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Preâmbulo
A presente sebenta foi elaborada pelas estudantes Raquel Proença e Mariana Pinto,
sob a coordenação de Filipa Teixeira, tendo por base as aulas lecionadas pela docente Dra.
Regina Redinha e Professor Dr. António Graça Moura, sob a coordenação de com o
complemento da bibliografia dos autores Dr. Carlos Alberto Mota Pinto e Dr. Orlando de
Carvalho, considerada obrigatória para esta unidade curricular.
A equipa de Teoria Geral do Direito Civil deu o seu melhor para garantir a qualidade
dos apontamentos semanais e, agora, desta sebenta.
Bom Estudo!
Índice
O que é a Teoria Geral do Direito Civil?............................................................................................4
Distinção entre Direito Público e Direito Privado............................................................................. 5
1. Critério do Interesse..................................................................................................................... 5
2. Critério da Qualidade dos Sujeitos............................................................................................... 5
3. Critério da Posição dos Sujeitos....................................................................................................6
Autonomização de outros Ramos do Direito Privado....................................................................... 6
1. Direito Comercial..........................................................................................................................7
2. Direito do Trabalho....................................................................................................................... 7
3. Direito do Consumo......................................................................................................................7
4. Direito Internacional Privado........................................................................................................7
Fontes do Direito Civil..................................................................................................................... 8
1. Constituição..................................................................................................................................8
2. Código Civil................................................................................................................................... 9
Sistematização do Código Civil de 1966......................................................................................... 10
Sistema externo do Código Civil..................................................................................................... 10
1. Parte Geral........................................................................................................................... 10
2. Direito das Obrigações......................................................................................................... 10
3. Direito das Coisas/Reais....................................................................................................... 10
4. Direito da Família................................................................................................................. 10
5. Direito das Sucessões...........................................................................................................10
Ponderações sobre a Sistematização Germânica do Código Civil................................................... 11
Críticas desta Sistematização..........................................................................................................11
Técnicas Legislativas...................................................................................................................... 12
1. Tipo dos Conceitos Gerais Abstratos.......................................................................................... 12
2. Tipo das Simples Diretivas.......................................................................................................... 13
3. Tipo Casuístico............................................................................................................................15
Modificação do Código Civil...........................................................................................................15
Sistema Interno do Código Civil......................................................................................................15
1. Princípio do reconhecimento da pessoa e dos direitos de personalidade............................. 15
a) Características Essenciais dos Direitos de Personalidade.................................................... 16
b) Tutela dos Direitos de Personalidade...................................................................................16
2. Princípio da liberdade contratual.........................................................................................17
a) Direitos Subjetivos............................................................................................................... 18
b) Limites à Autonomia Privada............................................................................................... 18
2.1 Princípio da Liberdade de Modelação do Conteúdo Contratual...............................................21
a) Contratos Típicos ou Nominados......................................................................................... 21
b) Contratos Atípicos ou Inominados.......................................................................................21
c) Contratos Mistos.................................................................................................................. 21
d) Aditamento de Cláusulas..................................................................................................... 22
e) Limitações, provenientes da Lei, à Liberdade de Modelação do Conteúdo Contratual.......22
2
f) Limitações, provenientes de Contratos de Adesão, à Liberdade de Modelação do Conteúdo
Contratual................................................................................................................................ 24
3. Princípio da igualdade e da não discriminação............................................................31
a) Mecanismos de Efetivação do Direito à Igualdade e à Não-Discriminação......................... 32
b) Tipos de Discriminação........................................................................................................ 34
c) Mudança de Conceção de Fatores Discriminatórios............................................................ 35
d) Tipos de Proteção de Asseguramento................................................................................. 35
4. Princípio da responsabilidade civil............................................................................... 36
a) Mecanismos de Efetivação do Princípio da Responsabilidade Civil..................................... 36
b) Tipos de Danos.....................................................................................................................37
c) Requisitos Cumulativos para a Verificação da Responsabilidade Civil................................. 38
d) Modalidades da Responsabilidade Civil Extracontratual..................................................... 43
e) Modalidade da Responsabilidade Civil Extracontratual por Factos Lícitos.......................... 46
f) Modalidade da Responsabilidade Civil Contratual............................................................... 47
5. Reconhecimento da Propriedade Privada....................................................................49
Teoria Geral da Relação Jurídica.................................................................................................... 50
1.Elementos da Relação Jurídica.................................................................................................... 52
2. Modalidades do Abuso de Direito.............................................................................................. 55
Direito Subjetivo........................................................................................................................... 58
1.Modalidades dos direitos subjetivos........................................................................................... 63
2.Modelações dos Direitos de Personalidade - estrutura funcional...............................................64
3.Posição Passiva aos Direitos Subjetivos e Potestativos................................................................66
Relações Jurídicas..........................................................................................................................66
1.Combinação de Relações Jurídicas.............................................................................................. 68
2. A Dinâmica da Relação Jurídica.................................................................................................. 69
3. Acidentes na Relação Jurídica.....................................................................................................82
4.Elementos da Relação Jurídica.................................................................................................... 83
Modificação de Direitos.................................................................................................................85
Teoria Geral dos Sujeitos da Relação Jurídica................................................................................. 88
1 . Direitos sem sujeito................................................................................................................... 89
2. Personalidade Jurídica................................................................................................................ 91
3 .Tutela da Personalidade Jurídica.................................................................................................93
4. Direitos Especiais de Personalidade........................................................................................... 95
5. Consentimento......................................................................................................................... 105
6 .Situações de Incapacidade....................................................................................................... 109
7. Menoridade..............................................................................................................................112
8. Proteção da Pessoa no seu Estatuto Pessoal............................................................................ 120
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O que é a Teoria Geral do Direito Civil?
Se é uma teoria, visa reduzir a um complexo coerente e unitário uma série de elementos
dispersos de matéria jurídica e adquirir linguagem e competência descodificadora do Direito Civil. E,
geral, porque não se circunscreve a uma parte do direito, mas sim a todo o direito privado. Para
concluir, do Direito Civil, porque esta teorização resulta de uma determinada conceção do direito
civil, que resulta da Escola Pandectista Alemã, do século XIX.
A parte geral (“zona comum”) inclui os princípios e regras comuns a todo o direito privado,
incluindo os denominadores comuns das partes especiais. Há sistemas que não possuem esta parte
geral, o Código Civil português tem por ser um sistema filiado do sistema alemão.
O direito objetivo parte daquilo que o juiz dita ou daquilo produzido pelo legislador, ou seja,
é como um comando, ou ainda é o “direito-norma”. É algo que está fora da nossa esfera de atuação,
por ser uma revelação externa - “tenho de atuar de determinada forma porque a norma X assim me
obriga”.
Se se tratarem de normas imperativas estas têm de ser respeitadas, mas caso se tratem de
normas dispositivas, as partes podem decidir regular ou não as relações entre si.
O direito subjetivo corresponde à capacidade legal atribuída ao sujeito para que este possa
agir da forma que pretende, logo, os efeitos existem porque assim o foi desejado pelo sujeito -
“comprei este bem imóvel, porque tenho o direito à propriedade”.
Ou seja, o direito subjetivo aparece como uma faculdade, onde dependendo da vontade dos
sujeitos os efeitos jurídicos de dado direito subjetivo produzem-se. Assim, correspondem à
capacidade legal atribuída ao sujeito para que este possa agir da forma que entende, logo, os efeitos
existem porque os sujeitos assim o desejaram. Por exemplo, no contrato de compra e venda entre A
e B: B tem o direito de exigir a A a entrega da coisa. - (right)
A partir daqui releva distinguir entre Direito Público - associado a comandos e imposições - e
Direito Privado - associado ao direito enquanto faculdade.
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Distinção entre Direito Público e Direito Privado
1. Critério do Interesse
Segundo o critério do interesse o Direito Público difere do Direito Privado pelo tipo de
interesses a seguir, isto é, o Direito público visa prosseguir interesses públicos e o Direito Privado visa
prosseguir interesses privados.
Críticas subjacentes
As normas que regem a vacinação obrigatória, são normas que prosseguem o interesse
particular, neste caso a saúde de quem é vacinado, mas também o interesse público, na vertente da
saúde pública.
Por fim, numa tentativa de salvar este critério, criou-se uma nuance do mesmo: o direito
público promove predominantemente interesses públicos, e o direito privado promove
predominantemente interesses privados.
Porém, mesmo face a este critério corrigido, o Dr. Oliveira Ascensão apresenta uma nova
crítica, que diz que apesar deste juízo de predominância, que tem como objetivo a facilitação do
critério do interesse, cria-se, simultaneamente, uma insegurança e abrangência perigosa, visto que
nunca sabemos ao certo o que são interesses públicos e interesses privados predominantes.
Para além disso, existem normas que pela sua natureza, classificam-se como normas de
Direito Privado, mas que prosseguem fins públicos. Então, torna-se um critério impotente.
O Critério da Qualidade dos Sujeitos afirma que o Direito Público e o Direito Privado diferem,
substancialmente, nos tipos de sujeitos que formam a relação jurídica. Portanto, é Público o Direito
que regule as situações em que intervenha o Estado, ou qualquer outro ente público. Por outro lado,
é Privado o Direito que regule as situações entre particulares.
Crítica subjacente
Contudo, existem situações em que os entes públicos atuam como meros particulares, o que
distorce a veracidade deste critério, e nesses casos, aplica-se o Direito Privado. Por exemplo, quando
um ente público procura uma prestação de um serviço por parte de um particular, este atua
despojado de poder, pois não pode ter direito a esse serviço de uma forma especial face aos demais
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cidadãos. Ora, se atua despojado de poderes, então atua como um mero particular, e assim aplica-se
o Direito Privado.
Este afirma que o Direito Público e o Direito Privado diferem, substancialmente, na posição
em que as partes se encontram numa determinada relação jurídica. Assim, sendo o Direito Público:
● Regula as relações entre os entes públicos, no exercício das suas funções públicas;
● Regula as relações entre os entes públicos e os particulares, quando os entes públicos atuam
dotados do ius imperium.
Nota: o ius imperium corresponde a poderes de autoridade, atribuídos aos entes públicos,
que os permite atuar numa posição de vantagem em relações com os entes privados.
Já o Direito Privado:
● Regula as relações entre os particulares, numa posição de paridade, o que significa que
nenhuma das partes está numa posição mais vantajosa face à outra, sendo esta uma das
características do direito privado.
● Regula as relações entre os particulares e os entes públicos, quando estes últimos atuam
despojados do seu poder de império. Ou seja, tanto os públicos como os particulares se
encontram em posição de paridade.
Crítica subjacente
Este critério não permite a inclusão facilitada do direito internacional, em que ambos os
sujeitos, por serem soberanos, têm o poder de império. Contudo, para efeitos do direito interno, este
é o critério que melhor distingue o direito privado e o direito público e é, portanto, o aplicado.
De acordo com o Dr. Mota Pinto, esta divisão tem uma incidência prática muito relevante, na
medida em que, frequentemente, determina as vias judiciais a que o particular, que se considera
lesado pelo Estado ou ente público deve recorrer.
O Direito Privado não se esgota no Direito Civil, existindo dentro deste outros ramos do
direito, falamos do Direito Comercial e do Direito do Trabalho. Embora não haja unanimidade em
reconhecê-los como ramos de direito autónomos, a verdade é que têm percorrido um longo
processo de emancipação e autonomia, estando dotados de legislação própria.
São ramos de direito especiais por se aplicarem a determinados casos com regime próprio,
onde porém continua-se a aplicar subsidiariamente o Direito Civil sempre há lacunas ou não haja,
nestes Direitos especiais, regra autónoma.
1. Direito Comercial
Tem por objeto a disciplina dos atos de comércio, em sentido amplo, enquanto atividade de
circulação lucrativa de bens. A sua autonomização emergiu da necessidade de criação de uma lei
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comercial capaz de regular situações de direito comercial que não estavam abrangidas pela esfera do
Civil. Por exemplo, nos contratos de mútuo, contratos de coisa fungível (ex.: dinheiro), o Direito Civil
impõe certos requisitos para a sua celebração que o Direito Comercial já agiliza.
1.1 Direito Bancário: Neste, para além de uma autonomização relativamente ao direito
privado, autonomizou-se em relação ao Direito Comercial.
2. Direito do Trabalho
Tem como objeto estabelecer regras e direitos quanto ao emprego e trabalho assalariado,
sendo que é no código de trabalho que se encontram as normas deste ramo de direito. Contudo, não
quer isto dizer que não haja uma certa correspondência entre estes dois códigos, por exemplo, o
contrato de trabalho encontra-se definido no art. 1152º do CC.
3. Direito do Consumo
Tem como objeto definir qual o sistema jurídico aplicável, quando em causa estão elementos
de países diferentes. Por exemplo, A é cidadã francesa e B cidadão alemão e tiveram um filho
nascido na Inglaterra, assim torna-se necessário saber qual legislação aplicável para reger os direitos
e obrigações decorrentes dessa situação.
É ao Direito Internacional Privado que cabe definir se a esta situação jurídica aplica-se a lei
francesa, alemã ou inglesa. Ou seja, as normas de direito internacional privado, são normas de
conflito que determinam qual a lei aplicável, ao caso concreto.
Para concluir, o Direito Civil é o direito nuclear do direito privado, ou seja, é de aplicação
subsidiária a todos os outros ramos de direito privado. Isto significa que quando um litígio não pode
ser resolvido por meio de outros ramos do direito, o Direito Civil é obrigatoriamente o ramo
regulador.
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Fontes do Direito Civil
Segundo o Dr. Mota Pinto, o Direito Civil contém a disciplina positiva da atividade de
convivência da pessoa humana com as outras pessoas, isto é, tutela os interesses dos homens em
relação com outros homens nos vários planos da vida onde essa cooperação entre pessoas se
processa, formulando as normas a que ela se deve sujeitar. A questão que, no entanto, se põe é: de
onde surge esse direito?
A menção destas fontes de direitos é muito importante, na medida em que nos permite
concluir que, apesar de integradas no Código Civil, são fontes de direito que extravasam em muito o
estrito âmbito do Direito Civil. Para além destas, temos ainda as duas principais fontes de Direito
Civil.
1. Constituição
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A Constituição é uma força geradora de direito privado, nas palavras do Dr. Mota Pinto, na
medida em que, as normas nela contidas, se aplicam vinculativamente ao legislador, ao juiz e aos
órgãos estaduais. Mas entendamos agora o seu efetivo peso prático na vida jurídica privada:
Contudo, releva mencionar que existem aspetos em que a Constituição e os preceitos nela
consignados não podem, de modo algum, prevalecer sobre os princípios do Direito Civil. Por
exemplo, o princípio da igualdade não pode prevalecer sobre a liberdade contratual, ou seja o artigo
13.º CRP não inibe o legislador de reconhecer as desigualdades assentes nas características da
matéria a disciplinar.
No nosso âmbito do Direito Civil, é comum que num contrato, as partes se possam encontrar
em posições desequilibradas, por exemplo e como veremos mais abaixo, no regime das cláusulas
gerais contratuais. O que o legislador não pode fazer é separar categorias de situações e, portanto, se
ele define que para aquele conjunto de situações, faz sentido fazer prevalecer o princípio da
liberdade contratual e o possível desequilíbrio entre as partes, então vai defini-lo para todas as
situações que mereçam esse regime.
2. Código Civil
O Código Civil compila as normas de Direito Civil, e apesar de não ser a primeira codificação
de Direito Civil, é, indubitavelmente, a mais importante. Foi após as Ordenações Filipinas, que entrou
em vigor o primeiro Código Civil, denominado de Código de Seabra de 1867. Este estava dividido em
quatro partes e essa era uma divisão antropocêntrica, na medida em que colocava o Homem no
centro de qualquer situação jurídica e no qual prevalecia a visão antropológica, nos termos do
Doutor Cabral Moncada.
Vigorou cerca de 100 anos, mas, devido à Implantação da República foi exigida uma
mudança, concretamente a consagração normativa de novos princípios, e por outros motivos, o
Código de Seabra foi revogado pelo nosso atual Código Civil, de 1966 aprovado pelo Decreto-Lei nº47
344.
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jurídica. Adota-se, antes, uma sistematização germânica, proveniente da Escola Pandectista Alemã, e
que centra o Direito Civil na relação jurídica, sendo que esta corresponde à relação da vida social que
produz efeitos juridicamente relevantes.
O Código Civil é constituído por 4 partes, sendo que todas elas têm por base a Parte Geral.
1. Parte Geral
O reconhecimento desta parte tem como origem a Escola Pandectista Alemã e que vai ser o
nosso objeto de análise. É também nesta parte que se encontram as normas relativas à Interpretação
de Leis e as normas de conflito de Direito Internacional Privado e, ainda quando a parte
especial/regime específico não regula uma dada relação jurídica, que se recorre à Parte Geral.
Trata das obrigações legais entre as partes, que são vínculos jurídicos por virtude dos quais
uma pessoa fica adstrita para com a outra à realização de uma prestação. Por exemplo, vejamos o
Art. 397.º CC - nele consta que uma pessoa tem o direito de exigir de outra o cumprimento de uma
prestação positiva ou negativa, por exemplo, se A empresta o seu computador a B, a relação que se
estabelece entre A e B é uma relação de crédito, em que B fica obrigado a restituir o objeto
emprestado. A tem o direito de exigir a prestação e denomina-se de sujeito ativo da obrigação e B
tem o dever de prestar e denomina-se de sujeito passivo.
Os direitos reais são relações de um sujeito jurídico com todas as outras pessoas, por força
das quais aquele sujeito adquire um poder direto e imediato sobre uma coisa. Tem, portanto, efeitos
erga omnes, ou seja, se Z tem um terreno, todos estão obrigados a respeitar o seu direito de
propriedade. Assim trata, essencialmente, dos direitos de propriedade e posse de bens móveis ou
imóveis.
4. Direito da Família
Conclui-se que uma boa compreensão do Código Civil é essencial, visto que este está
revestido de uma linguagem técnica de significado jurídico, contudo, este uso de linguagem é
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controverso. Uns defendem o uso de uma linguagem universalmente percetível, outros defendem o
uso de uma linguagem jurídica própria, direcionada, exclusivamente, àqueles que praticam o direito.
A sistematização germânica do Código Civil tem um valor didático, na medida em que nos
ajuda a compreender o Direito Civil, mas tem pouco relevo para as soluções jurídicas. Essa
racionalidade intocável apresenta:
● Vantagens, na medida em que nos dá uma panorâmica simplificada deste instituto jurídico
complexo e evita constantes repetições e remissões (consagra desde logo os princípios
aplicáveis a qualquer área).
● Desvantagens, na medida em que tem um caráter incompleto, a falta de um critério unitário,
quebra de matérias e confusão entre sistemas.
1. Caráter Incompleto
Face a esta crítica, o Dr, Mota Pinto parece discordar e considera que dizer que a base do
Direito Civil é a relação jurídica é errado, na medida em que submerge a pessoa humana na noção
formal e abstrata de sujeito de relação jurídica. Considera que a pessoa humana se inclui dentro
desse conceito, no mesmo nível que as pessoas coletivas que têm também a qualidade de sujeitos de
relações jurídicas.
Até porque temos o artigo 70º CC que visa tutelar esses mesmos direitos de personalidade:
“A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade
física ou moral”. Também o artigo 66º CC consagra que todo o Homem tem personalidade jurídica e
ninguém fica à margem do direito: “A personalidade adquire-se no momento do nascimento
completo e com vida”
Esta crítica advém do facto de que o critério que é utilizado para autonomizar as 4 partes do
Código Civil, não é um critério unitário. Vejamos:
● O Direito das Coisas e o Direito das Obrigações estão autonomizados com base num
critério estrutural (depende da relação onde alguém tem direito sobre uma coisa
(reais) ou a uma coisa (obrigações). Aqui a relação jurídica tem um grande relevo.
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● O Direito da Família e o Direito das Sucessões são baseados num critério institucional
(instituição família ou instituição sucessões). Aqui o sujeito da relação jurídica tem
grande relevo.
O facto de as 4 partes não estarem autonomizadas com base no mesmo critério, acaba por
gerar alguma incoerência.
3. Quebra de Matérias
Questiona-se se a Parte Geral não terá gerado quebras entre matérias que deveriam estar
juntas. Por exemplo, a noção de coisa encontra-se consagrada no artigo 202º CC, ou seja, na Parte
Geral, porém fazia mais sentido esta integrar-se nos Direitos Reais, por ter uma especial relevância
nesta área. Ainda neste âmbito, releva mencionar que a análise de um artigo ou de um Livro (dos
que se encontram no Código Civil) pode nunca ser suficiente.
Porém, se em causa já tiver a invalidade desse contrato de compra e venda (negócio jurídico
bilateral) então tenho que analisar os termos do artigo 261.º CC, que se encontra no Livro I, Parte
Geral e não no Livro II.
Esta arrumação também pode levar a uma confusão entre o sistema interno e externo do
Código Civil. A antecipação de uma Parte Geral sugere que na Parte Geral está a disciplina que visa
preencher tudo o que a parte especial falha em abranger. Ora, isso leva a crer que há uma plenitude
lógica do ordenamento jurídico, quando este não é perfeito, apresenta lacunas, obrigando o
legislador a prever outro tipo de soluções.
Técnicas Legislativas
Segundo Larenz, jurista alemão, o Código Civil distingue três tipos de formulação legal: o tipo
dos conceitos gerais-abstratos, o tipo simples das diretivas e o tipo casuístico.
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Vejamos um conceito geral abstrato no artigo 210.º/1 CC: “São coisas acessórias, ou
pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas por forma
duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra”
No caso do artigo 210.º/1 CC, sabemos que as coisas acessórias são as que estão afetadas
por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra, contudo mais nada se acrescenta a
este respeito, designadamente não se faz qualquer concretização. Assim, é efetivamente definido um
núcleo daquilo que são coisas acessórias, mas à medida que fugimos desse núcleo daquilo que coisa
acessória significa juridicamente, há uma maior margem de incerteza. Por exemplo, um livro é,
inegavelmente, uma coisa, mas se falarmos de eletricidade, já é mais difícil enquadrá-la
juridicamente. Será uma coisa?
Neste último tipo de formulação legal, o legislador recorre às meras diretivas enquanto
linhas de orientação, que contém critérios valorativos. Vejamos quais.
Por exemplo, o artigo 280.º consagra uma cláusula geral ao dizer que é nulo o negócio
contrário à ordem pública, ou ofensivo aos bons costumes. Os bons costumes correspondem às
convicções morais ou éticas que uma pessoa correta tem na nossa sociedade, ou seja, não estão em
causa princípios do direito civil, aí estaríamos a falar de ordem pública (conceito indeterminado),
mas sim os princípios morais das pessoas corretas.
Diz este artigo que qualquer negócio jurídico que ofenda esses princípios morais, é nulo. Por
exemplo, contratos que promovam a discriminação legal ou o casamento forçado são contratos
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ofensivos dos bons costumes, por violarem os princípios ético-morais da não discriminação e da
liberdade de escolha individual.
O artigo 239.º consagra também uma cláusula geral ao dizer que na falta de disposição
especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam
tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra
seja a solução por eles imposta.
São ainda cláusulas gerais, a ausência justificativa (artigo 473.º), a equidade (artigo
489.º/494.º), o abuso de direito (artigo 334.º), etc.
As Cláusulas Gerais são critérios de valoração, na medida em que estas exigem ainda um
processo de apreciação, isto é, não só temos que perceber o conceito de “bons costumes” ou
“boa-fé”, como temos que perceber se aquela conduta cabe dentro desta cláusula.
Não estão aqui em causa critérios de valoração, mas situações indeterminadas que cabe ao
intérprete densificar. São conceitos que exigem um preenchimento por parte do intérprete, na
medida em que, como refere a parte final do artigo supra, é necessário atender às circunstâncias do
caso para apreciar a culpa, sendo isto que torna estes conceitos tão flexíveis, pois na sua aplicação ao
caso concreto a conclusão jurídica pode ser diferente na medida em que, as circunstâncias também
são diferentes
O juiz ao fixar a indemnização, de valor inferior ao dano, tem parâmetros que o ajudam, que
são termos comparativos das situações patrimoniais do lesado e lesante. Ora as “outras
circunstâncias” podem ser o estado de saúde, a condição profissional, a idade, as responsabilidades
parentais, e esta indeterminação é um reenvio para o julgador e a escolha desses fatores é validada
pelo conceito "circunstâncias do caso".
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3. Tipo Casuístico
Todavia, como os conceitos determinados, por serem muito específicos na matéria a regular,
incorrem, frequentemente, em lacunas de regulamentação. Estas consistem na não inclusão da
norma, numa situação que merece aquele tratamento jurídico.
Isso sentiu-se ao nível da maioridade, que se passou a atingir aos 18 e não aos 21; abriu-se a
possibilidade de divórcio a casamentos pela igreja; surge o direito à liberdade de associação;
alterações no regime de arrendamento, entre outros.
O sistema interno do Código Civil, consiste no conjunto de linhas estruturantes que estão na
base das soluções normativas, nele contidas. É uma estrutura composta por vários princípios, que
podem ser aplicados diretamente com aplicação normativa.
Este é o princípio basilar do Direito Civil que antecede todos os outros. Quando falamos de
personalidade, falamos em sentido estrito, isto é, com referência à sua etimologia persone, os
direitos da pessoa. Assim, ser pessoa, em sentido jurídico, corresponde à suscetibilidade de ser
titular de direitos e obrigações.
Ora, poderá acontecer que esse conceito seja, muitas vezes, incompatível com a noção de
ser humano? Sim, já o foi no passado, por exemplo um escravo era um ser humano, mas não era
considerado pessoa, por não ser passível de titularidade desses direitos e obrigações. Também
acontece com as pessoas coletivas que são consideradas pessoas por possuírem direitos e
obrigações, mas não são consideradas seres humanos.
Esta questão é resolvida pelo artigo 66º CC, que nos diz que “a personalidade adquire-se no
momento do nascimento completo e com vida” - prevê este artigo que todo o homem adquire
personalidade jurídica no nascimento, portanto não é possível separar o conceito de ser humano
com o conceito de pessoa jurídica. O reconhecimento jurídico da pessoa não é condição de
existência do ser humano, mas sim uma consequência. Reconhece-se o princípio da dignidade do
homem e, para tal, dota-o de uma qualidade indispensável, a personalidade jurídica.
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a) Características Essenciais dos Direitos de Personalidade
Estes são todos os direitos reconhecidos ao ser humano, a partir do momento em que lhe é
reconhecida a sua personalidade jurídica. Estes:
● São Direitos Absolutos – são direitos universais, imputáveis a todos os sujeitos, com eficácia
erga omnes. Inclui todos os direitos de personalidade, é o caso do direito à vida, à liberdade,
à integridade física, à privacidade, entre outros.
● São Direitos Natos – integram a esfera jurídica do indivíduo desde o seu nascimento, sendo
assim automático.
● Possuem Tutela Multinível – existem vários mecanismos que visam proteger a violação dos
direitos de personalidade.
● São Direitos Irrenunciáveis – nenhum sujeito pode renunciar os seus direitos de
personalidade, por serem direitos essenciais.
A Renúncia e Limitação são conceitos que não se confundem e este artigo estabelece a
possibilidade da limitação voluntária dos direitos de personalidade, contudo essa limitação tem que
ter os seus próprios limites e esses limites são os princípios da ordem pública.
Qualquer limitação voluntária aos direitos de personalidade deixa de ser lícita, a partir do
momento em que viola esses princípios. Por exemplo, se eu me submeter a uma intervenção
cirúrgica, naturalmente estarei a limitar o meu direito à integridade física, mas não o renuncio, na
medida em que continua a ser meu. Além disso, toda a limitação voluntária é passível de ser
revogada, nos termos do número 2 deste artigo, isto é a qualquer momento eu posso deixar de
consentir na lesão ao meu direito.
Existe tutela penal quando esses bens jurídicos mostram uma incidência criminal. Há,
portanto, também uma resposta em sede criminal para a violação destes direitos, por exemplo a
violação do direito à vida, constitui crime; a violação da integridade física, constitui crime de ofensas
corporais; a violação do direito à honra, constitui crime de difamação.
A tutela civil visa proteger bens jurídicos essenciais do Homem, que quando se encontram
violados, geram responsabilidade por facto ilícito civil. Estes modos de tutela, encontram a sua
expressão normativa no artigo 70.º CC.
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No seu nº1 - “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa
à sua personalidade física ou moral” - consagra uma cobertura genérica de todas as expressões de
personalidade, seja através de tutela civil, penal ou constitucional, sendo que está referido Lei e essa
pode ser uma lei penal, civil ou constitucional.
Ora, quando há lugar à violação de um direito de personalidade, o lesado pode recorrer aos
mecanismos de tutela para se proteger, e inicia-se imediatamente um processo de responsabilidade
extracontratual, que pode gerar pena de prisão, indemnização, medidas de segurança da liberdade,
etc, por facto ilícito civil. Contudo, receia-se que isso não seja suficiente, e portanto quando há
verificação de ofensa de direitos da personalidade, o lesado pode também requerer em Tribunal que
sejam providenciados instrumentos de atuação que ou evitem a ofensa ou atenuem a sua gravidade.
Por exemplo, são divulgadas publicações de caráter difamatório contra X, já vimos que X
pode requerer acarretamento de responsabilidade extracontratual para o infrator, segundo o artigo
483.º CC, por estar em causa uma ofensa ao direito à honra de X. Porém, para além disso o autor da
ação, X, pode também exigir em Tribunal que essas publicações não sejam divulgadas (impedimento
da ofensa que ainda não ocorreu) ou, que após divulgação, sejam eliminadas e desmentidas
(atenuação da gravidade da ofensa que já ocorreu).
É uma cláusula geral que o legislador introduziu, que por abranger todas as medidas
passíveis de serem adotadas, visa evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já
cometida. Em termos de efetivação de direitos individuais, é uma cláusula muito importante, porque
alarga o leque sancionatório de uma forma muito específica.
a) Direitos Subjetivos
Eu tenho o direito à constituição de família, mas também tenho autonomia para não querer
constituir família, e não exerço esse direito. Um outro exemplo é se o devedor A deve uma certa
quantia ao credor B, apesar de B poder legalmente exigir essa quantia, também é livre de não o
querer fazer. Se C é dono do terreno X, este pode explorar o seu terreno, melhorá-lo e desenvolvê-lo,
mas também é livre para não o fazer.
Ou seja, os direitos subjetivos são um conjunto de direitos que de que eu sou titular, mas
cujo exercício ou não exercício dos mesmos, depende inteiramente da minha vontade, da minha
17
autonomia privada. Porém, apesar de não ser o único, o principal instrumento da autonomia privada
é o negócio jurídico, sendo que este é um facto jurídico voluntário, expresso numa declaração
negocial, para que possa criar efeitos jurídicos. Este pode ser:
● Unilateral
● Bilateral
Quando os efeitos jurídicos surgem de duas ou mais declarações de vontade. É o caso dos
contratos de compra e venda, aqui existe um desejo convergente de celebrar o contrato, mas esse
desejo parte de pontos divergentes, porque A quer comprar e B quer vender, mas ambos querem
celebrar o contrato. A declaração de vontade inicial designa-se de proposta, e a declaração que
constitui a concordância com a proposta, designa-se aceitação. Dentro do negócio bilateral este
ainda pode ser:
- Unilateral - pode ainda o negócio ser bilateral unilateral quando surge de duas declarações
de vontade, mas gera obrigações para apenas uma das partes.
- Bilateral - pode ainda o negócio ser bilateral bilateral quando surge de duas ou mais
declarações de vontade e gera obrigações para ambas as partes.
Nota: o contrato nunca é a soma de dois negócios jurídicos unilaterais, pois são estruturalmente
diferentes.
No campo da responsabilidade civil, não podemos falar de autonomia privada, mas sim de
uma efetivação de direitos. Por estarem em causa direitos de outros sujeitos, é lógico que não se
exprima uma esfera de autonomia com grande relevo mas sim de imposição, quando há afetação
desses direitos. Se o agente pratica um ato ilícito civil que desencadeia essa responsabilidade civil,
este simplesmente não tem autonomia para se poder recusar a essa sujeição.
Também perante negócios jurídicos unilaterais, a autonomia privada dos sujeitos é mais
restrita, na medida em que nenhuma relação jurídica pode ser modificada e tão pouco extinguida
unilateralmente, a menos que haja previsão legal que o permita ou que ambas as partes o consintam
– artigo 406.º CC - Princípio do Pacta Sunt Servanda.
Para além disso, se nos negócios bilaterais, as partes são livres de fixar o seu conteúdo
contratual, os negócios unilaterais só constituem obrigações, quando a lei assim o prevê. São
negócios que produzem efeitos jurídicos para terceiros e seria impensável a afetação não consentida
da esfera jurídica de outros sujeitos. Está então em causa o Princípio da Tipicidade previsto no artigo
457.º CC.
18
dessa autonomia e a liberdade contratual é apenas uma delas. Este princípio tem a sua consagração
normativa expressa no artigo 405º/1 CC e em primeira linha, este artigo estabelece a liberdade de
celebração que consiste na faculdade de livremente realizar contratos (liberdade positiva) ou recusar
a sua celebração (liberdade negativa).
A ninguém pode ser imposta a celebração de um contrato e ninguém pode ser sancionado
pela não celebração de um contrato. Todavia, releva mencionar que existem limitações à liberdade
de celebração, na medida em que nalgumas situações, contemplam-se questões de vulnerabilidade e
de suscetibilidade, que condicionam essa mesma liberdade. Vejamos abaixo quando é que isso
acontece:
Há casos em que tanto as pessoas individuais como as coletivas têm o dever jurídico de
contratar, ou seja, se não o fizerem incorrem num ato ilícito e sujeitam-se a sanções. Exemplo disso é
o dever de prestação de serviços médicos, onde está em causa o dever deontológico dos médicos, ou
seja frequentemente estes podem ver-se obrigados à prestação de serviços, e cuja recusa desdobra
sanção civil e disciplinar.
Às vezes este dever de contratar é criado pelo próprio indivíduo, é o caso paradigmático da
celebração de contratos-promessa que vem previsto no artigo 410.º CC e ss, e consiste num tipo
contratual que vincula a parte ou as partes a celebrarem, à posteriori, um determinado contrato.
Portanto, através da celebração de um contrato-promessa, as partes ficam vinculadas a celebrarem
um contrato posterior e perdem a sua liberdade de vinculação.
Para além dos mencionados, o artigo 13.º CRP é ainda um limite à liberdade de celebração,
já que consagra o princípio da igualdade e condena toda a recusa de contratar que envolva um
caráter discriminatório ou diferenciador das pessoas, limitando assim a entidade empregadora.
19
O que está em causa aqui são limitações que advém de normas que proíbem a realização de
certos contratos com determinadas pessoas. O exemplo mais significativo é a proibição de contratar
com menores para a prática do ato em determinado espetáculo ou estabelecimento1.
O artigo 877.º surge também como uma limitação, já que consagra que os pais e avós não
podem vender a filhos ou netos, se não houver consentimento dos outros filhos ou netos, isto para
garantir que a sucessão se faz de acordo com as regras que estão definidas na sucessão legítima.
Note-se que a venda é proibida mas o artigo não refere a doação, portanto pais e avós
podem doar a filhos e netos, mesmo sem consentimento dos outros, pois não atenta da mesma
forma às regras sucessórias.
Há situações que pela própria natureza do contrato ou pelo peso dos bens em causa há
necessidade de autorização de uma autoridade pública.
Estes artigos consagram que tem que haver consentimento de ambos os cônjuges para se
poder proceder à alienação ou oneração de determinados bens, sejam eles móveis ou imóveis como
a casa de morada de família, ou seja, um cônjuge não pode alienar unilateralmente a casa de ambos,
encontrando-se condicionados a esse consentimento.
Isto acontece também na aquisição de determinados bens por serem bens perigosos como
explosivos ou armas, onde é necessário haver uma autorização ou uma forma de intervenção da
autoridade pública para que se possa adquirir esses bens, devido ao seu grau de perigosidade.
Artigo 405.º/1 CC - “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o
conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as
cláusulas que lhes aprouver”.
1
Note-se que esta limitação não tem caráter discriminatório.
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Este artigo, ou melhor, a liberdade de modelação do conteúdo contratual, permite a
celebração de contratos típicos ou nominados, a celebração de contratos atípicos ou inominados, a
celebração de contratos mistos e ainda o aditamento de quaisquer cláusulas que melhor servirem os
interesses das partes.
Estes têm um regime próprio e uma configuração definida na lei - ex. contrato de compra e
venda, o contrato de trabalho, o contrato de locação, etc. Todos sabemos de que tipo negocial
estamos a falar, porque ele está desenhado na lei e tem um regime próprio que a lei lhe atribui.
Note-se que quando falamos de lei aqui falamos essencialmente do Código Civil, mas não só, há
outros que se encontram noutras leis. É importante distinguir que:
A par disso, releva ainda mencionar que um contrato típico é sempre nominado, porque
quando o legislador acolhe e disciplina um certo regime, também lhe dá uma designação de direito.
O que pode acontecer é que haja uma designação que não seja regulada pelo direito, porque o
legislador considera que não há maturidade o suficiente para haver uma regulamentação. Em suma,
todos os contratos típicos são contratos nominados, mas nem todos os contratos nominados são
contratos típicos.
As partes podem ainda celebrar contratos atípicos ou inominados. Estes são atípicos por não
corresponderem aos tipos de contratos tradicionais que o ordenamento jurídico reconhece e, são
inominados por não terem uma designação específica - não têm um nomen iuris próprio - e são
resultado da plena autonomia dos sujeitos e da sua capacidade jurisgénica. São, assim, contratos
mais flexíveis e adaptáveis.
c) Contratos Mistos
d) Aditamento de Cláusulas
As partes têm a liberdade para aditar as cláusulas que melhor favorecerem os seus
interesses, isto é, podem seguir um dos modelos pré-definidos e acrescentar-lhe cláusulas que
melhor se adequam à prossecução das suas motivações e necessidades. As cláusulas podem ainda
ser:
● Típicas, se o seu regime vier previsto no Código Civil. Por exemplo, eu posso sujeitar um
contrato de compra e venda a uma condição se disser: Só compro o terreno Y, se no contrato
de compra e venda estiver estabelecido que o terreno Y tem as seguintes condições. Este é
um regime previsto no código e reconhecido na prática jurídica.
21
● Atípicas, se o seu regime não tiver qualquer expressão normativa prévia. São condições que
uma das partes quer estabelecer porque naquela situação específica faz sentido, mas não é
corrente que aconteça noutros casos.
1) Artigo 280º
1 - É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou
indeterminável.
Neste caso, é a própria lei que estabelece condicionamentos quanto ao conteúdo contratual,
já que estabelece as balizas do objeto negocial e consagra que o objeto do contrato tem que ser
físico ou legalmente possível, não pode ser contrário à lei nem à ordem pública, nem indeterminado
ou ofensivo dos bons costumes, sob pena de nulidade. A ordem pública corresponde aos princípios
fundamentais estruturadores do sistema interno do código.
2) Normatividade Imperativa
3) Contratos-Promessa
4) Negócios Usurários
22
A proibição dos negócios usurários advém da proibição de Usura. Podem estar em causa
duas situações:
A usura aqui constitui-se pela fixação de juros acima do patamar legalmente estabelecido,
nos termos do artigo 1146º CC. O contrato de mútuo vem estabelecido no artigo 1142º CC, sendo
que este é um contrato de empréstimo, que versa sobre dinheiro ou outra coisa fungível. Se o
empréstimo não versar sobre dinheiro ou coisa fungível, então está em causa o Contrato de
Comodato que tem o seu regime no artigo 1129º do CC - “comodato é o contrato gratuito pelo qual
uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação
de a restituir.”
5) Princípio da Boa-Fé
Esta regra de atuação é uma expectativa de conduta que se requer à contraparte e que acaba
por limitá-la na sua atuação - artigo 762º nº2 do CC - “no cumprimento da obrigação, assim como no
exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé”.
6) Juízos de Equidade
7) Contratos-Programa
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Por exemplo, os contratos coletivos de trabalho são contratos-programa, na medida em que
determina a normatividade que se vai projetar nos futuros contratos individuais.
Até agora vimos todas as restrições que a lei impõe à liberdade de modelação do conteúdo
contratual. Vejamos agora essas restrições de ordem prática, por parte dos Contratos de Adesão.
Nos contratos de adesão, uma das partes tem a possibilidade de determinar o clausulado
contratual2, ao passo que a contraparte não tem a menor participação na preparação deste
clausulado contratual, nem a menor possibilidade de impor condições ao contraente.
Quer isto dizer que a contraparte ou aceita aquelas condições, ou não celebra o contrato, e
encontra-se, portanto, limitada na sua fixação do conteúdo contratual.
Por exemplo, quando vamos ao banco para ter um cartão de crédito não negociamos as
condições de utilização desse cartão, nem sequer temos essa possibilidade, então se o queremos, ou
aceitamos o clausulado contratual, que o banco nos oferece, ou então não temos cartão.3
Normalmente, o que está em causa são Organizações, que pelos bens ou serviços que
oferecem e pela posição de mercado que detém necessitam de recorrer a uma padronização
contratual. Essa padronização leva a uma oferta uniforme das condições contratuais a um maior
número de clientes e é essa necessidade de padronização que legitima a possibilidade de haver um
desequilíbrio social e económico entre as partes, sendo que uma delas se encontra inevitavelmente
mais débil.
Note-se que a limitação da liberdade contratual aqui decorre da natureza dos factos, isto é
do desequilíbrio natural entre partes e não do plano legal. Fala-se em desequilíbrio natural, na
medida em que esse desequilíbrio é condição de existência dos contratos de adesão que se
caracterizam-se precisamente pela desigualdade fáctica entre as partes envolvidas - é um
desequilíbrio lícito.
As Cláusulas Contratuais Gerais ou Condições Gerais de Contrato são as cláusulas que estão
incluídas no contrato de adesão, são o conteúdo contratual e como já vimos acima, estas são
2
O clausulado contratual corresponde ao conjunto de cláusulas inseridas num contrato. Nos C.A, uma das
partes pode, unilateralmente, definir essas cláusulas.
3
Neste tipo de contratos só podemos recusar ou aceitar o que nos é proposto.
24
elaboradas de antemão por um dos contraentes e o seu destinatário limita-se a subscrevê-las ou
aceitá-las, sem possibilidade real de as modificar. São dotadas de duas características:
1. Generalidade
2. Indeterminação
Nota: as cláusulas gerais contratuais são gerais e indeterminadas, aplicadas aos contratos de
adesão, mas estes já são individualizados, apenas contém cláusulas que não o são. Assim, os
Contratos de Adesão são dotados de 3 características:
1. Pré-formatação
2. Imodificação (rigidez)
3. Unilateralidade
4.
b) Mecanismos de Proteção aderentes das Cláusulas Gerais
Existem dois grandes perigos que se enfrentam nos contratos de adesão, em primeiro lugar,
existe o perigo de as pessoas que assinam estes contratos não os lerem, portanto há que garantir
que houve consentimento por parte destas, relativamente a todas as cláusulas.
À medida que foram proliferando estes contratos, foi naturalmente também proliferando o
abuso e, daí a necessidade de o minimizar e de o controlar. Ora, o decreto-lei 446/85 institui ele
próprio um sistema de controlo e proteção contra esses possíveis abusos por parte da posição
dominante. Essa proteção faz-se por duas vias: através das normas materiais e através das normas
processuais. Vejamos cada uma:
Nas normas materiais temos como formas de controlo, o controlo de inclusão e o controlo
de conteúdo (aquilo que é ou não possível de incluir numa determinada cláusula). Então, temos um
controlo operado em primeiro lugar, através destas normas materiais e esse pode ser um controlo de
inclusão ou de conteúdo.
25
b.1.1) Controlo de Inclusão
O Controlo de Inclusão destina-se a verificar se a parte mais fraca consentiu aquelas cláusulas,
porque frequentemente as partes não leem o programa contratual e, assim, evitar a existência de
cláusulas abusivas.
1. Ónus de Comunicação
Vem previsto no artigo 5º do DL 446/85, que diz que todas as cláusulas contratuais gerais
devem ser comunicadas pelo predisponente (quem insere as cláusulas) ao destinatário das mesmas,
sem exceção de nenhuma. Para além disso, essa tem que ser uma comunicação adequada, na
medida em que a linguagem utilizada tem de ser percetível para a contraparte. Tem ainda que ser
inteligível, feita com uma certa antecedência, para que o destinatário das cláusulas contratuais tenha
tempo para refletir acerca da celebração do contrato.
Por força do último número deste artigo, existe ainda uma inversão do “Ónus da Prova" (art.
344.º CC) e, portanto, é ao predisponente, a quem cabe o trabalho probatório em caso de denúncia.
Isto significa que se a contraparte alegar que houve má comunicação ou não comunicação das
cláusulas contratuais, não é este quem tem que provar esse facto, mas é quem comunicou as
cláusulas, a quem cabe provar que nunca houve falhas de comunicação ou que houve efetiva
comunicação, em primeiro lugar.
Não é, portanto, lícito o predisponente fazer valer cláusulas que não foram comunicadas
eficientemente ao aderente e caso tal aconteça, as normas ficam excluídas do contrato.
Aqui estão em causa dois tipos de cláusulas. Por um lado, todas as cláusulas apresentadas de
forma dissimulada e disfarçada, de modo a que o contratante real médio não pudesse perceber o
seu verdadeiro conteúdo ou a sua existência. Acontece quando fazem uso de letras muito
pequeninas ou remetem o conteúdo da cláusula para documentos, os quais a contraparte não tem
acesso.
Por outro lado, refere ainda as cláusulas que sejam inseridas após a assinatura do
contratante. Ambas as cláusulas são excluídas dos contratos singulares, se se verificar a sua
existência - art 8.º alíneas c) e d).
26
4. Redução Automática do Contrato
Até agora analisamos quais as cláusulas que não podem, por força deste Decreto-Lei, estar
inseridas nos contratos singulares, portanto, o artigo 9.º consagra qual a consequência jurídica da
verificação de invalidade dessas cláusulas. Refere o número 1 deste artigo que quando se verifica a
existência de cláusulas que violam os números referidos no artigo acima, estas são expurgadas dos
contratos.
Assim, recorre-se ao instituto da redução, previsto no regime geral do artigo 292.º CC,
através do qual se expurgam/retiram as cláusulas inválidas, mas toda a parte sã e legal do contrato
mantém-se. Para suprir a falta das cláusulas expurgadas, recorre-se a normas supletivas contratuais,
que seriam as aplicadas, se as partes não tivessem predisposto aquele ponto em concreto. Portanto,
a mera invalidade de algumas cláusulas não leva à invalidade total do contrato, na medida em que
ele continua a vigorar.
Porém, esta redução não procede se houver uma indeterminação insuprível de aspetos
essenciais ou um grave desequilíbrio nas prestações atentatório da boa-fé. Portanto, quando a
expurgação de cláusulas inválidas afeta aspetos essenciais ou haja um desequilíbrio entre as partes
que chegue a atentar contra a boa-fé, o contrato é automaticamente nulo. Nestes casos, a nulidade
parcial desencadeia a nulidade total.
1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante
indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição
de aderente real.
Assim, as cláusulas gerais ambíguas são cláusulas das quais é possível extrair mais do que
um sentido de interpretação, devido por exemplo à falta de clareza, imprecisão ou duplo sentido pela
forma como está redigida. O número 1 estabelece que perante uma cláusula ambígua, vale o sentido
que o contratante indeterminado normal teria dado à cláusula, se tivesse acesso aos meios
conferidos ao aderente real.
27
Primeiro percebamos que o contratante indeterminado normal é a parte que aceita as
cláusulas e o aderente real é a posição que este adquire quando já está vinculado ao contrato. Desta
forma, perante uma cláusula pouco clarificada, o sentido que vai valer é o sentido que o contratante
indeterminado normal que aceita aquela cláusula lhe teria dado, se ele já estivesse vinculado àquele
contrato com aquela cláusula.
O número 3 estabelece que quando em causa estão cláusulas de inibição, não se vai extrair
delas o sentido mais favorável ao aderente. As ações de inibição (art. 25.º DL 446/85) são ações
judiciais que visam impedir a prática de uma conduta - ilícita - que está a ocorrer ou que está para
ocorrer. Pode acontecer, por exemplo, quando várias empresas fizeram uso de uma cláusula proibida
e, neste caso, interpreta-se a cláusulas no sentido mais desfavorável, pois não está em causa a
proteção de ninguém, apenas a inibição do uso da cláusula pelas empresas.
Aqui o que está em causa não é a mecânica da inserção das cláusulas no contrato, mas o seu
conteúdo, de forma a evitar a existência de cláusulas abusivas. Efetua-se por duas vias:
Diz o artigo 15º do DL 446/85 - “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à
boa-fé”
A boa-fé diz respeito a uma conduta baseada em valores como a honestidade, correção e
lealdade, portanto está sempre em causa uma expectativa da contraparte que não deve ser
frustrada. Assim, só são admitidas cláusulas que não destruam esta relação de confiança e
expectativa quanto ao comportamento da outra parte. A boa-fé encontra-se consagrada nos artigos
227.º, 762.º, entre outros, do Código Civil.
Existem catálogos de proibições que acontecem nos contratos entre empresários ou entre
consumidores, sendo que faz-se esta distinção porque os catálogos são diferenciados consoante o
tipo de contrato e consoante o tipo de gravidade das cláusulas.
28
2. Catálogo de Cláusulas Relativamente Proibidas
Estas são “relativamente proibidas”, na medida em que já não são determinadas como
proibidas, temos que fazer a análise do contexto em que essa cláusula surge para sabermos se elas
são relativamente proibidas. Todas as cláusulas relativamente proibidas entre empresas ou entidades
equiparadas estão previstas no artigo 19.º.
Catálogo de Cláusulas Absolutamente Proibidas entre consumidores finais - tem o seu regime no
artigo 21.º
Catálogo de Cláusulas Relativamente Proibidas entre consumidores finais - tem o seu regime no
artigo 22.º.
- Se eu compro uma carrinha para levar os meus filhos à escola, está em causa uma relação
entre consumidores finais.
- Se eu compro uma carrinha para vender gelados, está em causa uma relação entre empresas
(entre o prestador de serviços e o utente).
É através das normas processuais que é efetivado o Controlo Processual - mecanismo que o
legislador criou para que possam ser efetivadas regras que presidem à elaboração de Cláusulas
Contratuais Gerais. Dentro deste, podemos encontrar o:
Por exemplo, se entre um cliente e o seu banco suscitar um conflito, quanto ao alcance de
determinada cláusula, o Tribunal pode ser chamado a apreciar esse conflito, e proceder a um
controlo incidental do caso concreto.
O controlo abstrato é sobretudo feito através da chamada ação inibitória, sendo que estas
são ações que têm eficácia ultra-partes, podem ser invocadas por outras pessoas de caráter coletivo.
As ações inibitórias visam impedir a inclusão de cláusulas contratuais gerais proibidas nos contratos
de adesão, quando estas sejam inválidas. As cláusulas podem ser:
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● De integração inválida, apenas naquele contrato de adesão - aqui, a cláusula é por si só
válida, mas naquele contrato de adesão em específico é inválida, por exemplo uma cláusula
que não tenha sido comunicada ao aderente.
● De integração inválida, em toda e qualquer circunstância;
É destas que se vai ocupar o controlo abstrato, sendo que é abstrato precisamente, porque a
cláusula é sempre inválida. É quando uma destas cláusulas integra ou está para integrar o contrato,
que se aciona a ação inibitória.
Não faria sentido acionar a ação inibitória no controlo de inclusão ou nas cláusulas
relativamente proibidas, porque aqui nem se considera tanto o conteúdo da cláusula, mas a forma
como ela é comunicada e as circunstâncias que a rodeiam.
Ainda no âmbito do controlo abstrato, observe-se o disposto nos artigos 26.º; 27.º; 30.º/2;
31.º; 32.º/1 e 3; 33.º/1; 35.º do presente DL:
1. Artigo 26.º4 - estabelece quem pode intentar a ação de condenação pelo uso ilícito de
cláusulas contratuais gerais (legitimidade ativa), ou seja, quem pode invocar a ação inibitória.
2. Artigo 27.º - estabelece contra quem pode ser intentada a ação de condenação pelo uso
ilícito de cláusulas contratuais gerais (legitimidade passiva), ou seja, contra quem pode ser
invocada a ação inibitória.
3. Artigo 30.º/2 - o autor pode pedir em Tribunal que o vencido seja obrigado a publicitar o uso
de cláusulas proibidas como castigo, normalmente no DGSI.
4. Artigo 31.º/1 - mesmo que não tenha sido incluída nenhuma cláusula proibida no contrato,
se se prever a sua possibilidade de inserção, pode provisoriamente proibir-se a sua aplicação.
5. Artigo 32.º/1 e 3 - qualquer cláusula que já tenha sido considerada proibida, no caso julgado,
não pode ser reaplicada, sob pena de nulidade.
6. Artigo 33.º/1 - se a cláusula já foi considerada proibida no caso julgado e o demandante
infringe a obrigação negativa de não a utilizar, é-lhe aplicada uma sanção pecuniária
compulsória - art. 829.º - A do CC.
7. Artigo 35.º - todas as cláusulas que sejam consideradas proibidas devem ser registadas e
esse registo deve manter-se atualizado.
Até agora analisamos o Regime Contratual do Decreto-Lei 446/85, contudo, este não é único
diploma legislativo que visa corrigir os desequilíbrios contratuais. Releva então mencionar as LEI
Nº23/96 e a LEI Nº24/96.
4
O número 2 deste artigo diz-nos ainda que estas entidades atuam no processo em nome próprio, mas o
direito é um direito que está numa esfera jurídica distinta, está na esfera jurídica dos consumidores no seu
conjunto. Por isso, dizemos que este controlo abstrato tem uma eficácia ultra partes, que passa para além da
esfera jurídica da parte que está no processo.
30
A LEI Nº 23/96 lei tem indiscutivelmente um relevo menor que o regime das cláusulas
contratuais gerais, embora também tenha aspetos importantes de proteção dos contraentes. É uma
lei antiga de 1996, que já conheceu variadas alterações e que pretende criar mecanismos de
proteção para o utente de serviços públicos essenciais, ou seja da parte mais frágil.
O direito civil é o ramo do direito no qual este princípio tem o seu acento axiológico mais
nítido, por se caracterizar pelas suas relações interpares, contudo, podemos verificar que a sua
origem se consagrou noutro ramo do direito: o direito do trabalho / laboral. Foi assim, no âmbito do
direito público, que primeiro surgiram as preocupações com a igualdade e a não discriminação.
Atualmente, são vários os mecanismos de tutela deste princípio, estando assim em causa uma
tutela multinível, que não se cinge ao direito interno mas reconhece também supra-estruturas
internacionais. Comecemos por aí:
A CDFUE tem um capítulo dedicado à Igualdade, que consagra artigos protetores da sua
efetivação.
● Artigo.º 20 - Igualdade perante a Lei - “Todas as pessoas são iguais perante a lei”.
31
● Artigo.º 21 - Não Discriminação - “É proibida a discriminação em razão, designadamente, do
sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou
convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza,
nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.”
● Artigo.º 22 - Diversidade cultural, religiosa e linguística
● Artigo.º 23 - Igualdade entre homens e mulheres
● Artigo.º 24 - Direitos das crianças
● Artigo.º 25 – Direitos das pessoas idosas
● Artigo.º 26 - Integração das pessoas com deficiência
Para além destes artigos, a Carta Fundamental dos Direitos Fundamentais da União Europeia
consagra ainda uma série de diretivas que visam concretizar o princípio da igualdade e da
não-discriminação.
Este artigo tem uma consideração de mais fatores discriminatórios mais ampla do que a que
foi acolhida na CDFUE.
- Legislação Ordinária
Já vimos os mecanismos de tutela, deste princípio, no plano supranacional e no plano
constitucional. Relativamente ao plano ordinário, existe uma série infindável de diplomas que se
ocupam da efetivação da igualdade e da não-discriminação. Existem dois tipos de tutela:
● Tutela Geral
● Tutela Especial
➔ Regime Especial dirigido ao Género, no qual
se integra a tutela da parentalidade.
32
➔ Regime Especial dirigido à Deficiência
Quando falamos em igualdade e não discriminação, temos sempre que proceder a um juízo
de comparação entre a situação concreta e a situação ideal típica.
A situação ideal típica é melhor do que a situação real, ou seja, a situação real fica aquém
das exigências da situação ideal -> Discriminação.
A situação ideal típica é menos exigente do que a situação real, isto é, o tratamento da
situação real é melhor do que o padrão de dever-ser imposto pela situação ideal típica ->
Diferenciação Não Ilícita. Em caso de diferenciação não ilícita, não é necessário intervir
corretivamente, na medida em que se a situação real ultrapassa o dever-ser da situação ideal típica,
então já houve uma medida de ação positiva que permitiu este resultado.
b) Tipos de Discriminação
A discriminação pode revelar-se através de três manifestações:
1. Discriminação Direta
Este é o tipo de discriminação mais facilmente identificável já que através de um dado
comportamento, reconhece-se, de imediato, que este é discriminatório. Por exemplo, o porteiro de
uma discoteca deixar entrar toda a gente menos aqueles que pertencem a uma determinada etnia.
2. Discriminação Indireta
A situação de discriminação indireta advém de uma prática, aparentemente neutra, mas
que, no seu núcleo, se encontra motivada a ser aplicada discriminatoriamente. Por exemplo, num
concurso é introduzida uma exigência de saber pronunciar dialetos, quando apenas um concorrente
está apto para satisfazer essa exigência.
33
Trata-se de práticas aparentemente neutras, mas que não se livram de poderem constituir,
indiretamente, situações discriminatórias. Para atender a essa determinação, isto é, se a medida é ou
não discriminatória, há que proceder à análise do princípio da proporcionalidade previsto no artigo
18.º CRP. Assim, todas as restrições impostas, que possam afetar direitos, liberdades e garantias
devem ser necessárias, adequadas e não excessivas - se um destes requisitos cumulativos não se
verificar, a situação é discriminatória.
O TJUE tem tido uma atividade judicial nesta matéria ao ter uma leitura muito exigente das
consequências das práticas que constituem discriminação indireta.
Por último, o que essencialmente disintingue estes dois tipos de discriminação é o facto da
discriminação direta ser sempre intencional, ao passo que a discriminação indireta pode ou não ser
intencional. Para além disso, a discriminação indireta pode apresentar uma justificação objetiva, ao
passo que a discriminação direta não pode, e assim podemos concluir que discriminação direta é
sempre discriminação.
Por exemplo, se eu na escolha de arrendatários para viverem no meu prédio, estabelecer que
apenas aceito mulheres, na medida em que só me sentirei confortável, dessa forma, então é
justificável - temos aqui o que poderia ser um caso de discriminação indireta, mas como tem uma
justificação objetiva, então não pode ser considerado como discriminatório.
Para além dessa, existe a discriminação cujo fator discriminatório se localiza numa pessoa
diferente, isto é, a discriminação não é direcionada à pessoa individual, mas é feita por causa de uma
situação de outrém.
Por exemplo, uma mãe trabalhadora de um jovem deficiente que seja despedida, porque
não consegue cumprir os critérios de assiduidade da mesma forma que as outras trabalhadoras, está
a ser vítima de discriminação.
34
civil. Vejamos abaixo quais os tipos de proteção fornecidos ao princípio da igualdade e da não
discriminação.
1. Proteção Imediata
A proteção imediata é o tipo de proteção que consagra instrumentos que existem para
corrigir ou prevenir, imediatamente, práticas discriminatórias. Esta pode ser:
● Preventiva
● Corretiva ou Repressiva
○ Sanções Penais
○ Sanções Civis - A discriminação é sempre um facto ilícito culposo que, por sua vez,
gera sempre responsabilidade civil, ex.:. artigo 483º CC.
2. Proteção Lateral
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A responsabilidade civil tem por finalidade tornar o lesado indemne, ou seja, sem dano,
portanto, visa colocar o lesado na situação em que este estaria, se não tivesse ocorrido o facto que
originou o dano.
Casus Sentit Dominus - em princípio, se eu sou o proprietário de algo, vou arcar com os
prejuízos daí decorrentes.
O Senhor A contrata um engenheiro para lhe construir uma moradia e pede-lhe para utilizar
uma marca específica de tubagem, mas quando a moradia já estava construída, o Senhor A
apercebeu-se que a tubagem utilizada não era a tal que ele tinha pedido, e então solicitou em
tribunal a reconstituição natural da casa - ou seja a reconstrução da casa com o uso de tubagem
inicialmente pedido.
Então está consagrada a Teoria da Diferença para analisar qual deve ser o montante a pagar,
assim, calcula-se o valor da situação patrimonial em que o lesado está, e o valor da situação
patrimonial em que o lesado estaria, se não tivesse havido violação da norma pelo devedor.
No artigo 496 do CC - “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais
que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” - está em causa o regime da compensação.
Este corresponde à atribuição, ao lesado, de uma soma pecuniária de reparação por danos
morais, que pela sua natureza não patrimonial, não são suscetíveis de Reconstituição Natural ou
Reintegração por Equivalente, ou seja, não são suscetíveis de indemnização.
Quando o artigo refere “mereçam a tutela do direito”, isto significa que o dano patrimonial
tem que afetar bens juridicamente relevantes, como a vida. Assim, se estiverem em causa
“sensibilidades particularmente agudas”, então estas não são passíveis de serem compensadas.
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É errado utilizar o termo indemnização, porque a indemnização significa eliminar o dano,
mas danos morais não são pecuniariamente elimináveis, então atribui-se um estatuto financeiro ao
sujeito que tente compensar o prejuízo moral.
b) Tipos de Danos
● Dano Patrimonial
Um dano patrimonial é um dano real que incide, sempre, sobre a situação patrimonial do
lesado. Dentro dele existem variantes:
● Dano Emergente - dano causado nos bens ou direitos que já existem na titularidade
do lesado à data da lesão. São os prejuízos decorrentes do dano.
● Lucro Cessante - corresponde aos benefícios que o lesado deixou de obter por força
do facto lesante - artigo 564.º/1 CC.
●
● Dano Não Patrimonial
Os danos não patrimoniais são danos que não são pecuniariamente avaliados, são aqueles
que atingem a saúde, bem-estar, liberdade, integridade estética, bom nome, etc. Estes são danos
compensáveis, como manda o artigo 496.º/1 do CC.
1. Facto Voluntário
Para haver um dano, é necessária a existência de um facto voluntário. Quando dizemos
“voluntário” significa que tem que acontecer alguma coisa ligada à vontade do sujeito, mesmo que a
criação do dano não tenha sido querida por este. Se quem produziu o dano, pudesse ter atuado de
forma que evitasse a sua consumação, então estamos perante um facto voluntário.
Por exemplo, eu estava a caminhar distraída e vou contra a minha colega que deixa o
telemóvel cair e ele parte-se. Por muito que eu não quisesse partir o telemóvel, era legitimamente
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exigível que eu não tivesse distraída, ou seja, eu podia ter atuado de forma que não levasse à criação
do dano e, assim, gera-se responsabilidade civil.
2. Facto Ilícito
O facto tem que ser reprovável pela ordem jurídica, na medida em que viola direitos
subjetivos alheios, tutelados por disposição legal - artigo 483.º CC: “aquele que, com dolo ou mera
culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger
interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Há que distinguir entre facto ilícito e facto voluntário, sendo que o primeiro é a violação de
um direito e o segundo é a situação que gerou o dano. Por exemplo, A ia a conduzir e, devido à sua
distração, atropelou B que sofreu danos gravosos.
O facto voluntário aqui é a condução, abstratamente falando, ou seja, é a situação que leva à
propensão da criação do dano - se eu não estivesse a conduzir, não teria atropelado B e a este não
teria gerado danos. É um facto voluntário, porque por muito que eu não quisesse ter criado o dano, o
facto que, indiretamente, gerou o dano, foi praticado voluntariamente. Para que, no caso concreto,
haja lugar à responsabilidade civil extracontratual, ambos os factos têm de se verificar.
Mas quando é que o facto não é voluntário? Por exemplo, no sonambulismo, aqui o sujeito
nem queria estar acordado, portanto, o facto propício à criação do dano nem foi praticado
voluntariamente.
3. Nexo de Causalidade
Tem de haver um nexo de causalidade entre o facto e o dano para que haja lugar à
responsabilidade civil. Por outras palavras, o dano tem que ter sido causado por aquele facto, assim
o facto tem que originar dano e o resultado tem que ser sempre o prejuízo. É, todavia, um elemento
de prova muito difícil.
Ainda no âmbito do nexo de causalidade, temos a teoria da causalidade adequada que nos
diz que o facto ilícito, voluntário e danoso seria adequado a dar luz ao dano. Por exemplo, A
atropelou B, o que levou à fratura do braço direito de B. Este é levado para o hospital e no dia
seguinte, quando sai do mesmo, é atropelado por um camião, acabando por falecer após esse
atropelamento.
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A teoria da causalidade adequada diz-nos que A só é responsável pela fratura do braço de B,
pois este foi um dano gerado pelo atropelamento de A. Contudo, A já não é responsável pela morte
de B, pois não há nexo de causalidade entre o atropelamento de A e a morte de B.
Foi o segundo atropelamento de B que levou à sua morte, não o atropelamento por A, assim
sendo A seria, apenas, punido por ofensas à integridade física (art. 70.º CC), mas não pela ofensa ao
direito à vida de B (art. 24.º CRP).
4. Facto Danoso
Daquele facto, tem de ocorrer um dano. O Dr. Orlando de Carvalho distingue ainda entre o
dano:
● Direito / Indireto
5. Facto Culposo
Está aqui em causa a culpa, sendo que a culpa é um juízo de reprovação e censura
ético-jurídica pela conduta do agente - há lugar à culpa, quando o autor da lesão podia ter agido de
outra forma, de forma a evitar o dano.
A culpa remete-nos ainda para a voluntariedade do ato, ou seja, quanto maior o grau de
voluntariedade do ato, maior o juízo de culpa. A culpa pode revestir-se de duas formas distintas: o
dolo e a negligência.
5.1) Dolo
Num ato doloso, o grau de censura é muito grande, sendo esta a modalidade de culpa mais
gravosa. Aqui o agente quer praticar o ato ilícito, portanto o facto não só é voluntário, como também
é querido. Aos factos ilícitos praticados com dolo, dá-se a designação de delitos. Temos três
modalidades de Dolo:
● Dolo Direto
O agente, na sua prefiguração mental, quer determinado efeito da conduta. Por exemplo,
imaginemos que um determinado sujeito pretende assassinar outro, e sabe que a vítima pernoita
numa casa abandonada, dirige-se à casa e põe fogo às instalações sabendo que irá originar a morte
do ocupante.
Aqui, o facto está diretamente ligado à produção do dano, e o agente não só quis praticar o
ato como também quis o resultado, morte do ocupante, que ele sabia que adviria daquele facto.
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● Dolo Necessário
Aqui o agente não quer diretamente o facto ilícito, mas prevê a possibilidade de ele se
verificar e mesmo assim decide agir. Por exemplo, o agente quer destruir a casa, sabe que há alguém
que pernoita nessa casa, mas ele não quer matar o ocupante, e sabe que se ele lá estiver ele morre,
e, portanto, o seu dolo é um dolo necessário - prevê o efeito como necessário.
Ou seja, o dolo necessário distingue-se do dolo direto, na medida em que no dolo direto o
agente quer mesmo matar o ocupante, ao passo que no dolo necessário, o agente que incendiar a
casa e sabe que como consequência, terá a morte do ocupante. Contudo, não era interesse
primordial que essa morte acontecesse, mas foi um efeito necessário. É um tipo de dolo menos
grave, visto que o grau de voluntariedade na morte do ocupante é menor, ou seja, não era da
vontade do agente que esta tivesse ocorrido, mas ele previu que isso fosse acontecer e mesmo assim
agiu.
● Dolo Eventual
O agente prevê a produção do facto ilícito, mas apenas como condição eventual da sua
conduta. Por exemplo, o agente prevê a morte do ocupante como efeito eventual, mas não sabe se
vai todas as noites, nem sabe se ele vai estar, sabe só que se lá estiver é possível que morra - a
adesão ao resultado é sucessivamente menor.
A única diferença deste para o dolo necessário, é que no dolo necessário o agente sabe que
o ocupante lá vai estar. No dolo eventual, o agente não sabe se o ocupante lá vai estar, mas sabe que
isso pode acontecer.
A negligência não é uma modalidade de culpa tão grave como o dolo, na medida em que o
ato é voluntário, mas não é querido. Se no dolo temos adesão ao resultado, aqui não se verifica essa
adesão - há uma omissão da diligência exigível ao agente. A reprovação que lhe dirigimos é uma
censura por ele não ter agido como deveria. Aos factos ilícitos praticados por negligência dá-se o
nome de quase delitos. Temos duas modalidades de negligência:
● Negligência Consciente
A negligência é consciente nos casos em que há precipitação e espúria por parte do agente.
Por exemplo, o sujeito previa a produção do facto como possível, mas acreditava que não havia lá
ninguém, seguindo o exemplo anterior. Ou seja, ele é otimista na negligência consciente, porque
apesar de ele saber que o ocupante podia lá estar, ele acredita que não está.
● Negligência Inconsciente
O agente não chega sequer a conceber a possibilidade do facto se vir a verificar, isto é, não
era apenas o resultado, mas também o facto que não são da vontade do agente. Por exemplo, o
agente deita fora um cigarro aceso, o que leva à propagação de fogo pela casa e eventualmente à
morte do ocupante. Não há uma adesão ao resultado, ou seja, o agente nunca quer, nem nunca
previu a propagação do fogo, e por maioria de razão, a morte do ocupante.
Compreendamos, agora, o porquê de ser tão importante definir o grau de adesão do agente
ao resultado. Em primeiro lugar, quando falamos de adesão falamos do grau de ligação entre o
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agente e o dano causado. Quanto maior for esse grau de ligação, maior é o grau de voluntariedade,
ou seja, se houver uma grande adesão, isso significa que o agente quis, efetivamente, a produção
daqueles efeitos, daí que o grau de voluntariedade seja maior.
Esse maior grau de voluntariedade vai refletir-se num maior grau de culpa - eu sou tão ou
mais culpado, consoante maior seja a minha intenção de cometer um ato ilícito que desencadeia tal
resultado. Daí que na negligência, o grau de culpa seja menor, na medida em que o grau de
voluntariedade também o é já que um agente negligente não quis aquele resultado, ou por outras
palavras, quando produziu aquele facto, não previu que fosse gerar aquele resultado.
Podemos encontrar consagração normativa do que foi supra mencionado no artigo 494.º CC
- “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa (negligência), poderá a indemnização ser
fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que
o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso o justifiquem”.
O que este artigo nos vem dizer é que nos casos de negligência ou mera culpa, pelo grau de
voluntariedade e, consecutivamente, o grau de culpa do agente serem menores, também o
montante a indemnizar o será. Há uma limitação equitativa da indemnização, na medida em que
pelo facto ter ocorrido por negligência, o agente não é obrigado a ressarcir, integralmente, os danos.
Logicamente, tal só sucede se devidamente justificado.
Já estudamos em Direito Penal que a sanção se mede pelo grau de culpabilidade do agente,
portanto se esse grau é menor nos casos de negligência, também a indemnização, enquanto sanção
mais frequente do direito privado, o será. Quando o facto ocorre por dolo, o agente já é obrigado a
ressarcir integralmente os danos, pelo seu grau de culpa ser maior.
Com o propósito de não restarem dúvidas acerca da distinção entre estas duas modalidades,
desenvolvamos sucintamente cada uma. Inegavelmente, a fronteira entre a negligência consciente e
o dolo eventual é uma fronteira difícil de estabelecer. Portanto, a primeira pergunta a fazer é: na
prática do facto, qual foi a verdadeira convicção do agente? Essa é, na verdade, a solução para
distinguir todas as modalidades de dolo ou negligência.
Tanto no dolo eventual como na negligência consciente, o agente sabe que o resultado é
passível de ocorrência, mas estes distinguem-se porque:
● No dolo eventual, o agente não sabe se o resultado se vai efetivar, mas sabe que é possível
que aconteça.
● Na negligência consciente, o agente acredita que o resultado não se vai efetivar. Toma uma
posição otimista, pois sabe que o resultado poderia ocorrer, mas acredita que naquele dia
não ocorre.
Ainda no exemplo anterior, em dolo eventual, o agente sabe que a morte do ocupante da
casa pode acontecer e, mesmo assim, isso não o dissuade de incendiar a casa. Já na negligência
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consciente, o agente incendiou a casa, mas nunca previu que isso pudesse levar à morte de alguém -
caso o tivesse previsto, nunca teria praticado o facto, em primeiro lugar.
Essa é a grande pedra de toque entre estes dois conceitos: no dolo eventual, o agente
praticou o facto, mesmo sabendo que havia a possibilidade de desencadeamento daquele resultado.
Na negligência consciente, só o agente praticou o facto, porque nunca previu tal resultado. Desta
forma, a negligência consciente é menos censurável, visto que apesar de ser exigível que o agente
tivesse verificado se alguém ocupava a casa quando a incendiou, o facto de ele acreditar que
ninguém o fazia, torna a produção do dano, decorrente da sua conduta, um pouco menos voluntária.
Por último, releva apenas mencionar que a necessidade de distinção entre os tipos de dolo e
negligência é diferente, seja no Direito Civil, seja no Direito Penal. Isto porque o Direito Civil só tem
consequências normativas, na distinção entre dolo e negligência, aliás, o artigo 494.º, supracitado,
não faz referência aos tipos de negligência, porque para o Direito Civil, o dever do agente é ressarcir
os danos causados, sendo que o grau de culpa com que este agiu seja menos relevante para o efeito.
Já no Direito Penal, todo o ponto de partida é esse grau de culpa, daí que seja mais importante
determiná-lo.
O mesmo facto pode ainda gerar responsabilidade civil e penal: se o agente puser fogo à
casa, e isso resultar na morte do ocupante, este vai responder pelo fogo posto e pelo homicídio,
contudo, vai responder também pelos danos à casa e pelo dano morte.
Por exemplo, A está no meio da multidão e ao espreguiçar-se, empurra C que cai ao chão e
magoa-se. Efetivamente, A não queria nem empurrar C nem magoá-lo, todavia era exigível que A
não se tivesse espreguiçado se sabia que estava no meio da multidão e podia embater em alguém.
1. Responsabilidade Subjetiva
Estamos perante responsabilidade subjetiva quando podemos dirigir ao agente um juízo de
censura, seja a título de negligência ou dolo - Artigo 483.º CC.
Portanto, quando o facto que gerou a responsabilidade foi praticado culposamente pelo
agente, está em causa a responsabilidade subjetiva. Esta é a modalidade-regra da responsabilidade,
ou seja, por norma, o facto gerador da responsabilidade é sempre praticado com culpa. Só
excecionalmente é que existem outras formas de responsabilidade.
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praticado sem culpa, desta forma, ela não se baseia na culpa do agente, mas sim no pressuposto do
risco - responsabilidade pelo risco.
Esta responsabilidade existe porque, pese embora, não atue com culpa, baseia-se no
pressuposto do risco, ou seja, os danos são obrigatoriamente ressarcidos pelo agente, não porque
este agiu culposamente, mas porque a sua atuação se insere numa das hipóteses de risco previstas
na lei, mas não porque tem culpa. Dizer que esta é uma modalidade excecional, significa que apenas
excecionalmente podemos admitir uma responsabilidade que prescinda da culpa. Por regra, a culpa
é uma “conditio sine qua non” da responsabilidade.
Os trabalhadores sofriam acidentes e não havia qualquer tipo de base legal que consagrasse
essa responsabilidade, o que levava a que os trabalhadores ficassem condenados à miséria já que
ficavam incapazes de trabalhar e não tinham qualquer suporte social.
Esta ideia foi sendo alargada a outras situações, nomeadamente, à circulação automóvel, ou
seja, mesmo que empregue toda a diligência e perícia, pode haver acidentes.
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Esse regime subsidiário da responsabilidade objetiva vem previsto no artigo 499.º - “são
extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais
em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos”
Análise do Artigo 500.ºCC - é a norma axial pelo que tem especial relevância:
- Comitente (A)
- Comissário (B) - quem desempenha uma tal tarefa em nome do comitente, com
quem estabelece uma relação de comissão.
- Lesado (C)
Esses danos causados em C vão ser ressarcidos por A, que apesar de ter dado a B as
instruções certas, é chamado a responder independentemente da culpa, visto que a realização do
transporte o beneficiava a si, e já vimos acima, que é quem beneficia da situação que deve responder
pelos danos por ela causados - situação prevista no número 1 deste artigo. Para além disso,
presume-se que o comitente está em melhor posição económica para responder pelos danos, do que
o comissário, daí ser uma responsabilidade de garantia.
Após A pagar os 10 000 a C, este pode exigir o reembolso dos 10 000 a B, tendo em conta
que foi este quem praticou, culposamente, o facto que gerou o dano. Com o Direito de Regresso, o
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comitente é sempre o responsável pelo ressarcimento dos danos, mas pode invocar o Direito de
Regresso contra o comissário e exigir que este se coloque na posição de devedor perante o
comitente, e lhe reembolse a quantia.
● Artigo 501.º CC
● Artigo 502.º CC
● Artigo 503.º CC
● Artigo 506.º CC
Colisão de Veículos
● Artigo 509.º CC
Em todas estas hipóteses, o agente praticou o facto gerador do dano desprovido de culpa,
mas é-lhe imputável a ele o ressarcimento desses danos.
1. É lícita a ação daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o
perigo atual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.
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● O agente tem culpa na prática do facto, ainda que essa seja lícita e, portanto, é
obrigado a ressarcir os danos que advenham dessa prática.
● O agente não tem culpa na prática do facto, e portanto o tribunal fixa uma
indemnização que não só cabe ao agente pagar, como àqueles que beneficiaram do
estado de necessidade.
● Artigo 1322.º CC
Imaginemos que A tem um enxame de abelhas que fogem para o prédio Y onde reside B.
Assim, A vai ao prédio Y tentar capturar o enxame de abelhas e acaba por partir a janela do
apartamento de B, onde estavam as abelhas. A prática de captura do enxame em prédio alheio é
lícita, por força deste artigo, mas apesar da licitude da prática, esta gerou danos a B. Cabe, então, a A
ressarcir esses danos, ainda que a prática tenha sido lícita.
● Artigo 1349.º CC
“1. Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime,
colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros
actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
….
3. Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado
do prejuízo sofrido”
Imaginemos que C está a construir um prédio e precisa de fazer passar os materiais pelo
prédio do lado, contudo, um dos andaimes acaba por provocar danos no prédio do lado. A prática de
fazer passar materiais pelo prédio do lado é lícita, por força deste artigo, contudo qualquer dano que
esses materiais possam gerar, é ressarcido pelo responsável da construção da obra.
Em ambos os exemplos acima descritos, o agente tinha culpa na prática do facto que gerou
danos, e ainda que seja lícita, este é obrigado a ressarcir os danos. Integram-se na hipótese da
primeira parte do número 2 do artigo 339.º.
Contudo, pode acontecer que a prática do facto careça de culpa - Imaginemos que B ia a
conduzir e C atravessa a estrada em momento inoportuno. B sabe que não vai conseguir travar a
tempo, então desvia-se e acaba por embater na loja de F, gerando danos para este. Mais uma vez, a
prática da condução de B era lícita, se se provar que este não excedia os limites de velocidade, e a
culpa do dano gerado não é de B, mas sim de C que atravessou a estrada, quando não devia, fazendo
com que B fosse contra a loja de F.
Neste exemplo, o agente não teve culpa na prática do facto que gerou o dano, já que B só
embateu na loja de F para não atropelar C, não porque o quis fazer. Portanto, temos uma prática
lícita que gerou um dano a terceiros, mas cuja culpa não é imputável ao agente do dano. Integra-se
na hipótese da segunda parte do número 2 do artigo 339.º.
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f) Modalidade da Responsabilidade Civil Contratual
Até agora analisamos a responsabilidade extracontratual ou delitual, que deriva da
necessidade de ressarcir os danos causados a outra pessoa, mesmo que entre elas não exista um
contrato formal, havendo antes lugar à violação de direitos absolutos.
Porém, a par desta existe a responsabilidade contratual, que deriva da falta de cumprimento
de obrigações emergentes de negócios unilaterais ou de contratos. Estas duas modalidades de
responsabilidade distinguem-se, essencialmente, nos tipos de direitos que são violados e no
incumprimento. A expressão legal da responsabilidade contratual encontra-se no artigos 798.º e
800.º
Artigo 798.º CC. - “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se
responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Por exemplo, A empresta 100 euros a B e este não restitui a quantia, no prazo previsto e
entra em mora de pagamento. Eventualmente, é declarado incumprimento definitivo da obrigação
de pagamento do indevido por B. Este artigo diz que o autor do incumprimento se torna responsável
pelo prejuízo deste incumprimento, perante o credor.
O instituto da interpelação - art. 808.ºCC - ocorre quando o devedor não cumpre com a
obrigação dentro do prazo estabelecido e o credor o interpela para que este cumpra. O devedor só
se constitui em mora após ser interpelado pelo credor, pois antes da interpelação, deve recorrer-se à
via extrajudicial.
Após interpelação, o devedor entra em mora mas se mesmo após ser interpelado, o devedor
não cumpre, este acaba por incorrer em incumprimento definitivo - aqui deixa de haver interesse na
prestação.
Por exemplo, A contrata com B para a realização de um bolo de noiva até dia 7 (contrato de
prestação de serviços). A paga pelo serviço, mas passa o dia 7 e B ainda não prestou o serviço, se
mesmo após intervenção extrajudicial, B não cumpre, A interpela-o e B constitui-se em mora.
Entretanto, A casa-se, e assim B entra em incumprimento definitivo, pois deixa de haver interesse
por A, na entrega do bolo.
Nota: Mora - art. 805.º CC - os juros de mora são os juros que o devedor deve pagar por
estar constituído em mora.
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Artigo 800.º CC - “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus
representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais
actos fossem praticados pelo próprio devedor”
Por exemplo, B nomeia C seu procurador para que C celebre um contrato com D, em nome
de B. Dessa forma, C e D celebram um contrato de prestação de bens e serviços, no qual C se
compromete a prestar o serviço e D se compromete a pagar por esse serviço. Todavia, C não presta o
serviço de acordo com o contrato, e incorre em incumprimento da sua obrigação. Apesar da culpa
por incumprimento ser imputável a C, dispõe este artigo que é B o responsável pelos atos de C e,
portanto, é este quem tem que assumir o incumprimento e não C.
1. Prescrição do Prazo
● O artigo 309.º diz-nos que o prazo ordinário de prescrição do cumprimento da
obrigação é de 20 anos - r. contratual.
● O artigo 498.º diz-nos que o prazo ordinário de prescrição da indemnização é de 3
anos - r. extracontratual.
2. Presunção de Culpa
● Diz-nos o art. 799.º que, no caso de incumprimento da obrigação, presume-se que a
culpa é do devedor e é este quem tem que provar que cumpriu (r. contratual) -
inversão do ónus da prova (art. 344.º).
● Na r. extracontratual, é quem alega ter visto o seu direito absoluto violado que tem
que fazer prova dessa violação, isto é, presume-se ius tantum que quem violou esse
direito, não o fez - ónus da prova (art. 572.º).
Em ambos os casos, está em causa uma presunção ius tantum, ou seja, suscetível de prova
em contrário.
3. Incumprimento
4. Direitos Violados
● Na responsabilidade contratual, violam-se direitos relativos.
● Na responsabilidade extracontratual, violam-se direitos absolutos.
Pode ainda haver lugar à responsabilidade civil por pessoas coletivas, quando o autor se vê
lesado por atos praticados pela pessoa coletiva - art. 165.º CC.
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5. Reconhecimento da Propriedade Privada
O Código Civil não define o direito de propriedade, contudo caracteriza-o, nos termos do
artigo 1305.º CC - “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e
disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições
por ela impostas”.
● Sentido Lato (lato sensu): é toda a relação da vida social relevante para o Direito e
disciplinada por este, produtiva de efeitos jurídicos.
● Sentido Restrito (stricto sensu): é toda a relação da vida social também disciplinada pelo
Direito, correspondente ao vínculo jurídico, no qual se atribui a uma das partes um direito
subjetivo, e se impõe à contraparte um dever jurídico (credor vs devedor).
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● Forma Estática - corresponde às posições jurídicas das partes (credor-devedor,
marido-mulher).
● Forma Dinâmica - corresponde ao programa contratual entre as partes (duração do negócio).
A relação jurídica é, essencialmente, uma relação da vida social disciplinada pelo direito,
produtora de consequências jurídicas.
No âmbito do Direito Subjetivo em sentido estrito, o Dr. Orlando de Carvalho defende, ainda,
que a relação jurídica pode ser perspetivada, de acordo com o critério funcional e o critério
estrutural.
Critério Funcional
A todos os indivíduos é reconhecido o poder de autogestão da sua esfera de interesses -
poder jurisgénico. Por outras palavras, o poder jurisgénico corresponde à autonomia do sujeito em
criar direito na sua esfera jurídica, consoante o seu interesse em vista - ex. A e B celebram um
contrato de arrendamento e estipulam neste contrato todas as disposições que estes considerem
adequadas.
Segundo o critério funcional, toda a relação jurídica funda a sua juridicidade no poder de
autodeterminação, reconhecido a qualquer indivíduo, que o possibilita de gerir a sua esfera jurídica.
Por outras palavras, este poder jurisgénico, supradescrito, é condição de existência da relação
jurídica, na medida em que é este que legitima o valor jurídico de todas as relações.
A cada um só é lícito dispor dos interesses que se inscrevam na sua esfera de interesses.
Portanto, apesar de se admitir um ponto de interseção, por exemplo, quando em causa estão
interesses do Estado que, inevitavelmente, intervêm na esfera pessoal de cada um, o poder de
autogestão do sujeito A só incide em interesses da esfera de interesses do sujeito A.
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Por exemplo, A e B celebram um contrato de mútuo, através do qual A empresta
determinada quantia a B. B compromete-se, contudo, à devolução da quantia prestada. Se
porventura, não houver devolução, há lugar à sanção pelo incumprimento de B. Assim, a sanção é
um dos elementos da relação jurídica.
A relação jurídica não surge espontaneamente, mas de um facto jurídico. Por exemplo, A e B
celebram um contrato de compra e venda, então esse mesmo contrato é o facto jurídico que dará
origem à relação jurídica de compra e venda. O facto jurídico, enquanto a sua causa, é também um
dos elementos da relação jurídica.
Em suma, todos os sujeitos visam alcançar os seus interesses, e com destino a tal, criam
relações jurídicas com outros sujeitos, através do seu poder jurisgénico.
Critério Estrutural
O critério estrutural converge com o critério funcional, no pressuposto de que a relação
jurídica se funda no poder de autodeterminação, conferido à pessoa jurídica, das consequências do
direito.
O que efetivamente diverge entre estes dois critérios é que (1) passámos de designar o
sujeito como indivíduo, mas sim como pessoa jurídica. Na prossecução de tutela dos interesses do
indivíduo na relação jurídica, urge que estes sejam designados de pessoas jurídicas.
Sem visar negar a relação jurídica, este critério admite que o direito possa ter que introduzir
algumas alterações ao nível da regulamentação de relações, que até agora eram vistas apenas como
relações humanas.
Para concluir, o conceito estrutural não anula o conceito funcional da relação jurídica, este
está sempre latente como veremos mais à frente no abuso de direito e nos poderes-deveres.
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4. Garantia
Agora, no âmbito do direito subjetivo em sentido amplo, o Dr. Orlando Carvalho faz a
seguinte distinção do direito subjetivo, enquanto:
Até agora falamos do direito subjetivo enquanto meio de criação de vínculos obrigacionais
na esfera própria do indivíduo, consoante os seus interesses - se eu quero comprar o terreno X a B,
celebro um contrato de compra e venda com B e vinculo-me à obrigação de pagamento.
2. Mecanismo de tutela
Para além disso, o direito subjetivo, como defende o Dr. Orlando Carvalho, pode também ser
um mecanismo de tutela, na medida em que confere uma situação de poder a quem está na posse
do direito subjetivo - no contrato de compra e venda com B, se B incumprir no contrato, eu posso
judicialmente exigir esse cumprimento, porque tenho o direito à entrega da coisa (terreno).
Portanto, aqui já não está apenas em causa a minha esfera jurídica, mas a imposição de
deveres na esfera jurídica de outrem, B. Ora, se alguém é titular de um direito subjetivo, este tem
que ter limites. Esses podem ser:
Limites Internos
1. Lei
2. Boa-fé
A honestidade, correção e lealdade são as linhas da boa-fé, e quando um sujeito não age de
acordo com as mesmas, atua de má-fé. Podemos distinguir entre:
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- Boa-Fé Objetiva - a boa-fé em sentido objetivo funciona enquanto padrão de conduta, isto é,
aquilo que nós consideramos que seja uma atuação de boa-fé no caso concreto.
- Boa-Fé Subjetiva - a boa-fé em sentido subjetivo funciona enquanto estado de convicção
individual.
O artigo 291.º/3 estabelece que quando o sujeito celebra um contrato, que este não sabia
que era inválido, atuou de boa-fé - a boa-fé aqui funciona em sentido subjetivo, porque o sujeito
desconhecia do vício.
Para que se possa falar de boa-fé é necessário que haja pelos menos 2 sujeitos envolvidos,
porque o princípio da boa-fé é um princípio regulador entre pessoas que assenta numa relação de
confiança que pressupõe a expectativa de uma conduta. Como é que eu posso frustrar essa
expectativa, se não há sujeito que a crie?
Como é que a boa-fé surge, então, como limite interno? Diz-se que esta pressupõe um limite
à autodeterminação individual, pois ainda não há contrato, mas já existe uma imposição de atuação
de acordo com os padrões da boa-fé, de acordo com o artigo 227º CC.
Artigo 227º CC -“Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos
preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder
pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Neste artigo podemos fazer uma remissão para o artigo 498º CC - o dever de indemnizar o
lesado prescreve após decorrerem 3 anos desde que o lesado tomou conhecimento da violação do
seu direito.
3. Bons Costumes
Os bons costumes são um padrão de conduta ponderada, nos quais se intercetam o direito e
a moral. São os ditames da moral que prevalecem numa concreta sociedade e que, nessa medida,
constituem um limite à liberdade individual, mesmo que não haja lesão direta de alguém. São
conceitos evolutivos, na medida em que aquilo que hoje é aceitável e permitido, podia não ser aquilo
que era aceitável e permitido, no passado.
Aquilo que distingue os bons costumes da boa fé é que nos bons costumes basta um
indivíduo para que se possa ferir a moral pública, ao passo que a boa-fé exige sempre uma interação.
Uma parte tem que ter uma expectativa e a outra tem que frustrar essa expectativa para se
considerar que o agente atuou de má-fé. Se uma das partes não tiver uma expectativa criada, então
a contraparte não pode frustrar nada, porque não existe expectativa, em primeiro lugar.
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Por exemplo, se A publicar um anúncio a publicitar uma venda de órgãos humanos está
diretamente a atentar contra os bons costumes, portanto, basta um indivíduo para que se possa ferir
a moral pública.
Um ato atentatório dos bons costumes é nulo - artigo 280º/2 CC - mas para além disso, um
ato que atente contra os bons costumes também pode gerar responsabilidade.
Por exemplo, A e B celebraram um contrato convictos de que este era válido, contudo o seu
programa contratual continha algumas cláusulas contrárias aos bons costumes. Com base nessas
cláusulas, A comprou terrenos - justapõe-se a nulidade e a responsabilidade, pelas despesas não
ressarcidas que A teve. Apesar da invalidade, o próprio curso das coisas pode levar à existência de
danos, ou seja, para além da nulidade acrescenta-se a responsabilidade com vista ao ressarcimento
desses danos.
Tanto o conceito de boa-fé como o conceito de bons costumes se caracterizam pela sua
indefinição e ganham relevância em circunstancialismos concretos. Como diz o Dr. Orlando Carvalho,
são normas em branco.
Limites Externos
Esta figura foi contestada no passado pela sua impossibilidade lógica, na medida em que se
defendia que se há um direito, então não pode haver limites a esse direito. Vejamos a evolução do
conceito, imaginemos que numa relação de vizinhança, A e B vivem em dois prédios diferentes, mas
colados um ao outro.
Havia um declive entre os dois prédios e, por força desse desnível, um deles abrindo o poço,
conseguiu evitar que a água chegasse ao poço do vizinho. Assim, A resolveu abrir um poço na
extremidade do seu terreno, com a única finalidade de secar a água do prédio do lado.
A abertura do poço encontrava-se na propriedade de A, e diz a lei que “quem tem o direito
de propriedade, tem o direito a explorar essa propriedade”. Contudo, a única finalidade de A a atuar
daquela forma era prejudicar a contraparte.
Desta forma, o tribunal defrontou-se com este problema: dentro do quadro de direito de
propriedade, houve um resultado desconforme com a estrutura do direito de propriedade. Assim, o
Abuso de Direito foi, pela primeira vez, invocado.
Temos um sujeito que tem um direito, o direito de propriedade, mas cujo exercício é abusivo,
assim há titularidade do direito de A, contudo este não o pode exercer com a finalidade de prejudicar
B. O que se reprime no abuso de direito é a vantagem que o lesante adquire ao exercer
abusivamente o seu direito sobre outrem.
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O direito subjetivo é um instrumento da autodeterminação individual, visto que quando se
exerce esse direito para lá da função que lhe é atribuída, a satisfação de um interesse, há uma
desconformidade.
É no artigo 334º CC que o Abuso de Direito encontra a sua expressão legal - “É ilegítimo o
exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé,
pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Contudo, é uma disposição muito criticada quanto à sua precisão técnica, na medida em que
é dissonante do ponto de vista lógico com a estrutura do código na sua globalidade, o que traz
problemas hermenêuticos e de coerência.
O exercício do abuso de direito é ilegítimo, mas o Código Civil não faz menção a
ilegitimidades e as suas respetivas sanções. Aquilo que nós sabemos é que a ilegitimidade do
exercício abusivo corresponde a uma ilicitude, e esta gera, por regra, a nulidade. Portanto, o
exercício abusivo de um direito gera a nulidade do negócio jurídico.
O venire contra factum proprium é a modalidade mais grave do Abuso de Direito que ocorre
quando a criação da confiança e a frustração da confiança são imputáveis ao mesmo sujeito.
Ninguém pode se comportar contra os seus próprios atos, quando essa mudança de comportamento
seja manifestamente abusiva.
Vejamos o seguinte exemplo - a compra e venda de imóveis está sujeita a forma, escritura
pública ou documento particular autenticado, por força do artigo 875.º CC. Imaginemos que A e B
celebram um contrato de compra e venda e A, vendedor, convence B de que a venda do terreno X
não está sujeita a forma, e podem as partes apenas acordar verbalmente a sua venda. Assim, eles
celebram o contrato, mas uns anos mais tarde, há uma alteração das circunstâncias e o terreno X
valoriza extraordinariamente.
Agora A intenta uma ação, invocando a nulidade daquele contrato de compra e venda, por
inobservância de forma. Portanto, o contrato é efetivamente nulo e sempre o foi, pois a observância
de forma é condição da sua validade e, neste caso, não foi observada. Todavia, A nunca poderia
invocar a nulidade do negócio, se foi ele a causa desta nulidade, na medida em que foi A quem
convenceu B da desnecessidade de escritura pública, facto que levou à nulidade.
Pressupostos de verificação - para que se possa alegar que está em causa esta modalidade
de abuso de direito, é necessária a verificação de certos requisitos.
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Segundo a conceção do Dr. Batista Machado
- Inalegabilidade Formal
● Devem estar em jogo apenas interesses das partes envolvidas e não, também, interesses de
terceiros de boa-fé.
● A situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a responsabilizar.
● O investimento de confiança deve ser sensível e dificilmente assegurado por outra via.
Note-se que estes são requisitos que acrescem aos requisitos supra mencionados.
- Supressio
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Há lugar à supressio quando existe uma abstenção prolongada que cria uma expectativa
eventualmente frustrada. Por exemplo, A e B têm uma sociedade e, nessa sociedade, é possível a
exclusão de sócios, devidamente fundamentada. Então A tem o direito de excluir o sócio B, mas não
o faz. Acontece que B investe muito dinheiro na sociedade,e após esse investimento, A exclui B da
sociedade.
Aqui temos um caso onde A criou, durante anos, uma convicção em B de que não iria exercer
o seu direito de o excluir, e depois frustrou essa convicção.
- Atos Emulativos
Nos atos emulativos, não existe propriamente um direito a ser exercido, pois os direitos
devem ser exercidos com o mínimo de dano possível a terceiros. Há lugar a um ato emulativo
quando:
● Temos uma pessoa a exercer um direito apenas com a intenção de prejudicar outrem.
● O exercício do direito não traz qualquer vantagem para o titular.
● O exercício do direito até traz vantagens para o particular, mas é um exercício
desproporcional - o seu exercício é mais desvantajoso para terceiros do que é vantajoso para
o titular.
- Desequilíbrio
- Tu Quoque
Quem atua de forma ilícita não pode fazer-se valer da sanção aplicada àquele que atua,
igualmente, de forma ilícita. Por exemplo, A não paga as quotas do condomínio há 10 anos, mas o
condomínio está obrigado a realizar obras no prédio, contudo não as realiza.
A atua ilicitamente, porque não cumpre com a obrigação de pagamento das quotas e o
condomínio atua ilicitamente, porque não cumpre com a obrigação de realização das obras. A não
pode exigir ao condomínio a realização das obras, se não paga as quotas do condomínio.
Tem que haver uma ligação entre os dois atos ilícitos, neste caso o condomínio não realiza as
obras porque A não paga as quotas.
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Direito Subjetivo
O Direito é um direito congénito da relação jurídica concreta, ou seja, este só se manifesta
após a criação da relação jurídica. Podemos ainda definir direito subjetivo, em Sentido Estrito e em
Sentido Amplo.
Por exemplo, A e B celebram um contrato de compra e venda. A, enquanto credor, tem o
direito subjetivo de poder exigir a entrega da coisa vendida a B, que enquanto devedor, tem o dever
jurídico de entregar a coisa vendida.
As obrigações naturais são a exceção, enquanto que as obrigações civis são o regime-regra.
O que caracteriza esta modalidade de obrigação é a sua espontaneidade e o facto de serem
desprovidas de coercibilidade judicial - encontram a sua base legal no artigo 402.º ss CC.
Nas obrigações naturais, o credor tem direito a reter o que foi pago (solutio retentio) e exclui,
consequentemente, o direito do devedor à repetição do indevido (condictio indebiti). Continuam, no
entanto, a ser designadas de obrigação, porque mesmo desprovidas da mesma capacidade
sancionatória, estas têm elementos estruturais da obrigação civil - princípio da não repetição do
indevido.
● Artigo 304.º/1 e 2
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● Artigo 1245º CC
Este artigo refere-se ao contrato de jogo e aposta. Por norma, estes não são sequer
contratos lícitos, contudo se o forem, não são fonte de obrigações civis mas enquadram-se no âmbito
das obrigações naturais.
● Artigo 495º/3 CC
Este artigo refere-se à prestação de alimentos e diz-nos que o responsável pela morte do
lesado obriga-se a indemnizar aqueles que do lesado exigiam alimentos ou a quem o lesado prestava
no cumprimento de uma obrigação natural. Ou seja, porque a prestação de alimentos aos filhos nem
sempre é judicialmente imposto ao sujeito, esta é considerada uma Obrigação Natural que o sujeito
cumpre num dever de justiça.
Do ponto de vista Penal, se a figura que cumpria esta obrigação natural morrer por culpa de
outrem, o culpado da lesão é obrigado a indemnizar aqueles que usufruiam da prestação de
alimentos do lesado.
● Artigo 1895º/2 CC
Este artigo consagra os bens cuja propriedade pertence aos pais. Portanto, diz-nos que os
bens, fruto do trabalho do filho menor, que viva com os pais, pertencem aos pais. No entanto, os pais
têm o dever de compensar os filhos pelo seu trabalho. Esse dever é uma obrigação natural, como
refere a parte final do número 2 deste artigo “não pode, todavia, ser judicialmente exigido”.
Em sentido amplo (Direito Potestativo), como refere o Dr. Orlando de Carvalho, o direito
subjetivo em sentido amplo é o mecanismo de regulamentação, adotado pelo direito, que consiste
na concreta situação de poder que faculta a uma pessoa em sentido jurídico, por ato de vontade seu
/ per si, produzir determinados efeitos jurídicos que se impõem inelutavelmente a outra pessoa.
Por outras palavras, corresponde ao poder que é concedido ao titular do direito à produção
dos efeitos jurídicos, apenas mediante declaração do titular, isto é, só por declaração de vontade do
titular, produzem-se os efeitos na esfera jurídica de outrém.
A contraparte encontra-se numa posição de sujeição, pois não há como escapar aos efeitos
queridos pela contraparte. Enquanto que no dever jurídico, a parte obrigada a adotar o
comportamento pode não adotá-lo, sujeitando-se às consequências, na sujeição, assim que o direito
potestativo é exercido, ele produz os efeitos - ex. divórcio, constituição de servidão, resolução do
contrato etc.
Se basta a vontade do sujeito para se produzirem efeitos, no reverso da situação temos uma
situação de sujeição, isto, porque não há como escapar à produção de efeitos queridos pela outra
parte, não há margem para o cumprimento ou não. Enquanto no dever jurídico, a pessoa pode optar
por não realizar o comportamento, tem uma manobra de escola, mesmo sujeitando-se às
consequências, já o direito potestativo produz logo os seus efeitos.
Acabam por introduzir uma modificação jurídica, alterando o status quo jurídico, pois
alteram as relações jurídicas pré-existentes. O poder é concedido ao titular para que ele produza um
efeito jurídico mediante simples declaração de vontade ou integrando essa declaração de vontade
com uma decisão judicial.
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Isto significa que, no lado passivo do direito, está uma situação de sujeição, porque a
contraparte tem que suportar o exercício do direito, ou seja, as consequências jurídicas que o
exercício do direito potestativo implica, sem poder fazer nada para o evitar. Os direitos potestativos
podem, ainda, ser:
Por exemplo, temos dois prédios contíguos, onde um deles é encravado, ou seja, não tem
acesso direto à via pública. Quando isso acontece, há direito à constituição de uma servidão de um
direito de passagem (art 1550.º CC) - o prédio vizinho torna-se o prédio serviente e o prédio que
pede a servidão de passagem é o prédio dominante.
● Modificativos - modificam uma relação jurídica que já existe e que vai subsistir, embora
noutros termos diferentes daqueles em que foi criada.
São ainda exemplos de direitos potestativos modificativos os arts. 1767.º, 1794.º, 252.º/2,
283.º/1, 437.º, 1118.º, 1482.º e 2168.º CC.
São ainda exemplos de direitos potestativos extintivos os arts. 793.º/2, 801.º/2, 802.º,
1047.º, 1093.º, 1050.º, 927.º, 891.º, 1122.º/2, 1140.º, 1150.º, 1222.º, 1235.º, 1242.º, 81.º/2, 265.º/2
e 3, 448.º, 970.º, 1170.º, 1705.º/2, 1765.º, 2168.º e ss., 447.º, 1054.º, 1095.º, 1096.º e ss., 1215.º/2,
1229.º, 1002.º, 1003.º e ss. e o 1569.º.
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sujeito do direito subjetivo é livre de o exercer ou não. Por falta dessa liberdade de atuação, por
existir uma vinculação ao exercício dos poderes respectivos, não são autênticos direitos subjetivos os
chamados poderes deveres ou poderes funcionais, como por exemplo, os poderes integrados no
poder paternal ou na tutela. Quer isto dizer que estes poderes não podem ser exercidos se o seu
titular quiser e como quiser, mas devem ser exercidos do modo exigido pela função do direito.
1. Ónus
Por exemplo, A sente-se lesado por B e reclama em tribunal uma indemnização (direito à
indemnização), invocando os factos constituídos do direito alegado, isto é, todos os elementos
probatórios que consubstanciam a existência daquele direito. A não é obrigado a fornecer esses
elementos, mas se não o fizer deixa de alcançar o seu objetivo: a prova do seu direito.
Este ónus pode ter flutuações - Inversão do Ónus da Prova (art 344.º). Ainda no mesmo
exemplo, A deixa de ter que provar os elementos constitutivos do direito, porque tem a seu favor
uma presunção. O ónus da prova aqui recai sobre B: presume-se que o direito de A já existe e é B
quem tem que apresentar elementos que o contradigam.
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O direito subjetivo em sentido amplo (direitos potestativos), a montante, tem as faculdades
em que se desdobra o poder de autodeterminação, e a jusante, tem as faculdades que também elas
compõem o direito de que se é titular.
Por exemplo, o direito de propriedade existe numa esfera jurídica a partir do momento que
há uma compra, porém, antes de comprar, existe abstratamente o direito de comprar. Pelo facto de
ser proprietário, existem muitas faculdades jurídicas secundárias que daí derivam - por exemplo,
poder comprar um imóvel é a faculdade primária e o poder de arrendar o imóvel sobre o qual eu
sou titular do direito de propriedade, é uma das faculdades secundárias.
Note-se ainda que há figuras que não se incluem em nenhuma das faculdades como a
constituição de uma servidão legal, direito à resolução do contrato etc. Estas são figuras que se
distinguem das faculdades primárias porque supõem a constituição de uma relação jurídica e nessas
a relação jurídica ainda não existe. Distinguem-se ainda das faculdades secundárias porque não
emanam das faculdades primárias para que possam existir - eu posso constituir uma servidão legal,
sem ter um direito de propriedade sobre o prédio.
Por último, existem os direitos que ainda não existem como jus perfectum. Estes são direitos
que carecem de produtividade jurídica, contudo veem-se numa esperança de aquisição pelo futuro
titular, posição que o ordenamento jurídico protege.
Atende à ligação intrínseca ou extrínseca do direito com o titular. Os direitos inatos têm uma
ligação intrínseca com a pessoa, nascem com ela - é o caso dos direitos de personalidade. Já os
direitos natos são direitos adquiridos - é o caso do direito ao nome (não confundir com o direito à
identificação), direito moral de autor (é necessário ser autor de algo, para ter esse direito).
● Essenciais/não essenciais
Atende à ligação intrínseca ou extrínseca dos direitos com estados em que a pessoa se
encontra e que inerem a ela. Os direitos essenciais são direitos dos quais a pessoa não se pode privar
sem ser, consequentemente, privada de certas condições - é o caso dos direitos de personalidade,
estatutos familiares (direitos pessoais dos cônjuges) - neste último, enquanto não houver separação
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de bens entre cônjuges, a separação não se extingue.
● Pessoais/Patrimoniais
Atende à natureza dos bens jurídicos em causa, isto é, à suscetibilidade de esses bens serem
ou não redutíveis a um equivalente pecuniário.
São patrimoniais, todos os direitos que podem ser reduzidos a um equivalente pecuniário. A
sua violação gera lugar à restituição in natura, ou quando esta não for possível, à restituição por
equivalente.
São hoc sensu pessoais / não patrimoniais, os direitos cuja violação dá lugar a uma
compensação (art. 496.º CC), porque não são indemnizáveis. É o caso dos direitos de personalidade e
os direitos pessoais de família.
● Disponíveis/Indisponíveis
Eu posso transferir o meu direito de propriedade sobre o prédio X a C, mas não lhe posso
transferir o meu direito à vida.
● Absolutos/relativos
Atende aos titulares passivos dos direitos, ou seja, às pessoas a que os mesmos se impõem.
Se se impõe só pessoas certas e determinadas, os direitos dizem-se relativos, pelo contrário se se
impõem a todos os membros da coletividade jurídica, os direitos dizem-se absolutos. São exemplos
de direitos absolutos o direito à vida, ou o direito de propriedade.
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Por exemplo, estamos num centro comercial e apercebemo-nos de que há uma criança perto
das escadas rolantes, sem nenhum adulto. A manutenção do direito da criança à integridade física
impõe, não só o nosso respeito por essa integridade, como também impõe que auxiliemos, no
sentido de concretizar a primeira camada da obrigação passiva universal.
Este dever geral de auxílio estende-se de acordo com os limites às nossas capacidades de
intervenção, havendo assim parâmetros de exequibilidade - por exemplo, se eu não sei nadar, não
me pode ser pedido o auxílio a alguém em risco de afogamento. Se eu for nadador salvador,
logicamente que pelas circunstâncias do caso, o meu dever de intervenção é mais qualificado do que
o dos cidadãos.
Este direito à entrega do menor é um direito que tem por objeto a pessoa de outrem, mas
como é exercido no melhor interesse do menor, é admitida essa incidência pelos pais em pessoa
alheia, os filhos.
2. Direitos de Crédito
São direitos relativos, ou seja, possuem uma mera eficácia inter-partes e têm por objeto o
comportamento positivo ou negativo de uma pessoa relativamente a outra ou a outras pessoas. O
objeto é uma prestação que pode ser de dar, fazer ou não fazer, por exemplo:
Os direitos reais são poderes diretos e imediatos sobre uma coisa, porque não carecem da
intervenção de ninguém. São direitos absolutos, isto é, impõem-se a todos os membros da
comunidade jurídica - eficácia erga omnes. Contudo, essa eficácia é diferente da eficácia dos direitos
de personalidade, na medida em que temos uma obrigação passiva universal, porque diz respeito a
todos e parte de uma abstenção - todos estão obrigados a abster-se de tudo o que perturbe esse
domínio do direito.
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Por exemplo, A é proprietário de um terreno, todos os que não são proprietários são
obrigados a respeitar a propriedade de A.
Os direitos de gozo permitem que o proprietário extraia do bem todas as possibilidades que
podem advir desse bem e podem subdividir-se ainda em:
1. Direitos Reais de Gozo - permitem ao titular usufruir da coisa com ou maior / menor grau de
gozo (ex.: direito de propriedade)
2. Direitos Reais de Aquisição - constituem uma via verde de acesso ao direito que permite ao
titular adquirir aquele direito por via do direito real de gozo ou de garantia (ex.: direito de
preferência)
3. Direitos Reais de Garantia - visa garantir o cumprimento das obrigações (ex.: direito de
retenção; direito de hipoteca)
Por exemplo, A empresta uma quantia ao Banco B (contrato de mútuo). A só tem interesse
em mutuar a quantia em causa, se tiver a garantia de que vai receber o montante mutuado acrescido
de juros. Essa garantia pode estabelecer-se a partir de uma garantia real, como a hipoteca (para bens
imóveis) ou o penhor (para bens móveis).
- Responsabilidade civil
- Execução Específica - artigo 827.º e ss CC
- Sanção Pecuniária Compulsória - art 829.º - A CC - independentemente da obrigação
de ressarcir os bens do credor.
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Se este dever jurídico é imposto a uma ou mais pessoas determinadas trata-se de um dever
relativo. Se este dever jurídico se impõe a toda a comunidade jurídica trata-se de um dever geral de
abstenção (decorre da obrigação passiva universal).
A sujeição é aquilo que encontramos no lado passivo dos direitos potestativos. Por exemplo,
A decide requerer a anulação do contrato com B. B por não poder evitar esse requerimento,
encontra-se numa posição de sujeição às consequências do exercício do direito potestativo de A, não
havendo margem de incumprimento.
Relações Jurídicas
As Relações Jurídicas podem ainda ser classificadas quanto ao seu tipo e grau de
complexidade:
Nas Relações Jurídicas Singulares, há uma única pessoa a ocupar a posição de sujeito ativo e
apenas uma outra a ocupar a posição de sujeito passivo. Já nas Relações Jurídicas Plurais, há mais do
que uma pessoa na posição de sujeito ativo ou na posição de sujeito passivo.
Vejamos o caso do art. 512.º/1 CC - “a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores
responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a
faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles”
Nas Relações Jurídicas Instantâneas, a relação jurídica esgota-se no momento, mesmo que os
seus efeitos perdurem (ex.: doação; compra e venda) - releva aqui o momento da perfeição da
relação jurídica e não o tempo de execução do objeto.
Por exemplo, uma empreitada tem por objeto a realização de uma obra, essa realização é
instantânea, pois perfeciona-se no momento em que a obra é entregue, independentemente do
tempo que a obra demore a construir.
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3. Relações Jurídicas Autónomas / Não Autónomas
Por exemplo, quem paga o preço tem o direito à entrega da coisa vendida, contudo podem
haver deveres acessórios de prestação, como o dever de embalar o objeto para que este mantenha
as características previamente estipuladas - é uma acessoriedade da prestação que está em causa.
Relativamente às Relações Jurídicas Simples, diz-nos o Dr. Carlos Alberto Mota Pinto, que ao
referirmos como conteúdo ou estrutura da relação jurídica o direito subjetivo propriamente dito e o
dever jurídico ou direito potestativo e a sujeição, estamos a considerar a relação jurídica simples ou
singular. Tratando-se de um direito de crédito e da correspondente obrigação fala-se de obrigação
singular, assim o dever de prestar o preço a cargo do comprador de um objeto e o correlativo direito
de o exigir.
1. Acessoriedade
Relação de combinação entre duas relações jurídicas, na qual uma das relações jurídicas é
acessória, meramente instrumental, relativamente à outra (a principal), isto é, há uma situação de
dependência. Há uma combinação vertical de relações jurídicas.
2. Pertinência
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Não há ordenação hierárquica como vimos supra, mas há convergência das relações
relativamente a um polo comum. Enquanto que a relação de acessoriedade é uma combinação
vertical, na pertinência estamos perante uma situação de irradiação horizontal. Esse polo comum,
em regra, é uma pessoa e a combinação mais lata que podemos ter é a combinação resultante da
esfera jurídica.
A pertinência é, por outras palavras, o conjunto de relações jurídicas que integram a esfera
jurídica do sujeito, sendo este sujeito o polo comum.
Por exemplo, é o caso do patrimônio separado (art. 2098.º/ 1 e 2) - os encargos são limitados
à quota. Os herdeiros podem ter interesse em que dos bens que distinguem a herança, alguns
fiquem intocados, e havendo encargos, estes só ficam satisfeitos pelos bens que estes quiserem.
● Património Autónomo
O património é autónomo quando não está determinado quais os ativos ou encargos que o
sujeito quer manter e quais este quer usar para saldar a dívida. Normalmente, a herança é aplicável
por ser suscetível de alienação, usufruto, direito real de preferência e de vindicação.
1. Aquisição de Direitos
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A aquisição não se confunde com sucessão, a sucessão é o sub-ingresso de uma pessoa na
esfera jurídica de outrem, na qual a pessoa adquire direitos e deveres, ao passo que na aquisição
apenas se adquirem direitos. A aquisição pode ser:
● Originária
O direito surge ex novo e não depende de nenhum direito anterior, apenas do facto jurídico
aquisitivo. Vejamos os seguintes exemplos:
Por exemplo, a Usucapião - artigo 1287.º ss CC - se alguém atua como proprietário ou com
poderes de proprietário sem o ser, durante um determinado lapso de tempo, vai adquirir o direito de
propriedade, independentemente, daquilo que está para trás (o direito de outrem).
Logo, adquiriu o direito de proprietário, mas este não surge por causa de direito anterior
nenhum, mas surge apesar do direito de outrem, neste caso o direito de propriedade de A.
Por exemplo, a Ocupação de Coisas Móveis - art 1318.º ss CC - hoje os animais, por exemplo,
são suscetíveis de ocupação quando abandonados, essa ocupação do animal não depende de direito
anterior.
Por exemplo, a Criação seja literária, artística ou científica - o direito de autor surge, apenas,
pela existência da obra e não depende de direito anterior. Também a Adoção - não depende de uma
posição jurídica anterior.
Aqui, releva o Princípio do Tantum Possessum - tanto se possui quanto está prescrito na lei.
● Derivada
O direito, seja novo ou não, que se adquire está dependente da validade do facto aquisitivo e
da existência de um direito anterior. Essa filiação significa que se o direito anterior existe, então o
direito novo também existirá. Essa dependência estende-se ao conteúdo, amplitude e existência - o
conteúdo do direito posterior há de caber no conteúdo do direito anterior, nenhum pode ser mais
vasto.
Em suma, a filiação do direito novo para com o direito anterior consagra-se na sua:
- Existência - se o direito anterior não existe, não pode haver direito novo.
- Amplitude - o direito novo não pode ter um objeto mais vasto que o anterior.
- Conteúdo - o conteúdo do direito novo há de ser absorvível pelo direito anterior.
O direito novo pode sempre coincidir com o direito anterior, mas nunca pode exceder o
direito anterior.
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Por exemplo, A é proprietário e emigra, vendendo o seu terreno a B que o compra. O direito
que B adquire depende da validade do título aquisitivo, e também depende quanto a existência de A
ser proprietário - se A não for proprietário, não pode vender aquele terreno. A propriedade de B tem
o conteúdo da propriedade de A e o mesmo objeto.
Por exemplo, a Sucessão - o direito que ingressa na esfera jurídica do sujeito depende do
direito do de cuius. A cessão da posição contratual, cessão de créditos, aquisições de outros direitos
reais são outras formas de aquisição derivada.
- Constitutiva
O direito adquirido filia-se num direito mais amplo do titular, mas com conteúdo diferente.
Por outras palavras, o direito adquirido (direito novo) forma-se à custa do direito pré-existente, que é
mais amplo, daí que possa absorver o direito novo, mesmo com a nuance de que esse direito novo
tenha um conteúdo diferente.
Imaginemos que A decide alienar a favor de outrem (B), a possibilidade de ele explorar as
virtualidades da coisa - constituição de usufruto (art. 1439.º CC) - A passou de proprietário pleno a
nu proprietario.
B tem uma aquisição derivada constitutiva - esta é derivada porque este direito de usufruto
(direito filial) que não existe autonomamente antes do direito de propriedade (direito progenitor),
mas forma-se à custa dele. É constitutiva, porque o direito de usufruto é mais circunscrito que o
direito de propriedade, contudo tem um conteúdo diferente (usufruto é diferente de propriedade).
A Servidão (art. 1550.º) e as formas de subcontratação, como a Sublocação (art. 1066.º), são
também formas de aquisição derivada constitutiva.
Note-se ainda que os Direito Reais de Gozo Limitados são limitados, porque o direito novo
vai sempre comprimir o direito anterior. Nos exemplos acima dados, o facto de B ser usufrutuário da
minha propriedade, limita os meus direitos sobre a mesma, porque alguns desses direitos cabem
agora na esfera jurídica de B.
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No exemplo da servidão de passagem, o meu direito de propriedade fica limitado, na medida
em que, verificadas as condições do artigo 1550.º, eu sou obrigado a permitir que o proprietário do
prédio vizinho passe pelo meu prédio. Inevitavelmente, essa servidão interfere com o meu direito à
propriedade, visto que diretamente o afeta e limita, pois o proprietário do prédio vizinho tem agora
direitos sobre o meu terreno (direito à servidão de passagem).
- Translativa
Há uma translação de um direito para outra esfera jurídica quando esse direito coincide com
o direito anterior. Se na aquisição constitutiva, o direito anterior era mais amplo que o direito novo e
estes tinham conteúdos distintos, na aquisição translativa, o direito novo coincide com o direito
anterior, isto é, têm a mesma amplitude e o mesmo conteúdo. Assim, diz-se que se trata do mesmo
direito, este apenas trocou de esferas jurídicas.
Por exemplo, A vende a B o seu prédio. A perde o seu direito de propriedade e este transfere
para a esfera de B. É uma aquisição translativa com translação total, na medida em que o direito de
propriedade permanece o mesmo, tem o mesmo conteúdo e a mesma amplitude, mas mudou de
esferas jurídicas. A sucessão também é exemplo de uma aquisição derivada translativa.
Há ainda lugar à aquisição derivada translativa com a translação parcial de um direito. Neste
caso, o direito novo continua a ter o mesmo conteúdo do direito anterior, mas a sua amplitude é
menor.
Por exemplo, A vende a B não todo o seu terreno, mas apenas a área cultivada - há uma
menor área de incidência do direito novo no direito anterior, porém o direito e o conteúdo são os
mesmos. A sua amplitude é, todavia, menor.
Para além disso, na aquisição constitutiva, apesar da existência de um direito filial (direito
novo), o direito progenitor (direito anterior) subsiste - B pode ser usufrutuário do prédio de X, mas X
continua a exercer o seu direito de propriedade sobre esse prédio. Isto porque o direito não se
transmite, constitui-se apenas e, portanto, nunca saiu da esfera jurídica do proprietário inicial.
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Já na aquisição translativa, o direito anterior deixa de existir, a partir do momento em que se
forma o direito novo - se eu vender o meu prédio a A, eu deixo de poder exercer o meu direito de
propriedade sobre aquele prédio.
- Restitutiva
Através desta matriz conseguimos avaliar a validade da aquisição do direito, sendo que a
maior dificuldade de apreciação dessa validade centra-se na aquisição derivada devido à
dependência do direito novo para com o direito anterior. Também é difícil essa apreciação na
aquisição originária, porém na usucapião basta avaliar a posse e os seus caracteres.
Ninguém pode transmitir mais do que aquilo que aquilo que o seu direito consente -
Princípio do Nemo Plus Iuris Ad Alium Transfere Potest Quam Ipse Habet.
Até agora vimos casos em que o direito novo ou é menor ou coincide com o direito anterior.
Porém, diz-nos este princípio que, primeiramente, não pode haver direito novo se não houver direito
anterior, e o direito novo nunca pode ser mais amplo ou alargar o conteúdo do direito anterior.
Por exemplo, se eu tenho um direito de usufruto sobre o prédio X, não posso transmitir a B o
direito de propriedade desse prédio, porque eu não o tenho.
Contudo, este não é um princípio absoluto e existem duas exceções, quando em causa estão
proteção de terceiros:
Nesta exceção, reportamo-nos a um registo predial - o registo existe para dar publicidade aos
atos jurídicos (art. 1.º Código Registo Predial). O registo predial consiste no registo que é feito
quando são feitas transações, que têm por objeto os prédios - se eu compro um terreno a B, eu
devo, porém não sou obrigada, a registar esse ato de compra.
Princípio do Trato Sucessivo - art. 34.º Código Registo Predial - este princípio estabelece que
só pode haver inscrição no registo predial, havendo registo anterior do causante. Quer isto dizer, se A
vende um bem imóvel a B e B regista, segundo este princípio para A ter vendido a B, A tinha que ter
registado o seu direito de propriedade sobre aquele prédio, antes de o vender.
O registo predial é um sistema meramente declarativo - este sistema não pressupõe uma
análise à titularidade do direito e, portanto, não garante que o último adquirente tenha realmente o
direito nem o constitui, garantindo apenas que, se o tiver, é ele que pode valer-se no registo. Por
outras palavras, o sujeito não se torna titular do direito por registo do ato de transmissão, este
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apenas declara quem está inscrito como titular do direito, mas não é condição de validade - o ato de
transmissão é válido, mesmo que não haja registo.
O registo predial é semi-obrigatório - os artigo 2.º e 3.º Código Registo Predial designam
quais os factos sujeitos a registo e o artigo 8-A Código Registo Predial apresenta ainda quais os
factos que obrigatoriamente têm de ser registados.
Note-se, contudo, que a falta de registo apenas desencadeia inoponibilidade a terceiros, daí
a sua relativa obrigatoriedade. Se o sujeito não registar um facto de registo obrigatório, apenas não
pode fazer valer o seu direito a terceiros, mas a relação jurídica mantém-se validamente. Funciona
como um ónus.
Já vimos que o registo não garante a titularidade do direito e, portanto, pode acontecer que
o sujeito registe o ato de transmissão, enquanto titular de um direito de propriedade, por exemplo,
mas que não o tenha.
Existe, então, uma presunção iuris tantum da titularidade do direito - art. 7.º Código de
Registo Predial - presume-se que o sujeito é titular do direito.
● Efeito Central
Inoponibilidade a terceiros de factos não registados - art. 5.º/1 Código de Registo Predial -
enquanto o adquirente não registar o seu direito, não o pode opor a terceiros. Imaginemos que A
vende um terreno a B, mas B não regista essa venda, assim sendo B só pode opor o seu direito a A,
mas não a terceiros.
Aqui releva ainda mencionar o Princípio da Consensualidade que nos diz que a transmissão
dos direitos reais dá-se em princípio por mero efeito / consenso do contrato. Portanto, se eu vendo a
B, B não precisa de registo para me opor a venda a mim, porque não existe oponibilidade inter
partes, porém precisa de registo para ser oposto a terceiros, segundo o artigo 4.º Código de Registo
Predial.
● Efeitos Laterais
Os efeitos laterais são todos os efeitos que advém do registo independentemente do efeito
central e do efeito automático. Exemplos:
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- Prazos da usucapião - art. 1294.º e 1298.º CC - prazos que variam consoante haja ou
não registo
- Artigo 291.º CC
Finitos os efeitos, releva agora entender, de que forma é que o registo protege terceiros,
enquanto exceção ao princípio nemo plus iuris. Primeiramente, quem são esses terceiros?
Os terceiros para efeitos de registo são aqueles que, do mesmo autor ou disponente,
recebem direitos, total ou parcialmente, conflituantes sobre o mesmo objeto segundo o art. 5.º/4
Código Registo Predial - esta é uma definição restritiva dada pelo Dr. Manuel Andrade.
De acordo com o princípio nemo plus iuris, ninguém pode transferir a outrem um direito do
qual não é titular. Em termos práticos, o prédio nunca teria sido de C, mas de B. Todavia, isto levaria a
uma grande frustração das expectativas de C, na medida em que este considerou durante muito
tempo que era titular de um direito sobre aquele prédio, quando na verdade não o era. Seria
também muito oneroso para C, supondo que este já tivesse investido muito dinheiro naquele prédio.
O registo predial aparece, então, como uma exceção, visando afastar o regime regra do nemo
plus iuris, e a proteção de terceiros, neste caso C. Que efeitos práticos é que isto tem?
Já vimos que os sujeitos não são obrigados a proceder ao registo dos atos de transmissão, ou
seja, ainda no exemplo anterior, nem B nem C seriam obrigados a registar a compra do prédio. Tanto
B como C consideram-se os titulares do direito de propriedade sobre aquele prédio, e aqui releva
perceber quem procedeu ao registo, para efeitos de determinar quem é o titular do direito de
propriedade - artigo 6.º Código de Registo Predial. Assim sendo, podemos formular um conjunto de
hipóteses:
Ainda nesta última hipótese, admitindo que há um bem imóvel sujeito a registo, mas que
não o foi nem por B nem por C, apenas leva a que C não possa opor o seu direito de propriedade a B.
Contudo, a validade do negócio permanece intocável, pois esta determina-se no momento da
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escritura pública ou documento particular autenticado (art.º 875.º CC). O registo acontece
posteriormente e, portanto, o negócio é válido, pois verificaram-se os requisitos de forma, mas é
ineficaz porque não foi registado.
Note-se, ainda, que a proteção de terceiros só ocorre se a única coisa de anómala for a
ilegitimidade do causante, assim sendo se houver outros vícios, por exemplo formais, não se pode
operar esta proteção de terceiros.
Por exemplo, o causante é ilegítimo para celebrar o contrato com B, mas para além desse
vício, o contrato viola o requisito de forma do artigo 875.º, e devia ter sido celebrado através de
escritura pública e não o foi - é nulo o negócio.
Neste caso, a proteção de terceiros não seria possível de efetuar, na medida em que temos
um vício de forma, para além de um vício de ilegitimidade, que não é passível de fazer seguir o
contrato. Retroativamente, destruir-se-iam os efeitos do contrato com B.
Nota: esta regra vale para outros bens que não prédios, como os automóveis.
Quando falamos aqui de boa-fé falamos no seu sentido objetivo, mas quem são os terceiros
de boa-fé?
Por outras palavras, é um negócio celebrado, no qual as partes querem uma coisa - vontade
real -, mas declaram outra - vontade declarada. É um acordo entre um declarante e um declaratário -
3º requisito.
Comecemos agora por entender que efeitos práticos é que o artigo 243.º tem, enquanto
exceção ao Princípio Nemo Plus Iuris:
“1 - A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra
terceiro de boa fé”
Por exemplo, A e B celebram um contrato de compra e venda, contudo a vontade real das
partes e a vontade declarada é divergente - as partes queriam uma doação e celebraram um contrato
de compra e venda do terreno X. O contrato de compra e venda é, por conseguinte, nulo. B, anos
mais tarde, vendeu o terreno X a C, que o vendeu, posteriormente, a D.
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Os terceiros de boa-fé aqui são C e D, pois são os únicos sujeitos que não sabem da
Simulação. Ora, o contrato de compra e venda inicialmente celebrado entre A e B é nulo, porque é
um contrato simulado. Se é um negócio nulo, o terreno X nunca foi de B, porque a venda nunca
produziu efeitos, e assim B nunca o poderia ter vendido a C, e C nunca o poderia ter vendido a D,
porque nenhum deles tinha o direito de propriedade sobre aquele terreno.
De acordo com o princípio nemo plus iuris, ninguém pode transferir a outrem um direito do
qual não é titular, e assim em termos práticos, o terreno X nunca teria sido de B, C ou D, mas sempre
foi de A. Isto teria um efeito devastador, em termos da confiança e da expectativa depositada na
celebração dos diferentes negócios jurídicos, pois C e D acreditaram ter posse de um terreno que
nunca foi efetivamente deles, e até podem ter investido no mesmo, o que seria muito oneroso.
Assim, o artigo 243.º, enquanto exceção, visa afastar o regime regra do nemo plus iuris, e a
proteção dos terceiros C e D. Existe uma cadeia de transmissões do direito de propriedade entre A, B,
C e D, e o que este artigo nos diz é que se, no contrato, os terceiros C e D agiram de boa-fé, então
sana-se a nulidade do negócio e confere-lhe efeitos jurídicos.
Por outras palavras, se quando C e D compraram o terreno X, estes não sabiam que o
negócio inicialmente celebrado entre A e B era nulo, então presume-se que eles agiram de boa-fé, e
o negócio ocorre como se fosse válido. Portanto, o terreno X estaria agora na posse de D.
Releva, de acordo com os números 2 e 3 deste artigo, fazer uma distinção entre boa-fé e
má-fé. Assim, sendo um sujeito age de boa-fé quando não sabe que o negócio tem vício, sendo que
esta boa-fé pode ainda ser:
● Boa-fé sem culpa: os sujeitos não sabem que o negócio tem vício e não era exigível que
soubessem.
● Boa-fé com culpa: os sujeitos não sabem que o negócio tem vício, mas era exigível que
soubessem.
Um sujeito age de má-fé quando sabe que o negócio tem vício e mesmo assim celebra-o. Por
outras palavras, C e D imaginemos que sabiam que o negócio entre A e B era simulado e, mesmo
assim, celebraram contrato com B.
O que distingue a má-fé da boa-fé é que na má-fé, o sujeito sabe do vício (simulação), ao
passo que na boa-fé, os sujeitos não sabem desse vício. Esta é sem culpa, se os sujeitos não têm
culpa de não saber do vício, mas é com culpa se é da culpa dos sujeitos que estes não saibam do
vício.
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Neste caso, o artigo 243.º diz-nos que a proteção de terceiros só ocorre se estes agiram de
boa-fé (com ou sem culpa), ou seja, C e D não sabiam da simulação entre A e B, mesmo que fosse
exigível que soubessem.
Um terceiro age de má-fé sempre que este adquiriu o seu direito, depois do registo de ação
de simulação. Ainda no exemplo anterior, A e B celebraram o negócio simulado em 2020, e em 2021,
B resolve invocar a simulação do negócio e, declarar a nulidade do negócio - essa simulação é
sempre registada. Em 2022, C compra o terreno X a B, e assim C atua de má-fé, porque adquiriu o
seu direito de propriedade sobre aquele terreno depois de haver registo da simulação.
Se o sujeito celebra um contrato simulado e nunca houve declaração dessa simulação, não é
exigível que esse sujeito soubesse da simulação e, portanto, presume-se que age de boa-fé.
Neste caso, não só houve simulação, como houve registo dessa simulação por B, e se o
principal objetivo do registo é dar a conhecer a simulação, então C sabia da simulação e mesmo
assim celebrou contrato com B. Quando se diz que C sabia da simulação está em causa uma
presunção iuris et de iure - presume-se que ele sabe que o contrato é simulado e essa presunção
não é passível de prova em contrário.
“1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é
aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a
sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
Diz-nos este artigo que quando invocada a simulação, esse negócio simulado transforma-se
no negócio dissimulado, ou seja o negócio que as partes realmente queriam ter celebrado, se não
tivesse havido simulação. Neste caso, elas realizaram uma doação, quando na verdade realizaram
uma compra e venda e, por conseguinte, doravante o negócio versará sobre compra e venda.
2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido
observada a forma exigida por lei”
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O negócio dissimulado só é passível de aplicação se for válido, ou seja, mesmo que o
contrato de compra e venda tenha sido o contrato dissimulado que as partes verdadeiramente
quiseram celebrar, este tem que ser válido, à luz do direito.
Neste caso, não é a Simulação que desencadeia a invalidade do negócio, mas a Declaração
de Nulidade ou Anulabilidade do Negócio, respeitante a bens móveis/imóveis.
“1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis,
ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título
oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade
ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio”
“2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a ação for proposta e registada
dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”
Por exemplo, A vende a B uma casa por mensagem de correio, em 2020. Em 2021, B vende
essa casa a C, que posteriormente a vende a D. Este negócio é nulo desde o início, por inobservância
da forma legal (artigo 875.º).
De acordo com o princípio nemo plus iuris, ninguém pode transferir a outrem um direito do
qual não é titular. Em termos práticos, a casa nunca teria sido de B, C ou D, mas sempre foi de A. Isto
teria um efeito devastador, em termos da confiança e da expectativa depositada na celebração dos
diferentes negócios jurídicos, pois C e D acreditaram ter posse de uma casa que nunca foi
efetivamente deles, adquiriram direitos à luz de um negócio nulo e até podem ter investido na
mesma, o que seria muito oneroso.
Assim, o artigo 291.º apresenta-se como exceção, visando afastar o regime regra do nemo
plus iuris, dizendo que sempre que se verifiquem as suas condições, é possível dar continuidade ao
negócio jurídico e consolidar legitimamente os direitos adquiridos à luz daquele contrato, mesmo
que nulo.
Se no artigo 243.º a sanação do vício, ou seja, a proteção de terceiros exigiam apenas que
estivesse em causa uma simulação e que os terceiros estivesse de boa-fé, o artigo 291.º exige a
verificação de um leque maior de condições. Vejamos quais são:
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O artigo 243.º salvaguardava os direitos adquiridos por terceiros, mesmo que estes agissem
de boa-fé com culpa. Já no artigo 291.º, a continuidade do negócio exige que os terceiros não saibam
do vício, mas não é culpa deles essa ignorância, ou seja, só protege terceiros de boa-fé sem culpa.
Portanto, se os terceiros não sabiam do vício, mas era exigível que soubessem, tratando-se da boa-fé
com culpa, não há lugar à proteção dos seus direitos, neste caso.
No exemplo acima dado, C e D estavam de boa-fé sem culpa, visto que não sabiam da
nulidade do negócio entre A e B e não era exigível que soubessem.
O artigo 243.º protege terceiros envolvidos em relações jurídicas, cujo objeto fosse qualquer
bem. Já o artigo 291.º só protege terceiros envolvidos em relações jurídicas, cujo objeto são bens
imóveis ou bens móveis sujeitos a registo. Sendo que a consagração de quais os bens móveis estão
sujeitos a registo encontra-se no artigo 2.º e 3.º Código Registo Predial, no Código de Registo
Automóvel, quando em causa estão automóveis, entre outros.
Portanto, se em causa não estiver um bem imóvel ou bem móvel sujeito a registo, as
condições do artigo 291.º não se verificam e aplica-se o nemo plus iuris.
A título oneroso, significa que no ato de transmissão, houve lugar a contraprestações. O Dr.
Orlando de Carvalho alega, contudo, que esta onerosidade deve ser económica.
No exemplo acima dado, C e D quando compraram a casa, pagaram por ela. Teria sido a
título gratuito, se a casa fosse oferecida e estes não tivessem pago nada por ela - nesse caso não há
necessidade de proteção do terceiro.
Já vimos que o artigo 291.º só tutela bens sujeitos a registo (bens imóveis são sempre
sujeitos a registo) e, portanto, esse registo da aquisição tem de ocorrer antes do registo da ação de
nulidade, caso haja ação de nulidade. Aqui, se houve registo da nulidade daquele negócio (quando
há registo da ação, ela torna-se pública) presume-se (iuris et de iure) que os terceiros, que adquirem
o seu direito após esse registo de nulidade, sabem da nulidade do negócio, porque ela é pública. É
uma presunção iuris et de iure pelo que não está sujeita a prova em contrário.
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O ato nulo decorreu em 2020 e, portanto, A e B só poderiam ter proposto a ação de nulidade
decorridos 3 anos, em 2023. Contudo, a ação de nulidade foi proposta por C em 2024, 4 anos depois
do ato nulo, verificou-se então o período de carência de 3 anos, pelo que esta condição se verifica.
Em suma, em ambas as situações do 243.º e do 291.º, o causante não tem legitimidade para
transferir o seu direito, mas o que difere são as causas dessa ilegitimidade. No artigo 243.º, a
ilegitimidade advém do negócio inválido por simulação, ao passo que no artigo 291.º, a ilegitimidade
advém do negócio inválido por declaração de nulidade ou anulabilidade.
Desta forma, verificam-se todos os requisitos do artigo 243.º, pelo que se aplica
exclusivamente o mesmo.
Desta forma, verificam-se todos os requisitos do artigo 291.º, pelo que se aplica
exclusivamente o mesmo.
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Neste caso estão presentes tanto as hipóteses do artigo 243.º como do artigo 291.º, mas
porque é que apenas se aplica o artigo 291.º? Ora isto acontece porque o artigo 291.º confere uma
tutela mais protecionista e maior difícil verificação do que o artigo 243.º, pelo que o artigo 291.º
acaba por absorver o 243.º.
O artigo 243.º protege a aquisição de móveis não sujeitos a registo, ou sujeitos a registo mas
não registados - já o artigo 291.º só protege bens sujeitos a registo e, efetivamente, registados. Por
último, a ação de nulidade, no artigo 243.º, não está sujeita à quarentena dos 3 anos.
Imaginemos que D desconhece o primeiro vício de forma sem culpa e desconhece o segundo
vício da simulação, com culpa, e em 1984, é registada a ação de simulação do negócio entre B e C.
● O terceiro de boa-fé desconhece a simulação com / sem culpa, mas desconhece o vício de
nulidade sem culpa.
● Está em causa uma simulação e outra causa de invalidade, sendo que a simulação é a última
causa de invalidade.
● O registo da ação de simulação fez-se dentro do período de 3 anos, referido no artigo
291.º/2 ou, pelo menos, foi proposta e registada dentro desses três anos, após o registo da
aquisição do direito.5
● Verificam-se os pressupostos do artigo 291.º, quanto à sua causa de nulidade.
● Verificam-se os pressupostos do artigo 243.º, quanto à simulação.
Neste caso concreto, está em causa um vício de forma e um vício de simulação, sendo que a
simulação é a última causa de invalidade. D desconhece o vício da simulação com culpa (o artigo
243.º protege a boa-fé com culpa) e desconhece o vício de forma sem culpa . Verificam-se todos os
pressupostos de ambos os artigos e, por último, a ação de simulação ocorreu em 1982, D registou a
aquisição do seu direito de propriedade em 1983 e o registo da ação de simulação fez-se em 1984.
Portanto, o registo da simulação fez-se dentro dos três anos após a ação de simulação, mas depois
do registo de aquisição por D.
5
Note-se que aqui os três anos começam a contar a partir do momento em que foi celebrado o negócio
simulado.
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3. Acidentes na Relação Jurídica
Podem, ainda, surgir acidentes de percurso, ao que designamos de acontecimentos
acidentais da vida da relação jurídica. Estes são sempre acidentais e podem ser de:
1. Pendência
A relação jurídica não pode funcionar em pleno e fica impedida de produzir efeitos jurídicos,
porque o sujeito ativo não existe ou não está determinado - está num estado de pendência (in
pendenti). É o caso clássico dos nascituros, estes já foram concebidos, contudo ainda não nasceram,
portanto não há ainda um sujeito ativo que titule aqueles direitos.
Em muitos negócios jurídicos, as partes podem fazer depender os efeitos desse negócio, da
existência de uma condição - art. 270.º CC. A condição pode ser:
- Suspensiva
Se o começo dos efeitos do negócio fica dependente desse acontecimento incerto. Por
exemplo, A acorda com B que lhe vende a sua casa se conseguir um emprego algures que implique a
mudança de residência. Não sabe se o conseguirá, porém irá atribuir o direito de propriedade a B
quando a condição se verificar. Não se produzem efeitos jurídicos, porque isso só acontece quando B
for titular do direito de propriedade e este só o é quando a condição se verificar.
- Resolutiva
2. Quiescência
Quando a relação jurídica está quiescente, ou seja, já funcionou em pleno, mas por
obstáculo análogo deixa de ter o seu funcionamento normal, ficando como que adormecida.
Acontece por exemplo, nos casos das relações jurídicas do ausente, em curadoria definitiva,
quando este morre e, portanto, extingue-se essa relação jurídica. Houve, no passado, uma relação
jurídica que funcionou em pleno, mas porque o sujeito morreu, a relação jurídica deixou de
funcionar.
3. Revivescência
1. Sujeitos
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Este elemento corresponde às pessoas entre as quais a relação jurídica se estabelece, sendo
que a relação jurídica exige pelo menos 2 sujeitos que são os pólos (positivo e negativo). A todo o
direito subjetivo corresponde um sujeito ativo e essa é uma ligação que pode ser direta / indireta e
incindível ou cindível.
- Ela é direta quando o direito subjetivo é inato e indireta quando o direito subjetivo é nato.
- É incindível quando o direito subjetivo é indisponível e cindível quando o direito subjetivo é
disponível.
2. Objeto
De acordo com o Dr. Carlos Alberto Mota Pinto, o objeto da relação jurídica é aquilo sobre
que incidem os poderes do titular ativo da relação. Então, o objeto da relação jurídica é o objeto do
direito subjetivo propriamente dito que constitui a face ativa da sua estrutura.
Por outras palavras, este elemento corresponde àquilo sobre o que se incide a relação
jurídica, podendo ser uma coisa, pessoa, prestação etc. Veremos mais abaixo que o direito subjetivo
pode ser um mecanismo de tutela, na medida em que confere ao sujeito ativo uma vantagem face ao
sujeito passivo.
O objeto é muito heterogéneo, pode ser uma pessoa, dimensões da pessoa, uma coisa
(corpórea ou incorpórea), direitos sobre direitos (art 668.º) ou a pessoa de outrem, no caso da
entrega de menor.
Existem, ainda, os direitos potestativos que não têm este problemas dos direitos sobre
direitos, porque estes não têm objeto, mas apenas conteúdo - não há distinção entre o resultado real
e o resultado jurídico. Quando este se exerce, produz o seu efeito imediatamente.
3. Facto Jurídico
Este elemento corresponde àquilo que desencadeia a relação jurídica, à causa e fundamento
da existência da mesma. Por exemplo, o contrato de arrendamento desencadeia uma relação
locatícia; um contrato de trabalho inicia uma relação de emprego.
4. Garantia
O principal instrumento desta garantia é a responsabilidade civil, que tem como princípio
axial, a reconstituição in natura do lesado ou a sua indemnização. Temos ainda outros instrumentos
no artigo 70.º/2 e no artigo 829.º-A do CC.
Este último artigo consagra a sanção pecuniária compulsória por cada infração/por cada dia,
aplicável ao devedor, tendo assim como principal objetivo, constranger o devedor ao cumprimento
da sua obrigação.
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Todos estes institutos são formas de heterotutela, competindo ao Estado, através dos
tribunais, determinar estas providências coercitivas. Existem, ainda, formas de autotutela, como a
ação direta e a solutio retentio (não repetição do indivíduo).
Modificação de Direitos
Dizemos que há modificação quando a identidade do direito se mantém, mas há uma
mudança num elemento do direito.
1. Modificação Subjetiva
A modificação subjetiva ocorre por multiplicação quando o sujeito ativo se substitui por
vários outros sujeitos. Vejamos os 3 exemplos abaixo:
A modificação subjetiva ocorre por substituição quando o titular do direito é substituído por
outro sujeito. Por exemplo, A celebra com B um contrato de mútuo, mas cede o seu crédito a C.
Existe uma modificação subjetiva do credor que inicialmente era A, mas passa a ser C.
A modificação subjetiva ocorre por concentração quando a vários sujeitos ativos sucede um
único titular. Por exemplo, A e B são comproprietários de um terreno e vendem as suas quotas a C -
concentraram a sua titularidade em C.
A modificação subjetiva pode ainda ocorrer, não no sujeito, mas na obrigação. É o caso
clássico da Assunção de Dívida - art. 595.º CC. Percebamos em que consiste a assunção:
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O que garante uma obrigação em geral é o património do devedor, pois o credor, quando
empresta, confia que o património do devedor seja suficiente para, em caso de ele faltar ao
cumprimento, poder ser acionado e ser ressarcido. Ora, se se substitui o devedor, substitui-se
também a garantia da obrigação, isso é o que acontece no artigo 595.º em que há uma transmissão
de dívida, ou seja, se o devedor A é substituído pelo devedor B, então a garantia da obrigação
(património de A) é substituída pela garantia de obrigação de B (o seu patrimônio).
É lógico que ao credor não seja indiferente que o devedor seja A ou seja B, porque a garantia
de obrigação pode variar de devedor para devedor. É por isso que, neste artigo, a lei protege os
interesses do credor e diz que a transmissão só exonera o antigo devedor se houver declaração
expressa do credor a concordar.
Ou seja, a menos que haja uma declaração expressa do credor que estipule que este liberta o
devedor novo da responsabilidade, este continua vinculado à mesma obrigação do devedor antigo.
Há que analisar aqui ainda o artigo 577.º CC - “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a
totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não
seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria
natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”. Como é que estes artigos se distinguem?
Volta a estar em causa a Cessão da Posição Contratual, contudo é o credor que substitui a
sua posição contratual e pode fazê-lo, em termos distintos daqueles a que está sujeito o devedor.
Portanto, se a cessão da posição contratual do devedor depende do consentimento expresso do
credor, a cessão da posição contratual do credor não depende do consentimento do devedor, este
apenas deve ser avisado.
2. Modificação Objetiva
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● Acessão Industrial - resulta da ação do Homem
São ainda exemplos de modificação objetiva por alteração do objeto, os arts. 701.º e o 678.º
CC.
3. Extinção de Direitos
A extinção dá-se quando um direito deixa de existir na esfera jurídica de uma pessoa, do seu
titular, sendo assim o inverso da aquisição. Esta extinção pode acontecer no plano:
Aqui o direito não desaparece, apenas deixa de estar na esfera jurídica, onde se encontrava,
ou seja há uma mudança de titular. Esta difere da modificação, pois na modificação há uma alteração
do titular, ou este multiplica-se, ou suprime-se, etc. Pelo contrário, na extinção, o direito desaparece
naquela esfera jurídica, e vai para outra.
Diz respeito não ao sujeito, mas ao conteúdo ou objeto do direito. O direito deixa de existir,
ou seja, este não muda de esfera jurídica, mas antes não sobrevive em nenhuma esfera jurídica.
Modalidades da extinção objetiva:
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● Renúncia Abdicativa - é o abandono de situação de prevalência do direito subjetivo.
Note-se ainda que nem todos os direitos são irrenunciáveis (ex.: direitos de
personalidade).
● Procuração (art. 262.ºCC) - é o ato através do qual alguém atribui poderes a outrem
para o representar, voluntariamente atribuição de poderes representativos.
● Prescrição (art. 304.º CC) - a prescrição é uma forma de extinção de direitos de
crédito que, a partir de um lapso de tempo, deixam de ser exigíveis. O que era uma
obrigação civil, passa a ser uma obrigação natural (art. 402.º CC). Existem diferentes
prazos de prescrição que as partes podem acordar no contrato, contudo se nada
estabelecerem, o prazo supletivo geral da prescrição é de 20 anos (art. 309.º CC).
●
- Caducidade - refere-se essencialmente ao direito de acionar.
Por exemplo, decorre do artigo 287.º CC, que apenas durante o período de tempo de um ano
subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, é que a anulabilidade pode ser
arguida. Sendo que após o termo desse ano, o direito a arguir a anulabilidade caduca. É de notar
que os direitos potestativos preferencialmente extinguem-se por caducidade, enquanto que os
direitos subjetivos em sentido estrito extinguem-se preferencialmente por prescrição.
Pessoas Coletivas
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As pessoas coletivas têm a capacidade que resulta da existência de pessoas individuais que
preencham os órgãos da pessoa coletiva, de modo a que ela possa atuar. Assim, não podemos falar
de incapacidades da pessoa coletiva, porque o estatuto atuante da pessoa coletiva é igual ao
estatuto abstrato da sua personificação.
Por exemplo, ao admitirmos a constituição de uma sociedade comercial, esperamos que ela
atue através dos seus órgãos, com os limites que lhes são impostos.
Um nascituro nascituro é alguém que já foi concebido, mas que ainda não nasceu. O artigo
66.º CC diz que a personalidade jurídica surge com o nascimento, mas nascituro que já foi concebido
ainda não nasceu, será terá personalidade jurídica? Ou seja, pode ser titular de direitos e obrigações,
abstratamente?
Para haver personalidade jurídica tem que haver personalidade humana e para haver
personalidade humana tem que haver nascimento. O problema surge porque um nascituro ainda
nasceu, logo não poderia ter personalidade jurídica e ser titular de direitos e obrigações.
O artigo 66.º/2 diz-nos que – “os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do
seu nascimento” - a partir daqui podemos efetivamente perceber que há direitos reconhecidos aos
nascituros.
Tanto nos nascituros como naqueles que ainda não foram sequer concebidos, como refere o
Dr. Orlando Carvalho, temos uma personalidade jurídica ficta e provisória, que não encontra o seu
fundamento na personalidade humana e está dependente da verificação de uma condição - o
nascimento.
Alguns autores defendem ainda que está em causa retroação da personalidade jurídica - esta
não existe até ao nascimento do sujeito, porém quando se adquire, age retroativamente, cobrindo
todos os direitos que o nascituro e o não concebido adquiriram.
Outros autores defendem também que os direitos do nascituro são uma espécie de centro
autónomo de relações jurídicas não personalizadas e ainda estados de vinculação de certos bens,
visto que há uma premissa de não haver direitos sem sujeito.
O Dr. Orlando de Carvalho entende que se devem perspetivar estes direitos como núcleos de
interesses para cuja tutela se pode usar o direito subjetivo, sendo que já vimos atrás a forma como
estes protegem os interesses daqueles que os titulam. Se o nascituro é titular de direitos subjetivos,
este pode opô-los a todos e fazer-se proteger pelos mesmos, isto, porque a existência de um direito
subjetivo na esfera jurídica do sujeito não pressupõe a necessidade de existência humana desse
sujeito.
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Entende-se ainda que a personalidade humana surge, não do nascimento ex abrupto, mas do
termo do processo biológico. O direito não pode desconhecer tal formação progressiva e deixar de
tutelar as infra-estruturas da personalidade que se vão formando nessa fase embrionária. - Então
existe tutela ainda que não exista personificação.
Por último, sobre estes rege ainda o princípio importante do nasciturus pro iam natus
habetur, quotiens de commodis eius agitur - o nascituro tem-se por nascido, quando se trata do seu
interesse.
Até aqui falamos de nascituros que já foram concebidos, mas que ainda não nasceram,
falemos agora de nascituros que ainda não foram sequer concebidos e que, logicamente, não
nasceram. Estes também são passíveis de titular direitos. Contudo, de que direitos estamos a falar?
● A receber doações - art. 952.º CC - ex: alguém doa um terreno ao filho da sua irmã, sendo
que a sua irmã não tem filhos, mas se ela vier a ter um filho, este tem uma doação a seu
favor.
● Que se defiram sucessões testamentárias e contratuais - art. 2033.º/2 CC.
No caso dos nascituros já concebidos, falamos tanto de direitos patrimoniais como pessoais.
Nota: para efeitos de administração de bens dos nascituros, relevam os artigos 2238.º e
2240.º CC.
Este é apenas um exemplo, mas o facto do nascituro ser titular deste direito, dá-lhe a
possibilidade de exigir uma indemnização que vê a sua integridade física afetada, na fase
embrionária.
Do ponto de vista prático, é útil perceber se estamos perante um nascituro concebido ou não
concebido - o artigo 1798.º CC estabelece o momento da conceção, ou seja, define quem está ou
não concebido.
Supondo que houve uma doação a favor do nascituro ou conceturo, ele é conceturo se
nasceu 300 dias depois da doação e é nascituro se nasceu dentro dos 300 dias subsequentes à
doação. Caso haja morte, há ainda que saber se houve ou não vida antes desse momento, isto é, se
morreu um feto ou uma pessoa, o que releva para fins sucessórios.
89
2. Personalidade Jurídica
A personalidade é uma noção central dos aspetos operativos que apresenta, do ponto de
vista social, mas o que é a personalidade jurídica?
Responsabilidade
A vida é protegida através da proteção dispensada à mãe, ex.: se uma grávida sofre uma
agressão que provoca lesões à mãe e ao feto, e o feto vem a adquirir personalidade jurídica, este tem
direito à reparação dos danos, porque se este tem personalidade humana, tem personalidade
jurídica e, consequentemente, direito à reparação do dano.
Diz-nos este artigo que a personalidade cessa com morte - a esfera jurídica desprende-se da
pessoa - extinguem-se os direitos de natureza pessoal e os direitos patrimoniais que se transmitem
aos sucessores.
90
No entanto, há que ter em atenção que há direitos de personalidade que gozam de proteção
após a morte do titular - art. 71.º/1 CC → os direitos de personalidade, existem alguns aspectos da
tutela da personalidade que perduram após a morte.
Em tempos, houve uma controvérsia em torno deste artigo porque houve quem entendesse
que este artigo tutelava a personalidade pos mortem e, portanto, uma exceção à regra do artigo 68.º.
Contudo, a corrente predominante entende que, o facto de se atribuir legitimidade aos direitos do
de cuius visa proteger as pessoas próximas do de cuius e, portanto, essa é uma proteção pos mortem
atribuída em função do interesse dessas pessoas vivas e não do de cuius, não havendo motivo de
controvérsia. Entendem então que não há uma exceção ao artigo 68.º cc, mas antes uma extensão ao
mesmo.
Se alguém é privado do direito à vida por facto ilícito de outrem, há, de acordo com os
pressupostos de obrigação de indemnizar, direito ao ressarcimento daquele dano - art. 496.º/2 CC.
Mas se o sujeito morreu, como é que exige essa indemnização?
O dano mortem é indemnizável, porque a vítima já morreu, logo não é possível reparar esse
dano, assim sendo a indemnização ainda vai entrar na sua esfera jurídica e difere-se como direito
patrimonial aos seus sucessores - não derroga o artigo 68.º CC.
A morte é um facto sujeito a registo civil, e este tem de ser feito com a apresentação de um
certificado de óbito que não pode ser feito sem um certificado médico. Inclui-se também a
identificação do falecido, as circunstâncias da morte e o destino do cadáver.
Após esse registo civil, o cadáver passa a ser designado de coisa extra commercium - artigo
202.º/2 CC - o cadáver não é suscetível de apropriação, daí ser fora do comércio. Isto suscita algumas
questões relativamente ao destino do cadáver, nomeadamente para fins científicos e terapêuticos -
na nossa ordem jurídica, o destino normal do cadáver é ser consumido por inumação em cemitério
público ou por meio de incineração e depósito das cinzas. A lei protege esse destino, estabelece
prazos mínimos e preocupa-se em preservar aquilo que foi o invólucro de uma personalidade
jurídica.
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As causas mais frequentes do desaparecimento são os acidentes rodoviários, aéreos ou
naufrágios - art. 247.º e ss CC. Após verificação do desaparecimento, abre-se um processo de
justificação judicial do óbito a cargo do Ministério Público, previsto no código do registo civil.
Nos termos deste processo, é elaborado um certificado de óbito, com casos especiais nos
naufrágios. Se houver equívoco da morte não ter acontecido ou ter acontecido em circunstâncias
diferentes, a sua personalidade volta, a pedido de requerentes - art. 299.º e ss CC.
Estes 3 códigos estão praticamente no mesmo plano, porque o código do trabalho constitui
um complemento ao código civil, pelo que não pode ser lido isoladamente deste.
Tutela Constitucional
Tutela Civil
Em primeira linha de defesa dos bens da personalidade, temos a tutela geral - direito geral
da personalidade - este tem como objeto o direito à personalidade no seu todo, ou seja, incide sobre
a personalidade sem distinção da faceta que está em questão.
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Também aqui incluímos todas as proteções que derivam da aprendizagem, da formação, etc,
ou seja tudo aquilo que serve para estruturar a personalidade no futuro. Hoje, este livre
desenvolvimento da personalidade é mobilizado com alguma frequência nas questões ambientais.
Por exemplo, o prejuízo que advém dos danos ambientais não prejudica a personalidade atual, mas
sim a sua projeção futura.
O artigo 70.º CC consagra uma tutela genérica que não é limitada nem limitar. Contudo,
temos que considerar as possibilidades reais de efetivação do direito, já que os direitos de
personalidade funcionam numa escala que têm como limite inferior as considerações de adequação
social
Por exemplo, se num prédio mal insonorizado, um dos condóminos é pianista e precisa de
praticar a sua arte, isso pode contender com o direito do vizinho ao repouso, que também é ele um
direito de personalidade porque é essencial à manutenção da integridade física - colisão entre o
direito à criação e livre desenvolvimento da criação artística e o direito ao repouso.
Contudo, os direitos de personalidade não têm todos o mesmo valor axiológico, porque há
bens jurídicos mais vitais do que outros - por exemplo, o direito à vida sobrepõe-se ao direito à
criação. Esta categorização leva-nos a uma solução, nomeadamente prevalece o direito que se
considera superior segundo o art. 335.º/2 CC. Esta é uma consideração casuística e que se dirige ao
valor jurídico em causa.
Temos uma tutela geral da personalidade, contudo temos ainda tutelas respeitantes a
aspetos parcelares que nunca constituem um elenco fechado, ou seja, mesmo não prevista, a
proteção geral existe sempre porque temos aquela proteção central constituída pela proteção geral.
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Ao direito central da personalidade, junta-se uma tutela descentralizada, especial, em que só
determinados bens jurídicos são considerados. Para além desta, existe uma tutela ainda mais
especial, que tutela por exemplo a reserva da intimidade da vida privada profissional no caso do
teletrabalho, ou seja, formas cada vez mais específicas e voltadas para situações concretas.
● Direito à Vida
É um direito tutelado pela tutela civil (art. 70.º e art. 337.º CC), penal (art. 131.º e ss. CP) e
constitucional (art. 24.º CRP), sendo absolutamente indisponível, a não ser nos casos de aceitação de
morte medicamente assistida ou nos casos de legítima defesa, ação direta ou estado de necessidade.
Esse é o estrito quadro em que pode funcionar a vontade e apenas nesse quadro é possível aceitação
da vontade para disponibilidade do direito.
Esta é uma compensação pelos danos causados à vítima e uma compensação pelo
sofrimento causado às pessoas mais próximas da vítima. Além destes danos não patrimoniais, pode
ainda haver lugar ao ressarcimento de danos patrimoniais indiretos - art. 495.º CC.
O direito à vida tem sido objeto de discussão devido à wrongful life / birth - direito a ser
ressarcido por problemas congénitos. Esta questão foi inicialmente discutida a propósito do
nascimento com problemas congénitos profundos, onde o lesado, bebé que nasceu com
determinada deficiência, exigiu uma indemnização da mãe por esta não ter feito uma interrupção
voluntária da gravidez, mesmo sabendo o estado em que o bebé ia nascer.
Não temos precedente nesta área e a questão coloca-se referentemente aos EUA que
introduziram, no ano passado, uma emenda que impede a interrupção voluntária da gravidez.
É o direito a não ser lesado na integridade físico-psíquica tal como se possuiria se não se
verificasse tal lesão, portanto, não se circunscreve à fisicalidade da pessoa externa. Também aqui
temos tutela civil (art. 70.º CC), penal (art. 142.º e ss. CP) e constitucional (art. 25.º CRP),
relativamente a estes regimes, o direito penal só sanciona os ataques à integridade física se estes
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foram praticados com dolo, ao passo que o direito civil, em princípio, sanciona sempre um ataque à
integridade física.
Abrange também o direito a não sofrer lesões na fase intra-uterina, ou seja, o nascituro
quando nascer, tem direito a exigir ressarcimento pelos danos que lhe foram causados quando este
se encontrava nessa fase. Atenção, essa é uma ação contra o lesante, não contra os pais - se os pais
sofrem um acidente e o nascituro sofre lesões, caberá o ressarcimento dos danos a quem se imputa
a culpa pelo acidente e não aos pais.
Qualquer agressão à integridade é ilícita desde que ultrapasse o patamar inicial da atuação
social, isto porque o corpo do outro é um espaço de reserva, intransponível. Evidentemente, existem
comportamentos sociais que podem ser ambíguos quanto a essa transposição, por exemplo, no que
concerne a formas de saudação entre pessoas - existem pessoas mais expressivas com tendência a
ser mais efusivas nas manifestações físicas. O limite aqui é muito ténue porque esse espaço de
reserva é um espaço que cada um tem o direito de remarcar, isto é, existem sensibilidades táteis,
mas também podem não haver.
Isto só começa a ser um problema jurídico nas hipóteses de assédio e bullying, porque aí
passamos nitidamente a fronteira da vida social. Contudo, este direito à integridade física tem
também implicações noutros domínios como os domínios de colheita de transplantes de órgãos,
tecidos e células de origem humana para fins terapêuticos ou de transplante, na procriação
medicamente assistida etc.
Assim, está em causa a gradação do bem jurídico em causa - do direito à vida, enquanto
direito mais importante, segue-se o direito à integridade física.
Tanto num caso como no outro, o direito à liberdade envolve duas facetas:
Por exemplo, A aceita celebrar com B um contrato para fazer a figuração num filme.
Compromete-se a executar as diretivas da produção, e chega ao momento da execução do contrato e
há diretivas do desagrado da pessoa, e ela não cumpre - há um incumprimento da obrigação inicial,
mas como há um direito da liberdade negativa, esta pode incumprir mesmo sujeitando-se às sanções
do incumprimento contratual, mas não pode haver execução específica, o produtor não pode dizer
que haverá substituição de A por outra pessoa.
Este direito à liberdade negativa é agudo relativamente à liberdade sexual, no que diz
respeito às liberdades físicas, e à coercibilidade que essa liberdade tem.
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Temos ainda o artigo 4.º Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital - o veículo da
comunicação digital veio abrir a frente de potenciais agressões, porque as pessoas atualmente
entram em contacto com mais pessoas do que acontecia anteriormente e, portanto, abrem a porta a
mais potenciais lesões.
- Projeção Física
-
a) Direito à Imagem
O número 2 deste artigo diz ainda que há uma flexibilidade nas fronteiras da proteção do
direito à imagem, de acordo com a pessoa e as suas circunstâncias. Portanto, se o sujeito detiver um
cargo de grande notoriedade e se encontrar num espaço público, é lícita a captação da sua imagem.
Evidentemente, o conceito de espaço público é indeterminado → o espaço é público se for acessível
a qualquer pessoa, ou seja, não sujeito a qualquer forma de identificação ou preço.
Assim, este número 2 apresenta-se como uma justificação da violação do direito à imagem,
perante dois tipos de circunstâncias: as relativas a dados subjetivos e as relativas a elementos
objetivos.
São elementos objetivos que justificam a violação do direito à imagem, por exemplo, as
finalidades da justiça, mas tem que haver um interesse legítimo. E, para além disso, é justificável se a
imagem for captada em espaços públicos. São elementos subjetivos a notoriedade e o cargo
desempenhado.
O número 3 deste artigo cruza a tutela do direito à imagem com a tutela do direito à honra,
ou seja, não só protegemos o retrato da pessoa, como protegemos o direito à sua projeção nos
outros, a sua honra. Portanto, é ainda ilícita a captação da imagem quando essa vise atentar contra a
honra do sujeito, mesmo que cumpra os requisitos do nº 2 e nº3. É de notar que o direito à imagem
é violado pela captação e divulgação da imagem, porque com essa captação abre-se a possibilidade
de divulgação, ou seja esta violação não se consuma apenas com a divulgação.
Este é um direito disponível, ou seja, pode ser limitado voluntariamente pelo titular - é o
caso das influencers e modelos, que vivem da divulgação da sua imagem, diretamente ou através de
terceiros. O consentimento para dispor do direito à imagem é muito lato, pois este pode ser objeto
de contrato e se o é, diz-se um consentimento vinculante.
Os problemas mais recentes do direito à imagem são diferentes daqueles que existiam
quando este artigo foi pensado - na altura prendia-se com a fotografia, mas agora com a invasão
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tecnológica, é mais fácil captar imagens ilegalmente e a questão das redes sociais, principalmente
relativamente a imagens de menores nas mesmas.
Neste último caso, ele é em princípio proibido, porque aqui o consentimento teria de ser
dado no interesse do menor pelos representantes legais, mas a sua divulgação não visa concretizar
nenhum interesse do menor, pode até ser adverso ao livre desenvolvimento, daí a restrita
jurisprudência neste domínio.
b) Direito à Palavra
Este é um direito que incide sobre a expressão oral da pessoa, contudo pode dizer respeito a
outros elementos como os sons - ex.: quando as pessoas têm uma gargalhada muito característica.
Aqui não está em causa a proteção do conteúdo discursivo, mas a proteção do reconhecimento da
sua voz - ex.: gravações de conferências, aulas, escuta.
A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos da Era Digital também contempla este bem da
personalidade, assim como no direito à imagem.
- Projeção Vital
A projeção vital tem a ver com aquilo que diz respeito ao modo de viver do indivíduo, seja
individualmente ou socialmente.
a) Direito ao caráter
Este direito diz respeito à personalidade da pessoa, aqui já não se fala em personalidade
jurídica, isto é, aquilo que a pessoa é, proveniente de dados genéricos, comportamentais, culturais,
entre outros. Este direito impõe que as pessoas não possam ser objeto de indagação pelos outros,
por exemplo o direito a não ser sujeito a análises de caráter.
Perante este princípio, será que são lícitas as biografias não autorizadas? Em princípio, estas
contendem com este espaço de inviolabilidade pessoal, e mesmo que tenha um caráter lisonjeante,
retira à pessoa a capacidade de esta gerir essa informação. Essa fricção entre a curiosidade social e a
curiosidade dos outros tem, hoje, contornos difusos, porque às vezes são as próprias pessoas que
fornecem os elementos para a difusão dessa história (ex.: através das redes sociais).
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Contudo, nesses casos há intervenção do conhecimento. A violação deste direito é, ainda,
agravada se houver divulgação de dados de outra pessoa - ex.: divulgação de relações afetivas entre
duas pessoas e ambas são afetadas.
Este direito é o direito sobre a gestão de informação. Todos nós, na interação social,
podemos deparar-nos com factos que dizem respeito à intimidade de outrem, mas temos um direito
de reserva sobre isso. Contudo, esse é um direito flexível quanto à sua extensão e tem duas
coordenadas essenciais - a natureza do caso e a condição das pessoas (art. 80.º/2).
Em relação à natureza do caso, a violação é mais gravosa no caso de ter sido procurada pelo
lesante, do que se ele tiver conhecimentos sobre a informação de forma acidental. Em relação à
condição das pessoas, isto é, a notoriedade de alguém faz encolher o espaço privado, porque há
muitos aspetos da vida privada que podem ter relevo na vida pública (por exemplo, em aspetos
eleitorais) e ser nosso objeto da curiosidade alheia.
Na verdade, este é um direito recente, de luxo, porque até finais do século XIX, o espaço
individual era delimitado pela propriedade, a partir do momento em que não se entrava nos limites
da propriedade, respeitava-se o direito de reserva das pessoas. Contudo, aí foi declamado o “right to
be alone”, que transferiu o âmbito da tutela da propriedade para o âmbito da personalidade.
1. Da esfera privada, que abrange os aspetos privados não pessoais (ex.: espaços que
frequentam, que animais têm,..), ou seja, são aspetos privados das pessoas que são não
pessoais.
2. Da esfera pessoal, que diz respeito aos gostos, preferências, relacionamentos, etc, existem
independentemente do estatuto relacional da pessoa - existem quer dentro do casamento,
união de facto, meras relações afetivas, porque simplesmente dizem respeito à
personalidade.
3. Da esfera de segredo, que engloba aquilo que nós queremos que seja segredo, mesmo que
seja trivial para os outros. A própria pessoa pode gerir o seu campo de segredo e se eu
quiser que determinada coisa seja segredo, ela é segredo.
Coisas secretas por natureza (ex natura) - há, ainda, coisas que pela sua natureza e função
são secretas, como as password, códigos de multibanco, etc. Aqui não cabe ao titular definir se estas
coisas são segredo ou não, elas são-no por natureza.
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Coisas secretas por vontade do titular (ex voluntate) - Aqui quem é o juiz do caráter secreto,
é a própria pessoa. Há coisas que têm mais apetência para serem segredo do que outras, como os
diários, dados de saúde, fichas escolares, etc, mas é o seu titular que decide se estas são segredo ou
não.
Regime comum das coisas secretas - há um regime comum das coisas secretas - estas são
impenhoráveis, insuscetíveis de execução específica. Contudo, esta dupla definição entre coisas
secretas ex natura ou ex voluntate releva porque, apesar de haver um regime comum, estas diferem
num aspeto: ónus da prova.
Regime diferenciado das coisas secretas - nas coisas secretas ex natura, a pessoa que tem
interesse na manutenção do segredo, não tem de demonstrar a sua natureza secreta, por exemplo, o
titular do código de multibanco não tem que provar que este é secreto. Portanto, o ónus da prova -
art. 572.º CC - cai sobre a pessoa que está interessada em desfazer o segredo.
Já nas coisas secretas por ex voluntate, o ónus da prova recai o titular, isto é, é o titular quem
tem que justificar, porque é que manteve aquela coisa na sua esfera secreta.
Este direito começou por ser uma emanação do direito à reserva da intimidade da vida
privada, contudo, construiu-se uma proteção respeitante aos dados pessoais, porque elas incluem
informações da esfera pessoal, ou seja, é uma tutela que resulta da tutela da reserva da intimidade
da vida privada.
Hoje, múltiplos diplomas cruzam-se nesta proteção - Pilar Europeu dos Direitos Sociais,
CDFUE, Regulamento 2016/679 e a Diretiva 2016/680. Foi desde o RGPD (Regulamento Geral da
Proteção de Dados) que a proteção de dados ganhou importância - este ocupa-se de dados pessoais
relativos a pessoas singulares, identificavéis ou inidentificavéis.
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➔ Dados relativos à saúde (física ou mental)
➔ Princípios que subordinam o RGPD - licitude, lealdade e transparência; limitação da
finalidade; minimização dos dados; limitação da conservação; integridade e
confidencialidade; responsabilidade.
- Projeção Moral
A projeção moral corresponde ao espaço do indivíduo, face aos outros, no que diz respeito à
sua dimensão moral.
A honra pode ter muitas aceções e conotações, contudo aqui interessa-nos como a
reputação ou honra extrínseca à pessoa, ou seja, ao modo como os outros nos percecionam. Tem a
ver com o reflexo da imagem do eu e existe violação deste direito quando temos factos que
contendem com esta perceção do eu nos outros.
É lesado quando se divulgam fatos que afetam essa projeção do indivíduo nos outros, sejam
esses factos verdadeiros ou falsos, porque a lesão aqui acontece na projeção do indivíduo, que pode
ser feito por factos verdadeiros ou falsos. Assim, é irrelevante a exceção da verdade, para haver
direito à honra.
O direito penal lida com este problema através de dois tipos legais de crime - a Injúria e a
Difamação. Relativamente à tutela penal e civil do direito à honra podemos dizer que na
consideração da lesão de bens jurídico penais, a exceção da verdade (excessio veritatis) é
considerada na determinação da medida da pena - por outras palavras, se alguém divulgou factos
verdadeiros, tal tem um peso diferente na determinação da medida da pena.
Já no direito civil, não existe essa distinção, porque existe lesão do direito à honra, sejam os
factos alegados verdadeiros ou falsos. Para além disso, se no direito penal, para haver lesão do
direito à honra tem de haver “vontade de injuriar” (animus injuriandi), no direito civil não há
investigação à intenção da pessoa quando ocorrem os factos - atende-se ao efeito e não à intenção.
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A honra extrínseca contrapõe-se à honra interna, a que está associada à dignidade da pessoa
e aqui, recorremos à teoria das esferas, e é necessário considerar as várias camadas deste direito:
Esta esfera consagra o direito à honra pessoal, invariável de indivíduo para indivíduo, porque
está associada à conceção de pessoa e portanto é igual em todos os indivíduos, independentemente
da sua profissão, notoriedade e posição pessoal. Aqui podemos incluir aspetos pessoais e
características básicas que associamos à humanidade, o facto de sermos seres humanos.
Incluímos aqui a honra deontológica ou profissional e isso já varia de acordo com a profissão,
ocupação ou atividade da pessoa em causa (art. 484.º CC) - se a ofensa ao bom nome e à reputação
for de gravidade qualificada, atingimos uma esfera que vai para além dos limites da honra, passamos
da honra profissional para a honra pessoal.
Por exemplo, se alguém diz que A é um mau médico, temos ofensa à reputação profissional
de A. Se alguém diz que é mau médico, ladrão e vigarista, passamos os limites da reputação, da
honra e atingimos a pessoa na sua dignidade externa. Claro que se alguém efetivamente for um mau
médico, os outros podem ter iniciativa no sentido de pôr termo a essas condutas, mas pelos canais
juridicamente estabelecidos e de denúncia próprios para o efeito.
Falamos do Direito ao Crédito - art. 484.º CC - aqui falamos de um crédito, enquanto forma
específica de reputação que tende a ver com as qualidades econômicas e financeiras da pessoa. É
uma honra económica, que tem a ver com a capacidade de resolver problemas financeiros. O direito
ao crédito varia consoante as circunstâncias e é importante quando se quer recorrer a um
empréstimo bancário.
➔ Esfera Interior
Falamos do Direito ao Decoro - este é um direito muito variável, porque está relacionado
com a idiossincrasia do indivíduo, já que, por exemplo, existem pessoas mais extrovertidas,
introvertidas, tímidas.
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Também a gravidade da lesão depende da camada em causa, se alguém violar o direito ao
decoro de outrem é diferente da violação à honra essencial - o direito à honra tem uma intensidade
axiológica acrescida.
A Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital tem, ainda, uma tutela que
salvaguarda o bom nome e a reputação, na era digital.
Este é um direito inato, isto é, nasce com a pessoa - a pessoa nasce com uma identidade
oponível aos outros, o seu direito a ser reconhecida face aos outros. Faz também parte da essência
da personalidade, o facto de existir uma identidade que permita que a pessoa não seja confundida
com outra. Este direito tem dois desdobramentos:
Este é um direito adquirido e não inato, já que só se adquire quando lhe é atribuído o nome.
É possível que a pessoa tenha o mesmo nome que outrem (homonímia), contudo um indivíduo não
pode usar o seu nome de modo a ser confundido com outra pessoa, fazendo crer ser a mesma
pessoa - art. 72.º/2. Normalmente, é a pessoa que nasce depois, que deve adaptar o nome de modo
a não suscitar essa confusão.
Além disso, o pseudónimo encontra-se tutelado no artigo 74.º CC, que confere uma
proteção forte ao pseudónimo, contudo, este tem de ter notoriedade. Esta é também uma proteção
paradoxal, na medida em que por ser um nome de escolha, já não se permite a adoção de
pseudônimos já existentes.
Este direito ao nome estende-se às pessoas coletivas, como é o caso da firma - firma é o
nome da sociedade e, portanto, não se pode fazer um mau uso dessa designação.
Existem ainda outros elementos de identificação pessoal para cidadãos com menos projeção
pública, que podem ser igualmente protegidos, para além do pseudônimo, como os títulos
nobiliárquicos.
2. Direito à Verdade Pessoal - Aqui, a mentira é relevante, já que se trata do direito a conservar
a fidedignidade dos dados. É ainda um direito lesado se forem divulgadas informações de
conteúdo não verídico, ainda que não atinjam a honra.
102
É um direito a conhecer e a ceder à história genética da pessoa, principalmente quando não
resulta de dados biológicos imediatos.
É o direito de criar qualquer coisa que expresse personalidade, seja uma obra de artesanato,
literária, uma performance. Aqui as manifestações e corporizações deste direito são múltiplas, sendo
que é violado quando se impede alguém de criar.
Quando há criação, passamos a ter uma tutela distinta, porque passamos para o domínio dos
Direitos de Autor. Quando surge a obra, e qualquer obra depende dos domínios científicos,
artísticos, etc no sentido de obra de engenho, passamos a ter um Direito de Autor.
A obra é um nóvulo porque é algo que não existia e passa a existir, neste sentido o direito à
criação, é um direito de personalidade, é um direito adquirido. O direito de autor tem duas
vertentes:
Este direito moral pertence ao autor, mas também se transfere mortis-causa, após 50 anos.
Há violação deste direito nos casos em que há falsa imputação de autoria ou violação da sua
intangibilidade, daí que uma adaptação de um livro ao cinema, por exemplo, pressuponha a
autorização do autor, porque essa adaptação deforma a obra.
O direito moral de autor difere do direito à criação pessoal: enquanto que o direito moral de
autor é um direito adquirido, porque resulta da criação, o direito à criação pessoal é um direito inato,
que está na esfera jurídica da pessoa independentemente do ato de criação.
Este direito encontra a sua tutela específica no art. 16.º da Carta Portuguesa dos Direitos
Humanos na Era Digital, no art. 1.º/2 DL 252/94 e no art. 9 Código dos Direitos de Autor e dos
Direitos Conexos.
Nota: a obra tem de ser objetivada, ou seja, tem que ter, ainda que pequena, uma radicação
fora do sujeito e tem que estar circunscrita à mente do criador, ou seja, é autónoma. Se assim não
for, o direito não será suscetível de proteção ou tutela.
103
2. Direito Patrimonial do Autor - vertente patrimonial
5. Consentimento
Muitos destes direitos são disponíveis, isto é, através do consentimento do titular do direito,
é possível comprimir o seu conteúdo útil. Já vimos também que existem direitos indisponíveis (ex.:
direito à vida). Que expressão prática terá esse consentimento?
O ofendido não extingue o seu direito de personalidade, continua a ser seu titular, contudo,
o direito é comprimido no seu conteúdo útil, entre o direito à vida e os limites da ocupação social
que já vimos. Tem ainda de se conformar com os princípios da ordem pública, dos bons costumes e
respeitar o artigo 31.º CP.
1. Consentimento Vinculante
Não atribui um poder de agressão, mas justifica implicitamente a mesma. Por exemplo, se
alguém entrar nos serviços de urgência do hospital ferido, sem possibilidade de se pronunciar sobre
os tratamentos que lhe serão administrados, há lugar a um consentimento presumido, pois dá-se no
próprio interesse da pessoa. Não existe lugar à indemnização aqui pelo médico, apenas justificação
de ação pelos profissionais de saúde.
104
de agressão, isto é, tem que prestar um consentimento autorizante, na medida em que por não ser
em interesse próprio, não se pode presumir. Já o recetor precisa do rim, daí que o consentimento
aqui seja um consentimento tolerante. Se o doador mudar de ideias e não doar, não há nenhum
instrumento que possa demovê-lo dessa sua decisão. Pode, contudo, ter de indemnizar o recetor
pela frustração de expectativas criadas e despesas que poderão ter ocorrido, por ter criado uma
convicção que não se concretizou.
O consentimento levanta problemas nos casos dos menores, no sentido de quem é que deve
consentir nesses casos? Regra geral, são os representantes a consentir pelos menores, excepto no
consentimento autorizante, este é sempre prestado pelo menor.
Todavia, há situações em que quando os menores já têm alguma maturidade, eles podem ser
chamados a prestar o seu consentimento juntamente com os representantes legais. A doutrina
entende que essa maturidade para avaliar o sentido e o alcance, do futuro ato praticado, atinge-se
aos catorze anos - isto só acontece no consentimento tolerante.
Nunca poderia acontecer no consentimento vinculante, porque o menor não tem capacidade
para celebrar negócios jurídicos.
Nota: o consentimento é sempre revogável, mesmo que seja vinculante, claro está que essa
revogação poderá desencadear sanção.
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Os tratamentos médicos ou cirúrgicos não têm todos a mesma finalidade, intensidade e
prudência, pelo que o dever de esclarecimento do pessoal clínico é mais exigente e deve ser mais
rigoroso nas intervenções de procedimento de natureza não vitais.
Por exemplo, as estéticas, por não serem vitais convém que quem tome a decisão conheça
ao pormenor todas as complicações. Por outro lado, quem está numa situação de dependência vital,
não precisa de saber de forma tão rigorosa e exigente pois a alternativa não é a melhor, portanto
basta o conhecimento essencial das implicações positivas e negativas de um tratamento.
Aqui ganha relevância o Consentimento Presumido (art. 340º/3 CC), de que já falamos acima
- a intervenção dá-se no interesse da vítima e de acordo com a sua vontade presumida, logo o
consentimento presume-se (art. 150.º CP).
Caso não haja consentimento, nem presumido, nos tratamentos médicos e cirúrgicos há
sempre dano, há sempre lesão do direito, mas a diferença é:
106
Intervenções de benefício alheio
Por exemplo, a colheita e transplante de órgãos cujo regime é o da lei 12/93, nas doações de
órgãos e tecidos em benefício de outrem, há que ponderar dois fatores:
A questão jurídica torna-se mais complicada quando os órgãos não são regeneráveis (ex.
rins), a solução está em fazer o balanço do risco para o dador e o benefício para o recetor, tal como
o risco dos tratamentos técnicos envolvidos. O limite aqui é que não há cedência, não há
possibilidade de doação de elementos indispensáveis à vida, que comprometam ou possam
comprometer a vida humana (direito indisponível).
1. Colheita indevida
São sempre proibidas as dádivas feitas por menores ou incapazes e nunca é admitida
quando, com grande probabilidade, possa haver diminuição grave da integridade física do dador. Há
um dever de informação naturalmente acrescido para estas situações, como os riscos para o dador e
o dador pode especificar o beneficiário.
Apesar do princípio da gratuitidade, o dador tem direito a ser indemnizado pelos danos
sofridos, independentemente de culpa, através de uma responsabilização objetiva do hospital. Os
estabelecimentos hospitalares que efetuem estas intervenções têm um seguro obrigatório à
ressarcibilidade dos danos.
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2. Colheita em cadáveres
Somos todos potenciais doadores, a não ser que se manifeste uma vontade em contrário, daí
a existência do registo nacional de não dadores. O facto de a regra existir não significa que todos
possam ser doadores para efeitos não terapêuticos, ou seja, científicos ou investigação.
6 .Situações de Incapacidade
Já falamos da capacidade de gozo e de exercício no âmbito negocial. Para o direito é
relevante a incapacidade, porque só quando falta algo é que o direito é chamado a intervir.
1. Nulidade - forma mais radical de invalidade - insuprível a incapacidade de gozo. Quando falta
a capacidade de gozo (são poucos os casos), verdadeiramente não são incapacidades no
sentido estrito, porque as capacidades não são estatutárias, apenas existem limitações da
capacidade.
2. Anulabilidade - forma mais mitigada de invalidade - suprível - pode ser contornada através
da intervenção de outra pessoa, através da representação do incapaz.
Por exemplo: o menor por via de regra não tem capacidade de exercício, mas há alguém que
pode atuar por ele, no universo jurídico, os representantes legais. Portanto, há uma possibilidade de
suprir a incapacidade de exercício.
108
Assim, a representação legal é um meio de suprir a anulabilidade, o que significa que outra
pessoa pode agir no nome e em interesse do incapaz.
Uma outra forma de poder suprir a incapacidade é a figura da assistência, há autores que
afirmam que desapareceu do nosso ordenamento jurídico. Trata-se de um instituto que permite que
o incapaz atue, mas acompanhado do consentimento de certa pessoa ou entidade, isto é, uma
espécie de acompanhamento para a prática de determinados atos.
Esta diretiva tem uma importância individual no que diz respeito à projeção da vontade da
pessoa mesmo quando já não se encontra capaz de a excluir - art. 1 Lei 44/2018. Os procuradores
têm que ser maiores e encontrar-se capazes de dar o seu consentimento livre e esclarecido.
Capacidade
1. Incapacidades / Impedimentos
● Incapacidade nupcial dos menores - impedimentos dirimentes, obstando ao
casamento da pessoa com idade inferior a 16 anos.
● Impedimentos dirimentes relativos (art. 1602.º CC) - não são impedimentos gerais,
mas são impedimentos que contendem com a relação jurídica das pessoas (ex.:
incapacidade de casamento entre pessoas ligadas por parentesco).
2. Em matérias Sucessórias
● Artigo 2189.º - trata-se da incapacidade ativa dos menores que não podem realizar
testamentos.
● Artigo 1850.º - trata-se da incapacidade ativa dos menores, com menos de 16 anos,
que não podem perfilhar.
Estas são todas restrições à capacidade de gozo em função das próprias capacidades naturais
do sujeito. Existem como ultima ratio, e visam proteger a personalidade e o seu livre
desenvolvimento, ou seja, são, assim, estabelecidas em função dos interesses da pessoa. No caso dos
menores, cabe ao direito proteger o menor, considerando a sua idade e maturidade, proibindo,
assim, a adoção de determinados atos.
109
determinados atos. Não há situação de incapacidade, mas uma necessidade de assegurar o não
condicionamento da vontade, ou seja, todos os atos praticados aconteceram por vontade plena do
sujeito.
É o caso, por exemplo, do artigo 2194.º CC que estabelece que o testador não pode dispor a
favor do seu médico, enfermeiro ou sacerdote, se estes cuidaram dele durante a sua doença, sob
pena de nulidade. Aqui visa-se proteger tanto o de cuius com os seus herdeiros legitimários, na
medida em que se tenta garantir que há uma vontade plena na realização do testamento e que esta
não foi manipulada. Por haver um vínculo suscetibilidade entre o testador e as outras figuras, não
podem haver deslocações patrimoniais.
Há, no entanto, um traço comum a todas as causas de incapacidade de exercício sejam elas
de causa automática ou ponderada - são sempre estabelecidas no interesse do incapaz, pois o
estatuto de incapacidade é um estatuto protetor.
Contudo, as pessoas coletivas só podem estar no tráfego jurídico pela existência dos seus
órgãos. Caso um destes não exista, não estamos perante incapacidade, mas uma situação de
impossibilidade de exercício, porque logo que retomem os órgãos a pessoa jurídica pode atuar
autonomamente
7. Menoridade
A menoridade vem prevista no artigo 130.º CC. Até há pouco tempo, tínhamos um quadro
de figuras, para além da menoridade, que detinham uma incapacidade de causalidade automática.
Hoje, apenas existe a menoridade enquanto causa automática, pois o menor é sempre incapaz até
atingir os 18 anos. Em todos os outros casos, há que proceder a uma avaliação pontual, mas, por
regra, o maior é capaz.
Em suma:
➔ Os menores são sempre incapazes, exceto quando a lei a prevê em contrário - art. 127.ºCC.
➔ Todos os outros são sempre capazes, excepto quando a lei prevê em contrário - em direito
privado, tudo o que não é proibido, é permitido.
Para além disso, a menoridade é, ainda, uma incapacidade geral, isto é, abrange todos os
indivíduos e todos os negócios jurídicos, quer de natureza pessoal quer de natureza patrimonial - art.
123.º CC.
Como referido acima, a regra, na menoridade, é a incapacidade de exercício, mas a lei pode
prever exceções (art. 127.º):
110
1ª exceção - “administração ou disposição de bens que o maior de dezasseis anos haja
adquirido por seu trabalho”
O menor pode trabalhar a partir dos 16 anos (art. 55.º Código Trabalho), de forma
subordinada. Este pode também trabalhar autonomamente em prestação de serviços e, neste
âmbito, não há idade mínima. São os representantes do menor, ou seja, aqueles a quem incumbe a
responsabilidade parental, que determinam se é no interesse do menor a prestação do serviço.
2ª exceção - “os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao
alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de bens, de pequena
importância (negócios da vida corrente)”
Esta é uma exceção evolutiva, pois vai alargando à medida que a idade vai progredindo e a
sua personalidade se vai desenvolvendo. Contudo, a vida corrente do menor e pequena importância
são conceitos indeterminados, que dependem da vivência social do menor, pois no meio rural a vida
corrente do menor é logicamente diferente da vida corrente do menor no meio urbano. Assim, há
que fazer uma avaliação casuística e uma consideração subjetiva desse conceito.
Um exemplo desta exceção, é a compra dos títulos de transporte pelo menor que se desloca
de autocarro para a escola. É um contrato de compra e venda, mas está ao abrigo da capacidade
natural do menor de entender as implicações do seu ato.
3ª exceção - “os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha
sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício.”
Refere-se àqueles que têm atinência como profissão, arte ou ofício. Um exemplo desta
exceção são os hobbies dos quais é possível extrair rendimentos, como, por exemplo, os vendedores
de roupa nas lojas em segunda mão online. O menor pode validamente fazê-lo, desde que
autorizado a praticar os atos jurídicos provenientes dos negócios jurídicos.
111
Portanto, a venda pode ser anulada mas por quem? (art. 125.º/2)
Por outras palavras, o menor tem um ano após a maioridade, ou seja, até aos 19 anos, para
arguir a anulabilidade. Contudo, se nesse prazo de um ano, o menor morrer, os seus herdeiros
podem requerer a anulabilidade, mas apenas até ao momento em que o menor teria completado 19
anos. Atribui-se ao herdeiro, o direito do menor no requerimento.
Ainda no exemplo anterior, o negócio que A celebrou com B era um contrato de compra e
venda, às prestações. B não paga as últimas duas prestações, então A interpela B para o pagamento
das prestações, mas B é menor.
Ambas as vias são válidas para qualquer fundamento invocado, não são exclusivas da
menoridade. Estas vias relevam, porque enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a
anulabilidade ser requerida, sem dependência de prazo, tanto por via de ação como por via de
exceção (art. 287.º/2 CC).
112
A agiu de má-fé, uma vez que sabia que não tinha capacidade para celebrar aquele negócio e
mesmo assim criou a convicção oposta na contraparte, C. A lei aqui só tutela a parte mais fraca e,
portanto, por ter agido com dolo, o menor não pode invocar a anulabilidade do negócio.
Nota: se o menor perder o seu direito de invocar a anulabilidade, os seus herdeiros também
o perdem porque o seu direito não é autônomo, mas apenas visa a tutelar o direito do menor.
Nestas quatro situações, o menor fica sujeito a tutela, visto que está impossibilitado o
exercício das responsabilidades parentais.
A violação dos deveres parentais é sancionada para proteção dos interesses do menor. Esta é
uma incapacidade de exercício geral que atinge todas as pessoas nesta fase do desenvolvimento.
Todavia, há outras pessoas que para além da maioridade têm circunstâncias naturalistas que podem
contender com a sua autodeterminação.
Acompanhamento de Maiores
113
O menor pode pedir o acompanhamento a partir dos 17 anos (art. 142.º CC), mas antes disso
não faria sentido, visto que a menoridade, em si, é um regime protetor.
- O próprio.
- O cônjuge, unido de facto ou parente sucessível, mediante autorização do próprio.
- O ministério público, independentemente de autorização. Pode ainda acontecer que o
próprio não consiga prestar a sua declaração, ou autorizar a declaração de outrem e, nesses
casos, o tribunal pode suprir essa declaração (art. 141.º/2).
Tem legitimidade para escolher o acompanhante, o próprio acompanhado (art. 143.º/1), mas
caso o acompanhado não preste declarações nesse sentido, por ordem, podem escolher:
114
A regra, na maioridade, é a capacidade de exercício, portanto, o tribunal terá que recorrer
aos meios que menos restrinjam a liberdade do acompanhado. O acompanhante pode ser decretado
apenas para administração dos bens do acompanhado ou para a mera prática de determinados atos,
mediante autorização do tribunal (art. 145.º/2).
Nesta última hipótese, não chegamos a ter uma tutela do acompanhado, mas apenas uma
situação de assistência ao acompanhado.
Capacidade do Acompanhado
Quais as consequências jurídicas atribuídas à inobservância das medidas decretadas pelo tribunal, na
prática de atos pelo acompanhado?
Nesta última hipótese, já se sabe que vai existir um processo de acompanhamento, mas não
se sabe se, no processo, o sujeito vai ser acompanhado. Assim, os atos praticados nesse período de
tempo são anuláveis, mas condicionalmente, pois está condicionada à existência de uma condição
final e ao prejuízo do acompanhado.
115
2. Não há processo processo pendente ao acompanhamento - incapacidade incidental (art.
154.º/3 CC).
Contudo, e se o sujeito atinge a maioridade, ainda não lhe foi atribuído o regime do
acompanhamento e este também já não goza do regime da menoridade? À partida não haveria
problema, mas supondo que o agente, devido a determinada condição, pratica um ato, o qual não
quis e não entendeu? O regime protetor aqui aplicável é a incapacidade acidental.
Incapacidade Acidental
“1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava
acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua
vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”
“2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar”
Este artigo diz-nos que é anulável qualquer ato praticado por quem celebrou um negócio
jurídico, o qual não conseguiu consentir. Contudo, só é anulável se o declaratário, com quem o
incapaz celebrou o negócio, soubesse do estado de incapacidade do declarante e aproveitou-se
dessa incapacidade. Se o declaratário estava ciente da declaração negocial, não tem que ser
protegido, deve antes tutelar-se a posição do declarante incapaz.
Por exemplo, A vai a uma festa com B e consome substâncias psicotrópicas. Ao sair da festa
onde se encontram, A vende a B um relógio de herança de família. Aqui B age de má-fé e o ato é
anulável, e considera-se que age de má-fé, porque sabe do estado de incapacidade de A e
aproveita-se disso para comprar o relógio. Note-se que, se B não soubesse do estado de
incapacidade de A, a venda do relógio seria válida.
E mesmo que B, efetivamente, não se tivesse apercebido, mas fosse exigível que tivesse,
porque era notório para a pessoa diligente, agiu de boa-fé com culpa. Sendo o ato anulável, A pode
sempre sanar o vício, mediante confirmação, quando reestabelecer o seu estado de capacidade e o
negócio torna-se válido (art. 288.º).
O regime deste artigo não é exclusivamente desenhado para proteção do incapaz, concilia
estas duas realidades e pode aplicar-se a qualquer pessoa, independentemente das suas
características pessoais e estruturais. Assim, este artigo tem uma solução que se dirige tanto à
situação de privação de vontade como a situações estruturais.
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Para este artigo, releva o resultado e não o motivo da incapacidade acidental, por exemplo
não interessa se o motivo da incapacidade deriva da incapacidade pelo consumo de substâncias
psicotrópicas. Apesar de ser exigível diligência por parte do sujeito que não deveria ter consumido
essas substâncias, é muito mais exigível que ninguém se tivesse aproveitado do seu estado.
Mandato
O artigo 156.º CC estabelece o direito à constituição do mandato (art. 1157.º CC) - pode
acontecer que o acompanhado preveja a possibilidade de vir a necessitar de acompanhamento que o
pode privar da sua autonomia, pelo que constitui um mandato, com ou sem representação, para
gestão dos seus interesses.
1. Mandato com representação (art. 1178.º) - os atos que o representante pratique vão
produzir efeitos jurídicos na esfera do representado.
2. Mandato sem representação (art. 1180.º) - não há representação, ou seja, os direitos e
obrigações entram na esfera jurídica do mandatário, e não do representante, que os faz
passar para o mandante.
Até agora vimos algumas situações de incapacidade que surgem como forma de tutela do
indivíduo, tanto dos menores como dos acompanhados onde está em causa um interesse próprio.
Analisemos agora essa incapacidade ao nível do interesse externo:
➔ Artigo 1682.º - os cônjuges não podem autonomamente per si alienar ou onerar móveis
utilizados conjuntamente pelos cônjuges ou móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge
que não os administra.
➔ Artigo 1682.º-A - se sob os cônjuges vigorar o regime de comunhão geral de bens, a
alienação, oneração, constituição ou locação de direitos pessoais de gozo sobre imóveis ou
sobre a casa de morada de família e do estabelecimento comercial carece de consentimento
do cônjuge.
➔ Artigo 1682.º-B - A resolução, a oposição à renovação ou a denúncia do contrato de
arrendamento pelo arrendatário, a revogação do arrendamento por mútuo consentimento, a
cessão da posição de arrendatário e o subarrendamento ou o empréstimo carecem de
consentimento do cônjuge.
➔ Artigo 1683.º - o repúdio da herança só pode ser feito com o consentimento do cônjuge, se
entre eles vigorar o regime de comunhão geral de bens.
➔ Artigo 1684.º - o suprimento da legitimidade do ato aqui é feito pelo consentimento do
outro. Pode acontecer, contudo, que haja um impasse no suprimento desse consentimento,
117
se o outro cônjuge se recusar a prestá-lo e essa for uma recusa injusta. Nestes casos, pode o
tribunal suprir oficiosamente esse consentimento.
Nota: trata-se de um consentimento pontual, isto é, nunca pode ser dado genericamente.
➔ Artigo 1687.º
- O número 1 consagra que se um dos cônjuges praticar um ato que careça do
consentimento do outro e este não tenha, efetivamente, prestado esse
consentimento, o ato é anulável.
- O número 2 consagra que o requerente da anulabilidade (cônjuge cujo
consentimento não foi prestado) pode fazê-lo nos 6 meses subsequentes à data em
que o mesmo teve conhecimento da prática do ato. Contudo, o direito a arguir a
anulabilidade caduca se já tiverem ocorrido 3 anos desde a prática do ato, mesmo
que o requerente só tenha tido conhecimento do ato agora.
Note-se que esta é uma norma especial face ao artigo 287.º que estabelece que a
anulabilidade por ser invocada no ano subsequente à data em que o requerente teve conhecimento
do ato. Porquê a redução para 6 meses? Justifica-se que este prazo acordado seja mais curto, porque
a prática do ato acontece num universo próximo, em que há contacto relativamente próximo entre o
requerente e o requerido dos bens em causa.
A título de nota final, realce-se apenas que todas estas restrições são introduzidas no
interesse da proteção do núcleo conjugal, daí o seu interesse externo - vai para além do interesse do
sujeito.
A localização espacial das pessoas tem, por lei, várias implicações positivas ou negativas.
O domicílio tem um relevo positivo porque serve de determinante para uma série de
decisões jurídicas:
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Manifestações de Relevo Negativo
1. Domicílio voluntário geral (art. 82.º CC) - parte-se do princípio que o sujeito tem uma
residência habitual e, portanto, o domicílio é na residência habitual. O número dois deste
artigo consagra que, na eventualidade de não haver um uma residência habitual,
considera-se domicílio a residência ocasional do sujeito. Caso a residência ocasional também
não possa ser identificada, considera-se domicílio, o lugar onde a pessoa se encontra -
paradeiro (este adquire relevo jurídico no quadro do artigo 225.º CC).
2. Domicílio profissional (art. 83.º CC) - o domicílio profissional corresponde ao lugar onde o
sujeito exerce a sua profissão (se o mesmo trabalha num domicílio diferente daquele em que
vive, nas relações profissionais, considera-se o domicílio profissional e nas relações pessoais,
considera-se o domicílio habitual / ocasional / paradeiro).
3. Domicílio dos menores e dos maiores acompanhados (art. 85.º CC) - existem regras de
fixação do domicílio especiais para os menores e os maiores acompanhados.
4. Domicílio necessário (art. 87.º CC) - o local onde os empregados públicos, civis e militares
exerçam os seus cargos, é necessariamente o seu domicílio.
5. Os agentes diplomáticos portugueses que invoquem a extraterritorialidade, encontram-se
domiciliados em Lisboa.
Ausência
Devido ao fenômeno da ausência (art. 89.º e ss. CC), o domicílio tem um relevo mais
negativo do que positivo, sendo que ausência corresponde à quebra da pessoa com o seu conhecido,
isto é, uma ignorância do seu paradeiro e impossibilidade de a contactar.
Estas são as três fases que decorrem a partir da ausência do sujeito, note-se que estas não
estão ligadas por um nexo necessário, ou seja, cada uma delas não leva necessariamente à seguinte e
pode chegar-se a qualquer uma delas, sem ter passado pelas anteriores, mediante verificação dos
seus requisitos.
Curadoria Provisória
A curadoria provisória justifica-se quando haja ausência sem notícias do sujeito, mas uma
necessidade de prover a administração dos seus bens e não haja representante legal ou procurador,
119
ou no caso de haver, estes renunciaram às suas funções. Nestes casos, o Tribunal deve nomear um
curador provisório.
Pode ser nomeado curador, o cônjuge do ausente, algum herdeiro presumido, ou algum ou
alguns dos interessados na conservação dos bens; na eventualidade, de haver um conflito de
interesses entre o ausente e o curador, designa-se um curador especial (art. 92.º CC).
O curador não é só in bonis, mas também ad litem, como refere o Dr. Orlando de Carvalho,
ou seja, este tem que pagar uma caução, após a entrega dos bens do ausente ao curador. Se o
curador não prestar a caução, será nomeado outro em lugar dele (art. 93.º CC).
O curador, no âmbito dos seus direitos e obrigações, está muito limitado, na medida em que
apenas pode agir para fins defensivos e conservativos (art. 94.º/2 CC).
O curador é ainda obrigado a prestar contas relativamente à prática dos seus atos (art. 95.º
CC) e pode ser substituído, como já vimos, se se mostrar inconveniente para o cargo (art. 97.º CC). A
curadoria provisória cessa nos seguintes termos:
1. Regresso do ausente
2. Apesar de afastado, o ausente nomeia alguém que administre os seus bens. Há um ato do
próprio ausente que restabelece a conexão com o centro de imputação da sua vida.
3. Comparência da pessoa que represente legalmente o ausente ou do procurador, que
inicialmente não se sabia que existia
4. Passamos para a curadoria definitiva
5. Morte do ausente
Na curadoria provisória, presume-se (ius tantum) que o ausente está vivo. O ausente, a partir
do momento em que entra em curadoria provisória, está inibido de exercer as suas
responsabilidades parentais. Por maioria de razão, o mesmo acontece na curadoria definitiva e na
morte presumida.
Curadoria Definitiva
A abertura da sucessão determina este interesse de prover à administração dos bens mas,
simultaneamente, antecipar a possibilidade de não haver regresso por parte do ausente. Todas as
obrigações que o ausente contrarie, em vida, ficam suspensas - quiescência (art. 106.º CC).
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Se o ausente for casado, pode o cônjuge requerer partilha dos bens para não ficar numa
situação indefinida quanto à gestão patrimonial (art. 108.ºCC). A curadoria definitiva cessa, nos
seguintes termos (art. 112.ºCC):
1. Regresso do ausente
2. Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside;
3. Morte do ausente
4. Passamos para a morte presumida
Se o agente regressa ou há notícia de que está vivo, os bens do ausente, que estavam a cargo
dos curadores definitivos, retomam à sua esfera jurídica se ele assim o quiser. Se nada fizer,
continuam na esfera jurídica dos curadores (art. 113.º). Na curadoria definitiva, a presunção de vida
e de morte equilibra-se.
Morte Presumida
Há lugar à morte presumida quando decorreram dez anos desde a última vez que o ausente
deu notícias ou cinco anos, se o ausente houver completado oitenta anos de idade (art. 114.º/1). A
morte presumida nunca será declarada se o ausente ainda não tiver completado vinte e três anos
(art. 114.º/2)
A morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte (art. 115.º CC). Este artigo tem de
se ler em termos hábeis, porque apesar do descrito, há que considerar que o ausente pode sempre
regressar, pode efetivamente morre, mas a data da morte real não coincide com a data da morte
presumida e, ainda, não desaparecem os seus direitos de personalidade.
Não há dissolução ipso facto da temática do casamento pela morte presumida, mas se o
cônjuge do ausente quiser casar novamente, pode fazê-lo e se regressar o ausente, considera-se o
primeiro casamento dissolvido por divórcio (art. 116.ºCC). Todavia, é lógico que havendo regresso do
ausente e não tendo havido segundas núpcias, o casamento volta ao seu pleno vigor - fica apenas
numa situação de quiescência, revivescendo logo que haja notícias.
Na eventualidade do ausente regressar, este tem direito à devolução dos seus bens, contudo
esta só tem a extensão que tiver a boa-fé dos sucessores (art. 119.º). Os herdeiros ou outros
sucessores ficam na titularidade dos bens, podendo usar e dispor deles livremente. Assim, apesar de
serem obrigados a devolver os bens, não são obrigados a devolvê-los da forma que os receberam.
Por exemplo, C recebe o bem X, mas vende-o por 50 000 euros; o ausente tem direito aos 50 000
euros, mas não ao bem X.
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Há, contudo, direito a indemnização do ausente, se houver má-fé que resulte em prejuízo
para o mesmo (art. 119.º/2) - a má-fé aqui resulta do conhecimento de que o ausente sobreviveu à
data da morte presumida (art. 119.º/3 CC).
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