Vitória Rojas Gouveia | nºUSP 13654442 EDA1219 - Coordenação do Trabalho na Escola I Docente: Márcia Maurilio Souza 2º semestre 2023
O estágio desenvolvido a partir da disciplina Programa Integrado de Estágio
em Gestão, Política e Organização da Educação Brasileira foi realizado na EMEF Des. Amorim Lima, na região do Butantã, em São Paulo - SP. Nesse período, acompanhamos e prestamos auxílio às atividades da coordenação e da direção da escola, e participamos de diversas reuniões da Jornada Especial Integral de Formação (JEIF). Muitas das reuniões JEIF que acompanhamos trataram sobre eventos da escola, como a tradicional Festa da Cultura e a Kizomba (Festa da Consciência Negra), ou as apresentações do Trabalho de Conclusão de Curso do 9º ano (Ciclo Autoral). A grande variedade de temas tratados para além da formação continuada do corpo docente expõem uma das dificuldades enfrentadas pelo profissional da coordenação analisada por Bartolina Catanante e Lucimar Dias (2017): grandes quantidades de tarefas e pouco tempo para realizá-las. Outro fator observado foi a limitação do tempo disponível para diálogos coletivos sobre os assuntos de interesse geral da escola. Sendo assim, as reuniões JEIF muitas vezes detinham-se a questões burocráticas a serem alinhadas entre a gestão e as professoras, como datas, prazos e divisão de horários para uso dos espaços. Ao longo do estágio, pudemos observar que muito da atuação da coordenação no cotidiano escolar ficou a cargo da mediação dos conflitos que as professoras de referência consideraram ser de maior gravidade, como aqueles envolvendo violência física. Na situação que presenciamos, um estudante que havia agredido um outro havia sido levado até a coordenação, e uma conversa – em tom de “bronca” – se desenrolou no corredor, ao lado de fora da sala. Na ocasião, duas professoras que estavam próximas pediram que a conversa continuasse dentro da sala, e uma delas apontou que um estudante negro estava sendo submetido a um constrangimento, já que outras pessoas que passavam podiam vê-lo tomando uma bronca da coordenadora. As relações interpessoais que acontecem no espaço da escola, sendo conflituosas ou não, fazem parte do processo educativo – sendo inclusive um dos objetivos do Projeto Político Pedagógico da EMEF Amorim Lima que os estudantes tenham a capacidade de “posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas” (EMEF Des. Amorim Lima, PPP. 2019. pp. 16). François Dubet (2008) aponta que as desigualdades de aprendizagem não são reduzidas ao longo da vida escolar, de forma que a distância entre os estudantes que têm mais dificuldades de aprendizagem e os que têm menos tende a aumentar. Nessa perspectiva, para além das questões que acontecem no interior da sala de aula, existem outras desigualdades que a escola não apenas reproduz, mas também acentua – como a desigualdade racial. Segundo Dubet (2008), “a justiça se relaciona também com a maneira pela qual a escola trata os alunos a despeito das desigualdades que a escola cria necessariamente”. Para Catanante e Dias (2017), “tratar da Educação para as Relações Étnico-Raciais na formação continuada relaciona-se diretamente com o sentido ético do papel [do coordenador] de agente propulsor de práticas emancipatórias no ambiente escolar". Na realidade observada ao longo do estágio, as atitudes práticas que não consideram reflexões sobre o racismo são uma das consequências da ausência da ERER nas reuniões da JEIF. Observamos que, por conta também dessa dispersão de tarefas designadas à equipe gestora, restava pouco tempo e recursos para que esta se debruçasse sobre assuntos propriamente pedagógicos, que dissessem respeito ao aprendizado das crianças. O dispositivo dos Roteiros de Pesquisa nos preocuparam, na medida em que avaliamos que tal abordagem tem o potencial de agravar as injustiças escolares discorridas por Dubet. Nos momentos de “salão”, que ocupam a maior parte do tempo das crianças na escola e nos quais elas devem fazer pesquisas em livros, na internet e com os colegas com orientação das professoras sobre os assuntos do currículo da cidade, o clima era de “aula vaga”. Sob um discurso de autonomia e autogoverno da infância, o que acontece na realidade é que os estudantes são abandonados aos seus próprios recursos para a conquista seu direito à educação, enquanto os adultos se isentam da responsabilidade de garantir esse direito. A EMEF Desembargador Amorim Lima atende um público muito diverso, desde os moradores da periferia até os filhos da comunidade uspiana, progressista e intelectualizada. Constatamos em conversa com uma mãe que o desempenho escolar dos estudantes depende muito do acompanhamento oferecido em casa, onde a maior parte dos roteiros acaba sendo feita. É dessa forma que as desigualdades escolares se acentuam, uma vez que nem todos os estudantes têm o privilégio de receber esse suporte familiar. O dispositivo dos roteiros de pesquisa esvaziam a função dos professores e da própria escola, que se tornam dispensáveis para a efetivação do ensino para um setor privilegiado de estudantes, e insuficientes para o restante que conta com a função social que a Escola Nova se recusa a preencher. Sendo essa abordagem um dos pilares ideológicos da Amorim, notamos uma resistência da gestão em avaliar contínua e criteriosamente seus resultados. O foco excessivo no perfil do “estudante do século XXI” faz perder de vista o ensino de conteúdos, a psicologização da educação dissolve o contraste entre o resultado desejável e o indesejável, e o zelo por uma escola democrática resulta contraproducente. O professor despojado de seu status de mestre de uma disciplina que os alunos têm de aprender, perde também a autoridade para exigir um certo tipo de conduta dos estudantes, sob a pena de ser considerado “intolerante”. Assim, é tratado como um par, quando não como terapeuta, e essa horizontalização da relação é comemorada como evidência de sucesso do projeto da escola. Nota-se que existe forte identificação da pessoa da Diretora com o projeto da escola, e esse vínculo prova-se prejudicial na manifestação da falta de objetividade com que tal projeto é avaliado continuamente. Tecer essa crítica não é o mesmo que dizer que o ensino de conteúdos deve eclipsar os exercícios de tolerância e boa convivência, bem como as vivências culturais e integrativas que a escola promove de forma exímia e que levam a Amorim a uma posição de destaque entre as escolas da região. No entanto, a educação não deve ser apenas moralizante, e as disciplinas escolares não devem dar lugar ao ensino de habilidades e competências. Dufour (2005) defende que as aulas expositivas, tão rejeitadas pela pedagogia contemporânea, são uma importante forma de transmissão da linguagem, que permite o aprofundamento da função simbólica, do saber se colocar em situação de discurso. A Escola Nova vê a incapacidade do jovem em engajar na escuta e observação como uma urgência para adaptar-se às mudanças da nova geração, e não como o sintoma de uma defasagem que é responsabilidade da escola buscar maneiras de recuperar.
Referências bibliográficas
CATANANTE, Bartolina R.; DIAS, Lucimar Rosa. A coordenação pedagógica, a
formação continuada e a diversidade étnico-racial: um desafio. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial, n. 1, p. 103-113, jun. 2017.
DUBET, François. Democratização escolar e justiça da escola. Tradução de
Vanderlene Rolim Dutra. Educação, Santa Maria, v. 33, p. 381-394, set./dez. 2008.
DUFOUR, Dany-Robert. O homo zappiens na escola: a negação da diferença
geracional. In: A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão da sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: 2005.Companhia de Freud, 2005.
Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima. Projeto