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1. Introdução
O comércio eletrônico (e-commerce) é uma realidade econômica recente, em termos
históricos; entretanto, movimenta anualmente trilhões de dólares. De 2014 a 2019, obteve
um aumento de 214% no valor de vendas globais (SABANOGLU, 2020). Em razão de suas
peculiaridades, muitas práticas do e-commerce não encontram disposição específica nos
ordenamentos nacionais – por vezes, nem mesmo no direito internacional. Exemplo de
prática sobre a qual silencia o Direito brasileiro é o dropshipping.
A técnica do dropshipping, como se verá adiante, não se restringe às práticas comerciais
na internet, mas se disseminou fortemente no meio, principalmente no que diz respeito a
importações de mercadorias voltadas para o consumidor final. É consequência e extensão
do fenômeno global da terceirização, que permanece forte tendência desde a década de 1980
(HARLAND, LAMMING e COUSINS, 1999).
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O assunto no Brasil ainda é pouco explorado, quer pela doutrina, pela lei ou pela
jurisprudência, subsistindo insegurança jurídica para as empresas usuárias de dropshipping e
ausência de informação para os consumidores que com elas contratam. Por isto, a presente
pesquisa busca esclarecer a figura do dropshipping à luz do Direito privado brasileiro.
Decerto que a autonomia da vontade age como elemento importante nessa
construção, à luz da liberdade de celebração de contratos atípicos, consagrada no art. 425 do
Código Civil. Contudo, quando há conflito de interpretação, as regras dos contratos típicos
costumam ser utilizadas para preencher lacunas existentes nos contratos, por força da
integração analógica autorizada pelo art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro.
Assim, analisou-se a possibilidade de aplicar regras de contratos típicos às relações
que envolvem dropshipping, o que pode, em tese, conferir sistematização e segurança
jurídica a estas relações. Analisou-se, ainda, a responsabilidade das empresas que se
utilizam e/ou praticam dropshipping na cadeia de consumo.
Metodologicamente, a pesquisa é feita sob uma abordagem dedutiva a partir da coleta
de dados e fontes secundários. Procedimentalmente, utilizam-se de revisões bibliográficas e
documentais, com suporte na legislação e na jurisprudência pátrias.
A pesquisa está desenvolvida em três partes. Para tanto, na seção 2, faz-se uso da
literatura de logística, demonstrando o significado do dropshipping dentro da cadeia de
suprimentos. Já na seção 3, explora-se a tipificação do contrato de dropshipping e a
possibilidade ou não de aplicação subsidiária de regras de contratos típicos. Por fim, na
seção 4, demonstra-se a responsabilidade da empresa usuária de dropshipping por danos
sofridos pelo consumidor – responsabilidade que é objetiva e solidária, nos termos da
legislação consumerista.
2. O conceito de dropshipping
É preciso deixar claro que o dropshipping, embora deva ser recepcionado e traduzido
em linguagem jurídica, não é originalmente um conceito jurídico (legal ou contratual). Ao
contrário, advém da ciência logística e deve ser compreendido com o auxílio desta.
Até meados da década de 1960, a logística era uma área negligenciada da atividade
comercial. Os mercados foram construídos a partir do desenvolvimento natural da
mercancia. As atividades de logística dentro da estrutura empresarial eram fragmentadas
(BALLOU, 2006). O armazenamento e distribuição de bens eram tratados da forma
tradicional (que ainda subsiste em inúmeras empresas): “movem-se os materiais para o
estoque, mantêm-se-os lá enquanto necessário, e então se os move para fora do estoque, de
acordo com a demanda” (WATERS, 2003, p. 33).
Os principais problemas do estoque tradicional são: 1) o acúmulo de discrepâncias
com o passar do tempo, através da cadeia de distribuição, levando a estoques muito baixos
ou muito elevados em relação à demanda – e com isso, o aumento das perdas pelo
perecimento das mercadorias ou à redução da clientela pela ausência de produtos
disponíveis em estoque –, bem como 2) o alto custo de manutenção e de gestão dos
estoques.
Diversas técnicas foram desenvolvidas, desde então, para mitigar estes problemas.
Waters (2003) cita como tendências a diminuição do número de fornecedores, com quem as
empresas passam a ter relações mais duradoras; a terceirização de etapas da cadeia de
produção; operações “just in time”, em que a produção e distribuição de bens leva em conta
a quantidade exata necessária; o crossdocking e o dropshipping, entre outras. Para efeitos da
presente pesquisa, destacam-se os dois últimos.
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Assim, este primeiro modelo não representa maiores dificuldades para ser traduzido
em linguagem jurídica. Ao contrário: a compra e venda é contrato típico, sendo a primeira
espécie de contrato apontada pelo Código Civil (arts. 481 a 532). Martins (2019, p. 129-132)
alude às denominadas vendas complexas, caracterizadas pela celebração da negociação mas
seguida de um desdobramento da fase executiva em várias operações parciais, que podem
designar formas diferentes de cumprimento, a exemplo do contrato de fornecimento.
Aliás, o Código Civil disciplina a figura da compra e venda com expedição para lugar
diverso, nos termos do art. 494, pela qual os riscos da expedição correriam por conta do
varejista, uma vez entregue pelo fornecedor a mercadoria ao transportador. Embora o caso
em geral seja interpretado como entrega a um terceiro na condição de portador
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 56), nada impede que haja a emissão da nota
de remessa para o consumidor final, proprietário legítimo da mercadoria em virtude de
uma compra e venda diretamente com o varejista.
No dropshipping, a fornecedora, produtora ou atacadista costuma organizar por sua
conta o transporte. Desde que haja a correta comunicação pelo varejista dos dados do cliente
para a fornecedora, o ônus é repassado para esta. O contrato celebrado poderá dispor de
modo específico a sistemática de transporte adotada.
3.2. Dropshipping como contrato de colaboração
Com efeito, o dropshipping também pode decorrer de um segundo modelo de negócios
– a saber, de uma relação de intermediação.
O desenvolvimento dos mercados e a complexidade das relações mercantis levaram a
formas contratuais de exploração do comércio que diferem da compra e venda, mediante
intermediação de bens e serviços entre fornecedores e consumidores, as quais podem ser
agrupadas nos chamados contratos de colaboração (SANTA CRUZ, 2020).
Neste modelo, todos os três polos (comprador, vendedor e intermediador) contratam
entre si. O intermediador não possui estoque, exatamente porque não vende, mas sim
disponibiliza um serviço, que consiste na aproximação das partes compradoras e
vendedoras e facilitação da relação de ambas.
O modelo é bem conhecido do consumidor de e-commerce. Pode ser observado tanto
em empresas nacionais, quanto internacionais. Entretanto, e apesar de sua popularização,
não se trata de caso de contrato típico e, por isto mesmo, pode levar a certa insegurança com
relação às obrigações de cada um dos polos.
De forma a exemplificar o modelo discutido, analisou-se os Termos de Uso de uma
empresa que trabalha com dropshipping, denominada aqui de empresa Y. Trata-se de uma
empresa internacional não inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. A empresa
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segurança jurídica e cautela, para trazer maior estabilidade para as relações comerciais e
reduzir custos de transação.
Por fim, cabe apenas ressaltar que, para quase todas essas modalidades de
colaboração por aproximação, à exceção da corretagem, aplica-se subsidiariamente a
disciplina do contrato de mandato. Assim, se as situações contratuais são caracterizadas por
tal modelo de colaboração, as regras do mandato devem também ser respeitadas no
momento da celebração do contrato.
3.3. Dropshipping como contrato de prestação de serviços
Em virtude de todas as dificuldades elencadas, relativas à classificação das relações
contratuais que envolvem o dropshipping, certos sites de e-commerce têm recebido uma
terceira classificação: não seriam empresas de venda à ordem, tampouco intermediadores,
mas tão somente plataformas de anúncios, externas à cadeia de consumo:
APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ANÚNCIO DE MOTOCICLETA PELA
INTERNET. CONSUMIDOR QUE ALEGA TER SE VALIDO DOS SERVIÇOS DE
CLASSIFICADOS DO SITE OLX.
O provedor do espaço para anúncios virtuais, no caso dos autos, não faz parte da cadeia
de consumo, não respondendo pelo inadimplemento contratual. Intermediação não
caracterizada. Ausência de responsabilidade. Sentença Reformada. Recurso Provido.
(TJ-SP – AC 10113515820188260248 SP, Relator: Airton Pinheiro de Castro, Data de
Julgamento: 07/07/2020, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/07/2020)
Quanto a este ponto, é preciso cautela, haja vista que a caracterização do serviço de
plataforma de anúncios desnaturaria a essência da prática logística do dropshipping. É que,
neste caso, a anunciadora não toma parte das etapas referentes à conclusão e execução do
contrato. Esta foi a situação da OLX, no julgado acima. Por outro lado, quando o pagamento
e o acompanhamento da entrega são monitorados pelo portal, volta-se para o cenário do
marketplace, como ocorre com o Mercado Livre.
A mera prestação de serviços de anúncio, tal qual os classificados do jornal, não pode
enquadrar a relação como dropshipping. Essa relação é eventual. Nos casos de habitualidade
e maior envolvimento da empresa – inclusive com processamento de pagamentos, envio de
mensagens e e-mails e fornecimento de outras conveniências – torna-se patente a
modalidade de intermediação, enquadrando-se nas modalidades de colaboração.
4. A responsabilidade das empresas usuárias do dropshipping em face da cadeia
de consumo
Do ponto de vista do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz
normas para a responsabilização de todos os participantes da chamada “cadeia de
consumo”, tanto por fatos, como por vícios de produtos e serviços. Em regra, esta
responsabilização é objetiva, com exceção do serviço prestado por profissionais liberais.
Para Teixeira (2015), a responsabilidade objetiva trazida pelo CDC não é aplicada no
contexto do e-commerce. O argumento é de que o Marco Civil da Internet (MCI), Lei nº
12.965/14, é lei mais específica que o CDC. Sendo lei mais específica e não contendo
previsão de responsabilidade objetiva dos agentes, devem estes ser responsabilizados
subjetivamente.
Discorda-se, aqui, de tal raciocínio. Primeiramente, as disposições do MCI não são
necessariamente mais específicas do que as disposições do CDC – em verdade, tratam-se de
normas gerais, estabelecendo, segundo o preâmbulo, “princípios, garantias, direitos e
deveres para o uso da internet no Brasil”.
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BALLOU, Ronald H. The evolution and future of logistics and supply chain management.
Production, São Paulo, v. 16, n. 3, p. 375-386, sept./dec. 2006. Disponível em: https://www.
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BERTOLDI, M; RIBEIRO, M. Curso avançado de direito comercial. 11. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2020.
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em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=
201201416908&dt_publicacao=22/08/2013. Acesso em: 23 mar 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial (REsp) nº 1.444.008 RS. Relatora:
Ministra Nancy Andrighi. Brasília: Diário de Justiça Eletrônico, 2016. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=
201400646460&dt_publicacao=09/11/2016. Acesso em: 23 mar 2021.
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Acesso em: 31 jan. 2021.
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[1]
7.1 Through the Sites, [empresa Y] provides electronic web-based platforms for exchanging information between buyers and sellers of
products and services. [Empresa Y] additionally provides electronic web-based transaction platforms for Members to place, accept,
conclude, manage and fulfill orders for the provision of products and services online within the Sites subject to the terms of the
Transaction Services Agreement. However, for any Services, [empresa Y] does not represent either the seller or the buyer in specific
transactions. [Empresa Y] does not control and is not liable or responsible for the quality, safety, lawfulness or availability of the products
or services offered for sale on the Sites, the ability of the sellers to complete a sale or the ability of buyers to complete a purchase.
[2]
Vide tópico 4.
[3]
“Art.49: O consumidor pode desistir do contrato, no przo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou
serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produto e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por
telefone ou a domicílio. ”
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