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Hume diz que, a dúvida, sendo universal, ela teria de se aplicar a rigorosamente tudo.
Nesse caso, Descartes não poderia usar sequer o argumento das ilusões dos sentidos, o
argumento do sonho ou qualquer outro, pois todos eles partem de premissas que Descartes
deveria ter posto em causa. Por exemplo, o argumento das ilusões dos sentidos parte da
premissa de que os nossos sentidos já nos enganaram antes e de que, por isso, não
podemos confiar neles. Mas se a dúvida for universal, então também deveríamos duvidar
que os sentidos já nos enganaram antes.
Ora, isso é paralisante e não leva a lado nenhum, diz Hume.
Assim, defende Hume, não podemos começar por duvidar de tudo. Precisamos de algum
ponto de apoio anterior ao Cogito, isto é, de algo que possamos tomar como certo à partida,
sem ser afetado pela dúvida.
Esse apoio ou ponto de partida só pode consistir nas perceções da nossa mente, que é o
suporte mais sólido de que dispomos para pensar sobre o mundo. A única coisa a que
temos acesso direto é às nossas perceções, pelo que só elas podem constituir o
fundamento do conhecimento.
A diferença entre as impressões e as ideias não é uma diferença de natureza, mas apenas
de grau. Isto porque as ideias são cópias das impressões, e, como tal, as ideias são menos
intensas, menos detalhadas e menos vívidas do que as impressões, cujo grau de
intensidade, de detalhe e de vivacidade é maior. É a diferença entre a sensação de estar a
ver uma rosa e estar apenas a pensar na rosa.
As verdades sobre questões de facto são verdades contingentes , ou seja, algo que é
verdadeiro mas podia ser falso, não entrando em contradição. As verdades sobre relações
de ideias são verdades necessárias, ou seja, é verdadeiro e não pode ser falso. Se alguém
afirmasse que uma relação de ideia era falsa estaria a entrar em contradição.
As questões de facto são conhecidas a posteriori e o raciocínio usado é a indução. As
relações de ideias são conhecidas a priori e o raciocínio usado é a dedução.
Apenas as questões de facto nos podem fornecer informações sobre o mundo. As relações
de ideias não nos dão qualquer conhecimento sobre o que se passa no mundo, apenas nos
dão conceitos.
Não são a observação nem a memória que nos permite afirmar uma previsão pois estamos
a referir a algo que nunca aconteceu. A observação e a memória também não explicam
generalizações, pois ninguém poderá observar todos os casos,nem as explicações porque
identificar as causas do que acontece é explicar o que se observa com o que não foi
observado. É o raciocínio indutivo, com base na indução assentada nas relações de causa
e efeito.
Ele diz que não chegamos lá pelo raciocínio a priori, mas pela experiência de termos
observado repetidamente que certos tipos de eventos- digamos, do tipo A- sempre foram
seguidos por eventos do tipo B. É essa regularidade observada entre A e B , a que Hume
chama de conjunção constante, que nos leva a pensar que há relação de causa e efeito
entre A e B. Mas não é o mesmo, diz Hume. Duas coisas podem ocorrer sempre
conjuntamente, e, no entanto, nenhuma delas ser causa da outra.
A causalidade entre dois eventos é a propriedade de esses eventos estarem
inevitavelmente conectados, isto é, de um deles não poder ocorrer sem o outro. A
causalidade é o mesmo então que conexão necessária. Mas, como observamos coisas a
acontecer e nada mais, apenas observamos A e B repetidamente, não observamos que tem
de ocorrer B sempre que ocorre A. Ora, Hume então refere que nunca observamos tal
conexão, apenas observamos conjunções constantes. Ora, se não observamos conexões
fundamento do conhecimento.necessárias, então também não observamos qualquer
relação de causalidade na natureza.
Hume diz que só parece haver dois caminhos para justificar o princípio da uniformidade da
natureza e, assim, justificar também a indução: ou a justificação é dada pela demonstração
(dedução) ou por indução. Mas, esse princípio não pode, por um lado, ser justificado por
dedução. Por outro lado, também não pode ser justificado indutivamente, uma vez que
estaríamos a usar o tipo de raciocínio cuja justificação depende precisamente do princípio
da uniformidade da natureza. Conclui, assim, que o princípio da uniformidade da natureza
não tem justificação lógica. Como o raciocínio indutivo assenta-se na relação de
causalidade sendo esta impossível de ser observada e como o princípio de uniformidade da
natureza não tem justificação lógica, como tal, também a indução carece de justificação
lógica.
Porém, continuamos a confiar no raciocínio indutivo. Como se explica então, que não
deixamos de confiar no raciocínio indutivo?
Hume diz que a indução tem uma justificação naturalista e prática, proporcionada por um
instinto ou capacidade psicológica:o hábito. Ao observamos conjunções constantes gera em
nós o sentimento de que uns acontecimentos não podem ocorrer sem os outros, como se
entre eles houvesse uma conexão necessária. Mas isso resulta simplesmente de uma
tendência psicológica nossa, o hábito, não sendo uma propriedade das coisas observadas.
Hume acaba por chegar a uma conclusão cética acerca do conhecimento das questões de
facto, que são tratadas pelas ciências da natureza, nas quais se recorre à indução. Já
sabemos que, de acordo com Hume, apenas temos acesso às nossas impressões e ideias,
tudo aquilo que encontramos na nossa mente, que faz parte do nosso mundo interior
(impressões e ideias). Por sua vez, o mundo exterior é tudo o que se encontra fora da
mente. Mas será que existe um mundo exterior de coisas que são as causas das
impressões que encontramos na nossa mente? A resposta de Hume é que não há razão
alguma para afirmar que as impressões internas são causadas por objetos externos porque
afirmar isso é recorrer à noção de causalidade, que Hume já disse ser problemática. Assim,
não é correto afirmar que as impressões são causadas pelos objetos exteriores à nossa
mente, o que significa que não temos qualquer justificação para afirmar que existe (nem que
não existe) um mundo exterior.
Contudo o ceticismo de Hume é mitigado pois defende que, na prática, não podemos deixar
de acreditar que o mundo exterior existe e que isso faz parte do nosso instinto natural de
sobrevivência, o qual não pode estar desligado do modo como a própria natureza funciona.
Caso contrário, tal instinto não serviria de nada e não nos permitiria sobreviver. Esta é a
melhor justificação disponível, embora não esteja apoiada por nenhum raciocínio lógico,
para confiar no hábito, e, desse modo, continuaremos a confiar em muitas das nossas
inferências indutivas.O hábito é um guia prático apropriado para as nossas vidas.
CRÍTICAS
Crítica ao princípio da cópia
O princípio da cópia diz que todas as ideias são cópias das impressões. Mas há contra
exemplos, o próprio Hume apresenta o caso do tom de azul em falta. (um caso de uma ideia
da qual não tenhamos a impressão correspondente), então essa ideia não tem origem em
impressão alguma e, portanto, o princípio da cópia cai por terra.
Uma pessoa que nunca viu um tom de azul em particular é, no entanto, capaz de
reconhecer que ele está em falta entre um tom mais claro e um mais escuro.Isso parece
mostrar que essa pessoa tem a ideia do tom de azul em falta, sem que tal ideia tenha
surgido de qualquer impressão dos sentidos. Por isso, é falso que todas as ideias são
cópias das impressões.
Outro exemplo: quando é que alguém está, de facto, a cometer um crime? Há que defenda
que isso não pode ser separado do modo como se concebe a noção de crime. Por exemplo,
fazer um aborto no Texas é, de facto, um crime, mas não na Califórnia. O conceito de crime
em vigor no Texas aplica-se ao aborto, ao contrário do estabelecido na lei da Califórnia.