos de atuação indicados nos
Parâmetros: Eixo 1: Atendimento direto aos usuários (ações socioassistenciais; ações
de articulação com a equipe de saúde e ações socioeducativas); Eixo 2: Ações de
mobilização, participação e controle social; Eixo 3: Investigação, planejamento e
gestão; Eixo 4: Assessoria, qualificação e formação profissional.
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PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
A quase completa ausência de atividades do serviço social que se relacionam aos eixos
2 e 3 sustenta e legitima as falas de que o foco do exercício profissional é o eixo das
atividades diretas com o usuário. O local de trabalho dos profissionais são unidades de
saúde que desenvolvem atividades de ensino e delas o serviço social faz parte, mas a
dimensão da investigação que ao menos poderia se relacionar ao ensino não se
explicitou. Entendemos que a explicação que Guerra (2009) dá ao ato de investigar e
sua relação com os demais eixos da intervenção profissional merecem ser citadas:
11
Elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito do Serviço
Social com participação da sociedade civil. Planejar, organizar e administrar benefícios e Serviço Sociais.
Planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para
subsidiar ações profissionais. Planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de
Unidades de Serviço Social. Coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas,
planos, programas e projetos na área de Serviço Social; e Planejar, organizar e administrar programas e
projetos em Unidades de Serviço Social (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012): essas são
competências e atribuições específicas dos assistentes sociais, necessárias ao e nfrentamento das
situações e demandas sociais que se apresentam no cotidiano profissional.
281
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Neste eixo, através das falas de alguns participantes, é possível destacar que, com
relação às atividades de formação profissional, a supervisão de estágio é uma das
atribuições do profissional desenvolvida nas duas instituições. O vínculo com as
atividades da residência e estagiários é elencado como uma espécie de formação
permanente dos profissionais e a qualificação, subsídio primordial para que os
profissionais se mantenham atualizados.
A assessoria como uma das dimensões do eixo 4 pode ser realizada a profissionais,
instituições, à gestão, grupos temáticos e a movimentos sociais. Quanto à assessoria,
durante os grupos, houve silêncio e falta de qualquer comentário em relação, até
porque pode não parecer para os profissionais que seja uma atividade que se realiza
no âmbito da instituição hospitalar.
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PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
Código de Ética, documentos políticos, alguns autores como Marilda Villela Iamamoto,
Maria Inês Souza Bravo e Ana Maria de Vasconcelos. Quanto à referência operacional,
por diversas vezes nos grupos, os participantes do Hospital Universitário citaram o
Procedimento Operacional Padrão (POP), mas a grande maioria dos residentes não
sabia informar de que forma ocorreu seu processo de construção, quais referen ciais
foram utilizados, qual é a última versão.
283
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atribuições. Procuramos fazer este exercício ao longo das partes iniciais desse texto.
Como afirma Yazbek (2016), não há momentos históricos que sejam homogêneos, não
há espaços sem contradição, assim como não há para o serviço social neutralidade ou
possibilidade de deixar de participar desse processo, cuja direção está sempre em
disputa.
E dentre os desafios que a profissão enfrenta para dar materialidade aos princípios de
seu projeto ético-político, recorremos a Vasconcelos (2006):
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desta pesquisa apontam para uma realidade de que os Parâmetros para
a Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde são bastante desconhecidos
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PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE SAÚDE
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128
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
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Serviço Social & Saúde, Campinas, v. 9, n. 10, dez. 2010.
287
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
130
SILVA, DÉBORA CRISTINA DA; KRÜGER, TÂNIA REGINA
YASBEK, Maria Carmelita. Prefácio: Serviço Social no Brasil... In. SILVA, M. L. O. (Org.)
Serviço Social no Brasil: histórico de resistências e de rupturas com o
conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016. p. 25-48.
288
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
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COMO A GENTE LIDA?: A ATUAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIAEM
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONJUGAL
How do people deal?: The action of the family health strategy in situations of conjugal
violence
RESUMO
O artigo ora apresentado ésubsidio para conclusão de residência multiprofissional e traz a
sistematização do estudo sobre a atuação da equipe de Estratégia de Saúde da Família
(ESF) na problemática da violência doméstica contra mulher em sua interface na relação
conjugal, a partir da pesquisa realizada junto aos profissionais da Unidade Sílvio Bezerra
de Melo na cidade de Currais Novos (RN). Objetiva apresentar análises das percepções
DOI 10.22422/temporalis.2018v18n35p339-354
desses profissionais abordando desde os aspectos conceituais desta violência até a
avaliação de sua própria intervenção, bem como, uma breve avaliação dos serviços que
compõe a rede de enfrentamento a violência contra a mulher. Partindo da discussão de
gênero inter-relacionando com a teoria crítica dialética, são feitas reflexões sobre
preconceitos presentes nas falas e até mesmo tenta-se inferir o quanto esses
profissionais – enquanto sujeitos sociais imbuídos de uma totalidade – estão imbricados
da influência cultural e histórica do patriarcado. Os passos metodológicos se deram em
uma pesquisa de caráter qualitativo, sob o viés do método crítico-dialético, usando da
estratégia da entrevista guiada por questionário semi-estruturado. Sugere-se, portanto,
que este serviço é de significativa importância na assistência a mulheresem situação de
violência, por estar territorializado, sendo capaz de criar vínculo com a comunidade e
assim, conseguir trabalhar prevenção, prestar atendimento digno e ser ordenador do
cuidado para os demais serviços da rede.
PALAVRAS-CHAVE
Estratégia de Saúde da Família. Violência doméstica. Política de saúde.
Assistente Social residente do Programa Multiprofissional em Atenção Básica da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte/Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM/UFRN, Caicó (RN), Brasil). Av. Cel.
Martiniano, nº 541, Caicó (RN), CEP.: 59300-000. E-mail: <iara_januario@hotmail.com>. ORC
ID: <https://orcid.org/0000-0002-4487-3060>.
Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB, Campina
Grande/PB, Brasil). Faculdade Católica Santa Teresinha. (FCST, Caicó (RN), Brasil). Visitador Fernandes, nº
78, centro, Caicó (RN), CEP.: 59300-000. E-mail: <pbm0_4@hotmail.com>. ORC ID: <https://orcid.org/0000-
0003-2183-6141>.
339
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
132
JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
ABSTRACT
The article presented here is a subsidy for the conclusion of multiprofessional residency
and traces the systematization of the study on the performance of the Family Health
Strategy (FHS) team in the problem of domestic violence against women in their interface
in the conjugal relationship, based on the research carried out with the professionals
from the Sílvio Bezerra de Melo Unit in the city of Currais Novos (RN). It aims to present
analyzes of the perceptions of these professionals, ranging from the conceptual aspects
of this violence to the evaluation of their own intervention, as well as a brief evaluation of
the services that compose the network for coping with violence against women. Starting
from the discussion of gender interrelating with the dialectical critical theory, reflections
are made on the prejudices present in the speeches, and it is even attempted to infer how
these professionals - as social subjects imbued with a totality - are interwoven with the
cultural and historical influence of the patriarchy. The methodological steps were taken in
a qualitative research, under the bias of the critical-dialectic method, using the strategy of
the interview guided by a semi-structured questionnaire. It is suggested, therefore, that
this service is of significant importance in assisting women victims of violence, because
they are territorial, being able to create a bond with the community and thus, to be able
to work prevention, provide decent care and be an other network services.
KEYWORDS
Family Health Strategy. Domestic violence. Health policy.
INTRODUÇÃO
Este artigo vem abordar acercada violência doméstica nas relações conjugais e a rede de
assistência a mulher em situação de violência, tomando como ponto de partida a
percepção dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF).Todavia, percebe-se
que o serviço de atenção primária da política de saúde, por ser de maior abrangência na
cobertura dos territórios e de maior uso pela população do que os outros serviços - como
os sócio assistenciais, por exemplo - pode ser um instrumento importante no
enfrentamento a violência contra a mulher.
Assim, o estudo em questãofoi motivado a partir da escuta dos relatos de usuárias dos
serviços da Estratégia de Saúde da Família (ESF) do Bairro Sílvio Bezerra de Melo em
Currais Novos (RN), no período inicial da inserção enquanto Residente1. A problemática
advém dos relatos de mulheres que vivenciam a violência em seu contexto doméstico e
expuseram informalmente que não trazem essas queixas aos profissionais de saúde. Com
base nisso, percebeu-se a necessidade de analisar as concepções desses profissionais
sobre a assistência prestada e assim compreender os possíveis entraves para melhoria
dos serviços da rede, com novas estratégias de atuação e atenção às mulheres da
Comunidade, abrindo caminho também, para uma provável atualização de práticas e
reflexão sobre preconceitos.
1
Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).
340
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
133
COMO A GENTE LIDA?
O que veio a inquietar foi o número considerável de mulheres que sofrem violência na
Comunidade, dado concluído após escutas em atendimentos não específicos e nas
conversas informais. Sabe-se que é preciso responsabilização e sensibilização dos
profissionais da ESF para trabalhar esse tema-problema – que é considerado grave à
saúde pública, segundo a Organização Mundial de Saúde (2002) – e são estes
profissionais os mais próximos da população e capazes de criar o vínculo e confiança
necessários para que as vítimas consigam expor suas problemáticas, principalmente por
se tratar de questões envolvendo relações afetivas no âmbito doméstico e sócio familiar.
A escuta dos relatos incitoua realização de pesquisas bibliográficas a respeito da violência
doméstica sofrida pelas mulhereseforam propostas entrevistassemi-estruturadas com os
profissionais de saúde da referida ESF, nas quaisforam abordadas perguntas sobre o
conceito de violência, o conhecimento sobre a rede de serviços, as publicações do
Ministério da Saúde relacionadas a problemática da violência contra a mulher e o acesso
às informações e atividades de educação permanente das quais deveriam dispor.
Quanto aos recortes metodológicos, é uma pesquisa qualitativa, cujo intuito foi fazer uma
análise subjetiva das respostas obtidas, de modo a compreender o objeto estudado em
sua essência, partindo da aparência o qual o mesmo se apresenta no cotidiano da
realidade social, correlacionando isso com as categorias estruturais de gênero, violência
doméstica e saúde.
341
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
134
JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
A Comunidade Sílvio Bezerra de Melo no Município de Currais Novos (RN) se formou numa
região periférica – quando vista geograficamente -, tendo em média 364 famílias,
conforme o cadastramento realizado pela ESF no ano de 2017.
2
A expressão desigualdade de gênero é utilizada para resumir todas as formas de submissão hierárquica da
mulher pelo homem nos âmbitos doméstico e público, no trabalho, nas relações afetivas e conjugais, enfim,
no contexto sóciohistórico, em que culturalmente essas desigualdades foram reproduzidas até o momento
atual (SAFIOTTI, 2004).
342
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
135
COMO A GENTE LIDA?
Porém, as denúncias registradas através de Boletim de Ocorrência pela Polícia Civil3 para
este território no ano de 2016 trazem um quantitativo controverso: um registro de caso
de ameaça contra mulher e um caso de violência doméstica, sem especificar a idade e
nem identidade de gênero da vítima.
Percebeu-se também a subnotificação pelo serviço de saúde, dado confirmado pelo Setor
de Vigilância Epidemiológica do Município, pois conforme relato dos profissionais, não
havia registro através do preenchimento da ficha de notificação compulsória, cuja Lei
Federal nº 10.778, de 24 de novembro de 2003 estabeleceu como sendo obrigatória para
os estabelecimentos de saúde públicos e privados.
3
Dados disponibilizados pela Delegacia de Polícia Civil do Município de Currais Novos (RN) em julho de 2017.
343
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JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
papel ativo na relação social e sexual entre os sexos, ao mesmo tempo em que restringiu
a mulher à passividade e reprodução, demonstrando construções sociais que ancoraram
as representações das mulheres.
Por isso, gênero e violênciase relacionam, tendo em vista que gênero é “a construção
social do masculino e do feminino” e não necessariamente “[...] desigualdades entre
homens e mulheres [...]” (SAFFIOTI, 2004, p. 45), pois é preciso compreender como se
constrói na sociedade atual o papel do homem e da mulher, para podermos ao menos
entender de onde surgem as desigualdades e, como um reflexo disto, as violências.
Com base nas entrevistas realizadas com os doze profissionais da ESF Sílvio Bezerra de
Melo, dentre estes apenas dois homens, o que possibilita um viés não somente feminino
nas respostas, trazemos a evidência dos principais resultados da pesquisa, no propósito
de contribuir com o levantamento teórico acerca do objeto em questão.
344
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
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COMO A GENTE LIDA?
A violência conjugal como sendo uma das especificações da violência contra mulher, de
gênero4 e intrafamiliar5, é resultado da sociedade patriarcal, do machismo, da posição de
submissão a qual a mulher historicamente foi colocada e isto se reproduz naqueles que
são responsáveis pelo cuidado destas mulheres, os profissionais de saúde, que por vezes,
ainda utilizam o velho ditado Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher para
justificar a omissão da notificação e da investigação dos reais determinantes das doenças
dessas mulheres ao chegarem nos atendimentos com marcas da violência.
Assim, tem-se que o machismo dissemina a ideia de que o homem comanda e à mulher
cabe apenas aceitar para não ser julgada negativamente, como se a responsabilidade de
manter o respeito na relação conjugal fosse dela, já que nesta sociedade patriarcal ao
4
Para uma compreensão sobre a Violência de Gênero, recorremos a Saffioti (2004), compreendendo ser
uma forma de violência em que homens e mulheres sofrem múltiplas formas de impactos em suas vidas, a
partir das relações socialmente construídas mediante as determinações de gênero. Ou seja, é a categoria
mais ampla, portanto, necessária de entendimento quando falamos em violência doméstica e, no caso que
a pesquisa foca, a violência conjugal.
5
Violência intrafamiliar é aquela cometida por um ente da estrutura familiar contra outro, causando danos
físicos, psicológicos, materiais, morais.
6
O machismo aqui é entendido como um sistema de valores e concepções, socialmente construídos, que
legitima e reforça a dominação/exploração do homem sobre a mulher.
345
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138
JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
homem se deu o poder e o direito de ser o provedor do sustento familiar e com isso,
todas as regalias para este manter a submissão da mulher.Como nesse caso relatado por
M: “marido que obriga mulher trabalhar muito, fazendo tudo em casa sozinha sem ajuda
dele. Temos muito aqui. Causa muito adoecimento”, num claro exemplo da divisão sexual
do trabalho7em que a obrigação pelo trabalho doméstico é da mulher, como também o
cuidado dos filhos, enquanto o marido trabalha fora. Também foram trazidos relatos por
G sobre violência patrimonial: “Já chegou gestante que dependia financeiramente do
marido e foi preciso prescrever [por escrito como se fosse prescrição medicamentosa]
alimentos, frutas e legumes adequados, porque ele não queria comprar.”, nesse caso, o
marido se negou a satisfazer uma necessidade da esposa gestante mesmo tendo sido
indicada por profissional para prevenir problemas de saúde.
Outra concepção sobre a violência doméstica, trazida por D, recai sobre as punições:
“Acho o cúmulo. Porque hoje em dia é muito bem esclarecido, mas as pessoas ainda
cometem os mesmos erros, não tem muita penalidade” deixando uma inquietação a
respeito desse esclarecimento que existe atualmente, como se o fato de se saber muito
sobre a violência fosse um motivo para o agressor não praticá-la ou ainda, que apenas as
punições previstas na lei fossem suficientes para sanar a violência.
7
O conceito de divisão sexual do trabalho segundo Hirata e Kergoat, 2007), refere-se à forma modulada
histórica e socialmente de divisão do trabalho decorrente das relações sociais entre os sexos, em que
determinou quais atividades são de cada sexo - reservando à mulher geralmente uma dupla jornada, pois o
trabalho doméstico lhe é imposto - e também que o trabalho do homem vale mais.
346
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COMO A GENTE LIDA?
Ao serem indagados para relatarem sobre um caso de violência contra mulher ao qual
têm conhecimento, os entrevistados – principalmente as mulheres - demonstraram
empatia e aversão ao fato, sendo alguns inclusive no seu âmbito familiar como F e C:
“Minha mãe, senti na própria pele, todo dia meu pai batia nela, e [outros casos] com
vizinhas, irmã.”; “Um caso próximo de um familiar que morava vizinho, tinha que abrir a
porta para ela fugir, sendo ameaçada com faca. Eu não tinha medo do agressor, que era meu
tio e ajudava ela a fugir. Eles se separaram, mas ele pede pra voltar. Era terrível”. Em
contrapartida, ainda existem discursos culpabilizadores como L “As mulheres são fortes,
ela só vive na situação se quiser, tem que tomar atitudes. Não justificar porque ele [o
agressor] sustenta, pois sempre tem saída”.
Com os profissionais homens isso não foi muito perceptível, pois um deles apenas disse
que tinha conhecimento de uma situação, mas não quis relatar e o outro respondeu
“soube de um caso que se separa bastante e volta, existe agressão física, mas eles se mudam
da área. É um relacionamento hostil, eles são jovens” sem expressar nenhum envolvimento
com o caso.
347
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JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
estudo de Porto (2014), sobre a percepção das psicólogas que atendem mulheres vítimas
de violência doméstica sobre os motivos da permanência na relação, identificou discursos
como a dependência financeira e emocional, o desejo de mudar o marido e não de sair da
relação, a responsabilidade de cuidar dos filhos, o status que o casamento concede a
mulher, e por fim justifica que “Tendo o patriarcado definido uma psicanálise que
representa o feminino pelo negativo e pela falta, pode-se pensar que continuar nessa
situação seria uma forma de tentar conseguir realizar o desejo de ser amada e
reconhecida” (PORTO, 2014, p. 273).
“O povo se afasta, não quer se meter, como se ela sozinha tivesse que resolver o problema”
e com isso, o profissional C ratifica a importância da equipe da ESF para identificar as
situações e se disponibilizar a ajudar a vítima da forma mais adequada possível.
Antes de avaliar a rede de assistência é preciso saber seu conceito atual, conforme
publicizado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (BRASIL, 2011a) através do
dispositivo intitulado Rede de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres:
Dessa forma, percebe-se que a assistência é vista num conceito mais amplo para
enfrentar as situações de violência, numa união de forças onde são muitos os
responsáveis e estando a saúde fazendo parte dos serviços de atendimento, cujo objetivo
é garantir a integralidade. Na fala dos entrevistados apareceramna maioria deles os
serviços sócioassistenciais, da justiça e segurança como componentes dessa rede: “CRAS
e CREAS que realizaram uma oficina na Unidade”(A); “Só [conheço] o CREAS” (D); “o CRAS e
o CREAS” (F); “o CREAS, CRAS pra prevenir e Polícia” (G); “Não conheço. Por alto, não sei
quais serviços diretamente, mas acredito que sejam CRAS, CREAS” (I);Conheço CRAS, CREAS,
em alguns casos o MP e Fórum” (J), ”O CREAS e o CRAS podem atuar” (L).
Apenas B disse não conhecer os serviços da rede, C afirmou não existir rede e Ee H
destacaram sem muita veemência os serviços de saúde NASF e CAPS como responsáveis
por atender essa demanda e M acrescentou o serviço Policlínica, onde atendem os
348
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
141
COMO A GENTE LIDA?
A gestão dos serviços de saúde em suas esferas federal, estadual e municipal ainda não se
deu conta que “[...] a carência de estudos populacionais sobre a violência baseada em
gênero no país, bem como de pesquisas operacionais nos serviços, acaba por
impossibilitar um melhor conhecimento sobre este fenômeno e suas consequências em
saúde [...]” (BERGER, 2005, p. 419) e consequentemente pouco se intervém, se investiga
e se notifica os casos, ocasionando uma invisibilidade da violência doméstica, e mais ainda
a violência conjugal. Como bem corrobora Freire (2015, p. 73):
349
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JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
A começar pela notificação dos casos de violência, que foi inserida no Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde em 2009, devendo
ser realizada de forma universal e compulsoriamente em casos suspeitos, e que serve de
subsídio para implementação de novas estratégias de assistência e implantação dos
serviços especializados nos locais com maiores índices. Freire (2015, p. 73) destaca para
além desta relevância que “A ficha de notificação é ampla e contém elementos
importantes para fundos de pesquisa, pois permite identificar o perfil da mulher, situação
socioeconômica, tipo de violência, tempo de convivência na relação e autor, agravo
adquirido após o trauma e dados de profilaxia” (FREIRE, 2015, p. 73).
350
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COMO A GENTE LIDA?
“uma mulher que é abusada, chegou de óculos escuros, estava com hematomas no rosto,
contou que há tempo é agredida, mas aceita porque depende dele, ela deve sofrer ameaça.
Ela faz tratamento pra ansiedade, um dia ta bem, outro não.”
Sendo assim, a educação permanente dos profissionais da ESF pode contribuir para
atualização dos conhecimentos, assegurando uma atuação preventiva, o atendimento
qualificado e humanizado cujos são requisitos para assistência digna aos casos de
violência doméstica.
351
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JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
o bem-estar da mulher depois da violência. Poderia existir uma casa de apoio para poder
ficar enquanto estabiliza”(J).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ESF então, se caracteriza como um serviço não especializado, mas de relevância para a
assistência por estar territorializado e sendo porta de entrada da mulher aos demais
serviços desde que atue de forma articulada e integrada. A equipe multiprofissional da
ESF com suas diferentes categorias desempenhando papéis de mesma importância, pois
desde o Agente Comunitário de Saúde que faz as visitas ao domicílio, até o cirurgião-
dentista que atende uma mulher com ferimentos bucais supostamente resultantes de
agressão, ambos devem estar aptos a identificar as situações de violência, saber abordar,
ouvir e não julgar as mulheres que precisam, muitas vezes, de intervenção externa para
romper o silencio e buscar ajuda. Dessa forma, a diretriz de acolhimento traçada na
Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2003) e a educação permanente dos
352
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145
COMO A GENTE LIDA?
profissionais podem trazer melhorias no acesso das mulheres violentadas aos serviços de
saúde.
Por fim, sendo a violência doméstica uma das principais expressões da questão social
visível na contemporaneidade, apontamos a urgência na formação dos/as profissionais de
saúde no tocante as normativas, legislações e Rede de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres, o que trazemos como sendo dever desses/as para guiar uma prática fincada
nos pilares éticos e responsáveis para com os direitos sociais.
A pesquisa tem, assim, relevância social, não somente para aqueles/as da Comunidade
Sílvio Bezerra e a rede de serviços – especialmente de saúde – da cidade de Currais Novos
(RN), mas com todo o universo acadêmico/profissional. Como também, para a categoria
dos/as Assistentes Sociais, uma vez que, sendo uma profissão majoritariamente feminina,
a ampliação desse debate cruza com nosso Projeto Ético Político, assim como os
princípios éticos que regem o Serviço Social.
REFERÊNCIAS
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violências: interseccionalidades. Brasília (DF): Technopolitik, 2017. p. 14-35.
BARALDI, Ana Cyntia Paulin et al. Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o
que os enfermeiros sabem sobre o problema? Rev. Bras. Saúde Materno Infantil, Recife,
v. 12, n. 3, p. 307-318, jul. / set., 2012.
BERGER, Sandra Maria Dantas; GIFFIN, Karen. A violência nas relações de conjugalidade:
invisibilidade e banalização da violência sexual?. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 21, n. 2, p. 417-425, mar./abr. 2005.
353
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
146
JANUÁRIO, IARA DE SOUZA; MEDEIROS, PRISCILLA BRANDÃO DE
mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Diário Oficial da
União, Brasília (DF), 25 nov. 2003. Seção 1, p. 11.
FREIRE. Mariana Frizieiro da Silva; PASSOS. Rachel Gouveia. Ensaios acerca da notificação
da violência doméstica contra as mulheres: a realidade dos municípios de São Gonçalo e
Niterói. In: POLÍTICAS públicas, gênero e violência: contribuições para o Serviço Social –
Campinas: Papel Social, 2015. p. 59-80.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18.
ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
MIOTO, Regina Celia Tamaso. Para que tudo não termine como um "caso de família":
aportes para o debate sobre a violência doméstica. Katálysis, Florianópolis, v. 6, n. 1, p.
96-103, jan./jun. 2003.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente).
ZAGO, Luis Henrique. O método dialético e a análise do real. Kriterion, Belo Horizonte, n.
127, p. 109-124, jun.2013.
354
Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018.
147
TRABALHO E SAÚDE DAS ASSISTENTES SOCIAIS DA ÁREA DA SAÚDE
RESUMO
Este estudo discute a relação trabalho e saúde dos e das assistentes sociais
que atuam nos serviços de saúde. Destaca informações quanto ao perfil,
evidenciando quem são esses profissionais, onde atuam, quais as principais
formas de contratação, salário e alguns elementos da realização no trabalho. A
metodologia adotada é a dialética histórico-crítica, subsidiada em informações
coletadas por meio de questionário autoaplicáveis e da técnica de entrevista
semiestruturada, de forma individual e em grupos (grupo focal), com assistentes
sociais que atuam nos vários níveis de atenção do Sistema Único de Saúde(SUS).
Verifica-se forte presença dos modelos privados na gestão dos serviços da rede
SUS, contratação por meio de processo seletivo, por indicação, baixos salários.
Verificou-se também a pressão da gestão para o Serviço Social a aceitar o
DOI: 10.22422/2238-1856.2017v17n34p355-381
desrespeito à jornada de 30 horas, conquistada pela categoria, em 2010. Admite-
se questões que interatuam para o processo de sofrimento da\os(s) assistentes
sociais no e pelo trabalho.
PALAVRAS-CHAVE
Neoliberalismo, Seguridade Social, Sistema Único de Saúde, Serviço Social,
Saúde do Trabalhador.
ABSTRACT
This study discusses the relationship between work and health of the assistant
companies that work in health services. Emphasizes information about the profile,
* Assistente Social. Pós-doutoranda em Saúde Coletiva, PPGSC da Unifesp. Membro do grupo de
estudos: “Teoria Social de Marx e Serviço Social”, Unesp-Franca, SP. Coordenadora de graduação
da Abepss-Sul II, 2017-2018.Profa. Dra. do Departamento de Serviço Social da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais (UNESP, Franca, São Paulo). Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900,
Prolongamento Jardim Dr. Antonio Petraglia, Franca - SP, 14409-160. E-mail: <edvaniaangela@
hotmail.com>.
showing who these professionals are, where they work, what are the main ways of
hiring, salary and some elements of achievement without work. The methodology
adopted is a historical-critical dialectic, subsided in information collected through
a self-administered questionnaire and semi-structured interview technique,
individually and in groups of attendants, current social updates of attention levels
the Unified Health System (hereby SUS). There is a strong presence of private
models in the management of SUS health services, contracting through a selective
process, by indication, low salaries. It is admitted question that interact for the
suffering process of the social workers in and by work.
KEYWORDS
Neoliberalism, Social Security, Unified Health System, Social Work, Worker
Health.
Submetido em: 30/9/2017 Aceito em: 11/12/2017
INTRODUÇÃO
A partir da Constituição Federal de 1988 (CF\1988), no Brasil, o
universo dos direitos sociais ganhou forma institucional que penetra
a organização das várias administrações municipais, estaduais
e da União, se configurando na atualidade em uma importante
rede de proteção social. Além dos vários serviços de Seguridade
Social, que englobam as políticas de assistência social, previdência
e saúde, há também ampla estruturação da rede de educação e
de proteção do trabalho. Contudo, desde o início da aprovação da
CF\1988, a construção do campo das políticas sociais e de proteção
do trabalho vem sendo constantemente atacados e restringidos
em decorrência da adoção da política neoliberal, que desenha um
restrito financiamento para as políticas sociais e impõe a gestão
seletiva e privatizante no interior dos serviços públicos.
A situação política e econômica vivenciada no país é fruto da maior
ofensiva do capital mundial, que desde a crise financeira de 20081,
busca alavancar as taxas de acumulação. Segundo Alves (2016), a
riqueza fictícia criada nos últimos anos é diferente da especulação
tradicional. Na aparência, a crise comparece como crise do capital
especulativo imobiliário, mas na essência é a falta de efetividade de
1 Alves (2016) explicita que as crises são próprias do sistema do capital, mas com expressões
diferentes, de acordo com cada período histórico, por exemplo, a crise de 1970 foi uma crise de
superprodução de mercadorias, já a crise de 2008, é uma crise de hegemonia do capital financeiro
(ALVES, 2016). “A crise estrutural do capital constitui-se como um movimento complexo de
tendências econtratendênciasintrinsicamente contraditórias, que dilaceram as possibilidades
concretas de desenvolvimento do capitalismo como processo civilizatório” (ALVES, 2016, p. 38).
2 Para a qual o “governo” de Michel Temer tem feito amplas negociatas para conseguir a aprovação
da contrarreforma da Previdência, além de promover jantares regados a excessos na residência
presidencial para o lobby com os congressistas, acompanhado da oferta de ministérios e da
liberação milionária em Emendas aos Deputados; promove também excessivas benesses ao grande
capital, sobretudo, bancário, que vem sendo desonerado de pagar impostos ou recebendo o perdão
da dívida, essa também pode ser renegociada para um período muito distante(LOURENÇO, LACAZ,
GOULART, 2017). Para os pobres o governo pesa a mão e retira toda e qualquer possibilidade de
segurança social.
3 Projeto de pesquisa Processo de trabalho e saúde do\a(s) assistentes sociais que atuam nos serviços
de seguridade social no Brasil, devidamente aprovado pelo Comitê de Ética da UNESP –Franca, SP
e aprovado pelo CNPQ, sob o número: 445443/2015-4. O projeto também vem sendo desenvolvido
como parte das atividades de pós doutorado no Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva
da UNIFESP, sob a supervisão do Prof. Dr. Francisco Antonio de Castro Lacaz. A pesquisa abrange
os\as assistentes sociais que atuam nos serviços de Seguridade Social no Brasil, embora esses
serviços apresentem características bem diferentes, o projeto não visa realizar comparações, mas
compreender o perfil profissional, relações contratuais e de gestão do trabalho, as especificidades
de cada área de atuação, principais tecnologias empregadas, regras, regulamentos, procedimentos
adotados e as possíveis implicações desse trabalho para a saúde destes profissionais de cada área
(Saúde, Assistência Social e Previdência Social). O projeto deveria ter se encerrado em dezembro
de 2016, contudo, sofreu reelaboração e terá continuidade até dezembro de 2019. Para essa fase,
o projeto passou a contar com a participação de pesquisador\e(s) de dois grupos de pesquisas das
regiões Norte e Sul do país, os quais são coordenados respectivamente pelas Profas. Dras. Vera Lúcia
Batista Gomes (Universidade Federal do Pará (UFPA) e Jussara Maria Mendes (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, UFRGS); com vistas a ampliar a cobertura do projeto e maior interlocução com
as diferenças regionais.
RESUMO
Este estudo visa analisar o trabalho profissional3 do Serviço Social na política
de saúde, em uma instituição pública no município de Fortaleza (CE), no con-
texto da contrarreforma do Estado. Observa-se o processo de precarização
da política de saúde, posto pela tendência de minimização dos gastos públi-
cos na esfera social, que se manifesta inclusive nas condições de trabalho
e na ausência de concursos públicos, além da ampliação dos trabalhadores
terceirizados. Para a consecução do objetivo apresentado, foi realizada uma
pesquisa de campo em uma instituição de saúde pública, de caráter quanti-
qualitativo, utilizando a entrevista estruturada e a observação simples como
técnicas de coleta de dados e tendo os assistentes sociais da referida insti-
tuição como sujeitos pesquisados, perfazendo uma amostra de seis entrevis-
tados. O Serviço Social na Instituição analisada, como parte desse contexto,
ABSTRACT
This study examines the professional work of social work in health policy in a
public institution in Fortaleza, state of Ceará, having the counter-reformation
of the State on healthcare system as context. It is observed the healthcare
policy decline, caused by the decrease of public investments on the social
field, which is expressed by the working conditions, the absence of public
examinations and the increase of outsourced workers. For reaching the pre-
sented objective, a quantitative and qualitative field research took place in a
public healthcare institution, using structured interview and simple observa-
tion as data gathering techniques and having the institution’s social workers
as subject, making a sample of six respondents. The Social Work of the insti-
tution analyzed, as part in this context, suffers a failing process in its capacity
of giving answers to the demands of daily hospital routine in recent years, as
one of the expressions of the social issue, worsened in the capital’s structural
crisis. Nevertheless, the research points that in the minimization of the State
on healthcare the social workers can develop a professional work according
to the principles of the Ethical Code and the Professional Regulatory Law. It
is then noticeable the ethical-political commitment to secure, preserve and
promote the SUS beneficiaries’ rights in the studied space, using qualified
technical instruments which bases its work, and also fighting privatization
processes that are happening among the Brazilian public institutions.
Introdução
Com a Constituição Federal de 1988 foi estabelecida a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS desponta pautado nos princí-
pios básicos da Reforma Sanitária: equidade, universalidade, integrali-
dade e participação social. É nesta Carta Magna que se estabelece no
176
Brasil pela primeira vez o conceito ampliado de saúde4 e o de seguri-
dade social5. Com isso, têm-se a possibilidade de ampliação de direitos
sociais e de garantia de serviços no âmbito das políticas sociais. No
entanto, nesse mesmo contexto, na década de 1990, observou-se um
movimento em sentido contrário que o governo federal designa de
Reforma Estatal, que para Behring e Boschetti (2008) representa de
fato uma contrarreforma.
Para as autoras, as reformas do Estado ocorridas na sociedade
burguesa são aquelas que historicamente estão vinculadas ao avanço
progressivo nas conquistas sociais e na ampliação dos direitos. O que
se tem no Brasil, a partir da década de 1990, é um retrocesso no cam-
po dos direitos. Portanto, Behring e Boschetti (2008) utilizam o termo
contrarreforma do Estado para designar esse processo de redirecio-
namento das políticas sociais com vistas à adequação econômica em
contexto de crise do capital na década de 1990 e início do século XXI
no Brasil.
Esta contrarreforma trata-se de um processo de retração dos
gastos públicos das políticas sociais, justificado e posto em prática
através dos ajustes neoliberais. Tais ajustes estavam orquestrados
com as exigências dos organismos internacionais, como o Banco Mun-
dial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), presentes no Consenso
de Washington (IAMAMOTO, 2008), com a preocupação central de
criar mecanismos facilitadores do processo de reprodução e de acu-
mulação ampliada do capital. No centro de tais orientações, têm-se
como principais características: a privatização, a descentralização e a
focalização das políticas sociais. Esses princípios de imediato atingiam
as conquistas legais estabelecidas no movimento amplo da sociedade
brasileira envolvida na elaboração e na aprovação da Constituição de
1988. Dessa forma, percebe-se o movimento imprimindo um retroces-
so ante as conquistas sociais recém-criadas no país.
A atual configuração da saúde neste contexto no país é prota-
gonizada pelo confronto de dois projetos: o Projeto da Reforma Sani-
tária, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) de cunho universa-
4 Este conceito concebe a saúde não apenas como ausência de doenças, mas tam-
bém como resultante de um contexto sanitário, social, político e econômico.
5 A seguridade social é composta pelo tripé: saúde, previdência e assistência so-
cial. A saúde é direito de todos e dever do Estado. A previdência social é para quem
a contribui. A assistência social é para quem dela necessita.
178
nitária na busca pela efetivação da universalidade do acesso à saúde.
Iamamoto (2008) expressa que a prática profissional busca
fundamentar-se em três dimensões: a teórico-metodológica, a técni-
co-operativa e a ético-política, que se inter-relacionam e complemen-
tam o trabalho profissional no cotidiano das instituições.
Com isso, a presente pesquisa tem como objetivo analisar o
trabalho profissional do Serviço Social em uma instituição de saúde
em Fortaleza (CE), no contexto da contrarreforma do Estado. Para
isso, busca-se delimitar a função do Serviço Social na política de saúde
no contexto de minimização do Estado, identificar e analisar a estru-
tura do Setor de Serviço Social e o seu cotidiano do ponto de vista
de sua instrumentalidade, analisando os limites e as possibilidades do
Serviço Social nesta instituição em interlocução com os profissionais
do setor, a seguir, detalharemos o percurso metodológico para ob-
tenção desses objetivos.
1 Percurso metodológico
Os objetivos acima apresentados conduzem à realização de
uma pesquisa7 de caráter quanti-qualitativo, de tipo bibliográfico e
de campo. Para tanto, tomamos como técnicas de coleta de dados: a
observação simples, com suporte no diário de campo, e a entrevista
estruturada, com utilização de aparelho de gravação de áudio.
A equipe de Serviço Social desta instituição é composta por
doze assistentes sociais. O processo de escolha dos entrevistados pro-
curou englobar assistentes sociais com regime estatutário, caracteri-
zado pelo vínculo empregatício efetivo com a instituição; com vínculo
pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), através da contratação
180
a biólogos, profissionais de Educação Física, enfermeiros, farmacêuti-
cos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários,
nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais.
O assistente social está inserido nesse processo coletivo do tra-
balho nos serviços de saúde, sua utilidade, então, se dá pela dinâmica
de cooperação entre os seus diversos profissionais, constituindo-se,
de acordo com Costa (2000), o caráter multidisciplinar do trabalho.
O que se procura adotar no SUS é a cooperação horizontal em detri-
mento da vertical, utilizada nos modelos de saúde anteriores ao SUS,
em que há uma hierarquização das categorias profissionais de saúde.
3 Trabalho profissional do Serviço Social na saúde
A instituição de saúde analisada, situada no município de For-
taleza, é parte integrante de uma das universidades públicas. Possui
tanto profissionais com vínculo estatutário, quanto profissionais vin-
culados a uma fundação, com base no regime da Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT).
Como uma instituição de assistência à saúde, especificamente
da saúde da mulher, e vinculada ao ensino superior, está ligada, res-
pectivamente, ao Ministério da Saúde (MS) e ao Ministério da Educa-
ção (MEC). Por isso, possui como principais áreas de atuação as de
ensino, pesquisa e assistência médica ginecológica e obstétrica. Seu
público-usuário é, preferencialmente, pacientes com gravidez de alto
risco, como: adolescentes, mulheres de idade mais avançada e mu-
lheres com complicações na gravidez (pressão alta, problemas cardía-
cos, respiratórios, dentre outros).
O Setor de Serviço Social possui doze assistentes sociais, que
trabalham 30 horas semanais8, sendo que oito são servidores efeti-
vos, dois são funcionários da fundação e dois estão cursando a Re-
sidência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar à Saúde
(Resmulti)9.
8 Conforme o Projeto de Lei – PL nº 12.317, que fixa a carga horária máxima dos
assistentes sociais em 30 horas semanais, aprovado em agosto de 2010, no final do
governo Lula.
9 A Resmulti é um programa de residência, com bolsas de estudo disponibilizadas
pelo MEC. No período da pesquisa, a instituição contava com dezesseis estudantes-
-residentes: dois assistentes sociais, seis enfermeiros, dois farmacêuticos, dois fisio-
terapeutas, dois nutricionistas e dois psicólogos. Cabe salientar que esta residência
Trabalha em outra
Ordem de Tempo de Serviço Tipo de Vínculo
instituição? Se sim,
Profissionais na Instituição Empregatício
onde?
182
2) Dos dois profissionais com mais de 20 anos na Instituição e
contratados por uma Fundação conveniada, identificamos que traba-
lham em outras Instituições como servidores efetivos de Prefeituras
Municipais, lotados em Hospitais públicos.
Deste quadro exposto, em relação aos profissionais da Funda-
ção conveniada ao Hospital, embora não sejam efetivos, pode-se afir-
mar que eles têm certa estabilidade, pois ambos estão há mais de 20
anos nesse trabalho. Trata-se de uma realidade bastante diferenciada
da tendência posta atualmente, marcada pela rotatividade tão pre-
sente na configuração do mercado de trabalho (IAMAMOTO, 2008).
Por outro lado, pode-se também afirmar que a falta de novas contra-
tações por parte da Fundação no setor de Serviço Social que, embo-
ra apresente aumento da sua demanda, em duas décadas este setor
amplia o quadro em três profissionais, todos com vínculo estatutário,
conforme o quadro expresso.
4 Estrutura do Setor de Serviço Social na instituição
O Serviço Social, objeto da pesquisa, foi criado apenas em
1985, embora a Instituição esteja em atividade desde 1965. Os assis-
tentes sociais, aos poucos, vão consolidando o setor na instituição,
inicialmente realizando atividades em horário comercial (8h - 17h); po-
rém, para responder às demandas, passam a se estruturar em regime
de 24 horas por dia, durante toda a semana. No final dos anos de 1990,
o setor perdeu sete assistentes sociais, vinculadas à Fundação, com
contratos via CLT. Com esse corte de pessoal fica difícil garantir a co-
bertura dos plantões. Por este motivo, o setor passa, então, a realizar
suas atividades apenas no período diurno (7h - 19h). Isso representa,
de fato, o processo de precarização que passam a viver desde então.
Em 2011, esse contexto ainda persiste. Percebe-se um retrocesso para
a categoria profissional, representado pela perda de espaço sócio-
ocupacional.
A equipe do Serviço Social atua em diversos tipos de atendi-
mentos sociais à população usuária, nos seguintes locais: nas unida-
des de internamento - observação obstétrica, puerpério, oncologia,
ginecologia e mastologia; na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI)
-Materna e na Neonatologia; nos ambulatórios – Planejamento fami-
liar, Serviço de adolescente e Projeto Nascer, bem como na emergên-
cia e na sala de parto.
184
manda (AS-3).
186
o público que a gente atende, na verdade, é um público que
geralmente vem de uma classe social desfavorável [...]. En-
tão assim, a nossa categoria aqui enfrenta, para garantir os
direitos dos usuários, desses pacientes, outras questões da
instituição para poder estar garantindo esses direitos. E na
nossa prática a gente procura sempre estar trabalhando, ou
espera trabalhar com o projeto ético-político, de estar le-
gitimando, de estar garantindo, fazendo a articulação com
o nosso Código de Ética, com as Diretrizes Curriculares (AS-
3).
188
ral, com seus rebatimentos sobre o espaço institucional. Isso produz
essa condição de impotência do profissional comprometido com o
Projeto Ético-Político e limitado por uma materialidade posta que se
assume determinante. A análise de Marx (1989) acerca da alienação
do trabalhador sob o capital nos ajuda a perceber a condição profis-
sional limitada pela realidade maior presente na Instituição e na políti-
ca pública. No entanto, como diria Lukács (1978) essa realidade é uma
causalidade posta pela dinâmica da sociedade que, em última instân-
cia, é desdobramento das escolhas dos homens, portanto é produto
da práxis social dos homens. Dessa forma, não estamos diante de uma
natureza dura, imutável, mas de uma realidade dialética e contraditó-
ria em permanente movimento. Nesse sentido, fica o desafio perma-
nente para os assistentes sociais e para a categoria profissional de se
apropriar desse movimento que é a realidade social e, pela mediação
de sua instrumentalidade, ir contribuindo na melhoria das relações so-
ciais em geral, institucionais e das políticas públicas.
Apreendemos que o assistente social é desafiado permanente-
mente nas suas competências no contexto de contradição expresso
na política de saúde. As respostas por um lado podem ser de ordem
imediatistas, sem reflexão, limitando o trabalho profissional e condu-
zindo a crises de identidade, de outro podem ser construídas na refle-
xão crítica da sua própria condição de trabalho e, coletivamente, ir em
busca de alternativas postas pela dinâmica dialética do real.
Para finalizar os eixos centrais de discussão, apresentaremos o
próximo item: ações desenvolvidas pelo Serviço Social na Instituição
de saúde pesquisada.
6 Ações desenvolvidas pelo Serviço Social em uma instituição de
saúde
O trabalho profissional do assistente social na saúde “[...] se
dá através da compreensão dos aspectos sociais, econômicos e cul-
turais que interferem no processo saúde, doença e a busca de estra-
tégias para o enfrentamento destas questões.” (CFESS, 2009, p.12).
Com base nisso, o CFESS (2009) elaborou um documento intitulado
“Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na saúde”, com-
posto por seis ações profissionais11, a dizer: assistencial; em equipe;
190
de [a assistente social] ser sua secretaria, essa coisa toda.
Então se não fincarmos o pé e dizer a que viemos, acabamos
fazendo o que eles querem mesmo (AS-4).
192
da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Externamente assim, em nível de nossa imagem fora, o que
me retorna, o que eu sei, o que me dizem é que o Serviço So-
cial é reconhecido nos órgãos da categoria e é reconhecido
também o Serviço Social da [Instituição] na universidade,
na UECE. Eu acho que é um trabalho que nós iniciamos aqui
em 1985 [...], acho que conseguimos imprimir uma marca de
responsabilidade, sabe, um acompanhamento responsável
com os estagiários. Nós tivemos um grande avanço agora
com a questão da Residência Multiprofissional, que foi cria-
da no Governo anterior, do presidente Lula (AS-4).
Referências
194
1999.
196