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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Turma: CPV B 22023


Disciplina/Matéria: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sessão: 03 - Dia 25/07/2023 - 08:00 às 09:50
Professor: DANIEL KONDER DE ALMEIDA

03 Tema: Dos Conselhos Tutelares. Visão Geral. Estrutura. Escolha dos Conselheiros e
Impedimentos. Atribuição e Limite territorial de atuação. Competência. Controle. Aplicação de
medidas específicas do artigo 101, I a VII do ECA. Atendimento e Aconselhamento de pais e
responsáveis e medidas previstas no artigo 129, I a VII do ECA. Encaminhamento ao Ministério
Público e Autoridade Judiciária. Assessoramento ao Poder Executivo. Representação prevista no
artigo 220, §3º, II da CRFB. Fiscalização das Entidades de Atendimento. Fundo da Infância e
Adolescência.

1ª QUESTÃO:
É possível a aplicação de medida protetiva de acolhimento institucional pelo Conselho Tutelar?
Resposta objetivamente fundamentada.

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RESPOSTA:
SUGESTÃO DE GABARITO FORNECIDO PELA BANCA:

Conforme o disposto no art. 101, §2º da Lei 8.069/90 (ECA), o afastamento da criança ou adolescente
do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária. Assim, em regra, o
Conselho Tutelar não pode aplicar a medida protetiva de acolhimento institucional sem prévia decisão
do juízo competente, cabendo-lhe, nos termos do art. 136, parágrafo único do ECA, comunicar ao
Ministério Público os casos em que considerar tal medida necessária, visando à deflagração de
procedimento judicial contencioso. No entanto, em caráter excepcional e de urgência, o art. 93 do
ECA prevê que as entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão acolher
crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do
fato em até 24 horas ao juiz da infância e juventude, possibilidade que se estende ao Conselho
Tutelar, segundo entendimento dominante.

COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO:

"44. Medidas emergenciais: como regra, o afastamento da criança ou adolescente de seu núcleo
familiar natural é da competência exclusiva da autoridade judiciária, mas, como exceção, qualquer
autoridade (Conselho Tutelar, MP, Delegado de Polícia) pode salvaguardar interesse imediato do
menor, quando vítima de violência ou abuso sexual (e outras formas de maus-tratos graves), levando-
a para um abrigo, que o recepciona e comunica, em 24 horas, ao juiz (art. 93, ECA)."
(NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: em busca da
Constituição Federal das Crianças e dos Adolescentes. 2 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2015, pág. 345).

"a) A aplicação das medidas específicas de proteção constantes do art. 101, I a VII

A primeira atribuição assinalada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 136, I) consiste no
atendimento da população infantojuvenil, nas hipóteses dos arts. 98 e 105, por meio da aplicação das
medidas protetivas elencadas no art. 101, I a VII, da mesma lei.
Pode-se afirmar, resumidamente, que aplicar medida de proteção significa "tomar providências, em
nome da Constituição e do Estatuto, para que cessem a ameaça ou violação de direitos da criança e do
adolescente". Daí por que, na qualidade de órgão responsável pela salvaguarda dos direitos
infantojuvenis, no caso concreto, é o conselho tutelar, por excelência, quem deverá aplicar a maioria
das medidas protetivas vislumbradas pelo legislador.
As medidas específicas de proteção elencadas no art. 101 do ECA, cuja atribuição primeira é do
conselho tutelar, são: I -encaminhamento aspais ou responsável, mediante t

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ermo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e


frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa
comunitário ou oficial de auxílio à família, a criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento
médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos e VII - acolhimento
institucional.
Cabe ao conselho tutelar, verificada situação de risco pessoal ou social de determinada criança ou
adolescente (art. 98 do ECA), utilizar-se destas medidas protetivas, isolada ou cumulativamente, na forma
que melhor se adequar às peculiaridades do caso concreto.
Vale ressaltar que as únicas medidas de proteção das quais o conselho tutelar não pode lançar mão no
exercício de suas atribuições são: a inclusão em programa de acolhimento familiar e a colocação em
família substituta; tais medidas estão previstas, respectivamente, nos incs. VIII e IX do art. 101 do ECA e
são de competência exclusiva da autoridade judiciária.
Observe-se que a Lei n. 12.010/2009, responsável por várias alterações no Estatuto da Criança e do
Adolescente no campo das medidas de proteção, não retirou do conselho tutelar a atribuição para a
aplicação da medida protetiva de acolhimento institucional, denominada, na redação original do ECA, de
"abrigo em entidade".
Limitou, contudo, a sua esfera de atuação ao impedir-lhe que afaste a criança ou o adolescente do
convívio familiar - aqui compreendidas a família natural e extensa -, ainda que com a sua concordância
ou a de seus familiares. Também explicitou a regra - a qual se extraía a partir da interpretação lógico-
sistemática da lei - no sentido de que, ao conselho tutelar não seria possível a aplicação da medida de
acolhimento institucional, em oposição à vontade dos pais ou responsáveis. Em ambos os exemplos, cabe
ao conselho tutelar buscar nos demais órgãos integrantes do Sistema de Justiça (ex.: Ministério Público,
Defensoria Pública, Poder Judiciário ou Delegacias de Polícia) a adoção das providências pertinentes. Em
conclusão: a regra é que a medida de acolhimento institucional somente seja determinada pelo conselho
tutelar nos casos em que, ausente qualquer referência familiar, a única medida apta a proteger a criança ou
o adolescente for o seu encaminhamento a entidade de acolhimento.
Nessa linha é o §2º do art. 101 do ECA, segundo o qual "sem prejuízo da tomada de medidas
emergenciais para a proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o
art. 130 desta Lei, o afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar é de competência
exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de
quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao
responsávellegal o exercício do contraditório e da ampla defesa" (grifos

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datranscrição).
Assim, se no exercício de suas atribuições o conselho tutelar entender necessário o afastamento de
determinada criança ou adolescente do convívio de sua família - repita-se, natural ou extensa -, não
poderá fazê-lo por conta própria. Deverá proceder a imediata comunicação ao Ministério Público,
fazendo acompanhar desta comunicação o elenco de motivos que justificam tal entendimento e as
providências tomadas para orientação, o apoio e a promoção da família (art. 136, parágrafo único, do
ECA). São exceções a esta regra as situações de crimes em flagrante ou de risco iminente à vida ou à
integridade física de criança ou adolescente, caso em que qualquer do povo pode afastá-los do convívio
familiar e, com muito mais autoridade, o conselho tutelar."
(MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente:
aspectos teóricos e práticos - 6 ed. rev. e atual. conforme Leis n. 12.010/2009 e 12.594/2012 - São
Paulo: Saraiva, 2013 - pág. 487-489).

"6 Acolhimento institucional (abrigamento) da criação ou adolescente

O acolhimento institucional atualmente é ordenado pelo juiz menorista, necessitando da expedição de


guia. Contudo no caso de emergência, pode o Conselho realiza-lo, com imediata comunicação ao juiz
menorista."
(ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 16. ed. São
Paulo: Atlas, 2015. p. 350).

Neste sentido, merecem destaque algumas decisões dos Tribunais de Justiça do país:

"APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MEDIDA PROTETIVA


DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. SITUAÇÃO DE RISCO VERIFICADA. 1. GENITOR
QUE NÃO APRESENTA CONDIÇÕES DE PROPORCIONAR DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL
À FILHA ADOLESCENTE, VÍTIMA DE MAUS-TRATOS, NEGLIGÊNCIA E PORTADORA DE
SAÚDE MENTAL FRAGILIZADA. 2. CASO CONCRETO EM QUE FOI NECESSÁRIA A
TOMADA DE MEDIDAS EMERGENCIAIS PELO CONSELHO TUTELAR, A FIM DE
AFASTAR A MENOR DO CONTEXTO DE RISCO

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NOQUAL SE ENCONTRAVA INSERIDA. INSTITUCIONALIZAÇÃO MANTIDA.


PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MÁXIMA PROTEÇÃO À ADOLESCENTE.
PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 3. SENTENÇA CONFIRMADA.
APELO DESPROVIDO."
grifei
(TJRS. Sétima Câmara Cível. Apelação Cível n. 5006863-53.2019.8.21.0035. Relatora Des.
Sandra Brisolara Medeiros. Julgado em 31/08/2022).

"RESPONSABILIDADE CIVIL. AFASTAMENTO DE GÊMEAS NASCIDAS


PREMATURAMENTE DO CONVÍVIO FAMILIAR E ÓBITO DE UMA DAS INFANTES
DURANTE O ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PELO CONSELHO TUTELAR. PEDIDO
DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E PENSÃO VITALÍCIA. ALEGAÇÃO
DE QUE O AFASTAMENTO OCORREU DE FORMA ARBITRÁRIA E QUE O ÓBITO DE UMA
DAS GÊMEAS SE DEVEU AO AFASTAMENTO EQUIVOCADO DA CRIANÇA DO
CONVÍVIO FAMILIAR. CONJUNTO PROBATÓRIO, NO ENTANTO, QUE CONFIRMA A
EXISTÊNCIA DE NEGLIGÊNCIADOS GUARDIÕES. CRIANÇAS SUBMETIDAS A MÁS
CONDIÇÕES DE HIGIENE E CUIDADOS. LEGITIMIDADE DA ATUAÇÃO DO ENTE
MUNICIPAL NA DECISÃO QUE DETERMINOU O ACOLHIMENTO. MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
INTEGRAL. PROVAS, ADEMAIS, QUE INDICAM QUE O ABRIGO OFERTOU TODOS OS
CUIDADOS NECESSÁRIOS ÀS INFANTES E QUE O ÓBITO OCORREU EM RAZÃO DA
GRAVIDADE DOS PROBLEMAS DE SAÚDE QUE JÁ ACOMETIA UMA DAS CRIANÇAS.
INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO POR PARTE DOS PREPOSTOS DOS RÉUS. REQUISITOS
DA RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO PREENCHIDOS. AUSENTE O DEVER DE
INDENIZAR. SENTENÇA IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO.
Ausentes os requisitos para a caracterização da responsabilidade civil do Estado conforme elencando
no art. 37, §6º, da CRFB/88, inexiste o dever de indenizar."
Grifei
(TJSC. Segunda Câmara de Direito Público. Apelação Cível 0018655-40.2011.8.24.0018. Relator
Des. Francisco Oliveira Neto. Julgado em 28/05/2019).

2ª QUESTÃO:
Pergunta-se: Conselho Tutelar pode acolher emergencialmente uma criança/adolescente, conforme
prevê o art. 93 da Lei 8.069/90, devendo notificar a autoridade judiciária em até 24h. Será que ele
pode, ao invés de acolher, entregar a alguém da família extensa?

RESPOSTA:
Enunciado 04 do Fonajup: “O Conselho Tutelar, em respeito ao princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente e em analogia ao artigo 93 do ECA, poderá deixar crianças ou adolescentes
encontrados em situação emergencial de risco aos cuidados da família extensa, a fim de evitar o
acolhimento, comunicando em 24 horas à autoridade judiciária e ao Ministério Público, devendo
também iniciar procedimento administrativo para acompanhamento do caso e, no ato da entrega,
notificar, por escrito, sobre a necessidade de busca imediata de advogado ou defensoria pública para
eventual regularização da guarda.”
(Enunciados Consolidados do Fórum Nacional da Justiça Protetiva - Fonajup).

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Turma: CPV B 22023


Disciplina/Matéria: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sessão: 04 - Dia 25/07/2023 - 10:10 às 12:00
Professor: DANIEL KONDER DE ALMEIDA

04 Tema: A criança e o adolescente na normativa internacional. Declaração Universal do Direito das


Crianças (1959). Convenção sobre Direito da Criança da ONU. Convenção 182 OIT. Convenção
sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças e Convenção relativa à Proteção das
Crianças e a Cooperação em matéria de Adoção Internacional concluída na HAIA em 29 de maio
de 1993 (Decreto 3087 de 21 de junho de 1999). Regras Mínimas das Nações Unidas para
Proteção de Jovens Privados de Liberdade. Regras Mínimas das Nações Unidas para
Administração da Justiça da Infância e Juventude (Regras de Beijing). Diretrizes das Nações
Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil - Diretrizes de Riad (1990). As sugestões e
recomendações gerais do Comitê sobre os Direitos da Criança.

1ª QUESTÃO:
Com base no sistema especial de proteção à infância, pensado pelo legislador constituinte, o Brasil
adotou no texto constitucional de 1988 a chamada doutrina da proteção integral, estatuindo-a em seu
art. 227. É possível, com base em referida doutrina e no princípio da prioridade absoluta, com assento
constitucional, inclusive, declarar a validade de interceptação telefônica obtida sem autorização
judicial em ação de destituição de poder familiar?
Justifique sua resposta, explicando a forma pela qual poderá suposto conflito ser resolvido, dado o
quanto previsto no art. 5º, LVI, da CF. Conceitue também em sua resposta a doutrina da proteção
integral sem repetir o texto legal/constitucional atinente à espécie, trazendo ainda seus conhecimentos
sobre a evolução e/ou antecedentes históricos do instituto no Brasil.

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RESPOSTA:
CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA
MAGISTRATURA DO ESTADO DE MATO GROSSO

No sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente, a questão das provas ilícitas deve
receber tratamento diferenciado em relação aos demais ramos do Direito, pois a inadmissibilidade das
provas ilícitas, se pensada como algo absoluto e que não comporta qualquer flexibilização, faz com
que em alguns casos, como, v.g., numa ação de destituição de poder familiar, não se vislumbre outro
meio que permita salvaguardar um direito fundamental de maior relevância.
De fato, a possibilidade de se valer de uma interceptação telefônica obtida sem autorização judicial,
mas com o intuito de dela se valer para comprovação de práticas indevidas por parte de um dos
genitores, ou até a prática de pedofilia, que resultará em alterações no processo de desenvolvimento
psíquico, intelectual, emocional por toda a vida da criança/adolescente, viabiliza a concretização da
chamada proteção integral, que tem como fundamento a concepção de que crianças e adolescentes são
sujeitos de direitos, frente à família, à sociedade e ao Estado.
A doutrina da proteção integral rompe com a ideia de que crianças e adolescentes sejam simples
objetos de intervenção no mundo adulto, colocando-os, pois, como titulares de direitos comuns a toda
e qualquer pessoa, bem como de direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em
processo de desenvolvimento.
A esse respeito, anote-se, pois, que, anteriormente à doutrina da proteção integral adotada no ECA,
vigorava, no antigo Código de Menores (Lei 6.697/79), a chamada doutrina da situação irregular, que,
em apertada síntese, não tratava as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, mas sim como
objeto de medidas judiciais.
É o princípio da proporcionalidade que permitirá o sopesamento de princípios e direitos e, no caso em
questão, malgrado haja posicionamentos contrários, considera-se que nenhum direito pode ter caráter
absoluto, razão por que é possível sim considerar-se como válida interceptação telefônica sem
autorização judicial em ação de destituição de poder familiar, o que se admite em defesa e em nome
dos que realmente necessitam de proteção, como é o caso das crianças e adolescentes, indivíduos
desprotegidos, a quem se dedica proteção integral e prioridade absoluta, segundo o sistema de
proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na doutrina, cumpre destacar as lições trazidas pela Promotora de Justiça Dra. Andréa
Rodrigues Amin, constante na obra organizada pela Promotora de Justiça Dra. Kátia Regina
Ferreira Lobo Andrade Maciel, intitulada Curso de Direito da Criança e do Adolescente:

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AspectosTeóricos e Práticos, quanto à conceituação da doutrina da proteção integral e a sua


evolução, a partir da antiga doutrina da situação irregular adotada pelo Código de Menores, a
saber:

"3. Da situação irregular à proteção integral

A doutrina da proteção integral, estabelecida no art. 227 da Constituição da República, substituiu a


doutrina da situação irregular, oficializada pelo Código de Menores de 1979, mas de fato já implícita no
Código Mello Mattos, de 1927.
Trata-se, em verdade, não de uma simples substituição terminológica ou de princípios, mas sim de uma
mudança de paradigma.
A doutrina da situação irregular, que ocupou o cenário jurídico infantojuvenil por quase um século, era
restrita. Limitava-se a tratar daqueles que se enquadravam no modelo predefinido de situação irregular,
estabelecido no art. 2º do Código de Menores.
Compreendia o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória,
em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; as vítimas de maus-tratos; os que estavam em
perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrários aos bons costumes; o autor de
infração penal; e ainda todos os menores que apresentassem "desvio de conduta, em virtude de grave
inadaptação familiar ou comunitária".
Aqui se apresentava o campo de atuação do Juiz de Menores, restrito ao binômio carência-delinquência.
Todas as demais questões que envolvessem crianças e adolescentes deveriam ser discutidas na Vara de
Família e regidas pelo Código Civil.
Segundo Roberto da Silva, "se os conceitos ontológicos fundamentam o capítulo referente à família no
Código Civil brasileiro, dando origem a um ramo das ciências jurídicas, que é o Direito de Família, os
hábitos e os costumes social e culturalmente aceitos no Brasil fundamentaram uma legislação paralela, o
Direito do Menor, destinada a legislar sobre aqueles que não se enquadravam dentro do protótipo familiar
concebido pelas elites intelectuais e jurídicas".
O Juiz de Menores centralizava as funções jurisdicional e administrativa, muitas vezes dando forma e
estruturando a rede de atendimento. Enquanto era certa a competência da Vara de Menores, pairavam
indefinições sobre os limites da atuação do Juiz.
Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei para regularizar a situação dos
menores, a prática era de uma atuação segregatória na qual, normalmente, estes eram levados para
internatos ou, no caso de infratores, institutos de detenção mantidos pela Febem. Inexistia preocupação
em manter vínculos familiares, até porque a família, ou a falta dela, eraconsiderada a causa da

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situação irregular.
Em resumo, a situação irregular era uma doutrina não universal, restrita, de forma quase absoluta, a um
limitado público infantojuvenil.
Segundo José Ricardo Cunha, "os menores considerados em situação irregular passam a ser identificados
por um rosto muito concreto: são os filhos das famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos,
vindos do interior e das periferias".
Não era uma doutrina garantista, até porque não enunciava direitos, mas apenas predefinia situações e
determinava uma atuação de resultados. Agia-se apenas na consequência e não na causa do problema,
"apagando-se incêndios". Era um Direito do Menor, ou seja, que agia sobre ele, como objeto de proteção
e não como sujeito de direitos. Daí a grande dificuldade de, por exemplo, exigir do Poder Público
construção de escolas, atendimento pré-natal, transporte escolar, direitos fundamentais que, por não
encontrarem previsão no código menorista, não sendo titularizados por sujeitos de direitos - já que a esse
tempo ainda não se reconhecia às crianças e adolescentes esse status -, esbarravam na ausência de tutela
jurídica.
A doutrina da proteção integral, por outro lado, rompe o padrão preestabelecido e absorve os valores
insculpidos na Convenção dos Direitos da Criança. Pela primeira vez, crianças e adolescentes titularizam
direitos fundamentais, como qualquer ser humano cuja dignidade é passível de proteção como valor em
si. Passamos, dessa forma, a ter um Direito da Criança e do Adolescente amplo, abrangente, universal e,
principalmente, exigível, em substituição ao Direito do Menor.
A conjuntura político-social vivida nos anos 1980, de resgate da democracia e busca veemente por
direitos humanos, acrescida da pressão de organismos sociais nacionais e internacionais, levou o
legislador constituinte a promulgar a "Constituição Cidadã", e nela foi assegurado com absoluta
prioridade às crianças, adolescentes e ao jovem o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
A responsabilidade de assegurar o exercício e o respeito a esses direitos foi diluída solidariamente entre
família, sociedade e Estado, em uma perfeita cogestão e corresponsabilidade.
Apesar de o art. 227 da Constituição da República ser definidor, em seu caput, de direitos fundamentais e,
portanto, ser de aplicação imediata, coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a construção sistêmica
da doutrina da proteção integral.
A nova lei, como não poderia deixar de ser ab initio, estendeu seu alcance a todas as crianças e
adolescentes, indistintamente, respeitada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Para fins protetivos, foi levado, em linha de conta, eventual risco social, situação predefinida no art. 98 da
Lei n. 8.069/90, e não mais a situação irregular. Trata-se de um tipo aberto, conforme a melhor técnica
legislativa, que permite ao juiz e a operadores da rede maior liberdade na análise dos casos que ensejam
medidas de proteção. O art.98 não é uma norma limitadora da aplicação

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do ECA, mas delimitadora, principalmente, do campo de atuação do Juiz da Infância na área não
infracional.
Com o fim de dar efetividade à doutrina da proteção integral, a nova lei previu um conjunto de medidas
governamentais aos três entes federativos, por meio de políticas sociais básicas, políticas e programas de
assistência social, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de
negligência, maus-tratos e abuso, e proteção jurídico-social por entidades da sociedade civil.
Adotou-se o princípio da descentralização político-administrativa, materializando-o na esfera municipal
pela participação direta da comunidade por meio do Conselho Municipal de Direitos e do Conselho
Tutelar. A responsabilidade pela causa da infância ultrapassa a esfera do poder familiar e recai sobre a
comunidade da criança ou do adolescente e sobre o poder público, principalmente o municipal, executor
da política de atendimento, de acordo com o art. 88, I, do ECA.
Ao Juiz coube a função que lhe é própria: julgar. A atuação ex officio é exceção. Não está elencada nos
arts. 148 e 149 da legislação estatutária, mas apenas restrita à função judicante e normativa. Agora é a
própria sociedade, por meio do Conselho Tutelar, que atua, diretamente, na proteção de suas crianças e
adolescentes, encaminhando à autoridade judiciária os casos de sua competência e ao Ministério Público
notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos infantojuvenis.
A atuação do Ministério Público no sistema garantista do ECA foi sobremaneira ampliada seguindo a
tendência preconizada pela Constituição Federal, que promove o Parquet a agente de transformação
social. Às atribuições listadas no art. 210 somam-se as ferramentas que lhe permitem exercê-las de forma
plena, sem prejuízo das prerrogativas que também lhe são asseguradas nas leis que dispõem sobre o
Parquet em nível estadual ou federal.
...
Em resumo, resta por demais claro que no campo formal a doutrina da proteção integral está
perfeitamente delineada e dotada dos instrumentos necessários para garantir os direitos fundamentais a
crianças e adolescentes. O desafio, contudo, é tornar a doutrina real, efetiva, palpável; é romper a cultura
da situação irregular, da doutrina menorista, da criança objeto, do não sujeito, daquele sobre o qual pais e
Estado intervêm diretamente por acreditar na completa incapacidade do ser criança. A tarefa não é
simples. Muito ao revés. Exige conhecimento aprofundado da nova ordem, capacitação constante, sem
deixar esquecer as lições e experiências do passado. Mais. Exige comprometimento de todos os atores -
Judiciário, Ministério Público, Executivo, técnicos, sociedade civil, família, comunidade - em querer
mudar e adequar o cotidiano infantojuvenil a um sistema garantista. Exige vontade política. Exige
respeito pelos vulneráveis. Exige um grau de cidadania elevado de toda a sociedade."
(MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso deDireito da Criança e

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do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos - 14 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022 - pág. 26-28).

2ª QUESTÃO:
Qual foi a primeira normativa internacional a garantir direitos e uma proteção especial a crianças e
adolescentes?

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RESPOSTA:
"2. Documentos internacionais

O primeiro documento internacional que expôs a preocupação de reconhecer direitos a crianças e


adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, também conhecida
apenas como Declaração de Genebra.
O momento histórico compreendia o término da Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa de
1917, seguida pela guerra civil russa e a crescente exploração da mão de obra infantil, migrada dos
campos para o chão das fábricas. Crianças órfãs, pobres, esfaimadas, com extenuante carga de
trabalho de até 14 horas diárias, sem folga, sem escola, sem lazer e ao custo de 1/3 a 2/3 da mão de
obra adulta demonstraram a necessidade de promover mecanismos de proteção à infância. Esse
cenário levou a britânica Eglantyne Jebb a fundar, no ano de 1919, a associação internacional Save
the Children e a redigir e impulsionar a Declaração de Genebra sobre os direitos da criança,
sancionada pela Liga das Nações no ano de 1924.
Em 1959, a agora Organização das Nações Unidas publicou a Declaração Universal dos Direitos da
Criança, o grande marco no reconhecimento de crianças como sujeitos de direitos, carecedoras de
proteção e cuidados especiais. Trata-se de documento que aprimorou a Declaração dos Direitos do
Homem, de 1948, adequando-a a uma parcela peculiar da humanidade, carecedora de proteção
especial e cuidado, dada sua vulnerabilidade, sua imaturidade física e intelectual.
O documento incorporou e acresceu novas regras às já estabelecidas pela Convenção de Genebra.
Trata-se dos dez pontos (ou princípios) da Declaração Universal dos Direitos da Criança, a saber: i)
universalidade dos direitos reconhecidos sem discriminação alguma; ii) proteção especial para
desenvolvimento físico e mental saudável, levando-se sempre em conta seu interesse superior; iii)
direito a nome e nacionalidade; iv) segurança social para desenvolvimento com saúde, garantindo-se
moradia, alimentação, recreio e cuidados médicos; v) tratamento e cuidado especial para crianças com
deficiência; vi) convivência com sua família, recebendo cuidado, afeto e proteção, cabendo ao Estado
e à sociedade provê-los de subsídios quando carentes; vii) direito à educação gratuita e obrigatória,
pelo menos nos graus elementares, promovendo sua cultura e lhe permitindo desenvolver suas
aptidões. Com o mesmo objetivo ser-lhe-á assegurado direito a brincar e participar de atividades
recreativas; viii) terá prioridade em receber proteção e socorro; ix) deverá ser protegida de toda forma
de abandono, crueldade e exploração, não devendo ser empregada para o trabalho sem uma idade
mínima adequada; x) deverá ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação
racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Deve ser educada em um espírito de compreensão,
tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universal, e com plena consciência de que deve
devotar as suas energias e aptidões ao serviço dos seus semelhantes.
Seu caráter de "declaração" não lhe conferiu a força coercitiva necessária para assegurar sua
efetividade. Em 1979, o governo da Polônia levou à ONU uma proposta provisória para a

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elaboração de uma convenção universal dos direitos da criança.


Atenta aos avanços e anseios sociais, mormente no plano dos direitos fundamentais, a ONU reconheceu
que a atualização do documento se fazia necessária, assim como lhe conferiu caráter obrigatório. Dessa
forma, em 1979, criou um grupo de trabalho com o objetivo de preparar o texto da Convenção dos
Direitos da Criança, aprovado em novembro de 1989 pela Resolução n. 44.
Pela primeira vez foi adotada, em caráter obrigatório, a doutrina da proteção integral, marcada por três
fundamentos: 1) reconhecimento da peculiar condição da criança e do jovem como sujeito de direito,
como pessoa em desenvolvimento e titular de proteção especial; 2) crianças e jovens têm direito à
convivência familiar; 3) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na
Convenção com absoluta prioridade.
Importante consignar que a Convenção também estipulou uma "ponte permanente" com as demais
convenções e documentos internacionais. Vale dizer, nem todos os direitos consagrados em documentos
internacionais afetos à humanidade foram reproduzidos ou previstos no texto da Convenção. Contudo, a
ponte permite estabelecer um diálogo entre os documentos, ampliando a proteção para crianças e
adolescentes.
Em setembro de 1990, como mais um passo na busca da efetividade da Convenção dos Direitos da
Criança, foi realizado o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, no qual representantes de 80 países,
entre eles o Brasil, assinaram a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o
Desenvolvimento da Criança. No mesmo Encontro, foi ainda lançado o Plano de Ação para a década de
1990, cujos signatários assumiram o compromisso de promover a rápida implementação da Convenção,
comprometendo-se ainda a melhorar a saúde de crianças e mães e a combater a desnutrição e o
analfabetismo.
Outro importante documento internacional, com relevância na área de prevenção do crime e do
tratamento delinquencial, são as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de
Menores, mais conhecidas como Regras de Beijing. Apresentam orientações preventivas, com destaque
para a proteção social dos jovens, assim como orientações para atuação da justiça delinquencial aplicada a
menores, com destaque para a defesa e o resguardo dos direitos fundamentais e garantias processuais.
Oportuno destacar que vários outros documentos internacionais referem-se, direta ou indiretamente, a
crianças e adolescentes, e, ratificados pelo Brasil, têm levado à criação ou modificação de nossas leis,
valendo aqui mencionar a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento
norteador da Lei n. 13.146/2015, mais conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que, dentre
outros, produziu reflexos na legislação infantojuvenil quanto à saúde, educação, cultura, lazer e
profissionalização."
(MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e doAdolescente:

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Aspectos Teóricos e Práticos - 14 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022 - pág. 25-26).

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