Você está na página 1de 16

DEPÓSITO OU LOCAÇÃO?

- “SELF STORAGE” E A APLICAÇÃO DO CÓDIGO


DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DOS
CONTRATOS DE ARMAZENAGEM SOB LOCAÇÃO

Artigo apresentado ao Programa de especialização em


Direito Civil com ênfase em Consumidor pela Escola
de Direitos Humanos – EDH, em parceria com a
ESUP/LFG, como requisito parcial à obtenção do título
de especialista.

Orientanda: Luiza Ribeiro Sampaio Braga.

RESUMO: O presente estudo analisa recente modalidade de armazém geral no Brasil,


denominada “self-storage” e sua natureza jurídica para efeito da incidência das normas
atinentes à defesa do consumidor – Lei 8.079/90. Self Storage, trata-se de uma
modalidade de armazenamento que surgiu nos E.U.A na década de 60, com a finalidade
de que pessoas físicas ou jurídicas pudessem armazenar seus bens. A atividade fim da
modalidade é caracterizada pela locação de unidades autônomas (box) para a guarda e
organização de qualquer tipo de bem (móveis, objetos, documentos, estoques, coleções,
etc.). Nesse interim, em que pese a ausência de jurisprudência que delimite a natureza do
contrato dessa atividade, busca-se no presente estudo, analisar a incidência das normas
atinentes à defesa do consumidor e sua caracterização enquanto contrato de depósito sob
a regência do Código Civil Brasileiro.

Palavras-chave: Self-Storage; Depósito; Locação; Natureza-Jurídica do Contrato;


Código de Defesa do Consumidor; Lei 8.079/90.
I. INTRODUÇÃO

Muito comum nos Estados Unidos, a busca por soluções de espaço self-
storage vem ganhando mercado no Brasil nas últimas décadas. Atualmente, estima-se
mais de 200 unidades no país, segundo a Associação Brasileira de SELF STORAGE
(Asbrass). 1

A modalidade da natureza desse contrato, - depósito de bens com


aspectos da locação, ainda não foi regulamentado pela jurisprudência brasileira. Nesse
interim, pretende-se fazer uma análise comparativa das consequências jurídicas atinentes
à sua modalidade enquanto contrato de locação sob a incidência da Lei do Inquilinato –
Lei nº 8.245/91 e da natureza jurídica de Depósito, sob a regência do Código Civil com a
incidência da Lei 8.078/90.

Como todo sistema fiscalizatório, há possibilidade de falhas na


aplicação da disciplina legal e da regulação da modalidade, brechas que podem fragilizar
seu potencial se essas margens interpretativas forem ampliadas e aceitas como regras
pelas instituições que aplicam o direito. É sobre esses elementos de fragilidade no tocante
à natureza desse tipo de contrato que este estudo pretende abordar.

A questão jurídica objeto desta pesquisa chegou ao conhecimento da


autora: quando da existência de vários processos conexos no Estado de Minas Gerais/MG,
em que, muitos contratantes/consumidores questionam no judiciário a responsabilidade
civil de empresaS que se prestam à modalidade self-storage, quando da ocorrência de
incêndio em um desses galpões, ocasionando a perca total de todos os bens dos
contratantes guardados sob depósito.

Os pontos de concentração da pesquisa visam a esclarecimentos que


devem ser feitos para, em princípio, garantir maior segurança jurídica técnica e
estabilidade gerencial, tanto aos contratantes/consumidores quanto aos contratados.
Assim, as considerações e conclusões deste trabalho podem subsidiar resoluções

1
Disponível em: < http://www.asbrass.com.br/home.asp > Acesso em 03/10/2019
administrativas, decisões judiciais e até iniciativas legislativas; tornando-se relevante
explanar a complexidade jurídica em questão.

A diretriz consumerista permite e facilita a relação constante dos


variados pontos de abordagem do problema com o referencial teórico adotado. Esse
desenvolvimento integrado se fará em duas etapas: a primeira será uma apresentação da
modalidade “self-storage”, abordando casos concretos referentes à modalidade de
contratação desses serviços no Estado de Minas-Gerais; a segunda será a incidência do
código consumerista diante da responsabilidade civil dessas empresas mediante o
contrato oferecido, permitindo-se a passagem para as considerações conclusivas.

II. NATUREZA JURÍDICA DA CONTRATAÇÃO NA MODALIDADE SELF-


STORAGE – ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE A INCIDÊNCIA DA LEI DE
LOCAÇÃO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR;

Ainda não tão popular, quando se aborda o tema “self storage”, o


primeiro comentário que se ouve é que trata-se de um segmento ainda pouco conhecido,
muito embora, outra denominação para o tema – “guarda-móveis” – seja de conhecimento
do mercado.

O segmento de self-storage ainda é novo no Brasil, situação bem


diferente da encontrada nos Estados Unidos, onde há mais de 50.000 instalações dessa
modalidade, superando a quantidade de lojas de MCDonald’s e Starbucks somadas. Na
Europa, o mercado continua crescendo e em 2015 foram registradas 2.600 unidades,
totalizando uma área locável de 7,5 milhões de metros quadrados, havendo um aumento
de 7,1% em comparação a 2014, um adicional de 173 instalações. No Brasil, segundo a
Associação Brasileira de Self-Storage – Asbrass, o mercado cresce em média 5% ao ano.2

Ocorre que, em que pese a finalidade da contratação dos serviços ser a


guarda de bens móveis, a modalidade de contratação desses serviços são ofertados aos
contratantes sob a modalidade de locação. Nesse sentido, passemos à análise de alguns
casos concretos:

2
Disponível em: <http://www.logweb.com.br/wp-content/uploads/2016/05/logweb169.pdf>. Acesso em
03 out. 2019>
Após a ocorrência de um incêndio em um desses galpões na cidade de
Belo Horizonte/MG, ocasião em que todos os bens guardados sob essa modalidade foram
incinerados, faz-se a análise dos institutos jurídicos dos contratos em questão.

As defesas ofertadas em praticamente todos os processos referentes à


essas demandas, aduzem que, por parte dessas empresas o contrato é regido pela locação,
não sendo a empresa, garantidora e nem depositária, muito menos responsável pelos
objetos dos contratantes, informando que, apenas locava um espaço. Para tanto, são
oferecidos junto ao contrato a obrigação da contratação de seguro assim como empresa
coligada para prestação de serviços de transporte e empacotamento dos bens.

Em um desses processos, asseverou o entendimento da Turma Recursal


do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte, ao que se refere a natureza da
contratação:

RECURSO INOMINADO. ARMAZENAMENTO DE BENS. CONTRATO


DE LOCAÇÃO. INCÊNDIO. BENS SOB RESPONSABILIDADE DO
LOCATÁRIO. AFASTADO DEVER DE INDENIZAR DO LOCADOR.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJMG – JESP CIVEL –
9025757.35.2017.813.0024, Relator: Dr (a). SORAYA BRASILEIRO
TEIXEIRA, Data de Julgamento: 06/11/2018, TURMA RECURSAL DE
JURISDIÇÃO EXCLUSIVA DE BELO HORIZONTE, Data da Publicação:
06/11/2018.

O Relator em seu Voto decide que:

(...) vislumbro que razão socorre à recorrente em que pese a ausência de sua
responsabilidade. Isso porque, em que pese o entendimento do juiz primevo
em acompanhar o do recorrido no que tange à espécie do contrato, tal
assentimento, máxima vênia, não pode prosperar. Isto porque, conforme se
depreende do contrato e de seus termos, é clara a relação de locação,
ressaltando a cláusula 4.2 e derivadas que demonstram que a responsabilidade
pelos bens armazenados no espaço é do locatário, detendo inclusive, a
chave/senha para remoção ou armazenamento, proibindo ainda a figura do
depositário infiel. Sendo assim, a responsabilidade pelos bens, no caso em
tela, é do recorrido e, portanto, não há como incumbir a recorrente dever de
indenização. “
Ocorre ainda que, em que pese a decisão em segundo grau em um desses
processos3, pendem ainda a existência de 5 (cinco) processos conexos 4 ainda em fase de
instrução e reunião no juízo prevento.

Para tanto, passemos a análise do instituto: o contrato de depósito é


estabelecido com base na fidúcia (confiança), caracterizando-se como um negócio
jurídico personalíssimo. O depósito não se caracteriza com o recebimento de um bem
como ato de mera tolerância e sem o depositário assumir o dever jurídico de custódia,
tendo em consideração que o dever de restituição é característica ligada aos efeitos do
contrato.

O contrato firmado entre as partes “Contrato de Aluguel de Espaço


Temporário” cuja finalidade era armazenar os bens móveis 5 dos contratantes em espaço
da contratada, sob guarda e vigilância desta, sendo notório que em tal situação aplica-se
o Código Consumerista, em decorrência de serviços fornecidos pela empresa.

Do Contrato de Adesão firmado nos presentes casos, verifica-se que, a


prestação de serviços compreendia a realização de mudança, incluindo as etapas de
embalagem, transporte de todos os bens contidos em seu anterior endereço residencial;
armazenamento em depósito da empresa e entrega dos itens para seu novo endereço,
conforme anunciado também, em diversos sites de empresas sob essa modalidade.

Disciplina o §2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

3
Processo nº: 9025757.35.2017.813.0024;

4
Processos nº: 5026181-48.2017.8.13.0024; 5052599-57.2016.8.13.0024; 5068448-69.2016.8.13.0024;
5143889-85.2018.8.13.0024 e 6133536-71.2015.8.13.0024.
5
Art. 627 do CC – Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que
o depositante o reclame. (...)
A citada legislação objetiva tutela de interesses do consumidor, visto que
este, em regra, se mostra como parte vulnerável e hipossuficiente na relação de consumo,
e, por se tratar de norma de ordem pública 6, deve ser aplicada ex officio pelo julgador,
quando do estabelecimento das relações de consumo.

Ao defender a tese de que não seria garantidora, nem depositária e muito


menos responsável pelos objetos dos contratantes, afere-se que, além de isentar-se da
condição de fornecedora e prestadora de serviços, contradizem o anuncio veiculado em
site e em propaganda veiculada, assim como, do contrato oneroso vez que competia ao
contratante o pagamento pelo serviço prestado, assim como caberia a contratada a guarda
e conservação dos bens depositados.

Dessa forma, a prestação de serviços pelos contratantes decorrem dos


anúncios e promessas de prestação de serviços de qualidade, com a veiculação de
informações veiculadas por empresas dessa modalidade.

Portanto, os contratantes foram atraídos pelas promessas veiculadas


pela contratada, sendo que a questão afeta à segurança de seus bens foi determinante para
a contratação dos serviços, muito embora, a tão propagada segurança não tenha sido
observada, em razão dos fatos ocorridos, que ocasionaram inúmeros prejuízos aos
contratantes e fundamentam o ajuizamento das ações.

No caso concreto, verifica-se que foi firmado contrato de adesão entre


as partes. Destaca-se que o Código de Defesa do Consumidor foi concebido para
equilibrar a relação consumidor/fornecedor, em razão da presumida hipossuficiência do
consumidor em face daquele que detém o conhecimento técnico sobre o produto que
produz ou o serviço que presta.

Essa hipossuficiência do consumidor não é verificada nos contratos de


locação. Em geral, na locação existe um equilíbrio contratual onde as partes podem
livremente discutir e dispor os termos que pretendem pactuar. O que não se verifica nos
casos em questão.

6
Vide art. 5º, XXXII c/c art. 170, V, ambos da CRFB/88;
O contrato celebrado entre os contratantes e a contratada amoldam-se à
figura do contrato de adesão, disposto no artigo 54 do CDC, visto que as cláusulas ali
contidas foram estipuladas unilateralmente pelas empresas contratadas, sem qualquer
participação do contratante.

Dispõe o artigo 1º da Lei de Locações – Lei 8.245/91:

Art. 1º - A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta Lei.

Assim, ao tentar aplicar analogicamente a regência da Lei do


Inquilinato - reconhecida inclusive em julgamento em segunda instância em um desses
processos, sendo que, também em que pese a nomeação contratual, defende-se neste
estudo que a verdadeira natureza desses contratos trata-se de depósito, sendo que a
empresa contratada vale-se de uma interpretação analógica, criando regra própria para o
serviço fornecido. Afere-se ainda que os contratantes não possuem nenhuma obrigação
na devolução do “imóvel locado” como afirmam a contratada e que tampouco são
inquilinos. Isso porque os contratantes sob essa modalidade não tem qualquer tipo de
obrigação elencada na Lei 8.245/91 pois não trata-se de locação de imóvel urbano e sim,
prestação de serviços de guarda de depósito de bens móveis.

Em anuncio veiculado em rede mundial de computadores sob essa


modalidade – self-storage, torna perceptível que o anuncio dos serviços oferecidos
mostram-se incompatíveis com o instituto da legislação que rege o inquilinato e as
obrigações de um locatário de imóvel, vez que ausente despesas com manutenção de
taxas, limpeza, vigilância, impostos, água, energia e taxa de condomínio.

Ademais, na lei do inquilinato em seu artigo 227 são elencados uma


série de obrigações legais do locador do imóvel urbano alugado como o pagamento de

7
Art. 22. O locador é obrigado a:
I - entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II - garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III - manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;
IV - responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;
V - fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com
expressa referência aos eventuais defeitos existentes;
contas do imóvel, a exemplo do IPTU, contas de água, luz, etc., o que não verifica-se no
caso em questão.

O consumidor que procura essa modalidade de contratação, objetiva


depositar seus bens móveis em determinado lugar, sob a custódia da empresa. O depósito
se realiza mediante a locação de certo espaço, que se presta única e exclusivamente para
o depósito, vez que, conforme dispõe o próprio contrato, não é possível nele residir ou
exercer atividade comercial.

Constata-se que, aquele que contrata essa modalidade não tem


definitivamente, como objetivo, locar um imóvel urbano (art. 1º da Lei 8.245/91), mas
sim, depositar seus bens móveis (art. 627 do CC), sendo a locação apenas um meio para
o exercício da finalidade objetivada ou seja, do depósito.

Ademais, não é possível utilizar o espaço para fins comerciais ou


residenciais, o que não corresponde a natureza jurídica da locação regida pela Lei.
8.245/91, evidenciado que a natureza do contrato trata-se de depósito.

Conclui-se portanto, que há que se aplicar a legislação consumerista e


todos os instrumentos protecionistas ali elencados no caso vindicado, tendo em vista que
os Contratantes configuram-se como destinatários finais dos serviços prestados pela
empresa, fornecedora de produtos e serviços, nos termos das disposições dos artigos 2º e

VI - fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;
VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas
necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;
VIII - pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a
incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;
IX - exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;
X - pagar as despesas extraordinárias de condomínio.
Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos
rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:
a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;
b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;
c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;
d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da
locação;
e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;
f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;
g) constituição de fundo de reserva.
3º da Lei 8.078/90, visto não restar dúvida sobre a existência de relação de consumo in
casu.

III. ASPECTOS DA ÎNCIDÊNCIA DA NORMA CONSUMEIRISTA NA


RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR FATO GERADOR DECORRENTE DO
SINISTRO.

A defesa dos interesses do consumidor é um direito fundamental


elencado na Carta Magna Brasileira 8 e tem como principal regramento a Lei nº 8.078/90,
conhecida no meio social como Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

A citada legislação objetiva a tutela de interesses do consumidor, visto


que este, em regra, se mostra como parte vulnerável e hipossuficiente na relação de
consumo, e, por se tratar de norma de ordem pública 9, deve ser aplicada ex officio pelo
julgador, quando do estabelecimento de relações dessa natureza.

A fim de tornar-se exequível, o mencionado código vale-se de regras de


concretização da igualdade substancial, criando princípios-norma que, aparentemente,
afastam, mas, que, na verdade, instrumentalizam a proteção idealizada pelo legislador.
Nesse sentido, cumpre citar trecho da obra do professor Leonardo Garcia:

Trata-se de um verdadeiro microssistema jurídico, em que o objetivo não é


tutelar os iguais, cuja proteção já é encontrada no Direito Civil, mas
justamente tutelar os desiguais, tratando de maneira diferente fornecedor e
consumidor com o fito de alcançar a igualdade. 10

Trata-se, portanto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que,


nas relações consumeristas, visa assegurar a efetividade do princípio da dignidade da
pessoa humana, visto ser esta “(...) incompatível com disposições contratuais desiguais,

8
Vide art. 5º, XXXII, c/c art 170
9
Art. 1º - O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXIII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de
suas Disposições Transitórias.
10
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e jurisprudência.
Juspodivm: São Paulo, 2013.
em que não se observe a boa-fé objetiva, a transparência e o equilíbrio nas relações
contratuais.”11

Contudo, para que haja a aplicação do CDC ao caso concreto faz-se


necessário a configuração da relação de consumo, que possui dois agentes, quais sejam:
o consumidor e o fornecedor.

Para fins didáticos, o Código de Defesa do Consumidor conceituou as


duas terminologias, nos artigos 2º e 3º do referido diploma, respectivamente, sendo que,
acerca da primeira delas não há muito o que se falar, visto ser cristalina a interpretação
do texto legal.

Todavia, no tocante ao termo fornecedor, elencado no art. 3º do CDC 12


é importante frisar que “O Código optou por dar máxima amplitude ao conceito (...) mas
somente contemplou aqueles que participam do fornecimento de (...) serviços no mercado
de consumo (...)13.

Nos casos expostos, em que pese a contratação por apenas um dos


consumidores, verifica-se que, com a incidência da Lei 8.078/90, torna permissivo que,
além do contratante, configure também como parte, a figura do consumidor bystander,
ou consumidor por equiparação, permitindo que se integre na legitimidade ativa, às
vítimas do acidente de consumo.

Dessa forma, em que pese o contrato de adesão firmado entre as partes


contratantes, e contratada, com a incidência da norma consumerista, configura o
permissivo legal que ampare as partes à figurarem no polo ativo da demanda, qual seja, a
família do contratante que também tiveram a totalidade dos seus bens incinerados quando

11
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e jurisprudência.
Juspodivm: São Paulo, 2013.
12
Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, impostação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços.
13
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código do Consumidor: Código Comentado
e jurisprudência. Juspodivm: São Paulo, 2013.
da ocorrência do sinistro, tornando possível que, as partes que não integram a avença
contratual sejam legítimas a integrar o polo ativo da demanda.

Sobre a nomeação desses contratos na modalidade de locação é


pertinente a incidência do art. 51 do CDC, que é taxativo na existência de abusividade de
cláusulas que exonerem, impossibilitem ou atenuem a responsabilidade do prestador de
serviços:

Art. 51 . São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais


relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I- Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor


por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem
renúncia de disposição de direitos. Nas
Relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a
indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

Conforme previsto no art. 17 do CDC verifica-se também a figura do


consumidor “bystander”, vejamos:

Art. 17 – Para efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas


as vítimas do evento.

Do dispositivo citado infere-se que terceiros vitimados pelo evento


danoso equiparar-se-ão aos consumidores, ou seja, poderão buscar o ressarcimento dos
prejuízos, sob o resguardo da legislação consumerista, mesmo que inexista relação de
consumo entre as partes, que é justamente o que ocorre nos casos em apreço.

Dessa forma, o CDC estendeu a qualidade de consumidor a todos os


vitimados, ou seja, o diploma consumerista fez surgir uma equiparação legal.

Infere-se ainda, além do respaldo legal, o reconhecimento pelos


tribunais pátrios de todo o território nacional, em especial o Superior Tribunal de Justiça,
que nos REsp 1125276/RJ e Resp 1288008//MG trouxeram brilhantes explanações sobre
esse instituto jurídico:
CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REPARAÇÃO CIVIL.
PRESCRIÇÃO. PRAZO. CONFLITO INTERTEMPORAL. CC/16 E CC/02.
ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO FORNECEDOR DE
SERVIÇO DE TRANSPORTE DE PESSOAS. TERCEIRO, ALHEIO À
RELAÇÃO DE CONSUMO, ENVOLVIDO NO ACIDENTE.
CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. DECISÃO OMISSA. INTUITO PROTELATÓRIO.
INEXISTÊNCIA. (...) 3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por
equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora
não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas
de evento danoso decorrente dessa relação. 4. Em acidente de trânsito
envolvendo fornecedor de serviço de transporte, o terceiro vitimado em
decorrência dessa relação de consumo deve ser considerado consumidor por
equiparação. Excepciona-se essa regra se, no momento do acidente, o
fornecedor não estiver prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação
de consumo de onde se possa extrair, por equiparação, a condição de
consumidor do terceiro. 5. Tendo os embargos de declaração sido opostos
objetivando sanar omissão presente no julgado, não há como reputá-los
protelatórios, sendo incabível a condenação do embargante na multa do art.
538, parágrafo único, do CPC. 6. Recurso especial parcialmente provido.

Comerciante que sofre acidente de consumo quando armazenava produto pode


ser considerado consumidor.

Determinado comerciante foi atingido em seu olho por estilhaços de uma


garrafa de cerveja, que estourou em suas mãos quando a colocava em um
freezer, causando graves lesões.

Esse comerciante, que foi vítima de acidente de consumo, pode ser


enquadrado no conceito ampliado de consumidor estabelecido pela regra do
art. 17 do CDC (“bystander”).

O ônus de provar que não existia defeito no produto é do fabricante.

STJ, 3º Turma, Resp 1288008/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,


julgado em 04/04/2011.

Tese ainda a corroborar para o caso trata-se de entendimento do STJ


sobre a Responsabilização Civil. No presente caso, a legitimidade para pleitear a
reparação por danos morais que é em regra do próprio ofendido, no entanto, em certas
situações são colegitimados também aquelas pessoas que, sendo muito próximas
afetivamente a vítima, são atingidas pelo evento danoso, reconhecendo-se em tais casos
o dano moral reflexo ou em ricochete.14

Sabe-se que a teoria clássica acerca da responsabilidade civil inadmitia


a ideia da responsabilização sem a comprovação da existência de culpa, visto que seria
este seu principal pressuposto.

Ocorre que em alguns casos, a comprovação do elemento culpa


inviabiliza o direito à reparação, posto que, o conjunto probatório mostrava-se difícil,
senão impossível de elaborado pela parte prejudicada, e sem provas robustas, a vítima,
além de ter o pedido judicial indeferido – era compelida a pagar as verbas de
sucumbência, o que culminava por desestimular o ajuizamento de ações dessa natureza,
bem como aumentava o sofrimento dos vitimados, que viam o acesso jurisdicional tolhido
pela burocracia legal.

Por ocasião disso, emergiram alguns trabalhos – inicialmente na Itália


e na Bélgica – acerca da possibilidade de responsabilização objetiva, ou seja, sem a
necessidade de comprovação do elemento culpa, devendo restar provado, tão somente a
existência do fato, o nexo de causalidade e o resultado. Essa é a chamada Teoria do Risco.

Sobre o tema, cumpre transcrever trecho da obra de Hugo A. Acciari 15:

No direito tradicional do século XIX existia uma máquina que se expressava


como “Não há responsabilidade sem culpa”, que, ainda que não fosse de todo
verdadeira, refletia muito bem o pensar dos juristas de então. (...) Essa visão
era compatível com um mundo, como o pré-industrial, de atividade econômica
pouco complexa e basicamente agrária. (...) Nesse novo cenário, o sistema de
responsabilidade por atos ilícitos vigentes deixava sem compensação muitos
e graves danos (...) Demonstrar a culpa era, em muitos casos, muito difícil e,
em outros, diretamente impossível (...) no campo da responsabilidade por atos
ilícitos, o avanço mais notório foi a objetivação da responsabilidade.

14
(STJ - REsp: 1119632 RJ 2009/0112248-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento:
15/08/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2017)
15
ACCIARI, Hugo. A. Elementos da análise econômica do direito de danos. / HUGO A. Acciari;
coordenação da edição brasileira Márcia Carla Pereira Ribeiro. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014.
A chamada responsabilidade objetiva recebeu acolhida em diversos
ordenamentos jurídicos, inclusive no brasileiro. Todavia é cediço que a responsabilidade
é em regra, subjetiva, sendo considerada objetiva quando a lei assim dispuser.

Nos casos em apreço, trata-se de responsabilidade objetiva, por


defender este estudo se tratar de relação consumerista, em que pese decisão em segunda
instância do processo nº 9025757.5.2017.813.0024 que tramitou na 05º unidade
jurisdicional cível de Belo Horizonte sob o reconhecimento de que a modalidade trata-se
de locação regida por lei própria, defende-se o fato do serviço no caso em questão –
previsto no art. 14 do Código do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 14 – O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência


de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações suficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.

E, nesta senda, cumpre trazer à baila trecho da doutrina do professor e


ex-desembargador Sérgio Cavalieri Filho: 16

A responsabilidade estabelecida no código de defesa do consumidor é


objetiva, fundada no dever e segurança do fornecedor em relação aos produtos
e serviços lançados no mercado de consumo.
(...)
Essa noção de fato do serviço é extraída do art. 14 e §1º do Código de Defesa
do Consumidor, que disciplina a matéria. Diz-se ali que o fornecedor responde
objetivamente pelos danos causados por defeitos do serviço, e que o serviço é
defeituoso quando não oferece a segurança legitimamente esperada, fato do
serviço, por conseguinte, é o acidente causado por um serviço defeituoso,
entendido como tal aquele (serviço) que não oferece a segurança
legitimamente esperável.

Pelo exposto, defende-se a responsabilidade objetiva do fornecedor,


visto existir previsão legal sobre situações dessa natureza.

16
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CONCLUSÃO

Diante da ocorrência de um sinistro nas dependências de uma das


empresas sob a nova modalidade de armazenagem “self-storage” no Brasil, conclui este
trabalho pela incidência da norma consumerista neste tipo de contratação, afastando-se a
aplicação da lei 8.245/1991, também sob a aplicação da teoria do risco do negócio ou
atividade que é a base da responsabilidade objetiva do Código de Defesa do Consumidor,
cabendo a incidência da proteção a parte mais frágil da relação jurídica, qual seja, o
consumidor. Isso porque, como se sabe, a segurança dos serviços prestados constitui
típico risco do empreendimento desenvolvido pela parte, não podendo ser transferido a
terceiros.

Por fim, conclui pela incidência da responsabilidade objetiva


fundamentada em defeito na prestação do serviço, em face da alegada falha na segurança
do estabelecimento.
REFERÊNCIAS

Toda a legislação brasileira consultada e citada neste artigo foi extraída do portal
eletrônico da Legislação, mantido pelo Poder Executivo Federal Brasileiro (Endereço
eletrônico: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/>.

ACCIARI, Hugo. A. Elementos da análise econômica do direito de danos. / HUGO A.


Acciari; coordenação da edição brasileira Márcia Carla Pereira Ribeiro. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2014.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo:
Atlas, 2012.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código do Consumidor:


Código Comentado e jurisprudência. Juspodivm: São Paulo, 2013.

Você também pode gostar