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ética e responsabilidade social

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-65-5821-007-8

59853 9 786558 210078

fabiano caxito
Ética e
Responsabilidade
Social

Fabiano Caxito

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do
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Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: penguiin/ kai keisuke/Shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C377e

Caxito, Fabiano
Ética e responsabilidade social / Fabiano Caxito. - 1. ed. - Curitiba
[PR] : IESDE, 2021.
130 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-007-8

1. Ética empresarial. 2. Sustentabilidade. 3. Responsabilidade social da


empresa. I. Título.
CDD: 658.408
21-69356
CDU: 005.35

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Fabiano Caxito Mestre em Administração Estratégica pela Universidade
Nove de Julho (Uninove). MBA em Recursos Humanos
pela Fundação Instituto de Administração (FIA).
Pós-graduado nos seguintes cursos: Business
Intelligence, Big Data e Analytics, pela Universidade
Anhanguera; Língua Portuguesa: redação e oratória,
pela Universidade São Franscisco; e Filosofia, pela
Universidade Estácio de Sá. É pós-graduado, também,
em Educação Corporativa, Educação Financeira,
Tecnologias e Educação a Distância, Antropologia,
Sociologia Política e Urbana e Coaching pela Faculdade
UniBF. É graduado em Administração Financeira pela
Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Atuou nas
áreas comerciais, de logística e de recrutamento e
seleção, bem como no treinamento e desenvolvimento
em diversas empresas de distribuição e venda de
bebidas. Foi coordenador de cursos de pós-graduação
lato sensu. Atualmente, é professor universitário e
influenciador digital.
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SUMÁRIO
1 Ética e moral no contexto empresarial 9
1.1 Conceito de ética 9
1.2 Conceito de moral 16
1.3 A evolução dos conceitos de ética e moral 20
1.4 Desafios éticos e morais no mundo contemporâneo 26

2 Código de Ética nas organizações 32


2.1 Ética e moral nas organizações 32
2.2 Missão, visão e valores corporativos 35
2.3 Cultura organizacional 41
2.4 Código de Ética empresarial 44
2.5 Desafios éticos e morais nas organizações 48
2.6 Compliance 52

3 Responsabilidade social nas organizações 59


3.1 A empresa 60
3.2 O Estado e a sociedade civil 63
3.3 Conceito de responsabilidade socioambiental 68
3.4 Responsabilidade social corporativa, empresarial e ambiental 73

4 Sistemas de gestão de responsabilidade social 82


4.1 Sistemas de diagnóstico e gestão da responsabilidade social e
ambiental 82
4.2 Indicadores da sustentabilidade social e ambiental 89
4.3 Indicadores da responsabilidade social e ambiental 93
4.4 Certificações e selos referentes à responsabilidade social
corporativa 97

5 Gestão, ética e responsabilidade social 105


5.1 A ética e a responsabilidade social nas relações humanas 106
5.2 Diversidade cultural nos grupos profissionais 109
5.3 Assédio moral 111
5.4 Assédio sexual e assédio intelectual 115
5.5 Responsabilidade social corporativa e direitos do trabalhador 118
5.6 O papel do gestor na responsabilidade social e ambiental da
organização 121
Vídeo
APRESENTAÇÃO
Qual é o papel das empresas na construção de uma sociedade
mais justa e na preservação e na restauração do meio ambiente?
As organizações têm de levar em consideração os princípios
éticos e se preocupar com a sustentabilidade ou devem buscar
maximizar os lucros, gerando valor, mesmo que isso traga
impactos externos negativos?
A relação das empresas com a sociedade e com o meio
ambiente é um dos temas mais atuais e importantes a serem
discutidos por gestores e líderes empresariais. Este livro tem
como objetivo discorrer sobre as questões éticas e morais e
os impactos sociais e ambientais da atuação das empresas no
mercado, na busca por alcançar seus objetivos econômicos.
O primeiro capítulo apresenta os conceitos de ética e moral
e percorre a história da sociedade humana, acompanhando
o desenvolvimento e a evolução desses conceitos, desde as
discussões dos primeiros filósofos acerca do tema até os desafios
éticos e morais do mundo contemporâneo.
O segundo capítulo traz a discussão sobre esses conceitos
filosóficos para o ambiente organizacional. A empresa tem por
objetivo vencer a concorrência, obter lucro e atingir suas metas,
mas todas as suas ações precisam ser baseadas em preceitos
éticos e morais norteados pelos interesses e pelas demandas da
sociedade e dos grupos de interesse com os quais ela se relaciona,
como seus funcionários, fornecedores, clientes, governo e grupos
sociais. O capítulo aborda o desenvolvimento do posicionamento
estratégico da empresa, que envolve a definição de missão, visão
e valores empresariais, sendo isso a base da cultura empresarial,
que é traduzida em seu Código de Ética.
O terceiro capítulo discorre sobre a mudança de postura
das empresas em direção a uma atuação mais sustentável. Nas
últimas décadas, a sociedade começou gradativamente a tomar
consciência dos impactos negativos da atuação das organizações
sobre o meio ambiente e da importância das empresas como
instituições com um papel relevante na construção de uma
sociedade justa. O aumento da pressão social levou governos e Estados a
criar legislações e normas que regulem as atividades das empresas, ao
mesmo tempo que os consumidores passaram a exigir um posicionamento
sustentável das organizações tanto do ponto de vista social quanto ambiental.
Essas pressões e mudanças da sociedade fizeram com que as empresas
passassem a considerar, em seu planejamento estratégico, objetivos sociais e
ambientais ao lado dos tradicionais objetivos econômicos e financeiros.
O quarto capítulo trata da adoção, pelas empresas, de ferramentas de
gestão social e ambiental que auxiliem no planejamento, no desenvolvimento,
no controle e nas ações de responsabilidade social e ambiental. A busca por
objetivos nas dimensões econômico-financeira, social e ambiental é conhecida
como tripé da sustentabilidade, em uma tradução livre do termo em inglês
triple bottom line. Apesar de, no princípio, muitas empresas terem adotado
os objetivos do tripé da sustentabilidade como resposta às pressões da
sociedade, os resultados obtidos com essa postura são muito interessantes,
pois, além de garantir o lucro financeiro, representaram ganhos de imagem e
de fidelização de clientes. Assim, os objetivos sociais e ambientais e a busca
pela sustentabilidade passaram a fazer parte da estratégia de um número
cada vez maior de empresas. O capítulo também aborda as normas e as
certificações ambientais e os selos sociais, que direcionam as ações das
organizações na busca pela sustentabilidade social e ambiental e reconhecem
as organizações que adotam uma postura sustentável em sua atuação.
O quinto capítulo tem como foco a importância da ética, dos princípios
morais, dos valores e da cultura organizacional nas decisões e nas ações
implementadas pelos gestores das empresas. Para que as estratégias e as ações
de sustentabilidade sejam colocadas em prática, a empresa precisa contar com
uma equipe consciente de sua responsabilidade e preparada e motivada para
atuar de maneira sustentável em suas atividades. O líder de uma empresa social
e ambientalmente sustentável deve estar preparado para conduzir as atividades
dos colaboradores em relação aos processos desenvolvidos, para que se
pratiquem os preceitos éticos, morais e de responsabilidade socioambiental.
Ele também precisa lidar, de modo ético, com as relações que se estabelecem
dentro do grupo profissional, garantindo que não ocorram situações de assédio
nem uso indevido do poder a eles confiado pela organização.
Ao final da leitura desta obra, você estará preparado para entender
a relação dos conceitos da ética e da moral com a atuação social e
ambientalmente responsável das empresas, bem como o papel dos líderes e
gestores nesse contexto.
1
Ética e moral no
contexto empresarial
Ética e moral são palavras que ouvimos com muita frequência
em nosso cotidiano. Muitas vezes os conceitos se confundem e são
usados de maneira equivocada. Seja no campo político, nos grupos
sociais ou nos ambientes profissionais, ética e moral são conceitos
fundamentais para que se possa viver em sociedade.
Este capítulo tem o objetivo de apresentar esses conceitos, dis-
correr sobre como evoluíram durante a história da humanidade
e discutir os desafios éticos e morais do mundo contemporâneo.

1.1 Conceito de ética


Vídeo É comum que as palavras ética e moral sejam usadas como sinôni-
mos, o que acaba dificultando o correto entendimento do significado
de cada uma delas. Ambas estão relacionadas, mas representam con-
ceitos essencialmente diferentes.

A própria etimologia da palavra ética leva a essa confusão de con-


ceitos. O termo tem origem nas línguas grega e latina e surge com duas
grafias e significados diferentes. Para Heidegger, o termo êthos – grafado
com acento circunflexo na primeira letra – está relacionado à ideia de in-
terioridade do ser humano, a habitação do ser interior (MARQUES, 2009).
Já o termo éthos – grafado com acento agudo na primeira letra –, segun-
do Pedro (2014), está relacionado ao comportamento externo adotado
pelas pessoas em sua convivência social, aos hábitos e costumes indivi-
duais, ou seja, o modo como uma pessoa se comporta em sociedade.

Ética e moral no contexto empresarial 9


É essa segunda origem da palavra ética que causa a confusão com
o conceito de moral, que pode ser entendido, ainda segundo Pedro
(2014), como os costumes de um determinado grupo social, as normas,
regras e leis que governam as relações entre as pessoas que convivem
em sociedade.

Com base nessas origens e significados próximos, apesar de dife-


rentes, os conceitos de ética e moral são utilizados, em nossa língua,
para se referir aos sistemas de normas, regras e leis nos quais os in-
divíduos ou grupos sociais específicos se inserem para que a vida em
sociedade seja possível.

Ao analisar especificamente o conceito de ética, é possível identifi-


car dois sentidos que não se excluem, mas apresentam dois diferentes
pontos de vista. Em uma visão mais ampla, há uma ética geral ligada às
relações que se estabelecem entre os indivíduos que compõem a hu-
manidade, independentemente de sua cultura ou origem. Em um sen-
tido mais estreito, está ligada à regulação das relações que ocorrem em
um grupo específico, por exemplo, um grupo formado por indivíduos
que exercem uma determinada profissão. Para Ramos (2012), esses
dois níveis nem sempre estão alinhados. As recomendações ou normas
éticas de um grupo específico podem, em algum momento, chocar-se
com as regras éticas mais gerais.

As discussões sobre a ética em seu sentido mais amplo são uma das
origens do pensamento filosófico. Apesar de o conceito começar a ser
amplamente estudado a partir do surgimento da filosofia, é possível
rastrear os preceitos éticos que regem a vida em grupos nas origens da
sociedade antes mesmo do pensar filosófico. Nos povos mais antigos,
os preceitos éticos se encontravam intrinsecamente ligados às crenças
mitológicas e religiosas, como normas e leis divinas a serem seguidas
para garantir a sobrevivência do grupo.

A partir dos filósofos gregos, a ética passou a ser pensada de ma-


neira racional, como um conjunto de princípios e preceitos que regem
a relação entre as pessoas. A discussão sobre ética se inicia com os filó-
sofos pré-socráticos, porém é a partir de Sócrates que o conceito passa
a ser encarado como central na filosofia.

Uma das origens do pensamento filosófico é a busca pela felicida-


de e pelo conhecimento. Para Sócrates (PLATÃO, 2019), o objetivo da
filosofia é a busca pelo conhecimento e a verdadeira felicidade está na

10 Ética e responsabilidade social


própria alma humana, pois é nela que se encontra a verdade. Contudo,
a maioria das pessoas não está preparada para olhar para dentro de
si mesma e encarar suas próprias verdades. Assim, o indivíduo acaba
por buscar a felicidade fora de si, em algo externo, em prazeres e sen-
timentos que, para uma mente despreparada, são confundidos com a
felicidade. Essa busca pelo prazer hedonista acaba por afastar o indiví-
duo ainda mais da felicidade que está em seu interior.

O hedonismo é um conceito filosófico no qual a busca pelo prazer


sensorial é o bem supremo e o objetivo a ser buscado pelo indivíduo.
De acordo com Laêrtios (2008), a filosofia hedônica foi desenvolvida
por Aristipo de Cirene, filósofo contemporâneo de Sócrates, que enxer-
gava o prazer como um bem em si. Portanto, o indivíduo deveria buscar
intensificar e prolongar essa sensação.

O epicurismo, desenvolvido pelo filósofo Epicuro, que acreditava


que a busca pelo prazer deveria ser moderada pela moral, é uma im-
portante corrente da filosofia que se originou da filosofia hedônica. As
ideias dessa filosofia ganharam força durante a Idade Moderna, em
especial com os trabalhos do escritor Donatien Alphonse François de
Sade, conhecido como Marquês de Sade, o qual levou o hedonismo ao
extremo, a ponto de romper com as ideias e os limites da moral vigen-
tes na sociedade.

A filosofia hedônica é um conceito central para o estudo da so-


ciedade de consumo atual, caracterizada pela busca do sucesso e da
sensação de felicidade por meio do consumo, da gratificação sensorial
imediata trazida pela compra e pelo uso de bens. Com base nesse pon-
to de vista, o consumo cumpre o papel de garantir o prazer hedônico e
traz reconhecimento e status dentro da sociedade. Para Rocha (2005,
p. 127): “consumir freneticamente é ter a certeza de ser um peregrino
em viagem ao paraíso”.
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Ética e moral no contexto empresarial 11


Artigo

https://www.scielo.br/pdf/rae/v53n2/v53n2a07.pdf

O artigo Hedonismo e moralismo: consumo na base da pirâmide, de Marcus


Wilcox Hemais, Leticia Moreira Casotti e Everardo Pereira Guimarães Rocha,
faz uma interessante análise da relação entre a sociedade de consumo e a
filosofia hedonista. De acordo com os autores, essa filosofia é utilizada para
justificar e incentivar o aumento do consumo, como forma de diminuir a
pobreza e trazer gratificação e prazer para os indivíduos das classes sociais
menos favorecidas, localizadas na base da pirâmide social e econômica.
Os autores contrapõem essa visão hedonista a uma filosofia moralista, que
acredita que incentivar o consumo desenfreado leva os indivíduos de menor
poder aquisitivo a se sentirem pressionados a tomar decisões de consumo
impensadas ou não planejadas, além de criar uma sensação de inadequação
e de crescente infelicidade, advinda da percepção de não se adequarem ao
grupo social por não poder adquirir ou usar os bens que marcam a posição
social do indivíduo no grupo.

Acesso em: 19 jan. 2021.

A busca pela felicidade por meio da postura ética, que Sócrates


dá o nome de eudaimonia, contrapõe-se à ideia do prazer hedônico
defendido por Aristipo de Cirene. O filósofo acredita ser a única feli-
cidade real, por ser baseada na busca pelo conhecimento e pela ver-
dade. Para Iglésias (2007), Sócrates acredita que o indivíduo só pode
encontrar a felicidade por meio de uma conduta ética, ou seja, por
uma atitude e um comportamento baseado na bondade, na virtude
e na retidão de caráter.

A postura virtuosa é a base do conceito da ética de Sócrates. A


virtude, para o filósofo, é a capacidade de o indivíduo tomar uma de-
cisão racional de suprimir seus desejos pelo prazer imediato e contro-
lar seus sentimentos para praticar ações que tragam benefícios para
a sociedade como um todo. O filósofo salienta que a virtude pode
ser desenvolvida por meio do estudo, do aperfeiçoamento pessoal e
do amadurecimento intelectual. Para Reale e Antiseri (2007), o indi-
víduo que busca viver de maneira ética conhece suas próprias mo-
tivações, valores e atitudes. Os autores organizaram as principais
ideias que constituem a ética socrática, conforme mostra a Figura 1.

12 Ética e responsabilidade social


Figura 1
Elementos que compõem a ética socrática.

Fonte: Reale; Antiseri, 2007, p. 108.

O indivíduo que norteia suas ações pela virtude e pela ética so-
crática não se preocupa apenas com sua própria felicidade, mas
com a convivência do grupo, com os benefícios que sua postura
traz para a sociedade e para a felicidade coletiva. Platão (2019)
relaciona a ética socrática à política e afirma que só por meio de
uma postura ética compartilhada pelos cidadãos é possível viver
em sociedade.

Ética e moral no contexto empresarial 13


Para Platão (2019), a postura ética dos cidadãos dilui as diferenças in-
dividuais e possibilita que todos sejam vistos como iguais. Assim, o poder
pode ser compartilhado, evitando-se que a pólis seja governada apenas
por um grupo ou por um indivíduo preocupado apenas com sua própria
felicidade. A ética representa os parâmetros e os limites da liberdade de
cada indivíduo, pois está baseada na decisão de cada cidadão de renun-
ciar a seus interesses individuais em benefício do bem comum.

Platão não enxerga a ética de maneira prescritiva, como um ma-


nual ou um conjunto de regras de conduta a serem seguidas. Segun-
do Voegelin (2009), o filósofo entende a ética como uma experiência
pessoal de aprendizado, conhecimento e amadurecimento da alma.

Porém, o filósofo acredita que a busca pelo poder leva o homem


a se desvirtuar, ou seja, perder sua virtude e, portanto, sua postura
ética. A luta pelo poder é a luta pela felicidade hedônica do indivíduo,
sobrepondo-se à felicidade ética coletiva. Ao analisar as formas de or-
ganização das sociedades e como o poder se estabelece na pólis, Platão
conclui que todas as formas de governo acabam por gerar comporta-
mentos não éticos naqueles que buscam exercer o poder.

A discussão sobre a ética também tem papel central na filosofia de


Aristóteles, para quem o objetivo natural de todos os indivíduos é ter
uma vida boa, pautada na justiça e na busca pela felicidade. Assim, ele
acredita que é papel da filosofia investigar e identificar qual é o cami-
nho para atingir esses objetivos. Chauí (2002) afirma que o filósofo de-
fine a ética como um saber prático, como um caminho a ser trilhado no
cotidiano pelo indivíduo, por meio da adoção de ações que o possibi-
litem alcançar a excelência em diversos aspectos, como o físico, as re-
lações sociais, o equilíbrio psicológico e o desenvolvimento intelectual.
Segundo a autora (2002, p. 441): “a Ética deve determinar a essência do
fim a ser alcançado, a essência do agente e das ações e os meios para
realizá-la” .

Aristóteles divide as ciências em dois tipos: as práticas, como a éti-


ca e a política, e as teoréticas, compostas das artes ou técnicas. Para o
filósofo, ética e política se relacionam, pois é por meio delas que o ho-
mem vive em sociedade. A ação ética tem uma finalidade: a busca pelo
bem comum que prepara o indivíduo para agir em sociedade e viver na
pólis, exercendo uma ação política.

Assim como Platão, Aristóteles acreditava que a postura ética dos


cidadãos que vivem na pólis elimina as desigualdades entre os indi-

14 Ética e responsabilidade social


víduos e possibilita o convívio harmônico em sociedade. Mas o discí-
pulo Aristóteles discordava de seu professor Platão sobre a relação
entre poder, virtude e ética. Para ele, não era a busca pelo poder
que desvirtuava o homem, e sim a falta de virtude dos indivíduos
que influenciava negativamente os regimes de governo, em especial
a democracia.

Defensor do regime democrático, Aristóteles acreditava que por


meio de uma postura ética e virtuosa dos indivíduos seria possível
construir um governo baseado na representatividade dos cidadãos,
que compartilhariam o poder igualmente, garantindo a liberdade e a
justiça. De acordo com Ramos (2012), as ações e decisões democráticas
consideradas boas e justas pelo grupo social deveriam ser normatiza-
das e repetidas como forma de garantir o bem-estar em benefício da
sociedade. Para Aristóteles, identificar essas ações e comportamentos
benéficos à pólis é o papel da ética.

A ética, na filosofia aristotélica, é prescritiva tanto para o indivíduo


quanto para o grupo, pois se propõe a identificar e racionalizar as ações a
serem adotadas por estes. As ações e atitudes são baseadas em três tipos
de conhecimento: os teóricos e sistematizados, baseados na observação
e análise das relações sociais e fenômenos naturais, os quais podemos
relacionar com o conceito de ética; os produzidos, ou seja, as normas cria-
das pelo próprio grupo para garantir a convivência, que podemos relacio-
nar às leis e ao direito; e os práticos, relacionados ao cotidiano da pólis e
dos grupos sociais, que estão ligados ao conceito da moral.

Segundo Amaral, Silva e Gomes (2012), para Aristóteles a ética re-


laciona as necessidades do indivíduo com seu papel na sociedade e,
portanto, é normativa em sentido mais amplo, pois busca estabelecer
as normas e padrões a serem seguidos por todos os indivíduos do
grupo. Já para Platão, a ética é ligada a um grupo social específico, e
pode ser composta de diferentes padrões e normas. A visão platônica
deu origem ao conceito da ética profissional, como a ética médica ou
a ética empresarial. As visões de Platão e Aristóteles não são anta-
gônicas, mas sim complementares, pois para que os indivíduos con-
vivam em sociedade precisam seguir uma série de regras e normas
que envolvem ações e posturas individuais, de grupos organizados de
indivíduos e dos cidadãos que compõem a sociedade como um todo.
Esses diversos níveis de normas, posturas e ações deram origem à
diferenciação entre os conceitos de direito, ética e moral.

Ética e moral no contexto empresarial 15


1.2 Conceito de moral
Vídeo Os conceitos de ética e moral não são sinônimos nem antagônicos. Na
verdade, são complementares. Segundo Gontijo (2006), a moral é o objeto de
estudo da ética. A ética é o fundamento que baseia as decisões morais toma-
das no cotidiano pelo indivíduo ou pelo grupo. Para esclarecer melhor a rela-
ção entre os dois conceitos, o autor usa o seguinte exemplo: um fundamento
ético é a proibição de tomar à força ou roubar aquilo que não me pertence.
Esse é um princípio universal que rege as relações na maioria dos grupos so-
ciais. A decisão de roubar ou não roubar algo, tomada pelo indivíduo em um
momento específico, é uma decisão moral. A moral é, portanto, a prática co-
tidiana, as normas e regras que regem as relações que ocorrem nos grupos
sociais e que direcionam as atitudes e ações tomadas pelos indivíduos.

A origem da palavra moral é o termo latino moralis, que segundo


Spinelli (2009) está relacionado aos costumes, normas e leis e pode ser
entendido como o comportamento e a atitude de um indivíduo em re-
lação às regras e normas do grupo social a que pertence. Analisando a
etimologia da palavra, moral surgiu da tradução para o latim da palavra
êthica, de origem grega. Como já discutido anteriormente, em sua ori-
gem na língua grega, a palavra ética tem dois sentidos que são diferen-
ciados pela sua grafia: êthos (relacionado à ideia de interioridade do ser
humano, a morada da alma) e éthos (relacionado ao comportamento
externo adotado pelas pessoas em sua convivência social).

A acepção da palavra moral está mais relacionada ao segundo con-


texto do conceito de ética. Assim, a moral está ligada às ações e postu-
ras adotadas pelo indivíduo e que podem ser consideradas adequadas
ou não, apropriadas ou não, quando analisadas à luz das regras e nor-
mas vigentes no grupo social. Como a moral é a prática, ela é sempre
baseada em uma reflexão e em uma decisão individual sobre as atitu-
des que a pessoa adotará com base nessa reflexão.

Ainda de acordo com Spinelli (2009), as decisões das ações e com-


portamentos que o indivíduo adota se encontram na intercessão entre
a ética (individual e interna) e a moral (coletiva e externa). Ao decidir
adotar um comportamento, como no exemplo da decisão sobre roubar
ou não roubar, o indivíduo pondera e leva em consideração não só sua
ética interna, mas também a avaliação que o grupo fará sobre seus
atos. Assim, o que pode ser considerada uma atitude moral em um
determinado grupo, pode ser tida como imoral por outro grupo.

16 Ética e responsabilidade social


Cabe aqui uma distinção entre moral e moralismo, que é o ato de
julgar as ações de terceiros sob à luz da ética e moral do julgador. Gran-
de parte das discussões observadas cotidianamente nas redes sociais
são baseadas na visão moralista adotada por alguns indivíduos que
acham ter não só o direito, mas até mesmo o dever de analisar as de-
cisões de outras pessoas e emitir juízos de valor com base em sua pró-
pria moral. Lewandovski (2017, p. 1) explica a diferenciação entre moral
e moralismo na visão do Direito:
a Moral corresponde a um código de procedimentos que sujeita
os transgressores à reprovação, velada ou explícita, dos mem-
bros da coletividade a que pertencem, acarretando, por vezes, a
própria exclusão dos recalcitrantes de seu convívio.
Já o moralismo representa uma espécie de patologia da moral.
Enquanto nesta há um certo consenso das pessoas no tocante à
distinção entre o certo e o errado, no moralismo alguns poucos
buscam impor aos outros seus padrões morais singulares, cir-
cunscritos a certa época, religião, seita ou ideologia.

A análise comparativa da cultura e da legislação de cada país em


relação a diversos aspectos da vida cotidiana permite um entendimen-
to mais profundo sobre o conceito de moral. Em alguns países, a pena
de morte é moralmente aceita e usada como uma forma de punição de
atitudes ou posturas consideradas imorais, como o assassinato. Em ou-
tros países, essa pena é considerada ilegal e imoral, pois se considera
que o grupo ou a sociedade não tem o poder nem o direito de tirar a
vida de um ser humano, mesmo que este tenha cometido uma ação
que fere a moralidade vigente.

Um exemplo ainda mais simples de ser entendido é a definição de


cada cultura sobre qual o tipo de roupa é considerado adequado. Em al-
gumas culturas, mulheres precisam se cobrir totalmente e qualquer ex-
posição da pele feminina é considerada imoral. Já em outras culturas, a Diferenças culturais.
exposição do corpo, seja ele feminino ou masculino, é cele-
brada como um exemplo da liberdade dos indivíduos.
Nas Olimpíadas de 2016, a imagem de duas jogado-
ras de voleibol, uma usando como uniforme um bi-
quíni e outra, uma burca, tornou-se conhecida
por exemplificar as diferenças culturais dos
Photographee.eu/Shutterstock

países e mostrar como a definição do que é


moral ou imoral depende da análise do con-
texto social no qual o indivíduo está inserido.

Ética e moral no contexto empresarial 17


Moral e ética são intrinsecamente ligadas, pois as decisões morais
se baseiam nas reflexões éticas. Conforme Pedro (2014), a relação en-
tre os dois conceitos é desejável e necessária, pois o pensar filosófico
alimenta o agir moral, e a prática da moralidade leva ao repensar ético.
Essa relação, que a autora considera de circularidade ascendente e de
complementaridade, é apresentada na Figura 2.
Figura 2
Relação intrínseca entre ética e moral

Ética

Moral

Fonte: Pedro, 2014, p. 487.

Segundo a autora, a linha tracejada das figuras representa a per-


meabilidade dos conceitos de ética e moral, que se influenciam mu-
tuamente. As setas internas representam a comunicação e o diálogo
ético-moral, que leva à evolução de ambos os conceitos, já que a moral
vigente em um determinado momento histórico acaba por influenciar
o pensar ético. As setas externas representam a relação da ética e da
moral com o ambiente cultural e social externo.

As mudanças que ocorrem no seio da sociedade influenciam o


que é considerado moral ou imoral em um grupo social. Um exem-
plo bastante atual é a mudança da postura da sociedade em relação
ao assédio moral e sexual. Antes, o assédio, mesmo que considera-
do imoral, era aceito de maneira velada pela sociedade, que muitas
vezes culpava a própria vítima pela ação do assediador. A partir de
movimentos sociais e culturais que passaram a denunciar publica-
mente as ações e divulgar o nome de assediadores, a moral vigente
em alguns países passou a condenar totalmente a postura do asse-
diador. É importante lembrar que a moral está relacionada à cultu-
ra e à legislação de um determinado local. Portanto, não é possível

18 Ética e responsabilidade social


dizer que essa mudança moral aconteceu em todos os países, mas
apenas naqueles em que o grupo e os indivíduos repensaram sua
postura frente às mudanças sociais.

Para Comte-Sponville (2002, p. 22), as decisões morais a serem


tomadas pelos indivíduos podem ser entendidas mais facilmente se
forem levadas a uma situação hipotética extrema. O filósofo usa a se-
guinte questão para exemplificar sua visão: “se todos mentissem, se
todos matassem, se todos torturassem, como a humanidade viveria?”

A questão central dessa análise é que o indivíduo precisa tomar ou


não uma atitude ou adotar uma postura levando em consideração não
apenas o seu benefício ou as possíveis punições que pode sofrer caso
não siga as normas morais do grupo social do qual faz parte. Essa ques-
tão é magistralmente abordada por Platão (2019), por meio do mito do
anel de Giges.

Esse mito mostra que a ação moral, apesar de ser reflexo da cul- Vídeo

tura do grupo social da qual o indivíduo faz parte, é uma decisão O vídeo A República: Livro
II e o Mito do Anel de Giges
individual de buscar o benefício do grupo, mesmo que a pessoa | (Diálogos Platônicos),
não seja julgada por isso. Ao tomar uma decisão moral, o indivíduo publicado pelo canal
Filosofando, discute de
não deveria, do ponto de vista filosófico, levar em consideração a modo didático o mito do
possibilidade de estar sendo visto, analisado ou vigiado pelos ou- anel de Giges. Na história,
um camponês chamado
tros membros do grupo. A música Quatro Vezes Você, de Arnaldo Jose Giges encontra um anel
Lima Santos e Fernando Ouro Preto, mostra como essa questão mo- que dá a ele o poder da
invisibilidade. De posse
ral está presente em nosso cotidiano: desse poder, Giges passa
a tomar uma série de
decisões e atitudes sem
O que você faz quando levar em consideração a
moral e a ética, por consi-
Ninguém te vê fazendo derar que não sofreria as
punições ou julgamentos
Ou o que você queria fazer da sociedade. O mito é
usado para discutir os
Se ninguém pudesse te ver (QUATRO..., 2002) limites éticos e morais e
até que ponto as ações e
atitudes são tomadas pe-
Para Comte-Sponville (2002), o indivíduo que age segundo uma pos- las pessoas não por uma
decisão ética, mas sim
tura moral e ética toma suas decisões não em razão da pressão exter- pelo medo do julgamento
na, mas por uma concepção interna sobre o bem e o mal, sobre aquilo e das sanções morais
impostas pelo grupo.
que considera ser admissível ou inadmissível com a condição de sua
Disponível em: https://
própria humanidade. De modo semelhante, Taylor (2011) considera www.youtube.com/
que a moralidade pode ser entendida como uma voz interna que guia watch?v=6WRfnFZS1to. Acesso em:
19 jan. 2020.
as decisões, atitudes e posturas externas do indivíduo.

Ética e moral no contexto empresarial 19


Assim, os limites morais que levam o indivíduo a decidir não são
externos, mas representam um sistema de valores e normas que ele
próprio se impõe, levando em conta tanto sua felicidade quanto os in-
teresses e direitos dos outros membros do grupo social.

1.3 A evolução dos conceitos de ética e moral


Vídeo A discussão sobre a ética e a moral já estava presente nas primeiras
civilizações humanas, mas foi a partir do desenvolvimento da filosofia,
em especial nas discussões de Sócrates, Platão e Aristóteles, que os
conceitos se tornaram centrais, tanto pela importância que a postura
ética e a moralidade têm na vida em sociedade quanto pela intrínseca
ligação da ética e da moral com a política e a gestão da pólis. Apesar
de as bases do pensamento sobre os dois conceitos terem sido soli-
damente lançadas pelos primeiros filósofos, a discussão sobre ética e
moral faz parte de toda a história da filosofia, sempre com um papel
fundamental no entendimento de como a sociedade se organiza.

Ética e moral são fortemente influenciadas e se relacionam de ma-


neira intrínseca com a religião. É possível identificar claramente os im-
pactos das crenças religiosas sobre os preceitos éticos e a prática moral
ao longo da história da civilização humana. Essa relação se tornou in-
dissociável durante a Idade Média, em que toda a cultura ocidental se
encontrava dominada pelo catolicismo, em especial na Europa Ociden-
tal. Nesse momento histórico, a ética refletia os dogmas cristãos, em
especial entre os séculos XI e XVI. Alguns dos principais filósofos que
abordaram as questões éticas e morais nesse período representam o
catolicismo. Dentre eles, destacam-se Santo Agostinho, Santo Anselmo
e São Tomás de Aquino.

Para Santo Agostinho (RODRIGUES et al., 2019), a relação entre ética


e moral é inversa ao que os filósofos clássicos apresentam. Para ele,
a ética era subordinada à moral, pois a vida virtuosa, apontada pelos
filósofos gregos como a base da postura ética, só poderia ser alcançada
pela subordinação do homem à vontade de Deus. Assim, o comporta-
mento ético não surgia de um pensar racional do indivíduo, que busca
o conhecimento e a verdade, mas sim da fé em Deus. Encontrar a ver-
dade é uma questão de ter fé, não conhecimento.

Desse modo, se a ética provém de Deus, as normas e as regras a


serem seguidas devem ser determinadas pela Igreja, não pela políti-

20 Ética e responsabilidade social


ca, pelo Estado ou qualquer tipo de governo. Santo Agostinho faz uma
releitura das ideias de Platão e Aristóteles: se para os filósofos gregos
pensar a ética era a busca pela verdade e pelo conhecimento e, em
última instância, pela felicidade, para o filósofo cristão, essa busca pela
felicidade era uma espécie de hedonismo, um prazer individual que
não condizia com a felicidade espiritual que só poderia ser encontrada
na vida cristã. Assim, se a ética é definida por Deus, a ação moral, ou
seja, a decisão de agir dentro da moral vigente, se tornava a decisão
mais importante a ser tomada pelo cristão.

A moral cristã era marcada pela valorização da dor e do sofrimento,


do martírio e do abandono das vaidades humanas em prol de uma
vida futura no paraíso, em contraposição à vida mundana. Os dogmas
éticos e morais da Igreja definiam cada aspecto da vida cotidiana da
população, grande parte dela ignorante e subordinada aos senhores e
nobres, controlados pela própria Igreja. Se o indivíduo seguisse todos
os preceitos da Igreja, poderia almejar a felicidade suprema da vida
eterna ao lado de Deus.

Se Santo Agostinho faz uma distinção total entre a razão filosófica e


a fé cristã, São Tomás de Aquino (RODRIGUES et al., 2019) busca recon-
ciliar essas duas abordagens, fazendo uma revisão do pensamento de
Aristóteles. Para ele, o ser humano é criado a partir da essência divina
e, por isso, apresenta uma inclinação natural para a bondade e para a
postura ética. Assim, as contradições e diferenças sociais e econômicas
representam apenas um reflexo da “grande ética” de Deus, e a fé du-
rante a vida terrena seria recompensada com a felicidade plena no pa-
raíso. A ética cristã, portanto, tinha o papel de ordenar a sociedade de
maneira justa e equilibrada. De certa forma, a filosofia de São Tomás
reforça a ideia de Santo Agostinho de que a moral era mais importante
que a ética, já que as normas e regras morais são o referencial a ser
seguido por quem busca a vida eterna.

Outro importante filósofo cristão a discutir o papel da ética e da


moral foi Santo Anselmo (ROHLING, 2016), para quem a fé cristã era
superior à razão. Para esse filósofo, a vontade de Deus condiciona as
ações dos indivíduos dentro dos princípios e preceitos morais. Na visão
dele, a ética não é geral e não pode ser usada para direcionar todas as
ações e relações humanas, mas sim aplicada a grupos e situações espe-
cíficas. Essa visão deu origem ao conceito da ética profissional, ligada a
um grupo e válida apenas para os que dele fazem parte.

Ética e moral no contexto empresarial 21


Se a filosofia foi dominada pelo catolicismo europeu e os dogmas
cristãos durante a Idade Média, as mudanças sociais trazidas pela mo-
dernidade e pelo surgimento do Iluminismo mudaram totalmente as
discussões sobre o papel da ética e da moral. A partir do século XVI e
até o final do século XVIII, a discussão filosófica se afasta dos dogmas
cristãos e se aproxima do racionalismo e empirismo. Politicamente, é
o momento no qual a Igreja católica vai gradativamente perdendo o
poder e os Estados Nacionais entram em seu auge. Os preceitos religio-
sos ainda tinham forte influência na vida cotidiana, mas as discussões
sobre a ética e a moral voltam a ter como base a filosofia grega e a visão
de que a felicidade coletiva só poderia ser alcançada por uma postura
ética e uma moral que orientassem o indivíduo na busca pela plena
realização de seu potencial, por meio do conhecimento e da busca pela
verdade. A ligação entre ética e política também volta a ter um papel
central nas discussões filosóficas.

Se é o indivíduo o responsável por se aprimorar e buscar a eudai-


monia, o papel do Estado é fomentar esse desenvolvimento, seja por
meio da educação, seja por meio da garantia dos direitos individuais e
da construção de uma sociedade justa, baseada em leis que reflitam os
preceitos éticos e morais e possibilitem a vida em grupo, retomando a
visão de que a ética precede a moral.

A Revolução Francesa e o crescimento da importância da burguesia


como força política, baseada na Revolução Industrial e no deslocamento
do poder econômico da posse de terras para o capital, acelera a separação
entre Estado e Igreja. O pensamento científico ganha força em detrimento
da filosofia cristã, que perde influência no cotidiano da sociedade.

Diversos filósofos têm um papel fundamental no pensamento so-


bre a ética e a moral nesse período. Dentre eles, destaca-se as ideias
de Descartes (MARRAFON, 2020), que apesar de não ter a ética como
tema central de sua filosofia, tem um importante papel na transição da
visão da ética baseada na fé em Deus e na aceitação incondicional dos
desígnios de Deus para a visão antropocêntrica da filosofia, na qual o
homem passa a ser o centro do pensar filosófico.

O método cartesiano se baseia em rejeitar tudo o que considera-


mos como verdades absolutas. O filósofo propõe que se rejeite tudo o
que é proveniente dos sentidos, tudo o que tem origem no raciocínio
e nos pensamentos e considerar como única certeza o pensar. Essa é
a base do Cogito Cartesiano (Cogito, ergo sum ou penso, logo existo).

22 Ética e responsabilidade social


Assim, para Descartes, cada uma das atitudes, decisões ou posturas a
serem tomadas pelo indivíduo precisam ser antecedidas por uma refle-
xão baseada na capacidade humana de questionar quem ele é e quem
deseja ser, como ele vive e como deseja viver. Ao compreender os im-
pactos de cada uma de suas ações sobre si próprio e sobre os demais
membros do grupo social, o indivíduo tem a possibilidade de decidir
agir de acordo com os preceitos éticos e morais.

Como o cogito cartesiano é baseado na dúvida, frente à certeza


absoluta da ética cristã, o filósofo estabelece que a moral tem o papel
de orientar o indivíduo e propõe que o indivíduo deve seguir os precei-
tos morais, as leis e os costumes aceitos pela sociedade, como modo de
agir de maneira positiva no grupo social.

Outro importante filósofo do período é Spinoza (1997), que dedica


uma de suas principais obras à discussão sobre a ética. Para ele, a ética
tem ainda uma forte ligação com a religião, pois acredita que a virtude
só pode ser alcançada por meio do amor intelectual a Deus, mas tam-
bém traz elementos da visão grega da ética e seu papel de garantir que
o indivíduo atenda a suas necessidades e interesses na busca pela feli-
cidade individual e coletiva. A ética na obra de Spinoza tem o papel des-
critivo de definir o que é bom e o que é mal, e a razão, assim como na
visão dos filósofos clássicos, é usada para frear as paixões e os desejos
hedônicos e possibilitar que o indivíduo alcance o prazer e a felicidade
sem prejudicar a sociedade.

A visão dos filósofos empiristas sobre a ética já representa uma rup-


tura mais clara em relação à ética crista. Para essa linha filosófica, ética
e política estão intrinsecamente ligadas e tanto a ética quanto a moral
têm o papel de padronizar e orientar os comportamentos do indivíduo
para garantir que a vida em sociedade seja possível e que os governan-
tes possam realizar seu papel de dirigir o Estado.

Para Hobbes (2014), o homem é naturalmente mal e desones-


to. Assim, só é possível para o homem viver em sociedade se for
estabelecido um contrato social que organize as relações entre os
indivíduos, que precisam seguir os preceitos éticos e morais deter-
minados por esse contrato para que possam se integrar à socieda-
de. A filosofia de Hobbes é fundamentada na ideia de que o poder
do soberano é baseado na vontade divina. Portanto, o Estado abso-
lutista é a única forma de organização política que pode garantir que
o contrato social seja cumprido.

Ética e moral no contexto empresarial 23


Filme Locke também usa o conceito do contrato social como uma forma
A animação Zootopia de organizar a sociedade, mas acredita que o poder do governante não
mostra uma sociedade
idealizada em que ani- deve ser absoluto (CAXITO, 2019). Assim, tanto o contrato social quan-
mais com características to os preceitos éticos e morais são instrumentos limitadores do poder
antropomórficas convi-
vem a partir de um con- absoluto do governante. Se o papel da ética é orientar a busca pela
trato social que garante felicidade individual e coletiva, o contrato social deve garantir a liberda-
a relação pacífica entre
predadores e presas. de individual, desde que o benefício de todos esteja acima dos desejos
Diversos conceitos da individuais, inclusive dos governantes. De modo complementar, Hume
filosofia de Hobbes, Locke
e Hume, como a natureza defendia que a ética tem o papel de padronizar os comportamentos
humana, o papel do go- dos indivíduos para garantir a felicidade da maioria (CAXITO, 2019).
verno e a necessidade de
um contrato social que As discussões filosóficas sobre a ética na Idade Moderna, como po-
organize a sociedade são
apresentados de maneira
demos observar, ainda eram intensamente influenciadas pela religião
leve e didática. e pela ética cristã, mas representaram um resgate da filosofia clássica e
Direção: Byron Howard e Rich da centralidade da ética e sua relação com a moral.
Moore. EUA: Walt Disney Animation
Studios, 2016. No final do século XVIII, o surgimento do Iluminismo rompe total-
mente a relação entre ciência, conhecimento, filosofia e religião. A
discussão filosófica sobre a ética e a moral voltam a se concentrar no
papel da razão e na busca pela verdade e pela felicidade. A ética tam-
bém passa a ser considerada em um viés mais amplo, abarcando as
relações da sociedade como um todo, em especial a partir da Revolu-
ção Francesa, que estabelece um novo papel para a política e para o
governo. Surgem também as discussões sobre os direitos humanos,
que passam a exercer um papel fundamental nas discussões filosóficas
a respeito da ética e da moral.

Arquivos de Cultura e Belas Artes de Erich Lessing/Wikimedia Commons

A Liberdade guiando o povo,


pintura de Eugène Delacroix,
simboliza o slogan da
Revolução Francesa, Liberté,
Egalité, Fraternité (liberdade,
igualdade, fraternidade). O lema
inspirou a classificação dos
direitos humanos

24 Ética e responsabilidade social


Um dos mais importantes filósofos do período, Kant, aprofunda as
discussões sobre o papel da ética como um instrumento de normatiza-
ção das relações humanas (CUNHA, 2007). A ética kantiana é racional e
autônoma, não influenciada pela emoção ou por necessidades e dese-
jos do indivíduo. Já a moral é fixada pela lei e pelos costumes do grupo
social. Assim, a liberdade é um bem a ser defendido, mas a ação ética é
limitada pela responsabilidade do indivíduo pelos atos por ele tomados
e pelos reflexos desses atos sobre os demais indivíduos.

Porém, nem sempre o indivíduo tem a total compreensão dos im-


pactos de suas escolhas sobre as relações sociais. Além disso, as inclina-
ções morais e a natureza falha do ser humano podem levar a decisões
inadequadas. Dessa maneira, a moral tem o papel de definir os padrões
de comportamento considerados aprovados e adequados e normatizar
as ações a serem tomadas por qualquer pessoa em qualquer situação.

O desenvolvimento científico também influenciou a forma de se pen-


sar as relações sociais e o papel da ética e da moral. O entendimento do
funcionamento das leis da natureza trouxe a visão de que também as
relações sociais poderiam ser pensadas como uma máquina que pode
ser regulada, por meio de leis morais, para funcionar de modo mais
eficiente.

Mill (FLECK; RAMOS, 2011) defende a ideia de que a ética deve se ocu-
par da busca da felicidade para o maior número de pessoas possível.
Assim, o filósofo se opõe à ética de Kant, centrada na eudaimonia, na
busca da verdade individual. Kant prega que a ética é normativa e deve
impor regras, já Mill acredita que o resultado da ação ética e moral é
mais importante do que a própria intenção. Para ele, as regras morais
são relativizadas. Tendo como base as ideias de Mill e Kant, Hegel mos-
tra a relação entre os princípios éticos e a história da sociedade humana
(FLECK; RAMOS, 2011). Para Hegel, ética e moral apresentam grandes se-
melhanças e podem ser consideradas sinônimas. Ele relaciona a ética à
política e à estruturação da sociedade e do poder (FLECK; RAMOS, 2011).

Mas é Nietzsche (1998) que apresenta uma ruptura definitiva da ética


com a religião e transforma o estudo da ética em uma ciência. Em um de
seus mais importantes trabalhos, o filósofo alemão defende que a ética
é o elemento central da sociedade humana. São os preceitos éticos e as
leis morais que determinam os padrões de comportamento e servem

Ética e moral no contexto empresarial 25


como fundamento das ações individuais e coletivas que possibilitam a
convivência entre as pessoas.

Para agir de maneira ética, o ser humano precisa superar sua na-
tureza humana, marcada por falhas e pela falta de conhecimento e se
tornar o Übermensch, que pode ser traduzido como super-homem, mas
não no sentido de alguém com poderes sobre-humanos, e sim alguém
que superou suas limitações. O Übermensch pode transcender a moral
estabelecida na sociedade, ir além do bem e do mal, por meio da capaci-
dade de analisar suas ações de modo racional e agir de modo ético, com
autonomia e liberdade de pensamento.

A evolução dos conceitos de ética e moral nos últimos séculos apre-


senta como característica central abandonar gradativamente a relação
entre ética, moral e religião e colocar o homem no centro do pensamen-
to filosófico, preparando, assim, as bases para a visão contemporânea
da ética e da moral.

1.4 Desafios éticos e morais no


mundo contemporâneo
Vídeo Apesar de ter evoluído no decorrer da história, os conceitos de ética
e moral apresentam um aspecto central sempre presente: estão relacio-
nados às normas, regras e limites a serem seguidos pelos indivíduos em
suas ações e decisões, as quais podem impactar os demais indivíduos e
a sociedade como um todo. Alguns filósofos defendem a centralidade
dos aspectos internos e do indivíduo nas decisões éticas e morais; outros
acreditam que ética e moral devem ser prescritivas, ou seja, podem ser
entendidas como um manual de como agir em uma determinada socie-
dade ou em um grupo específico.

A ética e a moral contemporâneas se alimentam de todo o conheci-


mento desenvolvido em séculos de discussões filosóficas, mas de certa
forma também se contrapõe a ele. Para a filosofia clássica, o mundo é
organizado e cada coisa tem seu próprio lugar e finalidade, assim como
cada indivíduo tem um papel e um lugar na sociedade, como pode ser
visto na ideia das sociedades ideais propostas por Platão e Aristóteles
(CAXITO, 2019). Dessa maneira, a ética e a moral têm o papel de direcio-
nar as ações do indivíduo para que ele cumpra esse papel, conheça a
verdade e encontre a felicidade, objetivo final da vida humana.

26 Ética e responsabilidade social


Na contemporaneidade, o mundo não é organizado nem harmônico.
Ao contrário, tanto a natureza quanto as relações humanas em socie-
dade são marcadas pelo caos e pela imprevisibilidade. Assim, o papel
da ética e da moral não é definir o modo correto de agir ou prescrever
um manual de normas e regras, pois a sociedade muda rapidamente e
a moral precisa acompanhar essas mudanças. O que é aceito em um dia
pode ser imoral no dia seguinte.

Podemos citar como exemplo a postura da sociedade com as rela-


ções homoafetivas. Em cerca de uma década, o Brasil passou de uma
visão preconceituosa e excludente em relação aos casais de mesmo sexo
para uma visão inclusiva, não só do ponto de vista comportamental, mas
também em relação às legislações que protegem os direitos daqueles
que não se enquadram nas classificações tradicionais de gênero e sexua-
lidade. Porém, correntes contrárias a essas mudanças ganharam força
na segunda metade da década de 2010, levando a retrocessos nos pa-
drões morais de parte significativa da sociedade. Esses movimentos de
avanços e retrocessos em usos, costumes e mesmo em legislações que
refletem as mudanças sociais e morais podem ser observados em diver-
sas áreas do comportamento humano e das relações sociais.

É importante também salientar que não se pode afirmar que os pa-


drões éticos e morais evoluem da mesma maneira em todos os locais. A
ética, assim como a moral, é relativa não só em relação ao tempo, mas
também ao local, à cultura, ao grupo social, às crenças religiosas e às
classes econômicas e sociais. Segundo Rachels e Rachels (2013), cada
cultura lida com as mudanças éticas e morais de modo diferente. En-
quanto um grupo pode aceitar e incorporar rapidamente uma mudan-
ça comportamental, outro grupo pode encarar essa mesma mudança
como uma ameaça a sua estrutura social e lutar contra ela.

Outra característica da moral contemporânea é o relativismo moral.


Cada pessoa toma suas decisões morais não levando em consideração
os valores morais ou as questões éticas dos demais membros do grupo
social. A busca pelo prazer e pela felicidade individual é vista como mais
importante. De certo modo, observa-se um renascimento da ética he-
dônica, discutida na primeira seção deste capítulo. A sociedade de con-
sumo, que prega que a posse e o uso acelerado de bens e a ostentação
de símbolos de status é a forma de se encontrar a felicidade, intensifica
ainda mais essa característica hedônica.

Ética e moral no contexto empresarial 27


QuentinUK/Wikimedia Commons
O estêncil de Banksy é intitulado Shop Until You Drop (Compre
até cair). A expressão em inglês significa fazer uma quantidade
exagerada de compras.

Para Cremonese (2019), a sociedade atual é marcada pela postura de


que nada está errado ou é proibido, desde que traga prazer ou reconhe-
cimento social. Para o autor, a ética e a moral deixam de ser baseadas na
razão e passam a ter um cunho emocional, sendo que a mídia e as redes
sociais assumem o papel de serem as definidoras dos padrões morais a
serem seguidos.

Esse individualismo e antropocentrismo da ética e da moral repre-


sentam uma ruptura em relação à filosofia medieval, baseada na visão
de que a fé em Deus era a origem das virtudes que levavam a uma vida
pautada pela ética, tendo a moral cristã como a orientadora da atuação
do indivíduo na sociedade.

A filosofia da Idade Moderna defendeu que o ser humano tem direi-


tos naturais que devem ser respeitados e que a individualidade e a liber-
dade são valores fundamentais para a vida em sociedade. Entretanto, no
mundo contemporâneo o conceito da individualidade se encontra exa-
cerbado até o extremo. De acordo com Morin (2005), o hiperindividua-
lismo e o egocentrismo são marcas da sociedade atual. O autor explica
que o egocentrismo ocorre quando o “eu” é colocado em um patamar
mais elevado e considerado mais importante que o “nós”, invertendo os
conceitos centrais da ética e da moral como instrumentos que garantem
a vida em sociedade.

28 Ética e responsabilidade social


As redes sociais são a maior expressão dessa individualidade e das
rupturas éticas e morais trazidas pelo mundo contemporâneo. A osten-
tação do status social e da posse de bens; a divisão em grupos cada vez
mais radicais; os processos de “cancelamento” nos quais as pessoas são
acusadas, julgadas e punidas sem ter o direito de se defender; a radicali-
zação das crenças e posturas mostram que a sociedade precisa se voltar
para os conceitos mais básicos e fundamentais dos preceitos éticos e
morais. A sociedade vive uma crise causada pela falta de fundamentos
éticos (MORIN, 2005). O egocentrismo pode levar à desintegração dos
grupos sociais, desde as unidades familiares, passando pelos grupos lo-
cais e, em última instância, a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões filosóficas sobre os conceitos de ética e moral desempe-
nham um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade humana.
À medida que as relações sociais se tornaram mais complexas, as ideias
que norteiam os preceitos éticos e as normas morais também se desen-
volveram, para abarcar toda a infinidade de interesses e necessidades
tanto dos indivíduos quanto dos grupos. A intrínseca relação da ética com
a política e da moral com o cotidiano das relações sociais mostra que a
evolução desses conceitos é necessária para garantir a convivência em
sociedade.
A análise das relações atuais que podem ser observadas na sociedade
contemporânea, em que as redes sociais intensificam as diferenças entre
as pessoas e os grupos sociais, em que a divisão entre nós x eles, seja ela
por motivos políticos, religiosos, esportivos, ou relacionados a crenças,
posicionamentos e comportamentos, é cada vez mais perceptível e gera
discussões cada vez mais inflamadas. Os conceitos de moral e moralidade
são confundidos, gerando uma postura de julgamento, e se torna claro
que as discussões sobre ética e moral são cada vez mais importantes para
que se possa conviver em sociedade.

ATIVIDADES
1. A palavra ética tem origem nas línguas grega e latina, e surge com duas
diferentes grafias e significados: êthos e éthos. Explique a diferença
entre os dois conceitos e sua relação com o conceito de moral.

2. Discorra sobre a relação entre a filosofia hedônica desenvolvida pelo


filósofo Aristipo de Cirene e a sociedade de consumo atual.

Ética e moral no contexto empresarial 29


3. Comente a relação entre o desenvolvimento científico, ocorrido
a partir do Iluminismo, e o papel da ética e da moral na sociedade
naquele momento.

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Ética e moral no contexto empresarial 31


2
Código de Ética nas
organizações
Vencer a concorrência, obter lucros e atingir suas metas são al-
guns dos objetivos mais relevantes para uma empresa. Muitas vezes,
a necessidade de atingir resultados leva a empresa ou seus executi-
vos a tomar decisões que, se não forem analisadas de acordo com
preceitos éticos e morais, podem causar danos a grupos de interesse
com os quais a empresa se relaciona, como seus funcionários, forne-
cedores, clientes, o Governo e grupos sociais.
Assim, é fundamental que as ações e posturas da empresa
sejam dirigidas por valores que reflitam um código ético e moral
aceito pela sociedade da qual faz parte.
Neste capítulo, serão discutidos os conceitos de ética e moral
no contexto da gestão das organizações, a missão, a visão e os
valores empresariais, os Códigos de Ética das empresas e como
eles se relacionam com a cultura empresarial. Serão também apre-
sentados os principais dilemas éticos e morais que ocorrem no
cotidiano da empresa e como o compliance pode ser usado para
garantir que as decisões dela sigam seu Código de Ética.

2.1 Ética e moral nas organizações


Vídeo Assim como as pessoas precisam agir de acordo com padrões
éticos e morais para conviver em sociedade, também as empresas
precisam seguir padrões legais e sociais, baseados em valores éti-
cos e morais, ao desenvolver suas atividades (MONTEIRO; ESPÍRITO
SANTO; BONACINA, 2005).

Ao desenvolver seu planejamento, as empresas criam estratégias, tá-


ticas e ações específicas para atingir seus objetivos, que podem incluir:

32 Ética e responsabilidade social


aumentar sua participação no mercado, conquistando espaços ocupados
pelas empresas concorrentes; obter lucros cada vez maiores sobre o ca-
pital investido; diminuir seus custos de aquisição, produção, comercializa-
ção e distribuição de produtos e serviços. Para Lemos (2020), os resultados
esperados e os indicadores que demonstram esse resultado (como fatu-
ramento, participação de mercado, margem de lucro) são cobrados dia-
riamente de gestores e colaboradores. Em muitas empresas, não atingir
esses resultados pode impactar a remuneração, o reconhecimento e as
possibilidades de crescimento profissional e, em alguns casos, até levar à
demissão, especialmente de gestores e executivos.

Essa cobrança por resultado, segundo Fidelis, Zille e Rezende (2020),


leva muitos profissionais a situações de tensão e estresse que podem
causar problemas mentais e de saúde. Pressionados por empresários ou
investidores, pelos concorrentes e pela necessidade de atingir seus ob-
jetivos, algumas empresas ou profissionais acabam por tomar decisões
ilegais, antiéticas ou imorais que muitas vezes levam a empresa à falência
ou a problemas legais ou de imagem, inviabilizando sua existência.

Casos como os da empresa americana Enron Corporation (BERGAMINI


JÚNIOR, 2015) ou do banco brasileiro Banco Santos (COSTA; WOOD JR.,
2012) mostram que se a empresa busca atingir seus objetivos sem seguir
padrões éticos e morais, as consequências são sentidas não apenas pelos
membros da empresa, mas pela sociedade como um todo.

A Enron Corporation era uma empresa norte-americana que atuava


no mercado de energia e serviços. Durante a década de 1990, a empre-
sa registrou um crescimento acelerado e a valorização acentuada de suas
ações, ao ponto de ser listada entre as 70 empresas mais valorizadas do
mundo. Em 2001, as autoridades americanas descobriram uma intrincada
fraude contábil realizada pela companhia, envolvendo empresas coligadas
para as quais eram transferidos passivos, dívidas e despesas, além do uso
de empréstimos falsos, instrumentos de securitização e derivativos finan-
ceiros. Com essas manobras contábeis, o resultado da empresa apresenta-
do ao mercado e aos investidores mostrava grandes ganhos e crescimento,
o que não refletia as operações reais do grupo empresarial. Os números
envolvidos na fraude chegaram a bilhões de dólares e a empresa pediu
falência, causando prejuízo a milhões de investidores em todo o mundo.
O caso também levou à formulação de diversas legislações contábeis em
vários países, entre elas a lei americana Sarbanes-Oxley, de 2002.

Código de Ética nas organizações 33


Saiba mais
Após o escândalo das frau-
O Banco Santos cresceu rapidamente entre os anos de 1995 e 2001, tor-
des corporativas ocorridas
na empresa americana nando-se o oitavo maior banco do Brasil, com ativos estimados em US$ 2,5
Enron Corporation, o bilhões. Em 2001, uma auditoria realizada pela consultoria Price-Waterhouse
Congresso americano
promulgou, em 2002, a
identificou fraudes contábeis por meio das quais o banco desviava recursos
Lei Sarbanes-Oxley, que de investidores e clientes para empresas do grupo, sendo que algumas eram
regula a governança cor- apenas empresas de fachada. A fraude também envolvia esquemas de pirâ-
porativa das organizações,
estabelecendo normas, re-
mide financeira e evasão de divisas para empresas offshore. O caso do banco
gras, diretrizes e processos levou ao fortalecimento do uso de Códigos de Ética e sistemas de controle
para garantir a transpa- interno e da adoção de governança corporativa e compliance entre as empre-
rência e a confiabilidade
dos relatórios financeiros e sas brasileiras.
contábeis. O vídeo a seguir
discorre brevemente
sobre alguns capítulos e
seções da lei.
A relação entre ética, gestão organizacional e responsabilidade
Disponível em: https:// social vem ganhando cada vez mais atenção em razão de uma pos-
www.youtube.com/ tura ativa da sociedade quanto à forma como as empresas realizam
watch?v=w3IP8N1CTs8. Acesso em:
25 jan. 2021. seus negócios. Questões como impactos ambientais e sociais causa-
Para ler o documento dos pelas atividades das organizações, abuso do poder econômico,
com o texto integral da lei
condições de trabalho e relações das empresas com o poder público
(em inglês), acesse o link
a seguir. são alvo da análise constante da sociedade, o que tem levado as em-
Disponível em: https://pcaobus.org/ presas a repensar tanto suas próprias atividades quanto as desen-
About/History/Documents/PDFs/
Sarbanes_Oxley_Act_of_2002. volvidas por empresas parcerias com as quais se relaciona (FEITOZA;
pdf. Acesso em: 25 jan. 2021. CHAGAS, 2020).

Para Andrade (2009), ao adotar uma postura eticamente responsá-


Vídeo
vel, comunicada com clareza para todos aqueles com que se relaciona,
O caso das fraudes
contábeis do Banco Santos a empresa cria uma cultura organizacional baseada em valores éticos
trouxe um grande impacto e morais que gera comprometimento por parte de seus colaborado-
para o sistema bancário
brasileiro. A maciça divul- res e credibilidade junto ao seu cliente. O autor descreve a criação de
gação do caso nas mídias,
pelo fato de o presidente
um ambiente no qual as posturas éticas e morais estejam presentes e
do banco ser um conheci- sejam valorizadas e seja desenvolvida uma cultura organizacional com-
do investidor no mercado
de artes, fez com que a partilhada pelos colaboradores, na qual posturas contrárias aos valo-
governança corporativa res individuais e coletivos não são aceitas.
ganhasse destaque na
agenda dos gestores das É importante salientar que a liberdade de escolha e de ação é
empresas brasileiras. O
vídeo Ex-banqueiro Edemar um dos princípios da ética (PLATÃO, 2019; NIETZSCHE, 1998; CUNHA,
Cid Ferreira fala sobre a
2007). As empresas são formadas por pessoas que possuem com-
falência do Banco Santos,
publicado pelo canal petências e por conhecimentos, habilidades e atitudes, agindo li-
worldnewsbrasil, mostra
alguns aspectos desse
vremente de acordo com seus valores e crenças pessoais. Segundo
caso. Macedo e Caetano (2017), as competências e os valores do indiví-
Disponível em: https://www.youtube. duo direcionam seu comportamento nos grupos sociais, mas as de-
com/watch?v=v4PwTV2xkig. Acesso
em: 25 jan. 2021. cisões, atitudes e posturas adotadas por ele são influenciadas por

34 Ética e responsabilidade social


fatores externos, como o ambiente no qual está inserido. De modo
semelhante, as empresas também sofrem pressões e influências ex-
ternas, que podem surgir de mudanças no mercado, nas legislações
ou na sociedade.

Nesse contexto complexo, em que os valores e crenças pessoais e


empresariais se relacionam, o conceito da ética empresarial se faz
necessário. Mesmo que a empresa atue em um mercado no qual a
concorrência é forte e muitas vezes desleal, são seus valores e sua
postura em relação às leis e aos hábitos sociais que guiarão as atitu-
des e ações de seus indivíduos (MATTAR, 2004). Por outro lado, para
Srour (2019), as decisões éticas e morais dos indivíduos não serão
implantadas pela empresa se não seguirem os valores e a cultura
organizacional.

Passos (2011) destaca que a empresa que atua de maneira ética


gera confiança e credibilidade em colaboradores e no mercado, o que
traz vantagens competitivas. Mas a adoção de uma postura ética não
deve ser feita por conveniência ou por questões de mercado ou de ima-
gem, e sim por uma questão de princípios.

2.2 Missão, visão e valores corporativos


Vídeo O planejamento estratégico de uma empresa, de acordo com Tavares
(2010), tem o papel de definir os objetivos de longo prazo da organização.
Para desenvolver as atividades necessárias para atingir seus objetivos,
a empresa utiliza seus recursos humanos, financeiros e de conhecimento
e interage com fatores internos, que podem ser classificados como pontos
fortes a serem utilizados ou pontos fracos a serem corrigidos, e fatores ex-
ternos, que podem incluir oportunidades a serem exploradas ou ameaças
contra as quais a empresa precisa se defender.

Dentro do processo do planejamento estratégico de uma empresa,


um dos primeiros momentos é a definição das diretrizes organizacio-
nais, que são traduzidas na descrição de sua missão, sua visão e seus
valores (FISCHMANN; ALMEIDA; 2007). A missão pode ser entendida
como a razão de existência da empresa, ou seja, para que ela foi criada.
A visão, por sua vez, mostra aonde a empresa pretende chegar, onde
ela se vê em determinado momento no futuro. Já os valores represen-
tam os padrões éticos que guiarão as decisões, as ações, as posturas e
os comportamentos da empresa e de seus colaboradores.

Código de Ética nas organizações 35


2.2.1 Missão
Maximiano (2017) afirma que a missão pode ser entendida como a
utilidade que os produtos e serviços da empresa entregam para seus
clientes. É a missão que mostra qual motivação, desejo ou necessidade
o cliente busca atender ao fazer negócios com a empresa. Mas a mis-
são não está relacionada apenas ao motivo de existência da organiza-
ção para seus clientes: ela deve levar em consideração também quais
os objetivos e as necessidades de seus investidores ou fundadores ao
tomarem a decisão de empreender. Para Rossi e Luce (2002), a missão
deve esclarecer o que a organização é ou o que ela faz e com quem
ela se relaciona e mostrar como ela pretende realizar essa atividade.
Empresas que atuam em um mesmo mercado e fazem parte de uma
mesma cadeia de suprimentos podem ter diferentes missões. Como
exemplo, uma indústria de produtos alimentícios tem a missão de pro-
duzir alimentos, enquanto um supermercado tem a missão de comer-
cializar os produtos da indústria.

Para ilustrar como a missão pode variar mesmo em empresas con-


correntes e mostrar a relação entre os conceitos de missão, visão e
valores, serão usadas como exemplo as diretrizes estratégicas de duas
empresas que atuam no mercado de vestuário no Brasil: o Grupo
Guararapes, que é proprietário da rede de lojas Riachuelo, e a empresa
Inbrands, proprietária de marcas de vestuário como Ellus, Richards, VR,
Salinas, Bobstore e Alexandre Herchcovitch.

As duas empresas foram escolhidas por atuarem no mesmo mer-


cado, mas com proposições de valor e de posicionamento diferentes.
Enquanto o Grupo Guararapes atua no mercado de vestuário popular,
a Inbrands atua no mercado de vestuário de luxo. Ao se comparar a
missão de ambas, esse posicionamento fica mais claro:

Fonte: Guararapes, 2018; Inbrands, 2012.

36 Ética e responsabilidade social


A comparação entre as duas declarações de missão é clara quan-
to ao posicionamento que cada empresa adota no mercado. A missão
do Grupo Guararapes destaca o acesso de cada vez mais pessoas à
moda, possibilitando que mesmo pessoas com baixo poder aquisitivo
possam comprar vestimentas com desenho e qualidade. Já a missão da
Inbrands destaca a beleza das roupas e a experiência do consumidor
ao entrar em suas lojas.

A análise desses dois exemplos corrobora a afirmação de Maximiano


(2017), para quem a missão delimita e deixa claro o propósito central
que motivou a criação da empresa e para que ela existe. A clareza e a
simplicidade com que a missão é descrita são fatores fundamentais
para que tanto o público interno, formado pelos colaboradores da
empresa, quanto o público externo, formado por parceiros, clientes,
concorrentes, Governo e sociedade, possam entender a função e o di-
recionamento da empresa, o que gera confiança e credibilidade.

Scorsolini-Comin (2012) destaca que nos últimos anos algumas ideo-


logias e discursos se tornaram comuns a quase todas as declarações de
missão, como a ideia de passar uma imagem de preocupação ecológica
e politicamente correta. O autor destaca que essas ideologias, quando
não fazem parte realmente do posicionamento estratégico da empre-
sa, tornam-se falsas e comunicam um desalinhamento entre a teoria
e a prática empresarial que é percebida pelos públicos internos e ex-
ternos. Missão, visão e valores precisam estar alinhados com a prática
cotidiana da empresa.

2.2.2 Visão
Se a missão informa para que a empresa existe, a visão mostra
aonde ela quer chegar em algum momento do futuro. A visão explicita
quais oportunidades e quais posicionamentos no mercado a empre-
sa pretende ocupar e orienta o caminho a ser percorrido (TAVARES,
2010). Como a visão representa um objetivo a ser alcançado, ele é mais
facilmente mensurável e serve de base para a definição de objetivos
específicos e metas para cada uma das áreas da empresa no desenvol-
vimento do planejamento estratégico de longo prazo e nos planos de
ação de médio e curto prazos.

Código de Ética nas organizações 37


Retornando ao exemplo do Grupo Guararapes e da Inbrands, ve-
jamos como a visão de cada empresa está relacionada a uma posição
que deseja ocupar em um determinado segmento do mercado:

Fonte: Guararapes, 2018; Inbrands, 2012.

Fica evidente, na visão de ambas, o desejo de serem empresas líde-


res em seu segmento específico de atuação. Liderar, nesse contexto,
não significa ser a maior empresa em termos de faturamento ou nú-
mero de lojas, mas ser a empresa que determina os parâmetros e os
padrões a serem seguidos pelas demais empresas concorrentes.

Na visão do Grupo Guararapes, está explicita a preocupação da em-


presa em atuar em um mercado de vestuário de baixo valor, em que
muitos concorrentes atuam de maneira informal, sem cumprir todas
as exigências legais e tributárias, o que pode trazer diferenciais com-
petitivos de preço. Assim, seu objetivo de ser líder está relacionado
à formalização do mercado. Já na visão da Inbrands, a liderança está
relacionada à inovação, à criação de novas tecnologias de produção,
distribuição e comercialização que possam aumentar a rentabilidade
da empresa. A visão também amplia a atuação da empresa para além
do mercado de moda, incluindo a preocupação com o lifestyle (estilo de
vida), em consonância com a missão que destacava a experiência e os
serviços como diferenciadores da atuação da empresa em relação aos
concorrentes.

A visão da empresa precisa ser ao mesmo tempo desafiadora, para


motivar os colaboradores a buscar os objetivos desejados, e factível.
Uma visão muito exagerada ou inalcançável pode fazer com que os
objetivos não sejam levados a sério e a visão se descole da realidade
das operações da empresa. Vasconcellos Filho e Pagnoncelli (2001) afir-
mam que a visão reflete as expectativas dos dirigentes da empresa,
mas deve ser alinhada à realidade do mercado e da posição atual da
empresa, para ser passível de ser realizada.

38 Ética e responsabilidade social


2.2.3 Valores
Missão e visão mostram o que a empresa faz e aonde pretende che-
gar no futuro. Já os valores são a base ética e moral sobre a qual a em-
presa desenvolve sua cultura e realiza as atividades e ações cotidianas
de sua operação. Os valores são os princípios éticos e a prática moral
que orientam a tomada de decisão dos gestores e a atuação dos cola-
boradores (BETHLEM, 2004; TAVARES, 2010; MAXIMIANO, 2017).

Vejamos os valores das empresas Grupo Guararapes e Inbrands:

Fonte: Guararapes, 2018; Inbrands, 2012.


Código de Ética nas organizações 39
Saiba mais Percebe-se que o Grupo Guararapes usa um modelo mais formal ao
No link a seguir você apenas listar os princípios éticos e valores morais que estão na base de
pode ver mais exemplos
de missão, visão e valores sua cultura empresarial. Apesar de ser o tipo de descrição de valores
de grandes empresas, mais comumente utilizado pelas empresas, esse modelo pode não ser
como Microsoft, Apple,
Samsung e Walmart. tão claro e deixar margem para interpretações equivocadas por parte
Disponível em: https://ikmob. dos públicos externos e internos. O termo meritocracia pode ter dife-
com/10-exemplos-de-missao- rentes interpretações de acordo com quem o analisa. Um colaborador
visao-e-valores-para-se-inspirar/.
Acesso em: 21 jan. 2021. pode interpretar a meritocracia como o reconhecimento dos resulta-
dos obtidos pelos funcionários em relação a suas metas. Já uma or-
ganização externa que defenda a inclusão social de uma determinada
minoria pode ter um conceito de meritocracia mais ligado ao contexto
social das diferenças de acesso à educação e oportunidades.

Já a Inbrands usa um modelo de descrição de valores mais explícito,


em que cada valor é explicado e exemplificado dentro da atuação da
empresa. Esse modelo diminui as diferenças de interpretação, aumen-
tando a clareza da comunicação. A descrição do valor Gente deixa claro
o tipo de profissional que a empresa deseja atrair e quais posturas e
comportamentos espera dele.

Conhecer e entender os valores da empresa é fundamental para


que o colaborador possa analisar o alinhamento entre seus valores
pessoais e os da organização. Quanto maior o alinhamento, maior o
envolvimento e comprometimento do colaborador com a missão e a
visão da empresa. Os valores orientam os comportamentos e as de-
cisões dos indivíduos, mas Bethlem (2004) destaca que os valores e
princípios éticos dos colaboradores também precisam ser levados em
conta ao se determinar os valores organizacionais. O alinhamento dos
valores da empresa e dos indivíduos é refletido na cultura organiza-
cional e na forma como as pessoas interagem internamente e com o
ambiente externo à empresa.

Estabelecer uma lista ou hierarquia de valores significa analisar e


comparar princípios éticos e estabelecer o que é importante e será co-
locado em prática nas operações cotidianas. Os valores mostram quais
comportamentos individuais são desejados, incentivados e premiados
e quais serão considerados inadequados (ZANELLI; SILVA, 2008). Assim,
ao determinar o que se espera do indivíduo, os valores direcionam a
criação da cultura organizacional, as histórias que representam o que
se valoriza na empresa, os mitos que exemplificam como a empresa
atua e os rituais, as cerimônias e os símbolos que devem ser respei-

40 Ética e responsabilidade social


tados e seguidos. Os valores, nesse contexto, unem os colaboradores,
que se sentem parte de um grupo social coeso e forte.

Rossi e Luce (2002) afirmam que existe um encadeamento e uma rela-


ção intrínseca entre os conceitos de missão, visão e valores. Os valores são
a base e orientam os comportamentos dos indivíduos e da organização.
A missão da empresa só pode ser definida com base nos valores. A visão,
por usa vez, mostra o caminho que a empresa pretende trilhar para reali-
zar sua missão, tendo como base os valores que deve seguir.

2.3 Cultura organizacional


Vídeo O termo cultura, em seu contexto mais amplo, está relacionado às
interações que ocorrem nos grupos sociais e na sociedade como um
todo. Para Muzzio e Costa (2012), a cultura pode ser entendida como
os padrões de relacionamento criados com base na interação das pes-
soas que compõem um grupo social e que se traduzem em artefatos,
objetos, comportamentos e conhecimentos compartilhados pelos indi-
víduos que fazem parte desse grupo. Não pretendemos, neste capítu-
lo, aprofundar a discussão sobre o conceito de cultura nesse contexto
mais amplo, mas em um contexto mais estrito; portanto, apresentare-
mos e discutiremos o conceito de cultura organizacional.

A cultura organizacional representa uma visão funcionalista da cul-


tura, pois tem como objetivo orientar como os membros de um grupo
social específico – os colaboradores de uma empresa – compartilham
histórias, símbolos e conhecimentos e determinar os comportamentos,
as ações e as atitudes aceitos dentro do grupo social. Na visão mais
tradicional da administração, a empresa é vista como um conjunto
composto de diversos tipos de recursos, como equipamentos, conhe-
cimento e recursos financeiros, estruturais e humanos (CHIAVENATO,
2005). Mas esse conceito não consegue traduzir toda a complexa rede
de relações e estruturas sociais que são construídas entre os membros
de uma organização e entre ela e o ambiente que a cerca.

A cultura organizacional é formada com base nos valores compar-


tilhados pelos indivíduos que a compõem e influencia a determina-
ção da missão e da visão da organização. Para McCormack, Johnson
e Walker (2003), os resultados obtidos pela empresa e a motivação de
seus colaboradores estão intrinsecamente ligados a uma cultura bem
estabelecida e clara para todos os envolvidos, que é explicitada nas

Código de Ética nas organizações 41


diretrizes estratégicas descritas na missão, na visão e nos valores da
organização (WILLAERT et al., 2007).

A cultura organizacional se desenvolve constantemente, seja pela


necessidade de se adaptar a mudanças ocorridas na sociedade, na
economia, na cultura, na política, na demografia e no ambiente tecno-
lógico externo, seja pela entrada de novos membros no grupo, trazen-
do conhecimentos, atitudes, posturas e comportamentos que alteram
os relacionamentos e as estruturas vigentes e por ela são alterados
(ANTÓNIO, 2003; SANTOS et al., 2014).

A cultura de uma organização e os comportamentos dos colabora-


dores em relação às situações que ocorrem na execução das atividades
e dos processos estão intimamente ligados. Os comportamentos são
uma manifestação das crenças e dos valores da empresa e dos indi-
víduos. Para Robbins (2005), a cultura de uma organização é formada
por algumas características básicas que são valorizadas pela empresa
e representam a essência das crenças e dos valores que norteiam sua
atuação. A figura a seguir apresenta essas características.
Figura 1
Características da cultura organizacional

Griboedov/Haehae Design/Shutterstock
Inovação Orientação Orientação
Atenção a
e tomada para os para as
detalhes
de riscos resultados pessoas
Forma como a empresa Relacionada à forma Os processos não As ações da
e seus colaboradores como os processos são tão importantes, gestão levam
se comprometem são descritos e como desde que o resultado em consideração
com a busca constante os indicadores são seja alcançado. as motivações e
pela inovação e por medidos. necessidades individuais.
conhecimentos.

Orientação
para as Agressividade Estabilidade
equipes
O trabalho em equipe e o Relaciona-se com a A empresa busca
resultado compartilhado postura da empresa manter a estrutura
são mais importantes que diante do mercado e e o status quo
os indivíduos. dos competidores. estabelecido.

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Robbins, 2005.

42 Ética e responsabilidade social


Segundo o autor, a cultura de uma empresa difere das demais pela
importância dada a cada uma dessas características. Mesmo que to-
das possam estar presentes na cultura de uma empresa ao mesmo
tempo, o peso e a importância de cada uma diferem de acordo com as
relações, os valores e os sentimentos compartilhados. Assim, uma em-
presa pode ter uma cultura que valoriza mais a estabilidade, com uma
gestão orientada para as pessoas, enquanto outra é mais voltada para
os resultados, buscando de maneira agressiva dominar o mercado, as-
sumindo os riscos de ser a primeira a inovar, mesmo que isso traga
menos estabilidade para os indivíduos.

Como a cultura de uma organização representa os valores compar-


tilhados pelos seus membros, ela representa a personalidade, o perfil
da empresa. Os indivíduos que não se enquadrem ou não se adaptem
à cultura dominante normalmente acabam por se desligar da empresa,
seja por iniciativa própria (por não se sentirem à vontade e motivados
a compartilhar os valores), seja por iniciativa da empresa.

Caxito (2019) lista alguns aspectos importantes da cultura organiza-


cional. O primeiro deles está relacionado à comunicação e envolve a for-
ma como os indivíduos interagem, a linguagem utilizada, a formalidade e
os ritos que são observados nas relações, assim como as rotinas de tra-
balho e os processos realizados. A empresa pode ter uma comunicação
mais formal, como acontece em bancos, ou mais coloquial e informal,
como em uma agência de publicidade ou uma empresa de tecnologia.

O segundo aspecto são as normas ou regras que orientam as re-


lações e precisam ser seguidas pelos indivíduos. Essas normas não
servem apenas para o ambiente profissional, como a postura a ser ado-
tada em uma reunião ou a forma como uma informação precisa ser
registrada, mas também para os momentos de lazer e interação social,
como intervalos e eventos sociais oficiais da empresa.

Outro aspecto central da cultura organizacional são os valores do-


minantes, que normalmente estão expressos nas diretrizes estraté-
gicas da empresa. Porém, é possível que alguns valores oficializados
não sejam seguidos no cotidiano. Muitas empresas listam entre seus
valores a importância das pessoas, mas no cotidiano nem sempre as
ações tomadas pelos líderes refletem esse valor formal.

Os valores dominantes se relacionam com a filosofia administra-


tiva, outro aspecto central da cultura organizacional, que pode ser en-

Código de Ética nas organizações 43


Leitura
tendida como a forma como a empresa toma decisões e implementa
Diversas empresas de-
ações, processos e políticas, como essas decisões são encaminhadas e
senvolvem culturas fortes
e são reconhecidas no tratadas dentro da organização e quais as funções e responsabilidades
mercado pelo compro-
de cada funcionário.
metimento e pela adesão
de seus colaboradores Por fim, um aspecto fundamental da cultura organizacional é o cli-
à cultura organizacional.
Entre elas, destaca-se ma organizacional. Apesar de estarem intimamente ligados, cultura e
a Ambev. A cultura da clima organizacional são conceitos diferentes. O clima organizacional
empresa é muitas vezes
criticada, e outras vezes está relacionado aos sentimentos dos indivíduos em relação à empresa
elogiada. O texto A cultura e ao seu trabalho. Enquanto a cultura organizacional é estável e leva
da Ambev não é o inferno
que alguns acham. Nem o tempo para ser alterada, o clima organizacional pode oscilar rapida-
paraíso que outros dese- mente. A mudança de uma política ou de uma norma, a contratação de
jam mostra a experiência
pessoal do autor ao um novo líder, uma alteração na forma de remuneração ou de premia-
trabalhar na empresa por ção e a ocorrência de um conflito podem afetar rapidamente o clima
mais de uma década.
organizacional da empresa, mesmo que não tragam mudanças signifi-
CAXITO, F. A. Linkedin, 25
maio 2017. Disponível em: cativas na cultura organizacional.
https://www.linkedin.com/
pulse/s%C3%A9rie-acelere- O alinhamento entre a cultura organizacional e as diretrizes estra-
sua-carreira-cultura-da-ambev- tégicas – missão, visão e valores – possibilita que os colaboradores
n%C3%A3o-%C3%A9-o-inferno-
caxito/?trk=mp-reader-card. enxerguem o propósito da organização e se alinhem a ele, criando
Acesso em: 20 dez. 2020. um forte sentimento de pertencimento, motivação e lealdade, que
diminui a rotatividade dos funcionários e viabiliza que a empresa re-
tenha talentos e reconheça as competências e os conhecimentos de
seus colaboradores.

2.4 Código de Ética empresarial


Vídeo As diretrizes estratégicas apresentam, para os públicos internos e
externos da empresa, os valores que estão na base da cultura organi-
zacional. Porém, colocar em prática esses valores em cada um dos mo-
mentos e interações nas diversas atividades que ocorrem na empresa
não é tarefa simples. A pressão por resultados, a necessidade de tomar
decisões urgentes e os interesses individuais podem levar alguns co-
laboradores a agir de modo diferente daquilo que se espera e que a
empresa acredita e formaliza em seus valores (SINGH et al., 2018).

Assim, é necessário que as condutas e os comportamentos espe-


rados estejam mais claramente descritos. Esse é o papel do Código de
Ética empresarial, um documento em que estão descritos, de maneira
clara e direta, os limites éticos e morais que a empresa exige de seus

44 Ética e responsabilidade social


colaboradores na execução de suas atividades e responsabilidades e
os direitos e deveres dos colaboradores, além das formas de controle
e cobrança e as possíveis sanções e punições a que os colaboradores
estão sujeitos caso não sigam os padrões éticos definidos (SÁNCHEZ;
DOMINGUEZ; ACEITUNO, 2015).

Para orientar a ação de seus colaboradores, a empresa estabelece


normas e regras de conduta que podem estar descritas formalmente
em um Código de Ética ou podem estar implícitas na descrição do posi-
cionamento estratégico da empresa, apresentadas em sua missão, sua
visão e seus valores (DENNY, 2001).

Para Sánchez, Dominguez e Aceituno (2015), o Código de Ética tem o


papel de: nortear os comportamentos e as condutas; definir as normas
e os procedimentos específicos da atuação profissional, como ques-
tões de confidencialidade de informações e o relacionamento entre os
membros da equipe; e transmitir os princípios e valores para cada uma
das situações que podem acontecer durante a execução do trabalho e
que podem gerar dúvidas éticas e morais. Ele tanto elenca as normas
internas quanto determina como devem ser as relações dos colabora-
dores e da instituição com os elementos externos, tais como fornece-
dores e clientes, empresas parcerias, concorrentes, o ambiente social
externo, o Governo e o meio ambiente (SINGH et al., 2018).

Esse documento tem a função de identificar tarefas, atividades, fun-


ções, responsabilidades e propósitos que a empresa pretende realizar
para alcançar seus objetivos em sua atuação na sociedade. Também
informa a filosofia, os princípios éticos e os valores morais em que a
empresa acredita e que coloca em prática. O texto precisa evidenciar
os comportamentos que ela considera serem obrigatórios na atuação
de seus colaboradores, os que considera desejáveis e os que são proi-
bidos ou passíveis de punição. As formas de controle, os processos e
os métodos de gestão das questões éticas precisam estar nítidos para
que colaboradores e gestores saibam como se comportar no cotidiano
das atividades. O código precisa também ser coercitivo, ou seja, con-
ter premiações, reconhecimentos, sanções, punições e procedimentos
que serão adotados não só para premiar os comportamentos corretos,
mas também para punir os que não seguem os padrões estabelecidos.
O documento também precisa proteger os colaboradores contra injus-
tiças, bem como a reputação e a imagem da empresa (CERES, 2017).

Código de Ética nas organizações 45


A preocupação das empresas em desenvolver um Código de Ética
tem crescido nos últimos anos em razão da mudança de atitude da so-
ciedade em relação aos impactos que posturas antiéticas por parte das
organizações podem trazer para a comunidade e para o meio ambien-
te. Casos de corrupção, em que o patrimônio e o dinheiro público são
desviados de sua destinação correta, ou impactos ambientais causados
por operações ilegais ou em desacordo com os padrões estabelecidos
na legislação são noticiados e repercutem rapidamente nas mídias e
redes sociais, prejudicando os resultados da empresa ou diminuindo o
valor da marca e a fidelidade dos consumidores (STEVENS et al., 2005;
STEVENS; BUECHLER, 2013).

Um exemplo simples de um padrão ético que pode estar descrito


em um Código de Ética é a definição de como deve ser a relação entre
um colaborador que atue na área de compras da empresa e os forne-
cedores. É comum, nessa área, que as empresas fornecedoras ofere-
çam brindes ou presentes aos profissionais de compras, em especial
em datas comemorativas. Dependendo do valor desses presentes,
o comprador pode ser influenciado ou se sentir coagido ao celebrar
contratos de fornecimentos com o fornecedor, com a possibilidade
de gerar prejuízos aos interesses da empresa. Assim, é comum que
os Códigos de Ética definam tipos ou valores máximos de brindes que
podem ser aceitos pelos colaboradores, ou mesmo estabeleçam que
nenhum tipo de presente pode ser aceito. Outro exemplo de situação
que pode estar prevista no documento de uma empresa são as ações a
serem tomadas pela área de recursos humanos no caso de denúncias
de assédio por parte de líderes e gestores.

Para que os objetivos da implantação de um Código de Ética sejam


alcançados, é necessário que o documento reflita os valores e a cultu-
ra da empresa. De acordo com Sims e Brinkman (2003), o desalinha-
mento entre esses pilares e a comunicação ineficaz do código pode
diminuir ou até mesmo anular os benefícios trazidos pela implantação
dele. Para os autores, o documento é complementado pelas normas
internas da organização, que relacionam os limites éticos e morais a
cada uma das atividades e relacionamentos cotidianos realizados pe-
los colaboradores.

Além de trazer maior alinhamento de ações, posturas e comporta-


mentos dos colaboradores em relação aos valores da empresa, fortale-
cendo o desenvolvimento de uma cultura baseada em princípios éticos,

46 Ética e responsabilidade social


o Código de Ética a ajuda a projetar uma imagem positiva externamen-
te, em especial para seus fornecedores e clientes.

No manual do Consorcio Ecuatoriano para la Responsabilidad So-


cial (CERES, 2017), são apontadas como benefícios internos trazidos
pela implantação de um Código de Ética a justiça e a imparcialidade
com que as ações e posturas adotadas pelos indivíduos são tratadas,
independentemente do cargo ocupado. Como as condutas e diretri-
zes estão claras e explícitas, os colaboradores sabem como lidar com
problemas e situações que envolvam fornecedores, clientes e demais
grupos, usando como referência as soluções que foram adotadas no
passado e que foram normatizadas pelo código. Assim, o documento
aumenta a lealdade, a motivação e a cooperação entre os colaborado-
res. Como resultado do maior comprometimento da equipe, pode tra-
zer maior lucratividade e reduzir os custos que possam surgir por meio
de problemas legais, sociais, trabalhistas ou ambientais, protegendo os
interesses econômicos e a reputação da empresa.

Como benefícios externos, o Código de Ética ajuda a prevenir con-


flitos com fornecedores, parceiros, clientes, Governo e grupos sociais e
gera aumento da confiança da sociedade e dos investidores em relação
à forma como a empresa realiza seus negócios. Ao melhorar a ima-
gem da empresa com a sociedade como um todo, pode ajudar a em-
presa a atrair novos clientes, estabelecer novas parcerias e chamar a
atenção de pessoas qualificadas para atuar como colaboradores. Caso
a empresa seja representativa no setor em que atua, o documento
Saiba mais
pode influenciar outras empresas, incluindo concorrentes, a também
O IBGC disponibiliza
implantar Códigos de Ética, fazendo com que a competição seja mais gratuitamente em seu
justa e correta, diminuindo a corrupção e as práticas ilegais e trazendo site o Código das melhores
práticas de governança
benefícios para a sociedade (CERES, 2017). corporativa, documento
que já está em sua quinta
Segundo Souza et al. (2011), apesar de já existirem há décadas, os edição e apresenta reco-
Códigos de Ética ganharam um grande impulso nas organizações a par- mendações e orientações
sobre as boas práticas
tir da promulgação da lei norte-americana Sarbanes-Oxley, no ano de utilizadas pelas empresas
2003, reflexo do caso da empresa Enron Corporation. No Brasil, a lei no desenvolvimento de
Códigos de Ética. O docu-
americana influenciou o desenvolvimento do Código do Instituto Bra- mento pode ser baixado
sileiro de Governança Corporativa (IBGC), que recomenda que as em- no link a seguir.

presas desenvolvam e divulguem seu Código de Ética para os públicos Disponível em: https://
conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/
internos e externos.
Publicacao.aspx?PubId=21138.
Stevens et al. (2005) apontam que os executivos e gestores de Acesso em: 20 jan. 2021.

empresas são mais propensos a realizar negócios e estabelecer par-

Código de Ética nas organizações 47


cerias com empresas que tenham Códigos de Ética formalizados e
cujos princípios são colocados em prática. Em um momento em que
casos de corrupção de agentes públicos e privados e envolvimento
de empresas em escândalos que trazem grande impacto econômico
e social ganham cotidianamente os noticiários na imprensa, os Có-
digos de Ética se tornam fundamentais para que a empresa atinja
seus objetivos.

2.5 Desafios éticos e morais nas organizações


Vídeo A atuação das organizações traz impactos ao ambiente econômico,
tecnológico, político, legal e social, assim como ao meio ambiente. Es-
sas interações da empresa com o ambiente externo geram uma série
de desafios éticos e morais. Sá (2020) afirma que é aumentada a pres-
são da sociedade para que as organizações atuem dentro de padrões
éticos e morais que garantam que os cidadãos e o consumidor não
sejam prejudicados.

Para Nalini (2014), as empresas atentas às mudanças pelas quais


a sociedade tem passado perceberam que os indivíduos exigem uma
postura ética das empresas, seja na relação destas com seus clientes,
fornecedores e empregados, seja com outras empresas e, em espe-
cial, com o Governo. De acordo com o autor, mais do que aumentar
a percepção de valor de seus produtos e serviços, as empresas éticas
conseguem estabelecer um relacionamento afetivo com seus clientes.
Já dentro da empresa, as relações de poder e os relacionamentos pes-
soais também podem gerar questões e dilemas éticos que precisam
ser gerenciados.

Entre os diversos desafios éticos que se colocam para as organiza-


ções, alguns se mostram mais urgentes e atuais. Podem ser citados a
corrupção, a forma como a empresa gerencia os dados e as informa-
ções sobre suas operações e seus clientes e o assédio moral e sexual.

No Brasil, a questão da corrupção e das relações das organizações


privadas com o poder público passou a ser foco de preocupação quan-
to à atuação ética das empresas, especialmente após os desdobra-
mentos da Operação Lava Jato, a partir do ano de 2014. As empresas
passaram a se preocupar com a lisura e a transparência de seus ne-
gócios e de suas relações com o poder público. A legislação brasileira
responsabiliza as pessoas jurídicas pelos atos ilegais ou ilícitos realiza-

48 Ética e responsabilidade social


dos pelos seus colaboradores e que tragam benefícios à organização,
mesmo que não sejam comprovados o conhecimento e a autorização
da empresa.

Segundo Petian (2018), a Lei n. 12.846/2013, que dispõe sobre a res-


ponsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica, determina que,
na aplicação de multas ou sanções à empresa por parte da Justiça, seja
levada em consideração a existência de normas, mecanismos e proces-
sos internos de auditoria e Códigos de Ética. Para o autor, as mudanças
na legislação brasileira em relação à responsabilidade das empresas e
os resultados da Operação Lava Jato popularizaram a adoção de Códi-
gos de Ética tanto entre as grandes empresas quanto entre empresas
de médio porte.

Outro importante desafio ético que se coloca para as empresas sur-


ge por meio da popularização de sistemas de informação, das tecno-
logias de comunicação e das redes sociais. A presença cada vez mais
acentuada das tecnologias de comunicação e da informação e o uso
da internet na realização das atividades profissionais trouxe grandes
ganhos de produtividade e de integração com empresas parceiras e
clientes. Porém, diversos aspectos éticos e morais precisam ser levados
em consideração na forma como a empresa lida com os dados e as
informações que coleta, organiza e gera.

A empresa pode capturar dados sobre as interações de diversas


fontes diferentes. Além dos dados que são coletados com a autoriza-
ção de parceiros, clientes e colaboradores, como informações sobre as
negociações, documentos legais, notas fiscais e outros, a empresa tam-
bém pode capturar dados e informações provenientes de vídeos, câ-
meras de segurança, atendimentos telefônicos e mensagens trocadas
por aplicativos de comunicação. A empresa tem acesso a uma infinida-
de de informações sobre os hábitos e comportamentos dos indivíduos,
postadas em redes sociais, sites e outras ferramentas sociais. Há um
grande debate sobre até que ponto essas informações podem ser usa-
das pelas empresas para gerar ações e campanhas de marketing, ofe-
recer novos produtos ou antecipar desejos e necessidades dos clientes,
já que os dados possibilitam não apenas identificar os clientes como
também traçar um perfil de consumo que pode ser usado para plane-
jar estratégias de marketing, desenvolver novos produtos e criar propa-
gandas mais efetivas e que influenciem a decisão de consumo (LISBOA;
VILHENA, 2020).

Código de Ética nas organizações 49


Livro Também é possível coletar uma infinidade de informações sobre as
atividades realizadas pelos seus colaboradores, usando: ferramentas
de rastreio de automóveis; celulares; e controles sobre os acessos e
programas utilizados nos computadores, nos equipamentos e nas co-
municações profissionais e pessoais realizadas durante o horário de
trabalho. Pela rapidez com que as tecnologias e novas ferramentas
para analisar dados e informações são desenvolvidas, muitas empre-
sas não estão preparadas para lidar com todas as possibilidades e to-
dos os aspectos jurídicos e éticos dessas informações. Dependendo da
O livro Proteção de dados:
desafios e soluções na forma como são coletados e tratados, os dados podem gerar prejuízos
adequação à lei, organi- ou danos aos indivíduos. Um exemplo é a possibilidade de empresas
zado por um dos mais
renomados advogados que coletam dados sigilosos dos clientes comercializarem essas infor-
brasileiros, Renato Opice mações com outras empresas.
Blum, apresenta a Lei Ge-
ral de Proteção de Dados Os governos e os órgãos de regulação têm desenvolvido normas,
e discute em profundida-
de seus impactos sobre padrões e legislações para orientar o uso de dados pessoais. No Brasil,
as atividades e ações das a Lei n. 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados
empresas brasileiras,
aspectos relacionados (LGPD), foi desenvolvida e promulgada com esse objetivo. Segundo
à implantação da lei e Lisboa e Vilhena (2020, p. 84), essa lei:
resultados esperados
pelas empresas. impõe novas obrigações para a empresa perante o cliente ou
BLUM, R. O. Rio de Janeiro: Forense, consumidor quanto ao tratamento de dados pessoais. A LGPD
2020. estabelece restrições ao uso de dados pessoais, reconhece di-
reitos do titular da informação pessoal, indica boas práticas para
garantir a proteção dos dados e prevê sanções para os agentes
de tratamento de dados que violem a segurança de informações
de seus clientes.

A LGPD elenca uma série de princípios e regras que devem ser se-
guidos pelas empresas na coleta, no tratamento e na utilização dos
dados e indica boas práticas que, se adotadas, podem garantir a priva-
cidade das informações de clientes e consumidores.

Outro desafio ético relevante para as empresas é como garantir que


as relações pessoais e profissionais que ocorrem entre os colabora-
dores sigam os padrões éticos e morais da organização. Temas como
assédio moral e sexual são centrais nas discussões sobre os limites en-
tre a gestão, o bom relacionamento e o abuso de poder (GUIMARÃES;
RIMOLI, 2006).

O assédio moral pode ser definido, segundo Nascimento e Silva


(2011), como a imposição ou exposição do colaborador a atividades,
comportamentos, atitudes ou situações que sejam indesejáveis ou que

50 Ética e responsabilidade social


sejam considerados vexatórios por ele, seja durante a execução de Saiba mais
suas atividades, seja em outros momentos e locais relacionados a seu A Lei Geral de Proteção
de Dados, em seu pará-
trabalho. Já o assédio sexual está relacionado ao uso do poder ou da grafo inicial, deixa claro
posição hierárquica para forçar o colaborador a situações de contexto seu objetivo. Segundo o
texto, a lei: “dispõe sobre
sexual, com o objetivo de constranger, humilhar ou ofender a vítima e o tratamento de dados
obter favores ou gratificação sexual sem consentimento ou autorização pessoais, inclusive nos
meios digitais, por pessoa
(NASCIMENTO; SILVA, 2011). natural ou por pessoa
jurídica de direito público
A forma como a empresa é organizada hierarquicamente propicia ou privado, com o objeti-
que ocorram questões de abuso do poder por parte de líderes ou ges- vo de proteger os direitos
fundamentais de liberda-
tores mal preparados, que se sentem acima das normas e regras da de e de privacidade e o
organização ou que se sentem protegidos pela posição ocupada e por livre desenvolvimento da
personalidade da pessoa
estruturas historicamente estabelecidas na sociedade, e pode levar a natural” (BRASIL, 2018).
atitudes antiéticas e imorais, como o racismo, o machismo e preconcei- A lei brasileira está em
sintonia com as mais
tos relacionados a gênero e sexualidade. modernas legislações
desenvolvidas em outros
Segundo Flach (2007), o assédio moral ou sexual, se não identifi- países, que buscam
cado e tratado da maneira adequada, pode dar origem a posturas e garantir os direitos do
cidadão em relação ao
comportamentos repetitivos e invasivos, com a tendência de se tor- sigilo e à proteção de
nar cada vez mais graves. O autor cita dados do Governo Federal suas informações pes-
soais que circulam nos
mostrando que os principais alvos de comportamentos de assédio meios digitais. Você pode
moral e sexual no ambiente de trabalho são mulheres, pessoas ne- acessar o texto completo
da lei no link a seguir.
gras, pessoas com deficiência e homossexuais. O assédio pode ser
Disponível em: http://www.
perpetrado por meio de: ameaças de punições ou demissão; sobre-
planalto.gov.br/ccivil_03/_
carga de tarefas ou responsabilidades; negação de informações e ato2015-2018/2018/lei/l13709.
htm. Acesso em: 20 jan. 2021.
desvios de funções; calúnia, em que o agressor divulga boatos sobre
a vítima; e desmoralização.

Segundo Guimarães e Rimoli (2006), o assédio pode ocorrer de três


diferentes formas na organização. A forma mais comum é o assédio
praticado por superiores hierárquicos, pela própria posição de poder
ocupada pelo assediador em relação às vítimas. O assédio moral nessa
situação muitas vezes ocorre com o objetivo de manter a subordinação
e a submissão aos desejos e comportamentos do líder.

É possível também ocorrer a situação inversa, na qual o superior é


assediado pelos subordinados. Em geral, esse tipo de situação ocorre
com novos líderes, sejam eles contratados externamente, sejam pro-
movidos para a posição de gestão. Geralmente, esse tipo de assédio
é realizado de maneira conjunta por um grupo de subordinados que
tenta pressionar o novo líder a se adequar à situação por eles desejada.

Código de Ética nas organizações 51


O último tipo de assédio apontado pelas autoras ocorre entre
colaboradores de mesmo nível hierárquico e normalmente está re-
lacionado a problemas de relacionamento pessoal ou profissional an-
teriormente estabelecidos.

Independentemente do tipo de desafio ético que a empresa precisa


enfrentar, o Código de Ética é uma ferramenta fundamental para que
parâmetros, padrões e normas de atuação estejam alinhados com os
princípios éticos e os valores morais da empresa. Mas para que o do-
cumento seja colocado em prática, são necessárias outras ferramentas
que verifiquem, acompanhem e gerenciem as ações e os comporta-
mentos dos colaboradores. Entre essas ferramentas, podem ser cita-
das as auditorias, os conselhos de gestão e o compliance.

2.6 Compliance
Vídeo O termo compliance, em sua tradução literal, significa cumprir uma
determinada regra, agir de acordo com as normas e leis, obedecer
ao que é estabelecido como norma ou padrão. Em seu sentido mais
conhecido, relacionado à gestão empresarial, é entendido como um
programa que engloba diversas estruturas e processos que a empresa
desenvolve para cumprir todas as normas internas e as legislações que
regem a sua atuação em relação ao ambiente externo – seja ele so-
cial, legal, político ou tecnológico – e ao meio ambiente (BITTENCOURT,
2015; LEAL; RITT, 2014; DAL POSSO et al., 2014). Nesse contexto empre-
sarial, o termo mais utilizado é programa de compliance, exatamente
para refletir a diversidade de estruturas e ações envolvidas.

Do ponto de vista das relações externas que a empresa estabelece


com o mercado, os programas de compliance têm por objetivo garantir
que todas as operações e ações da empresa sigam tanto as legislações
que regem e organizam a atividade exercida pela empresa quanto os
valores morais do grupo social ou da cultura na qual a empresa atua.
Já do ponto de vista das relações internas que se estabelecem entre
os indivíduos e as estruturas da empresa, esses programas apresen-
tam uma ligação direta com os Códigos de Ética, os princípios éticos,
os valores, a missão e a visão da empresa. Enquanto esses elementos
determinam os comportamentos esperados e estabelecem as normas
e regras a serem seguidas, os programas de compliance têm o papel de
garantir que eles sejam colocados em prática no cotidiano das opera-
ções da empresa (BITTENCOURT, 2015; CAPANEMA, 2014).
52 Ética e responsabilidade social
Com o objetivo de orientar as empresas que desejam ou necessi-
tem implantar programas de compliance, diversas instituições e organi-
zações desenvolveram modelos e práticas a serem usadas como guia
na formulação e estruturação desses programas. A Security Exchange
Comission (SEC), órgão americano que regula e controla o mercado de
capitais, desenvolveu o guia Foreign Corruption Practices Act (FCPA – Lei
de Práticas de Corrupção Estrangeira). Já a Organisation for Economic
Co-operation and Development (OECD) desenvolveu em 2010 o docu-
mento Good practice guidance on internal controls, ethics, and compliance
(Orientação de boas práticas sobre controles internos, ética e confor-
midade), que sugere 12 boas práticas que devem ser levadas em con-
sideração pelas empresas que buscam estruturar seus programas de
compliance (CASTRO; AMARAL; GUERREIRO, 2019; OECD, 2010).

As boas práticas de compliance sugeridas pela OECD (2010) podem


ser observadas na figura a seguir.
Figura 2
Boas práticas sobre controles internos, ética e conformidade

Artos/Shutterstock
1 Apoio e compromisso da alta administração com os controles internos
e Códigos de Ética.

2 Política corporativa articulada e visível que proíbe o suborno.

3 Conformidade com controles internos e com a ética é dever dos


indivíduos em todos os níveis da empresa.

4 Autonomia de gestão e recursos para órgãos de monitoramento


independentes, como auditoria interna e comitês de conselhos de
administração ou de conselhos fiscais.

5
Código de Ética que defina e oriente a postura quanto a: presentes;
hospitalidade e entretenimento; despesas; viagens de clientes;
contribuições políticas, doações e patrocínios; pagamento de subornos,
facilitações ou extorsões.

Código de Ética nas organizações 53


Artos/Shutterstock
6
Código de Ética que defina e oriente a postura quanto a terceiros,
como agentes, fornecedores e prestadores de serviço, com
ações de due diligence e contratos que estabeleçam as normas
da empresa com o compliance e garantam o compromisso dos
terceiros com os programas.

7 Sistema de procedimentos e controles financeiros e contábeis para


garantir que recursos não possam ser usados ​​para fins de suborno ou
para ocultar tal suborno.

8 Comunicação periódica e treinamento documentado no programa de


ética e conformidade da empresa em relação a suborno.

9 Medidas apropriadas para encorajar e fornecer suporte positivo para


a observância da ética e programas de conformidade ou medidas
contra suborno em todos os níveis da empresa.

10 Procedimentos disciplinares adequados para tratar de violações das leis


contra o suborno e do programa de ética e conformidade da empresa.

Medidas eficazes para:

11
i) fornecer orientação e aconselhamento no cumprimento do programa de
ética e conformidade da empresa, incluindo aconselhamento urgente em
situações difíceis;
ii) relatórios internos confidenciais e proteção de funcionários dispostos
a relatar violações da lei ou dos padrões profissionais ou de ética que
ocorram dentro da empresa;
iii) tomar as medidas adequadas em resposta a tais relatórios.

12 Revisões periódicas dos programas ou medidas de ética e


conformidade, destinadas a avaliar e melhorar sua eficácia na
prevenção e detecção de suborno.

Fonte: Elaborada pelo autor com base em OECD, 2010.

54 Ética e responsabilidade social


A legislação brasileira, em especial a Lei n. 12.846/2013, conhecida Saiba mais
como Lei Anticorrupção, incentiva e orienta as empresas sobre a impor- O texto da Lei Anticor-
rupção dispõe sobre a
tância de estabelecer mecanismos e programas internos que tenham responsabilização tanto
como objetivo tanto fiscalizar a adequação das atividades, das posturas administrativa quanto civil
de pessoas jurídicas que
e dos comportamentos dos colaboradores e da empresa em relação realizem atos que preju-
aos códigos internos e às leis quanto incentivar a denúncia e estabele- diquem a administração
pública, em especial
cer processos investigativos de irregularidades e de ações antiéticas ou aqueles que envolvam
ilegais praticadas pelos colaboradores, com ou sem consentimento da ações de corrupção. O
estabelecimento de pro-
empresa. Em seu artigo 7º, inciso VIII, a lei incentiva que as empresas gramas de compliance é
elaborem e constantemente aperfeiçoem seu Códigos de Ética (BRASIL, um dos pontos-chave da
lei, que também estabele-
2013; CAPANEMA, 2014). ceu inovações importan-
tes, como a possibilidade
Tanto as leis de outros países quanto a Lei Anticorrupção brasileira de a empresa celebrar
são ferramentas fundamentais para orientar as empresas sobre como acordos de leniência e
a criação do Cadastro
deve ser sua atuação de acordo com padrões éticos e valores morais. Nacional de Empresas
Por meio da adoção de Códigos de Ética e do estabelecimento de pro- Punidas (CNEP). Você
pode acessar o texto
gramas de compliance, as empresas podem não apenas diminuir os ris- completo da lei no link a
cos legais e éticos a que estão expostas como também construir uma seguir.

sólida reputação de agir de acordo com os parâmetros legais e os prin- Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_
cípios éticos que regem as relações em nossa sociedade. ato2011-2014/2013/lei/l12846.
htm. Acesso em 31 dez. 2020.
Se a lei define as punições e sanções a que as empresas e os indiví-
duos estão sujeitos, os Códigos de Ética definem os parâmetros éticos
que a empresa decide seguir, com base em seus valores e princípios
(LEAL; RITT; 2014; TRAPP, 2015). À medida que as empresas passam
a implementar instrumentos como Códigos de Ética, programas de
compliance, códigos de conduta e canais e processos de investigação de
denúncia, o comportamento ético passa a ser cada vez mais presente
na cultura das organizações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma sociedade em que as informações sobre cada passo da atua-
ção das organizações estão disponíveis para a avaliação da opinião pú-
blica, as empresas precisam atuar de modo a garantir que as ações, as
posturas, as decisões e os comportamentos de seus colaboradores refli-
tam os mais rigorosos padrões éticos e valores morais.
A definição de diretrizes estratégicas – missão, visão e valores – que
reflitam esses princípios éticos possibilitam que a empresa adote Códigos
de Ética e estabeleça programas de compliance que a ajudarão a lidar com

Código de Ética nas organizações 55


os desafios éticos que surgirem no cotidiano de suas operações e na sua
relação com o ambiente externo.
Não basta obter resultados financeiros; a empresa precisa atingir seus
objetivos respeitando as leis, sem prejudicar ou trazer impactos negativos
para o meio ambiente e a sociedade.

ATIVIDADES
1. Explique a diferença entre os conceitos de missão, visão e valores.

2. Discorra sobre os conceitos de clima organizacional e cultura


organizacional, mostrando as diferença entre eles.

3. Quais são as funções do Código de Ética?

REFERÊNCIAS
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58 Ética e responsabilidade social


3
Responsabilidade social
nas organizações
Empresa, Estado e sociedade civil são termos comuns no
­nosso cotidiano. Temos um entendimento bastante simples ­sobre
seu significado e, para compreender seu sentido completo, é
­necessário adotar uma visão interdisciplinar com um aprofunda-
mento teórico/filosófico.
Conceitualmente, há uma clara separação entre os campos de
atuação dos poderes público e privado, mas atualmente tem havi-
do uma crescente influência da sociedade civil sobre a atuação do
Estado e das empresas. A sociedade civil é importante por ser o elo
entre esses dois elementos e expressa seus interesses por meio
do senso crítico e do racionalismo, o que amplia sua participação
influenciadora nos espaços de atuação das empresas, impactando
seus objetivos.
As empresas originalmente buscavam atuar conforme objetivos
internos de lucro para acumulação de riqueza dos seus proprietá-
rios e cumprimento das exigências legais perante o governo. Com
o aumento da participação da sociedade como influenciadora na
atuação do Estado e das empresas, há uma ampliação de objetivos
nas empresas, para além do lucro, voltados ao bem da sociedade
e à proteção ambiental.
Assim, as empresas passam a gerar benefícios para a sociedade
em uma relação de ganha-ganha, com benefícios mútuos.
O conteúdo apresentado neste capítulo tem o objetivo de
apresentar os conceitos relacionados à interação e às ­influências
reciprocas entre o poder público (Estado), o poder privado (em-
presas) e sociedade civil. Serão discutidos também os conceitos de
responsabilidade social empresarial e responsabilidade ambiental.

Responsabilidade social nas organizações 59


3.1 A empresa
Vídeo Conceituar empresa parece ser simples, mas é necessário enfatizar
que sua definição e interpretação oferecem sentidos variados. Dessa
forma, é arriscado caracterizá-la apenas sob uma única perspectiva.

Para compreender o conceito de empresa levando em conta que se


combinam aspectos abordados em diferentes áreas do ­conhecimento –
como economia, direito, teoria da organização, entre outras –, p
­ ode-se
utilizar a descrição do dicionário Michaelis (2021):
1. Sociedade organizada para a exploração de indústria ou comér-
cio; com a finalidade de obter um rendimento monetário através
da produção de bens ou de serviços: Empresa industrial. Empre-
sa mercantil. Empresa de alimentos em conserva. Empresa de
transportes.
2. JUR Organização do capital e do trabalho, empenhada em ativi-
dade econômica; firma.
3. O conjunto das pessoas que administram ou dirigem uma
associação.
4. Aquilo que se empreende ou se leva a cabo a fim de atingir um
objetivo.

Crepaldi (2012) descreve que empresa é uma associação de pessoas


com a finalidade de explorar um empreendimento com o objetivo, na
maior parte dos casos, de obtenção de lucros.

Sob o enfoque econômico, Lamy Filho (1992 apud ­HONÓRIO;


­TUDISCO, 2017) enfatiza que a palavra empresa passou a ser utilizada
a partir da Revolução Industrial, apesar de a atividade comercial existir
desde os primórdios do surgimento da sociedade humana, e ganhou
força em cidades na Idade Média, com o surgimento dos agentes co-
merciais, armadores e tantos outros que, com a relevância da função
que exerciam, passaram a criar suas próprias leis e instituições.

Um exemplo da criação dessas instituições é a Companhia das


­Índias Ocidentais, descrita por Albuquerque (2010) como uma estru-
tura híbrida, de direito público e privado. Essa instituição não foi criada
com o objetivo único de exploração comercial, mas como instrumento
da política exterior da Holanda para apoderar-se de colônias que per-
tenciam a Portugal e à Espanha nas Américas e na África Ocidental.

60 Ética e Responsabilidade Social


A companhia era uma mescla de corporação medieval monopolista
e sociedade por ações, que atuava com interesses políticos do governo
holandês ao mesmo tempo que visava ao interesse por ganhos finan-
ceiros dos seus acionistas.

Pela forma de participação de investidores, é considerada um


exemplo importante, sendo precursora das sociedades anônimas, com
competências de direito público e comercial, importante por ser um
vínculo entre o governo e a iniciativa privada com interesses comuns e
na estrutura de capital e por seu campo de atuação em diversos países
e regiões. Também pode ser considerada uma antecessora das empre-
sas transnacionais.

S Sepp/Wikimedia Commons
Artigo
O artigo A Companhia
das Índias Ocidentais:
uma sociedade anônima?,
de Roberto Chacon de
Albuquerque, publicado
na Revista Faculdade
de Direito da USP em
2010, analisa a natureza
jurídica dessa instituição,
que chegou a conquistar
West India House (localizada em Amsterdã), que foi sede da Companhia Holandesa das Índias temporariamente parte
Ocidentais de 1623 a 1647. do Nordeste do Brasil no
século XVII. A compa-
Um ponto interessante nesse exemplo é que essa organização foi nhia é pioneira de uma
constituída envolvendo aspectos políticos de Estado e interesses eco- relação entre o interesse
público e o privado, além
nômicos e financeiros dos investidores, além de sociais (benefícios para de ilustrar aspectos de-
a população trazidos pela colonização com a anexação dos territórios). senvolvidos com base na
forma de organização dos
Essa junção de interesses também demonstra a importância da uti- investidores por meio de
ações, considerando seus
lização de uma conceituação interdisciplinar, que combina a ciência do
direitos e obrigações.
Direito como forma de se definir de maneira jurídica e ordenar essas
Disponível em: https://www.
relações, mesclando os aspectos econômicos, comerciais, organizacio- revistas.usp.br/rfdusp/article/
view/67891/70499. Acesso em: 15
nais, políticos, sociais e outros – sobressaindo-se a perspectiva econô-
fev. 2021.
mica como forma de justificar a razão de sua criação.

Responsabilidade social nas organizações 61


Cavalli (2013) define empresa como um indivíduo racional, que res-
ponde aos sinais de preços de mercado em função do ganho marginal
que será obtido na aquisição de mais uma unidade de consumo. Essa
definição indica que empresa é uma função de produção, caracteriza-
da como uma organização dos fatores de produção e constituída pelo
empresário para comercializar um produto com o objetivo de obter ga-
nhos a título de lucro.

Para compreender melhor as relações que envolvem a atuação do


Estado na empresa e na sociedade, é importante realizar um estudo
histórico e multidisciplinar.

Segundo Racy, Moura Jr. e Scarano (2005), em meados da década


de 1930, em um mercado tendendo a uma concentração de capital e
criação de grandes conglomerados, ganhou espaço a visão da empre-
sa de que o papel dos gestores era determinante para a formação de
preços e para a decisão sobre as quantidades produzidas. Com isso,
inverteu-se a perspectiva do conceito de empresa da microeconomia
­neoclássica, na qual o empresário era um tomador de preços (origina-
dos pela combinação eficiente dos fatores de produção, visando ma-
ximizar o lucro), para protagonizar um papel de formador de preços.

Surgiram empresas formadoras de preço que ofereciam produtos


diferenciados e permitiam maior liberdade na definição dos preços.
Desse modo, a diferenciação percebida e a importância conferida pelos
clientes eram os fatores determinantes na definição de preços por par-
te das empresas (OXENFELDT 1961 apud AMARAL; GUERREIRO, 2018).

Souza (2004) aponta que o conceito de empresa evolui continua-


mente e que, ao se empregar o termo apenas com um significado,
– jurídico ou econômico –, acaba-se desconsiderando os aspectos so-
ciológicos, políticos, antropológicos, entre outros.

Assim, o sentido a ser dado à empresa é ampliado, ­considerando-a


como instituição central da sociedade, com denominações distintas
para identificá-la: privada ou nacionalizada; pequena ou grande; atuali-
zada ou em declínio tecnológico; local ou multinacional.

Como as empresas envolvem a vida das pessoas, dos territórios e


das cidades, ela se altera como expressão do Estado, tornando-se uma
espécie similar e até substituta no seu próprio poder de regular a ques-
tão do emprego.

62 Ética e Responsabilidade Social


3.2 O Estado e a sociedade civil
Vídeo O Estado dirige-se à empresa de modo a solicitar colaboração para
vencer dificuldades conjunturais, objetivando criar empregos e aumen-
tar a produtividade por meio de uma parceria com os poderes públi-
cos. Essas ações são materializadas, por exemplo, com a transição do
forte intervencionismo de Estado para um processo presente nas pri-
vatizações, com novos conceitos e novos procedimentos nas empresas,
acompanhados pela constante atualização por parte do Direito.

Para que se possa compreender o modo como Estado (poder polí-


tico) e economia (poder econômico) se relacionam, utiliza-se a premis-
sa de estudo referente ao período iniciado em 1930, citado por Ianni
(1986 apud RIBEIRO, 2018), tendo em vista esse contexto histórico, no
qual ocorreram profundas alterações no Estado brasileiro.

Com a extinção do Estado oligárquico, ocorreu uma ruptura com a


estrutura de poder econômico então vigente, que foi substituído pela
crescente influência hegemônica do setor industrial no sistema econô-
mico brasileiro. Nesse novo momento, o desenvolvimento econômico
do país passou a envolver capital, força de trabalho, tecnologia e divi-
são do trabalho como forças produtivas principais, que necessitavam
da ação pública, por meio da qual o Estado se tornou o principal agente
de modernização e desenvolvimento da economia.

Diniz (1978 apud POCHMANN, 2017) aponta que o Estado brasilei-


ro assume o núcleo dinâmico do sistema em transição como principal
agente para modernizar e desenvolver a economia brasileira, e o poder
público passa a atuar no sentido de atender às exigências essenciais
estabelecidas pela estrutura capitalista vigente no país. Um exemplo
da atuação do Estado brasileiro a partir de 1930 é a disciplina imposta
pelo estabelecimento formal dos limites básicos de funcionamento do
mercado da força de trabalho.

Após o golpe de Estado contra Getúlio Vargas, em 29 de outubro de


1945, as novas forças políticas realizaram a transição para os princípios
liberais, com condições propícias à captação de capitais estrangeiros;
extinguiam-se órgãos estatais associados ao intervencionismo de Es-
tado e que se alinhavam ao movimento de aproximação e aprofunda-
mento das relações econômicas com os EUA. Esse quadro político se
manteve até 1950, quando eclodiu a Guerra da Coreia, que provocou

Responsabilidade social nas organizações 63


alterações nas importações, motivadas pela preocupação com adversi-
Vídeo dades similares às que ocorreram na Segunda Guerra Mundial.
O vídeo Governo Vargas –
Fase Democrática – 1951 a
Nesse contexto de incerteza econômica, de acordo com Paula
1954 discute de maneira (2018), Getúlio Vargas retorna ao poder, enfrentando pontos de estran-
resumida o contexto do
governo Vargas na fase
gulamento na economia, notadamente por insuficiência de energia,
democrática. São abor- falta de uma infraestrutura de transportes, insuficiência na oferta de
dados acontecimentos
relacionados a movi-
alguns gêneros alimentícios para as populações urbanas e necessidade
mentos populistas que de importação de máquinas e equipamentos para continuar o proces-
pregavam a centralização
da economia pelo Estado,
so de industrialização.
apoiando a volta de um
Estado intervencionista,
A característica marcante do governo Vargas foi a forte atuação in-
em oposição à política tervencionista do Estado como promotor e agente básico de desen-
liberalista defendida pelo
partido político União
volvimento econômico, com ações populistas. Um exemplo é a criação
Democrática Nacional da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), em 1953, com a célebre frase
(UDN), que em 1945
havia destituído Vargas
“O petróleo é nosso!” dita pelo então presidente, slogan que marcou
do poder por meio da re- a Campanha do Petróleo, a qual defendia o papel da Petrobras como
volução. O vídeo também
mostra como foi o fim
empresa pública detentora do monopólio de todo o processo de explo-
desse governo e o aten- ração, refino, distribuição e transporte do petróleo.
tado ao jornalista Carlos

Correio do Brasil/Governo do Brasil/Wikimedia Commons


Lacerda, que culminou
com o suicídio do então
presidente, em 1954.

Disponível em: https://


www.youtube.com/
watch?reload=9&v=_lI3txclCDk.
Acesso em: 16 fev. 2021.

Selo postal emitido pelo Correio do Brasil em homenagem aos cinco anos da Lei n. 2004, de 3 de
outubro de 1953, que criou a Petrobras.

Angarita, Sica e Donaggio (2013) afirmam que, conforme os mercados


globais se concretizaram, as ações interventoras do governo foram per-
dendo força e efetividade. O Estado tem sua importância reposicionada,

64 Ética e Responsabilidade Social


como participante de um novo cenário, no qual o centro de poder passou
a ser formado pela mescla de estruturas empresariais, junções de siste-
mas financeiros e criação dos grandes blocos comerciais regionais. Os
autores também destacam o Estado e a empresa com atuações inter-re-
lacionadas e até complementares, de maneira que ambos entremeiam a
sociedade, entrelaçando suas atividades, atuando, em determinadas oca-
siões, como definidores das estratégias e ações a serem implantadas e,
em outras, como executor de decisões definidas.

O exercício do poder estatal tem como fator limitante o conjunto de


normas definidas pelo próprio Estado: Constituição Federal e Estadual,
leis complementares, leis orgânicas, leis ordinárias, regulamentos etc.
Angarita, Sica e Donaggio (2013) explicam que, da mesma forma que o
Estado tem sua normatização, que esclarece sua atuação, sua organi-
zação e seus limites, a empresa também tem, de modo similar, um con-
junto de normas composto por seu estatuto, seu Código de Ética e sua
cultura, que definem como a gestão da empresa deve ser conduzida.

Um exemplo recente de omissão do Estado na relação com as em-


presas ocorreu nos EUA na chamada crise dos subprimes, iniciada em
2000, com ocultação dos riscos envolvidos em operações do mercado,
tomando uma dimensão mundial em 2008 pela omissão do Estado em
regular o mercado financeiro e de capitais, que só foi corrigida com
uma injeção de muitos bilhões de dólares pelos EUA e por outros Esta-
dos para evitar uma crise sistêmica global de proporções catastróficas
(ANGARITA; SICA; DONAGGIO, 2013).

De modo inverso, no mercado de capitais brasileiro ocorre a con-


cessão de recursos a custos subsidiados pelo governo, o que provocou
diminuição da competição, desestimulando a criação de novas empre-
sas nos setores daquelas que foram beneficiadas e criando uma bar-
reira a investidores que poderiam impulsionar um maior progresso e
desenvolvimento desses setores.

É difícil encontrar um equilíbrio entre a atuação da instituição Esta-


do e a instituição empresa, pois ambas formam um complexo entre-
laçamento de atividades no qual o excesso de atuação de uma inibe a
atuação da outra. Daí se deduz a divergência e a complementaridade
entre esses centros de poder.

É importante também entender as relações entre Estado e socie-


dade civil. O filósofo alemão George W. F. Hegel, conhecido por seus

Responsabilidade social nas organizações 65


estudos da relação entre família, Estado e sociedade civil, em sua obra
Filosofia do direito (1821), é citado por Arato e Cohen (1994) na definição
de sociedade civil.

Hegel é um dos autores que discute os conceitos de sociedade civil,


e para isso leva em consideração os direitos dos indivíduos conscien-
tes e ativos, com valores éticos e morais. O autor demonstra os funda-
mentos da sociedade civil como mediadora entre a família e o Estado
(ARATO; COHEN, 1994).

Segundo esse ponto de vista, a sociedade civil se restringe à neces-


sidade da burguesia e da sociedade capitalista – considerada com base
na discrepância entre os proprietários e não proprietários dos meios
de produção –, que marca a obra de Marx (LAVALLE, 1999), destacando
as lutas sociais para a reforma das condições existentes na sociedade
e abolição do mercado e do Estado, que visam somente ao bem dos
detentores do poder em oposição ao bem comum – de toda a socie-
dade (esse conceito de sociedade civil ressalta, sobretudo, o momento
estrutural).

Para Bobbio (2017), conceituar sociedade civil é uma tarefa ainda mais
complexa por considerar diversas variáveis – sejam históricas, sociais, cul-
turais, econômicas, de gênero –, modificando inclusive, de acordo com
cada espaço geográfico, sua abrangência e sua finalidade social e política.

Já para o filósofo Antônio Gramsci (NERES, 2013), a sociedade ­civil in-


clui todo um agrupamento de instituições por meio das quais os grupos
dominantes efetivam sua hegemonia e onde se desenvolve a própria
luta pela supremacia. Na visão do autor, toda organização social tem
potencial de ser um partido político, pois pode ser c­ onsiderada como
expressão de um grupo social; uma disputa de interesses e lutas polí-
ticas; uma busca da concordância e equilíbrio na luta pela supremacia.

Gramsci afirma que organizações privadas, que ele chama de apa-


relhos privados de hegemonia, criam e difundem ideologias. Entre essas
organizações, o filósofo cita diversos tipos de instituições, como a es-
trutura educacional, as instituições religiosas, as organizações profis-
sionais de classe, os sindicatos, os partidos políticos e a mídia.

O filósofo também descreve essa sociedade civil como componente


do que intitulou como Estado ampliado, em oposição àquela sociedade
política, universo da classe dominante, que detém o monopólio legal
do poder, da repressão e da violência.

66 Ética e Responsabilidade Social


Habermas (2015) desenvolve o conceito de sociedade civil desvincu-
lado da influência do aparelho burocrático do Estado e da economia.
Ele descreve a sociedade civil como um núcleo institucional compos-
to de associações e organizações independentes, não estatais e não
econômicas, apoiadas nas estruturas de comunicação do setor público,
nos componentes sociais do mundo.

O autor reconhece que, mesmo havendo a necessidade de separar


os círculos de atuação de natureza dos poderes públicos e privados, a
dinâmica das mudanças no mundo acaba por aproximá-los cada vez
mais, desencadeando uma crescente relação entre ambos, na qual as
organizações privadas começam a atuar em tarefas próprias do poder
público (HABERMAS, 2015).

Dessa forma, conforme os diversos grupos de interesse exercem


pressão para converter interesses particulares em “direitos sociais”
com a outorga do Estado (benefício social), ocorre uma crescente ma-
nipulação da esfera pública por parte das empresas.

Nesse contexto, a esfera pública e o Poder Legislativo são responsá-


veis pelos temas e conteúdos por meio dos quais o poder social organi-
zado desloca-se para o processo de legislação e interfere na formação
e na implementação de conteúdos desenvolvidos pelo poder público.
A figura a seguir mostra a visão sobre os tipos de ações sociais desen-
volvidos por esse poder.

Figura 1
Tipos de ação social

Ação social

Ação comunicativa Ação estratégica

Ação orientada para Ação estratégica Ação estratégica


Ação consensual
o entendimento evidente latente

Comunicação
Ação Discurso Manipulação sistematicamente
distorcida

Fonte: Habermas, 1966 apud Gomes, 2014, p. 422.

Responsabilidade social nas organizações 67


Enfatiza-se que esse poder social pode impulsionar ou restringir a
formação do poder comunicativo de massa, mais preocupado com o
jornalismo de conteúdo manipulativo do que com o de conteúdo críti-
co, agregando à atividade política a característica de um campo propí-
cio para criação de políticos com atributos de estrelas da mídia.

Para finalizar, é importante ter em mente que o conceito de


­sociedade civil engloba instituições importantes, inclusive aquelas vo-
luntárias que compõem a base social do poder público independente e
estabelecem condições para se criarem instituições da sociedade civil
que cubram as lacunas de interesse deixadas pela esfera pública – por
exemplo, aquelas que compõem o Terceiro Setor (empresas não gover-
namentais, que têm como objetivo gerar serviços de caráter público).

Reconhecidamente, os círculos de atuação dos poderes públicos e


privados são separados, mas a rapidez das alterações no mundo atual
acaba por aproximá-los, provocando um crescente intercâmbio entre
ambos, no qual interesses privados influenciam no poder público e
vice-versa.

O elo entre Estado e empresas é a sociedade civil, que manifes-


ta seus variados interesses e seu senso crítico e racional, com a am-
pliação de sua participação influenciadora nos espaços institucionais
contemporâneos.

3.3 Conceito de responsabilidade socioambiental


Vídeo O mundo contemporâneo é regido por influências e interesses recí-
procos entre os grandes agentes envolvidos no seu cotidiano: Estado,
empresas e sociedade, que levaram a transformações no sentido de
desenvolvimento. Esse sentido, anteriormente, era de crescimento ou
melhoria em termos quantitativos, e agora passa a adquirir melhorias
em termos qualitativos, com a evolução da participação e da influência
da sociedade civil nas esferas de poder.

Essa nova forma de se compreender o desenvolvimento adquire


um caráter de abrangência geográfica mundial. Rocha e Silva (2012,
p. 2) mencionam essa nova realidade no discurso de Kofi Annan (ex-
-secretário-geral da Organização da Nações Unidas – ONU) no Fórum
Econômico Mundial de 1999: “No passado, as Nações Unidas lidavam
apenas com governos. Mas agora sabemos que a paz e a prosperidade
não podem ser alcançadas sem a parceria de governos, organizações

68 Ética e Responsabilidade Social


internacionais, iniciativa privada e sociedade civil. No mundo de hoje,
dependemos um dos outros”.

A fala de Annan mostra que há o reconhecimento internacional quan-


to à necessidade da criação de parcerias entre Estado, empresários e a
sociedade civil para se atingir uma condição de paz e desenvolvimento.

A prosperidade da sociedade é acompanhada pelo desenvolvimento


econômico e sempre foi um objetivo das nações para melhorar as condi-
ções de vida da sociedade. Quando não combatida e quando não se exe-
cutam ações preventivas, a poluição é um dos resultados indesejados do
processo industrial. Dessa forma, por muito tempo a presença da poluição
foi considerada erroneamente um indicativo de desenvolvimento.

Quando os problemas relacionados à degradação do meio am-


biente se intensificaram e os seus efeitos sobre os seres humanos
aumentaram, a sociedade se conscientizou de que a poluição era um
problema ocasionado por um processo de industrialização que tinha Vídeo
como objetivo o lucro, sem que importassem os impactos negativos No ano de 1992, foi rea-
que a atividade industrial causava ao meio ambiente e à sociedade. lizada no Rio de Janeiro a
Conferência das Nações
Braga et al. (2005) apontam que a degradação ambiental tornou-se Unidas sobre o Meio Am-
biente e Desenvolvimento
mais evidente na década de 1970, o que levou, em 1972, à realização (Cnumad), exatamente
da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, que 20 anos após a realização
da primeira conferên-
resultou na criação do Programa da Nações Unidas para o Meio Am- cia sobre o tema, em
biente (PNUMA) no mesmo ano e, em 1987, na publicação do Relatório Estocolmo (Conferência
das Nações Unidas sobre
Nosso Futuro Comum, conhecido como Relatório Brundtland, que con- o Ambiente Humano). A
sagra o uso do termo desenvolvimento sustentável e estabelece bases conferência Rio-92 mar-
cou uma mudança signi-
para esclarecer o papel das empresas na gestão ambiental. ficativa na forma como
governos, empresas e
Outro marco importante foi a realização, em 1992, no Rio de Janeiro, sociedade passaram a
da 2º Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a qual re- encarar suas responsabi-
lidades com o meio am-
forçou a necessidade de integrar mais a relação entre desenvolvimen- biente. O vídeo A Cúpula
to econômico e meio ambiente, conduziu e conscientizou a sociedade da Terra - Conferência da
ONU sobre Meio Ambiente
sobre a necessidade do fortalecimento dessa relação, de modo que as e Desenvolvimento (1992),
empresas que investissem na proteção do meio ambiente pudessem do canal ONU Brasil,
mostra os principais
se tornar mais competitivas, criando condições de uma universalização pontos da conferência e
de mecanismos compensatórios para empresas que atingissem metas sua importância para o
mundo.
de redução de poluição.
Disponível em: https://www.
O conceito de desenvolvimento sustentável foi ratificado na 2ª Con- youtube.com/watch?v=hraPn_
XFgg8. Acesso em: 16 fev. 2021.
ferência da ONU sobre o meio ambiente (1992) e na Conferência Rio+20
realizada em 2012. O desenvolvimento não deve gerar desigualdades

Responsabilidade social nas organizações 69


sociais, nem contribuir para degradar e destruir o meio ambiente, nem
comprometer o futuro, e deve possuir os aspectos de solidariedade e
sustentabilidade, procurando possibilitar que todos tenham acesso a
bens materiais e serviços.

O objetivo do lucro sempre foi e continua a ser o principal objetivo


das empresas privadas, levando em consideração que as empresas têm
a necessidade de lucro relacionada a questões de viabilidade, sobrevi-
vência, crescimento e competitividade com empresas concorrentes.

Nesse sentido, Pereira e Curi (2012) citam a ampliação dos objeti-


vos das empresas que procuram a expansão da busca pelo lucro para
acrescentar objetivos sociais, pois as empresas buscam a aprovação da
comunidade com uma maior participação social.

O autor destaca que, muitas vezes, esse esforço tem mais um pa-
pel de criação de marca do que de efetiva preocupação ambiental. As
empresas realizam esforços de publicidade e relações públicas com o
objetivo de fortalecer sua marca no mercado e perante os consumido-
res. Muitas perceberam que a sociedade está mais preocupada com
aspectos relacionados ao meio ambiente. Assim, a empresa ser vista
como política, ambiental e socialmente correta pode trazer benefícios.

Podemos observar, ainda, a influência do momento histórico, no


qual ocorrem progressos tecnológicos nas comunicações virtuais que
impulsionam a globalização, expondo mais as empresas, que passam
a ser mais monitoradas. Essa maior exposição resulta em uma maior
participação da sociedade civil, influenciando a própria atuação das
empresas, que passam a se preocupar cada vez mais com práticas que
visem à melhoria da própria imagem.

Esse entendimento é útil para a definição de responsabilidade


­social (RS). Para Ashley et al. (2003), a RS engloba toda ação da empresa
que contribua positivamente e de modo racional em uma comunidade
específica ou de modo geral na sociedade no que tange ao seu papel
específico e à prestação de contas para com ela.

Essa prestação de contas com a sociedade se refere ao fato de se


criar uma relação de causa e efeito: a empresa deve dar uma ­resposta
à sociedade, no sentido de se responsabilizar por atos e decisões que
causem algum impacto nela, em uma relação de compromisso de
­reparar algum dano ou proporcionar algum benefício.

70 Ética e Responsabilidade Social


A sociedade exerce influência nas empresas, e estas passam a assu-
mir responsabilidades sobre o meio ambiente e a sociedade que origi-
nalmente estavam sob a tutela do Estado.

Segundo a ISO 26.000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas


(ABNT, 2010), inicialmente a RS estava associada à filantropia, sendo
realizada por indivíduos e organizações voluntariamente, pois não ha-
via, naquele momento, obrigação dos que a praticavam.

A obrigação era exclusiva do Estado e das suas instituições públicas.


Foi apenas a partir de 1990 que surgiu a visão de RS por meio de novas
políticas, estratégias e ações que contribuíram para fomentar o desen-
volvimento sustentável, o qual aliava questões econômicas ao dever de
contribuir para o desenvolvimento sustentável de uma comunidade ou
da sociedade como um todo, possibilitando melhora na qualidade de
vida das pessoas atingidas por essas ações.

A evolução da atuação da sociedade civil, que se tornou mais partici-


pativa, consciente de sua influência nas relações de poder entre Estado
e empresas, fez com que estes valorizassem as questões ambientais
e sociais em suas ações. Conforme Pereira e Curi (2012) apontam, o
desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às necessidades do
presente sem comprometer o atendimento das necessidades das gera-
ções futuras” (BRUNDTLAND, 1987, p. 29).

Dentro da lógica capitalista, na RS preserva-se o lucro como objetivo


principal das empresas, mas ocorre uma ampliação dos objetivos, qua-
lifica-se a empresa, melhoram-se os processos e a produção, além de
serem proporcionados ganhos de imagem perante seus stakeholders, o
poder público e principalmente a sociedade.
Natalliaskn/Shutterstock

ESTRATÉGIA BENEFÍCIO

Responsabilidade social nas organizações 71


Alves (2009) constata que a lucratividade pode ser atribuída à repu-
tação da marca nos casos em que um consumidor consciente (quanto
a questões socioambientais) decide por uma marca sustentável; essa
escolha faz parte do composto formador do lucro.

Nessa estruturação de mercado, a responsabilidade socioambien-


tal (RSA) provoca uma relação de ganhos para as empresas (tangíveis
pelo lucro e intangíveis pela melhora da imagem) ao mesmo tempo que
propicia benefícios sociais e auxilia na preservação de recursos finitos
do meio ambiente.

Oliveira (2008) aborda a relação entre Estado, empresas e sociedade


estabelecida no ano de 1998 pelo World Business Council for Sustaina-
ble Development (WBCSD), definindo RSA como sendo o compromisso
dos empresários de praticar uma conduta ética e auxiliar simultanea-
mente na melhora da qualidade de vida dos seus colaboradores e das
suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo.

A RSA é explicada por Mancini (2008) como um termo utilizado por


empresas brasileiras com o sentido de apresentar a ética como obriga-
ção e o respeito como conduta nas relações com os seus stakeholders,
ou seja, qual é sua posição em termos de imagem em relação ao meio
social em que estão inseridos.

Com essas transformações, as empresas têm ganhos de imagem e


reputação com os consumidores mais racionais e conscientes, que não
encaram a questão de avaliação do preço para tomar suas decisões de
compra de produtos ou contratação de serviços.

Escolher essa perspectiva socioambiental significa adotar uma visão


e abordagem integrada entre negócios, meio ambiente e sociedade, co-
laborando para identificar as possibilidades de melhorias que reduzam
os impactos das operações sobre o meio ambiente. A RSA demonstra
uma evolução na visão das empresas, que determinou uma mudança
de postura com relação a seus objetivos.

Mancini (2008) aponta que nas empresas não há uma divisão clara
entre aspectos sociais e econômicos, uma vez que efeitos econômicos
geram consequências sociais e, do mesmo modo, efeitos sociais geram
consequências econômicas. O autor também compara uma semelhan-
ça do fenômeno de inter-relacionamento entre sociedade e empresas
com a relação simbiótica entre organismos vivos na natureza, em que
ambos se beneficiam mutuamente.

72 Ética e Responsabilidade Social


Oliveira (2008) alerta que é comum que se encontrem erros na con-
ceituação de RSA. Por exemplo, se uma empresa segue as normas e
leis referentes ao meio ambiente e à sociedade, caso se cumpra apenas
essa ação, ela não pode ser considerada uma empresa comprometida
nos moldes da responsabilidade socioambiental, pois ela estaria atuan-
do como uma pessoa jurídica cumpridora de regras compostas por leis
que lhe são impostas pelo poder público.

O uso do termo ações socioambientais dá ideia da impossibilidade


de separação das dimensões social e ambiental no cotidiano das em-
presas. A consequência é atrelar a responsabilidade social aos aspec-
tos de preservação ambiental por meio de ações que implementem o
progresso de ambas. Preservar o meio ambiente faz parte da RS (traz
benefícios para a sociedade), e implementar ações de interesse social
faz parte do objetivo da preservação do meio ambiente (melhorar a
qualidade de vida). Assim, estabelecem-se as condições de configura-
ção das ações de RSA.

3.4 Responsabilidade social corporativa,


Vídeo empresarial e ambiental
O conceito de responsabilidade social corporativa (RSC) e o de
responsabilidade socioambiental (RSA) são muitas vezes confundi-
dos e mal interpretados. Apesar de estarem intrinsecamente ligados,
apresentam algumas diferenças conceituais. Segundo as normas ISO
26.000 e ISO 14.001 (ABNT, 2010; 2015) o termo responsabilidade social
recebeu diversas denominações que descrevem essencialmente essa
relação de expansão do objetivo lucro com a inclusão de propósitos que
tenham impactos sobre a sociedade e o meio ambiente, mas que pos-
sam ter como intuito impactar algum grupo específico ou seja efetuado
com maior ou menor grau de clareza, intensidade ou de planejamento.
A partir da definição da RSA, é possível definir a RSC.

O ponto em comum é a integração entre negócios, meio ambiente


e sociedade para que a corporação (empresa) colabore de maneira éti-
ca com ações que objetivem reduzir os impactos das suas operações
sobre o meio ambiente e promovam melhorias nas condições de vida.
A diferença é para qual segmento da sociedade essas melhorias estão
direcionadas.

Responsabilidade social nas organizações 73


Enquanto a RSA se refere a atingir todos os segmentos da socieda-
de, a RSC está relacionada com promover melhorias na qualidade de
vida dos seus funcionários (e respectivas famílias), da comunidade local
e da sociedade em geral, excluindo o direcionamento das ações para
outros membros dos grupos interessados ou stakeholders.

É importante enfatizar que o aspecto ambiental também é objeto


de ações, apesar de não estar incluso na denominação que identifica
a RSC, pois ações ambientais afetam a sociedade e questões sociais
podem afetar o meio ambiente, conforme esclarecido anteriormente.

O grande desafio da gestão passa a ser o encontro de um equilíbrio


na implementação de ações que possam gerar elevação nos custos dos
produtos ou serviços que a empresa fornece para a sociedade sem
onerar demais os preços finais oferecidos a seus consumidores.

Apesar desse paradoxo entre o objetivo da busca pelo lucro e a


satisfação de necessidades sociais, Melo Neto e Froes (2004) julgam
que as ações socialmente responsáveis praticadas pelas empresas são
consideradas encadeadoras de fatores motivacionais que aumentam a
produtividade da empresa e influenciam também o ambiente externo,
gerando ganhos que consideram os impactos globais dessas ações.

Assim, podemos questionar e ampliar a análise, considerando até


que ponto é vantajoso para uma empresa praticar a RSC, uma vez que,
na sociedade, grande parte dos consumidores optam por adquirir os
produtos por questões diferentes da abordagem de preocupação so-
cial aqui analisada, pois a decisão de compra de um produto ou con-
tratação de um serviço pode ter as mais diversas motivações, como
qualidade, preços, atendimento, pós-venda, tradicionalidade da marca,
entre várias outras.

A resposta a esse questionamento se altera de acordo com variá-


veis de análise, como o perfil da empresa, a força de relacionamento
empresa-sociedade, o impacto das ações sociais realizadas pelas em-
presas, o setor de atuação, a localização geográfica e os costumes da
sociedade. Cada companhia deve encontrar suas próprias respostas.

Um aspecto encontrado na teoria é a confusão que muitos autores


fazem entre os conceitos de responsabilidade social empresarial (RSE) e
RSC. Encontram-se definições que aparentemente são as mesmas e, por
essa razão, aumentam-se os erros e as dúvidas sobre esses conceitos.

74 Ética e Responsabilidade Social


Segundo Tenório (2015) a diferença entre as duas é que a RSE ex-
pande seu campo de atuação econômico, estendendo os benefícios a
todos os stakeholders, além de à sociedade em geral. Do ponto de vista
social, as ações de RSE têm como objetivo promover o desenvolvimen-
to de uma sociedade mais igualitária e justa. Já quanto ao meio am-
biente, as ações de RSE buscam ir além de garantir que as atividades
da empresa não tragam impactos negativos a ele, essas ações também
têm como objetivo promover a sustentabilidade ambiental e reverter a
degradação do meio ambiente.

Para que uma empresa adquira o status de RSE, é necessário que siga
as orientações da ISO 26000 (ABNT, 2010), uma norma internacional que
fornece orientação e diretrizes e que pode ser entendida como um padrão
a ser seguido pelas empresas para medir e gerenciar os impactos da sua
atuação e das suas estratégias sobre o ambiente, a comunidade, os de-
mais atores econômicos e a sociedade como um todo.

No Brasil, a ISO 26.000 serviu de base para a criação da norma bra- Leitura
sileira ABNT NBR 16.001 (ABNT, 2012). Porém, a ISO 26.000 não é au- A norma ISO 26.000
ditável, e a ABNT NBR 16.001 pode ser validada por meio da realização define as diretrizes sobre
responsabilidade social
de uma auditoria externa. e foi lançada no ano de
2010 pela Organização
As empresas que procuram se adequar a esse modelo também con- Internacional de Nor-
sideram a preservação e o cuidado com o meio ambiente, desempe- malização (International
Organization for Standar-
nhando a gestão ambiental e comprovando as práticas empresariais, dization – ISO), instituição
buscando a certificação pela norma ISO 14.000. global com sede em
Genebra, na Suíça, e
Dessa maneira, as empresas obtêm o respeito das pessoas e das que reúne os órgãos de
padronização e norma-
comunidades alcançadas por suas atividades, o comprometimento dos tização de mais de 160
seus colaboradores e a preferência dos consumidores ao agregar às países. No Brasil, a norma
recebeu o nome de ABNT
suas competências básicas a conduta ética e responsável perante a NBR ISO 26.000. A norma
sociedade. completa e os destaques
dos seus pontos princi-
Jesus, Sarmento e Duarte (2017) propõem características de RSE pais estão disponíveis no
site do Inmetro, órgão
baseadas no pressuposto de que as empresas e a sociedade não são brasileiro responsável
entidades independentes, mas sim interligadas e que geram expectati- pelas normatizações, e
pode ser acessada no link
vas na sociedade, de modo que a RSE se vê influenciada pelas ações e a seguir.
crenças dos indivíduos que constituem as empresas. Disponível em: http://www.
inmetro.gov.br/qualidade/
Também é importante elucidar a diferença entre RSA e RSE. Tenório
responsabilidade_social/iso26000.
(2015) aponta que a RSA se destaca pela clareza e pelo planejamento asp. Acesso em: 16 fev. 2021.
específico das suas ações para beneficiar a sociedade e o meio ambien-

Responsabilidade social nas organizações 75


te, sendo a maneira mais atual de a empresa ser reconhecida como
socialmente responsável.

Conforme apontam Barbosa e Lopes (2018), o conceito de desenvol-


vimento sustentável originou a ideia de “sustentabilidade empresarial”
introduzida por John Elkington no início da década de 1990 e que abor-
da a questão de sustentabilidade com a criação de princípios baseados
na ideia do Triple Bottom Line, que propõe a necessidade de ter um
conhecimento dos reais impactos sociais, econômicos e ambientais.

Barbosa e Lopes (2018) afirmam a importância de a empresa gerar


valores de maneira clara para todos os stakeholders de uma organiza-
ção, pois trata-se da base para o desenvolvimento da estratégia e, por-
tanto, determina a longevidade da empresa.

Os impactos causados pela atuação da empresa devem ser mapea-


dos e acompanhados no gerenciamento de riscos – considerando o
conceito criado por Elkington – para que a organização continue exis-
tindo em um mundo cheio de incertezas e afetado por variáveis com-
plexas existentes em função de constantes alterações que ocorrem
dentro do conceito de Triple Bottom Line, mostrado na figura a seguir.

Figura 2
Triple Bottom Line

cavidali/Shutterstock
Ambiental
Social

Sustentabilidade
organizacional

Econômica

Fonte: Santos; Silva; Santos, 2018, p. 117.

Uma empresa é sustentável quando se equilibram os aspectos sociais,


ambientais e sociais. Em cada organização a relevância desses aspectos
varia, mas todas devem considerar essas três dimensões em seus obje-
tivos. A sustentabilidade empresarial é baseada na criação de valor para
todas as partes envolvidas na relação descrita no Triple Bottom Line.

76 Ética e Responsabilidade Social


Dentro dessa perspectiva, as empresas passam a integrar a susten-
tabilidade aos modelos de negócios, às estratégias adotadas, às cul-
turas empresariais, às decisões de gestores, aos atos praticados por
todos os funcionários, devendo comunicar todos os stakeholders e a
sociedade em geral. Portanto, para ser sustentável, a empresa neces-
sita apresentar um equilíbrio no tripé formado entre aspectos sociais,
ambientais e econômicos.

Dessa forma, a relação entre os aspectos ambiental e econômico


deve ser viável economicamente, justa ao considerar a relação entre
aspectos econômicos e sociais, e minimamente suportável ao se con-
siderarem os aspectos sociais e ambientais. Quando analisamos a sus-
tentabilidade, devemos entender o que pode ser caracterizado como
“sustentável”. Sachs (2011) específica melhor esses aspectos ao identi-
ficar as cinco dimensões da sustentabilidade:

hafiyya syafa khoiriyah/bearsky23/Shutterstock


Sustentabilidade
Sustentabilidade ecológica
social

Relacionada à necessidade Racionalização do uso dos diversos ecossistemas; limitação do uso de combustíveis
de se construir equidade de fósseis e de recursos esgotáveis ou danosos ao meio ambiente, com substituição
renda e de acesso a bens na destes por produtos renováveis ou que minimizem as agressões ao meio ambiente.
sociedade. Nesse contexto também estão inclusas a busca pela diminuição de poluição e
resíduos; o incentivo à reciclagem e à reutilização, com a definição de limites ao
consumo de materiais; a conservação dos recursos energéticos e o incentivo à
geração de energia por meio de fontes sustentáveis; e a definição de normas e
legislações de proteção ao meio ambiente.
Sustentabilidade
econômica

Ligada à busca da eficiência


em uma dimensão
macrossocial, e não à Sustentabilidade espacial
sustentabilidade apenas da
empresa. Tem como foco a utilização adequada dos espaços geográficos, garantindo um
equilíbrio entre o uso de terras para fins de produção, conservação e ocupação
urbana. Proteção de ecossistemas; planejamento do investimento em produção
agrícola com respeito ao meio ambiente; utilização de técnicas e desenvolvimento
de novas tecnologias para o uso sustentável de florestas; desenvolvimento de novas
alternativas econômicas para a geração de empregos não relacionados à produção
Sustentabilidade agrícola em áreas tradicionalmente rurais por meio do desenvolvimento da mão de
cultural
obra e da demarcação, preservação e gestão das reservas naturais com o objetivo
de proteger os ecossistemas e a biodiversidade.
Valorização das raízes
culturais relacionadas ao
desenvolvimento local e
regional.

Responsabilidade social nas organizações 77


Essas dimensões são importantes para que se possa compreender
como a gestão das empresas toma decisões e as comanda com ações
que vão impactar a sociedade e o meio ambiente.

Como visto anteriormente neste capítulo, para a promoção de ações


de natureza socioambiental, é necessário que a organização adote um
planejamento estratégico que a envolva inteiramente e que esteja ali-
nhado com a RS, que tem como ponto central o compromisso das em-
presas com relação aos impactos dos seus atos e das suas decisões
sobre a sociedade e o meio ambiente.

Barbieri (2011) aponta a necessidade da atenção que as empresas pre-


cisam ter em relação à orientação da gestão para seus objetivos internos
e externos na busca pelos resultados financeiros (lucros) e pela garantia
de viabilidade no longo prazo envolvendo diversas questões para além do
lucro.

Para o autor, a gestão ambiental envolve a administração das ati-


vidades de uma organização com a finalidade de ampliar a eficiência
no uso dos recursos naturais e diminuir os impactos negativos que
afetam a sociedade e o meio ambiente, com o objetivo de aumentar
a competitividade da empresa. Considera-se que as regulamentações
governamentais afetam de maneira igualitária todas as organizações e
pressionam as empresas pela preservação e busca da boa imagem pe-
rante a sociedade e o mercado, minimizando o risco ambiental possível
– exigências impostas por investidores, acionistas, bancos e consumi-
dores. Percebe-se que essa definição correlaciona a questão ambiental.

Tinoco (2006) afirma que os benefícios gerados ao estabelecer uma


estrutura de gestão ambiental, ao engajar todos os membros e áreas
da empresa com a definição de funções, responsabilidades e autori-
dades causam um aumento de motivação nos colaboradores, além de
melhorar a imagem da empresa frente a clientes, mercado e sociedade.

Caldas (2019) aponta que as empresas devem incluir a questão so-


cial e ambiental na sua descrição de missão e visão, o que torna impor-
tantes e prioritárias as práticas socioambientais nas decisões tomadas
pelos gestores e nos atos praticados em toda empresa, de modo que
os gestores tenham definidas suas responsabilidades quanto aos as-
pectos socioambientais, priorizando os fatores sociais (como saúde e
segurança) tanto para os colaboradores quanto para a comunidade em
que atuam e que pode ser impactada pela empresa.

78 Ética e Responsabilidade Social


Nesse aspecto, é importante que se criem instrumentos que favore-
çam a gestão quanto a atos e decisões para acompanhar a aderência
com os conceitos do Triplo Bottom Line.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As interações na relação entre Estado, empresa e sociedade civil
evoluíram para um aumento da participação da sociedade, influencian-
do a atuação do Estado e das empresas para gerar benefícios comuns
a todos, de natureza social e ambiental, objetivando o aumento da qua-
lidade de vida e a evolução da própria sociedade.

As empresas geram benefícios para a sociedade, em uma relação


simbiótica, com ganhos mútuos, gerados pela pressão e imposição fei-
tas pela sociedade civil às empresas e que alteraram a atuação delas e
os seus objetivos.

Com isso, as organizações receberam responsabilidades de caráter


socioambiental, como Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e Res-
ponsabilidade Social Corporativa (RSC).

Assim, as empresas passam a atuar dentro de um comportamento


ético, ao mesmo tempo que promovem melhorias na qualidade de vida
de seus colaboradores e famílias, da comunidade local e da sociedade,
criando estratégias associadas ao seu ambiente de negócios.

São passos importantes na evolução de uma sociedade mais justa,


na qual parte dos ganhos das empresas são revertidos em prol da so-
ciedade e diminuem os impactos das injustiças sociais e dos desequilí-
brios que a atividade humana causa ao planeta.

ATIVIDADES
1. Conceitue responsabilidade social empresarial.

2. Explique a dinâmica da lógica que viabiliza a aplicação dos conceitos


de responsabilidade social e ambiental nas empresas, tendo em
vista que gerar benefícios à sociedade tem impactos no custo/preço
dos produtos e serviços oferecidos pela empresa e trata-se de uma
contradição em termos econômicos.

3. Discorra brevemente sobre o Triple Bottom Line.

Responsabilidade social nas organizações 79


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Responsabilidade social nas organizações 81


4
Sistemas de gestão de
responsabilidade social
Pressionadas pela sociedade e por mudanças legais, as em-
presas têm gradativamente mudado o foco de sua atuação e seus
objetivos. Se a visão mais tradicional era voltada apenas aos as-
pectos econômicos e ao lucro, as empresas modernas estabelecem
objetivos mais amplos, considerando aspectos sociais e ambientais
que, pela sua relevância, tornam-se parte integrante da própria es-
tratégia das empresas na busca de objetivos socioambientais que
vão além do lucro financeiro.
Neste capítulo, será discutida a forma como a gestão das em-
presas se adapta a essas alterações, com a adoção de ferramentas
de gestão social e ambiental que auxiliem no planejamento, no de-
senvolvimento, no controle e nas ações de melhoria contínua em
favorecimento da organização e da própria sociedade.
Será abordada também a adoção de certificações que visam ao
reconhecimento dessas ações praticadas pelas empresas, o que
cria um ciclo virtuoso, no qual a sociedade reconhece os impactos
positivos originados pelas ações e decisões da empresa e esta
investe em melhorar ainda mais seus processos. As certificações
tornaram-se um diferencial para a marca e um elemento de fideli-
zação dos clientes da organização.

4.1 Sistemas de diagnóstico e gestão da


Vídeo responsabilidade social e ambiental
A crescente preocupação da sociedade com os impactos causados pe-
las atividades industriais sobre o meio ambiente levou ao desenvolvimen-
to e aperfeiçoamento de modelos e processos de gerenciamento mais
eficazes, com o objetivo de orientar a atuação das empresas em relação à

82 Ética e Responsabilidade Social


proteção do meio ambiente. As ações de gerenciamento ambiental são a
resposta dada pelas organizações ao desejo da sociedade por uma atua-
ção empresarial mais justa e responsável (BARBIERI, 2017).

A seguir, veremos os principais sistemas de diagnóstico e gestão da


responsabilidade social e ambiental.

4.1.1 Sistema de Gestão Ambiental


Para realizar o gerenciamento ambiental, é necessário que a empre-
sa adote um Sistema de Gestão Ambiental (SGA), que deve ser enten-
dido como o conjunto de práticas administrativas e operacionais que
tem por objetivo solucionar, de maneira reativa, quaisquer problemas
ambientais que se apresentem durante o desenvolvimento das ativida-
des da organização e, também, de maneira preventiva, buscando evitar
que possíveis problemas ambientais futuros ocorram (ALENCASTRO,
2012). As práticas relacionadas ao SGA estão listadas na figura a seguir.

Figura 1
Fases do SGA

Preventiva

• Não modificar a estrutura • Prevenir a poluição, • Integrar a função


de produção. selecionando ambiental ao plane-
• Ações corretivas. matérias-primas jamento estratégico
e desenvolvendo da empresa.
• End of pipe. novos processos
Estratégica
Reativa e/ou produtos.

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Alencastro, 2012, p. 71.

A fase reativa ocorre quando os problemas ambientais retornam à


empresa como resultado de ações já executadas, como em um “cami-
nho fechado de um tubo” (end of pipe). A empresa responde de maneira
reativa, buscando soluções para esses problemas. A fase preventiva
é composta de ações que visam antecipar e evitar a ocorrência de
possíveis problemas ambientais, enquanto a fase estratégica visa à
integração das práticas ambientais e dos objetivos ambientais no pla-
nejamento estratégico da empresa.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 83


As empresas adotam um SGA por diversas razões, como a necessi-
dade de adequação à legislação ambiental ou a conscientização da
importância de ser reconhecida como responsável e valorizar sua ima-
gem corporativa perante os clientes e a sociedade. Cada vez mais, as
organizações entendem que adotar práticas socioambientais pode ser
considerado um diferencial estratégico em relação aos seus concorren-
tes (SALGADO; COLOMBO; FARIAS AIRES, 2018).

Algumas organizações internacionais se destacam por estabelecer


diretrizes e princípios para uma boa gestão ambiental, dentre elas a
International Chamber of Commerce (ICC) e a International Organization
for Standardization (ISO). Segundo a ICC, um SGA pode ser definido como
uma estrutura ou um método que permite à empresa adotar um com-
portamento socioambiental sustentável, tendo como instrumento uma
política ambiental formulada pela própria empresa. Esse sistema deve
ser composto de funções de organização, direção e controle integradas
à estrutura global da empresa, ser coerente com a política ambiental glo-
bal e estar de acordo com normas vigentes (ALENCASTRO, 2012).

Apesar da sua utilização com o objetivo específico voltado para a


gestão das ações da empresa em relação ao meio ambiente, um SGA
possui características semelhantes a qualquer sistema genérico de ges-
tão, como a retroalimentação em ciclos de verificação contínua, basea-
da em mensurações, uso de indicadores de desempenho, auditorias
internas e externas e correções e alterações de processos, usando os
princípios de melhoria contínua, com o intuito de realizar uma gestão
aderente à legislação ambiental e aos objetivos das empresas (SANTOS
SEVERINO et al., 2018).

A Figura 2 ilustra o processo de implantação de um SGA de acordo com


o modelo de gestão PDCA (Plan, Do, Check, Act). O PDCA é usado, nesse
contexto, como ferramenta de gestão que facilita que o objetivo seja al-
cançado, sob o ponto de vista de gestão da qualidade e melhoria contínua.

A adoção do método PDCA é justificado pelas interações muito rápidas


da empresa com a sociedade, com as legislações que regem sua atuação
e com o ambiente econômico formado por fornecedores, clientes, con-
correntes e governo. Braga et al. (2005) descrevem que o sucesso da im-
plantação do SGA depende do comprometimento de todos os níveis da
organização, com destaque para o da alta administração da empresa.

84 Ética e Responsabilidade Social


Figura 2
SGA em conformidade com a norma ISO 14.001

Programa de Gestão
Ambiental conforme a
Norma ISO 14.001 Política
Ambiental

Planejamento
Melhoria •• Aspectos ambientais
contínua •• Requisitos legais
•• Objetivos e metas
•• P
 rograma de Gerenciamento
Revisão do
Ambiental
gerenciamento

Implementação e operação
•• Estrutura e responsabilidades
Checagem e ação corretiva
•• Treinamento, conscientização
•• Monitoramento e medição
e competências
•• N
 ão conformidades e ações
•• Comunicação
corretivas
•• Documentação do SGA
•• Registros
•• Controle operacional
•• Auditoria do SGA
•• C
 ontrole de emergências e
responsabilidades

Fonte: Braga et al., 2005, p. 290.

Um SGA é composto de diversos procedimentos sistematizados,


com o objetivo de integrar as questões ambientais com a administra-
ção geral de uma empresa. Braga (2005) detalha os diversos compo-
nentes de um SGA:
•• a política ambiental fornece um direcionamento global e apre-
senta os princípios de ação para uma organização, com o es-
tabelecimento de metas de desempenho e responsabilidade
ambiental, com base nas quais as ações subsequentes serão
desenvolvidas;
•• o planejamento parte da política ambiental para planifi-
car os requisitos exigidos em termos de objetivos, métodos e
procedimentos;
•• a fase de implementação e operação representa a condução
das ações planejadas para que os objetivos e as metas estabele-
cidas sejam atingidos;

Sistemas de gestão de responsabilidade social 85


Site •• a fase de checagem e ações corretivas são os procedimentos
A implantação de um SGA para acompanhar e medir os principais atributos das operações e
utiliza como base as nor-
mas técnicas que, no Bra-
atividades executadas que possam causar impactos no meio am-
sil, são estabelecidas pela biente e, também, executar processos para eliminar ou controlar
Associação Brasileira de
as causas que originaram os impactos que foram detectados;
Normas Técnicas (ABNT).
A implantação das orien- •• por fim, a revisão do gerenciamento inclui os procedimentos de
tações das normas ABNT
é voluntária, mas, para melhoria contínua e qualidade, que revisam o SGA para verifi-
que seja certificada, a em- car e alterar, se necessário, qualquer descompasso com os obje-
presa precisa comprovar
a aplicação e a aderência
tivos, as políticas ou qualquer outro elemento, tomando-se como
às regras e orienta- base os resultados obtidos na auditoria do sistema.
ções estabelecidas. Os
aspectos que envolvem
as normas técnicas são
descritos no site da ABNT 4.1.2 Sistema de Gestão da Responsabilidade Social
e podem ser acessados
na aba “Normalização”. Da mesma forma que as decisões e as atividades econômicas das
Disponível em: http://www.abnt. organizações geram preocupações a respeito dos impactos sobre o
org.br/. Acesso em: 12 fev. 2020. meio ambiente, esses atos e essas decisões também geram impactos
sobre a sociedade. De modo semelhante ao que ocorre em relação à
questão ambiental, a sociedade civil e o Estado cobram e exigem, por
meio de legislações e normas, que as atividades das empresas sejam
realizadas com base em uma postura ética e responsável, para garantir
que não ocorram impactos negativos sobre a sociedade como um todo.

Essa cobrança por parte da sociedade levou as empresas a aperfei-


çoar o gerenciamento tanto das atividades e ações tomadas pela pró-
pria empresa quanto dos diversos empreendimentos parceiros com os
quais se relaciona em sua cadeia de valor, a fim de controlar os im-
pactos externos de sua atuação. Esse modelo de gestão, voltado para
o planejamento e controle dos impactos sociais causados pela atuação
da empresa, é conhecido como Sistema de Gestão da Responsabili-
dade Social (SGRS) (CULTRI, 2020; ALVES, 2019; ABNT, 2016; SORATTO
et al., 2006).

Dentre as diversas normas que têm por objetivo orientar a ação das
empresas em relação à responsabilidade social, destaca-se a norma
NBR 16.001 – direcionada para práticas empresariais voltadas ao bem-
-estar da sociedade, baseada na norma internacional ISO 26.000.

As duas normas são complementares, pois a norma ISO 26.000


descreve orientações gerais e diretrizes a serem seguidas pelas empre-
sas que busquem atuar de modo socialmente responsável. Já a ABNT
NBR 16.001 descreve, de maneira objetiva, ações e obrigações que po-

86 Ética e Responsabilidade Social


dem ser medidas e comparadas e devem ser comprovadas pelas em-
presas que desejem ser certificadas. A verificação, nesse caso, pode ser
feita por uma terceira parte, a qual executa um processo de auditoria
externa para comprovar e validar o cumprimento dos requisitos, dan-
do a comprovação de estar de acordo com a norma (ANDRADE; BIZZO,
2018). A figura a seguir mostra essas relações.

Figura 3
Estrutura geral da ABNT NBR 16.001:2012

Política da responsabilidade social

•• Monitoramento e medição •• Identificação das partes interessadas


•• Avaliação de atendimento a requisitos •• Temas centrais da RS e suas questões
legais e outros •• Due diligence
•• Não conformidade e ações corretivas •• Identificação de oportunidades de
e preventivas melhoria e inovação
•• Auditoria interna •• Requisitos legais e outros
•• Análise pela alta direção •• Objetivos, metas e programas
•• Recursos, funções, responsabilidade e
autoridades

2. Termos e definições
Medição, análise
Planejamento
1. Escopo

e melhoria

Requisitos de Implementação
documentação e operação

•• Manual do SGRS •• Competência, treinamento e


•• Controle de documentos conscientização
•• Controle de registro •• Engajamento das partes interessadas
•• Comunicação
•• Tratamento de conflitos e desavenças
•• Controle operacional

Anexos: bibliografia, identificação das partes interessadas, engajamento das partes interessadas, comunicação, questões
de RS, oportunidade de melhoria e inovação, monitoramento e medição.

Fonte: ABNT, 2016, p. 31.

Sete princípios-base relacionados à responsabilidade social que de-


vem nortear as ações das organizações são indicados na cartilha inti-
tulada Compreendendo a Responsabilidade Social: ISO 26000 e ABNT NBR
16.001 (ABNT, 2016, p. 13-15):

Sistemas de gestão de responsabilidade social 87


1 2
Accountability ou
Transparência

Haehae Design/Shutterstock
responsabilização

Aceitar e assumir a Prover, às partes interessadas,


responsabilidade pelas informações claras, objetivas,
consequências de ações e compreensíveis e acessíveis sobre
decisões, prestar contas às partes dados e fatos que possam afetá-las.
interessadas (Princípio 4, abaixo) Essas informações devem oferecer uma
por seus impactos na sociedade, base para que as partes interessadas
na economia e no meio ambiente, possam avaliar precisamente o impacto
bem como esclarecer as medidas que as decisões e atividades da
tomadas para evitar a repetição de organização têm em seus respectivos
impactos negativos. interesses.

3 4
Respeito pelos
Comportamento ético interesses das partes
interessadas

Agir de modo correto, Respeitar, considerar e responder aos interesses das partes
com base nos valores da interessadas. Parte interessada (também usado o termo em
honestidade – perante inglês stakeholder) pode ser qualquer indivíduo ou grupo
pessoas, animais e meio que tenha interesse em qualquer decisão ou atividade de
ambiente –, e que seja uma organização. Há vários tipos de stakeholders, inclusive
consistente com as aqueles que não têm consciência, mas que podem ter
normas internacionais de seus interesses afetados pela organização, como é o caso
comportamento. das futuras gerações. Há também aqueles que não falam
por si mesmos, mas que têm seus interesses defendidos
por outros grupos que defendem causas sociais ou
representam grupos vulneráveis, por exemplo, as crianças.

5 6 7
Respeito pelas normas
Respeito pelo Respeito aos
internacionais de
Estado de Direito direitos humanos
comportamento

Buscar adotar preceitos, Respeitar os direitos humanos


Obedecer a todas as leis estabelecidos em acordos e reconhecer sua importância
e regulamentos aplicáveis internacionais, relativos à e sua universalidade (isto é,
no local onde se está responsabilidade social, são aplicáveis em todos os
operando. mesmo que não haja países, culturas e situações
obrigação legal no local onde de maneira unívoca),
se está operando. assegurando-se de que as
atividades da organização
não os agridam direta ou
indiretamente.

88 Ética e Responsabilidade Social


Esses princípios não são regras a serem seguidas para que se obte-
nha uma certificação, mas sim uma filosofia que deve fazer parte da
cultura e dos valores das empresas que procuram atuar de maneira
responsável e buscam o desenvolvimento sustentável, tanto do ponto
de vista econômico quanto do social e ambiental (ANDRADE; BIZZO,
2018; ABNT, 2016).

4.2 Indicadores da sustentabilidade


Vídeo social e ambiental
O conceito conhecido como Tripé da Sustentabilidade, ou Triple
Bottom Line (ELKINGTON, 2012), é baseado na premissa de que os obje-
tivos de uma organização não devem ser apenas econômicos – como
a maximização do investimento realizado pelos sócios –, mas também
incluir objetivos sociais e ambientais. Os negócios de uma empresa
ocorrem por meio da sua relação com outras empresas, parceiros,
clientes, governo e, principalmente, sociedade; além disso, causam im-
pactos sociais e ambientais que podem trazer prejuízos e custos para
todos. Por isso, não basta a empresa ser financeiramente viável e atin-
gir seus objetivos econômicos. Ela precisa realizar suas atividades de
maneira socialmente justa, sem impor perdas às comunidades e aos
indivíduos, e ambientalmente responsável, sem explorar os recursos
naturais (PIEKAS et al., 2020; MOLINA, 2019).

Ao definirem seus objetivos com base na visão do tripé da sustenta-


bilidade, as empresas entendem que essas dimensões podem coexistir
em uma relação saudável, unindo recursos naturais e interesses sociais
e econômicos. Porém, apesar de essa visão estar se tornando cada vez
mais presente, ainda é comum que existam organizações que não con-
sideram essa necessidade, ignorando-as em suas atividades.

Mesmo aquelas que já adotam o modelo do tripé da sustentabili-


dade ainda estão em fase de adaptação a essa nova visão, pois a pró-
pria sociedade vem passando por uma conscientização gradativa em
relação aos impactos causados pelas empresas, como a ocorrência de
catástrofes por negligência das empresas. Um exemplo é a tragédia
de Brumadinho (MG), que causou destruição do meio ambiente, bem
como perdas financeiras e de vidas (MOREIRA; FATURI, 2018; AMARAL;
STEFANO; CHIUSOLI, 2018).

Sistemas de gestão de responsabilidade social 89


Tanto a sociedade quanto o mercado já começam a reconhecer e
premiar as organizações que adotam a filosofia do tripé da sustentabi-
lidade. O mercado financeiro evoluiu, percebendo os riscos que as ati-
vidades das empresas exercem sobre a sociedade. A B3 (Brasil, Bolsa,
Balcão – antiga Bolsa de Valores de São Paulo) concebeu um índice de
ações para acompanhar a valorização das empresas que implantaram
os valores relacionados ao desenvolvimento sustentável e responsá-
veis e alinhados à visão da responsabilidade das organizações em rela-
ção ao futuro do planeta (SOUZA et al., 2019; FREITAS et al., 2019).
Site
A B3 foi formada por
Segundo o site da instituição, ela é:
meio da fusão da Bolsa uma das principais empresas de infraestrutura de mercado fi-
de Valores de São Paulo
(Bovespa) com a Bolsa de
nanceiro no mundo, com atuação em ambiente de bolsa e de
Valores, Mercadorias e balcão. Sociedade de capital aberto – cujas ações (B3SA3) são
Futuro (BM&F), no ano de negociadas no Novo Mercado –, a Companhia integra os índices
2008, e posteriormente,
Ibovespa, IBrX-50, IBrX e Itag, entre outros. Reúne ainda tradição
com a Central de
Custódia e de Liquidação de inovação em produtos e tecnologia e é uma das maiores em
Financeira de Títulos valor de mercado, com posição global de destaque no setor de
(Cetip), no ano de 2017.
bolsas. (B3, 2021b)
Para conhecer melhor so-
bre a instituição, acesse o
O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) foi desenvolvido
site da B3.
pela B3 em parceria com a Escola de Administração de Empresas de
Disponível em: http://www.b3.com.
br/. Acesso em: 12 fev. 2020. São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV), em dezembro de
2005. O ISE B3 é um indicador do desempenho médio das cotações de
uma carteira teórica de ações de empresas comprometidas com a sus-
tentabilidade empresarial. Essa carteira teórica possui vigência anual e,
em 2021, é composta de 46 ações de 39 empresas. Esse número tende
a crescer pelo interesse das empresas em participar da carteira teórica
de ações que compõe o índice (B3, 2020).

O objetivo do ISE é servir como base de informação e referencial


para investidores que busquem aplicar em ações de empresas com
compromisso socioambiental e que adotam práticas de governança
corporativa.

O resultado positivo dessa relação, que concilia objetivos econômi-


cos e socioambientais, é demonstrado na Figura 4, que faz um com-
parativo do desempenho de valorização de duas carteiras teóricas de
ações, representadas pelo Ibovespa (carteiras de ações de empresas
que não se apresentam como comprometidas com o desenvolvimento
sustentável e com a responsabilidade social) e pelo ISE B3 (carteiras

90 Ética e Responsabilidade Social


de ações de empresas reconhecidas e avaliadas pelas competências
socioambientais).

A carteira teórica de ações de empresas reconhecidas dentro dos


critérios de responsabilidade socioambientais da B3 apresenta valori-
zação superior à da carteira teórica das ações que não foram selecio-
nadas dentro desse critério (SOUZA et al., 2019; FREITAS et al., 2019).

Esse fato é um indicador de que a relação entre os objetivos econô-


micos e os socioambientais pode representar uma combinação bené-
fica para sociedade e empresa e, dessa forma, não configura conflitos
que inviabilizem o desempenho econômico das empresas.

Figura 4
Gráfico comparativo da variação do Ibovespa e do ISE B3

Fonte: B3, 2021a.

Também é possível verificar o crescimento de confiança dos in-


vestidores pelo aumento das operações envolvendo ações do índice
ISE B3, tanto em número de operações realizadas quanto em volume
financeiro. A figura a seguir mostra o crescimento verificado, entre
outubro de 2005 e outubro de 2020, da média do número de negó-
cios e do volume financeiro movimentado em ações que compõem o
índice ISE B3.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 91


Figura 5
Comportamento da média de negócios e do volume financeiro dos papéis de empresas que
compõem o índice ISE B3.

Saiba mais Fonte: B3, 2021a.


A reportagem B3 e S&P re-
Percebe-se que há um crescimento acentuado nos últimos anos no
movem Carrefour de índice
que mede responsabilidade número de negócios de ações que compõem o ISE B3, mostrando a
social e ambiental, da
evolução crescente das operações, impulsionada pela percepção dos
Folha de S.Paulo, trata da
exclusão da empresa do investidores sobre o potencial de rentabilidade dessas empresas.
índice que reúne empre-
sas com melhores práti- Os índices de sustentabilidade empresariais são importantes por
cas socioambientais e de
constituírem uma forma direta de dar destaque a empresas que são
governança. Isso foi uma
reação ao ocorrido na comprovadamente responsáveis sob o ponto de vista socioambiental.
unidade de Porto Alegre
Fazer parte de uma carteira teórica com essas características é inte-
(RS), onde um homem foi
espancado e morto por ressante para essas organizações, por conta do destaque nos meios de
dois seguranças. O caso
comunicação, o que permite ganhos de imagem e marca. Ao ser esco-
repercutiu na sociedade,
sendo associado a ques- lhida para fazer parte do índice, a empresa recebe o reconhecimento
tões raciais, pois a vítima
de seus esforços socioambientais, dado por uma das mais respeitadas
era negra, e também ao
campo econômico, com instituições financeiras do país.
desvalorização das ações
e reações da população Além disso, os históricos mostrados nos gráficos das figuras 4 e 5
local, que culminaram no comprovam que empresas que fazem parte de uma carteira, como a
fechamento da unidade.
ISE B3, possuem rentabilidade média superior em relação à valorização
Disponível em: https://www1.folha.
uol.com.br/mercado/2020/12/ daquelas que não são classificadas no índice (FREITAS et al., 2019).
b3-e-sp-removem-carrefour-de-
indice-que-mede-responsabilidade- Existem muitos exemplos que mostram como as ações desalinha-
social-e-ambiental.shtml. Acesso das com os valores da responsabilidade socioambiental impactam a
em: 15 fev. 2020.
valorização da empresa. Após um escândalo causado pela morte de

92 Ética e Responsabilidade Social


um cliente por seguranças de uma de suas lojas, a empresa Carrefour
Brasil foi excluída do índice que reúne empresas com melhores práti-
cas socioambientais e de governança, conhecido como S&P/B3 Brasil
ESG, mantido pela S&P Índices nos EUA e pela B3 no Brasil, sofrendo
desvalorização de suas ações (MOURA, 2020). É importante destacar
que, nesse exemplo, há um caso local que repercutiu em escala inter-
nacional, reforçando o aspecto de globalização no contexto econômico
e social atual.

O resultado desses índices reflete como o mercado, a sociedade


e o governo podem se posicionar em questões sociais e ambientais
relacionadas à atuação das empresas, bem como quais as ações que
podem ser tomadas pelas organizações para melhorar a gestão dos
impactos e das repercussões dessa atuação na sociedade.

4.3 Indicadores da responsabilidade


Vídeo social e ambiental
A evolução do movimento de conscientização e reconhecimento da
importância de temas ligados à responsabilidade social e sustentabili-
dade tem criado condições para o crescimento do número de iniciativas
desenvolvidas em todo o mundo para que a sociedade, as empre-
sas e as diferentes organizações incorporem práticas responsáveis e
para que a atuação destas ocorra em conformidade com o desenvol-
vimento sustentável, tanto do ponto de vista social quanto ambiental
(IGARASH et al., 2017; LOFFLER; DE ALMEIDA; LOFFLER, 2018).

Assim como todo processo de gestão, a definição de indicadores


que reflitam os objetivos e as metas definidos e que possam ser me-
didos e acompanhados é fundamental para garantir o sucesso do pro-
jeto. Ao medir e analisar as informações que definam qual a situação
de determinado indicador e qual a tendência futura, é possível definir
ações para corrigir os erros ou melhorar os resultados.

Assim, a definição de indicadores de gestão relacionados à respon-


sabilidade social e ambiental é fundamental para que as empresas
possam buscar atingir as metas de desenvolvimento sustentável.

Os indicadores de responsabilidade são diversos, mas têm em co-


mum a apresentação das informações de caráter social e ambiental de
modo claro e o objetivo específico de servirem de base para implemen-
tar ações direcionadas à sociedade e ao meio ambiente.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 93


Saiba mais Um exemplo é o balanço social, que pode ser definido como um
O Ministério do Meio conjunto de informações e indicadores que demonstram a relação en-
Ambiente (MMA) define
indicadores como dados tre empresa e sociedade, a fim de evidenciar a participação e a respon-
e informações cientí- sabilidade social em suas atividades (LOFFLER; DE ALMEIDA; LOFFLER,
ficas que podem ser
medidos, quantificados e 2018; RAMOS; SANTOS, 2020).
comparados com valores
anteriores ou valores
O balanço social torna público o comprometimento da empresa
padronizados. Os indica- com as ações relacionadas à responsabilidade social, promovidas para
dores ambientais ajudam
no acompanhamento
seus públicos e para a sociedade em geral. Dessa forma, ele pode ser
de fenômenos que são entendido como uma maneira de proporcionar a melhoria da imagem
relevantes e apresentam
impacto sobre o meio
das organizações, utilizando um processo transparente, que mostra ati-
ambiente. Por isso, preci- vidades e impactos gerados na sociedade e é usado como ferramenta
sam ser acompanhados
para possibilitar a análise
de gestão da responsabilidade social, pois permite visualizar e contro-
e orientar as decisões lar os compromissos estabelecidos pela organização e sua realização
tomadas pelos diversos
atores envolvidos com a
na prática (RAMOS; SANTOS, 2020).
preservação ambiental,
como governo, empresas
O caráter econômico ainda tem papel preponderante para as em-
e sociedade. O acompa- presas, afinal, sem lucro, elas não podem se desenvolver e atingir seus
nhamento regular dos in-
dicadores definidos como
objetivos. Porém, ao incluir em seus objetivos a busca pelo bem-estar
importantes possibilita social e pela preservação do meio ambiente, a empresa consegue gerar
identificar tendências,
regressões e progressos
valor para seus acionistas e para a sociedade.
nos resultados obtidos
Torres e Mansur (2008) afirmam que as empresas proveem, produ-
por meio da aplicação
de recursos, bem como zem e comercializam bens, produtos e serviços para a população. Para
realizar ações de preser-
executar essas ações, têm acesso a pessoas e usam bens e recursos
vação do meio ambiente.
Para saber mais sobre os que pertencem à sociedade, por exemplo, os recursos naturais. Por
indicadores ambientais
essa razão, elas têm um compromisso de agir com total responsabili-
nacionais, acesse o link
a seguir. dade com relação ao seu papel social.
Disponível em: https://antigo.mma. Há diversos modelos para a elaboração de um balanço social. Segun-
gov.br/informacoes-ambientais/
indicadores-ambientais.html. do Oliveira et al. (2009), um dos principais modelos, com base nos indi-
Acesso em: 15 fev. 2020. cadores internacionais, foi elaborado pelo Global Report Initiative (GRI).
Um exemplo é o da utilização do modelo de balanço social pela ONU
no Guia de Indicadores de Responsabilidade Social Corporativa, o qual
recomenda a evidenciação de determinados indicadores nos relatórios
anuais das empresas (PINHEIRO; MENDONÇA, 2020; JUNIOR et al., 2017).
O GRI tenta atender às expectativas dos usuários de relatórios de susten-
tabilidade, com o uso de indicadores nas seguintes dimensões:
•• Econômica: indicadores relacionados ao fluxo de capital e de re-
sultados financeiros e seus impactos sobre cada um dos grupos

94 Ética e Responsabilidade Social


de interesse relacionados à empresa, como sócios, funcionários,
clientes, governo e sociedade.
•• Ambiental: indicadores que medem o impacto das ações e ati-
vidades da empresa sobre o meio ambiente, tendo em conside-
ração a extração e o uso de matérias-primas, os impactos sobre
os ecossistemas e a emissão de poluentes durante o processo
produtivo e de descarte no fim da vida útil do produto.
•• Social: indicadores relacionados às questões sociais, classifica-
dos em quatro subcategorias que se referem aos colaboradores
da empresa (como o respeito às práticas trabalhistas e condições
de trabalho dignas e decentes) e às comunidades com as quais a
empresa se relaciona, o que engloba o respeito aos direitos hu-
manos em toda a cadeia de valor da empresa.

O Quadro 1 mostra seis grupos de Indicadores de Responsabilidade


Social Corporativa e 16 indicadores recomendados pela ONU.

Quadro 1
Guia de Indicadores de Responsabilidade Social Corporativa (GRI)

Categoria Subcategoria
1. Faturamento bruto total
Comércio, investimentos 2. Valor das importações x exportações
e outros aspectos a eles
relacionados 3. Total de novos investimentos

4. Compras locais

5. Mão de obra total segregada por tipo de emprego, tipo de contrato e gênero

Criação de emprego e 6. Salários e benefícios dos empregados segregados por tipo de emprego e gênero
práticas laborais 7. Número total e taxa de turnover – segregada por gênero

8. Porcentagem de empregados protegidos por acordos coletivos

9. Gastos com pesquisa e desenvolvimento


Tecnologia e desenvol-
10. Média de horas por empregado e ano, segregado por categoria de emprego
vimento de recursos
humanos 11. Gastos com treinamento por empregado por ano – segregados por catego-
ria de emprego
12. Custo da saúde e segurança dos empregados
Saúde e segurança
13. Dias de trabalho perdido devido a acidentes, lesões e doenças laborais

Contribuições ao gover- 14. Pagamentos ao governo


no e à comunidade 15. Contribuições voluntárias à sociedade civil
16. Número de condenações por violação de leis ou regulamentos relacionados
Corrupção
à corrupção e valor das multas pagas ou a pagar

Fonte: Oliveira et al., 2009, p. 8.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 95


Um exemplo de como o balanço social é utilizado como indicador de
responsabilidade social no Brasil é o trabalho realizado pelo Instituto Bra-
sileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). O Ibase é uma organiza-
ção da sociedade ativa que estabelece um diálogo crítico e uma vigilância
cidadã para que as empresas sejam responsáveis por suas práticas, sob o
ponto de vista da sustentabilidade, justiça social e democracia.

Segundo Torres e Mansur (2008), para evitar que as empresas


utilizem balanços sociais de diferentes formatos, o Ibase criou um
padrão de uma única página, contendo as principais informações a
serem analisadas por organizações sociais, sindicatos, consultores,
governos e empresas.

O objetivo é fazer com que o documento siga um modelo simples e


de fácil entendimento, permitindo a rápida comparação entre diversas
empresas e evitando uma difusão de informações com padrões dife-
rentes e que necessitariam de retrabalhos para análise.

De maneira simplificada, o modelo proposto pelo Ibase é compos-


to de uma planilha, na qual informações relacionadas a indicadores
financeiros, de responsabilidade social e de gestão ambiental são apre-
sentadas resumidamente. Assim, a avaliação dos dados referentes às
ações da empresa pode ser mais facilmente analisada pelos diversos
grupos de interesse (PERIA; SANTOS; MONTORO, 2020).

No Brasil, destacam-se também os indicadores de responsabi-


lidade social criados pelo Instituto Ethos, uma Organização da So-
ciedade Civil de Interesse Público (OSCIP), cuja missão é ajudar as
empresas a se engajarem na construção de uma sociedade justa e
saudável (IGARASHI et al., 2017). A finalidade dos Indicadores Ethos de
Responsabilidade Social Empresarial é realizar a avaliação da gestão
e o planejamento e a efetivação de estratégias que colaborem para o
desenvolvimento da sociedade e das empresas. Esses indicadores es-
tão relacionados a diversos aspectos da atuação da empresa, como o
alinhamento dos valores com a responsabilidade social e ambiental, o
compromisso com as práticas de transparência quanto às informações
relacionadas às ações sociais e os impactos trazidos pela atividade da
empresa sobre os colaboradores, o ambiente e a sociedade.

Os indicadores Ethos são relacionados a outras ferramentas espe-


cíficas, como o Global Reporting Initiative (GRI) e o Driving Sustainable
Economies, que têm como foco os impactos das empresas sobre clima,

96 Ética e Responsabilidade Social


água e florestas, bem como a norma ISO 26.000 (SOUZA et al., 2018;
IGARASHI et al., 2017).

A comprovação da prática e aderência aos aspectos sociais e am-


bientais é feita por instrumentos constituídos pelos selos e pelas certi-
ficações de responsabilidade social e ambiental corporativa, que serão
discutidos na próxima seção deste capítulo.

4.4 Certificações e selos referentes à


Vídeo responsabilidade social corporativa
A responsabilidade social e a sustentabilidade são conceitos integra-
dos ao cotidiano das empresas e da sociedade, não importando a qual
setor pertencem nem qual é seu porte. Um dos instrumentos utilizados
para apoiar a implantação das políticas de responsabilidade empresarial
é os selos em favor de causas sociais e ambientais, que surgem como for-
ma de destacar produtos e empresas que têm desenvolvido práticas dire-
cionadas para o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente
(ILHA; SCHNEIDER; GOMEZ, 2018; FRANÇA et al., 2019). Os selos surgiram
como forma de motivação e incentivo para que as organizações busquem
a melhoria de aspectos relacionados a questões sociais e ambientais.

Esses instrumentos auxiliam na divulgação de ações de responsabi-


lidade social e ambiental para seus públicos, como resultado da aplica-
ção de princípios e valores socioambientais que sejam orientadores do
planejamento e das ações realizadas pelas empresas.

De acordo com França et al. (2019), o surgimento dos selos sociais


despontou, na década de 1990, como resposta ao fato de que consu-
midores de qualquer parte do mundo poderiam estar adquirindo pro-
dutos fabricados em condições de exploração infantil ou por meio da
utilização de mão de obra em situações de escravidão, sobretudo de
países subdesenvolvidos.

O selo social atesta que as empresas colocam em prática os valo-


res relacionados à proteção do ambiente e à responsabilidade social
e auxilia na divulgação das ações positivas realizadas por elas. Trata-
-se, portanto, de um instrumento que demonstra que uma empresa
foi avaliada, certificando-se de que ela pratica a responsabilidade so-
cial, e tem como objetivo desenvolver e beneficiar a sociedade (ILHA;
SCHNEIDER; GOMEZ, 2018; FRANÇA et al., 2019).

Sistemas de gestão de responsabilidade social 97


Dessa forma, a empresa pode utilizar o selo social como um dife-
renciador de seu produto e de sua marca, ressaltando o caráter de
vantagem competitiva proporcionado pela certificação. Assim, o selo
social é materializado como uma ferramenta que associa uma imagem
positiva à marca ou ao produto que foi avaliado e aprovado de acor-
do com as diretrizes estabelecidas pelos organismos responsáveis por
estabelecer critérios, práticas e procedimentos em obediência às nor-
mas técnicas estabelecidas. A adesão das empresas aos selos sociais
é voluntária, o que mostra que aquela que aderir a eles se preocupa
com a sociedade e o ambiente, mesmo que não haja uma obrigação
imposta por uma lei. Os selos atestam o cumprimento de padrões e
normas pela empresa em relação aos impactos positivos na sociedade
e no meio ambiente.

Muitos municípios do Brasil utilizam o selo social como meio de


incentivar as organizações a praticar a sustentabilidade e a responsa-
bilidade social em ações como: combate à miséria e à fome; apoio e in-
centivo à educação; promoção da igualdade entre os gêneros; redução
de índices de mortalidade infantil; entre outras possíveis ações sociais e
ambientais.

França et al. (2019) exemplificam a utilização do selo social no muni-


cípio de São Paulo, com o selo Empresa Cidadã, que premia empresas
que praticam a responsabilidade social e publicam o balanço social. Outro
exemplo conhecido é o selo social Empresa Amiga da Criança, da Funda-
ção Abrinq pelos Direitos das Crianças, que combate o trabalho infantil.

Credídio (2006) destaca que a certificação é composta de muitas ca-


tegorias de códigos, guias, princípios e parâmetros de funcionamento,
criadas por instituições governamentais, organizações não governa-
mentais, associações de negócios, de comércio ou grupos industriais
para guiarem as ações corporativas e sua relação com os objetivos eco-
nômicos sociais e ambientais.

O autor destaca que a prática de se certificar é eficaz para que uma


empresa se diferencie das outras, pois destaca os produtos, a marca e
a própria empresa e reforça a credibilidade ao demonstrar que ela está
agindo de acordo com ações que beneficiam a sociedade e preservam
o meio ambiente, além de contribuir para diferentes aspectos dos ne-
gócios, elevando os níveis de qualidade, segurança e eficiência.

Para a sociedade e o meio ambiente, a certificação produz conse-


quências benéficas, como a redução de impactos negativos e o aumen-

98 Ética e Responsabilidade Social


to dos impactos positivos, e principalmente criando ligações com a
sociedade, que propiciem o desenvolvimento econômico e social, den-
tro de um processo de melhoria contínua que traz benefícios mútuos.

No Brasil, a principal instituição certificadora é a ABNT. A associação


oferece mais de 400 programas de certificação relacionados aos mais
diversos aspectos da gestão da empresa, inclusive as dimensões relacio-
nadas à gestão social e ambiental. A ABNT Certificadora atua nas Amé-
ricas, na Europa e na Ásia, realizando auditorias em mais de 30 países.

Segundo o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia


(Inmetro), o Programa Brasileiro de Certificação em Responsabili-
dade Social (PBCRS) é definido como “um processo voluntário, no qual
a organização busca demonstrar aos clientes e à sociedade, por meio
de uma avaliação de terceira parte, que o sistema de gestão atende aos
princípios da responsabilidade social” (INMETRO, 2021).
A figura a seguir apresenta a estrutura geral do programa.

Figura 6
Estrutura do PBCRS

Gestor do programa
(Inmetro/Dconf/
Comissão técnica)

Normatizador Acreditador
(ABNT) (Inmetro/Cgero)

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Inmetro, 2021.

A obtenção de certificação é um processo que normalmente segue


algumas etapas que são semelhantes nas empresas. A Figura 7 repre-
senta resumidamente o sequenciamento das ações para que uma em-
presa obtenha a certificação ambiental por meio da submissão de seu
SGA aos órgãos certificadores.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 99


Figura 7
Etapas para obtenção da certificação ambiental

A empresa certificadora credenciada tem o Auxiliar a empresa contratante à certificação


Contratação de empresa
objetivo de recomendar e realizar auditorias na análise e no diagnóstico de todos os
certificadora credenciada
de manutenção de empresas interessadas. setores da empresa candidata à certificação.

A empresa candidata define a política de Definir a política de meio ambiente da empre-


Definição de política
meio ambiente com instruções da empresa sa candidata à certificação aderente à missão e
de meio ambiente
contratada. comprometida com a alta administração.

A empresa candidata elabora o plano de Efetuar o planejamento das ações com im-
ações em aderência à política ambiental e à Elaboração do plantação de metas e melhorias ambientais,
legislação, com o objetivo de atingir metas de plano de ação de acordo com legislação vigente, para todos
desempenho para certificação. os setores da empresa com metas e objetivos.

A empresa candidata efetua ações de treina- Implementar as ações planejadas em toda a


Implementação das ações
mentos, conscientização, medição de controle empresa, divulgando a todos os colaboradores
definidas no planejamento
e desempenho. a importância das ações e responsabilidades.

Realizar o acompanhamento das ações e a


A empresa candidata acompanha o resultado mensuração de resultados com auditorias
Verificação dos impactos e
das ações e verifica o desempenho em relação internas e registro de inconformidades para
do desempenho das ações
às metas estabelecidas. ações de correção.

A empresa candidata realiza a análise de de- Avaliar o desempenho ambiental e preparar


Análise crítica da administração
sempenho, objetivando cumprir os requisitos ações corretivas de melhoria contínua,
até atingimento das metas
exigidos para obtenção da certificação. mesmo após obter a certificação.

Avaliar o desempenho ambiental e verificar se


A empresa contratada (“acreditada”) atesta a a empresa apresenta desempenho em con-
Submissão do SGA a uma formidade com as exigências estabelecidas
realização de ações em conformidade com os
auditoria externa para obtenção da certificação. Se estiverem de
padrões estabelecidos pelos órgãos nacionais.
acordo, recomenda-se a aprovação.

A avaliação positiva pela empresa certifica-


A instituição global atesta a realização de dora credenciada é ratificada para a emissão
Aprovação pelo órgão do representante da instituição internacional
ações em conformidade com os padrões
acreditador do país (“acreditador”) de certificação no país, e a
estabelecidos pelos órgãos internacionais.
empresa é certificada.
Fonte: Elaborada pelo autor.

100 Ética e Responsabilidade Social


As diversas etapas listadas ocorrem sequencialmente e estão inte-
gradas e interligadas. Nem todas as etapas estão presentes em todos
os processos de credenciamento, mas, de modo geral, seguem a se-
quência demonstrada na figura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As empresas têm se adaptado às alterações da sociedade, com a
adoção de ações de melhoria contínua na busca pelo desenvolvimento
sustentável baseado na responsabilidade social e ambiental. A adoção
de certificações que atestam e dão credibilidade à realização dessas
ações praticadas pela empresa beneficiam a sociedade e o ambiente,
assim como a própria empresa.

A responsabilidade social empresarial não se resume a um conjunto


de ações, mas deve ser expandida para uma conceituação mais am-
pla, que envolve uma prática administrativa e espelha uma filosofia de
gestão. Esse processo evolutivo está acompanhado por um progresso
nas normas e diretrizes, considerando a mensuração das ações e das
condutas e dos resultados obtidos em cada área de intervenção.

A responsabilidade social ultrapassa os limites da empresa; a so-


ciedade deve dar importância a ações e esforços das empresas que a
praticam e, então, retribuir e reconhecê-las. Essa relação é que retroa-
limenta o processo de crescimento e melhoria mútua. Nesse contexto,
as certificações são uma excelente ferramenta, pois contribuem tanto
na implantação dos processos de gestão, por meio das normas técni-
cas que regem as certificações, quanto na divulgação de resultados e
no desenvolvimento de uma nova relação entre empresa e sociedade.

ATIVIDADES
1. Descreva as características que um Sistema de Gestão Ambiental (SGA)
deve possuir.

2. Aponte as principais razões para uma empresa se certificar como


empresa responsável sob os aspectos social e ambiental, levando em
consideração que a certificação é um processo que, muitas vezes, tem
a característica da não obrigatoriedade, isto é, da adesão voluntária.

Sistemas de gestão de responsabilidade social 101


3. Quais são as consequências para a sociedade e o meio ambiente que
a certificação produz?

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104 Ética e Responsabilidade Social


5
Gestão, ética e
responsabilidade social
As organizações são constituídas de pessoas, e são elas que
realizam as atividades, os processos e as ações necessárias para
que os objetivos organizacionais sejam atingidos.
Para que executem suas tarefas, as pessoas precisam compar-
tilhar e dividir recursos e trabalhar em equipe de maneira coesa
e alinhada, seguindo os processos e procedimentos definidos
pela empresa. Em um grupo de pessoas que atuam em uma or-
ganização, como em todo grupo social, são estabelecidas relações
complexas que envolvem emoções, poder, comprometimento, de-
dicação, amizade e respeito a normas e regras relacionadas tanto
ao trabalho a ser realizado quanto à cultura da organização e aos
valores compartilhados.
Liderar uma equipe profissional é uma tarefa complexa, que
envolve um estudo multidisciplinar, integrando filosofia, sociolo-
gia, história, psicologia, economia, administração, direito e outras
ciências. A gestão deve definir quais são os papéis dos responsá-
veis pela condução das atividades das empresas em relação aos
processos desenvolvidos para que sejam praticados os preceitos
éticos, morais e de responsabilidade socioambiental.
Neste capítulo, serão discutidos os papéis da ética, dos princí-
pios morais, dos valores pessoais e da cultura estabelecida pela
empresa como norteadores das decisões e ações implantadas
pelos líderes e, consequentemente, pela organização no cotidiano
das relações que se estabelecem dentro do grupo e com outras
organizações e instituições com as quais a empresa se relaciona.
Serão também abordados temas ligados ao uso do poder e das
normas pela empresa e pelos líderes na gestão das pessoas, como
a prática de assédio e os direitos de ambos os lados na relação
entre empresa e empregado.

Gestão, ética e responsabilidade social 105


5.1 A ética e a responsabilidade
social nas relações humanas
Vídeo Ética e responsabilidade social empresarial são temas intensamen-
te discutidos na sociedade, pois há muitos questionamentos sobre qual
deve ser a postura da organização em relação a funcionários, clientes,
parceiros e sociedade, em um mercado competitivo no qual muitas
empresas de diversos países e diferentes culturas atuam, muitas vezes,
sem respeitar os mesmos padrões éticos e legais.

La Taille (2010) analisa as ações dos seres humanos em relação à


Saiba mais
moral e afirma que a obediência às regras ocorre por haver a sensação
A matéria Multa para
de dever em relação à justiça e o respeito às leis; ao mesmo tempo,
quem desrespeita uso
obrigatório de máscara a obediência a regras morais costuma ser socialmente exigida, já que
passa a valer nesta quinta
a lei espelha a vontade da sociedade. Por outro lado, a obediência a
no estado de São Paulo
aborda a obrigatorieda- regras que tratam de benevolência ao próximo, como a caridade e a
de do uso de máscara
filantropia, não é obrigatória por lei e, mesmo que essas regras sejam
durante a pandemia cau-
sada pela Covid-19, com a corretas sob o ponto de vista da moral diante da sociedade, não é pra-
aplicação de multas para
ticada por muitas pessoas.
quem desrespeitasse a
recomendação. A medida Um exemplo dessa análise pode ser visto durante a pandemia
teve eficácia, pois muitos
indivíduos que insistiam de Covid-19. Apesar de existir na sociedade a tese moral de que
em não usar volunta- todos devem proteger os indivíduos mais fracos, a obrigatoriedade
riamente as máscaras
passaram a utilizá-las do uso de máscaras foi negligenciada por boa parte da população.
quando a recomendação Para que a orientação surtisse efeito, foi necessário criar leis e apli-
passou a ser de caráter
punitivo, e não educativo. car multas em espaços públicos e particulares, principalmente em
Esse exemplo mostra a estabelecimentos comerciais, o que trouxe impacto sobre hábitos e
necessidade da obrigato-
riedade como parâmetro costumes dessa parte da população, que só adotou o uso da más-
para as pessoas cum- cara pela força.
prirem determinações,
mesmo que estas sejam A relação entre a sociedade e as empresas está em constante muta-
moralmente aceitas pela
sociedade. ção. Se antes as empresas eram vistas como estruturas isoladas, cujo
Disponível em: https:// único papel era proporcionar retorno ao investimento dos sócios por
g1.globo.com/sp/sao-paulo/ meio da obtenção de lucros, mesmo que para isso fosse preciso explo-
noticia/2020/07/02/multa-para-
quem-desrespeita-uso-obrigatorio- rar os recursos ambientais de propriedade da humanidade e os recur-
de-mascara-passa-a-valer-nesta- sos humanos, pressionando os funcionários a se dedicarem cada vez
quinta-no-estado-de-sao-paulo.
ghtml. Acesso em: 5 fev. 2020. mais ao trabalho, hoje há uma crescente cobrança da sociedade para
que as empresas atuem de maneira responsável, tanto do ponto de
vista social quanto ambiental.

106 Ética e responsabilidade social


Pereira (2002) aborda a ampliação dos objetivos das empresas, an-
tes marcados pela simples busca pelo lucro, para uma visão em que os
objetivos sociais e ambientais e a postura ética e moral precisam ser
considerados. Muitas empresas adotam uma postura de responsabi-
lidade socioambiental por estarem genuinamente preocupadas com o
bem-estar da sociedade e a questão da preservação do meio ambiente
e, também, para se alinhar aos anseios da sociedade e obter provação
e reconhecimento da comunidade e, principalmente, de seus clientes.

As empresas oferecem uma resposta aos anseios da comunidade


a que pertencem ao adotar uma postura ética e se responsabilizar por
seus atos e decisões em relação aos impactos provocados na socie-
dade, numa relação de compromisso que proporciona benefícios para
ambos, já que a empresa, ao ser reconhecida pela sociedade, aumenta
seus lucros.

Para serem consideradas éticas, as empresas buscam adequar suas


decisões e práticas de acordo com condutas valorizadas pela sociedade
e adotar políticas e ações que estejam em concordância com a moral
vigente no grupo social com o qual se relacionam. As pessoas que fa-
zem parte de uma empresa, independentemente do nível hierárquico
no qual atuam, realizam suas atividades levando em consideração uma
reflexão ética individual e seguindo os valores da cultura definida no
posicionamento estratégico da organização, em sintonia com os objeti-
vos estabelecidos pela liderança.

No mais alto nível das organizações, os gestores que definem o


posicionamento e o planejamento estratégico precisam incorporar
objetivos sociais e ambientais, além dos fatores econômicos. Para
atingir esses objetivos, novas condutas e posturas éticas passam a
ser incorporadas nas rotinas da empresa. Os gestores são respon-
sáveis pela condução das atividades da empresa, acompanhando os
resultados obtidos e fazendo correções, quando necessário, para que
os objetivos econômicos, sociais e ambientais sejam alcançados de
modo ético e moral, garantindo os impactos sociais e ambientais va-
lorizados pela sociedade.

A figura a seguir mostra a relação da ética empresarial com a res-


ponsabilidade empresarial e os anseios da sociedade.

Gestão, ética e responsabilidade social 107


Figura 1
Relações entre sociedade, ética empresarial e responsabilidade empresarial

A sociedade manifesta As empresas identificam


seus interesses a necessidade de ampliar
direcionados a questões os objetivos de lucro,
ambientais e sociais. incluindo as questões de
SOCIEDADE
interesse da sociedade.

EMPRESAS
ÉTICA
EMPRESARIAL
A sociedade identifica As empresas incorporam
seus interesses as necessidades da
promovidos por ações sociedade em seu
praticadas e estabelece planejamento estratégico,
uma relação de criando benefícios
fidelização à marca. mútuos.

Fonte: Elaborada pelo autor.

Como visto na figura, a ética empresarial estabelece a relação da


empresa e de seus objetivos com os desejos e anseios da sociedade,
em um processo que se retroalimenta e evolui constantemente. A ética
empresarial representa um conjunto de princípios e padrões morais
que guiam as ações das empresas em sua relação com a sociedade
(JESUS; SARMENTO; DUARTE, 2017).

É necessário considerar que a ética e os valores de uma empre-


sa, mesmo que representem o direcionamento estratégico desejado
por seus líderes, são compostos também de ações, decisões e valores
de cada indivíduo, cada um com origens distintas, com um conjunto
de crenças, valores familiares e costumes morais próprios (SANTOS;
BENEDITO; SILVA, 2017). Essa diversidade faz com que a gestão de uma
organização que adota uma postura ética e socioambiental responsá-
vel seja complexa, o que traz desafios cotidianos para a liderança.

108 Ética e responsabilidade social


5.2 Diversidade cultural nos grupos profissionais
Vídeo Os seres humanos são seres sociais e participam de diversos gru-
pos ao longo de sua vida. Do ponto de vista sociológico, o grupo social
fundamental é a família, pois é nela que a pessoa aprende a língua, os
valores e a cultura da sociedade da qual faz parte (DIAS, 2014).

No decorrer da vida, por meio de processos de socialização, os indi-


víduos estabelecem contato e passam a pertencer a outros grupos so-
ciais, por exemplo, amigos da escola, grupos religiosos, comunidades e
grupos formados em ambientes de trabalho, nos quais são integrados
à sociedade. Os grupos sociais têm importância na compreensão dos
fenômenos que ocorrem no cotidiano das empresas, pois neles se dão
as interações humanas.

Esse processo de integração a grupos sociais é importante, confor-


me Dias (2014) aponta, pois é decisivo no processo de socialização das
personalidades individuais para a construção de uma personalidade
única, que, mesmo sendo diferente das personalidades individuais,
passa a ser uma referência para o grupo. A criação dessa personali-
dade única do grupo se dá com a aceitação de seus membros. Sendo
assim, ocorre uma forma de integração de todos, dando o sentido para
cada indivíduo de pertencer ao grupo.

As organizações são consideradas uma criação social e são consti-


tuídas de pessoas, que nelas se relacionam e se integram com objetivos
em comum, definidos de acordo com direcionamentos propostos pela
gestão. Os esforços coletivos somam-se para produzir bens ou prestar
serviços que atendam às necessidades da sociedade.

Nesse sentido, Camargo (2006) considera os colaboradores de uma


empresa como participantes ativos da construção de uma identidade
organizacional na qual o senso comunitário prevalece sobre os sensos
individuais. É o predomínio do coletivo sobre o pessoal, no qual as re-
lações se conduzem por princípios e valores que proporcionam condi-
ções de espaços e convivências éticas conjuntas.

Grande parte do tempo da vida dos indivíduos adultos é passado


nas organizações, com a participação em eventos sociais, culturais, po-
líticos, econômicos e profissionais que ocorrem apesar das diferenças
entre os integrantes. Na figura a seguir, Caxito (2020) apresenta a divi-
são do tempo de uma pessoa em idade economicamente ativa.

Gestão, ética e responsabilidade social 109


Figura 2
Distribuição do tempo entre as atividades realizadas pelas pessoas

Distribuição do tempo durante a idade Distribuição do tempo acordado


economicamente ativa (18 a 65 anos) durante a idade economicamente
ativa (18 a 65 anos)
Trabalho
33,2%
Sono
33,3% Trabalho
49,7%

Outros
49,0%
Estudo
0,9%

Outros Estudo
32,7% 1,3%

Fonte: Caxito, 2020, p. 13.

Essa centralidade do trabalho na vida humana em nossa sociedade


atual faz com que o grupo social formado na empresa seja aquele no
qual os indivíduos convivem mais intensamente.

As empresas são diferentes e, pela própria multiplicidade, são livres


para escolher diferentes preceitos para definir seus valores éticos e as
regras comportamentais para seus colaboradores. Porém, uma das ca-
racterísticas mais marcantes das sociedades modernas é a diversida-
de entre os indivíduos e grupos que acreditam e praticam diferentes
padrões ético-morais. Assim, estabelecer os princípios que orientem
as ações dessas diferentes pessoas nas relações sociais e de trabalho
dentro de uma organização não é tarefa simples. Em função dessa mul-
tiplicidade, não há uma única relação ético-moral universal que seja
válida para todos os lugares e todas as empresas. Podem ser encontra-
das diferentes relações ético-morais em diferentes empresas, pois são
influenciadas por culturas diferentes que apresentam valores morais
distintos.

Dias (2014) afirma que os princípios são os preceitos que norteiam


a sociedade, como as leis ou os aspectos presumidos e reconhecidos
como universais. Como exemplos, temos a liberdade, a paz e a plenitu-
de. Já os valores têm caráter subjetivo e pessoal e, portanto, podem ser
diferentes e gerar controvérsia ou desalinhamento entre os indivíduos.
Os valores pessoais são formados com base na história de vida e nas
experiências individuais, influenciados por normas e padrões sociais

110 Ética e responsabilidade social


aceitos ou mantidos por determinados grupos dos quais os indivíduos Filme
participam.

Os Códigos de Ética de uma empresa tanto são influenciados pelas


pessoas que dela fazem parte quanto influenciam crenças, valores e
posturas dos indivíduos. Assim, os colaboradores agem nas empresas
de acordo com esses preceitos e valores éticos, que necessariamente
devem estar em sintonia com os padrões estabelecidos pela sociedade.

As relações éticas dos colaborares com a empresa e desta com


os ambientes sociais, econômicos, legais e naturais externos é dinâ- A história da fundação
mica e influenciada pelos movimentos que ocorrem no seio da socie- e do crescimento da
rede de lanchonetes
dade, trazendo novas formas de organização e mudanças na relação McDonald’s, uma das pri-
empresa-empregado-sociedade. meiras e, ainda hoje, maio-
res redes de franquias do
Os interesses da sociedade, incluídos nos objetivos da organiza- mundo, é contada no filme
Fome de poder. Desde
ção, tornam-se fatores de identidade comum para as personalidades
sua criação, utilizando
individuais dos colaboradores, sendo agrupados numa personalidade conceitos de divisão de
trabalho e especialização
única de grupo, em consenso com os atos e objetivos da organização
usados nas indústrias, a
em que trabalham. empresa sempre inovou
e criou novos modelos de
Quando os objetivos das empresas coincidem com interesses da negócio para se destacar
no mundo empresarial.
sociedade/comunidade, os empregados ficam motivados, trabalham
O filme discute diversos
melhor e aumentam sua produtividade, pelo sentimento de agirem em aspectos éticos da figura
de seu principal executivo,
conformidade com as expectativas dos grupos sociais a que pertencem
Ray Kroc, e da cultura
e de acordo com seus princípios éticos e morais. A organização se torna empresarial que ele criou
e implantou na empresa.
um meio pelo qual os indivíduos unem forças para atingir seus objeti-
vos comuns. Direção: John Lee Hancock. EUA: The
Weinstein Company, 2016.

5.3 Assédio moral


Vídeo Como ocorre em todos os grupos sociais, as relações entre as pes-
soas que compõem um grupo de trabalho e fazem parte de uma em-
presa são baseadas em normas e regras estabelecidas e aceitas pelo
grupo, seja por decisão do indivíduo, seja por imposição do grupo e
daqueles que exercem o poder.

Nas organizações, a definição de quem detém e exerce o poder é


clara e está explícita na estrutura hierárquica da empresa, com a defini-
ção de líderes, chefes, encarregados ou gestores que usam sua posição
ou cargo para colocar em prática e exigir que sejam cumpridos normas,

Gestão, ética e responsabilidade social 111


regras e valores estabelecidos na cultura empresarial, normalmente
descritos nos seus documentos, tais como Códigos de Ética, planeja-
mentos estratégicos, códigos de conduta, manuais de normas, proces-
sos, procedimentos e declarações de visão, missão e valores.

Para que exerçam o poder, os indivíduos que são colocados nas


posições de liderança em uma empresa precisam estar preparados
para entender seu papel e sua responsabilidade sobre a conduta de
sua equipe, mas também devem entender e conhecer os limites éticos,
morais e legais de sua atuação.

No cotidiano das operações de uma empresa, as relações entre lí-


deres e liderados são marcadas por atitudes, posturas e práticas que
podem ultrapassar os limites éticos e morais estabelecidos tanto pela
empresa quanto pela sociedade e pelas leis que regem as relações en-
tre empresas e colaboradores.

As ações e posturas que ultrapassam esses limites, sejam elas prati-


cadas por líderes diretos ou indiretos e até mesmo por pares e subor-
dinados, impactam o resultado e a eficiência do indivíduo e da equipe,
bem como causam danos legais e psicológicos muito mais amplos, que
podem trazer prejuízos financeiros e de imagem para a organização.

Entre os diversos tipos de problemas que podem ocorrer na relação


entre os membros de um grupo social em uma empresa, destacam-se
os diferentes tipos de assédio.

O assédio moral está relacionado a uma forma de violência prati-


cada nas interações sociais em um grupo. No ambiente empresarial, o
assédio moral representa um grave problema, pois a própria organiza-
ção da estrutura das empresas e a função de acompanhar a realização
das atividades e tarefas e cobrar resultados em relação aos objeti-
vos propostos, realizada pelos líderes e chefes hierárquicos, criam as
condições para que líderes mal preparados ultrapassem os limites e
exerçam ações ou adotem posturas que podem ser vistas pelos subor-
dinados como assédio (SOARES, 2015).

Diversas práticas de natureza psicológica ou física aplicadas de ma-


neira recorrente por um ou mais trabalhadores contra outro trabalha-
dor ou grupo de trabalhadores com o objetivo de impor uma situação
de isolamento, abalo emocional, difamação ou exclusão do contexto do
trabalho, para causar eventuais danos de cunho físico, afetivo, cogniti-
vo ou social, podem ser classificadas como assédio moral. Esse tipo de

112 Ética e responsabilidade social


assédio também pode ser entendido como uma forma de violência no
trabalho, na qual há uma exposição demorada e continuamente repe-
tida dos trabalhadores assediados a situações constrangedoras que os
afetam emocional e fisicamente (TOLFO et al., 2013).

Do ponto de vista jurídico, para que seja considerada assédio mo-


ral, a ação ou atitude contra um indivíduo precisa ocorrer de modo
frequente e prolongado. Legalmente, uma única ocorrência não se con-
figura como assédio moral. Porém, do ponto de vista psicológico, a de-
pender da forma como a situação ocorre, uma única experiência pode
trazer graves problemas para quem sofre o assédio moral.

Outro exemplo de como os conceitos de assédio moral do pon-


to de vista legal e do ponto de vista das relações humanas divergem
pode ser observado no fato de que se todos os membros do grupo
forem submetidos a uma má condição de trabalho ou a uma situação
de constrangimento, legalmente não se configura assédio moral, pois
há o entendimento de que a situação é um estado geral apresentado
pela empresa. Para se configurar o assédio moral, o ato precisa ser
direcionado intencionalmente a um colaborador, colocado em situa-
ções de perigo, constrangimento, humilhação ou qualquer outro tipo
com o propósito de o prejudicar. Porém, do ponto de vista das relações
humanas, se todo um grupo é colocado em tais situações, ocorrerão
impactos negativos no comprometimento e na motivação da equipe.

Soares (2015) aponta que podem ser identificadas três diferentes


modalidades de assédio moral no trabalho. O assédio moral descen-
dente, que também pode ser chamado de assédio moral vertical, ocorre
quando há uma relação de subordinação hierárquica entre o assedia-
dor e o assediado. Esse é o tipo mais comum de assédio moral que
ocorre nas empresas, exatamente pela relação de poder entre os indi-
víduos envolvidos.

O assediado pode estar subordinado direta ou indiretamente ao


indivíduo que exerce o assédio moral. Essa situação de assédio se ma-
nifesta por abuso de poder e perseguição e pode ter o objetivo de re-
duzir a influência do assediado ou coagir o funcionário a se demitir ou
solicitar transferência ou licença.

A motivação para que o assédio moral ocorra tem diversas causas,


como o destaque de um subordinado em ascensão que ameace a po-
sição na hierarquia do assediador. Pode também ser realizado como

Gestão, ética e responsabilidade social 113


Leitura uma estratégia para o assediador fortalecer sua imagem como deten-
A reportagem Assédio tor do poder, rebaixando o assediado de maneira abusiva. Frases como
moral assombra a LG, de
Paula Pacheco, aborda “quem manda aqui sou eu” ou “você está aqui para me obedecer” re-
um exemplo da interna- fletem esse tipo de postura. O assédio moral pode também fazer par-
cionalização de empresas
e o choque de conflitos te de uma estratégia da própria empresa para redução do número de
entre funcionários da em- funcionários ou substituição de um funcionário mais experiente, como
presa LG, em que as che-
fias de origem coreana forma de reduzir custos pela substituição desse funcionário, que é leva-
agiam de modo arbitrário do a se demitir pela pressão do assédio, o que permite que a empresa
(assédio moral vertical)
nas suas relações com os economize verbas rescisórias do contrato de trabalho pela demissão
subordinados brasileiros. espontânea do empregado.
Essa relação conflituosa
mostra o choque de dois Esse tipo de assédio também pode estar relacionado a questões
grupos étnicos/culturais,
no qual o grupo que está
de ordem pessoal, como racismo, machismo, xenofobia, entre outras.
posicionado em um nível Dias (2014) aponta que há muitos aspectos que conduzem a práticas
hierárquico superior
realiza práticas abusivas
organizacionais que configurem assédio moral, como os relacionados
na relação com o grupo à diversidade de valores culturais e a diferenças na legislação, origi-
subordinado. Há, no caso,
uma questão relaciona-
nados em situações encontradas na internacionalização de empresas,
da à diferença cultural que faz com que trabalhadores com diferentes valores culturais en-
entre os dois países. Na
cultura coreana, o tipo
trem em conflito.
de cobrança realizada
pelos líderes é consi-
O assédio moral horizontal é o segundo tipo indicado por Soares
derado normal. Porém, (2015) e é caracterizado como aquele que ocorre entre trabalhadores de
no Brasil essas ações se
enquadram como prática
um nível hierárquico semelhante. O ambiente organizacional é competi-
de assédio moral nas tivo, sendo comum que funcionários compitam entre si para se destacar
relações de trabalho,
descrita como infração na
em relação aos demais e atrair a atenção dos superiores, no intuito de re-
legislação trabalhista. ceber prêmios ou benefícios ou buscar ascensão na carreira, como uma
PACHECO, P. O Estado de S. Paulo, promoção para um nível hierárquico superior. O autor também indica
8 fev. 2010. Disponível em: https://
causas de origem psicológica que podem levar ao assédio moral hori-
www.estadao.com.br/noticias/
geral,assedio-moral-assombra-a- zontal, como a inveja do assediador em relação a qualquer característica
lg,507902. Acesso em: 8 fev. 2021.
física, comportamental ou intelectual do assediado. Esse tipo de assédio
também pode ter origem em preconceitos políticos, de gênero ou de raça.

Já o assédio moral ascendente ocorre quando um funcionário


de nível hierárquico superior sofre assédio moral por algum de seus
subordinados por meio de, por exemplo, acusações falsas de condu-
tas inaceitáveis na relação chefia-subordinado, como acusações de
assédio sexual ou moral. Tal atitude visa desqualificar o chefe e pode
ser fortalecida por um grupo que tem a intenção de afastar o chefe
assediado. A motivação do falso assédio normalmente se refere à
imposição de algum método, ideia ou estilo de liderança não aceito
pelo grupo.

114 Ética e responsabilidade social


Complementando a classificação sugerida por Soares (2015), o Se- Saiba mais
nado Federal (2017) tipifica também o assédio moral misto, no qual a O IPRC desenvolveu o
Índice PIR (Potencial de
vítima de assédio sofre as agressões tanto de superiores hierárquicos Integridade Resiliente) de
quanto de colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico. assédio, que busca enten-
der a postura adotada por
Pereira e Nunes (2011) afirmam que discutir o assédio moral nas or- profissionais quando se
deparam com questões
ganizações brasileiras é importante, pois a cultura de muitas empresas éticas no cotidiano de
ainda é marcada por atitudes e posturas de líderes e chefes que não são seu trabalho e inclui
aspectos como assédio e
percebidas como assédio ou são entendidas como normais e aceitáveis corporativismo. A pesqui-
no ambiente corporativo. Os autores também apontam a dificuldade de sa que originou o índice
foi realizada em 2017 e
se comprovar a ocorrência do assédio moral nas empresas, pelo receio contou com mais de 2.400
de outros colaboradores em se envolver com o problema e acabar rece- respondentes de empre-
sas diferentes. O relatório
bendo punições ou se tornar, eles próprios, vítimas de assédio. com as conclusões da pes-
quisa pode ser consultado
Essa afirmação é corroborada por uma pesquisa realizada pelo Ins- no link a seguir mediante
tituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC, 2020), que concluiu realização de cadastro
gratuito com inserção de
que mais da metade dos funcionários e candidatos a emprego consul- nome e e-mail.
tados praticam ou toleram assédios em seus ambientes de trabalho.
Disponível em: https://materiais.
A pesquisa apontou que 41% dos participantes se omitiriam ao pre- iprcbrasil.com.br/pir-assedio?
fbclid=IwAR2GzChBYKSBM9
senciar episódios de assédio moral, e cerca de 18% disseram admitir o
kVrdv5u7h8A-q6itpuvvNpm_
assédio moral como algo normal e aceitável. DjMqwamY6nG2fJG60IngE. Acesso
em: 8 fev. 2021.

5.4 Assédio sexual e assédio intelectual


Vídeo O documento Assédio moral e sexual no trabalho, publicado pelo Se-
nado Federal (2017), mostra que o assédio sexual nas organizações,
ainda que seja realizado predominantemente contra as mulheres,
é uma realidade que atinge as pessoas independentemente de idade,
orientação sexual, gênero e raça. Pereira e Nunes (2011) explicam que
o assédio sexual se caracteriza pelo sentimento de constrangimento e
intimidação por meio de palavras, gestos ou atos com objetivo explí-
cito de se obter favores de natureza sexual, sobressaindo a condição
de superior hierárquico ou superioridade em decorrência do cargo ou
função para realizar os atos de perseguição ou importunação.

O assédio sexual ocorre com mais frequência do nível superior para


o inferior, mas pode também ocorrer do nível inferior para um nível
superior quando, por exemplo, um subordinado tenta se aproveitar
de uma situação que prejudique um superior hierarquicamente, con-
figurando uma chantagem em troca de favorecimento de natureza

Gestão, ética e responsabilidade social 115


sexual. Segundo Pereira e Nunes (2011), apesar de o assédio sexual
no ambiente profissional ser também realizado por mulheres, tendo
como vítimas funcionários do sexo masculino, questões culturais de
nosso país fazem com que esse tipo de atitude, na maioria das vezes,
não seja considerado como assédio. Porém, as autoras destacam que
as mudanças sociais e culturais pelas quais a sociedade vem passan-
do fazem com que esse tipo de postura seja cada vez menos aceito.

Esse tipo de assédio não ocorre apenas nas relações profissionais.


Casos envolvendo relações de prestação de serviços (entre médicos
e pacientes, alunos e professores, autoridades religiosas e fiéis) ocor-
Saiba mais rem com frequência. Como traço comum, esses casos envolvem uma
O levantamento realizado figura de autoridade que utiliza seu poder e ascendência sobre o indi-
pela Think Eva e pela víduo que ocupa uma posição inferior na relação para obter favores
LinkedIn, embora não te-
nha o peso estatístico de sexuais.
uma pesquisa acadêmica,
pela baixa quantidade A pesquisa que originou o Índice PIR de assédio (IPRC, 2020) iden-
de respondentes (414 tificou que, mesmo o assédio sexual sendo menos aceito quando
questionários respondi-
dos), mostra a realidade comparado ao assédio moral no ambiente empresarial, 37% dos res-
das mulheres no cotidiano pondentes preferem se omitir ao presenciar atitudes que configuram
profissional. Realizada
durante o período de o assédio sexual e 16% afirmam praticar esse tipo de assédio.
quarentena em razão da
pandemia de Covid-19, no
Os dados são corroborados por um levantamento realizado pela
ano de 2020, a pesquisa consultoria Think Eva (2020) em parceria com a plataforma social
mostrou que mesmo o
trabalho na modalidade
LinkedIn, especializada em relacionamentos profissionais. O levanta-
home office não diminuiu mento conclui que mais da metade das mulheres já passaram por
as situações de assédio
sexual no ambiente
alguma experiência de assédio sexual durante a carreira, sendo que
empresarial. Ao contrário, mais de 80% delas ocupavam cargos hierarquicamente inferiores ao
devido à sensação de
proteção dada pelo
do assediador no momento em que o assédio ocorreu. Os dados mos-
ambiente virtual e à falsa tram que em 92% dos casos de assédio houve a solicitação de favo-
percepção de intimidade,
por ser possível entrar
res sexuais; em 91% ocorreu um contato físico forçado, não desejado
virtualmente nas casas pela vítima; e em 60% dos casos ocorreu o ato físico do abuso sexual.
das colegas de trabalho,
situações de assédio se Cerca de 78% das vítimas não denunciaram o abuso por terem
tornaram comuns nos
canais de comunicação
certeza de que o assediador ficaria impune, e 64% preferiram não
virtual das organizações. denunciar o assédio por medo de serem expostas ou pela descrença
Os resultados podem ser
acessados no link a seguir.
de outras pessoas em relação aos seus relatos.

Disponível em: https://thinkeva. Apesar de o termo assédio, no ambiente organizacional, ser utiliza-
com.br/pesquisas/assedio-no- do na maioria das vezes para se referir a questões sexuais e morais,
contexto-do-mundo-corporativo/.
Acesso em: 8 fev. 2021. qualquer forma de discriminação e marginalização de pessoas, seja
por meio de condutas físicas ou verbais de natureza ofensiva e discri-

116 Ética e responsabilidade social


minatória que ofendam, constranjam ou humilhem a vítima com o ob-
jetivo de afetar seu bem-estar físico e mental, pode ser caracterizada
como assédio.

Um exemplo é o assédio intelectual, que pode ser classificado como


um tipo específico de assédio moral no qual o assediador, por ocupar
maior cargo hierárquico, realiza atos ou adota posturas que busquem
humilhar, isolar, sabotar, não valorizar os trabalhos executados ou fur-
tar ideias de trabalho dos subordinados.

Esse tipo de assédio ocorre como uma exibição de poder por meio
da qual o assediador deseja reduzir a influência do assediado, normal-
mente um subordinado que se destaca ou está em ascensão na car-
reira, por entender que ele representa uma ameaça a sua posição na
hierarquia. O assédio intelectual é usado como instrumento para for-
talecer a imagem do assediador como detentor do poder pelo conheci-
mento e experiência prática. Pode também incluir a tática de submeter
o assediado a tarefas de difícil execução para as quais ele ainda não
tenha as competências profissionais necessárias como forma de expor
o subordinado a uma situação vexatória, caso ocorra o fracasso.

Muitas vezes o superior que pratica esse tipo de assédio se utiliza


de linguagem técnica/complexa para reafirmar sua condição e valo-
rizar sua imagem de intelecto e conhecimento superiores perante os
subordinados, deixando-os em posição de inferioridade e incapaci-
dade profissional.

Outra forma de praticar o assédio intelectual é se apropriar de ideias


e projetos de um subordinado ou não considerar nem reconhecer traba-
lhos realizados e os resultados obtidos pela vítima, de modo a isolá-la e
frustá-la em suas expectativas de reconhecimento. Assim, o assediador
pretende desmotivar o subordinado e diminuir seu desejo de desenvol-
ver projetos inovadores e complexos, forçando o assediado a assumir
uma postura de acomodação profissional dentro da empresa, que será
usada pelo assediador como mais uma ferramenta de assédio.

Apesar de pouco descrito na literatura acadêmica, o assédio intelec-


tual ocorre com frequência nas organizações e afeta a autoestima das
vítimas, que desenvolvem um sentimento de incapacidade, inferiorida-
de e frustração, o que pode abalar a construção de sua carreira.

Gestão, ética e responsabilidade social 117


5.5 Responsabilidade social corporativa
e direitos do trabalhador
Vídeo
Dentro do conceito de responsabilidade social empresarial estão
incluídos os aspectos sociais e legais que envolvem os direitos e obri-
gações de cada um dos lados da relação entre a organização e seus
empregados.

O processo de criação de regras e normas internas pela empresa é


descrito por Curi (2011), o qual mostra a influência da sociedade, que,
por meio da pressão exercida tanto sobre o Estado quanto sobre as
empresas, busca que suas demandas relacionadas a aspectos sociais,
ambientais e culturais sejam transformadas em leis, normas e regras
a serem seguidas pelas organizações no cotidiano de suas operações.
A figura a seguir mostra a inter-relação entre sociedade, governo e em-
presa no processo de criação de regras e normas.

Figura 3
Saiba mais Processo de criação de regras para as empresasFonte: Curi, 2011, p. 29.

Houbaczech/Shutterstock
Acessando o link a
seguir, você poderá ler
na íntegra o artigo 7º da
Constituição e todos os
1 2 3
direitos assegurados aos SOCIEDADE GOVERNO EMPRESA
trabalhadores urbanos Promove a Em obediência
Pressionado pela
e rurais, como seguro- discussão dos às leis, modifica
-desemprego, fundo
opinião pública,
temas ambientais, cria leis que sua prática,
de garantia do tempo
encaminhando suas satisfaçam suas evitando efeitos
de serviço, 13º salário,
exigências para exigências. negativos sobre a
jornada de trabalho não
superior a 8h diárias e
os representantes comunidade local.
44h semanais, repouso políticos.
semanal remunerado,
férias remuneradas com
acréscimo de 1/3 do valor Fonte: Curi, 2011, p. 29.
do salário, licença-mater-
Testa e Caldas (2019) mencionam que essa conexão entre a legisla-
nidade e licença-paterni-
dade, adicional noturno e ção e a prática das empresas é regulamentada por um conjunto de nor-
de insalubridade, aposen-
mas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (BRASIL,
tadoria, entre outros.
1943), pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) e por outras leis e
Disponível em: https://www.
senado.leg.br/atividade/const/ ordenamentos jurídicos que abordam o tema. No ordenamento jurí-
con1988/con1988_15.12.2016/
dico brasileiro, a lei superior é a Constituição, que é definida como um
art_7_.asp. Acesso em: 12 fev.
2020. conjunto de regras governamentais que rege o ordenamento federal,
conforme é evidenciado no próprio texto da Constituição.

118 Ética e responsabilidade social


Em seu artigo 7º, a Constituição aborda os direitos dos trabalhado-
res urbanos e rurais nas suas relações profissionais e de trabalho em
relação a empregadores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, com o
objetivo de protegê-los e melhorar sua condição social (BRASIL, 1988).

O ordenamento jurídico de uma nação é vivo e se adaptada às


mudanças sociais, culturais, tecnológicas e ambientais que trazem
impactos sobre a sociedade. Novas leis e normas são constantemen-
te promulgadas e trazem alterações na CLT, necessárias para acom-
panhar mudanças na sociedade e no contexto específico das relações
empregados-empresas. A figura a seguir mostra o funcionamento do
ordenamento jurídico brasileiro em relação às leis que regem as rela-
ções de trabalho.

Figura 4
Estrutura do ordenamento jurídico e direitos do trabalhador

Define em linhas gerais o conjunto de regras


CONSTITUIÇÃO FEDERAL de governo que rege o ordenamento federal,
ou seja, é a espécie jurídica mais importante
do país. Todas as outras espécies jurídicas se
submetem a ela.

São um conjunto de leis que versam sobre


LEIS TRABALHISTAS assuntos gerais da relação empregador e
empregado. A CLT faz parte do conjunto de leis
sobre essa relação e deve ser compatível com a
Constituição.

LEIS E NORMAS Submetem-se à CLT, que é a principal lei


SOBRE DIREITO DO específica referente à relação empregador
TRABALHADOR e empregado. Sendo assim, devem ser
compatíveis com a Constituição e com a CLT.

Fonte: Adaptada de Costa Filho et al., 2018.

Entre os diversos direitos do trabalhador garantidos pela CLT, in-


cluem-se a exigência da Carteira de Trabalho e Previdência Social
(CTPS) assinada pela empresa, a realização de exames médicos de ad-
missão e demissão, o repouso semanal remunerado, as datas limites
para pagamento de salários e benefícios e o direito a férias anuais.

Gestão, ética e responsabilidade social 119


A responsabilidade social da empresa em relação a seus colabo-
radores não é regida apenas pela legislação específica. Diversos ou-
tros documentos e instrumentos são utilizados pelas empresas para
Saiba mais garantir que a relação empresa-empregado seja saudável. Um desses
O Manual de aplicação da documentos é a Norma Regulamentadora 17 (NR 17), desenvolvida
Norma Regulamentadora
n. 17 apresenta conceitos em 1990 pelo então Ministério do Trabalho e da Previdência Social
e explanações breves (MTPS), que apresenta regras e orientações sobre diversos aspectos
sobre biomecânica,
fisiologia, organização físicos e estruturais do ambiente de trabalho com o objetivo de prote-
do trabalho, cognição, ger a saúde dos trabalhadores (BRASIL, 1990). Além de abordar ques-
mobiliário do posto
de trabalho, trabalho tões relacionadas aos aspectos físicos do local de trabalho, envolvendo
muscular, programas de conceitos de ergonomia e segurança do trabalhador, a NR 17 também
metas etc. Esse manual
foi elaborado em 2015 aborda questões éticas e comportamentais que precisam ser levadas
com o objetivo subsidiar em consideração pelas empresas.
a atuação dos auditores
fiscais do trabalho e dos De acordo com Testa e Caldas (2019), as doenças ocupacionais de-
profissionais de seguran-
ça e saúde do trabalha-
vem ser evitadas pelas organizações por meio de um trabalho preven-
dor em suas atividades e tivo sobre os fatores de risco presentes no ambiente de trabalho, com
pode ser consultado no
link a seguir.
uma visão técnica, social e comportamental, que leve em consideração

Disponível em: http://biblioteca.


as condições individuais e coletivas, relacionadas tanto a aspectos obje-
cofen.gov.br/wp-content/ tivos, como tarefas executadas e condições do local de trabalho, quanto
uploads/2015/01/MANUAL-DE-
APLICACAO-DA-NR-17.pdf. Acesso
a aspectos comportamentais subjetivos, como relações interpessoais e
em: 8 fev. 2021. hábitos pessoais dos colaboradores.

Uma empresa na qual as questões éticas não sejam adequadamen-


te tratadas e reguladas por meio de uma cultura ética e socialmente
responsável, traduzida nos manuais de processos e procedimentos, na
descrição dos cargos, nas normas e nos Códigos de Ética, está sujeita a
desenvolver uma cultura e um clima organizacional tóxicos, em que os
direitos dos trabalhadores não são respeitados, o que pode refletir na
saúde física e mental dos colaboradores.

A NR 17 apresenta práticas consideradas reprováveis na organiza-


ção do trabalho na empresa, por exemplo, a definição de normas e
regras organizacionais sem a participação dos trabalhadores e a exi-
gência de níveis de produtividade superdimensionados, relacionados
a prêmios individuais de produtividade, que podem acarretar excesso
de trabalho e perda do controle dos trabalhadores sobre sua jornada
de trabalho.

Algumas dessas práticas, apesar de serem consideradas de maneira


negativa pela NR 17, fazem parte do cotidiano das empresas, pois o fa-

120 Ética e responsabilidade social


tor econômico pesa na definição dos objetivos e das práticas. Embora
a busca pelo lucro seja fundamental para a sobrevivência e expansão
da empresa e para que os objetivos econômicos e ambientais sejam
alcançados, as cobranças por resultados não podem gerar situações
de assédio ou de pressão que afetem a saúde dos trabalhadores ou
tragam impactos negativos para a sociedade e para o meio ambiente.

5.6 O papel do gestor na responsabilidade


social e ambiental da organização
Vídeo A evolução constante nas relações entre empresas e sociedade tem
feito com que as organizações precisem se adaptar a transformações
sociais, políticas, econômicas e culturais.

Muitas empresas concluíram que é essencial que os aspectos rela-


cionados à responsabilidade social e ambiental sejam incorporados ao
posicionamento e ao planejamento estratégico, por meio da definição
de objetivos que levem em consideração os aspectos econômicos, so-
ciais e ambientais, visão conhecida como Triple Bottom Line.

Para que essa visão estratégica seja colocada em prática no cotidia-


no dos processos e das atividades da empresa, os líderes
e gestores têm o papel de traduzi-la em ações táti-
cas que envolvam o desenvolvimento de novos
procedimentos e novas formas de realizar as
atividades, considerando a responsabilida-
de socioambiental.

São também os gestores e líderes que


transformam essas estratégias e táticas
em métricas e indicadores que podem
ser medidos durante a execução das ativi-
dades realizadas pelas equipes de colabora-
k
dores da empresa nas relações que ocorrem rst
oc
hutte
n/S
internamente, bem como no relacionamento da Pasuwa

empresa com o ambiente externo formado por parceiros,


fornecedores, clientes, governo e sociedade.

A visão socioambiental deve estar presente em todos os projetos


e atividades das organizações, desde a elaboração do planejamento

Gestão, ética e responsabilidade social 121


e sua implementação até o encerramento. O gestor deve conhecer a
legislação pertinente, para que assim possa evitar transgressões de leis
que regulamentam a atividade da organização em relação aos impactos
no meio ambiente e na sociedade. As empresas precisam desenvolver
em seus colaboradores, especialmente em seus líderes, as competên-
cias necessárias para lidar com toda a complexidade das questões re-
lacionadas à responsabilidade social e ambiental, tanto nos aspectos
técnicos quanto comportamentais.

Segundo Curi (2011), infelizmente muitas empresas ainda pensam


apenas nos resultados financeiros de curto prazo e adotam filosofias
para diminuir custos sem levar em consideração os possíveis aspectos
negativos, sejam eles externos ou internos.

Ao analisar os principais eventos que trazem impactos negativos à


sociedade ou ao meio ambiente, como denúncias de trabalho escravo
na cadeia de fornecimento de uma empresa ou desastres ambientais
causados por decisões equivocadas dos gestores, como a tragédia de
Brumadinho, é possível identificar que a maioria desses problemas
poderia ter sido evitada se os gestores tomassem decisões baseadas
em uma visão ampla e holística de todos os riscos sociais e ambientais
envolvidos, e não simplesmente na visão econômica de curto prazo fo-
cada em diminuir os custos de qualquer forma, mesmo que isso repre-
sente a possibilidade de expor a empresa a riscos. O papel dos gestores
também não deve se resumir a uma postura reativa, em que as ações
são tomadas apenas após a ocorrência de fatos negativos, nem pode
ser baseada na dissimulação ou negação dos eventos.

Artigo

https://impactum-journals.uc.pt/territorium/issue/view/355/186

Após a tragédia da companhia Vale do Rio Doce, ocorrida na localidade do


Córrego do Feijão, em Brumadinho, os impactos do desastre ecológico ainda
são sentidos pelas comunidades afetadas, e provavelmente deverão ser sen-
tidos por muito tempo. A empresa foi acionada pela Justiça e continua enfren-
tando problemas relacionados à reparação de danos causados às populações
e ao meio ambiente e sofrendo com o impacto da tragédia sobre sua imagem
corporativa. O artigo Lama, o crime vale no Brasil – a tragédia de Brumadinho,
de Hudson Rodrigues de Lima e Vicente de Paulo da Silva, publicado na revis-
ta Territorium, relata a tragédia do ponto de vista das comunidades afetadas.

Acesso em: 8 fev. 2021.

122 Ética e responsabilidade social


De acordo com Dias (2014), as organizações apostam no conheci-
mento e realizam investimentos para manter e formar talentos, pois
reconhecem o valor e a importância desses recursos humanos para a
manutenção da competitividade da organização diante dos competido-
res no mercado.

A liderança precisa considerar, nos seus processos de gestão, essa


nova relação entre empresa, trabalhadores e sociedade, implemen-
tando na prática os conceitos relacionados à responsabilidade social e
ambiental. Curi (2011) ressalta que a gestão da empresa deve buscar
adotar um modelo de gestão e de desenvolvimento dos recursos hu-
manos fundamentado em uma postura preventiva, pois é muito mais
vantajoso e menos complexo adotar medidas preventivas e planejadas
do que tomar medidas corretivas quando as ações ou decisões da em-
presa trazem danos à sociedade e ao meio ambiente.

Para o autor, o administrador tem grande importância para a em-


presa por conhecer as leis, as normas e os limites éticos, legais e mo-
rais que direcionam a atuação da empresa e por buscar, por meio de
suas ações, diminuir ou eliminar todos os possíveis impactos externos,
como a poluição e a degradação do meio ambiente, no contexto da
responsabilidade ambiental, e as ações danosas à comunidade e aos
colaboradores, no contexto da responsabilidade social (CURI, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As empresas são constituídas de diferentes grupos de pessoas que
trabalham em conjunto para atingir objetivos comuns. As relações que
se estabelecem entre os profissionais dos diversos níveis hierárquicos, se
não forem bem administradas, podem gerar situações de conflito e abuso
de poder que podem afetar as relações entre os trabalhadores e os resul-
tados obtidos pela organização.
O resultado positivo só é atingido pela adoção de princípios e valores
culturais e morais coesos e comuns à empresa e aos colaboradores, crian-
do um ambiente de respeito e colaboração que aumente a motivação e a
produtividade dos empregados que se identificam com objetivos de inte-
resse social, ambiental e econômico da empresa.
Nesse contexto, a liderança tem um papel muito importante ao con-
duzir as atividades das empresas, respeitando os preceitos da responsa-
bilidade socioambiental e administrando as diferenças dos colaboradores
com base em princípios éticos e valores culturais e morais.

Gestão, ética e responsabilidade social 123


ATIVIDADES
1. Aponte as semelhanças e diferenças existentes entre o assédio moral
e o assédio sexual.

2. Imagine uma indústria que apresenta riscos de expor seus


colaboradores a condições que os prejudiquem em seu ambiente
de trabalho. A empresa desenvolve a higiene ocupacional (uma
técnica preventiva das empresas, que tem como objetivo eliminar/
reduzir os agentes agressivos de natureza química, física ou biológica
presentes no local de trabalho) para diminuir o risco de deterioração
do ambiente de trabalho e de prejuízo à saúde dos trabalhadores,
uma prática de sustentabilidade social que beneficia os empregados
ao proporcionar um ambiente com menos riscos de desenvolver
doenças de ordem ocupacional. Como, nesse caso, a aplicação correta
da higiene ocupacional também pode ser uma prática de proteção ao
meio ambiente?

3. Explique a diferença entre assédio moral ascendente e descendente.

REFERÊNCIAS
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5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm. Acesso em: 12 fev. 2021.
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Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del5452.htm. Acesso em: 5 fev. 2021.
BRASIL. Ministério do Trabalho. Norma Regulamentadora n. 17 – Ergonomia. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 26 nov. 1990. https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-
e-saude-no-trabalho/normas-regulamentadoras/nr-17.pdf/view. Acesso em: 12 fev. 2021.
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CAXITO, F. A. Do desemprego à recolocação. São Paulo: AltaBooks, 2020.
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CURI, D. Gestão Ambiental. São Paulo: Pearson Education, 2011.
DIAS, R. Sociologia e ética profissional. São Paulo: Pearson Education, 2014.
IPRC. Índice PIR – Assédio. 2020. Disponível em: https://materiais.iprcbrasil.com.br/pir-ass
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Acesso em: 4 fev. 2021.
JESUS, T. A.; SARMENTO, M.; DUARTE, M. Ética e responsabilidade social. Dos Algarves:
A Multidisciplinary e-Journal, n. 29, p. 3-30, 2017. Disponível em: http://www.dosalgarves.
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124 Ética e responsabilidade social


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jeito deles ou vai humilhado até não aguentar mais. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo;
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TESTA, M.; CALDAS, R. M. Legislação ambiental e do trabalhador. São Paulo: Pearson Education,
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AMT.pdf. Acesso em: 5 fev. 2021.

Gestão, ética e responsabilidade social 125


GABARITO
1 Ética e moral no contexto empresarial
1. O termo Êthos, grafado com o acento circunflexo na primeira letra, está
relacionado à ideia de interioridade do ser humano, a habitação do ser
interior. Já o termo Éthos, grafado com acento agudo na primeira letra,
se relaciona ao comportamento externo adotado pelas pessoas em
sua convivência social, aos hábitos e costumes individuais, ou seja, o
modo como uma pessoa se comporta em sociedade. É esse segundo
conceito que causa a confusão com o conceito de moral, que pode
ser entendido como os costumes de um determinado grupo social, as
normas, regras e leis que governam as relações entre as pessoas que
convivem em sociedade.

2. A filosofia hedônica é um conceito central para o estudo da sociedade


de consumo atual, caracterizada pela busca do sucesso e da sensação
de felicidade por meio do consumo, da gratificação sensorial imediata
trazida pela compra e uso de bens. O consumo cumpre o papel de
garantir o prazer hedônico e traz reconhecimento e status dentro da
sociedade.

3. O desenvolvimento científico também influenciou a forma de se pensar


as relações sociais e o papel da ética e da moral. O entendimento do
funcionamento das leis da natureza trouxe a visão de que as relações
sociais também poderiam ser pensadas como uma máquina que pode
ser regulada, por meio de leis morais, para funcionar de forma mais
eficiente.

2 Código de Ética nas organizações


1. A missão pode ser entendida como a razão de existência da empresa,
ou seja, para que ela foi criada. A visão, por sua vez, mostra onde a
empresa pretende chegar, onde ela se vê em determinado momento
no futuro. Já os valores representam os padrões éticos que guiarão as
decisões, ações, posturas e comportamentos da empresa e de seus
colaboradores.

2. A cultura organizacional tem como objetivo orientar como os membros


de um grupo social específico – os colaboradores de uma empresa
– compartilham histórias, símbolos, conhecimentos e determinar os
comportamentos, ações e atitudes aceitos dentro do grupo social. Já o

126 Ética e responsabilidade social


clima organizacional está relacionado aos sentimentos dos indivíduos
em relação à empresa e seu trabalho. Enquanto a cultura organizacional
é estável e leva tempo para ser alterada, o clima organizacional pode
oscilar rapidamente.

3. O Código de Ética tem a função de identificar as tarefas, atividades,


funções, responsabilidades e objetivos que a empresa pretende
realizar para alcançar seus objetivos em sua atuação na sociedade.
O documento também informa a filosofia, os princípios éticos e os
valores morais em que a empresa acredita e coloca em prática.

3 Responsabilidade social nas organizações


1. A responsabilidade social empresarial engloba as ações da empresa
que beneficiam não apenas seus stakeholders como também a
sociedade em geral. Do ponto de vista social, as ações de RSE têm
como objetivo promover o desenvolvimento de uma sociedade mais
igualitária e justa. Já quanto ao meio ambiente, essas ações buscam ir
além de garantir que as atividades da empresa não tragam impactos
negativos para ele, objetivando, ainda, promover a sustentabilidade
ambiental e reverter a degradação ambiental.

2. O que explica a viabilidade da aplicação do conceito de responsabilidade


social e ambiental pelas empresas é o fato de que elas têm ganhos
de imagem e reputação perante consumidores mais racionais e
conscientes, que não levam em consideração o preço para decidir
pela compra de produtos ou contratação de serviços. Esse aspecto
é reforçado pela evolução da sociedade em termos de racionalidade
e em termos críticos, e para essa parte dos consumidores os atos
praticados em benefício da sociedade se tornam uma diferenciação
da empresa perante os concorrentes, representando, assim, uma
vantagem competitiva.

3. De acordo com o Triple Bottom Line, uma empresa é considerada


sustentável quando seus objetivos e resultados levam em consideração
a criação de valor tanto no aspecto econômico-financeiro quanto nos
aspectos social e ambiental.

4 Sistemas de gestão de responsabilidade social


1. Um SGA deve possuir as mesmas características de um sistema
genérico de gestão, como: retroalimentação em ciclos de verificação
contínua para detectar imperfeições e desvios de diretrizes. A

Gabarito 127
verificação deve se basear em mensurações, uso de indicadores de
desempenho e auditorias internas e externas de maneira periódica e
sistemática. Após a detecção de problemas, procedem-se as correções
e providenciam-se as alterações de processos, dentro dos princípios
de melhoria contínua, que sejam aderentes à legislação ambiental e
aos objetivos das empresas.

2. A prática de se certificar é eficaz para que uma empresa que pratica


atos em prol da sociedade e do meio ambiente se diferencie das outras,
pois isso destaca seus produtos, sua marca e a própria empresa e
reforça a sua credibilidade ao demonstrar que está agindo de acordo
com ações que beneficiam a sociedade e preservam o meio ambiente,
além de contribuir para diferentes aspectos dos negócios, elevando os
níveis de qualidade, segurança e eficiência.

3. A certificação produz consequências benéficas para a sociedade e o


meio ambiente, como a redução de impactos negativos (poluição e
exaustão de recursos naturais por excesso de consumo) e o aumento
dos impactos positivos (ações auxiliando o acesso a cursos profissionais
e a realização de campanhas sociais e culturais), e possibilita ligações
entre empresa e sociedade, com os objetivos da empresa se unindo
a interesses sociais e ambientais e se tornando parte integrante
do planejamento estratégico da empresa, que resultará em mais
benefícios mútuos.

5 Gestão, ética e responsabilidade social


1. Tanto o assédio moral quanto o sexual são formas de discriminação e
marginalização de empregados e englobam qualquer comportamento
que represente uma violência física ou verbal indesejada, com
frequência e por períodos prolongados, que ofenda, humilhe ou
cause constrangimento à vítima. A diferença em relação a esses
tipos de comportamento nocivo entre empregados é a conotação de
favorecimento sexual que envolve a vítima do assédio sexual.

2. A higiene ocupacional ou higiene do trabalho é uma das medidas


adotadas pelas empresas que pode gerar impactos positivos na
prevenção de danos à saúde dos trabalhadores. Quando corretamente
aplicada, pode se tornar uma forma de contribuir para a proteção do
meio ambiente. No exemplo dado, se um elemento químico nocivo
for eliminado num processo de controle rigoroso, ele não afetará a
saúde dos trabalhadores nem causará impactos ao meio ambiente.
Uma medida de proteção do trabalhador (social), com relação a

128 Ética e responsabilidade social


danos causados por substâncias químicas, contaminação biológica ou
alterações físicas no ambiente, estenderá o impacto benéfico ao meio
ambiente, pois ao eliminar o produto químico nocivo, com o objetivo
de criar um ambiente de trabalho com menos riscos para a saúde
do trabalhador, ampliam-se os benefícios para o meio ambiente ao
acabar com os possíveis danos que o produto químico causaria a ele,
ou seja, protegerá também o meio ambiente.

3. O assédio moral descendente ocorre quando há uma relação de


subordinação hierárquica entre o assediador e o assediado. Já o assédio
moral ascendente ocorre quando um funcionário de nível hierárquico
superior sofre assédio moral por algum de seus subordinados.

Gabarito 129
ética e responsabilidade social
Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-65-5821-007-8

59853 9 786558 210078

fabiano caxito

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