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O EMPIRISMO CÉTICO DE DAVID HUME

Filósofo escocês
(n. Edimburgo, 1711 –
f. Edimburgo, 1776)

Teoria Empirista – MANUAL, pp.162-163


1. De onde provém o conhecimento? Naturalismo e Empirismo em D. Hume

Com a sua filosofia, Hume não visa objetivos metafísicos, como desvendar a essência e os
princípios do Ser (até porque, como veremos adiante, Hume nega que a Metafísica seja uma
ciência, ou, sequer uma forma de conhecimento), mas sim descobrir as origens e limites do
conhecimento humano, isto é, a origem de nossas ideias e crenças.
Segue, assim, a senda empirista, já iniciada por Locke.
A sua ideia tutelar é a ideia de ‘natureza’ – a defesa que, também nós somos e temos natureza
– a ‘natureza humana’ e tudo o que nos é acessível está dentro dos limites da nossa
‘natureza’, assim como tudo como nos é impossível.
Desta forma, defende que os nossos sentidos ( a experiência sensível ou empiria) são a fonte
e o limite de tudo quando podemos conhecer.
Por si só a razão é uma capacidade vazia, que carece dos sentidos para poder conhecer, sem
os quais não teria «o que» conhecer: os sentidos fornecem o conteúdo ou matéria do

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conhecimento, a qual a razão ‘trabalha’ de acordo com a sua estrutura. Assim, tudo o que a
nossa mente pode conter, devém da experiência sensível.
Os conteúdos da mente são, por isso perceções (derivados dos sentidos).
São de dois tipos: IMPRESSÕES e IDEIAS.
As Impressões são as perceções imediatas, mais vivas. As Ideias são perceções mais
fracas, atenuadas, mas são representações ou cópias das Impressões.
MANUAL, pp.165-167 (Perceções/ Impressões e Ideias/ Ideias simples e Complexas)

Para Hume, todas as nossas impressões são alojadas na mente sob a forma de ideias
(ideias ‘objetivas’ pois que são ideias de impressões), sob diferentes formas, conforme a
sua finalidade: recordação, imaginação ou conceptualização.

O processo segundo a mente ‘pensa’ é associativo: raciocinamos por associação de


ideias.
O processo de associação de ideias ocorre com base em três princípios:
 por semelhança;
 por contiguidade – no tempo e no espaço;
 por causalidade.
MANUAL, pp.168

2. Que tipos de Conhecimentos podemos obter? A que «Ciências» correspondem?

Para Hume, podemos obter dois tipos de conhecimentos:


- Conhecimentos de ideias (ou ‘relações de ideias’);
- e Conhecimento de factos (ou ‘questões de facto).
MANUAL, pp.169-170

Do conhecimento de ideias resultam as ciências formais e analíticas, como a Matemática.


As ciências empíricas, por seu lado, assentam no conhecimento de factos – partem da
experiência, exprimem as suas verdades em proposições sintéticas; seguem um método
indutivo (visam a generalização e a previsão de fenómenos) e assentam no Princípio de
Causalidade 1

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Princípio de uma conexão necessária e universal entre dois fenómenos (causa e efeito).
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O EMPIRISMO CÉTICO DE DAVID HUME
3. Os fundamentos metodológicos das (ditas) Ciências empíricas: Indução e
Princípio de Causalidade – são conhecimentos objetivos2?

Ora, enquanto o conhecimento de ideias assenta em princípios lógicos (como o Princípio


de Não Contradição), gerando certezas racionais e a priori – como na Matemática 3-, as
ciências empíricas procuram explicação para os fenómenos, pelo que assentam no
princípio de causalidade. Ora, para que as ciências empíricas produzam conhecimentos
objetivos – necessários e universais, logo verdadeiros – é necessário que o próprio
princípio de causalidade seja, ele mesmo, uma ideia objetiva.
Será?
A resposta de Hume é: não4. Para que uma ideia seja objetiva, como sabemos, ela tem de
ser ‘cópia’ de uma impressão dada na experiência. Ora, Hume afirma que nenhuma

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Para Hume uma Ideia objetiva é uma ideia que deriva de uma impressão. Fora isso, temos ilusões ou
crenças que são ‘ideias subjetivas’ – portanto, não configuram conhecimento. As ideias subjetivas têm
natureza psicológica.
3
Que, sendo assim, são proposições analíticas, universais e logicamente necessárias.

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«Vejamos como. Em que experiência se baseia a noção de causalidade? Na experiência de ver
repetidamente um certo tipo de objeto ou evento ser seguido por um objeto ou evento de outro tipo. Essa
experiência de contiguidade leva a mente a inferir um determinado objeto ou evento sempre que tem a
impressão do objeto ou evento que habitualmente o antecede. Segundo Hume, a causalidade é simplesmente
uma conexão mental que a experiência do passado formou em nós; é um hábito mental produzido por factos
contingentes ligados à natureza humana. Daqui resulta que a ideia tradicional de causalidade como conexão
necessária entre duas coisas terá de ser abandonada e redefinida. Não temos a impressão de uma conexão
necessária entre duas coisas; o que temos é apenas a impressão de contiguidade entre objetos ou eventos.
O que deste modo se forma em nós é apenas um hábito mental e não há lugar para qualquer demonstração
a priori da existência de relações causais no mundo.

Este hábito mental de estabelecer conexões causais está na base de inferências de factos observados para
factos não observados e do passado para o futuro. Essas inferências são argumentos indutivos como os
seguintes: da experiência de ter observado que a cadeira onde estou sentado aguenta o meu peso, concluo
que será bastante provável que o mesmo aconteça no futuro; do facto de ter tido a experiência de que o pão
alimenta e dá energia, concluo que todo o pão alimenta e dá energia. Mas o que nos leva a pensar assim? A
resposta é que esperamos que os casos futuros sejam semelhantes aos casos do passado e que o curso da
natureza continue uniformemente a ser o mesmo. A isto chama Hume o Princípio da Uniformidade da
Natureza (PUN).

Há alguma justificação para PUN, ou estamos mais uma vez na presença de um hábito mental contingente?
Vejamos o que sucede se tentarmos justificar PUN através de um argumento indutivo. PUN afirma que as
uniformidades do passado continuarão no futuro. Em que premissa podemos apoiar esta conclusão? Na
premissa de que a natureza tem sido uniforme nas minhas observações do passado. Mas como Hume diz
que todos os argumentos indutivos pressupõem PUN como premissa, o argumento é circular: pressupõe
como premissa o que tenta estabelecer como conclusão. Logo, a justificação indutiva de PUN falha.

E será que uma justificação dedutiva de PUN teria sucesso? Mais uma vez, Hume diz que não. Se apreciares
mais uma vez o argumento do parágrafo anterior, terás de concluir que ele não é dedutivamente válido.
PUN não pode ser deduzido das observações feitas no passado.
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impressão é impressão de uma «conexão necessária» entre fenómenos. Temos a impressão
do fenómeno A (causa), seguida da impressão do fenómeno B (efeito) e temos a perceção
de uma sucessão no tempo e no espaço – nada mais. Sendo assim, o princípio de
causalidade tal como é enunciado (conexão necessária…) é apenas uma crença ou ideia
subjetiva (não tem objetividade, pois nenhuma impressão lhe corresponde) – é um produto
psicológico da razão. Mas o que o explica, então? Hume responde que é o ‘habitus’
(costume). Pelo costume somos levados a acreditar numa relação causal entre fenómenos
e que essa relação é universal e necessária, que se passa hoje e se passará no futuro, para
todo o sempre. Mas uma sucessão de fenómenos (contiguidade e sucessão no tempo e no
espaço) não são uma ligação causal! É a imaginação, e não a razão que gera estas crenças
(ideias subjetivas) baseadas no ‘habitus’5 .
MANUAL, pp.171
Da mesma forma, Hume considera que a indução, o método das ciências empíricas radica
numa ideia subjetiva ou crença, visto que a generalização e previsão não corresponde a
nenhuma impressão: não podemos ter a impressão de uma experiência que ainda não
ocorreu, do futuro.
MANUAL, pp.172

4. Ceticismo (mitigado), reducionismo, probabilismo e fenomenismo

Assim sendo, as conclusões a que Hume chega, são céticas:


- rejeita, como já sabemos, qualquer conhecimento a priori, independente da experiência;
rejeita, desta forma, as Ideias Inatas (Deus, Alma e Mundo), dado que não derivam de
impressões: são, também, ‘crenças’ de natureza psicológica e nada mais.
- rejeita, consequentemente, à Metafísica, o estatuto de Ciência: é, antes, um tratado sobre
as ilusões humanas.
- rejeita a certeza das ciências empíricas; elas não exprimem verdades, mas apenas
probabilidades (graças a Hume é definitivamente ultrapassado o paradigma clássico do
conhecimento como ‘verdade justificada’; o domínio da ciência contemporânea acolhe o
erro e o processo de procura de conhecimento. Assim a ciência passa a definir-se como

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O ‘habitus’ faz parte da natureza ‘psicológica’ do homem e é um traço de grande utilidade, pois
permite que o homem se oriente na vida: o hábito ou costume é o grande guia da vida humana.
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uma busca pela verdade como ideia reguladora – uma ciência de probabilidades e não de
certezas).
- Não é apenas Deus e a Alma que são, para Hume, meras crenças. Também o Mundo ‘em
si’, dado que o que os nossos sentidos captam é, já, fenómeno: o modo como o mundo
‘aparece’ à consciência. O mundo reduz-se, por isso, aos limites da experiência e à
natureza do fenómeno – não nos é humanamente possível ultrapassar estas limitações
naturais.
Se o mundo é (em si) o que é para mim ( o fenómeno), não nos é permitido saber. É provável
que seja. É provável que não seja.
Hume critica e rejeita noções fundamentais até aí aceites, como as noções já discutidas de
eu, mundo e causalidade. Como não têm justificação empírica, estas noções terão de ser
abandonadas. Diz-se, por isso, que Hume foi revolucionário e que a sua filosofia teve o
saudável efeito de obrigar a discutir e redefinir noções fundamentais.

FIM

A) Explique a posição de Hume em relação às Ideias Inatas de Descartes.

Hume, na sequência de Locke, afirma que não existem Ideias inatas. Para Hume, as Ideia são
cópias de Impressões; se o não forem não são Ideias. (mas sim crenças e ilusões, não com
fundamento cognitivo, mas psicológico). Deste modo, as Ideias são de natureza empírica e
limitadas pela experiência. Por outras palavras, é impossível aos seres humanos ter uma Ideia de
algo que não tenha primeiro experimentado enquanto Impressão.

Hume acrescenta que qualquer Ideia pode, por meio da reflexão, ser decomposta em seus
constituintes, os quais têm na origem, Impressões. É assim que explica o facto de possuirmos três
tipos de Ideias: recordações, imaginações e conceptualizações abstratas.

As Ideia Inatas – Deus, Alma e Mundo – correspondem a crenças psicológicas, dado que nenhuma
Impressão lhes corresponde. No caso de Deus, por exemplo, a experiência não permite confirmar
«um Ser cuja existência esteja contida na sua essência», o que inviabiliza o Argumento
Ontológico recuperado por Descartes. Da mesma forma, as provas da existência baseadas no
princípio da causalidade são rejeitadas por Hume, em dois aspetos: primeiro, na
incognoscibilidade de Deus, ideia à qual nenhuma Impressão corresponde; seegundo, na sua
objeção crítica ao princípio da causalidade (ver).

B) Explique a crítica de Hume ao raciocínio Indutivo.

A Indução ou raciocínio indutivo, concebido como o método específico das ciências empíricas,
assenta sobre o princípio da «regularidade da natureza» - o que significa este princípio? Que o
que captamos através da experiência (de forma particular e contingente) pode ser generalizado a

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todas as experiências, nomeadamente a experiências futuras. Ora, Hume rejeita que a
generalização e a previsibilidade (os elementos da Indução) possam corresponder a ideias
objetivas e cognitivamente válidas, já que nenhuma Impressão, ao nível da experiência, lhes
corresponde. Trata-se, portanto de uma crença psicológica que se baseia no «habitus».

C) Em que medida se pode afirmar que a filosofia de Hume é um «fenomenismo»?

Na medida em que os dados sensíveis são Impressões e não o mundo físico em si mesmo.
Dado que o limite do que eu posso perceber é uma Impressão, todo o conhecimento é
conhecimento de impressões. Que a Impressão derive de um objeto exterior, em si mesmo, o
mundo físico independentemente do sujeito, nada mais é do que uma crença, sem
possibilidade de ser comprovada (por ultrapassar os limites da experiência). Assim o mundo
é «fenómeno» - o objeto que ’aparece’, tal como aparece ao sujeito.
D) Porque é que Hume conduziu o seu «empirismo» a conclusões céticas (‘empirismo cético’)?

Pelo que atrás ficou dito, o conhecimento da Verdade, em sentido absoluto, encontra-se fora
dos limites do Entendimento humano. A capacidade cognitiva do homem limita-se ao âmbito
do provável.

“Se nos cai nas mãos um volume, por exemplo, de teologia


ou de metafísica escolástica, perguntamo-nos: Contém
alguma argumentação abstrata sobre a quantidade ou os
números? Não. Contém alguma argumentação experimental
sobre questões de facto e existência? Não. Então, que seja
jogado ao fogo, pois contém apenas sofismas e ilusões.”
David Hume

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