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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

Gabriella Peixoto Souza | nºUSP 10763675


Vitória Rojas Gouveia | nºUSP 13654442
EDA1219 - Coordenação do Trabalho na Escola I
Docente: Márcia Maurilio Souza
2º semestre 2023

O estágio desenvolvido a partir da disciplina Programa Integrado de Estágio


em Gestão, Política e Organização da Educação Brasileira foi realizado na EMEF
Des. Amorim Lima, na região do Butantã, em São Paulo - SP.
Nesse período, acompanhamos e prestamos auxílio às atividades da
coordenação e da direção da escola, e participamos de diversas reuniões da
Jornada Especial Integral de Formação (JEIF).
Muitas das reuniões JEIF que acompanhamos trataram sobre eventos da
escola, como a tradicional Festa da Cultura e a Kizomba (Festa da Consciência
Negra), ou as apresentações do Trabalho de Conclusão de Curso do 9º ano (Ciclo
Autoral). A grande variedade de temas tratados para além da formação continuada
do corpo docente expõem uma das dificuldades enfrentadas pelo profissional da
coordenação analisada por Bartolina Catanante e Lucimar Dias (2017): grandes
quantidades de tarefas e pouco tempo para realizá-las. Outro fator observado foi a
limitação do tempo disponível para diálogos coletivos sobre os assuntos de interesse
geral da escola. Sendo assim, as reuniões JEIF muitas vezes detinham-se a
questões burocráticas a serem alinhadas entre a gestão e as professoras, como
datas, prazos e divisão de horários para uso dos espaços.
Ao longo do estágio, pudemos observar que muito da atuação da
coordenação no cotidiano escolar ficou a cargo da mediação dos conflitos que as
professoras de referência consideraram ser de maior gravidade, como aqueles
envolvendo violência física. Na situação que presenciamos, um estudante que havia
agredido um outro havia sido levado até a coordenação, e uma conversa – em tom
de “bronca” – se desenrolou no corredor, ao lado de fora da sala. Na ocasião, duas
professoras que estavam próximas pediram que a conversa continuasse dentro da
sala, e uma delas apontou que um estudante negro estava sendo submetido a um
constrangimento, já que outras pessoas que passavam podiam vê-lo tomando uma
bronca da coordenadora.
As relações interpessoais que acontecem no espaço da escola, sendo
conflituosas ou não, fazem parte do processo educativo – sendo inclusive um dos
objetivos do Projeto Político Pedagógico da EMEF Amorim Lima que os estudantes
tenham a capacidade de “posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva
nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos
e de tomar decisões coletivas” (EMEF Des. Amorim Lima, PPP. 2019. pp. 16).
François Dubet (2008) aponta que as desigualdades de aprendizagem não
são reduzidas ao longo da vida escolar, de forma que a distância entre os estudantes
que têm mais dificuldades de aprendizagem e os que têm menos tende a aumentar.
Nessa perspectiva, para além das questões que acontecem no interior da sala de
aula, existem outras desigualdades que a escola não apenas reproduz, mas também
acentua – como a desigualdade racial. Segundo Dubet (2008), “a justiça se relaciona
também com a maneira pela qual a escola trata os alunos a despeito das
desigualdades que a escola cria necessariamente”.
Para Catanante e Dias (2017), “tratar da Educação para as Relações
Étnico-Raciais na formação continuada relaciona-se diretamente com o sentido ético
do papel [do coordenador] de agente propulsor de práticas emancipatórias no
ambiente escolar". Na realidade observada ao longo do estágio, as atitudes práticas
que não consideram reflexões sobre o racismo são uma das consequências da
ausência da ERER nas reuniões da JEIF.
Observamos que, por conta também dessa dispersão de tarefas designadas à
equipe gestora, restava pouco tempo e recursos para que esta se debruçasse sobre
assuntos propriamente pedagógicos, que dissessem respeito ao aprendizado das
crianças. O dispositivo dos Roteiros de Pesquisa nos preocuparam, na medida em
que avaliamos que tal abordagem tem o potencial de agravar as injustiças escolares
discorridas por Dubet.
Nos momentos de “salão”, que ocupam a maior parte do tempo das crianças
na escola e nos quais elas devem fazer pesquisas em livros, na internet e com os
colegas com orientação das professoras sobre os assuntos do currículo da cidade, o
clima era de “aula vaga”. Sob um discurso de autonomia e autogoverno da infância,
o que acontece na realidade é que os estudantes são abandonados aos seus
próprios recursos para a conquista seu direito à educação, enquanto os adultos se
isentam da responsabilidade de garantir esse direito. A EMEF Desembargador
Amorim Lima atende um público muito diverso, desde os moradores da periferia até
os filhos da comunidade uspiana, progressista e intelectualizada. Constatamos em
conversa com uma mãe que o desempenho escolar dos estudantes depende muito
do acompanhamento oferecido em casa, onde a maior parte dos roteiros acaba
sendo feita. É dessa forma que as desigualdades escolares se acentuam, uma vez
que nem todos os estudantes têm o privilégio de receber esse suporte familiar.
O dispositivo dos roteiros de pesquisa esvaziam a função dos professores e
da própria escola, que se tornam dispensáveis para a efetivação do ensino para um
setor privilegiado de estudantes, e insuficientes para o restante que conta com a
função social que a Escola Nova se recusa a preencher. Sendo essa abordagem um
dos pilares ideológicos da Amorim, notamos uma resistência da gestão em avaliar
contínua e criteriosamente seus resultados. O foco excessivo no perfil do “estudante
do século XXI” faz perder de vista o ensino de conteúdos, a psicologização da
educação dissolve o contraste entre o resultado desejável e o indesejável, e o zelo
por uma escola democrática resulta contraproducente. O professor despojado de seu
status de mestre de uma disciplina que os alunos têm de aprender, perde também a
autoridade para exigir um certo tipo de conduta dos estudantes, sob a pena de ser
considerado “intolerante”. Assim, é tratado como um par, quando não como
terapeuta, e essa horizontalização da relação é comemorada como evidência de
sucesso do projeto da escola.
Nota-se que existe forte identificação da pessoa da Diretora com o projeto da
escola, e esse vínculo prova-se prejudicial na manifestação da falta de objetividade
com que tal projeto é avaliado continuamente.
Tecer essa crítica não é o mesmo que dizer que o ensino de conteúdos deve
eclipsar os exercícios de tolerância e boa convivência, bem como as vivências
culturais e integrativas que a escola promove de forma exímia e que levam a Amorim
a uma posição de destaque entre as escolas da região. No entanto, a educação não
deve ser apenas moralizante, e as disciplinas escolares não devem dar lugar ao
ensino de habilidades e competências. Dufour (2005) defende que as aulas
expositivas, tão rejeitadas pela pedagogia contemporânea, são uma importante
forma de transmissão da linguagem, que permite o aprofundamento da função
simbólica, do saber se colocar em situação de discurso. A Escola Nova vê a
incapacidade do jovem em engajar na escuta e observação como uma urgência para
adaptar-se às mudanças da nova geração, e não como o sintoma de uma defasagem
que é responsabilidade da escola buscar maneiras de recuperar.

Referências bibliográficas

CATANANTE, Bartolina R.; DIAS, Lucimar Rosa. A coordenação pedagógica, a


formação continuada e a diversidade étnico-racial: um desafio. Educar em
Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial, n. 1, p. 103-113, jun. 2017.

DUBET, François. Democratização escolar e justiça da escola. Tradução de


Vanderlene Rolim Dutra. Educação, Santa Maria, v. 33, p. 381-394, set./dez. 2008.

DUFOUR, Dany-Robert. O homo zappiens na escola: a negação da diferença


geracional. In: A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão da sociedade
ultraliberal. Rio de Janeiro: 2005.Companhia de Freud, 2005.

Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima. Projeto


Político Pedagógico – PPP. São Paulo, 2019.

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