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Análise comparativa de duas teorias do conhecimento: o empirismo de

David Hume

1. Em que consiste o projeto de David Hume?


O projeto de David Hume consiste em analisar a mente humana para determinar as
capacidades e os limites do entendimento humano.

2. Quais são os conteúdos da mente?


Os conteúdos da mente são as perceções. Hume divide-as em dois tipos: impressões e ideias.

3. O que distingue as impressões das ideias?


As impressões distinguem-se das ideias pelo grau de força e vivacidade com que se
apresentam na mente. Há dois critérios para as distinguir: a) a força e vivacidade com que
umas e outras se apresentam. Assim, as ideias são perceções menos intensas e fortes do que
as impressões, de que são imagens mentais; b) a ordem ou sucessão temporal da sua
apresentação. Assim, como as ideias são imagens das impressões, uma impressão é
necessariamente anterior a uma ideia.

4. Que relação estabelece o princípio da cópia entre impressões e ideias?


Segundo o princípio da cópia, as ideias são cópias das impressões. As cópias são menos
intensas e vívidas do que as impressões, que estão na sua origem.

5. Por que razão o princípio da cópia implica que não há ideias inatas?
Se as ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por estas, então têm uma origem
empírica. As nossas ideias formam-se todas a partir da experiência.

6. Como argumenta Hume a favor do Princípio da Cópia?


Hume argumenta que, se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não possuísse a
capacidade de ter a experiência da cor formaria a ideia de cores, o que é absurdo. Uma pessoa
cega de nascença não poderá ter a ideia de branco porque nunca terá a impressão de branco.

7. Que teses empiristas são expressas pelo princípio da cópia?


São as seguintes: do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de que temos
experiência.

8. Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento. Que tipos de conhecimento


existem segundo Hume?
Existem conhecimentos formais (de relações de ideias) e conhecimentos de facto ou factuais.

9. O que distingue conhecimentos de facto de conhecimento de ideias?


Os conhecimentos de ideias ou a priori são constituídos por proposições cuja verdade é
necessária ou logicamente impossível de negar e, em geral, por raciocínios demonstrativos ou
dedutivos absolutamente certos. Os conhecimentos de factos ou a posteriori são constituídos
por proposições cuja verdade é contingente ou logicamente possível de negar e por raciocínios
indutivos que não podem aspirar à certeza absoluta

10. Em que se baseiam os nossos conhecimentos de factos?


Baseiam-se na relação de causa e efeito e em raciocínios indutivos. O pressuposto destas
relações e inferências é a crença na uniformidade da natureza.
11. Que elementos estão presentes na ideia de relação causal?
Na relação causal estão presentes elementos que são alvo de observação direta (a
contiguidade e sucessão ou conjunção constante de dois factos) e que são inferidos (a ideia de
que um acontecimento deve necessariamente produzir outro – a ideia de conexão necessária).

12. Por que razão associamos a ideia de causa à ideia de conexão necessária?
Porque entendemos a ligação entre causa e efeito como uma relação que acontece sempre e
não só quando observamos dois eventos conjugados e sucedendo um ao outro. Sempre que
dois acontecimentos aparecem regularmente conjugados, julgamos que a um se segue
necessariamente o outro, de tal modo que a causa tem o poder de necessária ou
inevitavelmente produzir o outro.

13. Pode a experiência – o único critério de verdade dos juízos de facto – provar essa
conexão necessária?
Não. Quando dizemos que um acontecimento (A) causa necessariamente outro (B), dizemos
que A causa sempre B. Ora, causar sempre significa que causou, causa e causará. Mas isto
implica que teríamos de ter a impressão deste poder causal no futuro. Contudo, de
acontecimentos futuros não temos qualquer impressão sensível. Logo, a experiência não
encontra nenhuma impressão que corresponda à ideia de conexão necessária.

14. A que se deve então a nossa crença de que há acontecimentos que estão
necessariamente conectados?
Deve-se a um fator psicológico: o hábito. Transformamos uma relação de sucessão temporal
constante entre dois factos – a única coisa que a experiência nos pode dar – numa conexão
necessária porque habituados a observar dois acontecimentos constantemente conjugados
julgamos um não pode acontecer sem o outro. O costume ou hábito gera em nós a crença, a
convicção de que aquilo a que chamamos efeito deve seguir-se àquilo a que chamamos causa.

15. Os nossos raciocínios relativos ao conhecimento do mundo têm caráter indutivo?


Sim. O que habitualmente fazemos são generalizações e previsões. Assim, quando supomos
que um acontecimento causa sempre outro, prevemos que o surgimento do primeiro será
seguido pelo surgimento do segundo.

16. Em que se baseiam as nossas relações causais e a confiança que depositamos nos
raciocínios indutivos?
Baseiam-se na crença da uniformidade da natureza, na suposição de que o que sucedeu no
passado voltará a acontecer no futuro do mesmo modo.

17. Podemos justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza?


Não porque se trata de uma crença indutiva para a qual só encontramos uma justificação de
tipo indutivo, o que é falacioso. Usa-se como justificação o que precisa de ser justificado.

18. O que conclui Hume da sua análise dos problemas da causalidade e da indução?
Conclui que o conhecimento do mundo não é possível porque não podemos justificar nem a
crença na causalidade nem a crença na indução. Apesar desta conclusão, há razão para não
considerar Hume um cético radical. O conhecimento do mundo não tem um fundamento
objetivo, mas o hábito assume o papel de princípio produtor de uma crença natural segundo a
qual o mundo funciona como julgamos que funciona.
Resumo da teoria do conhecimento de David Hume

Projeto Investigar as capacidades e os limites do entendimento humano no


que respeita ao conhecimento do mundo de modo a evitar
especulações inúteis e a determinar se e o que podemos saber.
Estratégia Analisar os conteúdos da mente.

Os conteúdos da Os conteúdos da mente são as impressões e as ideias.


mente Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento.
Segundo o Princípio da Cópia, as ideias são cópias das impressões. As
cópias são menos intensas e vívidas do que as impressões que estão na
sua origem.
As ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por estas.
Têm uma origem empírica. As nossas ideias formam-se todas a partir
da experiência.
Se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não possuísse a
capacidade de ter a experiência da cor formaria a ideia de cores, o que
é absurdo. Uma pessoa cega de nascença não poderá ter a ideia de
branco porque nunca terá a impressão de branco.
O Princípio da Do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de que
Cópia e o temos experiência. O conhecimento começa com a experiência e
empirismo daquilo de que não há experiência não há conhecimento
O problema do A matemática e a lógica dão-nos verdades necessárias, mas não nos
conhecimento do dão conhecimentos sobre o mundo. Por isso, o problema da
mundo ou possibilidade do conhecimento é o de saber se podemos conhecer os
conhecimento factos do mundo.
factual
Em que consiste o O nosso conhecimento do mundo consiste – esquecendo as
nosso observações simples como ver o Sol nascer – em explicações,
conhecimento dos generalizações e previsões. As explicações implicam o recurso à ideia
factos do mundo de relação entre causa e efeito. As generalizações e as previsões são
formas de raciocínio indutivo. Assim, o nosso conhecimento do mundo
baseia-se essencialmente na relação causa e efeito e em inferências
indutivas. Como os argumentos dedutivos se limitam às relações entre
ideias, não servem para conhecer factos.
O pressuposto Explicamos factos, generalizamos observações particulares e
fundamental do efetuamos previsões. O que subjaz a estas atividades é a crença de que
nosso o mundo se comporta de forma regular ou uniforme. A crença na
conhecimento do uniformidade da natureza é a que está na base da nossa relação de
mundo conhecimento com os factos que constituem o mundo.
Em que consiste Consiste em tentar provar que é verdade o seguinte:
justificar a 1. Que a ideia de conexão necessária dos fenómenos do mundo é uma
possibilidade de propriedade objetiva das coisas (não é uma simples ideia).
conhecimento dos 2. Que os raciocínios indutivos se exprimem, em princípio, pelo
factos do mundo conhecimento dos factos, que nos permitem atingir conclusões
verdadeiras.
A resolução destes dois problemas depende da solução de um
problema mais fundamental: provar que é verdade que a natureza –
os factos do mundo ‒ se comporta de forma regular e uniforme.

Primeira Não podemos provar que acontecimentos que supomos causalmente


conclusão cética: relacionados estejam conectados necessariamente. Como conhecer é
Não é possível explicar os factos estabelecendo uma conexão necessária entre eles,
provar que a ideia o conhecimento objetivo do mundo não é possível.
de conexão Por que razão se chega a esta conclusão?
necessária é Porque, se todo o conhecimento depende da experiência, esta não nos
verdadeira. dá, contudo, qualquer prova (qualquer impressão) de uma conexão
necessária entre acontecimentos. Podemos pensar que certos
acontecimentos são causas de outros, mas tal crença não pode ser
justificada pela experiência. A experiência nada mais nos mostra do
que uma conjunção constante entre certos factos, mas nunca uma
ligação necessária que faça de um a causa sem a qual o outro não
existe ou acontece.
Segunda «A causa B» significa que A produz B ou que B é e será sempre
conclusão cética: seguido de A. Até agora tem sido assim e assim continuará a ser. Esta
O nosso crença exprime-se mediante um argumento indutivo, argumento que
conhecimento do nos leva para lá da experiência ou da observação empírica.
mundo não se Qualquer argumento indutivo, tal como a ideia de conexão necessária,
pode basear na pressupõe a ideia de uniformidade da natureza, que esta se comporta
indução. sempre do mesmo modo ou que é previsível. Mas essa ideia só poderia
ser justificada mediante o recurso a um argumento indutivo. Ora, isso
é fazer do que se pretende provar uma forma de prova, o que consiste
numa petição de princípio (não é logicamente legítimo que, mediante
a indução, que depende da ideia de uniformidade da natureza,
provemos a verdade desta ideia).
Assim, o nosso conhecimento do mundo não se pode basear nem em
argumentos dedutivos – não tratam de factos – nem em argumentos
indutivos (da ideia de uniformidade da natureza na qual os
argumentos indutivos se baseiam não podemos ter qualquer
experiência).

Conclusão cética O conhecimento do mundo não é possível. Formamos ideias acerca


global: O do modo como as coisas do mundo são ou funcionam, mas não
conhecimento podemos pretender alcançar nem verdades indiscutíveis – certezas –
objetivo não é nem verdades prováveis.
possível.
Em que consiste o O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem por certezas
nosso nem por verdades prováveis. Não possuímos crenças verdadeiras
conhecimento do objetivamente justificadas.
mundo Mas possuímos crenças que, não tendo um fundamento racional ou
empírico, encontram no hábito ou costume uma forte base psicológica.
As nossas inferências indutivas e a crença na conexão necessária entre
fenómenos baseiam-se no hábito. Sem qualquer faculdade que nos
permita resolver questões de facto, não deixamos de explicar, de
prever acontecimentos e, assim, de agir no mundo. O hábito é o
conhecimento transformado em crença indispensável.
O empirismo de Podemos caraterizar o empirismo de Hume do seguinte modo:
David Hume 1. Baseado na investigação das capacidades do entendimento humano,
afirma que o conhecimento começa com a experiência e não pode ir
além dela.
2. Analisando os conteúdos da mente envolvidos no ato de conhecer,
conclui que a afirmação anterior tem a ver com o facto de que não há
conhecimento de ideias a que não corresponda uma impressão
sensível.
3. Se do que não há impressão não há ideia, não há ideias inatas.
4. As relações causais que estabelecemos entre os factos e as
inferências que nos levam para lá da «memória e dos sentidos», ou
seja, as inferências indutivas, não têm fundamento empírico. Para lá da
«memória e dos sentidos» não há impressão que justifique a crença de
que há uma relação de necessidade entre causa e efeito e de que o
mundo continuará a ser como até agora tem sido.
5. O nosso conhecimento do mundo não é constituído nem por
verdades indubitáveis nem por verdades prováveis. O empirismo de
Hume é, de certa forma, um ceticismo.
6. Não podemos provar que conhecemos os factos do mundo, mas não
podemos deixar de acreditar que conhecemos. O conhecimento é uma
crença em cuja verdade podemos confiar, mesmo que não a possamos
justificar. Devemos deixar-nos guiar pelo hábito.

QUADRO COMPARATIVO DAS TEORIAS DO CONHECIMENTO DE DESCARTES E DE HUME


TEMAS Descartes Hume

Encontrar princípios racionais Efetuar uma análise da mente que revele


indubitáveis de modo a quais as capacidades e os limites do
PROJETO justificar que o sistema do entendimento humano.
conhecimento seja constituído
por verdades absolutamente
certas.
O conhecimento entendido Todo o conhecimento começa com a
como certeza absoluta não experiência porque todas as nossas ideias
ORIGEM DO são causadas por impressões das quais
pode principiar com a
CONHECIMENTO são cópias. Hume não é racionalista. É
experiência porque os
sentidos não são fiáveis. empirista.
Descartes não é empirista. É
racionalista.

Nem todas as ideias são Todas as nossas ideias têm uma origem
OS CONTEÚDOS inatas, mas o conhecimento empírica, mesmo as mais complexas e
DO funda-se em ideias inatas ou abstratas. São cópias de impressões
ENTENDIMENTO puramente racionais.
sensíveis. Por isso não há ideias inatas. O
empirismo rejeita o inatismo.

AS OPERAÇÕES Mediante a intuição, A intuição e a dedução limitam-se ao


DO descobrimos o princípio conhecimento formal das matemáticas e
ENTENDIMENTO primeiro e indubitável do da geometria. Esses conhecimentos a
sistema do saber. Por
priori são indubitáveis, mas nada de
dedução, inferimos por ordem
outras verdades indubitáveis indubitável podemos conhecer sobre o
sobre a relação alma – corpo, mundo e o que ultrapassa a experiência.
Deus e o mundo. O conhecimento de factos depende de
raciocínios indutivos. As verdades sobre o
mundo, caso existam, não podem ser
estabelecidas dedutivamente.

A POSSIBILIDADE O conhecimento é possível, O conhecimento de factos não é possível.


DO sendo um conjunto de Nem a razão nem a experiência nos dão
CONHECIMENTO verdades absolutamente verdades objetivas sobre o mundo.
indubitáveis sobre a alma – o Temos crenças, mas não conhecimentos.
eu –, Deus e o mundo. As únicas verdades indubitáveis são as da
matemática e da lógica.

Podemos justificar as nossas Não há justificação nem empírica nem


A JUSTIFICAÇÃO crenças ou opiniões racional para o conhecimento do mundo.
DO verdadeiras porque há um O conhecimento é um produto do hábito
CONHECIMENTO princípio racional indubitável e não da razão. É uma crença natural que
do conhecimento – oCogito – só traduz a nossa necessidade de
e um fundamento acreditar que conhecemos como o
absolutamente confiável – mundo é e funciona.
Deus – que garante a verdade
das nossas ideias claras e
distintas.
OS LIMITES DO Aplicando corretamente a Do que não há experiência não pode
CONHECIMENTO nossa faculdade de conhecer, haver conhecimento. Por isso não há
podemos alcançar verdades conhecimento de realidades metafísicas
indubitáveis sobre o mundo (Deus e a alma). A metafísica não é uma
físico e sobre realidades que ciência. Nem mesmo do mundo temos
ultrapassam a experiência. A conhecimentos certos e seguros.
metafísica é a ciência
fundamental, a raiz da «árvore
do saber».
O nosso conhecimento da realidade é O nosso conhecimento do mundo não é constituído
constituído por verdades indubitáveis. nem por verdades indubitáveis nem por verdades
prováveis.

EXERCÍCIOS
1. De que depende o nosso conhecimento acerca de questões de facto?

O nosso conhecimento de questões de facto depende da relação de causa-efeito e


dos raciocínios indutivos e, em última análise, da crença no Princípio da
Uniformidade da Natureza . Os conhecimentos acerca de questões de facto que vão
para além da experiência imediata ou passada baseiam-se na relação de causa-efeito
e nos raciocínios indutivos. O nosso conhecimento do mundo consiste em descobrir
que acontecimentos dão origem a outros e em estabelecer relações causais entre
eles. Por exemplo: o enunciado «A queda dos corpos resulta da força da gravidade»
estabelece uma relação de causa-efeito entre a força da gravidade (causa) e a queda
dos corpos (efeito). Por relação causal entendemos uma conexão necessária entre
acontecimentos de tal ordem que, sempre que, em certas condições, um deles
acontece, acontece também inevitavelmente o outro. É nesta conexão entre
acontecimentos que, supostamente, tem origem a nossa ideia de relação causal.
Outro ingrediente essencial do nosso conhecimento do mundo são os raciocínios
indutivos. Sempre que queremos ir além da mera experiência imediata ou passada,
temos de raciocinar indutivamente, fazendo previsões e generalizações. São os
raciocínios indutivos que me permitem afirmar que o Sol vai nascer amanhã
(previsão) ou que um corpo dilata sempre que é aquecido (generalização). Na base
de todos os raciocínios está, segundo Hume, a crença no Princípio da Uniformidade
da Natureza. Assim, para determinar se o conhecimento acerca de questões de facto
está justificado, pensa Hume, é necessário averiguar se as crenças na causalidade e
na uniformidade da natureza estão justificadas

2. Em que consiste a ideia de relação de causa-efeito ou de causalidade?


Consiste na ideia de conexão necessária entre acontecimentos, isto é, na ideia de
que, sempre que, em certas condições, acontece A, acontece inevitavelmente B, de
tal maneira que A produz necessariamente B.
3. Segundo Hume, todo o conhecimento acerca de questões de facto que vá além
da experiência imediata (ou passada) baseia-se na relação de causa-efeito. Será
que podemos justificar esta relação?
Não. Ou a relação de causa e efeito pode ser conhecida a priori ou baseia-se
inteiramente na experiência. Ora, segundo Hume, esta relação não pode ser
conhecida a priori. Se fosse possível saber sem recurso à experiência que certos
factos têm o poder de causar outros, poderíamos antecipar, sem nunca ter visto algo
semelhante, que o impacto de uma bola de bilhar noutra bola de bilhar produz o
movimento da segunda. No entanto, sem experiência não é possível saber nenhuma
destas coisas. A experiência também não pode justificar a relação de causa e
efeito. A experiência apenas pode revelar entre dois acontecimentos uma sucessão e
conjunção constante, e nada permite afirmar que o primeiro tenha realmente poder
para produzir o segundo, estabelecendo assim uma relação de dependência
necessária do efeito em relação à causa. Portanto, o conhecimento da relação de
causa-efeito não pode ser obtido a priori – independentemente da experiência –
nem a posteriori – por intermédio da experiência.
4. Explique, de acordo com a filosofia do conhecimento de David Hume, a relação
entre hábito e inferência causal.
Para Hume, a nossa ideia de inferência causal não tem uma origem objetiva, isto é,
na própria realidade, mas é o resultado de um mecanismo psicológico subjetivo a que
dá o nome de hábito. Não existe qualquer justificação, racional ou empírica, para a
nossa crença na existência de relações causais. É o hábito baseado em repetições
passadas, em que sempre que um fenómeno ocorria um outro se lhe seguia, que nos
leva a crer, isto é, ter a expetativa de que um é causa e o outro efeito e que estão
necessariamente conetados. Com base no hábito e não na razão ou nos próprios
objetos, acreditamos na repetição futura dos acontecimentos.
A explicação de Hume baseia-se em fatores psicológicos. Transformamos uma
sucessão temporal regular em relação causal ou necessária devido ao costume ou ao
hábito: habituados a ver que B sucede regularmente a A, acreditamos que A é a
causa necessária de B, isto é, que sempre assim será. Na verdade, o que acontece é
que, por nos habituarmos a ver dois objetos sucederem-se um ao outro do mesmo
modo, criamos a tendência para crer que, aparecendo o primeiro, aparecerá também
o segundo. Nada mais ilusório do que esta relação de dependência, porque
transformou-se uma relação de mera sucessão temporal (o antes e o depois) em
relação causal. Não há, segundo Hume, qualquer fundamento objetivo na experiência
que confirme esta relação. Assim, o princípio de causalidade considerado um
princípio racional e objetivo nada mais é do que uma crença subjetiva, o produto de
um hábito, a transformação de uma expetativa em realidade. O conceito de causa é
o resultado de uma necessidade psicológica. O hábito de vermos um dado
acontecimento ser seguido por outro leva-nos a crer que existe uma conjunção
necessária entre esses acontecimentos. Por conseguinte, a ideia de relação de causa
e efeito é o produto da subjetividade humana e não temos razões para afirmar que
tem correspondência na realidade objetiva.
5. Explique de que modo a análise efetuada por David Hume ao princípio de
causalidade se harmoniza com o empirismo.
A análise de David Hume ao princípio de causalidade harmoniza-se com o empirismo
do seguinte modo: para Hume, uma ideia só é verdadeira se tiver uma impressão que
lhe corresponda. Por conseguinte, a verdade das ideias é, em última instância,
determinada pela experiência. E esta é uma tese central do empirismo. À ideia de
causa não corresponde qualquer impressão sensível. Que regularmente vejamos ou
tenhamos visto B acontecer depois de A não nos permite estabelecer uma relação
causal objetiva, ou seja, que B acontecerá necessariamente depois de A. A
experiência – para Hume o único critério quanto a questões de facto – permite-me
captar uma sucessão regular entre dois fenómenos, mas não uma sucessão necessária
(ou seja, só permite ver o que acontece aqui e agora e não o que sempre
acontecerá). Pela experiência, sabemos que no passado a água ferveu, mas não é
legítimo concluir que no futuro sempre ferverá. E, contudo, acreditamos – e é útil
que acreditemos – que o aquecimento da água é a causa necessária da sua fervura.
6. Segundo Hume, a confiança nos nossos raciocínios indutivos tem fundamento
racional e objetivo? Justifique.
Não. A indução ou é justificada de forma estritamente racional (a priori,
independentemente da experiência) ou de forma a posteriori(por intermédio da
experiência).
A indução não pode ser justificada com base na razão. Se a indução fosse
racionalmente justificável, então bastaria o facto de as premissas serem verdadeiras
para que a conclusão fosse verdadeira (isto é, seria um argumento dedutivo com
forma válida). Mas não é assim. A conclusão de um argumento indutivo, mesmo no
caso em que as premissas são verdadeiras, pode ser sempre falsa. Portanto, a
indução não pode ser justificada nem por intermédio da razão.
A indução também não pode ser justificada empiricamente, isto é, por intermédio
da experiência. Por exemplo, diremos, com base na experiência, que o Sol vai
nascer amanhã, porque sempre nasceu até hoje. Isto significa que acreditamos que o
futuro será como o passado e que, por causa disso, podemos estar confiantes de que
o Sol nascerá amanhã. Mas que razões temos para acreditar que o futuro será como o
passado, que justificação temos para crer na uniformidade da natureza? Uma vez
mais, apenas a experiência passada. Assim, a nossa crença na uniformidade da
natureza tem por fundamento a indução. Ora, justificar a indução por intermédio da
indução é raciocinar em círculo (é como dizer «o que justifica a indução é a
indução»). Além disso, a experiência passada nunca pode garantir a verdade da
conclusão de um raciocínio indutivo (que diz sempre respeito a casos que não são
abrangidos por essa experiência expressa pelas premissas). Portanto, a indução não
pode ser justificada.
7. Por que razão não podemos justificar o Princípio da Uniformidade da Natureza?
Todo o nosso conhecimento do mundo tem origem na experiência e, se quisermos ir
além da experiência imediata ou passada, temos de raciocinar indutivamente.
Segundo Hume, a confiança que depositamos nos raciocínios indutivos depende do
princípio de que a natureza é uniforme, o que significa que este princípio ocorre
como uma premissa implícita em todos eles. Assim, o problema é como justificar este
princípio. Hume afirma que não é possível justificar a priori o Princípio da
Uniformidade da Natureza, porque só podemos conhecer a prioriverdades
necessárias. Ora, uma proposição é uma verdade necessária se e só se a sua negação
implicar uma contradição. Não é isto que se passa com o Princípio da Uniformidade
da Natureza porque a ideia de a natureza não ser uniforme é perfeitamente
inteligível.
Mas também não é possível justificar empiricamente o Princípio da Uniformidade da
Natureza, porque qualquer justificação a posteriori desse princípio incorre numa
petição de princípio, ou seja, baseia-se num argumento indutivo, que por sua vez se
baseia na crença na regularidade e uniformidade – sempre o mesmo – do
comportamento da natureza. Portanto, o Princípio da Uniformidade da Natureza não
pode ser conhecido a priori – de forma puramente racional – nem a posteriori– por
meio da experiência. Como o Princípio da Uniformidade da Natureza não pode ser
justificado nem a priori nem a posteriori, não temos qualquer razão para pensar que
a natureza seja regular e, portanto, a maioria das nossas crenças acerca do mundo
não tem justificação.
II
1. «Das ideias que ocorrem na metafísica não as há mais obscuras e incertas do
que as de poder, força, energia ou conexão necessária[…] Por conseguinte,
esforçar-nos-emos, nesta secção, por fixar, se possível, o significado preciso
destes termos e remover, desse modo, parte da obscuridade que tão lamentada é
neste tipo de filosofia.

Parece uma proposição, não suscetível de muita discussão, que todas as ideias são
apenas cópias das nossas impressões ou, por outras palavras, que nos é impossível
pensar qualquer coisa que previamente não tenhamos sentido, quer pelos nossos
sentidos externos ou internos. Esforcei-me por explicar e demonstrar esta
proposição e expressei a esperança de que, mediante uma conveniente aplicação
dela, os homens possam alcançar uma maior claridade e precisão nos raciocínios
filosóficos do que a que, até agora, conseguiram obter.»

David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano

Tomando o texto como ponto de partida, esclareça o ponto de vista de Hume


acerca da ideia de conexão necessária.

Os filósofos racionalistas consideravam que existe uma relação causal entre


acontecimentos, isto é, uma conexão necessária entre acontecimentos que faz com que à
ocorrência de um deles se siga sempre necessariamente a ocorrência do outro. Mas,
segundo Hume, é impossível pela mera análise de um acontecimento, tido como causa,
descobrir os supostos efeitos a que dá origem (Adão, nunca poderia a priori, isto é,
anteriormente à experiência, saber que a água afoga) e, portanto, a ideia de relação
causal não tem um fundamento racional e não pode ser necessária. Mas, também não
tem fundamento na experiência. Para que a ideia de relação causal tivesse fundamento
na experiência, teria de haver uma impressão correspondente, uma vez que todas as
ideias derivam e correspondem às impressões. No entanto, a experiência não nos dá
qualquer impressão correspondente à ideia de uma conexão necessária, mostra-nos
apenas a existência de uma conjunção constante de acontecimentos. Temos a impressão
do acontecimento A e, seguidamente, do acontecimento B. Portanto, a ideia de conexão
necessária não tem um fundamento na razão nem na experiência. Ela é o resultado do
mecanismo psicológico do hábito ou costume. O hábito de vermos um dado
acontecimento ser seguido por outro leva-nos a crer que existe uma conjunção necessária
entre esses acontecimentos. Por conseguinte, a ideia de relação de causa e efeito é o
produto da subjetividade humana, e não temos razões para afirmar que tem
correspondência na realidade objetiva.
2. «Suponhamos que uma pessoa, embora dotada das mais fortes faculdades da
razão e reflexão, é trazida subitamente a este mundo; de facto, observaria de
imediato uma contínua sucessão de objetos e um acontecimento seguindo-se a
outro, mas nada mais seria capaz de descobrir. Não conseguiria, de início, através
de qualquer raciocínio, alcançar a ideia de causa e efeito, dado os poderes
particulares pelos quais as operações naturais são executadas nunca aparecerem
aos sentidos; nem é justo concluir, só porque um acontecimento precede outro,
que o primeiro é a causa e o segundo o efeito. A sua conjunção pode ser
arbitrária e casual. Pode não haver outro motivo para inferir a existência de um a
partir da ocorrência do outro.»

David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano

Exponha a análise de David Hume da causalidade e da indução e explique as suas


consequências para as nossas crenças acerca do mundo.

Segundo Hume, todo o conhecimento acerca de questões de facto que vá além da


experiência imediata ou passada baseia-se na relação de causa-efeito. Em que consiste
esta relação e como a conhecemos? Há duas possibilidades: a relação de causa e efeito é
conhecida a priori ou deriva da experiência. Ora, segundo Hume, a relação de causa-
efeito não pode ser conhecida a priori porque, se o pudesse, poderíamos saber, sem
qualquer experiência empírica, que a água afoga ou que o impacto de uma bola de bilhar
noutra bola de bilhar origina o movimento da segunda. No entanto, sem recorrer à
experiência não é possível saber que isto é assim. É apenas a observação da conjunção
constante e da sucessão de dois acontecimentos que nos leva a pensar que um desses
acontecimentos é a causa do outro. Portanto, o conhecimento da relação de causa e
efeito não tem uma origem a priori. Terá, nesse caso, por base a experiência? A
experiência apenas pode revelar entre dois acontecimentos uma sucessão e uma
conjunção constante. Tudo o que podemos perceber é que um acontece a seguir ao outro
e que a ocorrência de um é seguida da ocorrência do outro. É tudo. Por conseguinte, por
mais que observemos a ocorrência conjunta de dois acontecimentos (por exemplo, o
impacto de uma bola de bilhar numa outra bola e o consequente movimento desta),
nunca encontraremos aí qualquer impressão que corresponda à ideia de relação causal,
isto é, de conexão necessária e que a possa justificar. Não temos, portanto, qualquer
razão objetiva para afirmar que existe uma conexão necessária entre acontecimentos de
modo tal que a ocorrência de um, em iguais condições, é sempre seguida da ocorrência
do outro. Qual é, então, a explicação para a nossa crença na causalidade? Segundo Hume,
esta ideia não tem origem realidade, mas num hábito que resulta da associação que
fazemos com base na observação repetida da sucessão e conjunção de acontecimentos.
Isto é, a ideia de conexão necessária ou de causa-efeito é uma produção subjetiva da
mente a que não é possível fazer corresponder qualquer realidade externa.
O nosso conhecimento do mundo depende também dos raciocínios indutivos. Ora,
segundo Hume, a nossa confiança nos raciocínios indutivos depende do princípio de que a
natureza é uniforme e, por esse motivo, este princípio constitui uma premissa implícita
de todos os raciocínios indutivos. Assim, o problema é saber se este princípio pode ser
justificadoa priori ou a posteriori. Hume afirma que isso não é possível. Não é possível
justificar a priori o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque só podemos
conhecer a priori verdades necessárias e o Princípio da Uniformidade da Natureza não é
uma verdade necessária porque, para isso, a sua negação teria de implicar uma
contradição, o que não acontece, uma vez que a ideia de a natureza não ser uniforme é
perfeitamente inteligível. Também não é possível justificar a posteriori, isto é, pela
experiência, o Princípio da Uniformidade da Natureza, porque uma justificação desse tipo
do princípio incorre sempre na falácia da petição de princípio. Portanto, o Princípio da
Uniformidade da Natureza não pode ser justificado a priori nem a posteriori e, por essa
razão, não temos qualquer razão para pensar que a natureza é uniforme.
Consequentemente, a maioria das nossas crenças acerca do mundo não têm uma
justificação racional.
3. «Há alguns filósofos que imaginam que a todo o momento temos consciência
íntima daquilo a que chamamos eu; que sentimos a sua existência e a sua
continuidade na existência; e que estamos certos, para além da evidencia de uma
demonstração, da sua identidade e simplicidade perfeitas. A sensação mais forte
e a paixão mais violenta, dizem eles, em vez de nos distraírem dessa visão apenas
a fixam mais intensamente e fazem-nos considerar a sua influência sobre o eu
pela sua dor ou pelo seu prazer. Tentar fornecer uma prova mais completa disto
seria enfraquecer-lhe a evidência, uma vez que nenhuma prova pode ser
derivada de um facto do qual estejamos tão intimamente cônscios; e não há nada
de que possamos estar certos se duvidarmos deste facto.

Infelizmente todas estas afirmações positivas são contrárias a essa mesma


experiência que se invoca em seu favor; e não temos nenhuma ideia do eu da
maneira que está aqui explicada. Com efeito, de que impressão poderia derivar
esta ideia?»

David Hume, Tratado da Natureza Humana

Exponha a análise de Hume das crenças na existência do eu e do mundo exterior.

Hume pensa que não temos conhecimento do eu, porque não temos qualquer
impressão que lhe corresponda. Temos consciência das nossas perceções, sensações e
sentimentos, pensamentos e emoções. Mas, por mais que procuremos, não
encontramos uma impressão que possa estar na origem da ideia de Eu. Sempre que
inspecionamos os conteúdos da nossa própria mente, descobrimos impressões e
ideias, de calor ou de frio, de claro ou escuro, de amor ou ódio, de prazer ou dor,
mas nunca encontramos nada que corresponda ao eu, que supostamente constitui a
sede dessas perceções. A mente, diz Hume, é uma espécie de teatro em que várias
perceções ocorrem sucessivamente. Contudo, a comparação com o teatro não nos
deve enganar, uma vez que são unicamente estas perceções que constituem a mente
e não temos a mais remota noção do lugar em que estas cenas são representadas ou
dos materiais de que são compostas.
Por outro lado, também não podemos estar certos da existência do mundo exterior.
Pensamos que existem objetos externos, que têm uma existência contínua e
independente de nós, porque temos certas perceções cuja origem atribuímos a esses
objetos. Mas será que podemos provar que esses objetos são efetivamente a origem
das nossas perceções? Hume pensava que não, porque a nossa mente conhece
unicamente as suas próprias perceções, isto é, as impressões e ideias, e tanto umas
como outras são estados internos, subjetivos, e não podem constituir prova de que
algo tem uma existência contínua e independente fora de nós. É perfeitamente
possível que essas perceções existam sem que lhes corresponda qualquer objeto
(prova-o as alucinações e os sonhos). A aparente constância das coisas, o facto de
que o que vemos hoje é mais ou menos igual ao que vimos ontem, leva-nos a
acreditar que têm uma existência independente das nossas perceções. Esta crença
não tem, no entanto, justificação porque não temos experiência da conjunção
constante entre os objetos e as nossas impressões. O facto de não se poder justificar
racionalmente a existência do mundo exterior, no entanto, não implica que este não
exista. Não podemos conhecer a existência do mundo exterior, mas podemos
acreditar que existe. Trata-se de uma crença que, embora não seja racionalmente
justificável, é tão natural que devemos perguntar que razões nos levam a acreditar
que o mundo externo existe e não propriamente se ele existe.

III
1. Esclareça o que distingue o empirismo de Hume do racionalismo de
Descartes.

As diferenças a destacar são as seguintes:


A origem do conhecimento.
A possibilidade do conhecimento.
Os limites do conhecimento.
Ciência e metafísica
1. A origem do conhecimento.
Descartes considera que a experiência, dados os erros dos sentidos, não pode ser
fonte credível de conhecimentos, melhor dizendo, as suas informações não podem
constituir (dado que muitas vezes são enganadoras) crenças básicas que possam
conduzir a outros conhecimentos. O saber constrói-se com base em ideias inatas e,
desde que siga um método correto e Deus garanta o normal funcionamento da nossa
razão, podemos alcançar verdades objetivas sobre o mundo. Esta rejeição dos
sentidos é uma convicção fundamental de Descartes e marca a sua orientação
claramente racionalista inspirada no modelo dedutivo das matemáticas.
Para Hume, todas as ideias têm uma origem empírica. Todos os nossos conteúdos
mentais são perceções. Estas são de dois tipos: impressões e ideias. As nossas ideias
são cópias das nossas impressões e por isso não há ideias inatas.
2. A possibilidade do conhecimento.
Partindo de um ceticismo metódico, Descartes liberta a razão da dependência em
relação à experiência e, tornando o seu funcionamento dependente da garantia de
Deus, conclui que podemos alcançar conhecimentos objetivos acerca do mundo.
Para Hume, o critério de verdade do nosso conhecimento é este: um conhecimento,
uma ideia, só é válido se pudermos indicar a impressão ou impressões de que deriva.
A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão sensível. Se não há
correspondência, há falsidade.
Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao conhecimento do mundo e do que
transcende a natureza, Hume argumenta contra os racionalistas que o conhecimento
científico não é como o conhecimento matemático, não o podendo ter como modelo:
não é um conhecimento puramente demonstrativo, mas procede da experiência.
Quanto à objetividade das leis naturais defendida por pensadores não racionalistas
como Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta que qualquer generalização,
baseando-se em factos passados e pretendendo valer para o que ainda não foi objeto
de experiência, é incerta. Nada podemos saber acerca do futuro porque nada nos
garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há conhecimento, propria-
mente falando, do que ultrapassa a nossa experiência atual ou passada: o que
aconteceu não serve como fundamento seguro da previsão do que ainda não
aconteceu.
Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é certo e seguro. Mas
uma coisa é o valor científico dos nossos conhecimentos e outra a sua utilidade
prática e vital: sabemos que os nossos «conhecimentos científicos» são mais
pretensão e desejo de segurança do que saber, mas não podemos viver sem essas
sábias ilusões.
3. Os limites do conhecimento.
Descartes afirma que a razão apoiada na veracidade divina e nas ideias inatas pode
conhecer a realidade na sua totalidade ou, melhor dizendo, os princípios gerais de
toda a realidade: Deus, alma e mundo são realidades que podem ser conhecidas.
Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de verdade do conhecimento
humano, mas também o seu limite. Não tendo outra base que não as impressões ou
sensações, o nosso conhecimento está limitado por elas: não posso afirmar nenhuma
coisa ou realidade da qual não tenho qualquer impressão sensível (como, por exemplo,
Deus).
4. Ciência e metafísica
Em Descartes, temos uma fundamentação metafísica da ciência, isto é, uma fundação
baseada em realidades metafísicas tais como Deus e alma (mas sobretudo Deus, que é o
verdadeiro pilar do sistema científico que Descartes se propôs construir).
Segundo Hume, não podemos afirmar a existência de qualquer fundamento metafísico
do saber.
2. Compare as posições de Hume e de Descartes relativamente à origem do
conhecimento humano.
As posições de Hume e Descartes relativamente ao conhecimento humano não podem
ser mais díspares. Partindo da ideia de que só são conhecimento as ideias que são
claras e distintas, isto é, das quais não há a mínima possibilidade de duvidar,
Descartes é levado a fazer da razão, e não dos sentidos, a origem do conhecimento,
precisamente porque nenhuma ideia com origem neles pode ter o caráter de
indubitabilidade que o conhecimento requer. A dúvida metódica, processo pelo qual
a razão submete a apreciação crítica o saber tradicional, mostra, primeiro por
intermédio do argumento das ilusões dos sentidos, depois por intermédio do
argumento dos sonhos, que duas proposições básicas para o nosso conhecimento e
para a nossa vida quotidiana, como «o mundo existe» e «os sentidos são fidedignos na
informação que nos fornecem acerca do mundo», não são indubitáveis, e, embora o
argumento do Deus enganador permita duvidar das verdades da matemática, isto é,
das proposições não empíricas, oCogito, verdade de razão, afirma-se com uma tal
evidência que é impossível recusar a sua indubitabilidade. É, portanto, na razão, e
não na experiência (ou melhor, nas ideias adventícias, como Descartes lhes chama,
que têm origem na experiência e que são incertas e confusas), que o conhecimento
tem origem.
A análise dos conteúdos da mente realizada por Hume condu-lo a uma posição oposta
à de Descartes. A sua teoria das ideias afirma que estas são cópias das impressões e
delas derivam. Não há ideias inatas. Com efeito, diz Hume, aqueles a quem, por
alguma razão, falta a impressão também nunca têm a respetiva ideia. Um cego de
nascença, que não tem, por exemplo, a sensação de vermelho, também nunca tem a
respetiva ideia.
Do mesmo modo, quando alguém nunca teve uma dada sensação, não tentamos fazer
com que a tenha a partir de uma ideia, mas pondo a pessoa numa situação em que
possa adquirir essa sensação. Tudo isto prova, pensa Hume, que não existem ideias
inatas e que todo o conhecimento tem origem, não na razão, mas na experiência.
Há, no entanto, um ponto em que Hume e Descartes estão de acordo. Ambos pensam
que a experiência não pode ser a origem do conhecimento, se entendermos que só as
ideias de cuja verdade temos absoluta certeza são conhecimento. Esta constatação
leva Descartes a encontrar na razão a origem e o critério do conhecimento. Para
Hume, esta via está vedada pela recusa do inatismo e, portanto, ao contrário de
Descartes, pensa que só a experiência legitima as nossas ideias, sem, no entanto,
lhes conferir absoluta certeza, isto é, o estatuto de conhecimento, à exceção dos
domínios da matemática e da lógica.

3. Compare as posições de Hume e de Descartes relativamente à possibilidade do


conhecimento humano.
Partindo da tese segundo a qual existem ideias inatas, isto é, ideias que a mente
descobre em si mesma, Descartes afirma que é na razão, e não na experiência, que
o Cogito se descobre a si próprio enquanto verdade primordial. Todo o
conhecimento, para Descartes, é constituído por ideias a que a razão chega por
deduções, a partir da intuição fundamental que o Cogito descobre em si mesmo pela
análise dos seus conteúdos. Dado o caráter absolutamente racional e demonstrativo
destas deduções, tudo o que conhecemos por seu intermédio é igualmente
indubitável. O conhecimento é, portanto, constituído por todas as ideias que somos
capazes de deduzir a partir das ideias inatas. É desse modo que, a partir do Cogito,
isto é, o conhecimento da nossa própria existência enquanto alma, somos capazes de
conhecer Deus e o mundo. Nada está fora do alcance da razão, na condição de
sermos capazes de o deduzir de proposições indubitáveis. Esse é, pelo menos, o
espírito do projeto cartesiano, embora o próprio Descartes reconheça que a
existência do mundo exterior, posta em causa pela dúvida metódica, em rigor, não
pode ser deduzida de princípios estritamente racionais. O racionalismo de Descartes
manifesta-se, em resumo, na ideia de que é a razão, e não os sentidos, que fornecem
as ideias que constituem o ponto de partida para o conhecimento. Partindo de um
ceticismo metódico, Descartes liberta a razão da dependência em relação à
experiência e, tornando o seu funcionamento dependente da garantia de Deus,
conclui que podemos alcançar conhecimentos objetivos acerca do mundo.
Para Hume, o critério de verdade do nosso conhecimento é este: um conhecimento,
uma ideia, só é válido se pudermos indicar a impressão ou impressões de que deriva.
A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão sensível. Se não há
correspondência, há falsidade. Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao
conhecimento do mundo e do que transcende a natureza, Hume argumenta contra os
racionalistas que o conhecimento científico não é como o conhecimento matemático,
não o podendo ter como modelo: não é um conhecimento puramente demonstrativo,
mas procede da experiência. Quanto à objetividade das leis naturais defendida por
pensadores não racionalistas como Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta que
qualquer generalização, baseando-se em factos passados e pretendendo valer para o
que ainda não foi objeto de experiência, é incerta. Nada podemos saber acerca do
futuro porque nada nos garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há
conhecimento, propriamente falando, do que ultrapassa a nossa experiência atual ou
passada: o que aconteceu não serve como fundamento seguro da previsão do que
ainda não aconteceu.
Para Hume, ao contrário de Descartes, o conhecimento do mundo não é possível,
quer entendamos por conhecimento verdades indubitáveis quer entendamos crenças
que estão racionalmente justificadas, embora não de modo a garantir a certeza da
verdade. Os raciocínios indutivos – a nossa forma de conhecer os factos do mundo –
também não podem ser justificados racionalmente porque todos eles dependem do
Princípio da Uniformidade da Natureza, e este princípio não pode ser racionalmente
justificado porque qualquer tentativa de o fazer envolve a utilização de raciocínios
indutivos. As nossas crenças acerca do mundo não constituem um conhecimento
objetivo da realidade e são antes o resultado de mecanismos psicológicos com que a
natureza nos dotou para assegurar a nossa existência.
Ceticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é certo e seguro. Mas
uma coisa é o valor científico dos nossos conhecimentos e outra a sua utilidade
prática e vital: sabemos que os nossos «conhecimentos científicos» são mais
pretensão e desejo de segurança do que saber, mas não podemos viver sem essas
sábias ilusões.
4. Compare as posições de Descartes e de Hume relativamente aos limites do
conhecimento humano.
Descartes afirma que a razão, apoiada na veracidade divina e nas ideias inatas, pode
conhecer a realidade na sua totalidade ou, melhor dizendo, os princípios gerais de
toda a realidade: Deus, alma e mundo são realidades que podem ser conhecidas.
Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de verdade do
conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo outra base que não as
impressões ou sensações, o nosso conhecimento está limitado por elas: não posso
afirmar nenhuma coisa ou realidade da qual não tenho qualquer impressão sensível
(como, por exemplo, Deus).
A filosofia de Descartes constitui um bom exemplo de um pensamento fortemente
otimista acerca das capacidades da razão humana. Quando corretamente utilizada,
nada há que a razão não possa conhecer. Utilizar corretamente a razão é, para
Descartes, proceder por deduções rigorosas a partir de ideias claras e distintas.
Procedendo desse modo, é possível à razão conhecer, isto é, demonstrar a existência
de realidades metafísicas (das quais não temos, portanto, nenhuma evidência
empírica), como a alma, Deus e o mundo. Em oposição a este otimismo racionalista
de Descartes, a filosofia de David Hume tem um pendor cético. Todo o nosso
conhecimento tem origem e deriva da experiência, e daquilo que não temos
experiência não temos conhecimento. O Princípio da Cópia que estabelece que todas
as ideias são cópias de impressões constitui também o critério de legitimidade de
uma ideia: as ideias que não possamos fazer derivar de impressões não têm pura e
simplesmente sentido. Estão nesta situação, pensa Hume, ideias metafísicas como as
de alma, de Deus e de mundo. Nenhuma destas ideias pode ser feita remontar a uma
impressão e, em rigor, estas palavras não têm qualquer significado. Não há, nem
pode haver, portanto, conhecimento destas entidades, e a metafísica, enquanto
disciplina que estuda este tipo de entidades não empíricas, não constitui uma
ciência.

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