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DIREITO COMERCIAL E DO CONSUMIDOR

Fundação Biblioteca Nacional


Código Logístico
ISBN 978-65-5821-040-5

9 786558 210405 I000028

ANELIZE PANTALEÃO PUCCINI CAMINHA


OKSANDRO GONÇALVES
Direito Comercial e do
consumidor

Oksandro Gonçalves
Anelize Pantaleão Puccini Caminha

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A.
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G627d

Gonçalves, Oksandro
Direito comercial e do consumidor / Oksandro Gonçalves, Anelize
Pantaleão Puccini Caminha. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021.
134 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-040-5

1. Direito comercial - Brasil. 2. Defesa do consumidor - Legislação -


Brasil. I. Caminha, Anelize Pantaleão Puccini. II. Título.

21-71432 CDU: 347.7+34:366.542(81)

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Oksandro Gonçalves Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa (FDUL). Doutor em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Mestre e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR). Ministra as disciplinas
de Direito Empresarial, Direito Econômico e Análise
Econômica do Direito na graduação. É professor no
mestrado e no doutorado do Programa de Pós-graduação
em Direito. Atua também como advogado.

Anelize Pantaleão Doutoranda em Direito pela PUCPR. Mestre em Direito


e especialista em Processo Civil pela Universidade
Puccini Caminha Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bacharel
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Atua como professora
de Direito há quatro anos e é autora de artigos
científicos e livros nessa área. Atualmente, é também
professora em um centro universitário e em diversas
especializações e cursos preparatórios e é sócia-
proprietária em um escritório de advocacia.
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SUMÁRIO
1 Uma introdução ao Direito Comercial 9
1.1 O histórico do Direito Comercial 9
1.2 Conceito e autonomia do Direito Comercial 18
1.3 Teoria da empresa e atividade comercial 25
1.4 Regime jurídico da livre iniciativa 28

2 A atividade empresarial e sua organização 36


2.1 Registro público de empresas mercantis 36
2.2 Finalidade do registro 40
2.3 Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) 42
2.4 Juntas comerciais 44
2.5 Livros comerciais e a escrituração 50
2.6 Estabelecimento comercial 54

3 Nome empresarial e propriedade industrial 59


3.1 Nome comercial e sua proteção 59
3.2 Propriedade industrial 68
3.3 Registro de marca 69
3.4 Registro de desenho industrial 81
3.5 Concessão de patente de modelo de utilidade 84
3.6 Concessão de patente de invenção 88

4 Código de Defesa do Consumidor 94


4.1 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor 95
4.2 Direitos básicos do consumidor 99
4.3 Responsabilidade por vício do produto e do serviço 103
4.4 O direito do consumidor no comércio eletrônico 108

5 A proteção do consumidor 113


5.1 O respeito à dignidade do consumidor 113
5.2 A proteção contratual 116
5.3 Defesa do consumidor em juízo 123
5.4 Prescrição e decadência 127

6 Gabarito 132
APRESENTAÇÃO
Vídeo

Esta obra busca discutir como se desenvolve o Direito


Comercial e o direito do consumidor no ordenamento jurídico
brasileiro. Dessa forma, o primeiro capítulo promove uma
introdução ao Direito Comercial, tendo por objetivo apresentar o
conceito e a autonomia da disciplina e como se deu a passagem
do sistema de atos de comércio para a teoria da empresa ao
longo da história.
No segundo capítulo, o estudo avança para apresentar
a atividade empresarial e a forma que ela se organiza,
especialmente como é o regime legal do registro do empresário
e suas obrigações.
O terceiro capítulo versa sobre o nome empresarial e a
propriedade industrial, elementos de suma importância para o
empresário, necessários para o desenvolvimento e o crescimento
das atividades empresariais e que gozam de proteção jurídica.
É apresentado o sistema de proteção dos dois institutos,
especialmente a questão do registro do nome e da propriedade
industrial e a extensão da proteção conferida.
No quarto capítulo é desenvolvido o estudo sobre o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor. Trata-se dos direitos
básicos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor em
consonância com os princípios e os objetivos determinados
como valores e preceitos fundamentais do consumidor. Para
garantir efetivamente a proteção do consumidor, é necessário
observar a responsabilidade por vícios de produtos e serviços,
assunto que também é abordado no capítulo.
Por fim, o quinto e último capítulo discorre sobre o
respeito à dignidade do consumidor. Como forma de defesa
da vulnerabilidade do consumidor, dá-se a análise da proteção
contratual estabelecida na legislação brasileira e a defesa do
consumidor em juízo.
Bons estudos!
1
Uma introdução ao
Direito Comercial
Oksandro Gonçalves

O objetivo deste capítulo é apresentar e desenvolver alguns con-


ceitos essenciais à compreensão do Direito Comercial. Principia-se
pelo conceito de Direito Comercial e pelos motivos que levaram à
sua autonomia em relação a outras disciplinas do Direito Privado.
Em seguida, trata-se das obrigações do empresário, notadamente
aquelas relacionadas ao seu registro perante as Juntas Comerciais,
a contabilidade e os livros do empresário.
Também desenvolve-se a passagem do Direito Comercial da
teoria dos atos de comércio para a fase da teoria da empresa,
inaugurada oficialmente no ordenamento jurídico com o Código
Civil de 2002.
Finalmente, apresenta-se a justificativa constitucional da exis-
tência de um Direito Comercial, a qual está centrada na livre inicia-
tiva, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

1.1 O histórico do Direito Comercial


Vídeo Uma das formas de entender o conceito de Direito Comercial é rea-
lizar um resgate histórico para melhor compreender a evolução pela
qual essa área passou até chegar ao que se conhece atualmente. Por ser
muito dinâmico, o Direito Comercial não comporta um conceito estático,
mas sim mutável a cada período histórico, motivo pelo qual se costuma
dizer que essa disciplina é historiográfica. Assim, passa-se a desenvolver
essa noção histórica para, então, culminar no conceito.

Uma introdução ao Direito Comercial 9


1.1.1 O Direito Comercial na Antiguidade
O Direito Comercial não surgiu concomitantemente à noção de
comércio. Por isso, a primeira fase é também conhecida como fase
pré-histórica do Direito Comercial, justamente porque não havia uma
sistematização normativa, mas sim usos e costumes que variavam con-
forme os envolvidos na relação comercial.

Existem alguns registros de supostas normas comerciais na


Mesopotâmia, no Egito, na Fenícia, na Palestina e na Grécia, mas, de
modo geral, aceita-se como primeira manifestação verdadeiramen-
te legislativa de Direito Comercial o Código de Hamurabi (CORDEIRO,
2001; FERREIRA, 1956).

Facilmente se constata que o Direito Comercial na Antiguidade era


praticamente inexistente, o que não torna a fase menos importan-
te. Sua compreensão é necessária para demonstrar como a matéria
evoluiu, pois, apesar de não existir um sistema organizado de normas
comerciais, foi justamente o avanço do comércio pelo mundo que co-
meçou a demandar certa organização ou sistematização de regras para
facilitar as trocas comerciais.

1.1.2 O Direito Comercial em Roma


A maior contribuição dos romanos para o Direito Comercial não se deu
especificamente com relação à matéria, mas ao Direito em si. Em razão
de os romanos terem desenvolvido e organizado vários ramos do Direito,
acabaram por fazer o mesmo pelo Direito Comercial. Isso tem uma expli-
cação no fato de o Império Romano ter se expandido muito e contribuí-
do para o estabelecimento de uma espécie de rede de comerciantes, que
passou a exigir certo nível de regras estabelecidas ou adaptadas pelos ro-
manos para conferir alguma ordem no seu vasto império (FRANCO, 2004).

Conclui-se que o Direito romano, apesar da sua exuberância, não


conheceu devidamente o Direito Comercial, limitando-se a fornecer os
mecanismos necessários à sua constituição futura.

1.1.3 O Direito Comercial no início da Idade Média


A queda do Império Romano levou a um processo de fragmenta-
ção do poder e, consequentemente, a uma multiplicação de normas

10 Direito Comercial e do consumidor


que regulavam o comércio. Em razão disso, estruturou-se um sistema
feudal, em que a economia era restrita a aspectos de subsistência for-
temente vinculados ao proprietário das terras, que facultava o seu uso
mediante a entrega de uma parcela da produção.

A insatisfação com esse sistema fez aos poucos surgir uma classe
denominada burguesia, que, ao contrário da classe feudal, não estava
vinculada a aspectos relacionados ao direito de propriedade imobiliá-
ria, mas à prestação de serviços e aos atos de comércio, ainda que ru-
dimentares (GONÇALVES NETO, 2000).

Com o passar do tempo, essa atividade floresce e cresce a ponto de


fazer frente aos senhores feudais. Além disso, faz surgir a necessida-
de e a vontade de criar para si um conjunto de regras diferente, mais
adaptadas à sua própria realidade. Desse modo, cria-se uma ordem ju-
rídica com leis e tribunais próprios que favoreçam essa classe, surgindo
a noção de lex mercatoria e o futuro Estatuto do Comerciante.

Para uma melhor compreensão, basta verificar que até os dias


atuais há feiras livres. Elas surgiram na Idade Média porque a nova
classe burguesa precisava desaguar o excedente dos produtos de
que dispunha para, assim, aumentar o seu lucro. A isso se soma o
vínculo que aos poucos se formava entre a cidade e as feiras que
nela se realizavam, razão pela qual surgem diversos mecanismos
para garantir aos mercadores o trânsito seguro, a criação de guar-
das especiais e a criação dos títulos de crédito em substituição ao
ouro e a outros metais.

Como o sistema jurídico disponível era insuficiente para atender a


essa nova demanda, começa-se a traçar os primeiros elementos de or-
ganização de um Direito Comercial, tal como é conhecido atualmente.
Nesse período, é importante destacar o papel das corporações de ofí-
cios, as quais passam a produzir e aplicar leis e a organizar-se, como é
o caso das famosas cidades italianas de Veneza, Amalfi, Pisa e Gênova
(COELHO, 2002; REQUIÃO, 1993).

O próximo passo foi a criação das chamadas jurisdições consulares,


cujos julgados estão assentados basicamente na boa-fé, nos costumes
e na equidade (FERREIRA, 1956). Esse novo direito é respeitado de ma-
neira consensual universalmente, como se todos o tivessem discutido
e aceito. Seu desenvolvimento e sua aplicação se deram no âmbito dos
mercadores, encontrando sua gênese em interesses meramente eco-

Uma introdução ao Direito Comercial 11


nômicos. Com a evolução natural da mercancia, os estatutos, os usos
e costumes e as decisões são agrupados e a jurisdição é estendida,
aplicando-se a todos os membros (COELHO, 2002).

Nesse ponto, algo muito importante acontece: começa a surgir um


conceito de comerciante, o que se convencionou chamar de conceito
subjetivo ou fase subjetiva do Direito Comercial. “Resultante da auto-
nomia corporativa, o direito comercial de então se caracteriza pelo
acento subjetivo e apenas se aplica aos comerciantes associados à
corporação” (COELHO, 2002, p. 13).

Sobre isso, Requião (1993, p. 10-11) também afirma que:


temos, nessa fase, o período estritamente subjetivista do direito
comercial a serviço do comerciante, isto é, um direito corporativo,
profissional, especial, autônomo, em relação ao direito territorial
Glossário
e civil, e consuetudinário. Como o comércio não tem fronteiras,
consuetudinário: algo e as operações mercantis se repetem em massa, transpira nítido
que se pratica repetida e o seu sentido cosmopolita.
constantemente; usual, habitual,
costumeiro (justamente o que é Portanto, o conceito é subjetivo porque o Direito Comercial era um
o Direito Comercial, ou seja, um
direito de usos e costumes). direito profissional ou classista, em função de uma única classe de
pessoas: os comerciantes.

1.1.4. O Direito Comercial no final da Idade Média


A grande mudança entre o início e o final da Idade Média, com
impacto no Direito Comercial, reside no surgimento da figura dos
Estados modernos, os quais dão soberania aos monarcas que centra-
lizam o poder antes disperso. Com o surgimento desse novo conceito,
o centro irradiador das normas passa a ser o Estado sob o ponto de
vista formal. O direito que era antes consuetudinário e internacionalis-
ta passa a ser legislado e nacional, estranho às corporações. Ainda que
esse direito tenha sido institucionalizado pelo Estado, em geral, foram
mantidas as ideias a respeito das normas consuetudinárias estabeleci-
das pelas corporações de ofício.

O próximo fato histórico importante para o desenvolvimen-


to do Direito Comercial ocorreu a partir do século XV, com a Era dos
Descobrimentos, que levou à colonização, e da segunda metade do sé-
culo XVI, com a evolução dessa fase colonizadora para uma fase mercan-
tilista, a qual acabou por impactar momentaneamente o cosmopolitismo
do Direito Comercial. Ferreira (1956, p. 31) resume essa fase:

12 Direito Comercial e do consumidor


Daí, como medida de defesa, a política intervencionista do
Estado. E com a formação e o robustecimento dos Estados
monárquicos, sua autoridade legislativa centralizada passou
a restringir a formação das normas costumeiras de direi-
to comercial, dando lugar a uma legislação mais atenta aos
interesses do Estado que aos dos comerciantes. O mercanti-
lismo então dominante, multiplicando regulamentos e restri-
ções de toda ordem, impunha leis peculiares a cada Estado,
determinando assim a crescente nacionalização do direito co-
mercial que daí por diante iria perder a sua qualidade de um
direito da comunidade internacional dos comerciantes.

No século XVII, as mudanças sociais acabam gerando um movimen-


to que faz surgir o fenômeno chamado de codificação, que tinha como
objetivo conferir segurança jurídica às relações sociais.

1.1.5 A Revolução Francesa e a codificação


O fato histórico marcante dessa fase foi a Revolução Francesa,
em 1789, sob o lema liberdade, fraternidade e igualdade. Na Fran-
ça, a Lei Chapelier, de 1791, extinguiu as corporações de ofícios e
proclamou a liberdade de trabalho e comércio (GONÇALVES NETO,
2000). Assim, o sistema que havia se desenvolvido para o Direito
Comercial até esse momento, calcado na ideia de um direito especial
e fruto das corporações de ofícios, sofre um grande rompimento.
Isso é ainda mais contundente porque a ideia desenvolvida pelos
revolucionários franceses não ficou restrita à França, influenciando
praticamente o mundo todo.

A ideia de um Direito Comercial focado na figura do comerciante


como seu agente sofre uma mudança para se centrar na definição de
critérios objetivos para a subsunção de um fato à norma.

Nesse momento, a fase subjetiva, baseada na figura do comercian-


te, ou seja, no sujeito, é superada e inicia-se a fase objetiva, baseada na
descrição de um conjunto de atos que, se praticados, definiriam o conceito
de comerciante. Surge, então, a figura da teoria dos atos de comércio.
Artigo

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496956/000983388.pdf?sequence=1

A teoria dos atos de comércio foi uma das fases mais importantes para o Di-
reito Comercial, tendo vigorado por um longo período, pois foi construída na
época da Revolução Francesa, e perdurado no Brasil até a edição do Código
Civil de 2002. Nesse sentido, recomendamos a leitura do artigo Code civil
francês: gênese e difusão de um modelo, de Eugênio Facchini Neto, publicado
na Revista de Informação Legislativa, para ampliar seus conhecimentos.

Acesso em: 17 mar. 2021.

Assim sendo, há a passagem do conceito subjetivo, calcado na


figura do comerciante, para um estágio evolucionista, centrado no
ato de comércio. A principal diferença é que na fase subjetiva era
preciso obter a condição de comerciante, muitas vezes tendo que
pertencer a determinada corporação de ofício ou por delegação do
Estado, de um monarca ou do senhor feudal. Já na fase do conceito
objetivo qualquer indivíduo passa a poder exercer a atividade co-
mercial (COELHO, 2002).

A teoria dos atos de comércio, resumidamente, está assentada em


uma relação de atos definidos pelo Código Comercial como atos que,
se praticados, poderiam ser chamados de próprios do comércio.
Na compra para revenda, dinheiro é cambiado com bens ou
títulos; nas operações bancárias, permuta-se dinheiro presen-
te por dinheiro futuro; nas empresas, resultados do trabalho
são trocados por dinheiro e outros benefícios econômicos; e
nos seguros, o risco individual se troca pela cota-parte do risco
coletivo. (COELHO, 2002, p. 15)

O modelo com base em atos de comércio, embora tenha vigorado


por um grande período, foi largamente criticado diante da insuficiência
que naturalmente abateu a relação inicial de atos de comércio, pois a
atividade comercial é muito dinâmica e rapidamente superou a relação
de atos disposta no Código. Dessa forma, os atos foram se ampliando
com base nos usos e costumes sem que houvesse ou pudesse haver
qualquer tipo de controle efetivo, tampouco qualquer sanção a res-
peito. Segundo o que ressalta Requião (1993, p. 13), para sintetizar a
posição de toda doutrina, “não é preciso esforço de imaginação para
se concluir a precariedade científica de um sistema jurídico que não se
encontra capacitado, sequer, para definir seu conceito fundamental”.

14 Direito Comercial e do consumidor


Essa indefinição dos atos de comércio não impediu, contudo, o de-
senvolvimento da disciplina de Direito Comercial.

1.1.6 A importância do Código Civil italiano de 1942


O Código Civil italiano de 1942 produziu uma importante influên-
cia sobre o Direito Comercial, pois rompeu com o sistema da teoria
dos atos de comércio e lançou para a doutrina um novo sistema com
base na teoria da empresa.

Quando foi editado, o Código italiano acabou por unificar o Direi-


to Privado e, consequentemente, inseriu no mesmo Código o Direito
Civil e o Direito Comercial. Ambos mantiveram sua autonomia, mas
agora constavam em um único instrumento, ao contrário do sistema
que havia sido proposto pelos franceses, o qual tinha um Código
Civil e um Código Comercial – o sistema francês, aliás, era o sistema
adotado pelo Brasil.

A grande discussão em torno desse novo sistema reside na impreci-


são do termo empresa, como bem ressalta Cordeiro (2001, p. 207):
Tentando ordenar este caudaloso uso, podemos adiantar que,
quer perante numerosas leis, quer em face da linguagem cor-
rente, a expressão “empresa” traduz, conforme o contexto: –
um sujeito que atue e que, nessa qualidade, é suscetível de
direitos e de obrigações; pense-se, por exemplo, nos “direi-
tos ou deveres das empresas”, na “política das empresas” ou
nas “preferências das empresas; – um complexo de bens e
direitos capaz de suportar a atuação de interessados; assim,
a “compra de uma empresa”; – uma atividade: “levar a cabo
uma empresa”; esta última acepção, tradicional, tende a cair
em manifesto desuso.

É importante salientar que esse conceito de empresa, embora


impreciso, acompanhou o desenvolvimento da economia em geral e
está conectado à fase histórica de 1942 até os dias atuais, em que a
figura da empresa adquire uma grande importância mundial.

Mesmo que o novo sistema não tenha contribuído efetivamente para


superar o tratamento diferenciado conferido aos que praticam ativida-
des econômicas, ao menos é mais abrangente, a ponto de inserir ativi-
dades que estavam excluídas do conceito de atos de comércio, como a
prestação de serviços. É possível exemplificar a importância da teoria
da empresa ao se resgatar o texto do artigo 966 do Código Civil, que

Uma introdução ao Direito Comercial 15


expressamente inclui os serviços na categoria dos atos capazes de se
identificar a figura do empresário e que expressamente exclui outros:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissional-
mente atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce
profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artís-
tica, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores,
salvo se o exercício da profissão constituir elemento de em-
presa. (BRASIL, 2002)

O Código Civil brasileiro de 2002 reproduziu o conceito de empre-


sário do Código italiano. Basta verificar a redação do artigo 2.082 des-
te e compará-lo ao artigo 966 daquele: é “empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção
ou a circulação de bens e de serviços” (BRASIL, 2002).

Como é costumeiro, não se pode deixar de mencionar a teoria


dos perfis da empresa, de Asquini (1996). Os perfis são:

Subjetivo, como sujeito de direito identificado pela figura do empresário.

Corporativo, como organismo que envolve as relações jurídicas internas do


empresário com seus prepostos.

Objetivo, como objeto de direito que corresponde à noção de


estabelecimento empresarial.

Funcional, como atividade desenvolvida de maneira organizada.

Em seu texto, o Código Civil brasileiro, fortemente influenciado pelo


Código Civil italiano de 1942 e pela teoria dos perfis da empresa, de
Asquini, revela, no artigo 966, todos esses perfis, em maior ou menor
profundidade, conforme o quadro a seguir.

16 Direito Comercial e do consumidor


Quadro 1
Influências da teoria dos perfis da empresa no Código Civil brasileiro

Presente no artigo 966 do Código Civil, que conceitua a figura


Subjetivo do empresário ao registrar “considera-se empresário quem”.
Presente no artigo 981 do Código Civil, que conceitua a figura
da sociedade, a qual organiza as relações empresariais, e nos
Corporativo artigos 1.169 a 1.171 (prepostos), 1.172 a 1.176 (gerente) e
1.177 e 1.178 (contabilista e auxiliares).
Presente nos artigos 1.142 a 1.149 do Código Civil, que regu-
Objetivo lam o estabelecimento.
Presente no artigo 966 do Código Civil, quando coloca “exerce
Funcional profissionalmente atividade econômica organizada”.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Sendo assim, resta demonstrar a evolução constante do Direito Comer-


cial até chegar à conformação atual, baseada na teoria das empresas.

1.1.7 O Direito Comercial no Brasil


No Brasil, há três fases históricas: Brasil Colônia, Brasil Independente
e Brasil República. Na época do Brasil Colônia, a legislação aplicável
aos comerciantes era a portuguesa, sendo considerado fato importan-
te para o desenvolvimento da disciplina a famosa abertura dos portos
por meio da Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, até hoje vista como
a primeira norma comercial brasileira. Depois vieram outros eventos,
como a criação do Banco do Brasil em 1808, uma vez que a atividade de
crédito é notoriamente comercial (REQUIÃO, 1993).

Com a Independência, em 1822, inicia-se a fase do Brasil


Independente. Não havia normas comerciais para regular o comércio
existente, razão pela qual o novo governo determinou que as leis por-
tuguesas continuassem em vigor. Isso acabou perdurando até 1850,
quando finalmente foi editado o Código Comercial brasileiro, permea-
do pelas seguintes ideias:

Um Código de comércio deve ser redigido sob os princípios adotados por todas
as nações comerciantes, em harmonia com os usos ou os estilos mercantis dos
diversos povos do mundo.

Um Código de comércio deve ser acomodado às circunstâncias especiais do


povo para o qual é feito.

Uma introdução ao Direito Comercial 17


Em 1889 inicia a fase do Brasil República, que perdura até os dias
atuais. Cumpre lembrar que o Código Comercial brasileiro foi editado
em 1850 e vigorou até 2002, com a edição do Código Civil. De fato, a Lei
n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – em vigor desde janeiro de 2003 –,
no artigo 2.045, revoga expressamente toda a primeira parte do Código
Comercial de 1850.

Atualmente é possível afirmar que o Código Comercial é pratica-


mente inexistente, posto que, além da revogação expressa da sua pri-
meira parte, toda a segunda parte é objeto de leis esparsas.

Artigo

http://seer.ufrgs.br/revfacdir/article/download/73484/41374

Para saber mais detalhes desse desenvolvimento histórico, leia o artigo Do


Direito Comercial ao Direito Empresarial: formação histórica e tendências do
Direito brasileiro, de Bruno Nubens Barbosa Miragem, publicado na Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Acesso em: 17 mar. 2021.

1.2 Conceito e autonomia do Direito Comercial


Vídeo Categoriza-se o Direito classicamente em Direito Público e Direito
Privado. Este último, por sua vez, divide-se em Direito Civil, Direito Co-
mercial e direito do consumidor. Para compreender a extensão e a im-
portância do Direito Comercial dentro do Direito Privado, é importante
estudar seu conceito e sua autonomia segundo essa divisão.

1.2.1 O conceito de Direito Comercial


Estabelecer um conceito sobre determinada disciplina não é uma
tarefa simples, pois existem muitas propostas, cada qual salientando
aspectos importantes, mas sem que seja possível chegar a um consen-
so propriamente dito. Por isso, opta-se por apresentar os conceitos a
seguir, adotando um critério cronológico para demonstrar a evolução
da definição do que é Direito Comercial:

18 Direito Comercial e do consumidor


Complexo de normas jurídicas que regulam as relações derivadas
das indústrias e atividades que a lei considera mercantis, assim
como os direitos e obrigações das pessoas que profissionalmente
as exercem (BORGES, 1959, p. 14).

Conjunto de normas jurídicas que regulam os atos necessários às


atividades dos comerciantes no exercício de sua profissão, bem
como os atos pela lei considerados comerciais, mesmo praticados
por não comerciantes (MARTINS, 2002, p. 16).

Direito Comercial tem sido o nome que identifica – nos currículos


de graduação e pós-graduação em Direito, nos livros e cursos, no
Brasil e em muitos outros países – o ramo jurídico voltado às ques-
tões próprias dos empresários ou das empresas; à maneira como
se estrutura a produção e negociação dos bens e serviços de que
todos precisamos para viver (COELHO, 2016, p. 11).

Apesar dos inúmeros conceitos disponíveis, é importante salien-


tar que o Direito Comercial, por estar atrelado à atividade comercial, é
extremamente dinâmico e mutável. Os conceitos apresentados demons-
tram justamente essa característica, começando com uma definição cen-
trada na figura do comerciante e passando, ao longo dos anos, para a
figura do empresário. A dinamicidade própria das atividades empresa-
riais acaba por tornar impossível uma sistematização da disciplina, que
se divide em várias partes (Figura 1), por exemplo, Direito Cambiário, Di-
reito Societário, Direito da Insolvência (falência e recuperação), Direito
Bancário, Direito da Propriedade Industrial etc.

Uma introdução ao Direito Comercial 19


Figura 1
Divisões do Direito Privado

Direito Privado

Direito Civil Direito Direito do


Comercial Consumidor

Direito Direito Direito da Direito Direito da


Cambiário Societário Insolvência Bancário Propriedade
Industrial

Fonte: Elaborada pelo autor.

O Direito Comercial não surgiu com o comércio, pois este é anterior à normatização
estudada neste livro. Até a construção do que viria a ser o Direito Comercial, vigora-
vam regras costumeiras que orientavam as relações comerciais, as quais somente
vieram a ser organizadas muito tempo depois, surgindo a disciplina estudada neste
capítulo. Assim, o Direito Comercial certamente é um ramo que nasceu com os co-
merciantes para atender às suas necessidades, especialmente a de promover certa
segurança jurídica às relações emergentes e que se mostravam altamente rentáveis
para todos os envolvidos, mas que logo se desprendeu dos seus criadores para abran-
ger um número cada vez maior de relações.

Mais do que apenas um conceito, o importante é identificar os ele-


mentos do Direito Comercial aptos a formar um conceito geral da ma-
téria. Dessa forma, prevalecem os seguintes aspectos comuns a todos
os conceitos, independentemente da cronologia:
• ter profissionalidade ou habitualidade da atividade;
• ser a atividade mercantil ou empresária;
• ser executada por um sujeito de direitos e obrigações denomina-
do empresário ou comerciante.

Com base nessas características, é possível fornecer um conceito do


que representa o Direito Comercial.

20 Direito Comercial e do consumidor


Nesse ponto, é preciso estabelecer um marco legal distintivo que
impacta o conceito, por mudar o enfoque, com base na mutação do
sujeito da relação jurídica:

Código Comercial de 1850


(deixou de vigorar, em parte, em 11 de janeiro de 2003)

Até 2003 vigorava no ordenamento jurídico o Código Comercial de 1850, com forte influência do Direito francês. O
conceito girava em torno da figura do comerciante do ato de comércio, por isso era chamado de teoria dos atos de
comércio. Porém, um conjunto de mudanças econômicas, culturais e sociais transformou o comerciante nas figuras
que hoje se conhece como empresário e empresa.

Código Civil de 2002


(entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003)

Embora socialmente já tivesse ocorrido a mudança de enfoque do comerciante e dos atos de comércio para o em-
presário e a empresa há muito tempo, foi somente após o Código Civil de 2002 que houve a positivação desse novo
sistema. O Direito Comercial passou a se orientar por meio das noções de empresário e empresa, justificando o uso
da expressão Direito Empresarial, ainda que Direito Comercial continue sendo largamente utilizada.

A grande mudança não reside na nomenclatura, a qual passou a


chamar o comerciante de empresário, mas no conceito mais amplo de
atividade empresarial, que engloba não somente a compra e a venda,
mas também a produção de bens (indústria) e principalmente a presta-
ção de serviços, que, até então, não era considerada empresarial.
A mutação realizada pelo Código Civil também gerou o fenômeno e
a discussão da unificação do Direito Privado. Houve muito debate em
torno da unificação entre o Direito Civil e o Direito Comercial, especial-
mente porque o Código Comercial de 1850 foi revogado por ocasião da
edição do Código Civil de 2002.
A argumentação dos defensores da unificação derivava da fase co-
nhecida como fase da codificação do Direito Privado (composto do Di-
reito Civil e do Direito Comercial e, para alguns, também do direito do
consumidor). Durante ela, dava-se enorme valor aos códigos. Assim,
o Direito deveria ser codificado, consolidando em um único diploma
legal – o Código – toda a legislação da matéria que se pretendia tratar.
É por isso que no Brasil há o Código Civil, o Código Tribunal Nacional, o
Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, o
Código de Defesa do Consumidor etc.

Uma introdução ao Direito Comercial 21


Ocorre, entretanto, que o Direito Comercial é muito dinâmico e dificil-
mente consegue ficar encerrado em um código, que tem por característica
o “engessamento” da disciplina. Eis que, em geral, toda mudança depende
Glossário
de alterações legislativas quase sempre morosas, ao passo que a ativi-
moroso: lento, demorado.
dade comercial é extremamente dinâmica, não podendo, por isso, ficar
presa a esse aspecto sob pena de o seu objetivo não se realizar.
A ideia de unificação começou no âmbito do Direito italiano, que
influenciaria fortemente a unificação no Direito brasileiro. Em 1942 foi
editado o Código Civil italiano, que agrupou o direito obrigacional do
país, deixando de existir, portanto, a diferença entre obrigações civis e
comerciais. Como antes havia dois códigos, um comercial e outro civil,
cada um regulava o campo das obrigações de uma forma.

O Código Civil brasileiro de 2002 adotou a orientação italiana e uni-


ficou o direito das obrigações, deixando de existir no ordenamento
nacional a distinção entre obrigações civis e comerciais. Além disso,
instituiu um capítulo para tratar do Direito de Empresa, que substituiu
o Código Comercial de 1850.

No Código Civil o Direito de Empresa tratou de temas como em-


presa e empresário (artigos 966 a 980), Direito Societário (artigos
981 a 1.141), estabelecimento empresarial e institutos complemen-
tares (artigos 1.142 a 1.195), títulos de créditos (artigos 887 a 926) e
obrigações em geral (artigos 481 a 853). Uma parcela da legislação
sobre o Direito Comercial, contudo, permanece ausente do Código
Civil, como é o caso da falência e da recuperação judicial e extrajudi-
cial, reguladas pela Lei n. 11.101/2005, do registro empresarial, re-
gulado pela Lei n. 8.934/1994, e da propriedade industrial, regulada
pela Lei n. 9.279/1996.

Com a unificação do direito das obrigações e a inserção


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de parcela significativa do Direito Comercial no
Código Civil, muitos defenderam o fim da
disciplina. Todavia, não é apenas a autono-
mia legislativa que define a autonomia de
dada disciplina em relação a outra, mas as
particularidades inerentes à aplicação da
legislação.

22 Direito Comercial e do consumidor


Assim, a segunda parte desta seção trata da autonomia do Di-
reito Comercial.

1.2.2 A autonomia do Direito Comercial


A discussão a respeito da autonomia do Direito Comercial está liga-
da à subseção anterior. Existem as seguintes espécies de autonomia:
formal, ou legislativa; substancial, ou jurídica, científica; e didática.

Autonomia formal

Contempla a existência de um código autônomo, ou seja, cada disciplina tem seu próprio código. Por exem-
plo, o Direito Comercial teria o Código Comercial, o Direito Civil teria o Código Civil, e assim por diante.

Autonomia substancial

Permite determinar de maneira científica a matéria a ser estudada por determinado ramo do Direito por meio
do conteúdo e dos princípios específicos.

Autonomia didática

É aquela decorrente da existência de cadeiras específicas nas faculdades de Direito.

Essas diversas espécies não explicam completamente o proble-


ma da autonomia, mas ajudam a determinar a existência de auto-
nomia no Direito Comercial, ainda que seja muito difícil realizar a
sua sistematização, afinal, ele é fruto do dinamismo e não conse-
gue ficar encerrado em um código.

Para ilustrar essa afirmação, tem-se o exemplo da matéria con-


tratual. O Código Comercial de 1850 regulava as obrigações mer-
cantis, prevendo a existência dos seguintes contratos: mandato
mercantil, comissão mercantil, compra e venda mercantil, escam-
bo ou troca mercantil, locação mercantil, mútuo e juros mercantis,
fianças e cartas de crédito e abono, hipoteca e penhor mercantil, e
depósito mercantil.

O Código Civil de 2002 revogou, conforme artigo 2.045, toda a pri-


meira parte do Código Comercial de 1850, justamente no qual esta-

Uma introdução ao Direito Comercial 23


vam situados os contratos mencionados (BRASIL, 2002). Ele passou a
tratar do mandato sem diferenciar se é civil ou comercial. Entretanto,
quando o jurista se depara com um mandato, consegue, com base
nas suas cláusulas e condições, estabelecer a distinção entre um man-
dato civil e um comercial, ainda que eles não possuam essa adjetiva-
ção e sejam denominados apenas de mandato.

Glossário
ontologia: reflexão com base
em um sentido abrangente e que A autonomia do Direito Comercial, portanto, é de natureza ontológica, e não
possui múltiplas existências. Por propriamente científica.
exemplo, o mandato possui um
sentido abrangente que comporta
múltiplas existências, sendo uma
delas na forma de mandato civil e Cabe ressaltar o fato de que a unificação do direito das obri-
outra na de mandato comercial.
gações e a ausência de um código não afetam a autonomia como
um todo do Direito Comercial. Mantém-se viva a ideia do Direito
Comercial como um direito especial, dedicado agora às figuras do
empresário e da empresa, e um direito comum, o Direito Civil, que
oferece respostas aos problemas derivados das demais relações
jurídicas. A rigor, um ramo do Direito somente será especial se
houver outro comum, o que não ocorre em casos com total sime-
tria. Por exemplo, o Direito Societário não possui equivalência de
nenhuma ordem no Direito Civil, embora este trate da figura da
pessoa jurídica, que é essencial para o Direito Societário.

Assim, apesar da unificação do direito obrigacional, que agora


abrange também as relações jurídicas derivadas do Direito Comer-
cial, não houve a total absorção das matérias comercialistas pelo
Direito Civil, mantendo-se intacta a autonomia de ambos.

A própria existência de leis autônomas regulando temas de Direito


Comercial realça o seu caráter fragmentário, uma das características
da disciplina, em razão da necessidade de se adaptar às dinâmicas
econômica, social e histórica da atividade comercial ao longo dos sé-
culos. Esse atributo dificulta a vigência de um código, estimulando a
edição de leis esparsas mais dinâmicas, caso precisem ser modifica-
das para se adaptarem a qualquer nova realidade comercial.

Como foi mencionado o caráter fragmentário do Direito Comer-


cial, é preciso tratar das suas principais características, sistematiza-
das a seguir, para melhor compreensão:

24 Direito Comercial e do consumidor


Cosmopolitismo ou internacionalidade Onerosidade

O Direito Comercial volta-se à integração das práticas A atividade empresarial é caracterizada pelos
mercantis entre os povos, sendo comum a busca da uni- seus aspectos econômico e especulativo, que
formização, quando possível, dessas práticas. visam ao lucro como forma de remuneração do
capital empregado ao seu desenvolvimento.

Informalismo
O Direito Comercial é o direito do Fragmentarismo
dinamismo e, por isso, demanda a Dois fatores contribuem para essa característica. O pri-
criação de mecanismos jurídicos que meiro deles é a dinamicidade dos fatos econômicos que
agilizem as transações. atingem o Direito Comercial, e o segundo é a alta especi-
ficidade das disciplinas que o compõem, como o Direito
Societário e o Direito Falimentar.

Com essas características, a definição do que é Direito Comercial Glossário


se torna difícil, por isso se opta por definições teleológicas. Ou seja, teleológico: trajeto em direção
a finalidade define a extensão da lei para a caracterizar ou não como a uma finalidade. Nesse caso,
é com base na finalidade da lei
lei comercial. que se determina se ela está ou
não sujeita ao Direito Comercial.
Para os fins desta obra, define-se o Direito Comercial como sendo
todas aquelas resoluções decorrentes de uma atividade empresarial
ou do estado de empresário.

Artigo

https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67933/70541/89365

O artigo A autonomia do Direito Comercial e o Direito de Empresa, de Marcos


Paulo de Almeida Salles, é uma boa leitura para aprofundar seus conheci-
mentos a respeito da discussão em torno da existência ou não da autonomia
do Direito Comercial.

Acesso em: 11 fev. 2021.

1.3 Teoria da empresa e atividade comercial


Vídeo O Código Comercial de 1850 estava estruturado na chamada teoria
dos atos de comércio, que vigorou no ordenamento jurídico até a edição
do Código Civil de 2002, ocasião em que passou à teoria da empresa.

Enquanto a teoria dos atos de comércio estava assentada em um rol de atividades


que, se praticadas, caracterizavam a figura do comerciante, além de estar sujeita às re-
gras do Direito Comercial, a teoria da empresa abandona essa relação de atividades e
fica centrada na figura do sujeito, ou seja, do empresário, que é o exercente da atividade
(Continua)

Uma introdução ao Direito Comercial 25


econômica organizada (empresa). Mesmo sendo denominada teoria da empresa, o Có-
digo Civil parte do conceito de que o empresário é o sujeito da relação jurídica, enquanto
a empresa é o objeto dessa relação.

Para compreender a teoria da empresa é preciso começar pelo


conceito de empresário, que é explicado no artigo 966 do Código Ci-
vil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente ativida-
de econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou
de serviços” (BRASIL, 2002). Os elementos do conceito de empresário
são os seguintes:
• Atividade econômica organizada.
• Profissionalidade ou habitualidade.
• Ter a finalidade de produzir, circular bens ou prestar serviços.

Cumpre salientar que a atividade econômica pode ser empresa-


rial ou não. Essa distinção fica clara quando se analisa o parágrafo
único do artigo 966 do Código Civil, o qual estabelece o que não é um
empresário: aquele que pode até exercer ou praticar uma atividade
econômica organizada, mas ela está assentada em atividades de na-
tureza intelectual, artística ou literária (BRASIL, 2002). Assim, quando
houver atividade econômica organizada por um empresário, haverá a
figura da empresa.

A empresa também está conceituada no artigo 966 do Código Civil,


quando este estabelece que ela “exerce atividade econômica organiza-
da”, podendo ser interpretado como “exerce a empresa”. Assim, o su-
jeito é o empresário e o objeto é a empresa. Os conceitos de empresa
e empresário estão, portanto, entrelaçados, sendo aquela o meio que
este tem para explorar, em caráter profissional e habitual, determinada
atividade econômica que o distingue das demais profissões.

A definição dos conceitos de empresa e empresário é baseada


em comparações e tem por objetivo demonstrar a evolução do con-
ceito de comerciante para o de empresário, dadas as variáveis eco-
nômicas, sociais e culturais do Direito nacional. Antes do Código Civil
de 2002, o qual entrou em vigor em 2003, existia a figura do comer-
ciante, isto é, aquele que pratica atos de comércio enumerados no
Código Comercial de 1850. Após o Código Civil, a figura do comer-
ciante passou a se chamar empresário.

26 Direito Comercial e do consumidor


A passagem da teoria dos atos de comércio para a teoria da empresa
se dá na questão da atividade econômica organizada, pois, para que
haja produção de bens ou serviços, faz-se necessária a criação de ati-
vidade organizada e profissional por meio de organismos econômicos
oriundos da organização de fatores de produção e que se propõem
à satisfação de vontades alheias. A isso se convencionou chamar de
empresa, ou seja, abandona-se a figura do comerciante, centrada nos
atos de comércio, e passa-se à figura do empresário, centrada no de-
senvolvimento de uma atividade econômica organizada.

A empresa assumiu uma importância capital nos últimos tempos,


pois se tornou um importante elemento da comunidade em geral,
saindo da esfera econômica para também abranger a esfera jurídica,
consolidada na redação do artigo 966 do Código Civil. Por essa ra-
zão, é possível tratar de dois conceitos de empresa. O primeiro é
o econômico, no sentido de ser um organismo econômico que tem
por objetivo reduzir os custos de transação e otimizar o capital para
obter resultados lucrativos. O segundo é o jurídico, cuja procura de
um significado satisfatório tem sido difícil, mas que pode ser resumida
atualmente na noção de atividade econômica organizada do artigo 966
do Código Civil.

Os estudos em torno da teoria da empresa permitem verificar que


apenas alguns dos aspectos econômicos interessam efetivamente ao
Direito, ao qual cumpre estudar:
a. a empresa como expressão da atividade do empresário, pois este
não está sujeito a normas específicas, que subordinam o exercí-
cio da empresa a determinadas condições ou pressupostos ou o
Vídeo
titulam com particulares garantias (normas referentes à empresa
No vídeo Conceitos Básicos
comercial, como registro);
de Direito Empresarial,
b. a empresa como ideia criadora, a que a lei concede tutela (nor- do canal Curso Priscilla
mas de repressão à concorrência desleal, proteção à proprieda- Menezes, é possível veri-
de industrial); ficar uma explicação clara
e ilustrada dos principais
c. como um complexo de bens, que forma o estabelecimento co- conceitos de Direito Em-
mercial, regulando sua proteção e forma de transferência; presarial, isto é, empresa,
d. as relações com os dependentes, vinculando-se ao direito do tra- empresário, estabeleci-
mento e ponto comercial.
balho. (REQUIÃO, 2000, p. 48-49)
Vale a pena assistir ao
vídeo para firmar alguns
Parte da passagem da teoria dos atos de comércio para a teoria da conceitos.
empresa se deve ao Direito italiano, que, com o advento do seu Código Disponível em: https://youtu.
Civil de 1942, colocou a empresa no centro do sistema. O Direito brasi- be/8MzgJIBfO_s. Acesso em: 22
mar. 2021.

Uma introdução ao Direito Comercial 27


leiro recepcionou a empresa ao estabelecer, no Livro II do Código Civil
de 2002, o Direito de Empresa.

Contudo, a recepção desse Direito se deu considerando a sua im-


portância no campo econômico, fazendo surgir o problema de quando
se procura o erigir à condição de categoria básica do Direito Comercial.
A empresa não é propriamente uma categoria básica porque é um ente
abstrato, concebida como exercício de uma atividade econômica orga-
nizada em caráter profissional. Ela é uma ação intencional do empresá-
rio, praticada quando ele decide exercitar sua atividade econômica – e
isso se dá por meio da empresa, ou seja, por meio de uma organização
de meios para atingir certas finalidades.

Em outros termos, o empresário organiza a sua atividade e coordena


os bens (capital) com o trabalho de terceiros, e a empresa se torna um
objeto de Direito, sem ser elevada à condição de sujeito de Direito, a
qual é destinada exclusivamente ao empresário.
Saiba mais
Embora seja comum o uso da expressão empresa como sinônimo
Mais recentemente foi criada de sociedade, é necessário destacar que elas não se confundem. A
a figura da sociedade limitada
unipessoal, que, embora seja empresa é a atividade econômica desenvolvida pelo empresário que
chamada de sociedade, é pode se constituir de maneira coletiva, como em uma sociedade em-
composta de uma única pessoa
presária. Já a sociedade é a forma coletiva de exploração de uma em-
(artigo 1.052, parágrafo 2º, do
Código Civil). presa, visto que é composta de sócios e que existem várias formas no
ordenamento jurídico, sendo a mais comum a sociedade limitada.

1.4 Regime jurídico da livre iniciativa


Vídeo Para compreender o sistema em que se encontra posicionado o Di-
reito Comercial, é preciso ter em mente que o Direito brasileiro é um
sistema complexo de normas, o qual começa com o Direito Constitucio-
nal. A Constituição Federal (CF) de 1988 adotou um sistema que permi-
te a fixação das estruturas da ordem econômica, a qual está calcada em
alguns princípios: a livre iniciativa (artigo 1º, IV), a defesa dos direitos do
consumidor (artigo 5o, XXXII), a liberdade de trabalho, ofício e profissão
(artigo 5o, XIII), a livre concorrência, a propriedade privada (artigo 5º,
XXII) e a defesa do meio ambiente (artigo 225).

Assim, somente existe a figura do empresário e uma teoria da em-


presa no Brasil porque o artigo 170 da CF estabelece a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de au-
torização, salvo nos casos expressamente previstos em lei. Portanto, a
livre iniciativa está inserida como: fundamento do Estado Democrático
de Direito (artigo 1º, VI, da CF/1988); direito fundamental, ao garantir
o direito de propriedade privada (artigo 5º, XXII, da CF/1988); e funda-
mento da Ordem Econômica (artigo 170, da CF/1988).

Por livre iniciativa se entende o regime jurídico que permite ao indivíduo exercer livre-
mente qualquer tipo de atividade econômica, sem interferência do Estado como regra,
existindo, contudo, exceções em alguns casos. A regra é da livre iniciativa, da liberdade
de empreender qualquer ramo econômico em busca do lucro. Trata-se de um reflexo do
direito à propriedade privada.

A Constituição revela a preocupação do legislador de tutelar o exer-


cício da atividade econômica sem, no entanto, descuidar de princípios
limitadores ou orientadores dela. Ela trata especialmente da defesa
dos direitos do consumidor, da liberdade de trabalho e da defesa do
meio ambiente.

O Direito Comercial passa a tratar de todos que, segundo a CF,


exerçam algum tipo de atividade econômica. Por essa razão, toda lei
ordinária que lecione a respeito da atividade econômica não pode,
sob pena de inconstitucionalidade, ferir os limites estabelecidos
pela Constituição.

O Direito Constitucional como um todo promove uma modificação


estrutural na comunidade e faz com que novas necessidades sejam
demandadas, especialmente aquelas relacionadas à dignidade do
trabalho humano e aos direitos fundamentais e sociais. Isso obriga
antigas instituições a se adaptarem, como o comerciante, que preci-
sou se ajustar e se organizar para, mediante uma estrutura chamada
empresa, poder atender a essa nova realidade econômica, cultural e
social pós-CF de 1988.

Assim sendo, a matriz do Direito Comercial está na livre iniciativa,


princípio que encontra diversas manifestações em âmbito constitucio-
nal, conforme o quadro a seguir.

Uma introdução ao Direito Comercial 29


Quadro 2
Manifestações do princípio da livre iniciativa

Artigo Texto

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
170
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasilei-
ras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independen-
temente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevan-
te interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista
e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de
bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
[...]
173 § 2º. As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais
não extensivos às do setor privado.
§ 3º. A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, esta-
belecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos
atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Fonte: Adaptado de Brasil, 1988, grifos nossos.


30 Direito Comercial e do consumidor
A primeira referência transforma a livre iniciativa em um dos pilares
do Estado Democrático de Direito, permitindo a liberdade de exercício
das atividades econômicas em geral, sejam elas de natureza empresa-
rial ou não. Por exemplo, um advogado em seu escritório desenvolve
uma atividade econômica, mas não de natureza empresarial; já uma
pizzaria também desenvolve uma atividade econômica, mas o faz sob
a forma empresarial.

Ao Estado compete a regulação do exercício dessa atividade econô-


mica, na figura conhecida como Estado Regulador, conforme previsto no
artigo 174 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade eco-
nômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscali-
zação, incentivo e planejamento, sendo este determinante para
o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º. A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do
desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e com-
patibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º. A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas
de associativismo.
§ 3º. O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira
em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambien-
te e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º. As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão
prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra
dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde
estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21,
XXV, na forma da lei.

Portanto, o Estado deve exercer o seu poder normativo e


regulador das atividades econômicas, instituindo regras a respeito
da criação, do funcionamento e de outras obrigações. A Constitui-
ção Federal atua como norma programática que fixa determinado
objetivo a ser alcançado. Ela incumbe ao Estado editar leis para con-
cretizar os objetivos estabelecidos constitucionalmente, como a li-
berdade de iniciativa.

É importante destacar que o Estado, caso queira promover a


exploração direta de atividade econômica, estará sujeito ao “regime ju-
rídico próprio das empresas privadas”, conforme estabelecido no artigo
173, parágrafo primeiro, inciso II, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Esse artigo também confere ao Estado um papel subsidiário no exercício

Uma introdução ao Direito Comercial 31


da atividade econômica, salvo apenas caso de situações especiais, como
a segurança nacional e o interesse coletivo.

Dessa forma, o Estado e o particular, no exercício de uma atividade econômica, são co-
locados em igualdade, pois os princípios são aplicáveis a ambos, observada a função
social. Ainda que o Estado decida exercer uma atividade econômica, deverá respeitar o
regime jurídico próprio das empresas privadas, ou seja, sem qualquer vantagem.

Todas as empresas têm sua função social, e não somente aquelas


em que se faz necessária uma autorização do Poder Público em face da
segurança nacional ou do interesse coletivo. Isso porque todas elas, em
graus diversos, exercem atividades socialmente relevantes. Por isso, as
empresas atualmente envolvem interesses individuais e privados, mas
também interesses coletivos e públicos, que podem e devem ser prote-
gidos, destacando o papel da função social da empresa.

Para fortalecer ainda mais a ideia constitucional, foi editada a Lei


da Liberdade Econômica, Lei n. 13.874/2019, que reafirmou, em vários
dispositivos, a livre iniciativa como elemento fundamental da ordem
econômica. Ela instituiu a declaração de direitos de liberdade econômi-
ca, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exer-
cício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado
como agente normativo e regulador. A lei também reafirma a liberdade
como garantia no exercício de atividades econômicas (artigo 2º, I) e o
papel subsidiário do Estado no processo de intervenção sobre o exercí-
cio dessas atividades (artigo 2º, III) (BRASIL, 2019).

A declaração de direitos da liberdade econômica enumera um con-


junto de direitos para aqueles que pretendem exercer atividades eco-
nômicas, destacando-se:
• desenvolver atividade econômica de baixo risco;
• desenvolver atividade econômica em qualquer horário;
• receber tratamento isonômico dos órgãos públicos quanto ao
exercício de atos de liberação do exercício de atividade econômica.

Para realçar a importância da livre iniciativa, o artigo 4º da Lei


n. 13.874/2019 estabelece as garantias da livre iniciativa, vedando as se-
guintes condutas para o Estado:

32 Direito Comercial e do consumidor


Criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico ou profissional
I
em prejuízo dos demais concorrentes.

II Redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado.

III Exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado.

Redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos
IV
ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco.

V Aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios.

Criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional,


VI
inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros.

VII Introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas.

Restringir o uso e o exercício da publicidade e da propaganda sobre um setor econômico,


VIII
ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal.

Exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza, de


IX
maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do artigo 3º dessa Lei.

O objetivo central da Lei da Liberdade Econômica é reafirmar o


compromisso do legislador constitucional com a livre iniciativa, o que con-
sequentemente fortalece ainda mais o papel do Direito Comercial no sis-
tema jurídico brasileiro.

Artigo

https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/download/2084/2930

O artigo Livre iniciativa: considerações sobre seu sentido e alcance no Direito brasileiro,
de Ricardo Lupion Garcia e Cláudio Kaminski Tavares, apresenta um conceito
elementar para compreender o Direito Comercial brasileiro: a livre iniciativa. Vale a
pena a leitura para aprofundar seus conhecimentos a respeito desse assunto.

Acesso em: 11 fev. 2021.

Uma introdução ao Direito Comercial 33


Por fim, a Constituição Federal também protege a livre
concorrência, princípio coirmão da livre iniciativa, pois sem liber-
dade de iniciativa não é possível concorrer livremente, e o inverso
também é verdadeiro. Dessa forma, a livre concorrência é um estí-
mulo ao exercício eficiente da liberdade de iniciativa. Embora sejam
coirmãos, são princípios distintos. Enquanto a livre iniciativa trata da
liberdade de exercício da atividade econômica, a livre concorrência
estabelece que o exercício dessa liberdade está protegido da con-
corrência desleal e desonesta.

Assim sendo, percebe-se a importância de compreender que o Di-


reito Comercial está inserido no contexto da norma constitucional, a
qual prevê a existência da liberdade de iniciativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Comercial passou da teoria dos atos do comércio e do
regime legal do Código Comercial de 1850 para um novo modelo com
base na teoria da empresa, cujo marco legal é o Código Civil de 2002.
Embora seu regramento esteja no Código Civil, continua a existir o Di-
reito Comercial, dadas as suas autonomias didática e substancial, ainda
que tenha perdido, em parte, sua autonomia legislativa.
A passagem para a teoria da empresa está bem delimitada no or-
denamento jurídico nacional, e existe, além do Código Civil, uma série
de outras leis regulando algum aspecto do Direito Comercial, como a
lei que aborda a falência e a recuperação do empresário, o qual é um
sujeito de direitos e obrigações das relações jurídicas envolvendo essa
área do Direito.
O exercício da atividade econômica empresarial exige o
preenchimento de várias obrigações previstas em lei, destacando-se
a obrigação do registro perante as Juntas Comerciais dos estados,
bem como a manutenção de uma escrituração contábil, de livros obri-
gatórios e facultativos, além de várias outras obrigações para manter
sua regularidade.
Toda essa legislação, contudo, está encimada pela Constituição Fe-
deral (isto é, a Constituição está acima de todas as normas), a qual
garante a liberdade de iniciativa de qualquer indivíduo, que pode de-
senvolver atividade econômica sem prévia autorização, salvo em situa-
ções excepcionais.

34 Direito Comercial e do consumidor


ATIVIDADES
Vídeo 1. Conceitue Direito Comercial.

2. Qual é a diferença entre a teoria dos atos de comércio e a teoria da


empresa?

3. O Direito Comercial possui autonomia científica? Justifique sua resposta.

REFERÊNCIAS
ASQUINI, A. Perfis da empresa (Profili dell’impresa, in Rivista del Diritto Commerciale,
1943, v. 41, I). Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano XXXV (nova
série), n. 104, p. 109-126, out./dez. 1996.
BORGES, J. E. Curso de Direito Comercial Terrestre. São Paulo: Forense, 1959.
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5
out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
Acesso em: 11 fev. 2021.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm. Acesso em: 11 fev. 2021.
BRASIL. Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 set. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 11 fev. 2021.
COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. São Paulo, Saraiva, 2002.
COELHO, F. U. Manual de Direito Comercial: Direito da Empresa. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
CORDEIRO. A. M. Manual de Direito Comercial. Coimbra: Almedina, 2001.
FERREIRA. W. M. Instituições de Direito Comercial. São Paulo: Max Limonad, 1956.
FRANCO, V. H. de. M. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
GONÇALVES NETO, A. de A. Manual de Direito Comercial. Curitiba: Juruá, 2000.
MARTINS, F. Curso de Direito Comercial. 28. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 1.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003.

Uma introdução ao Direito Comercial 35


2
A atividade empresarial
e sua organização
Oksandro Gonçalves

O objetivo deste capítulo é apresentar e desenvolver algumas


obrigações do empresário, especialmente o registro público de em-
presas mercantis perante as Juntas Comerciais, a contabilidade e os
livros do empresário. Trata-se de um tema de suma importância, uma
vez que o empresário somente estará regular com suas obrigações
se estiver devidamente registrado; caso contrário, pode ser conside-
rado um empresário irregular, com graves consequências. Ao final,
na seção 2.6, é apresentado o conceito de estabelecimento comercial,
essencial para o desenvolvimento das atividades do empresário.

2.1 Registro público de empresas mercantis


Vídeo O registro público de empresas mercantis, também conhecido por
registro do comércio ou, como atualmente é chamado, registro públi-
co de empresas, é de essencial importância para o empresário, porque
visa organizar, a nível nacional, o exercício da atividade empresarial,
conferindo-lhe a adequada publicidade dos atos e a segurança jurídica
que esse modelo traz para toda sociedade.

São três as normas essenciais para a compreensão do sistema de


registro:

Registro público de
empresas mercantis e
atividades afins

Código Civil,
Lei n. 8.934/1994 Decreto n. 1.800/1996
artigos 1.150 a 1.154

36 Direito Comercial e do consumidor


É preciso iniciar pelo artigo 1.150 do Código Civil, que estabelece
uma obrigação geral ao dizer que “o empresário e a sociedade empre-
sária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo
das Juntas Comerciais” (BRASIL, 2002). Assim, todos os empresários e
as sociedades empresárias estão obrigados ao registro.

Essa regra é repetida, com outras palavras, nos artigos 967, 984 e
985 do Código Civil, demonstrando a importância do registro como
obrigação do empresário.
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Públi-
co de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de
sua atividade.
[...]
Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade
própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de
acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as
formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita,
ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.
[...]
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscri-
ção, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constituti-
vos (arts. 45 e 1.150). (BRASIL, 2002, grifos nossos)

A obrigatoriedade do registro é reforçada, ainda, pelo artigo 45 do


Código Civil, que trata da existência das pessoas jurídicas, das quais as
sociedades empresárias são uma das espécies: “começa a existência legal
das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou
aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as altera-
ções por que passar o ato constitutivo” (BRASIL, 2002).

A expressão usada pelo legislador no artigo 45 do Código Civil (“co-


meça a existência legal”) é forte, ao atribuir que essa condição somente
é atingida pela inscrição do ato constitutivo no registro, que, no caso
dos empresários e das sociedades empresárias, é realizado perante as
Juntas Comerciais.

A atividade empresarial e sua organização 37


É importante salientar a figura da sociedade empresária (mencionada nos artigos ci-
tados), que é o modelo coletivo de exercício da atividade empresarial e que sofre a re-
gulação das normas pertinentes ao Direito Comercial. A atividade empresarial pode ser
exercida individualmente pelo empresário, e coletivamente pela sociedade empresária.
Cabe, contudo, uma ressalva: o Código Civil, no artigo 1.052, parágrafo 1º, passou a
admitir o exercício de sociedade por um único indivíduo.

A diferenciação é estabelecida em razão do previsto no artigo 966


do Código Civil, que no seu caput regula a figura do empresário indivi-
dual, e no seu parágrafo único prevê o critério que distingue essa figu-
ra (o empresário) das demais figuras que também exercem atividades
econômicas, mas não de natureza empresarial (BRASIL, 2002).

Exemplifica-se para melhor ilustrar: um escritório de arquitetura


desenvolve uma atividade econômica, mas não de origem empresa-
rial, portanto não está sujeito às regras de Direito Comercial, e sim de
Direito Civil. Uma indústria, por outro lado, também desenvolve ativida-
de econômica, mas, como está produzindo bens de consumo, enqua-
dra-se como empresarial e passa a ser regida pelas regras de Direito
Comercial, ainda que se sujeite a disposições gerais do Direito Civil, em
razão principalmente da unificação do Direito Privado.

Assim, a regra é o registro. Todavia, podem existir situações de em-


presários e sociedades empresárias sem registro. Caso optem por não
efetuar o registro, ocorrerá uma situação de irregularidade, o que não
significa que se atribua ao empresário irregular obrigações similares
àquelas de um empresário regular. Além disso, ele não terá acesso aos
direitos que o registro concede.

Um exemplo: o empresário regular pode pedir a recuperação judi-


cial ou a falência, previstas na Lei n. 11.101 (BRASIL, 2005); já o empre-
sário irregular, que não promoveu o registro adequadamente, somente
pode ter a falência declarada, ou seja, não pode usufruir do benefício
legal da recuperação judicial que visa recuperar o empresário em difi-
culdades momentâneas no desenvolvimento de suas atividades.

O Código Civil (BRASIL, 2002) ainda estabelece um conjunto de re-


gras gerais, das quais destacam-se:

38 Direito Comercial e do consumidor


O registro será requerido pela pessoa obrigada por lei, ou seja, pelos administra-
dores da sociedade empresária ou pelo empresário; caso eles não providenciem o
registro, qualquer interessado poderá fazê-lo, como o sócio da sociedade.

O prazo para apresentação dos documentos a registro é de 30 dias, contados do


momento que o ato é praticado.

Se o prazo de 30 dias não for respeitado, o ato ainda assim pode ser levado a regis-
tro, mas nesse caso somente produzirá efeitos a contar da data do efetivo registro.

O Código prevê a responsabilização daquele que, obrigado a efetuar o registro, não


o faz, podendo responder por perdas e danos.

O Código Civil (BRASIL, 2002) também estabelece obrigações gerais


ao órgão responsável pelo registro, no caso, às Juntas Comerciais. A
elas compete verificar a regularidade das publicações determinadas
em lei. Estas são realizadas em órgão oficial da União e do estado onde
estiver a sede e em jornal de grande circulação. Para as sociedades
estrangeiras, a publicação deve ocorrer nos órgãos oficiais da União e
do estado onde estiverem instaladas. Além disso, o anúncio de convo-
cação de assembleia de sócia será publicada ao menos três vezes em
dias diferentes.

De modo geral, as Juntas Comerciais somente podem avaliar a au-


tenticidade e a legitimidade daquele que assina o requerimento de
registro (artigo 1.153), além de fiscalizar o cumprimento das normas
legais aplicáveis ao ato levado a registro. Assim, podem apenas averi-
guar a forma do ato, mas não a vontade do empresário ou dos sócios
da sociedade empresária envolvidos no ato.

Ainda segundo o artigo 1.154 do Código Civil (BRASIL, 2002), somen-


te depois de registrado é que o ato se torna público e, por isso, oponível
a terceiro – ou seja, uma vez registrado o ato na Junta Comercial, nin-
guém poderá alegar desconhecimento do seu conteúdo, pois o registro
é público e qualquer pessoa pode requerer uma cópia do ato mediante
o pagamento das despesas correspondentes.

Encerrada a parte regulada pelo Código Civil, é preciso avançar para


o que estabelece a Lei n. 8.934/1994 e o seu decreto regulamentador,

A atividade empresarial e sua organização 39


o Decreto n. 1.800/1996. O Código Civil tem um caráter apenas geral,
estabelecendo premissas essenciais para compreensão do modelo de
registro adotado no Brasil, todavia são esses dois dispositivos legais
que efetivamente regulam o sistema de registro do empresário, forne-
cendo elementos detalhados. A seguir, serão abordados os principais
pontos regulados pelas duas normas mencionadas.

2.2 Finalidade do registro


Vídeo O artigo 1º da Lei n. 8.934 estabelece as finalidades do registro
(BRASIL, 1994):

Garantia

Se o ato está registrado numa Junta Comercial, aquele que a consulta tem garantia de
que o ato cumpriu os requisitos legais e está produzindo efeitos.

Publicidade

Trata-se de um registro público, ou seja, qualquer pessoa pode solicitar informações nas
Juntas Comerciais sobre qualquer empresário ou sociedade empresária que lá esteja
registrado. O procedimento é muito simples, basta ter alguns dados, como nome, razão
social ou CNPJ, e formular o pedido de cópia dos atos (por exemplo, de um contrato
social). Efetuado o pagamento dos custos exigidos pela Junta Comercial, em alguns dias
o solicitante terá acesso aos documentos. Todo empresário ou sociedade empresária
ao registrar-se sabe que seus atos se tornam públicos e de livre acesso.

Autenticidade

Se o ato está registrado na Junta Comercial, ele se presume autêntico até prova em
sentido contrário. O objetivo da lei é dar validade ao documento, conferindo-lhe au-
tenticidade. Assim, qualquer pessoa pode pedir à Junta Comercial que autentique os
documentos que lá estão e lhe forneça uma cópia. Por exemplo, é possível solicitar a
cópia autenticada do contrato social de qualquer sociedade.

Segurança

Trata-se de um ponto chave do processo de registro, pois, uma vez registrado perante a
Junta Comercial, aquele que consulta os atos tem a segurança de que eles são verdadei-
ros, autênticos e que são capazes de produzir efeitos perante terceiros.

40 Direito Comercial e do consumidor


Conferir eficácia ao ato

Uma vez que o ato foi registrado na Junta Comercial, ele produz eficácia perante tercei-
ros, isto é, a ninguém é dado dizer que desconhecia se tratar de um empresário ou de
uma sociedade empresária, se eles foram devidamente registrados. Trata-se de uma
proteção para todas as partes envolvidas: para o empresário, porque ele poderá opor o
ato registrado contra qualquer um; e para o terceiro que consulta, o qual, por exemplo,
pretende celebrar um contrato com o empresário, porque assim ele saberá as condi-
ções do registro (se está regular ou não, se quem assina tem os poderes necessários ou
não, dentre outros detalhes que o registro concede).

Cumpre salientar novamente que se trata de registro público de


empresas mercantis, portanto a maior finalidade é tornar os atos do
empresário e da sociedade empresária acessíveis a qualquer um que
pretende consultá-los, o que gera direitos e obrigações para todos.
Para o empresário ou a sociedade empresária, gera segurança e es-
tabilidade, porque a ninguém será dado o direito de invocar o desco-
nhecimento do ato se ele está devidamente registrado. Aos terceiros
em geral, confere segurança quanto à celebração de qualquer outro
ato com o empresário ou a sociedade empresária, pois será possível
verificar todas as informações que lhe forem passadas, como quem
é o administrador ou se ele tem poderes para assinar sozinho ou em
conjunto determinado contrato.

2.2.1 A organização do registro empresarial


O sistema de registro empresarial está organizado da seguinte
forma:

Sinrem – Sistema Nacional de Registro de Empresa Mercantis

DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração

Juntas Comerciais dos estados e Distrito Federal

Por ser um sistema de acesso público, a lei estruturou o sistema de


uma forma muito simples. Existe um órgão central (o DREI), a que com-

A atividade empresarial e sua organização 41


pete de modo amplo supervisionar e coordenar tecnicamente todas as
Juntas Comerciais do Brasil. Ele não procede o registro, mas coordena
a forma como ocorre.

Em seguida, há as Juntas Comerciais, a que compete efetivamente


promover os atos de registro, arquivamento e autenticação. São elas
que estão no dia a dia de todos que precisam registrar ou buscar atos
registrados. Cada estado brasileiro dispõe de uma Junta Comercial, que
está situada na capital, mas que pode ser descentralizada para cidades,
conforme decisão de cada estado.

A seguir, serão tratadas de maneira mais detalhada cada uma


dessas estruturas.

2.3 Departamento de Registro


Vídeo Empresarial e Integração (DREI)
O DREI, como órgão estatal, está inserido na Secretaria de Governo
Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e
Governo Digital do Ministério da Economia.

Sua função principal é estabelecer as diretrizes gerais para o registro público de empre-
sas mercantis; por isso, uma de suas finalidades é supervisionar e coordenar as Juntas
Comerciais no plano técnico. Outra função é a de estabelecer e consolidar as normas e as
diretrizes das Juntas Comerciais, o que faz em caráter exclusivo.

Leitura Recentemente, o DREI consolidou uma série de normas, revogando


Recomenda-se uma outras, para então expedir a Instrução Normativa DREI n. 81, de 10 de
consulta à Instrução Nor- junho de 2020, que “dispõe sobre as normas e diretrizes gerais do Re-
mativa DREI n. 81/2020,
que é a mais importante gistro Público de Empresas, bem como regulamenta o Decreto n. 1.800,
atualmente em vigor. Ela de 30 de janeiro de 1996” (BRASIL, 2020).
trata de um conjunto de
normas administrativas Se uma Junta Comercial apresenta dúvida quanto à interpretação
úteis para o interessado
em promover o registro
de leis, regulamentos e demais normas relacionados ao registro, com-
poder orientar-se. pete ao DREI solucioná-la e emitir, com base na solução dada, uma di-
Disponível em: https://www.gov. retriz geral e válida para todas as demais Juntas Comerciais, visando à
br/economia/pt-br/assuntos/drei/
legislacao/arquivos/legislacoes-
uniformização dos procedimentos. Além da solução de dúvidas, o DREI
federais/01JUL2020_IN_81_com_ presta orientações às Juntas Comerciais, também com o objetivo de
ndice.pdf. Acesso em: 6 abr. 2021.
uniformizar os procedimentos. Como uma das finalidades do sistema

42 Direito Comercial e do consumidor


é conferir segurança ao empresário e a sociedades empresárias, logo, é
preciso que o sistema esteja todo uniformizado para não sujeitar os
empresários e as sociedades a regras e interpretações distintas para
cada estado da federação brasileira.

O DREI (BRASIL, 2020) também é órgão de fiscalização das Juntas


Comerciais, podendo representar contra qualquer autoridade adminis-
trativa que tenha cometido abuso ou infrações às normas de registro,
para garantir que estas serão cumpridas rigorosamente. No exercício
da sua posição de órgão superior, compete ao DREI estabelecer nor-
mas procedimentais de arquivamento de atos, o que é possível verifi-
car por meio da Instrução Normativa DREI n. 81 e de outras instruções
1
normativas . 1
Caso o DREI (BRASIL, 2020) verifique que há ausências, falhas ou Elas podem ser en-

deficiências nas Juntas Comerciais, poderá atuar supletivamente para contradas para acesso
público no link a seguir.
promover, providenciar ou adotar qualquer medida para sanar o pro-
Disponível em: https://www.gov.
blema. Isso também implica prestar colaboração técnica e financeira br/economia/pt-br/assuntos/drei/
às Juntas, visando melhorar a prestação de serviços. No Brasil, há gran- legislacao/instrucoes-normativas-
-em-vigor. Acesso em: 6 abr. 2021.
de disparidade econômica entre os estados, mas todos têm obrigação
de manter uma Junta Comercial. Consequentemente, algumas Juntas
dispõem de maior e melhor estrutura do que outras, como a Junta Co-
mercial do Estado de São Paulo (estado mais rico do país), a qual cer-
tamente não se compara em orçamento a outras Juntas situadas em
estados com menor atividade econômica.

Em virtude de o registro público de empresas estar estruturado


como um sistema (Sinrem), o DREI deve organizar e manter atualizado
o cadastro nacional de empresas em funcionamento no Brasil, para
permitir que qualquer um possa em qualquer estado consultar o ca- Site
dastro de outro estado sem precisar deslocar-se até lá. Assim, um pa-
Para aprofundar os estu-
ranaense pode consultar o sistema nacional para verificar o registro de dos, recomenda-se uma
visita ao site do DREI.
uma empresa no Maranhão, por exemplo.
Nele, poderão ser encon-
Sociedades estrangeiras também podem e devem registrar-se no sis- tradas normas, consultas
públicas, acesso a todas
tema nacional de registro público de empresas. Dessa forma, compete as Juntas Comerciais
inicialmente ao DREI instruir, examinar e encaminhar esses processos à do Brasil, além de farto
material a respeito do
decisão, ressalvadas as competências de outros órgãos federais. registro público de
empresas.
Como órgão de orientação, é dever do DREI promover e elaborar
Disponível em: https://www.gov.
estudos, publicações e reuniões para discutir e, assim, colaborar para o br/economia/pt-br/assuntos/drei.
aperfeiçoamento do registro público de empresas no Brasil. Acesso em: 6 abr. 2021.

A atividade empresarial e sua organização 43


2.4 Juntas Comerciais
Vídeo Cada estado e o Distrito Federal tem uma Junta Comercial, com sede
na capital e jurisdição limitada ao seu território. Embora tenham auto-
nomia administrativa, ou seja, possam regular-se internamente, esta-
belecendo horário de funcionamento, valor das custas cobradas pelos
atos, entre outras facetas administrativas, tecnicamente elas estão su-
bordinadas ao DREI (BRASIL, 2020), porque a ele compete a orientação
e supervisão técnica. Portanto, o DREI expede a normativa, e às juntas
compete apenas dar-lhe cumprimento, ou levantar questionamentos ao
próprio DREI acerca de dúvidas quanto às suas disposições. Não pode,
entretanto, se negar ao cumprimento do que foi emanado do DREI.

As Juntas Comerciais apresentam uma série de incumbências. A


mais importante é a de promover o registro, que compreende três
atos, sendo dois deles para empresários e sociedades empresárias:

O arquivamento dos documentos de constituição, alteração, dissolução


e extinção da atividade desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade
empresária; dos atos relativos a consórcio ou grupo de sociedades; dos atos
das empresas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil; das declarações
das microempresas; e dos atos ou documentos por determinação legal ou
daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas.

A autenticação dos instrumentos de escrituração do empresário ou da


sociedade empresária.

O terceiro ato não envolve o empresário ou a sociedade empresária, mas


também é competência das Juntas Comerciais. Trata-se da matrícula dos
leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes, trapicheiros e armazéns-gerais.

As Juntas também devem elaborar a tabela de preços de seus ser-


viços, os regimentos internos e as resoluções administrativas, fruto da
sua autonomia administrativa.

44 Direito Comercial e do consumidor


Além disso, na parte que importa para o empresário e a sociedade
empresária, incumbe às Juntas Comerciais o registro dos usos e prá-
ticas mercantis. O Direito Comercial valoriza bastante os usos e cos-
tumes e, por isso, merece especial atenção o registro dessas práticas
para que elas fiquem assentadas e conhecidas por todos.

Assim como existem obrigações de arquivamento, há também proi-


bições ao arquivamento, previstas no artigo 35 da Lei n. 8.934/1994.
Nesse caso, as Juntas não podem arquivar documentos que não obede-
çam às leis ou aos regulamentos aplicáveis, que ofendam os bons cos-
tumes e a ordem pública, ou que possam contrariar o estatuto social
ou o contrato de uma sociedade empresária (BRASIL, 1994).

As Juntas Comerciais apresentam uma estrutura básica administrativa:

Junta
Comercial

Secretaria-
Presidência Plenário Turmas Procuradoria
-Geral

A Presidência é o órgão diretivo e representativo da Junta Co-


mercial. Ela dá posse aos Vogais, convoca e dirige o Plenário em suas
sessões e cuida para que as normas legais e regulamentares sejam
cumpridas.

O Plenário é o órgão deliberativo, aquele responsável por julgar


os recursos interpostos pelos interessados em obter um registro, ar-
quivamento ou autenticação no âmbito das Juntas Comerciais. Em sua
composição, tem os chamados Vogais e seus suplentes, os quais são
designados entre profissionais do Direito, economistas, contadores e
administradores. Sua constituição é de no mínimo 11 e no máximo 23
Vogais, número que não pode ser modificado por nenhuma Junta Co-
mercial, apesar de sua autonomia administrativa. Assim, Juntas meno-
res têm menos vogais e Juntas maiores costumam ter o número limite.

A nomeação dos Vogais é realizada pelos governos dos estados e


do Distrito Federal entre brasileiros que estejam no pleno gozo dos di-
reitos civis e políticos; não estejam condenados por crimes que vedem
acesso ao cargo, ao emprego, ou à função pública, ou por crimes de

A atividade empresarial e sua organização 45


prevaricação, falência fraudulenta; e sejam ou tenham sido, por mais
de cinco anos, titulares de firma individual, sócios ou administradores
de sociedade (BRASIL, 1994, artigo 11). Os Vogais são remunerados
por sessões que participam, tendo mandato de quatro anos, permitida
apenas uma recondução. Podem perder o mandato se faltarem três
sessões consecutivas ou doze alternadas no mesmo ano, sem justo
motivo.

As Turmas são órgãos deliberativos inferiores ao Plenário, mas que


são responsáveis por apreciar os pedidos de registro, arquivamento e
autenticação formulados pelos interessados. Cada Turma é composta
de três Vogais, não incluindo o Presidente e o Vice-Presidente da Junta
Comercial.

A Secretaria-Geral é um órgão administrativo responsável pelo


funcionamento da Junta Comercial em seu dia a dia. É o secretário geral
quem executa os serviços de registro e administra a Junta diariamente.
Finalmente, há a Procuradoria, responsável por fiscalizar o cumpri-
mento das normas de registro e por responder a dúvidas sobre pedi-
dos de registro. Apresenta dupla função, pois pode atuar internamente
por iniciativa ou solicitação do Presidente, do Plenário e das Turmas,
mas também externamente, inclusive judicialmente quando envolve
matéria de interesse da Junta.
Saiba mais
Para saber mais sobre No plano decisório, a estrutura é a seguinte: as Turmas julgam os
o registro de empresas, pedidos relativos à execução dos atos de registro, enquanto ao Ple-
recomenda-se o uso da
Enciclopédia Jurídica da nário compete julgar os processos em grau de recurso. Essa divisão
PUC-SP. ocorre porque existem dois tipos básicos de atos suscetíveis de regis-
Disponível em: https:// tro: os atos que somente podem ser decididos no regime de decisão
enciclopediajuridica.pucsp.br/
verbete/232/edicao-1/registro- colegiada e os de decisão singular (artigos 41 e 42 da Lei n. 8.934/1994).
publico-de-empresas. Acesso em:
6 abr. 2021.
Os atos de decisão colegiada são enumerados no artigo 50 do De-
creto-lei n. 1.800 e são os seguintes: arquivamento dos atos de consti-
tuição de sociedades anônimas; atos de transformação, incorporação,
fusão e cisão de sociedades; atos de constituição de consórcio e de
grupo de sociedades; e o julgamento dos respectivos recursos (BRASIL,
1996). O prazo para decisão nesses casos é de cinco dias úteis, con-
tados da data do recebimento do pedido. Caso o prazo seja descum-
prido, o ato será considerado arquivado, sem prejuízo de revisão em
momento posterior pela Procuradoria.

46 Direito Comercial e do consumidor


Os atos de decisão singular são todos os demais, surgindo a com-
petência por exclusão, e compete ao Vogal decidir o pedido desde que
comprove ter conhecimentos de Direito Comercial e de registro de em-
presas. O prazo para decidir pedidos sujeitos a esse regime de decisão
é de dois dias úteis, contados da data do recebimento, e caso o prazo
seja descumprido, serão considerados automaticamente registrados,
ainda que os atos possam ser revisados posteriormente pela Procura-
doria. O esquema a seguir resume as ideias anteriores.

Processo
decisório

Decisão colegiada: os atos estão Decisão singular: a definição da decisão


enumerados em lei (artigo 41 da que será tomada singularmente se dá por
Lei n. 8.934/1994) exclusão, ou seja, se o ato não está arrolado
como um daqueles sujeito ao regime de
decisão colegiada, ele então é de decisão
singular (artigo 42 da Lei n. 8.934/1994)

Com a Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), passou


a existir um regime de registro automático para certos atos –
excluiu-se expressamente os atos previstos no artigo 41, inciso I, da
Lei n. 8.934/1994 –, desde que cumpridos dois requisitos: aprovação da
consulta prévia da viabilidade do nome empresarial e de localização; e
utilização do instrumento padrão estabelecido pelo DREI. Para prote-
ção dos atos e de terceiros, caso verificado algum vício nesse processo
de registro automático, o ato será desarquivado.

Ainda no regime decisório das Juntas Comerciais, existem vícios


sanáveis, que podem ser corrigidos e, por isso, concede-se um prazo
aos interessados (denominado exigência) para promover os atos de
correção necessários para, em seguida, submeter novamente o ato
a registro. Além disso, existem vícios insanáveis, em que não é possí-
vel regularizar o ato, ou seja, ele será indeferido prontamente e o in-
teressado terá que promover um novo pedido de registro.

A atividade empresarial e sua organização 47


Vícios

Sanáveis: são aqueles que Insanáveis: são aqueles que


o empresário ou a sociedade o empresário ou a sociedade
empresária podem corrigir empresária não podem corrigir
de maneira simples. A Junta de modo fácil, pois houve a
Comercial coloca o ato em violação de uma regra legal;
exigência e fixa prazo de até 30 usos e costumes que deveriam
dias para o ato ser corrigido ter sido respeitados não foram.
O requerimento será indeferido.

Quando um documento é levado a registro perante a Junta Co-


mercial, ela deve analisar se todas as formalidades foram cumpridas
adequadamente, a começar pelo prazo. Os documentos devem ser
apresentados dentro de 30 dias contados de sua assinatura, “a cuja
data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arqui-
vamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder” (BRASIL,
1994, artigo 36). O quadro a seguir ajuda a ilustrar essa questão.

Quadro 1
Exemplo de prazo de registro

Data da Data do pedido


Efeitos
assinatura de registro
16 mar. 2020, despacha-
2 mar. 2020 do e deferido em 20 mar. Registro retroage a 2 mar. 2020.
2020.
16 jun. 2020, despacha- Registro não retroage e passa a ter
2 mar. 2020 do e deferido em 19 jun. eficácia somente com o despacho
2020. concedente, ou seja, 19 jun. 2020.

Fonte: Elaborado pelo autor.

As Juntas também autenticam os instrumentos de escrituração das


empresas e as cópias dos documentos registrados e que constam de
seus arquivos.

No processo de arquivamento e registro, compete à Junta realizar


apenas o exame das formalidades, ou seja, se o ato atende a todas as
normativas aplicáveis (artigo 40 da Lei n. 8.934/1994). Desse modo, a
Junta Comercial que recebe o pedido de arquivamento e registro não
tem o poder de fazer o controle material do ato, devendo respeitar a

48 Direito Comercial e do consumidor


vontade dos sócios, se for uma sociedade empresária, ou do empresá-
rio no momento do pedido de registro de qualquer ato.

Por exemplo, se o pedido de arquivamento e registro envolve uma


ata de assembleia ou reunião de sócios de uma sociedade empresá-
ria, a Junta Comercial somente poderá analisar as formalidades de
convocação sem adentrar no conteúdo do que foi decidido pelos só-
cios nesse evento. Se houver alguma ilegalidade do ato deliberativo,
compete apenas aos interessados discutir esse tema na via judicial ou
arbitral. Se cumpridas as formalidades, a Junta Comercial fará o arqui-
vamento do ato.

Finalmente, há que se destacar o processo revisional das Juntas


Comerciais, isto é, como os interessados poderão recorrer às decisões
proferidas. Assim, tem-se o seguinte quadro esquemático:

Quadro 2
Processo revisional das Juntas Comerciais

Cabível para revisar despa-


Pedido de chos singulares ou de Tur- Deverá ser apresentado no mes-
reconsideração mas que formulem exigên- mo prazo da exigência formulada.
cias para arquivamento.
Cabível contra decisões Prazo de dez dias da data da inti-
Recurso ao definitivas, singulares ou mação da parte ou da publicação
Plenário de Turmas. do ato no órgão oficial.
Prazo de dez dias da data da inti-
Cabível contra decisões do
Recurso ao DREI Plenário.
mação da parte ou da publicação
do ato no órgão oficial.

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos artigos 64 a 74 do Decreto n. 1.800 (BRASIL, 1996).

Além disso, aquele que assinar os pedidos de reconsideração ou


recursos deverá ter poderes para isso, seja no contrato social (quando
sociedade limitada ou outro tipo de sociedade contratual sujeita a re- Vídeo
gistro na Junta Comercial), no estatuto social (quando sociedade anôni- O vídeo Registro de
ma), ou no instrumento de procuração. Empresas – RPEM,
publicado por Fabiany
Nenhum recurso – ao Plenário ou ao DREI – tem efeito suspensivo, Luciano, é didático e
mostra o funcionamento
o que significa dizer que o ato indeferido permanecerá assim até que o
dos órgãos responsáveis
recurso seja apreciado, e somente no caso de o recurso ser acolhido e pelo registro público de
empresas.
a decisão reformada é que o ato será arquivado ou registrado. O prazo
para interpor qualquer recurso é de dez dias úteis, contados da data da Disponível em: https://youtu.
be/4CE2DTj06e0. Acesso em:
intimação da parte interessada ou da publicação do ato no órgão oficial 6 abr. 2021.
de publicidade da Junta Comercial, que geralmente é o Diário Oficial do
respectivo estado da federação. As partes interessadas e a Procuraria

A atividade empresarial e sua organização 49


serão intimadas para apresentar contrarrazões, quando for o caso e
tiverem interesse no ato.

2.5 Livros comerciais e a escrituração


Vídeo Para compreender a obrigação do empresário que envolve a manu-
tenção de livros comerciais, é preciso compreender que o empresário
está sujeito a uma escrituração que se faz na forma contábil e, para
cumprir essa obrigação, ele precisa ter certos livros previstos em lei.
Portanto existem os seguintes livros:

Livros obrigatórios (comuns ou especiais)

São impostos por lei ao empresário; por exemplo, o livro Diário que é imposto pelo
Código Civil como indispensável (artigo 1.180).

Livros obrigatórios comuns

São obrigação de todos os empresários.

Livros obrigatórios especiais

São obrigação de apenas alguns empresários, em razão do tipo de atividade desenvolvi-


da; por exemplo, livro de registro de duplicatas, livro de entrada e saída de mercadorias.

Livros facultativos

Dependem da estrutura e sofisticação da atividade; por exemplo, Borrador (rascunho


do Diário), Caixa (controle de entradas e saídas do dinheiro), Conta Corrente (para con-
tas individualizadas de fornecedores ou clientes) e Razão (para classificação do movi-
mento das mercadorias).

O único livro dito indispensável pela lei é o livro Diário, conforme


estabelece o artigo 1.180 do Código Civil. A função desse livro é con-
ter o lançamento individuado, dia a dia, de todas as operações execu-
tadas pelo empresário em sua atividade, bem como lançar o Balanço
Patrimonial e o de resultado econômico, os quais serão assinados pelo
contabilista responsável e pelo empresário. Previu o legislador a possi-
bilidade da substituição do livro Diário pelo livro Balancetes Diários e

50 Direito Comercial e do consumidor


Balanços, para registrar a posição diária de cada uma das contas ou tí-
tulos contábeis, pelo respectivo saldo, em forma de balancetes diários;
e o Balanço Patrimonial e o de resultado econômico, no encerramento
do exercício (artigo 1.186 do Código Civil).

Todos os livros devem ser autenticados perante a Junta Comercial,


conforme previsão do artigo 1.181 do Código Civil, mas isso somente é
permitido se o empresário, ou a sociedade, estiver regularmente inscri-
to. Inclusive, os livros não obrigatórios poderão ser objeto de autenti-
cação para melhorar a força probante deles.

Os livros são documentos muito importantes da atividade empre-


sarial, razão pela qual o legislador optou por estabelecer que somente
em casos previstos em lei será possível a sua verificação (artigo 1.190
do Código Civil). Cuidou o legislador de elencar as hipóteses em que a
apresentação é possível: sucessão; comunhão ou sociedade; adminis-
tração ou gestão; ou em caso de falência (artigo 1.191 do Código Civil).
De qualquer forma, somente poderão ser examinados na presença do
empresário ou de pessoas por ele nomeadas.

Ao empresário incumbe, além da obrigatoriedade de dispor dos li-


vros, proceder a sua guarda enquanto não prescrito ou decaído o direi-
to sobre o ato nele consignado (artigo 1.194 do Código Civil).

É importante destacar que a lei prevê que não somente os livros deve-
rão ser objeto de guarda pelo empresário, mas também a documentação
pertinente ao exercício da atividade empresarial, pois “tal exigência pren-
de-se ao fato de que tais documentos contêm elementos que nem sempre
são lançados no Diário, servindo como meio de prova posterior das nego-
ciações e operações praticadas” (FRANCO, 2004, p. 74).

A seguir, será tratada da escrituração, regulada basicamente pelo


Decreto-Lei n. 486/1969, que dispõe sobre a escrituração dos livros
mercantis, e o Decreto n. 64.567/1969, o qual regulamenta alguns
dispositivos daquele – sem prejuízo de outras normas que tratam do
tema, como é o caso das normas de Direito Tributário, que também
regulam a matéria com inúmeros atos normativos. Os artigos 1.179 a
1.195 do Código Civil (BRASIL, 2002) associam os livros empresariais com
a escrituração. O empresário está sujeito à escrituração, que tem por
objetivo principal permitir a ele acompanhar a evolução da sua ativida-
de econômica.

A atividade empresarial e sua organização 51


Saiba mais A administração pública, no controle das atividades empresariais,
institui uma série de tributos, contribuições e taxas que são apuradas
O pequeno empresário, além de
ser regulado pelo Código Civil, por meio dos registros contábeis do empresário. Trata-se de uma obri-
como norma geral, tem uma gação seguir um sistema de contabilidade e levantar anualmente o
norma especial, conhecida como
Balanço Patrimonial e o Balanço do Resultado Econômico. O sistema
Estatuto Nacional da Microem-
presa e Empresa de Pequeno contábil não é aleatório e segue regras específicas, que variam na for-
Porte, a Lei Complementar n. ma apenas em função de ser empresário ou pequeno empresário, o
123/2006. Assim, o conceito
de pequeno empresário está qual está sujeito à legislação especial.
previsto no artigo 68 da referida Cabe ressaltar que a escrituração e a contabilidade não se confun-
lei e corresponde ao “empresário
individual caracterizado como dem: “escrituração é forma de proceder aos lançamentos contábeis.
microempresa na forma desta Contabilidade é ciência, com funções de cálculo e de registro, consubs-
Lei Complementar que aufira
tanciadas em regras que têm por finalidade verificar o equilíbrio econô-
receita bruta anual”, atualmente
de R$ 81 mil (BRASIL, 2006). mico entre os valores patrimoniais” (FRANCO, 2004, p. 73).

Os conceitos de escrituração, contabilidade e livros estão interliga-


dos. Todo empresário precisa ter os livros, nos quais a contabilidade
será realizada mediante a escrituração das informações. Essa correção
decorre da interpretação dos artigos 1.177 e 1.778 (diz respeito ao con-
tabilista) e 1.179 e 1.195 (diz respeito à escritura e aos livros) do Código
Civil (BRASIL, 2002).

A responsabilidade pela escrituração é do contabilista e deverá


respeitar o idioma e a moeda corrente, em forma contábil, por ordem
cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos ou espaços em branco,
muito menos borrões, rasuras e emendas que indiquem o uso inade-
quado da escrituração (BRASIL, 2002).

Quanto ao inventário patrimonial, cuida o legislador, no artigo 1.187


do Código Civil (BRASIL, 2002), de estabelecer os critérios, que são, em
resumo, os seguintes:
• Os bens destinados à exploração da atividade serão avaliados
pelo custo de aquisição, podendo ocorrer a depreciação, desde
que conste rubrica de fundos de amortização para garantir a
substituição ou a conservação do valor.
• Os valores mobiliários e os bens destinados à alienação podem
ser estimados pelo custo de aquisição/fabricação ou pelo preço
corrente.
• O valor das ações e dos títulos de renda fixa com base na cotação
em Bolsa.
• Créditos pelo valor presumível de realização.

52 Direito Comercial e do consumidor


• A manutenção dos livros em ordem é uma obrigação do empre- 2
sário, sendo muito importante principalmente por razões fiscais. Mesmo as autoridades
Irregularidades nos livros podem resultar em pesadas multas por fazendárias têm um prazo
para consultar os livros do
descumprimento de obrigações acessórias e principais de natu- empresário. Esse período está
reza tributária. associado ao prazo prescricional
ou decadencial do próprio
São ainda documentos sigilosos, cuja análise e acompanhamento com- tributo. Ou seja, há no Código
petem exclusivamente ao empresário. Somente em situações excepcio- Tributário Nacional prazos
para a cobrança de tributos, e
nais o legislador prevê a verificação dos livros por terceiros, inclusive por somente dentro do prazo fixado
autoridades, juiz ou tribunal, a saber: sucessão, comunhão ou sociedade, na lei é que as autoridades
administração ou gestão, ou caso de falência. Somente as autoridades fa- fazendárias podem fazer buscas
nos livros do empresário por
zendárias (Fisco, Receita Municipal, Receita Estadual e Receita Federal) têm tributos eventualmente não
livre acesso aos livros, em função da necessidade de se proceder à fisca- recolhidos.
lização, ficando o empresário responsável por sua guarda enquanto não
2
prescrito ou decaído o direito sobre o ato nele consignado . 3
Ainda que autorizada judicialmente, a verificação deve ocorrer prefe- Tão logo analisados os livros
rencialmente na presença do empresário ou da sociedade empresária, para a finalidade declarada.
ou ainda de pessoas que estes designarem, extraindo-se o que for ne-
cessário para solucionar o problema que originou a verificação e devol- Glossário
3
vendo os livros no ato contínuo aos seus titulares.
ônus probatório: existência
Em caso de recusa na apresentação dos livros, será determinada a de uma acusação, sendo necessá-
rio a quem acusa prová-la.
apreensão judicial, ficando presumido como verdadeiro o alegado pela
parte que requereu a prova dos livros, o que somente poderá ser eli-
Saiba mais
dido (refutado) por prova documental em contrário – uma espécie de
inversão do ônus probatório, justificado pelo fato de a guarda e a ma- Existem hipóteses de inversão
do ônus probatório, ou seja,
nutenção dos livros ficarem sob os cuidados do empresário. quando o acusado tem que
Outro tema importante é o efeito probatório dos livros comerciais provar que não cometeu o ilícito.
Como os livros do empresário
ou empresariais. A questão é tratada no Código de Processo Civil, que são preenchidos (contabilidade
no seu artigo 417 estabelece que “os livros empresariais provam contra e escrituração) por ele próprio,
para que o empresário possa
seu autor, sendo lícito ao empresário, todavia, demonstrar, por todos os
dizer que o lançamento está
meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à equivocado, haverá inversão do
verdade dos fatos” (BRASIL, 2015). A ideia em torno do dispositivo legal ônus probatório, isto é, terá que
provar o erro que ele próprio
está assentada no fato de os livros empresariais serem preenchidos
cometeu.
pelo contabilista do empresário, ou seja, se ele elabora os livros, deve
ser responsável pelo conteúdo lançado neles. Glossário
Por outro lado, o artigo 418 do Código de Processo Civil afirma o litígio: existência de demanda,
oposto: “os livros empresariais que preenchem os requisitos exigi- discussão ou briga entre partes;
conflito entre partes.
dos por lei provam a favor de seu autor no litígio entre empresários”

A atividade empresarial e sua organização 53


(BRASIL, 2015). A nuance nesse ponto é de que a regra se aplica para li-
tígios entre empresários, ou seja, quando os envolvidos têm a condição
de empresários, pois se presume que o nível de conhecimento acerca
das atividades mercantis é equivalente.

Mesmo na hipótese de que parte das informações constantes nos li-


vros seja favorável aos interesses do autor e parte seja contrária (artigo
419), ambas serão consideradas no momento da decisão (BRASIL, 2015).

A escrituração é tão importante como meio de prova que ao juiz é


dado determinar (artigo 420), a requerimento do interessado, a exibi-
ção integral dos livros comerciais e dos documentos de arquivo das
atividades empresariais mantidas em três hipóteses (BRASIL, 2015):
• liquidação de sociedade;
• sucessão por morte de sócio;
• quando e como determinar a lei.

A exibição parcial também é prevista no artigo 421 do Código de


Processo Civil, mediante a extração do que interessar ao litígio e a des-
consideração do restante. A questão é de tamanha relevância que o
Supremo Tribunal Federal estabeleceu a Súmula n. 260: “o exame de
livros comerciais, em ação judicial, fica limitado às transações entre os
litigantes” (BRASIL, 1964).

Assim, entre as obrigações do empresário, destaca-se a necessidade


Glossário de manter em ordem a escrituração contábil e os livros empresariais,
juízo: magistrado no sentido de seja por questões fisco-tributárias, seja porque têm valor probante.
Poder Judiciário; juízo arbitral, Além disso, conclui-se que os livros empresariais são importantes ele-
quando o litígio vai à discussão
mentos probatórios, mas que gozam de grande proteção legal, inclusi-
pelo sistema de arbitragem.
ve com a limitação da análise apenas aos fatos relacionados ao assunto
posto em juízo.

2.6 Estabelecimento comercial


Vídeo O Código Civil conceitua, no artigo 1.142, o estabelecimento como
todo “complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por
empresário, ou por sociedade empresária” (BRASIL, 2002). Segundo ou-
tros autores:

54 Direito Comercial e do consumidor


O fundo de comércio ou estabelecimento comercial é o instrumen-
to da atividade do empresário. Com ele o empresário aparelha-se
para exercer sua atividade” (REQUIÃO, 1993, p. 203-204).

[É o] conjunto de bens (elementos) de que se utiliza o empresá-


rio par ao exercício de sua atividade, ou, mais precisamente, o
complexo de bens utilizados pelo empresário como instrumento
de sua atividade empresarial; é, em resumo, sua ferramenta de
trabalho” (GONÇALVES NETO, 2000, p. 138).

O estabelecimento é, apenas, o instrumento ou instrumentos de


que se serve o empresário para o exercício da sua atividade [...]
[Um] mero conjunto de bens, agregados de qualquer forma, não
forma um estabelecimento empresarial” (FRANCO, 2004, p. 74).

Desse modo, o estabelecimento comercial é um conjunto de meios


necessários para que o empresário exerça sua atividade econômica.
Além disso, é um objetivo unitário de direitos e obrigações, conforme
estabelece o artigo 1.143 do Código Civil: “pode o estabelecimento ser
objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou cons-
titutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza” (BRASIL, 2002).
São elementos do estabelecimento comercial:
• Os bens corpóreos, ou materiais: mercadorias (produtos desti-
nados ao mercado e que estão preparados para o consumo), ins-
talações, máquinas e utensílios.
• Os bens incorpóreos, ou imateriais: contratos (contratos e relações
jurídicas não são bens, e sim aplicados no exercício da empresa, e
podem ter por objeto um ou mais dos bens que fazem parte do
complexo em que se constitui o estabelecimento), ponto comercial
(direito ao local em que se situa o estabelecimento), direitos de pro-
priedade industrial (marcas, patentes, modelos de utilidade, progra-
mas de computador, desenho industrial) e clientela.

A atividade empresarial e sua organização 55


A operação mais importante envolvendo o estabelecimento comer-
cial refere-se a sua compra e venda, que, no Direito Comercial, ganha o
nome especial de trespasse, com o sentido de venda ou cessão a título
oneroso. É condição para sua eficácia e validade que todos os credores
consintam. Sem esse consentimento, os bens que integram o conjunto
do estabelecimento ficam afetados ao pagamento das dívidas, como se
a transferência não tivesse se operado.

O Código Civil também trata do tema no seu artigo 1.144: “se ao


alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a
eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de
todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou
tácito, em trinta dias a partir de sua notificação” (BRASIL, 2002).

A forma da venda pode ser genérica ou individualizada. Na primeira,


faz-se referência apenas ao estabelecimento, de maneira genérica, sem

Saiba mais que se discrimine os bens que estão englobados. Ainda, se for englo-
bada, estão compreendidos todos os bens do estabelecimento, sejam
A universalidade de fato está
prevista no artigo 90 do Código eles corpóreos, sejam incorpóreos. Além da transferência englobada,
Civil, sendo conceituada como “a também é possível a transferência individualizada dos bens, atribuin-
pluralidade de bens singulares
do-se a cada um deles um valor, destacando-se ou não do valor final. É
que, pertinentes à mesma
pessoa, tenham destinação uni- importante lembrar que, por uma universalidade de fato, os bens não
tária”; enquanto a universidade perdem a sua individualidade, ou seja, existe o estabelecimento como
de direito está prevista no artigo
um todo e existem os bens que o compõem, os quais podem ser con-
91, sendo conceituada como
“o direito complexo de relações siderados individualmente. Por exemplo: uma máquina pode ser vista
jurídicas, de uma pessoa, dotada e valorada dentro do estabelecimento com todos os demais elementos
de valor econômico” (BRASIL,
2002). que o circundam, ou pode ser vista e valorada de maneira individuali-
zada, apenas como uma máquina.

Assim como há elementos positivos na venda do estabelecimento,


existem também elementos negativos. O adquirente do estabeleci-
mento comercial passa a responder pelo pagamento dos débitos an-
teriores à transferência, desde que regularmente contabilizados (artigo
1.146 do Código Civil), isto é, que não tenham sido ocultados pelo ven-
dedor do estabelecimento. Essa regra é muito importante e exige do
comprador muito cuidado, pois ele pode estar adquirindo um passivo
expressivo com o estabelecimento comercial.

Ainda no tocante à venda do estabelecimento, tem-se o fenôme-


no denominado pela doutrina de restabelecimento. O artigo 1.147
do Código Civil estabelece que “o alienante do estabelecimento não

56 Direito Comercial e do consumidor


pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes
à transferência” (BRASIL, 2002). Se o faz, tem-se o restabelecimento.
Somente se houver autorização expressa é que isso pode ocorrer de
modo lícito; não havendo, há uma ilicitude.

O restabelecimento atenta contra: o princípio da boa-fé; a obrigação


de abstenção que visa proteger o estabelecimento e seus elementos –
aviamento e clientela – por integrar um todo; as disposições que regu-
lamentam a concorrência leal.

Dessa forma, fica evidente a importância do estabelecimento comer-


cial como essencial para o desenvolvimento da atividade empresarial.

Artigo

https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/236/edicao-1/estabelecimento-empresarial

O artigo Estabelecimento empresarial, de Marcelo Andrade Féres, consolida


a teoria do estabelecimento comercial ou empresarial e pode ser útil para
aprofundar os estudos.

6 abr. 2021.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo tratou do registro do comércio, ou registro público de
empresas, demonstrando passo a passo como o empresário ou a so-
ciedade empresária deve agir para estar e permanecer regular no exer-
cício da atividade empresarial.

Entre as finalidades, destaca-se a publicidade dos atos das empre-


sas, que devem ser registrados para que todos possam acessá-los, tor-
nando, assim, possível o exercício de direitos e obrigações. Por esse
motivo, os atos do empresário ou da sociedade empresária, uma vez
registrados, são oponíveis a terceiros, não sendo possível alegar seu
desconhecimento.

A estrutura do registro público de empresas é uniforme, existindo


uma Junta Comercial em cada estado, coordenados tecnicamente pelo
DREI. No plano decisório, o empresário ou a sociedade empresária tem
segurança para realizar os registros e arquivamentos, podendo, se for
o caso, recorrer às decisões proferidas pelo Vogal, Turma ou Plenário.

Por fim, tratou-se do estabelecimento comercial, que é um dos prin-


cipais elementos para o exercício da atividade empresária, pois se trata

A atividade empresarial e sua organização 57


do complexo de bens que o empresário organiza para desenvolver a
atividade escolhida. Demonstrou-se que ele é um complexo unitário
de direitos e obrigações, mas que não prescinde da individualidade
dos elementos que o compõem. Assim, tanto pode existir o trespasse,
nome dado ao ato que transfere o estabelecimento em sua totalidade,
quanto a transferência de apenas um elemento.

ATIVIDADES
Vídeo 1. O que é estabelecimento comercial?

2. Qual é o livro obrigatório do empresário, considerando o Código Civil?

3. Quais são os recursos cabíveis no âmbito das Juntas Comerciais?

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 31 jan. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
d1800.htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 21 nov. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8934.
htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 9 fev. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 set. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 5 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Economia. Instrução Normativa n. 81, de 10 de junho de 2020. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 15 jun. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/
dou/-/instrucao-normativa-n-81-de-10-de-junho-de-2020-261499054. Acesso em: 5 abr.
2021.
FRANCO, V. H. de. M. F. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
GONÇALVES NETO, A. de. A. Manual de Direito Comercial. Curitiba: Juruá, 2000.
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1993.

58 Direito Comercial e do consumidor


3
Nome empresarial e
propriedade industrial
Oksandro Gonçalves

Este capítulo analisa o nome comercial, também conhecido


como nome empresarial, e sua importância para o desenvolvimento
das atividades do empresário. Em seguida, passa a tratar da pro-
priedade industrial, da necessidade de sua proteção e de como ela
se dá no âmbito da legislação específica.

3.1 Nome comercial e sua proteção


Vídeo O nome comercial é aquele que o empresário individual ou a socie-
dade empresária usa no exercício de sua atividade econômica e por
meio do qual se apresenta e se vincula. Isso porque para se identificar
necessita de um nome, uma expressão que o reconheça nas suas re-
lações empresariais. No ordenamento jurídico, o nome comercial ou
empresarial tem dois formatos:

Nome empresarial

Firma individual Denominação

Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre o exercício da atividade


empresarial na forma individual e na coletiva.

Nome empresarial e propriedade industrial 59


O empresário individual é aquele que exerce suas atividades
diretamente, sem a utilização de uma estrutura jurídica espe-
cial. Confunde-se, portanto, o empresário com a própria pessoa
exercente da atividade, o que acaba fazendo com que responda
pessoalmente pelas obrigações que contrair. Diferente é a po-
sição do empresário coletivo, que na doutrina e na legislação
brasileiras é conhecido pelo nome de sociedade. Uma ou várias
pessoas podem iniciar uma atividade empresarial com a cria-
ção de uma estrutura jurídica denominada de sociedade, por
meio da qual exercem suas atividades de maneira autônoma e
independente, dissociando-se a pessoa do sócio ou do titular
da pessoa jurídica constituída para essa finalidade.

Em termos posicionais normativos, o empresário individual está no


artigo 966 do Código Civil, enquanto a sociedade está no artigo 981 do
mesmo diploma:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissional-
mente atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce
profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,
ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o
exercício da profissão constituir elemento de empresa.
[...]
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que re-
ciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços,
para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si,
dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de
um ou mais negócios determinados. (BRASIL, 2002)

Cumpre destacar que as sociedades possuem vários formatos


possíveis: simples, limitada, anônima, em nome coletivo, em coman-
dita simples, em comandita por ações, unipessoal limitada etc. Além
disso, há outras possibilidades, como é o caso da empresa individual
de responsabilidade limitada (Eireli), que não é uma sociedade, mas
tem uma estrutura semelhante e é usada pelo empresário para o exer-
cício de sua atividade empresarial pela figura denominada de pessoa
jurídica, sendo regulada pelos artigos 45 e 985 do Código Civil:

60 Direito Comercial e do consumidor


Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de di-
reito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo
registro, precedida, quando necessário, de autorização ou
aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas
as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a cons-
tituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito
do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua ins-
crição no registro.
[...]
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscri-
ção, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitu-
tivos (arts. 45 e 1.150). (BRASIL, 2002)

As pessoas jurídicas estão relacionadas no artigo 44 do Código Civil:


“São pessoas jurídicas de direito privado: [...] II – as sociedades; [...] VI – as
empresas individuais de responsabilidade limitada” (BRASIL, 2002).

A Eireli é regulada pela Lei n. 12.441/2011, que instituiu essa figura


no ordenamento jurídico, conferindo uma nova redação ao artigo 980
para incluir a letra A ao texto normativo:
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada
será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do
capital social, devidamente integralizado, que não será inferior
a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
§ 1º. O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da
expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da
empresa individual de responsabilidade limitada.
§ 2º. A pessoa natural que constituir empresa individual de res-
ponsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única
empresa dessa modalidade.
§ 3º. A empresa individual de responsabilidade limitada tam-
bém poderá resultar da concentração das quotas de outra mo-
dalidade societária num único sócio, independentemente das
razões que motivaram tal concentração.
§ 4º. (VETADO)
§ 5º. Poderá ser atribuída à empresa individual de responsa-
bilidade limitada constituída para a prestação de serviços de
qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de di-
reitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz
de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à
atividade profissional.
§ 6º. Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade
limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades
limitadas. (BRASIL, 2011, grifos nossos)

Nome empresarial e propriedade industrial 61


Soma-se a essa lei o parágrafo 7º, incluído no artigo 980 do Códi-
go Civil pela Lei n. 13.874/2019: “§ 7º. Somente o patrimônio social da
empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de respon-
sabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer
situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os
casos de fraude” (BRASIL, 2019).

Finalmente, para completar o rol de pessoas jurídicas, tem-se


o artigo 1.052 do Código Civil, que ganhou nova redação pela Lei
n. 13.874/2019, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica,
responsável por criar a figura da sociedade limitada unipessoal (SLU):
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada
sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem
solidariamente pela integralização do capital social.
§ 1º. A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou
mais pessoas. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º. Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de cons-
tituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o
contrato social. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019). (BRASIL,
2002, grifos nossos)

Esclarecido como se dá a divisão entre empresário individual e so-


ciedades, volta-se à questão central do nome comercial ou empresarial.

O nome empresarial é regulado pelo Código Civil, artigo 1.155 a


1.168, e pela Lei n. 8.934/1994, que trata do registro público de em-
presas mercantis – por sua vez, objeto de regulamentação do Decreto
n. 1.800/1996. O artigo 1.155 do Código Civil traz os dois tipos básicos
de nome comercial: a firma e a denominação adotada pelo empresário
para o exercício da empresa.
No caso do empresário individual, o modelo disponibilizado pelo le-
gislador é o da firma individual, que é formada pelo nome completo
do empresário, ao qual poderá ser acrescido um termo que indique a
atividade desenvolvida. Para distinguir o empresário individual, no arti-
go 1.156 do Código Civil, o legislador previu que “o empresário opera sob
firma constituída por seu nome, completo ou abreviado, aditando-lhe, se
quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de ativi-
dade” (BRASIL, 2002, grifos nossos). A seguir são apresentados alguns
exemplos que melhor ilustram essa regra:
• Oksandro Gonçalves Mercearia;
• Oksandro Gonçalves;
• O. Gonçalves.

62 Direito Comercial e do consumidor


Esses modelos demonstram as duas possibilidades: o uso do
nome completo, que identifica o nome empresarial com o pessoal;
ou a adoção do nome completo adicionado de uma atividade.

Já a denominação é um tipo de nome empresarial em que ge-


ralmente consta um nome qualquer e a atividade desenvolvida. No
quadro a seguir há exemplos para melhor entender:

Quadro 1
Exemplos de denominação

Nome fantasia ou marca Denominação

Itaú Unibanco S/A

Arcos Dourados Comércio de


Alimentos LTDA

Iesde Brasil S/A

Fonte: Elaborado pelo autor.

Tem-se, ainda, a denominação em que se utiliza uma expressão


geralmente de uso comum ou vulgar, podendo ser composta do
nome fantasia ou do nome civil dos sócios acrescido do tipo socie-
tário empregado, por exemplo Expresso Rápido Transportes LTDA e
Gonçalves Transportes Expressos LTDA.

Não se pode confundir o nome empresarial com o chamado


nome fantasia e a marca. O nome fantasia é aquele empregado de Vídeo
modo mais popular, como é o caso de Itaú e McDonald’s. Entretan- Para ampliar os seus
conhecimentos, se-
to, como exposto no quadro anterior, a denominação de ambos é guem dois vídeos com
diferente. Já a marca tem outra dimensão jurídica e proteção dife- explicações práticas.

renciada, sendo conferida pela Lei n. 9.279/1996, por se tratar de • Nome empresarial 01.
um sinal distintivo. Assim, a logo do Itaú é um exemplo de marca Disponível em: https://you-
tu.be/2vEgo94I4fY.
registrada em um órgão responsável, no caso, o Instituto Nacional
• Direito Empresarial I –
de Propriedade Industrial (Inpi). Embora haja uma pretensa confu-
Estudo 7: nome empresarial.
são entre essas nomenclaturas, há nos âmbitos de proteção uma Disponível em: https://
perfeita distinção do nome comercial em relação à marca, como se youtu.be/NE94c1l2rMg.

passará a ver adiante. Acessos em: 4 maio 2021.

Nome empresarial e propriedade industrial 63


3.1.1 Definição e proteção do nome empresarial
Os princípios orientadores na definição do nome comercial
são o da veracidade e o da novidade, conforme o artigo 34 da Lei
n. 8.934/1994 e o artigo 62 do Decreto n. 1.800/1996. A proteção do
nome decorre automaticamente do arquivamento dos atos consti-
tutivos na Junta Comercial (artigo 33 da Lei n. 8.934/1994 e artigo 61
do Decreto n. 1.800/1996). Ou seja, efetuado o arquivamento, como
regra, o nome comercial está protegido e não pode ser usado por
outro empresário.

O nome comercial ou empresarial precisa atender ao princípio


da veracidade, porque não pode veicular informação falsa sobre o
empresário. Já o princípio da novidade significa que, em regra, os
empresários devem respeitar os nomes já existentes, criando algum
que represente uma novidade naquele seguimento, de modo a im-
pedir a concorrência desleal e até mesmo a lesão aos consumidores,
os quais podem ser levados ao engano por um nome empresarial.

O Decreto n. 1.800/1996 adiciona que o nome empresarial deve


indicar o tipo jurídico da sociedade, isto é, se for uma sociedade
limitada ou uma anônima, por exemplo, deverá constar, respectiva-
mente, a expressão limitada ou a abreviatura LTDA e as expressões
companhia, sociedade anônima ou a abreviatura S/A. Finamente, o
mesmo decreto ainda determina que se o nome empresarial tiver
a descrição de uma atividade, como uma mercearia, o objeto social
deverá estar previsto no registro ou no arquivamento do ato do em-
presário individual ou da sociedade empresária (BRASIL, 1996a).
1 1
Todas essas regras visam evitar a colidência por identidade ou se-
A colidência ocorre quando melhança do nome empresarial com outro já protegido, visto que a
o nome comercial é igual ou
precedência tem muita importância no sistema de proteção ao nome
semelhante a outro, surgindo
um conflito a respeito de quem comercial. O artigo 1.163 do Código Civil ressalta que o “nome do em-
pode utilizá-lo. A regra mais presário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo
comum para resolver essa
registro”. Todavia, fornece também o mecanismo para resolver esses
disputa é a da precedência, ou
seja, quem registrou primeiro conflitos (portanto, trata-se de uma regra obrigatória), estipulando que,
tem o direito de usar. caso o nome seja idêntico, deverá acrescentar-se um elemento distin-
tivo para evitar a confusão, que pode levar à concorrência desleal ou a
prejuízos ao consumidor (BRASIL, 2002).

64 Direito Comercial e do consumidor


O nome comercial está protegido apenas no âmbito de atuação da
Junta Comercial na qual se deu o arquivamento dos atos constitutivos
(artigo 61, parágrafo 1º, do Decreto n. 1.800/1996). Isto é, se o arquiva-
mento ocorreu no estado do Paraná, somente nele haverá a proteção
contra o uso indevido. Caso o empresário queira proteger seu nome
no Brasil, precisará formalizar um pedido especial, previsto no Decreto
n. 1.800/1996, que em seu artigo 61, parágrafo 2º, estabelece:
§ 2º. A proteção ao nome empresarial poderá ser estendida
a outras unidades federativas, a requerimento da empresa
interessada, observado o disposto em ato do Departamento
Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria de
Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização,
Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. (BRASIL,
1996a, grifos nossos)

Como é possível concluir, enquanto a proteção ao nome comer-


cial no âmbito local é automática e decorre do simples registro
ou do arquivamento dos atos na respectiva Junta Comercial, a
proteção a nível nacional não se dá automaticamente, mas sim
por expressa disposição legal, sendo exigido um procedimento,
um pedido expresso do empresário.

A justificativa para essa diferenciação decorre das próprias di-


mensões territoriais brasileiras. Não é incomum existirem empre-
sários atuando sob o mesmo nome, mas, para evitar isso, criou-se
o sistema da consulta prévia da viabilidade do nome empresarial,
levando em consideração a existência ou não de um nome igual
àquele pretendido pelo consulente. Dessa forma, o interessado Saiba mais
realiza um pedido prévio à Junta Comercial do seu estado e recebe
Todas as Juntas Comer-
uma resposta positiva ou negativa quanto à viabilidade. Entretanto, ciais do Brasil possuem
o sistema de consulta
esse pedido é restrito à unidade federativa na qual o empresário
de viabilidade do nome
está atuando, não abrangendo o Brasil em sua totalidade, por isso comercial. No Paraná,
por exemplo, ele pode
a necessidade de um processo para estender a proteção do nome
ser acessado no link a
comercial ou empresarial a todos os estados brasileiros. Assim, não seguir.

é incomum um empresário poder utilizar um nome no Paraná, mas Disponível em: https://www.
não poder usar o mesmo nome em São Paulo, por exemplo. Entre- juntacomercial.pr.gov.br/Pagina/
Consulta-Previa-de-Viabilidade.
tanto, uma vez conferida a proteção nacional, o nome empresarial Acesso em: 4 maio 2021.
estará protegido em todos os estados brasileiros.

Nome empresarial e propriedade industrial 65


Há diversas regras especiais para o nome comercial ou empresarial,
as quais estão resumidas no quadro a seguir para melhor compreensão.
Quadro 2
Regras para o nome comercial ou empresarial

Legislação Regra

“Expirado o prazo da sociedade celebrada por tempo determinado, esta


Lei n. 8.934/1994, artigo 59
perderá a proteção do seu nome empresarial”.

“A firma individual ou a sociedade que não proceder a qualquer arquivamento


no período de dez anos consecutivos deverá comunicar à junta comercial que
deseja manter-se em funcionamento.
Lei n. 8.934/1994, artigo 60
§ 1º. Na ausência dessa comunicação, a empresa mercantil será considerada
inativa, promovendo a junta comercial o cancelamento do registro, com a
perda automática da proteção ao nome empresarial”.

“A sociedade em que houver sócios de responsabilidade ilimitada operará


sob firma, na qual somente os nomes daqueles poderão figurar, bastando
para formá-la aditar ao nome de um deles a expressão ‘e companhia’ ou
Código Civil, artigo 1.157 sua abreviatura.
Parágrafo único. Ficam solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obriga-
ções contraídas sob a firma social aqueles que, por seus nomes, figurarem na
firma da sociedade de que trata este artigo”.

“Pode a sociedade limitada adotar firma ou denominação, integradas pela pala-


vra final ‘limitada’ ou a sua abreviatura.
§ 1o. A firma será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que
pessoas físicas, de modo indicativo da relação social.
Código Civil, artigo 1.158 § 2o. A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido
nela figurar o nome de um ou mais sócios.
§ 3o. A omissão da palavra ‘limitada’ determina a responsabilidade solidária e
ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denomina-
ção da sociedade”.

“A sociedade cooperativa funciona sob denominação integrada pelo vocábu-


Código Civil, artigo 1.159
lo ‘cooperativa’”.

“A sociedade anônima opera sob denominação designativa do objeto social,


Código Civil, artigo 1.160, combinado integrada pelas expressões ‘sociedade anônima’ ou ‘companhia’, por exten-
com o artigo 3º da Lei n. 6.404/1976 so ou abreviadamente.
(Lei de Sociedades por Ações) Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista,
ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa”.

“A sociedade em comandita por ações pode, em lugar de firma, adotar de-


Código Civil, artigo 1.161 nominação designativa do objeto social, aditada da expressão ‘comandita
por ações’”.

Código Civil, artigo 1.162 “A sociedade em conta de participação não pode ter firma ou denominação”.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Brasil, 1994; Brasil, 2002, grifos nossos.

66 Direito Comercial e do consumidor


Como é possível observar no quadro, há um diferente nível de
proteção ao nome comercial ou empresarial, bem como regras dife-
renciadas, as quais podem existir em função de certo tipo societário
e estabelecer consequências gravíssimas em caso de erro na for-
mação do nome. Destaca-se a regra para as sociedades limitadas,
que pune de maneira rigorosa a ausência da expressão limitada no
nome empresarial, transformando a responsabilidade em ilimitada,
justamente o oposto do que se pretende com a formação desse tipo
de sociedade.

Além disso, o legislador prevê que o nome empresarial não pode


ser objeto de alienação, conforme o artigo 1.164 do Código Civil. Nem
mesmo o adquirente do estabelecimento comercial pode usar o nome
empresarial do alienante sem efetuar alguma modificação, que no caso
corresponde a usar o nome anterior “precedido do seu próprio, com a
qualificação de sucessor” (BRASIL, 2002).

Ainda no campo das proibições, prevê que se o nome empresa-


rial for utilizado no formato de firma social, somente os sócios vivos
podem ter seus nomes mantidos na firma, de modo que o sócio fale-
cido será excluído da formação do nome comercial (artigo 1.165 do
Código Civil). Com efeito, a proteção não é indefinida e depende do
uso efetivo do nome comercial, além de ter que refletir o status atual
da composição societária. Dessa forma, a proteção somente vigora
enquanto a atividade for desenvolvida pelo empresário individual
Leitura
ou pela sociedade empresária, pois se ele cessar suas atividades ou
Para ampliar ainda
promover a dissolução total com liquidação, não haverá mais a pro-
mais seus conhe-
teção conferida. cimentos sobre o
nome empresarial,
A regra é muito fácil de ser compreendida, pois a proteção se dá recomenda-se a leitura
do Guia básico de
com o arquivamento ou o registro do ato de inscrição do empresário
formação do nome em-
individual ou dos atos constitutivos da sociedade. Logo, se inexiste presarial e colidência, da
Junta Comercial de São
esse registro em razão da cessação das atividades do empresário
Paulo, que conta com
ou da liquidação da sociedade, importa desfazer o registro e, con- orientações detalhadas
a respeito dos proce-
sequentemente, a proteção sobre o nome comercial ou empresarial
dimentos necessários
(artigo 1.168 do Código Civil). para registrar um
nome comercial.
Como visto, o registro ou o arquivamento confere o direito à pro-
Disponível em: http://www.
teção do uso do nome empresarial. Assim, duas variáveis básicas institucional.jucesp.sp.gov.br/
podem ocorrer se duas pessoas tentarem obter o mesmo nome em- downloads/manual_jucesp_
orienta.pdf. Acesso em: 4 maio 2021.
presarial: ele foi registrado violando a lei ou o contrato e por isso

Nome empresarial e propriedade industrial 67


cabe ação pelo prejudicado, visando à anulação do ato (artigo 1.167
do Código Civil); ou o registro ocorre e estabelece-se um conflito
pela colidência entre os nomes empresariais. Embora o sistema pre-
vina a maioria desses casos, são bastante comuns, boa parte porque
a língua portuguesa é muito rica em variações que podem ensejar o
deferimento de nomes empresariais semelhantes, a ponto de levar
à colidência e a um litígio.

3.2 Propriedade industrial


Vídeo Visando ao implemento de suas atividades comerciais, o empresá-
rio pode utilizar sinais, expressões, inventos, modelos de utilidade e
desenhos industriais, os quais são bens imateriais e incorpóreos que
caracterizam e distinguem os produtos ou os serviços decorrentes
do exercício de sua atividade. Como consequência, o Direito viu-se
obrigado a criar um sistema de proteção a esses institutos, dando
origem ao ramo conhecido como Direito da Propriedade Industrial,
vinculado ao Direito Comercial.

A propriedade industrial é regulada pela Lei n. 9.279/1996 e sua de-


finição é a seguinte: “O direito de propriedade industrial compreende,

pois, o conjunto de regras e princípios que conferem tutela jurídica


específica aos elementos imateriais do estabelecimento empresarial,
como as marcas e desenhos industriais registrados e as invenções e
modelos de utilidade patenteados” (RAMOS, 2016, p. 173).

Trata-se de tipos de bens incorpóreos dos quais o empresário


faz uso para se identificar e caracterizar seus produtos, mer-
cadorias ou serviços, seu estabelecimento e suas ideias, com
o propósito de assegurar determinada clientela, divulgar seu
negócio e expandi-lo.

A propriedade industrial possui natureza jurídica de bens móveis,


conforme estabelece o artigo 5º da Lei n. 9.279/1996, por isso pode
ser objeto de direitos e obrigações, inclusive de natureza translativa
(BRASIL, 1996b). Desse modo, é possível vender uma marca ou uma
patente a um terceiro, por exemplo.

68 Direito Comercial e do consumidor


Embora a propriedade industrial seja uma representação da pro-
priedade intelectual, do agir inventivo do ser humano, é importante
destacar que não é possível confundir o sistema de proteção da pro-
priedade intelectual com o sistema da industrial. Portanto, não se
confunde com os direitos do autor, apesar de ser produto de criação
intelectual, pois possui uma destinação específica.
Leitura
A propriedade industrial visa produzir efeitos no mundo material, Para ampliar seus co-
obtendo um resultado útil, por isso difere-se das propriedades literária, nhecimentos, indica-se a
leitura do texto O que é
científica e artística das leis, que atuam mais no âmbito do espírito. As propriedade intelectual e
criações intelectuais de qualquer natureza possuem uma titularidade propriedade industrial?,
no qual é possível
do direito daquele que detém o poder de exercê-las, que tem a legi- conferir mais informa-
timação com exclusividade diante de terceiros. Mas nada impediria, ções do tema.

em tese, que esses terceiros pretendessem fazer uso daquele direito. Disponível em: https://www.
consolidesuamarca.com.br/blog/
Assim, para resguardar esse direito e impedir que outros exerçam con- o-que-e-propriedade-intelectual-
comitantemente sobre ele direitos ao domínio, previu-se uma obriga- e-propriedade-industrial. Acesso
em: 4 maio 2021.
ção genérica de abstenção.

Dessa forma, surgiram dois sistemas de proteção: o regulado pela Lei


de Propriedade Industrial (LPI – Lei n. 9.279/1996) e o garantido pela Lei de
Direito Autoral (Lei n. 9.610/1998), que, todavia, não se confundem.

A Lei de Propriedade Industrial regula quatro direitos, que são de:


• patente de invenção (artigo 6º a 87);
• patente de modelo de utilidade (artigo 6º a 93);
• registro de desenho industrial (artigo 94 a 121);
• registro de marca (artigo 122 a 173).

A seguir será tratado de cada um desses direitos de propriedade


industrial, destacando que existem os registros de marca e de desenho
e as patentes de invenção e de modelo de utilidade.

3.3 Registro de marca


Vídeo A marca talvez seja o Direito de Propriedade Industrial mais co-
nhecido ao grande público, sendo comum tratar da sua proteção.
Seu conceito pode ser extraído do artigo 122 da Lei de Propriedade
Industrial: “são suscetíveis de registro como marca os sinais distin-
tivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições
legais” (BRASIL, 1996b).

Nome empresarial e propriedade industrial 69


A Figura 1 apresenta um exemplo retirado do site do Inpi para de-
monstrar como se dá o registro e a proteção de uma marca no Brasil.

Figura 1
Exemplo de registro de marca

Fonte: Inpi, 2021a.

O órgão responsável pelo registro das marcas no Brasil é o Inpi, que


Site
também fornece um conceito de marca em seu site: trata-se de “um
Indica-se consultar
sinal distintivo cujas funções principais são identificar a origem e distin-
o site do Inpi, órgão
responsável pela pro- guir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de
teção da propriedade
origem diversa” (INPI, 2021g).
industrial no Brasil, que
é muito fácil de acessar, A ideia por trás de uma marca é trazer uma novidade, de modo a
para resolver muitas
curiosidades sobre promover a diferenciação de produtos e serviços no mercado, ainda
marcas e patentes. que sejam idênticos, semelhantes e afins a outros existentes. Assim,
Disponível em: https://www. podem conviver juntas marcas idênticas, porém atuantes em mer-
gov.br/inpi/pt-br. Acesso em: 4
maio 2021. cados distintos, envolvendo produtos e serviços de outra natureza.
Por exemplo, a expressão luz da lua, quando consultada no site do
Inpi, indica vários registros, mas com radicais que permitem diferen-
ciações, pois ninguém tem o direito à exclusividade dessa expressão
por ela ser comum ou vulgar.

70 Direito Comercial e do consumidor


Figura 2
Exemplos de marcas com a expressão luz da lua

Fonte: Inpi, 2021b.

A parte da marca representada por essa expressão não é de uso


exclusivo, já que envolve palavras não passíveis de registro com exclu-
sividade (luz e lua), mas que podem ser registradas mesmo assim com
alguma expressão distintiva, como foi o caso de pousada, cosméticos,
floricultura e calçados. Dessa forma, ninguém confundirá as marcas,
pois se referem claramente a objetos absolutamente distintos.

É importante realçar que a Lei de Propriedade Industrial estabele-


ce um rol de expressões não suscetíveis de registro, havendo que se
analisar cada hipótese por meio da exclusão das hipóteses proibidas,
relacionadas a seguir:

Nome empresarial e propriedade industrial 71


Art. 124. Não são registráveis como marca:
I – brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e mo-
numento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacio-
nais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;
II – letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revesti-
dos de suficiente forma distintiva;
III – expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal con-
trário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou
imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência,
crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respei-
to e veneração;
IV – designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando
não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público;
V – reprodução ou imitação de elemento característico ou di-
ferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa
de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com
estes sinais distintivos;
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou
simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto
ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para
designar uma característica do produto ou serviço, quanto à
natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de pro-
dução ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de
suficiente forma distintiva;
VII – sinal ou expressão empregada apenas como meio de
propaganda;
VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combina-
das de modo peculiar e distintivo;
IX – indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar con-
fusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica;
X – sinal que induza a falsa indicação quanto à origem, procedên-
cia, natureza, qualidade ou utilidade do produto ou serviço a que
a marca se destina;
XI – reprodução ou imitação de cunho oficial, regularmente ado-
tada para garantia de padrão de qualquer gênero ou natureza;
XII – reprodução ou imitação de sinal que tenha sido registrado
como marca coletiva ou de certificação por terceiro, observado o
disposto no art. 154;
XIII – nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico,
cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficial-
mente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar
confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competen-
te ou entidade promotora do evento;
XIV – reprodução ou imitação de título, apólice, moeda e cédula

72 Direito Comercial e do consumidor


da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos
Municípios, ou de país;
XV – nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patroními-
co e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular,
herdeiros ou sucessores;
XVI – pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome
artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular,
herdeiros ou sucessores;
XVII – obra literária, artística ou científica, assim como os títulos
que estejam protegidos pelo direito autoral e sejam suscetíveis
de causar confusão ou associação, salvo com consentimento do
autor ou titular;
XVIII – termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que
tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que
com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou
certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, sus-
cetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
XX – dualidade de marcas de um só titular para o mesmo produ-
to ou serviço, salvo quando, no caso de marcas de mesma natu-
reza, se revestirem de suficiente forma distintiva;
XXI – a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou
de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser
dissociada de efeito técnico;
XXII – objeto que estiver protegido por registro de desenho in-
dustrial de terceiro; e
XXIII – sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca
que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em
razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado
em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha
acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca
se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante
ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela
marca alheia. (BRASIL, 1996b)
2
O registro da marca se dá junto ao Inpi, mediante ingresso de pedi-
2 Disponível em: https://www.
do pelo sistema disponibilizado para essa finalidade . gov.br/inpi/pt-br/servicos/mar-
cas. Acesso em: 4 maio 2021.

3.3.1 O pedido de registro de marca


Qualquer pessoa pode pedir o registro de marca, seja física ou ju-
rídica, de Direito Público ou Privado (artigo 128 da LPI). Entretanto,
quando o requerente for uma pessoa jurídica de Direito Privado, estará
obrigado a ter em seu objeto social a atividade compatível com a marca

Nome empresarial e propriedade industrial 73


cujo registro pretende fazer, sob pena de indeferimento (artigo 128,
parágrafo 1º, da LPI). O objetivo desse dispositivo legal é evitar o regis-
tro oportunista, de modo a inviabilizar o uso daquele que efetivamente
precisa da marca (BRASIL, 1996b).

Uma vez formulado o pedido de registro, cria-se o Direito de


Prioridade, que vem a ser o direito daquele que primeiro pede o
registro. Há uma presunção de que quem primeiro pediu foi quem
primeiro teve a idealização em torno da marca, porém isso com-
porta prova em sentido contrário, porque não é incomum que uma
ideia seja surrupiada por terceiros e levada a registro devido ao seu
idealizador tardar para formular o pedido. Cabe ressaltar que isso
não significa que o pedido será deferido, pois ainda precisa passar
por outras etapas.

Todavia, tal medida é de suma importância, afinal, garante proteção


para a marca não somente em todo o Brasil, como também no exterior,
pois, se houver acordo com outro país, o depósito da marca assegurará
nacionalmente o Direito de Prioridade no exterior.

O pedido é formulado no Inpi mediante um requerimento especí-


fico e o comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depó-
sito. No requerimento, cabe àquele que pretende registrar a marca
apresentar as características dela, por exemplo, se nominativa ou
mista – ou seja, se está registrado apenas o nome ou o nome e ou-
tras características gráficas.

A primeira fase da análise corresponde ao chamado exame


formal preliminar para verificar se o pedido está bem instruído,
considerando a data do protocolo como a data do depósito da mar-
ca, isto é, o período em que se inicia a sua proteção como Direito de
Prioridade. Se as formalidades não forem atendidas, o Inpi abre um
prazo de até 5 dias para o depositante regularizá-las; após, o pedido
será considerado inexistente, e a marca liberada para outra pessoa
fazer o pedido.

Superada a fase de exame formal, passa-se à fase da publicação,


na qual o Inpi dará conhecimento a toda a sociedade que aquela
pessoa está pedindo o registro de determinada marca, apresentando
suas características, de modo que outros interessados nela, porque já
possuem um registro, possam, por exemplo, apresentar a chamada
oposição, que corresponde a uma forma de contestar o pedido de re-

74 Direito Comercial e do consumidor


gistro da marca. O prazo para a apresentação de oposição é de 60 dias,
e o prazo para a resposta é o mesmo. Ao final, o Inpi poderá formular
exigências e analisar a oposição, proferindo decisão que pode deferir
ou indeferir o pedido de registro daquela marca.

Concedido o registro da marca, é expedido um certificado de regis-


tro, que será válido por 10 anos, contados da data da publicação do ato.

Mesmo após concedido o registro, a marca pode sofrer um pe-


dido de nulidade do registro, total ou parcial, especialmente se for
concedido em desconformidade com a LPI. Se procedente, produzi-
rá efeitos após a data do depósito do pedido. Essa nulidade é obtida
de duas formas:

Por meio de um processo administrativo de nulidade, que tramita no


Inpi. Sua instauração pode se dar por ofício – o próprio órgão verifica
a nulidade por infringência à LPI – ou por requerimento de qualquer
interessado, desde que isso seja efetuado no prazo de 180 dias, contados
da expedição do certificado de registro. Caso o prazo seja ultrapassado,
ao menos administrativamente, não é mais possível obter a nulidade da
marca. Formulado o pedido, o titular terá 60 dias para se manifestar e
depois o Inpi deverá decidir com o seu presidente, que colocará fim à
instância administrativa.

Por meio de uma ação de nulidade, medida de caráter judicial, que poderá
ser proposta tanto pelo Inpi quanto por qualquer pessoa com interesse
legítimo no resultado do processo – ou seja, na obtenção da nulidade da
marca registrada. Isso permite a concessão de liminar para suspender os
efeitos do registro e do uso da marca e pode causar grandes prejuízos ao
seu titular, motivo pelo qual é concedida mediante apreciação criteriosa.

De toda forma, o legislador prevê que a prescrição do direito de


obter a declaração de nulidade do registro de uma marca se esgota em
5 anos, contados da data da sua concessão. Portanto, trata-se de um
prazo razoável para detectar qualquer violação ao direito marcário. O
foro competente para apreciar a ação de nulidade de marca é a Justiça
Federal, e o Inpi, a menos que seja ele próprio o autor, intervirá no feito
como interessado.

O prazo para contestar a ação de nulidade é de 60 dias e, transi-


tada em julgado a decisão, o Inpi anotará no registro a sua existência
para a ciência de terceiros. Isto é, em um processo no qual se debate
a respeito de uma marca, será gerada uma decisão judicial transita-

Nome empresarial e propriedade industrial 75


da em julgado, sobre a qual não cabe mais nenhum recurso. Essa
decisão, independentemente do conteúdo, será anotada ou averba-
da pelo Inpi nos registros da marca. Assim, qualquer pessoa que a
consulte saberá que um dia houve uma discussão judicial em torno
daquele registro ou depósito.

3.3.2 Tipos de marcas


As marcas que podem ser levadas a registro são de três tipos, se-
gundo o artigo 123 da LPI (BRASIL, 1996b):

Marca de produto ou serviço

Aquela usada para distinguir um produto ou um serviço de outro idêntico,


semelhante ou afim, de origem diversa.

Marca de certificação

Aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com


determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à
qualidade, à natureza, ao material utilizado e à metodologia empregada.

Marca coletiva

Aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros


de determinada entidade.

Alguns exemplos podem ajudar a compreender esses conceitos.


Figura 3
Exemplos de tipos de marcas

Marca de produto ou Marca de Marca coletiva


serviço certificação

Fonte: Elaborada pelo autor.

76 Direito Comercial e do consumidor


A marca de um produto ou um serviço visa distingui-lo em determina-
do mercado. No caso da Nescau, ela tem por objetivo diferenciar-se de
outras marcas de achocolatados, como os exemplos a seguir.

Figura 4
Exemplos de diferentes marcas de achocolatado

Fonte: Elaborada pelo autor.

Já a marca de certificação Figura 5


tem por objetivo demonstrar Exemplo de marca de certificação
que aquele que a utiliza está em

Iesde Brasil S/A


conformidade com um padrão
de qualidade, como é o caso do
selo Inmetro, o qual atesta que
9 810
certo produto obedeceu às re-
comendações desse órgão, com-
provando que está com suas 90
005615/2019
medidas certificadas.

Finalmente, a marca coletiva Figura 6


tem por objetivo atestar que um Exemplo de marca coletiva
item faz parte de um produto ou
um serviço que representa uma
coletividade. Por isso, o selo de
orgânicos, por exemplo, somente
vectortatu/Shutterstock

pode ser concedido se for consta-


tado que pertence à coletividade,
com o compromisso de produzir
alimentos segundo certos padrões,
c o
os quais podem lhe conferir o selo
Su
de produto legitimamente orgâni-
co, caso dos exemplos a seguir.

Nome empresarial e propriedade industrial 77


Como visto nos exemplos apresentados, existe um padrão para o
uso das marcas que precisa ser respeitado, sob pena de incorrer em
violação à legislação marcária.

3.3.3 O Direito de Propriedade sobre a marca


Uma vez realizado o registro da marca, adquire-se a sua propriedade,
pois, como visto, a marca tem natureza jurídica de bens móveis.

É importante não confundir o Direito de Prioridade com o


Direito de Propriedade. A prioridade está relacionada ao pri-
meiro pedido de registro da marca, enquanto a propriedade
vem ao final, quando, após tramitado o processo de registro,
o Inpi finalmente defere o depósito e o registro. O ponto em
comum entre prioridade e propriedade é que delas vem o di-
reito que o titular ou o depositante possui de proteger a marca
e o seu uso. A proteção mais relevante é aquela que advém
da propriedade, ou seja, quando já foi concluído o processo
de registro e deferido em favor do seu titular, o qual, daquele
momento em diante, pode exercer todos os direitos de pro-
priedade inerentes à marca.

Consequentemente, há um Direito de Propriedade, que é prote-


gido pela LPI. No papel de titular da marca (porque já registrada) ou
daquele que fez o depósito (quando o processo está em andamento,
mas ainda não foi finalizado), é possível ceder o registro ou o pedido de
registro, licenciar o uso e zelar pela integridade material ou reputação
da marca, segundo o artigo 130 da LPI (BRASIL, 1996b). Vale salientar
que o processo de concessão do direito sobre a marca leva um tempo
até ser concluído e enquanto isso não ocorre se tem a figura do depo-
sitante, o que já confere direitos de proteção da marca para seu titular.

Dessa forma, todo titular ou depositante de marca pode deman-


dar judicialmente qualquer pessoa física ou jurídica que possa ter
usado a marca indevidamente, bastando demonstrar que tem o re-
gistro ou o depósito precedente dela. A proteção é ampla e envol-
ve não somente o uso impresso, mas também o digital, uma das
formas mais comuns atualmente de violação de direitos marcários.
Por exemplo, há marcas que estão impressas em embalagens dispo-

78 Direito Comercial e do consumidor


níveis no mercado, mas que também são usadas em redes sociais ou
sites da empresa no formato digital.

Como apresentado anteriormente, o prazo de vigência da marca


é de 10 anos, portanto não se trata de um Direito de Propriedade
concedido em definitivo, mas sim sujeito ao cumprimento de certas
obrigações ao longo da sua existência, sendo uma dessas obrigações
promover o pagamento das taxas de registro no Inpi. A ausência de
pagamento das taxas pode fazer com que o titular de uma marca per-
ca o direito de uso, que poderá passar para outra pessoa que tenha
feito o posterior registro.

Esse prazo é prorrogável indefinidamente, bastando o recolhi-


mento das taxas no tempo certo (artigo 133 da LPI). O procedimento,
nesse caso, envolve formular um pedido de prorrogação durante o
último ano de vigência do registro e pagar a taxa ou a retribuição.
Caso esse período não seja respeitado, a lei ainda confere mais uma
oportunidade ao titular da marca, abrindo-lhe um prazo adicional de
6 meses para pedir a renovação e pagar a taxa de retribuição adi-
cional. Ou seja, há um pagamento adicional, como uma espécie de
sobrepreço ou multa pela desídia.

A marca também pode ser cedida a terceiros, mas, nesse caso, é


preciso fazer a anotação no Inpi (artigo 136 da LPI), porque ele tem
caráter público – isto é, feita a anotação, qualquer pessoa que con-
sulte o sistema poderá verificar quem é o titular daquela marca – e
existem cessões para terceiros. Por ser um Direito de Propriedade, é
possível realizar, inclusive, a penhora da marca, o que também deve
ser averbado no Inpi para a proteção de interesses de terceiros. So-
mente por meio dessas anotações é que outros ficarão sabendo dos
ônus e poderão avaliar a situação, de modo a não adquirirem uma
marca com problemas.

Administrativamente, há a possibilidade de recurso da decisão quan-


do o Inpi decidir:
a. indeferir a anotação da cessão;
b. cancelar o registro ou arquivar o pedido.

Caso o recurso no plano administrativo não seja provido, a solução


remanescente é promover uma ação judicial, visando ao reconheci-
mento do direito de registro.

Nome empresarial e propriedade industrial 79


O licenciamento de uso da marca também é regulado no artigo 139
da LPI (BRASIL, 1996b). O titular poderá licenciar a marca para quem e
por quantas vezes quiser. Isso vai depender do ajuste efetuado, pois
pode ser estabelecida uma exclusividade ou não com aquele que preten-
de obter o respectivo licenciamento. Isso não retira o direito do próprio
titular de exercer a proteção e defesa dos interesses relacionados àquela
marca, pois o licenciamento não transfere a propriedade, apenas o di-
reito de uso da marca por um terceiro. Adicionalmente, por ocasião da
licença de uso, podem as partes – licenciante e licenciado – ajustar que o
licenciado tem poderes para, inclusive, defender os direitos relacionados
à marca, tanto em nome próprio quanto em nome do titular.

Embora o licenciamento possa ocorrer por meio de contratos pri-


vados sem averbação, o legislador prevê no artigo 140 da LPI que so-
mente por meio dela é que se produzirão efeitos diante de terceiros.
Portanto, a publicidade confere a proteção, mas, caso não ocorra, isso
não impede o uso da marca.

Para perder os direitos sobre a marca, o titular ou depositante tem


que se enquadrar em uma das hipóteses previstas no artigo 142 da LPI
(BRASIL, 1996b), que são:
• deixar o prazo de vigência expirar;
• renunciar à marca;
• caducar;
• não deixar uma pessoa no Brasil responsável pela marca.

Segundo o artigo 143 da LPI (BRASIL, 1996b), a caducidade ocorre


se, decorridos 5 anos da sua concessão, a marca: não tiver sido usada
no Brasil; tiver o seu uso interrompido; ou tiver sido alterada de modo
que não se reconheça o seu caráter distinto original.

Essa caducidade, contudo, não é automática, e sim precedida de um


processo que começa com a notificação do titular de se manifestar no
prazo de 70 dias, ocasião em que deverá comprovar que fez uso dela ou
justificar o desuso por razões legítimas. Feita a comprovação, não haverá
a caducidade, cabendo recurso da decisão proferida.

80 Direito Comercial e do consumidor


3.4 Registro de desenho industrial
Vídeo O desenho industrial é conceituado no artigo 95 da LPI como sen-
do “a forma plástica ornamental ou o conjunto ornamental de linhas e
cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado
visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de
tipo de fabricação industrial” (BRASIL, 1996b).

Para exemplificar e tornar mais fácil a compreensão do tema, veja


o que ocorre no caso das poltronas a seguir. Existem vários modelos
disponíveis, alguns devidamente registrados e encontrados no site do
Inpi como desenho industrial, ou seja, espécies de releituras do mesmo
tema, nesse caso, poltronas.

Figura 7
Exemplos de registo de desenho industrial

Fonte: Inpi, 2021c.


(Continua)

Nome empresarial e propriedade industrial 81


Fonte: Inpi, 2021d.

A definição do que vem a ser um desenho industrial envolve


também a questão do estado da técnica, o qual leva em consi-
deração o passado, tudo que estava acessível ao público antes da
data do depósito do pedido de registro. Comparado com o novo
pedido, esse histórico permite afirmar se o desenho é novo em
relação ao que já existia anteriormente. Portanto, além de exigir
um visual novo e original, o desenho industrial precisa estar com-
preendido no seu estado de desenvolvimento, devendo ser, diante
da técnica que sobre ele vigora, inovador. Ainda segundo o arti-
go 97 da LPI, a originalidade que se exige do desenho industrial
advém de uma “configuração visual distintiva em relação a outros
objetos anteriores” (BRASIL, 1996b).

Para o registro de desenho industrial, também existe o Direito


de Prioridade. Desse modo, a precedência do pedido é importante
para definir quem é o titular do desenho e dos direitos de proprie-
dade que podem advir dele. Uma vez registrado, ele passa a ser pro-
priedade do seu titular.

Conforme o artigo 100 da LPI (BRASIL, 1996b), existem vedações apli-


cáveis ao registro do desenho industrial, mais precisamente quando:

82 Direito Comercial e do consumidor


• contrariar a moral e os bons costumes;
• ofender a honra ou a imagem de pessoas;
• atentar contra a liberdade de consciência, crença, culto religioso Vídeo
ou ideia e sentimentos dignos de veneração; Para ampliar seus co-
nhecimentos, indica-se
• tiver forma comum ou vulgar; alguns vídeos publicados
pelo canal Programa
• tiver forma essencialmente determinada em considerações
OAB, que desenvolvem o
técnicas ou funcionais. tema apresentado nesta
seção e trazem dicas
A primeira fase do registro envolve o seu depósito no Inpi por extremamente úteis.

meio de um requerimento com: o relatório descritivo do desenho • Procedimento do registro de


industrial; as reivindicações sobre o desenho industrial (a sua fina- marca e desenho industrial: ht-
tps://youtu.be/dKW7_AzbezY.
lidade, os desenhos e as fotografias que permitem avaliar que se
trata de uma inovação); o seu campo de aplicação; e o comprovante • Nulidade do registro do
desenho industrial: https://
de pagamento da retribuição. youtu.be/lZFOs3xfa9I.
Formulado o pedido, há um exame formal preliminar e, caso não reú- Acessos em: 4 maio 2021.
na os requisitos formais, o Inpi poderá estabelecer as exigências que de-
verão ser atendidas em até 5 dias corridos. Ao final desse prazo, se não
atendidas, o pedido será considerado inexistente.

Para a análise do pedido, há condições que precisam ser atendi-


das pelo interessado no registro. Somente cabe o pedido de regis-
tro de desenho industrial de um único objeto, ainda que exista uma
pluralidade de variações – limitadas a 20 – direcionadas a um propósito
único. Além disso, o requerente pode solicitar temporariamente o sigilo
para que, durante o exame preliminar, não seja divulgado seu conteú-
do a terceiros, como ocorreria normalmente em casos desse tipo.

Em seguida, haverá a publicação e simultaneamente será concedido o


registro do desenho industrial com a expedição do certificado de registro.

O prazo de vigência do registro de desenho industrial é de 10 anos,


contados da data do depósito, sendo prorrogável por três períodos
sucessivos de 5 anos cada. As prorrogações devem ser formuladas
durante o último ano de vigência do registro mediante pagamento de
retribuição. Caso o prazo seja ultrapassado, será concedido um prazo
adicional de 180 dias, ao final do qual, caso não atendido, haverá a
perda do direito sobre o desenho industrial.

A cada 5 anos o titular do desenho deverá promover o pagamen-


to da retribuição, tendo uma segunda oportunidade de 6 meses, caso
vencido o primeiro prazo, mas desde que pague uma retribuição adi-

Nome empresarial e propriedade industrial 83


cional. Se ainda assim não realizar o pagamento, perderá os direitos
sobre aquele desenho industrial.

Concedido o registro, formaliza-se o Direito de Propriedade sobre


Leitura o desenho, e seu titular poderá gozar de todas os direitos advindos,
Recomenda-se dois sites inclusive dispor ou ceder a terceiros.
com leituras interessan-
tes para que você possa Há ainda um processo de nulidade administrativa e outro judicial.
aprofundar seus conhe-
cimentos: o do Sebrae e
Se provada a infringência de aspectos como a novidade, segundo o es-
o do Inpi, pois são órgãos tado da técnica da época, o Inpi poderá administrativamente declarar
que ajudam no processo
de compreensão e
a nulidade do registro. Esse processo pode ser uma iniciativa tanto de
registro do desenho ofício do Inpi, que pode controlar seus próprios atos administrativos,
industrial, enfatizando
sua importância.
quanto de terceiro que tenha legítimo interesse no indeferimento, des-
de que o faça no prazo de 5 anos, contados da concessão do registro.
• Saiba por que é importante fazer
registro de desenho industrial: Formulado o pedido de nulidade administrativa, serão suspensos
https://www.sebrae.com.br/
sites/PortalSebrae/artigos/
os direitos decorrentes do registro, desde que isso ocorra no prazo de
saiba-por-que-e-importante-fa- 60 dias, contados da dada concessão. O prazo para o titular responder
zer-o-registro-de-desenho-in- ao pedido é de 60 dias também. Em seguida, haverá decisão do Inpi,
dustrial,4f0cb2af5927c410VgnV-
CM2000003c74010aRCRD. que intimará todos os envolvidos para se manifestarem no prazo de
• Desenhos industriais: https:// 60 dias. Ao final, o processo será decidido pelo presidente do Institu-
www.gov.br/inpi/pt-br/ to, com o respectivo encerramento da fase administrativa. O próximo
servicos/perguntas-frequentes/
passo do interessado em obter a nulidade é propor uma ação no Poder
desenhos-industriais.
Acessos em: 4 maio 2021. Judiciário, nos mesmos moldes daquela prevista para as marcas.

De acordo com o artigo 119 da LPI (BRASIL, 1996b), o registro do dese-


nho industrial é suscetível de extinção por: expiração do prazo de vigên-
cia; renúncia de seu titular, ressalvado o direito de terceiros que possam
ter sido licenciados; falta de pagamento da retribuição; ou ausência de
procuração de pessoa domiciliada no exterior para representá-la no Brasil.

3.5 Concessão de patente


de modelo de utilidade
Vídeo
Diferente das marcas e dos desenhos industriais, que tratam de re-
gistro, no caso de modelos de utilidade tem-se a patente, termo que
equivale juridicamente ao registro e que confere ao seu titular os direi-
tos de propriedade. O exemplo a seguir demonstra o nível de comple-
xidade desse tipo de propriedade industrial.

84 Direito Comercial e do consumidor


Figura 8
Exemplo de patente de modelo de utilidade

Fonte: Inpi, 2021e.

Segundo o artigo 9º da LPI (BRASIL, 1996b), o modelo de utilidade é um


“objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, Saiba mais
que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que Um exemplo para entender
resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação” . a diferença entre acessível e
conhecido: o sabor e demais
Para evitar dúvidas, o legislador define alguns contornos do que se características da Coca-Cola
entende por estado da técnica no artigo 11 da LPI, que é “tudo aqui- são conhecidos do público
em geral, tanto que existem
lo tornado acessível ao público”, ou seja, aquilo que era conhecido outros refrigerantes similares.
no momento do registro da patente do modelo de utilidade. Se era Todavia, não são acessíveis,
porque é um segredo industrial
conhecido, não há ato inventivo e não é possível conceder a patente
da empresa.
para o modelo de utilidade.

O principal elemento do modelo de utilidade é o chamado ato


inventivo, o qual determina que o modelo de utilidade deve ser

Nome empresarial e propriedade industrial 85


decorrente de uma variação do estado da técnica que não decorra
do uso vulgar do objeto. Dessa forma, não pode ser algo que natu-
ralmente seria considerado como uma melhoria relacionada àquele
objeto, pois a vulgaridade retira a inventividade associada a ele. Um
exemplo pode ajudar: o telefone fixo e o telefone sem fio. O uso cen-
tral é o mesmo, mas a nova forma desse objetivo já conhecido resul-
tou em uma melhora funcional na sua utilização. O último requisito
Vídeo do modelo é que ele possa ser usado e produzido industrialmente.
A LPI dá apenas um
conceito do estado da Veda-se a patente a modelos de utilidade que possam contrariar
técnica, que é variável a moral, os bons costumes, a segurança, a ordem e a saúde pública,
para cada tema. Por
exemplo, o estado além de produtos resultantes da transformação do núcleo atômico
da técnica em marca e de seres vivos no todo ou em parte, de acordo com o artigo 18 da
adquire uma feição
diferente do estado do LPI (BRASIL, 1996b).
modelo de utilidade.
Para entender um
No caso do modelo de utilidade, tão logo formulado o pedido de pa-
pouco melhor esse tente, abre-se em favor do depositante do pedido o Direito de Priori-
assunto, recomenda-se
o vídeo O que é estado
dade. Aqui vigora a regra de que o primeiro a depositar o pedido é o
da técnica | Patente de A inventor e, por isso, recebe a proteção legal da prioridade quanto aos pe-
a Z, do canal Sejaphd.
didos posteriormente efetuados que possam com ele colidir. Com efeito,
Disponível em: https://youtu.
be/Vyqu7KyYGfo. Acesso em: 2
pode ocorrer, de boa-fé, que vários inventores estejam pesquisando o
maio 2021. mesmo tema em busca de uma solução para um dado problema, e um
deles encontra a resposta antes dos demais, formulando o pedido junto
ao INPI de depósito daquele modelo de utilidade. Assim, ainda que os
demais inventores cheguem ao mesmo resultado, vigorará em favor do
depositante o Direito de Prioridade que poderá lhe conferir o Direito de
Propriedade em seguida, caso deferido o registro pelo INPI.

Uma vez concedida, a patente de modelo de utilidade vigorará pelo


prazo de 15 anos, contados da data do depósito, e o prazo de vigência
não poderá ser inferior a 7 anos, contados da data da concessão. Esse
período deve-se ao fato de que o processo de concessão da patente é
muito demorado e pode se passar muitos anos antes da concessão.
Por isso, é conferido um prazo mínimo de vigência para compensar o
criador do modelo de utilidade no processo de exploração do Direito
de Propriedade que emana dele.

O processo de concessão da patente do modelo de utilidade obede-


ce às seguintes fases, resumidamente:

86 Direito Comercial e do consumidor


Pedido de patente

Contém requerimento, relatório descritivo, reivindicações, desenhos


(se for o caso), resumo e comprovante do pagamento da retribuição
relativa ao depósito.

Exame formal

É preliminar e, se devidamente instruído, será protocolizado,


considerada a data de depósito da sua apresentação.

Sigilo

O pedido ficará sob sigilo por 18 meses, contados da data do depósito.

Publicação

O pedido de patente será publicado e o exame somente terá início


após transcorridos 60 dias da publicação.

Requerimento

O depositante deverá fazer o requerimento para a análise do pedido de


patente no prazo de 36 meses, sob pena de arquivamento sem análise.

Exame técnico

É feito para apurar se o pedido corresponde a um modelo de utilidade


efetivamente patenteável segundo o estado da técnica. Definida sua
patenteabilidade, verificará a adaptação do pedido de reivindicação, no
sentido de declaração da finalidade para a qual se presta o modelo de
utilidade cujo depósito pretende ser feito. Também poderá determinar a
reformulação do pedido com exigências técnicas.

Parecer

O parecer pode ser relativo à patenteabilidade. Se negativa, o requerente


poderá manifestar-se no prazo de 90 dias e reformular o pedido ou
simplesmente desistir.

Decisão

Após o exame técnico, será proferida a decisão, deferindo ou não o pedido


de patente.

(Continua)
Nome empresarial e propriedade industrial 87
Carta patente

A patente será concedida depois do deferimento do pedido, desde que


comprovado o pagamento da retribuição, expedindo-se a carta patente.

Uma vez concedida a patente, é possível o reconhecimento da sua


nulidade. Para tanto, também são relacionadas as fases administrativa e
judicial. A nulidade envolve a concessão de uma patente que contrarie as
limitações e proibições existentes na LPI. Ela pode ser obtida no próprio
órgão responsável pelo registro e controle das patentes, no caso, o Inpi.

O processo administrativo de nulidade da patente de modelo de utili-


dade pode ser instaurado de ofício ou a pedido de qualquer pessoa que
reivindique um interesse legítimo no prazo de 6 meses, contados da con-
cessão da patente. O prazo para o titular manifestar-se é de 60 dias. Após
esse período, o Inpi emitirá um parecer, acolhendo ou não o pedido de nu-
lidade da patente. Todos os interessados serão intimados para tomarem
conhecimento também no prazo de 60 dias. Transcorrido esse tempo, o
Leitura presidente do Inpi proferirá a decisão e encerrará a fase administrativa.

Sugere-se a leitura do Caso superada a fase administrativa, ainda é possível buscar a via
manual de consultas do
judicial, por meio da ação de nulidade prevista no artigo 56 e seguintes
Inpi, intitulado Diretriz
de exame de patentes da LPI. A nulidade pode ser proposta a qualquer momento pelo próprio
de modelo de utilidade,
Inpi, que concede a patente, ou por qualquer pessoa que apresente um
que apresenta algumas
diretrizes das análises interesse legítimo violado pela patente. Não há um prazo para o exer-
de pedidos de patente e
cício desse direito, tanto que a nulidade pode ser arguida a qualquer
modelo de utilidade.
tempo como matéria de defesa.
Disponível em: https://www.gov.
br/inpi/pt-br/servicos/patentes/ O foro competente para apreciar o pedido de nulidade é a Justiça Fe-
pagina_consultas-publicas/
arquivos/diretriz_de_mu_ deral, e o Inpi deve compor a ação, intervindo no feito quando não for ele
versao_2_original.pdf. Acesso em: próprio o autor. O prazo para responder à ação é especial e consta da LPI,
4 maio 2021.
sendo de 60 dias. Uma vez proferida a decisão, cabe ao Instituto anotar o
resultado para a ciência de terceiros, pois tem caráter público.

3.6 Concessão de patente de invenção


Vídeo Invenção é o ato de criação de algo (produto ou processo) que não
existe ainda no estado da técnica. Segundo o artigo 8º da LPI, para se
caracterizar como invenção, é preciso que atenda aos requisitos da no-
vidade, atividade inventiva e aplicação industrial (BRASIL, 1996b).

88 Direito Comercial e do consumidor


Novidade significa que aquela invenção é
inovadora, que é algo ainda não conhecido
ou disponível para o público em geral.

Atividade Aplicação industrial


inventiva significa que somente será
significa que invento se estiver destinado
é fruto do ao uso em geral por meio
pensamento da possibilidade de sua
humano. industrialização.

Para exemplificar um caso de patente, segue um exemplo extraído


do site do Inpi.

Figura 9
Exemplo de patente de invenção

Fonte: Inpi, 2021f.

Nome empresarial e propriedade industrial 89


Para obter a concessão de patente de invenção, é preciso formu-
lar um pedido que confere o chamado Direito de Prioridade (artigo
16 da LPI). Portanto, ele presume que o seu depositante é o inven-
tor. A seguir é apresentado um esquema resumindo os passos que
devem ser seguidos para a obtenção da concessão do registro de
patente:

Pedido de patente

Contém requerimento, relatório descritivo, reivindicações, desenhos


(se for o caso), resumo e comprovante do pagamento da retribuição
relativa ao depósito.

Exame formal preliminar

São verificados apenas alguns requisitos, em especial se o pedido está


devidamente instruído. Se sim, será protocolizado, considerando a data de
depósito da sua apresentação; se não, será aberto prazo para a correção
das exigências formuladas pelo examinador.

Decisão

Com base no exame técnico, será proferida a decisão, deferindo ou


não o pedido de patente.

Leitura Carta patente

Recomenda-se como
leitura complementar
A patente será concedida depois do deferimento do pedido, desde que
o artigo As patentes e a comprovado o pagamento da retribuição, expedindo-se a carta patente.
proteção da invenção,
do Sebrae, que ajuda o
empreendedor a com- O prazo de vigência de uma patente de invenção é de 20 anos,
preender a importância
não podendo ser inferior a 10 anos, a contar da data da concessão.
das patentes e como
isso confere segurança Isso se dá para garantir ao inventor um tempo mínimo de uso e frui-
à invenção.
ção da patente, visto que o processo de registro é demorado.
Disponível em: https://www.
sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ Concedida a patente, surge o direito de o seu titular impedir que
artigos/as-patentes-e-a- qualquer pessoa, sem que tenha obtido formalmente o seu consenti-
seguranca-da-invencao,047aa866
e7ef2410VgnVCM100000b27201 mento, possa usar, vender ou dispor de qualquer forma daquele inven-
0aRCRD. Acesso em: 2 maio 2021. to, de acordo com o artigo 41 da LPI (BRASIL, 1996b).

Podem ocorrer casos em que a patente é concedida pelo Inpi, mas


depois se constata que não poderia ter sido deferida. Nesse caso, é
possível pedir a nulidade dela.

90 Direito Comercial e do consumidor


A primeira alternativa para obter a nulidade da patente é de natu-
reza administrativa (artigo 50 da LPI) e processa-se no próprio Inpi. O
titular terá 60 dias para responder ao pedido de nulidade. O próprio
Instituto pode instaurar o processo administrativo ou qualquer pessoa
que demonstre seu legítimo interesse – por exemplo, comprove ser o
efetivo inventor, mas que foi enganado pela pessoa que registrou. O
prazo para o uso da alternativa administrativa é de 6 meses, contados
da concessão da patente.

A segunda alternativa é judicial. Nesse caso, está prevista uma


ação de nulidade, a qual pode ser proposta a qualquer tempo da
vigência da patente, ou seja, há um prazo muito mais longo que
aquele conferido em favor da alternativa administrativa. São legiti-
mados à propositura dessa ação o próprio Inpi ou qualquer pessoa
que demonstre seu legítimo interesse. Ela se processará na Justiça
Federal e terá obrigatoriamente o Instituto em um dos polos da
ação como autor ou interessado. Essa hipótese decorre do inte-
resse do Inpi em promover o controle das patentes concedidas. Se
uma ação de nulidade é proposta, o resultado, qualquer que seja,
será objeto de registro no pedido de concessão de patente para
que qualquer pessoa que consulte o sistema (de acesso público) Saiba mais
possa ter conhecimento da existência de disputas em torno daque- Para saber mais dessa
licença compulsória dos
la patente.
medicamentos, muito
As patentes podem ser cedidas ou licenciadas. Um inventor pode estudada na doutrina
brasileira, confira as
obter uma patente, mas não ter interesse em produzir a invenção in- indicações a seguir:
dustrialmente. Desse modo, ele faz a cessão para alguém interessado • Licença compulsória do
Efavirenz no Brasil em
em fabricar aquele invento. No licenciamento, o inventor obtém a pa-
2007: contextualização.
tente e passa a licenciar a possibilidade de uso daquele invento para Disponível em: https://scie-
um terceiro, o qual passará a produzir industrialmente aquele produto losp.org/article/rpsp/2009.
v26n6/553-559/pt/.
ou a utilizar aquele processo patenteado (artigo 61 da LPI).
• A judicialização da saúde e
Conforme o artigo 68 da LPI (BRASIL, 1996b), existe, ainda, a figura a quebra de patentes farma-
cêuticas: um diálogo entre a
do licenciamento compulsório, que se dá quando o inventor: não usa
efetivação da garantia à saúde
o invento objeto da patente; faz uso de maneira abusiva; usa abusan- e o instituto da propriedade
do de seu poder econômico. A licença compulsória é uma forma de intelectual. Disponível em:
https://periodicos.ufes.br/
intervenção no Direito de Propriedade do inventor que obteve a pa- processocivilinternacional/ar-
tente, mas que não soube fazer uso desse direito. Um dos casos mais ticle/view/26027/18078+&-
famosos no Brasil foi a licença compulsória de medicamentos para o cd=7&hl=p-
t-BR&ct=clnk&gl=br.
tratamento de HIV, em razão dos elevados preços praticados pelos fa-
Acessos em: 4 maio 2021.
bricantes. Estes acabaram por lesar os interesses dos pacientes e do

Nome empresarial e propriedade industrial 91


próprio país, que era obrigado a arcar com elevados custos para forne-
cer os medicamentos aos interessados.

Finalmente, existe a extinção da patente. Como visto, a sua con-


cessão possui um prazo de 20 anos. Assim, a primeira hipótese de
extinção é o vencimento desse prazo. A segunda hipótese é quando
Vídeo
há renúncia pelo seu titular, ou seja, quando ele desiste de sua ex-
Para ampliar os seus co-
nhecimentos, indica-se ploração. Já a terceira hipótese é a caducidade, que ocorre quando
o vídeo Tipos de patentes o titular da patente não iniciou a sua exploração, visto que uma das
no Brasil: patente de
invenção e modelo de condições da patente de invenção é o seu uso industrial. Portanto,
utilidade, publicado pelo se não houver o uso, fica o titular sujeito a perder os direitos de pro-
canal Sobre Patente, que
tem algumas explicações priedade sobre o invento.
adicionais que podem
ajudar a melhor com- Há ainda uma última hipótese de extinção da patente, que é a
preender esse tema. ausência de pagamento da retribuição anual prevista nos artigos 84
Disponível em: https://youtu. a 86 da LPI (BRASIL, 1996b). Anualmente, o titular da invenção pre-
be/_qrW_wSuWjg. Acesso em: 4
maio 2021. cisa pagar a taxa fixada pelo Inpi, pois, se não o fizer, poderá ter a
patente extinta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo tratou do nome empresarial e da propriedade industrial,
elementos muito importantes para o empresário desenvolver as suas ati-
vidades. O nome empresarial é essencial porque é a forma pela qual o
empresário se identifica em suas atividades; já a propriedade industrial
visa proteger um conjunto de institutos que ele utiliza. A marca é a pro-
priedade industrial mais comum, uma vez que envolve a identidade visual
ou a nomenclatura do empresário. Assim, todos podem e devem registrar
suas marcas no Inpi para protegê-la.

A legislação também contempla os desenhos industriais, os modelos


de utilidade e as invenções, que podem ou não ser essenciais para deter-
minados empresários. Alguns jamais utilizarão a patente de invenção, pois
não dependem de inventos para desenvolver suas atividades. Entretanto,
a possibilidade de registro sempre ficará aberta e poderá ocorrer confor-
me a vontade e necessidade de cada um.

92 Direito Comercial e do consumidor


ATIVIDADES
Vídeo
1. O que é propriedade industrial?
2. O que é marca?
3. O que é nome empresarial?

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 1.800, de 30 de janeiro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 31 jan. 1996a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
d1800.htm. Acesso em: 4 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 21 nov. 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8934.
htm. Acesso em: 4 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 15 maio 1996b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l9279.htm. Acesso em: 4 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm. Acesso em: 4 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 12.441, de 11 de julho de 2011. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 12 jul. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/lei/l12441.htm. Acesso em: 4 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 set. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-
2022/2019/Lei/L13874.htm. Acesso em: 4 maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade Industrial,
2021a. Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?
Action=detail&CodPedido=11083. Acesso em: 20 maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade
Industrial, 2021b. Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/
MarcasServletController?Action=nextPageMarca&page=2. Acesso em: 20 maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 2021c.
Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/DesenhoServletController?
Action=detail&CodPedido=1595420&SearchParameter=POLTRONA. Acesso em: 20
maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 2021d.
Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/DesenhoServletController?
Action=detail&CodPedido=1595420&SearchParameter=POLTRONA. Acesso em: 20
maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 2021e.
Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/ImagemDocumentoPdfController?
CodDiretoria=200&NumeroID=7f4d4f6e9d411289daaabd1c7379ae5dfbcdadc
5f1079f300544bee987602d27&certificado=undefined&numeroProcesso=
&ipasDoc=undefined&codPedido=1416073. Acesso em: 20 maio 2021.
INPI. Consulta à base da dados do Inpi. Instituto Nacional de Propriedade Industrial,
2021f. Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/PatenteServletController?
Action=detail&CodPedido=1480214&SearchParameter=TELA%20SENSIVEL%20
TOQUE%20%20%20%20%20%20&Resumo=&Titulo=. Acesso em: 20 maio 2021.
INPI. O que é marca. Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 2021g. Manual de
marcas. Disponível em: http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/02_O_
que_%C3%A9_marca. Acesso em: 4 maio 2021.

Nome empresarial e propriedade industrial 93


4
Código de Defesa
do Consumidor
Anelize Pantaleão Puccini Caminha

O presente capítulo tem como escopo abordar o Código de


Defesa do Consumidor (CDC) e a proteção necessária aos usuá-
rios. Para melhor compreensão do conteúdo, o capítulo foi dividi-
do em quatro seções.
Dessa forma, na primeira seção será trabalhado o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), que é estabelecido no
CDC e envolve órgãos e entidades públicas e privadas.
Na segunda seção serão estudados os direitos básicos do
consumidor. O Código determina os direitos que devem ser
observados na relação de consumo, levando em consideração que
o usuário é a parte vulnerável dessa relação.
Na terceira seção serão abordadas as responsabilidades do
fornecedor nos vícios dos produtos e serviços. Sobre esse tema,
o CDC estabelece regras específicas, inclusive a responsabilidade
objetiva do fornecedor.
Por fim, na quarta seção serão tratados dos direitos do con-
sumidor no comércio eletrônico. Para esse estudo, é necessária a
análise de normas específicas, tais como o Marco Civil da Internet.

94 Direito Comercial e do consumidor


4.1 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
Vídeo O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) surgiu com a
necessidade da proteção e defesa do consumidor no Brasil. O marco
principal desse tema no sistema jurídico brasileiro foi a sua inclusão
na Constituição Federal (CF) de 1988 e posteriormente no Código de
Defesa do Consumidor (CDC), ou Lei n. 8.078/1990.

A proteção do consumidor foi positivada como direito fundamental


no artigo 5º, inciso XXXII, e como princípio da ordem econômica no ar-
tigo 170, V, ambos da CF:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-
dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor;
[...]
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do traba-
lho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observa-
dos os seguintes princípios:
[...]
V – defesa do consumidor. (BRASIL, 1988)

O CDC tem como marco o reconhecimento da vulnerabilidade do con-


sumidor e do princípio da boa-fé como base das relações de consumo.

Ressalta-se que é dever do Estado – União, estados, Distrito Federal e


municípios – e direito fundamental de todos os cidadãos a proteção e defesa
na relação de consumo.

A fim de assegurar as garantias e os direitos dos consumidores,


determinou-se no CDC a Política Nacional das Relações de Consumo,
conforme artigo 4º. O seu objetivo é atender às necessidades dos con-
sumidores com a proteção dos interesses econômicos, bem como o
respeito à dignidade, saúde e segurança. Para garantir a execução

Código de Defesa do Consumidor 95


dessa política, devem ser observados pelo Poder Público os seguintes
instrumentos, como determina o artigo 5º (BRASIL, 1990):

Assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente.

Promotorias de justiça de defesa do consumidor no âmbito do Ministério


Público.

Delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas


de infrações penais de consumo.

Juizados especiais de pequenas causas e varas especializadas para a solução de


litígios de consumo.

Concessão de estímulos à criação e ao desenvolvimento das associações de


defesa do consumidor.

O CDC também determina o Sistema Nacional de Defesa do Consu-


midor, que integra órgãos federais, estaduais, municipais e do Distrito
Federal, além de entidades privadas, de acordo com o seu artigo 105.
Ainda estabelece normas de ordem pública e social de proteção e defe-
sa dos consumidores, conforme seu artigo 1º – assim como determina-
do pela CF (BRASIL, 1990).

Em 2012 surgiu a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), cria-


da pelo Decreto n. 7.738/2012 – de acordo com o artigo 106 do CDC e o
artigo 3º do Decreto n. 2.181/1997 –, a qual é integrante do Ministério
da Justiça e da Política Nacional das Relações de Consumo. Tem como
objetivo auxiliar a integração dos órgãos do SNDC.

O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, a Secretaria


Nacional de Direito Econômico ou o órgão nacional que tenha como
função coordenar a política do SNDC deve seguir os objetivos estabele-
cidos pelo artigo 106 do CDC, que são:
I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política na-
cional de proteção ao consumidor;
II – receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias

96 Direito Comercial e do consumidor


ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou
pessoas jurídicas de direito público ou privado;
III – prestar aos consumidores orientação permanente sobre
seus direitos e garantias;
IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos
diferentes meios de comunicação;
V – solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial
para a apreciação de delito contra os consumidores, nos termos
da legislação vigente;
VI – representar ao Ministério Público competente para fins de
adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições;
VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações
de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, co-
letivos, ou individuais dos consumidores;
VIII – solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Esta-
dos, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fis-
calização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de
bens e serviços;
IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros progra-
mas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor
pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais;
X – (Vetado);
XI – (Vetado);
XII – (Vetado);
XIII – desenvolver outras atividades compatíveis com suas finali-
dades. (BRASIL, 1990)

Já o Decreto n. 2.181/1997 dispõe sobre a organização da Senacon,


estabelecendo as normas gerais e as sanções administrativas. Nesse
sentido, faz parte dela o Departamento de Proteção e Defesa do Con-
sumidor (DPDC), que tem como função executar a Política Nacional nas
Relações de Consumo, auxiliando o monitoramento do mercado.

Uma das principais funções da Senacon é integrar todos os ór-


1
gãos do Sistema de Defesa do Consumidor ao Sistema Nacional de
Para saber mais,
1
Informações de Defesa do Consumidor . Além das ações voltadas acesse o site: https://
sindecnacional.mj.gov.
à saúde e segurança do consumidor, também atua na sua proteção
br/sobre. Acesso em: 19
por meio da regulamentação. Verifica-se, portanto, que ela age prin- maio 2021.

cipalmente no planejamento, na elaboração, na coordenação e na


execução da política nacional.

Nos casos de repercussão nacional e interesse geral em que há


a necessidade de análise de questões e diálogo com fornecedores,
a Senacon atua de maneira ativa. Além disso, ela tem como papel

Código de Defesa do Consumidor 97


acompanhar todas as propostas normativas com impacto ao consu-
midor, atuando na prevenção e repressão das práticas que violam
os seus direitos.

O consumidor deve ser defendido em várias esferas. Logo, a atua-


ção do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor deve ser coorde-
nada entre agentes públicos e privados. O artigo 55 do CDC determina
que deve ser realizada, de modo concorrente entre a União, os esta-
dos, o Distrito Federal e os municípios, a fiscalização e o controle da
“produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e
serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida,
da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor,
baixando as normas que se fizerem necessárias” (BRASIL, 1990).

Caso haja infrações de ordem administrativa contra o consumidor


que violem os seus interesses difusos, coletivos ou individuais, o Depar-
tamento Nacional de Defesa do Consumidor deverá levar o ocorrido
ao conhecimento dos órgãos competentes conforme a natureza da
violação, como determina o inciso VII do artigo 106 do CDC. Caso a
infração viole a legislação penal, deverá ser realizado o inquérito ou ter-
mo circunstanciado pela autoridade policial e, em algumas situações, a
representação perante o Ministério Público, a fim de que se adotem as
medidas necessárias para a proteção dos direitos dos consumidores.

É imprescindível que todo o SNDC aja de maneira sólida e que os mecanismos de


proteção tenham preservadas a sua autonomia e interdependência com o objetivo
de garantir a atuação eficaz. Todos os órgãos que integram o SNDC devem seguir
as premissas de cooperação, solidariedade e sinergia.

Em 2020 foi instituído como órgão integrante da Senacon o Con-


selho Nacional de Defesa do Consumidor, por meio do Decreto
n. 10.417/2020. Ele havia sido criado originalmente em 1985 e extin-
to em 1990. Sua função é assessorar o Ministro da Justiça a formular
e conduzir a Política Nacional de Defesa do Consumidor. Além disso,
tem como escopo elaborar e propor recomendações a todos os ór-
gãos integrantes da Senacon, como determina o artigo 1º do decreto
citado (BRASIL, 2020).

98 Direito Comercial e do consumidor


Entre os órgãos especializados em proteção e defesa do consumi-
dor é importante destacar o Procon, que pertence ao Poder Executi-
vo municipal ou estadual e possui contato direto com os cidadãos. Ele
recebe as reclamações e, caso verifique violação, realiza um auto de
infração. Assim, coordena e executa a política estadual ou municipal,
bem como atende aos consumidores.

As atribuições do Procon estão estabelecidas no artigo 4º do De-


creto n. 2.181/1997. Uma das mais importantes é ser a instância de
instrução e julgamento do procedimento administrativo (BRASIL, 1997).
Portanto, caso haja violação ao direito do consumidor, este deverá rea-
lizar uma reclamação de maneira fundamentada e, se for efetivamente
verificada a infração, será realizada a lavratura do auto de infração. A
atuação ocorre no âmbito extrajudicial.

Nos processos administrativos, o Procon deverá buscar a intermedia-


ção dos conflitos por meio de acordos entre consumidor e fornecedor.

Há ainda a Delegacia de Defesa do Consumidor, que tem como fun-


ção o atendimento a infrações penais de consumo. Caso não haja uma
delegacia especializada nessa área, deverá a delegacia de competência
geral do estado, município ou Distrito Federal atender aos cidadãos,
registrando o boletim de ocorrência e realizando o inquérito policial.
Site
Por fim, as agências reguladoras são um órgão integrante que Sugere-se o acesso
fiscaliza as atividades econômicas e necessita de autorização es- ao Portal de Defesa do
Consumidor, no qual há
pecial do Poder Público para exercer a sua atividade por meio de dicas de como proceder
concessões e permissões. Destaca-se que a atuação delas tem im- em casos de violação aos
direitos do consumidor.
pacto direito nas relações de consumo, portanto devem ser estuda-
Disponível em: https://www.
das junto do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, pois têm defesadoconsumidor.gov.br. Acesso
como função a intervenção, a fixação de preços e a competência em: 19 maio 2021.

normativa regulatória.

4.2 Direitos básicos do consumidor


Vídeo O CDC determina no seu artigo 6º os direitos básicos do consumi-
dor, em consonância com os princípios estabelecidos no artigo 4º, ten-
do como objetivo determinar valores e preceitos fundamentais para a
proteção do usuário.

No que tange aos princípios, destaca-se que a sua função não é


preencher de maneira subsidiária a lacuna da lei, mas sim imedia-

Código de Defesa do Consumidor 99


ta, com a função de corrigir eventuais normas injustas (TARTUCE;
NEVES, 2016). Já os direitos são aqueles positivados na legislação,
ou seja, expressos no texto da lei. Ressalta-se que eles não excluem
os decorrentes de tratados e convenções internacionais assinados
pelo Brasil, bem como demais legislações. A seguir serão comenta-
dos cada um desses direitos (BRASIL, 1990).

A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas


I
no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.

O direito à vida, saúde e segurança é um direito fundamental estabe-


lecido na CF. Nesse sentido, o CDC determina normas para a proteção
do consumidor contra produtos e serviços que possam ser perigosos
ou causar danos. Caso haja um defeito que ocasione um dano ao con-
sumidor, a responsabilidade do fornecedor é objetiva e solidária.

A educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços,


II
asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações.

O direito à educação e divulgação significa ter acesso à forma


correta de uso do produto ou serviço. Além disso, tem relação com o
princípio da equivalência negocial, que objetiva garantir a igualdade
de condições entre o consumidor e o fornecedor no momento da
contratação. Também há essa proteção com o propósito de que o
consumidor tenha liberdade de escolha do produto ou serviço dis-
ponível no mercado.

A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com


III
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade,
tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

É imprescindível o cuidado com a informação, havendo o dever


de informar e o direito de ser informado estabelecidos como prin-
cípios do direito do consumidor no artigo 4º do CDC. A informação
precisa ser clara, com todas as características do produto e acessí-
vel. Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 6º determina que “a
informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser
acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regula-
mento” (BRASIL, 1990, grifo do original).

100 Direito Comercial e do consumidor


Destaca-se a ligação desse direito com o de escolha e igualdade,
visto que para exercer essa liberdade de maneira clara é necessário
o acesso igualitário à informação adequada do produto ou serviço.
Também verifica-se que sem o acesso à informação não é possível
aplicar os princípios da transparência, confiança e boa-fé, como
afirma o ministro Antônio Herman Benjamin no Recurso Especial
n. 586.316/2003 (BRASIL, 2009).

A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais


IV
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas
no fornecimento de produtos e serviços.

Todas as situações de abuso entre fornecedor e consumidor são


protegidas pelo CDC. Nesse sentido, a propagada deve ser clara e
não pode, em nenhum sentido, enganar o usuário. Essa proteção
se dá na fase pré-contratual, em que há a oferta e a publicidade do
produto ou serviço.

As cláusulas contratuais e para fornecimento também não podem


ser abusivas, nem fixar condições incompatíveis com o fornecimento
do produto ou serviço. Diferentemente do que ocorre com os contra-
tos em geral, as cláusulas consideradas abusivas e desproporcionais 2
são tidas automaticamente como não válidas, e o consumidor não será O motivo imprevisível é
aquele que não é possível
penalizado pelo seu descumprimento, como se verifica no inciso V do
prever anteriormente,
artigo 6º, que será trabalhado na sequência. como o caso de um
motivo que altere o
equilíbrio do contrato, ge-
A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
V rando uma onerosidade
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessiva ao consumidor.
excessivamente onerosas.

Glossário
De modo diferente do que ocorre no Direito Civil, em que há a força
cláusula draconiana:
obrigatória dos contratos – podendo ser modificados apenas por moti- excessivamente severa ou
2
vos imprevisíveis –, no direito do consumidor deve ser observada a fun- que institui uma punição
cruel ou injusta.
ção social do contrato. Nesse sentido, ele não pode integrar as cláusulas
draconianas ou prejudiciais ao consumidor. É importante salientar que 3
o consumidor é naturalmente a parte vulnerável da relação. A teoria da imprevisão
ocorre nos casos em
Caso haja necessidade, é possível modificar ou rever as cláusulas
que há um desequilíbrio
contratuais nas hipóteses de prestações desproporcionais ou em en- no contrato decorren-
te de uma condição
sejo de fatos supervenientes. Isso ocorre nos casos em que a cláusula
superveniente.
3
se torna excessivamente onerosa, aplicando a teoria da imprevisão .

Código de Defesa do Consumidor 101


A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
VI
coletivos e difusos.

Esse direito garante a reparação integral dos danos sofridos


decorrentes da relação de consumo. É importante destacar que a
pessoa jurídica também pode sofrer dano moral, como determina a
Súmula n. 227 do Supremo Tribunal de Justiça – STJ (BRASIL, 1999).
Assim, todo aquele que causar dano deverá repará-lo. Essa reparação,
caso não seja voluntária, será determinada pelo juiz.

Os danos patrimoniais são aqueles relacionados ao patrimônio; os


morais, à personalidade que foi abalada; os individuais, apenas ao con-
sumidor; os coletivos, a um grupo de consumidores; e os difusos, a um
número indeterminado de consumidores. Ressalta-se que os danos po-
dem ser cumulados ou não.

O acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou


VII
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

Esse direito tem o objetivo de positivar o acesso à justiça no CDC,


garantindo, assim, o acesso às defensorias públicas e à assistência judi-
ciária gratuita. Todos os instrumentos da Política Nacional das Relações
de Consumo também possuem o escopo de proteger o consumidor.

VIII A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova,
a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

A inversão do ônus da prova significa que o fornecedor deve provar


que o seu produto não possui um vício ou defeito, pois o consumidor
é vulnerável na relação. Essa inversão deverá ser realizada de maneira
prudente e o juiz analisará o caso concreto.

O Informativo n. 489 do STJ (BRASIL, 2011) determina que se o


juiz, ao analisar o caso, verificar a verossimilhança das alegações ou
a hipossuficiência da parte, poderá estabelecer a inversão do ônus da
prova. Nesse caso, o fornecedor deve provar que os fundamentos ale-
gados pela parte não são verídicos.

102 Direito Comercial e do consumidor


X A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

No rol de serviços públicos em geral estão os de água, esgoto, ener-


gia, transporte público, entre outros. Ressalta-se que, como determina
o artigo 7º do CDC, os direitos previstos não excluem outros decorren-
tes de tratados e convenções internacionais.

A seguir é apresentado um resumo dos direitos básicos do


consumidor:

Educação e divulgação
Filme
Proteção à vida, saúde Informação adequada
a respeito do consumo Recomenda-se o filme
e segurança. e clara.
adequado. Os delírios de consumo de
Becky Bloom, que retrata
a vida de uma jovem jor-
Modificação das nalista com problemas
Proteção contra a cláusulas contratuais causados pelos desejos
Efetiva prevenção e publicidade enganosa com prestações de consumo exagera-
reparação de danos e abusiva, os métodos desproporcionais dos. Na produção, a
patrimoniais, morais, comerciais coercitivos ou sua revisão por personagem principal é
individuais, coletivos e ou desleais, bem como fatos supervenientes altamente afetada pelas
difusos. as práticas e cláusulas que as tornem propagandas e pelos
abusivas ou impostas. excessivamente desejos de consumo, o
que acarreta sérios pro-
onerosas.
blemas para a sua vida.

Direção: P. J. Hogan. EUA:


Acesso aos órgãos Facilitação da defesa Adequada e eficaz Touchstone Pictures; Jerry
judiciários e dos direitos do prestação dos Bruckheimer Films, 2009.
administrativos. consumidor. serviços públicos.

Dessa forma, verifica-se que os direitos básicos do consumidor de-


vem ser observados no sentido de garantirem que a relação entre con-
sumidor e fornecedor não seja desigual.

4.3 Responsabilidade por vício do


produto e do serviço
Vídeo Como visto, o fornecedor deve oferecer produtos e serviços seguros,
respeitando o direito à proteção da vida, saúde e segurança. A principal
diferença no que tange ao direito do consumidor é a responsabilidade
objetiva, na qual não é necessário provar a negligência, imprudência e

Código de Defesa do Consumidor 103


imperícia do fornecedor. Sempre que houver um vício no produto ou
no serviço, o fornecedor é o responsável, independentemente de culpa,
pela reparação do dano. Em seu artigo 12, o CDC estabelece o seguinte:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou es-
trangeiro, e o importador respondem, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,
construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação
ou acondicionamento de seus produtos, bem como por infor-
mações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e
riscos. (BRASIL, 1990)

É importante destacar que o artigo descrito atribui a responsabi-


lidade ao fornecedor, e não ao comerciante. Entretanto, o CDC, em
seu artigo 13, indica as hipóteses em que o comerciante é igualmen-
te responsável:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos
do artigo anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não
puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fa-
bricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
(BRASIL, 1990)

A responsabilidade mencionada nos incisos I e II é subsidiária e


ocorre apenas nos casos em que não é possível identificar o fabricante.
Portanto, a única hipótese na qual o comerciante é responsável de ma-
neira direta é de má conservação do produto perecível, como determi-
na o inciso III.
Figura 1
A diferença entre defeito e vício é que o primeiro
Exemplo de produto com vício
significa falha na segurança, e o segundo falha na ade-
quação. Por exemplo, o vício pode ocorrer quando a ca-
racterística da qualidade do produto é precária, como
no caso de uma chaleira que não funciona adequada-
mente. Já o defeito pode ocorrer quando o consumidor
compra um produto, como um creme de leite, e a sua
aparência é adequada, mas após o consumo, ele é hos-
pitalizado por infecção alimentar.

Portanto, o produto é considerado defeituoso nos


casos em que não oferecer a segurança necessária, le-
czitrox/Shutterstock

104 Direito Comercial e do consumidor


vando em consideração a sua apresentação, o seu uso, os riscos que
dele legitimamente se esperam e a época em que foi colocado em cir-
culação, como orienta o parágrafo 1º do artigo 12 do CDC. Ainda como
afirma o parágrafo 2º do mesmo artigo, o fato de existir no mercado
outro produto de melhor qualidade não significa que o produto é de-
feituoso e não gera a responsabilidade inerente. Só não será responsá-
vel pelo defeito do produto caso o fabricante, construtor, produtor ou
importador provar que não o colocou no mercado, que o defeito não
existe ou que a culpa pelo defeito é exclusivamente de terceiro ou do
próprio consumidor, conforme o parágrafo 3º (BRASIL, 1990).

Nas hipóteses de fornecimento de serviços, independentemente de


culpa, o fornecedor deverá responder por defeitos relativos à presta-
ção dos serviços e pelas informações insuficientes ou inadequadas de
fruição e riscos, como disposto no artigo 14 (BRASIL, 1990).

A fim de verificar se o serviço é efetivamente defeituoso, é necessário


comprovar que ele não fornece a segurança necessária ao consumidor
no modo de seu fornecimento, no resultado e nos riscos que razoavel-
mente dele se esperam ou que ele não é compatível com a época em
que foi fornecido, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 14. Nesse
sentido, o parágrafo 2º destaca que caso sejam adotadas novas técni-
cas para os serviços, os realizados anteriormente não são considerados
defeituosos, visto que o fato de existir uma técnica mais moderna não
significa que a anterior é defeituosa.

Também não será responsabilizado o fornecedor que provar a não


existência defeito no serviço ou que a culpa é exclusivamente do con-
sumidor ou de terceiro, conforme o parágrafo 3º. Quando se trata de
responsabilidade pessoal de profissional liberal, o CDC estabelece que
se deve verificar a culpa no serviço prestado, como afirma o parágrafo
4º – nesse caso, verifica-se a responsabilidade subjetiva (BRASIL, 1990).

No que tange à responsabilidade por vício, os fornecedores de


produtos de consumo respondem de maneira solidária por vícios de
qualidade ou quantidade desde que estes tornem o produto impró-
prio ou inadequado ao consumo ou diminuam seu valor. Essa regra
aplica-se aos produtos duráveis ou não duráveis e àqueles em que
se verifica uma disparidade em relação à indicação do recipiente, da
embalagem, da rotulagem ou da mensagem publicitária, desde que
não decorrente de sua natureza. Nos casos mencionados, é possível

Código de Defesa do Consumidor 105


a exigência de substituição pelo consumidor, como determina o arti-
go 18 do CDC (BRASIL, 1990).

O prazo para sanar o vício é de 30 dias. Caso não seja solucionado,


o consumidor pode exigir alternativamente e à sua escola: “I – a substi-
tuição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições
de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimen-
to proporcional do preço”, como dispõe o parágrafo 1º do artigo 18 do
CDC. Esse prazo pode ser reduzido ou ampliado para não menos do
que 7 dias e não mais do que 180 dias, desde que convencionado entre
as partes, como afirma o parágrafo 2º do mesmo artigo. Nos contratos
de adesão, o prazo só poderá ser convencionado se houver a manifes-
tação expressa do consumidor (BRASIL, 1990).

Se o produto com vício for in natura, o fornecedor imediato será


responsabilizado, salvo nos casos em que seja possível identificar o
produtor, como determina o parágrafo 5º do artigo 18. Além disso,
são considerados impróprios para uso e consumo, como estipula o
parágrafo 6º:
I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde,
perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regu-
lamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequa-
dos ao fim a que se destinam. (BRASIL, 1990)

Quanto aos vícios de quantidade, os fornecedores são solidaria-


mente responsáveis caso o produto apresente um conteúdo inferior
ao indicado na embalagem, no rótulo ou em campanha publicitária,
ou seja, ambos, fornecedor e consumidor, serão igualmente respon-
sáveis. Nessas situações, o consumidor poderá exigir de maneira
alternativa e à sua escolha: o abatimento proporcional do preço; a
complementação da quantidade; a substituição do produto por outro
de mesma espécie, marca ou modelo; ou a restituição do valor pago
atualizado monetariamente. Ressalta-se que caso haja perdas e da-
nos decorrentes do vício, estes também devem ser suportados pelo
fornecedor, conforme dispõe o artigo 19.

Caso o vício de qualidade não seja sanável e torne o serviço impróprio


ao consumo ou acarrete a diminuição do seu valor, o fornecedor de ser-

106 Direito Comercial e do consumidor


viços será o responsável. Nesse caso, o consumidor poderá escolher: se
o fornecedor irá reexecutar o serviço, sem custo adicional; se o fornece-
dor irá restituir a quantia paga, atualizada monetariamente; ou se ocor-
rerá o abatimento do preço de maneira proporcional, como determina o
artigo 20. Também poderá o fornecedor terceirizar a reexecução do ser-
viço, desde que por sua conta e seu risco e por terceiros capacitados,
conforme parágrafo 1º do referido dispositivo legal (BRASIL, 1990).

Nos casos em que há a necessidade de reparar o produto no for-


necimento de serviço, o fornecedor deverá repor os componentes ori-
ginais adequados e novos ou observar as especificações técnicas do
fabricante. Entretanto, o consumidor poderá autorizar em contrário,
como dispõe o artigo 21.

No que tange aos serviços prestados pelos órgãos públicos, também Leitura
se aplica o Código de Defesa do Consumidor, ainda que o serviço seja Recomenda-se a
prestado por empresas, concessionárias, permissionárias ou outra for- leitura do texto
Defesa do consumidor:
ma de empreendimento. Nesse caso, o serviço oferecido deve ser rea- responsabilidade do forne-
lizado de maneira adequada, eficiente, segura e, nos casos de serviço cedor por vício e por defeito
do produto, de André
essencial, contínua. Caso haja o descumprimento dessas obrigações, Motoharu Yoshino, que
ainda que parcialmente, deverá ser reparado o dano, como estabelece o detalha de maneira espe-
cífica o tratamento legal
artigo 22 (BRASIL, 1990). do vício no Código de
Defesa do Consumidor.
O fato de o fornecedor ignorar o vício não é justificativa para
Disponível em: https://www.
isentá-lo da responsabilidade nos casos em que o vício é de qualidade
migalhas.com.br/depeso/120332/
por inadequação dos produtos ou serviços, de acordo com o artigo 23. defesa-do-consumidor-
responsabilidade-do-fornecedor-
Nesse sentido, cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem a
por-vicio-e-por-defeito-do-
obrigação de indenizar são vedadas no contrato, conforme o artigo 25. produto-ou-servico. Acesso em: 19
maio 2021.
Além disso, “a garantia legal de adequação do produto ou serviço inde-
pende de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornece-
dor”, como determina o artigo 24 (BRASIL, 1990).

Por fim, segundo os parágrafos 1º e 2º do artigo 25, haverá situação


de responsabilidade solidária sempre que houver mais de um respon-
sável pela causação do dano. Ademais, nas hipóteses em que o dano é
causado por peça ou componente incorporado no produto, o seu fabri-
cante, construtor, importador ou aquele que realizou a inclusão será o
responsável de maneira solidária.

Código de Defesa do Consumidor 107


4.4 O direito do consumidor no
comércio eletrônico
Vídeo Atualmente, há uma grande migração das relações de consumo para
o mundo digital, criando os ambientes de compras e-commerce. Assim,
é necessária a estipulação de normas específicas para essa prática.

No que tange à defesa do consumidor no comércio eletrônico, em


2013 foi regulamentado o Decreto n. 7.962, o qual reafirmou os di-
reitos básicos que já estavam previstos no CDC, indicando que eles
também se aplicam ao consumidor na contratação de compras pela
internet. Verifica-se que a contratação no comércio eletrônico deve
observar os seguintes itens:

As informações claras a respeito do produto, serviço e fornecedor.

O atendimento facilitado ao consumidor.

O respeito ao direito de arrependimento.

A garantia de atendimento facilitado implica que o sumário do con-


trato deverá ser apresentado pelo fornecedor antes da contratação,
com o objetivo de garantir que o consumidor tenha acesso a todas as
informações necessárias. Dessa forma, ele poderá escolher livremente,
com o conhecimento, inclusive, das cláusulas limitantes de direitos.

A seguir são determinadas as informações essenciais que devem


estar destacadas e de fácil visualização no site no qual se realiza a com-
pra, de acordo com o artigo 2º do Decreto n. 7.962/2013 (BRASIL, 2013):

108 Direito Comercial e do consumidor


Nome empresarial e
número de inscrição
do fornecedor, quando Endereço físico e Discriminação no preço
houver, no Cadastro eletrônico e demais de quaisquer despesas
Nacional de Pessoas informações necessárias adicionais ou acessórias,
Físicas ou no Cadastro para sua localização e como as de entrega ou
Nacional de Pessoas contato. seguros.
Jurídicas do Ministério da
Fazenda.

Condições integrais
da oferta, incluídas
Características essenciais modalidades
Informações claras e de pagamento,
do produto ou do serviço,
ostensivas a respeito de disponibilidade, forma
incluídos os riscos à
quaisquer restrições à e prazo da execução do
saúde e segurança dos
fruição da oferta. serviço ou da entrega
consumidores.
ou disponibilização do
produto.

O direito ao arrependimento do comércio eletrônico é outra impor-


tante diferença em relação ao presencial. Ele pode ser realizado por
meio da mesma ferramenta que fez a contratação, sem prejuízo de
outros meios, e deve ser informado de maneira clara e ostensiva pelo
fornecedor, como determina o artigo 5º do Decreto n. 7.962/2013.

Caso o consumidor deseje exercer o seu direito ao arrependi-


mento devolvendo o produto, o fornecedor deverá informar imedia-
tamente a instituição financeira ou a administradora do cartão de
crédito, a fim de que a transação não seja lançada ou seja realizado
o estorno do valor (se já tiver sido realizada a transação), como de-
termina o parágrafo 3º do artigo 5º. Além disso, o fornecedor deve
informar o consumidor que recebeu a manifestação de arrependi-
mento imediatamente (BRASIL, 2013).

Código de Defesa do Consumidor 109


Na oferta dos produtos e serviços no meio eletrônico, deverão ser
informadas as condições de prazo para entrega, a quantidade, a quali-
dade e a adequação, conforme indica o artigo 6º.

Caso não se observe alguma das condutas descritas no Decreto


n. 7.962/2013, poderão ser aplicadas as sanções previstas no artigo
56º do CDC:
I – multa;
II – apreensão do produto;
III – inutilização do produto;
IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V – proibição de fabricação do produto;
VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII – suspensão temporária de atividade;
VIII – revogação de concessão ou permissão de uso;
IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou
de atividade;
XI – intervenção administrativa;
XII – imposição de contrapropaganda. (BRASIL, 1990)

Verifica-se, dessa forma, que no comércio eletrônico devem ser


observados três direitos fundamentais do consumidor, os quais estão
listados a seguir:

Clareza e disponibilidade de informações.

Suporte imediato ao cliente.

Direito de arrependimento.

O comércio eletrônico também deverá observar as normas estabe-


lecidas na Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet.
Nela estão estabelecidos os direitos, os deveres, os princípios e as ga-
rantias para o uso da internet no Brasil. De acordo com essa lei, as
empresas só poderão coletar os dados do usuário em caso de consen-
timento expresso por parte deste (BRASIL, 2014). Há ainda a Lei Geral

110 Direito Comercial e do consumidor


de Proteção de Dados, n. 13.709/2018, que tem como objetivo regula-
mentar o tratamento dos dados pessoas nos meios digitais.

O CDC estabelece o prazo de 7 dias para a desistência do negócio, Leitura


com o objetivo de evitar compras realizadas apenas por influência Sugere-se a leitura do
texto O comércio eletrônico
do marketing. Essa previsão está prevista no artigo 49 e acontece- e o Direito do Consumidor,
rá sempre que a contratação for realizada fora do estabelecimento de Rizzatto Nunes, que
resume de maneira clara
comercial, principalmente por telefone, domicílio ou, recentemente, e didática os principais
pela internet. Nesses casos, não é necessária a justificativa para a direitos do consumidor no
comércio eletrônico.
desistência e o fornecedor poderá estender o prazo, ampliando-o
Disponível em: https://www.
automaticamente, inclusive na oferta do produto. Caso o consumi- migalhas.com.br/coluna/abc-do-
dor desista da compra, o fornecedor deverá devolver o valor imedia- cdc/249828/o-comercio-eletronico-
e-o-direito-do-consumidor. Acesso
tamente e atualizado monetariamente, como determina o parágrafo em: 19 maio 2021.
único do artigo 49 do CDC (BRASIL, 1990).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo foi abordado o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
e as diversas formas de proteção das garantias e dos direitos do consu-
midor. Na primeira seção foi estudado o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor, que possui previsão na Constituição e no CDC. O Sistema es-
tabelece um rol de órgãos e entidades que objetivam garantir os direitos
do consumidor e atuar de maneira ativa nos casos de sua violação.
Na segunda seção foram detalhados os direitos básicos do consumi-
dor determinados no CDC. Verifica-se que o fornecedor deve observar os
direitos em consonância com os princípios determinados no artigo 4º do
CDC. Também foram observadas as responsabilidades por vício nos pro-
dutos ou serviços. Nesse sentido, o CDC estabelece a responsabilidade
objetiva do fornecedor e, em algumas situações, a solidária.
Por fim, foi discutido o direito do consumidor no comércio eletrônico,
o qual, nos últimos anos, expandiu-se de maneira significativa, devendo
serem observadas suas regras específicas.

ATIVIDADES
1. Qual é o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo?
Vídeo
2. Quando haverá a responsabilidade solidária pelo vício do produto?

3. Quais são os três direitos fundamentais do consumidor no comércio


eletrônico?

Código de Defesa do Consumidor 111


REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5
out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 20 mar. 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/
d2181.htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Decreto n. 7.962, de 15 de março de 2013. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 15 mar. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/decreto/d7962.htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Decreto n. 10.417, de 7 de julho de 2020. Diário Oficial da União, Poder Executi-
vo, Brasília, DF, 8 jul. 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2020/decreto/D10417.htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legisla-
tivo, Brasília, DF, 11 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8078compilado.htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 abr. 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência n. 489, Brasília, DF,
5 a 19 dez. 2011. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 586.316 MG 2003/0161208-5. Diário
Eletrônico da Justiça, Brasília, DF, 19 mar. 2009. Disponível em: https://www.stj.jus.br/webse-
cstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=683195&tipo=0&nreg=200301612085&SeqCgrmaSessao=&-
CodOrgaoJgdr=&dt=20090319&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 19 maio 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 227. Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 out.
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mulas-2011_17_capSumula227.pdf. Acesso em: 19 maio 2021.
TARTUCE, F.; NEVES, D. A. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 5.
ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.

112 Direito Comercial e do consumidor


5
A proteção do consumidor
Anelize Pantaleão Puccini Caminha

No presente capítulo serão abordadas as proteções do consu-


midor determinadas no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Na primeira seção será abordado o respeito à dignidade do con-
sumidor, o qual é afirmado na Constituição Federal e no CDC. Na
segunda serão estudadas as formas de proteção contratual na
defesa do consumidor. Para isso, serão abordadas as normas es-
tabelecidas no CDC diferentes da teoria geral do contrato, com o
objetivo de garantir a proteção do consumidor sempre do modo
mais favorável a ele.
Na terceira seção serão desenvolvidas as defesas do con-
sumidor em juízo. A legislação determina, nesse sentido, que
poderão ser ajuizadas ações específicas, tanto individuais como
coletivas, para a defesa dele. Por fim, na última e quarta seção,
serão examinadas as regras de prescrição e decadência estabe-
lecidas no CDC.

5.1 O respeito à dignidade do consumidor


Vídeo A defesa do consumidor está estabelecida na Constituição Federal
(CF) nos artigos 5º (inciso XXXII) e 170; no primeiro com a defesa do
consumidor como obrigação do Estado e no segundo como princípio
da ordem econômica. Ainda, é possível aplicar na relação de consumo
outros princípios constitucionais, tais como, a dignidade da pessoa hu-
mana – a qual deve ser considerada em todas as situações – e o direito
à vida, à honra e à imagem, dispostos no artigo 5º, caput e inciso X, da
CF (LIMA FILHO, 2015).

A proteção do consumidor 113


Em diversos aspectos da proteção do consumidor são levados em considera-
ção os direitos de personalidade, como no caso da boa conduta do fornecedor
com o consumidor. Ressalta-se que refletem na personalidade do consumidor
as condutas lesivas à sua dignidade.

Ainda que o direito do consumidor envolva aspectos patrimoniais,


ao dispor sobre aspectos extrapatrimoniais (como o dano moral), ele
envolve os direitos de personalidade. Dessa forma, são analisadas as
lesões aos interesses personalíssimos, visto que a dor e o sofrimento
são considerados para a fixação da indenização (LIMA FILHO, 2015).

Dentre as condutas que podem ser lesivas à personalidade do con-


sumidor, é possível elencar as práticas contratuais abusivas, o produto
ou serviço defeituoso e inclusive uma prática muito comum na socie-
dade, a negativa indevida (LIMA FILHO, 2015). Esta ocorre nos casos em
que o consumidor é incluído nos órgãos de proteção de crédito sem
haver efetivamente o inadimplemento.

Os acidentes do consumo também podem gerar um dano ao con-


sumidor no que tange à sua personalidade, inclusive nas hipóteses que
causarem dano à sua integridade física ou psíquica, como disposto
nos artigos 12 e 14 do CDC (BRASIL, 1990). O dano moral também é
considerado uma violação ao direito de personalidade, visto que se ca-
racteriza por uma lesão à moral da pessoa. A valoração da indenização
deverá ser fixada pelo juiz após a análise do caso concreto.

Nesse contexto, a boa-fé, no direito do consumidor, torna-se um


importante valor, e o artigo 39 do CDC estabelece as condutas viola-
doras desse princípio:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao for-
necimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na
exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes;
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição

114 Direito Comercial e do consumidor


social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e
autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorren-
tes de práticas anteriores entre as partes;
VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado
pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou ser-
viço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos ofi-
ciais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade cre-
denciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (Conmetro);
IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, direta-
mente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto paga-
mento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis
especiais;
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;
[...]
XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obri-
gação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo
critério.
XIII – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou
contratualmente estabelecido.
XIV – permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de
serviços de um número maior de consumidores que o fixado
pela autoridade administrativa como máximo. (BRASIL, 1990)

Além dos elencados, também é considerada uma prática abusiva e


uma afronta ao princípio da boa-fé qualquer prática que viole os direi-
tos fundamentais elencados na Constituição Federal e o princípio da
dignidade humana.

O direito ao esquecimento também é considerado um direito à


dignidade do consumidor; portanto, o CDC estabelece no artigo 43 a
seguinte norma em seu parágrafo 1°: “Os cadastros e dados de con-
sumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem
de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas re-
ferentes a período superior a cinco anos” (BRASIL, 1990). Nesse caso,
o consumidor tem o direito de excluir as duas informações negativas
após o período indicado.

No parágrafo 5° do mesmo artigo, aplica-se o direito ao es-


quecimento da cobrança após transcorrido o prazo prescricional

A proteção do consumidor 115


estabelecido no CDC: “Consumada a prescrição relativa à cobrança
Leitura
de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos
Recomenda-se a leitura
Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que pos-
do texto Dignidade do
consumidor e direitos da sam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornece-
personalidade, de Eujecio
dores” (BRASIL, 1990).
Cutrim Lima Filho, no qual
o autor aborda de que
Nesses dois dispositivos se verifica o direito ao esquecimento,
forma se dá a aplicação
implícita da dignidade uma vez que, após transcorrido o prazo, o consumidor não poderá
da pessoa humana nas
ser lembrado da dívida e, tampouco, poderão ser divulgadas quais-
relações de consumo.
quer informações sobre ela. Nesse mesmo sentido, o Enunciado
Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2015-jul-20/eujecio- n. 531 da VI Jornada de Direito Civil afirma que “a tutela da dignidade
coutrim-dignidade-consumidor- da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
direitos-personalidade. Acesso em:
28 maio 2021. esquecimento” (BRASIL, 2013, p. 89).

5.2 A proteção contratual


Vídeo O contrato é um importante instrumento do Direito Privado, vis-
to que com base nele é possível determinar o negócio jurídico. Sua
teoria geral é regulamentada pelo Código Civil (CC), mas o CDC de-
termina algumas regras específicas para os contratos oriundos das
relações de consumo. Ressalta-se que este, entretanto, não afasta a
aplicação do CC.

Os contratos geram obrigações entre as partes, sendo que nos


de consumo tem-se a obrigação entre o consumidor e o fornecedor.
Nesse sentido, levando-se em consideração a necessária proteção ao
consumidor, o CDC estabelece um capítulo próprio a fim de garantir a
proteção contratual.

A primeira regra se aplica à proteção do consumidor caso ele


não tenha acesso amplo ao conteúdo do contrato. Assim, este não
obrigará o consumidor se ele não tiver conhecimento prévio de seu
conteúdo ou a redação não for de fácil compreensão para ele, como
determina o artigo 46 do CDC. Dessa mesma forma, o artigo 47 de-
termina que a interpretação de todas as cláusulas contratuais deve
ser feita da maneira mais favorável ao consumidor. Assim, caso
haja um conflito de interpretação ou a obrigação determinada na
cláusula não seja clara, o consumidor não pode de modo algum ser
prejudicado (BRASIL, 1990).

116 Direito Comercial e do consumidor


Nesses dois artigos se verifica que o consumidor é a parte mais vulnerável no
contrato, diferente do que ocorre nos contratos em geral, em que ambas as
partes estão em condições de igualdade.

É importante salientar que as relações de consumo vinculam o for-


necedor ainda que a declaração de vontade seja realizada por meio de
escritos particulares, recibos ou pré-contratos. Isso ocorre inclusive na
hipótese de execução específica, nos termos do artigo 84
1
e em seus 1
parágrafos, conforme dispõe o artigo 48 do CDC. Esse artigo afirma que as
declarações de vontade
Coloca-se, ainda, que sempre que o contrato for celebrado fora do podem ser executadas
da mesma forma que as
estabelecimento comercial, o consumir poderá, no prazo de sete dias
ações que tenham obriga-
a partir da celebração (assinatura ou ato de recebimento do produto ção de fazer ou não fazer.
ou serviço), desistir do contrato. Isso poderá ocorrer em compras rea-
lizadas por meio eletrônicos, tais como pela internet, pelo telefone ou
em domicílio, como determina o artigo 49 do CDC. Nos casos em que
há o arrependimento do consumidor, o valor pago por este deve ser
devolvido de imediato e monetariamente atualizado durante o prazo
de reflexão, conforme afirma o parágrafo único do mesmo artigo
(BRASIL, 1990).

Também é possível que o fornecedor ofereça uma garantia contra-


tual complementar à legal. Caso o consumidor a aceite, ela deverá
ser conferida mediante termo escrito, segundo o artigo 50 do
CDC, o qual deve ser padronizado com termos específicos
sobre em que consiste a garantia, a forma, o prazo e
o lugar no qual ela poderá ser exercida. Além disso,
o ônus a cargo do consumidor deve ser estabeleci-
do de maneira clara no ato do fornecimento, com a
entrega do manual de instruções, de instalação e do
uso do produto em linguagem didática e com ilustra-
ções, como determina o parágrafo único do mesmo
tock

artigo (BRASIL, 1990).


ers
u tt
Sh

A referida garantia, prevista no artigo 50, é encon- L. P


L/

P IXE
RED
trada na prática comercial como garantia estendida, muitas
vezes oferecida na compra de eletrodomésticos ou na prestação
de serviços. Ressalta-se que de maneira alguma essa garantia poderá

A proteção do consumidor 117


substituir a legal, estabelecida no artigo 26 do CDC, a qual determina
a garantia de 30 dias para produtos ou serviços não duráveis e 90 dias
para produtos ou serviços duráveis, caso apresentem vícios aparentes
ou de fácil constatação.

Tendo em vista os princípios da função social do contrato e da


boa-fé objetiva, presume-se que ambas as partes estavam de acordo
e o assinaram honestamente. Diante disso, no que tange às cláusu-
las abusivas, o CDC estabelece uma seção específica sobre o tema.
As cláusulas abusivas são aquelas nulas de pleno direito e que, confor-
me o artigo 51 do CDC (BRASIL, 1990):

impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por


vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia
I ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o
consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações
justificáveis;

Qualquer cláusula que retire a responsabilidade de não in-


denizar ou de irresponsabilidade em desfavor do consumidor é
considerada nula.

subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos


II
previstos neste código;

Nesse caso, há a vedação ao enriquecimento do fornecedor nas hi-


póteses legais. Portanto, de modo algum o consumidor pode renunciar
o direito ao reembolso previsto no CDC.

III transfiram responsabilidades a terceiros;

A responsabilidade do fornecedor é objetiva, assim, não pode ser


transferida a terceiros. Nas hipóteses de seguro, o consumidor tem
a escolha de ingressar com demanda judicial contra o fornecedor ou
a seguradora.

estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o


IV consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé
ou a equidade;

118 Direito Comercial e do consumidor


Nesse ponto se aplica a boa-fé e a equidade, tendo em vista que
de modo algum as obrigações contratuais podem gerar uma desvanta-
gem para o consumidor.

VI estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

A regra no direito do consumidor, levando em consideração a ne-


cessidade de proteção e defesa deste, é de que o ônus da prova deverá
ser do fornecedor. Portanto, não pode haver uma cláusula no contrato
de consumo que estabeleça a inversão desse ônus.

VII determinem a utilização compulsória de arbitragem;

Nesse contexto não é possível a imposição da cláusula arbitral,


ou seja, o julgamento por um tribunal arbitral para a solução do
conflito consumerista.

imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo


VIII
consumidor;

Nesse caso há a vedação impositiva de nomeação de um mandatário


pelo consumidor, tendo em vista que afastaria a vulnerabilidade deste.
Logo, inclusive, o Superior Tribunal da Justiça na Súmula n. 60 determi-
na uma das formas de aplicação da norma: “É nula a obrigação cambial
assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no ex- Glossário
clusivo interesse deste” (BRASIL, 1992). mutuário: a pessoa que
recebe por empréstimo
recursos financeiros para
deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando
IX adquirir um bem.
o consumidor;
mutuante: a parte que
empresta recursos finan-
ceiros para o mutuário
Não é cabível essa hipótese, pois de maneira alguma o fornecedor adquirir um bem.
pode ter a liberdade de não cumprir a obrigação. A celebração do con-
trato obriga o fornecedor a cumpri-lo.

permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de


X
maneira unilateral;

A proteção do consumidor 119


Deve haver uma relação de confiança entre as partes, portanto essa
vedação se dá após a celebração do contrato. Assim, o aumento do
preço deve ser realizado de maneira justificada e não pode haver o
enriquecimento ilícito do fornecedor.

autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual


XI
direito seja conferido ao consumidor;

Em alguns casos é possível o cancelamento do contrato de modo


unilateral, entretanto, esse direito deve ser conferido a ambas as par-
tes. Ou seja, é permitida a cláusula de cancelamento unilateral desde
que o consumidor e o fornecedor tenham esse direito.

obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação,


XII
sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

Nesse caso, deve haver a mesma cláusula para o consumidor e para


o fornecedor, em igualdade de condições.

autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade


XIII
do contrato, após sua celebração;

Nessa hipótese é vedada a rescisão unilateral do contrato pelo for-


necedor, considerando a boa-fé objetiva da relação contratual e as
expectativas do negócio jurídico.

XIV infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

A proteção do bem ambiental é um direito difuso e, portanto, o cau-


sador do dano deve ser responsabilizado por seus atos. Nesse sentido,
não poderá o contrato violar as normas ambientais tendo em vista a
função socioambiental deste.

XV estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

São nulas quaisquer cláusulas contrárias à proteção do consumidor


estabelecida no sistema de defesa.

120 Direito Comercial e do consumidor


XVI possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

As benfeitorias necessárias são aquelas realizadas para a con-


servação do bem principal. Nesse caso, tais benfeitorias devem ser
indenizadas levando em consideração que foram realizadas para o
uso deste.

No caso de presunção de vantagem exagerada, pode-se definir,


como determina o parágrafo 1º do artigo 51, que é aquela que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que
pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à
natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equi-
líbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, con-
siderando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (BRASIL, 1990)

Portanto, a nulidade de uma cláusula abusiva não afeta o contrato,


salvo nos casos em que há um ônus excessivo a qualquer das partes
ainda que haja esforços de integração, como determina o parágrafo 2º
do mesmo artigo.

Caso o contrato tenha cláusula que contrarie o CDC ou apresente


qualquer forma de desequilíbrio do contrato, pode o consumidor ou
a entidade que o represente requerer que o Ministério Público ajuíze
ação a fim de declarar a nulidade da cláusula contratual, conforme afir-
ma o mesmo artigo no parágrafo 4º.

Em algumas situações há ainda a necessidade da outorga de cré-


dito ou da concessão de financiamento ao consumidor. O fornecedor,
nesses casos, deverá informar de maneira adequada e prévia os se-
guintes requisitos determinados no artigo 52 do CDC (BRASIL, 1990), de
modo a garantir a transparência:

Preço do Soma total


produto ou Acréscimos
a pagar,
serviço em legalmente
com e sem
moeda corrente previstos.
Montante dos financiamento
nacional. Número e
juros de mora e da
periodicidade
taxa efetiva anual
das prestações.
de juros.

A proteção do consumidor 121


Ainda, caso o consumidor consiga antecipar a quitação do débito,
mesmo que não total, deverá haver a redução proporcional dos juros e
demais acréscimos, como determina o parágrafo 2º do artigo 52 do CDC.
Se houver o inadimplemento da obrigação em seu termo, as multas de
mora decorrentes não poderão ser superiores a 2% do valor da presta-
ção, segundo afirma o parágrafo 1º do mesmo artigo (BRASIL, 1990).

Em algumas situações, as compras e as vendas de móveis ou imóveis


são realizadas em prestações ou por meio de alienações fiduciárias em
garantia. Nesses casos, é nula qualquer cláusula que estabeleça a perda
total das prestações pagas em benefício do credor se este, em ocorrên-
cia de inadimplemento do contrato, requerer a resolução do contrato ou
a retomada do produto alienado, como reitera o artigo 53 do CDC.

No caso de compensação ou restituição das parcelas quitadas em


contratos de sistema de consórcio de produtos duráveis, serão des-
contadas as parcelas quitadas, bem como a vantagem econômica de-
corrente da fruição e os prejuízos que o desistente ou inadimplente
causar ao grupo, como determina o parágrafo 2º do mesmo artigo. Ain-
da, esses contratos deverão ser expressos em moeda corrente nacio-
nal, conforme o parágrafo 3º (BRASIL, 1990).

Os contratos de adesão – “cujas cláusulas tenham sido aprovadas


pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo for-
necedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo” (BRASIL, 1990) – também
são disciplinados pelo CDC no artigo 54. Portanto, caso haja a inserção
de cláusula no contrato, isso não desconfigura a natureza de adesão.
Vídeo Além disso, é possível inserir uma cláusula resolutória, se for alternati-
Sobre as cláusulas va de escolha do consumidor, como determinam os parágrafos 1º e 2º
contratuais, sugere-se a
aula Saber Direito - Direito do referido artigo.
do Consumidor e Contratos
- Aula 1 da professora Tento em vista a natureza de adesão desses contratos – o consumi-
Denise Costa, no canal dor não tem a faculdade da escolha das cláusulas contratuais –, o CDC
TV Justiça Oficial, sobre o
Direito do Consumidor na determina regras de formatação. Nesse sentido, o parágrafo 3º afirma
relação contratual. Nesse que os contratos devem ser redigidos “em termos claros e com carac-
vídeo, a professora abor-
da a relação do Estado e teres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao
a proteção e defesa do corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”
consumidor.
(BRASIL, 1990).
Disponível em: https://youtu.
be/YG2EEjqEggQ. Acesso em: 28 Ainda, caso haja uma cláusula que tenha como objetivo limitar o
maio 2021.
direito do consumidor, esta deve ser destacada e de fácil compreen-

122 Direito Comercial e do consumidor


são, como afirma o parágrafo 4º do artigo 54. É importante destacar
que, nesse caso, deve-se observar a boa-fé do consumidor ao assinar o
contrato de adesão.

Verifica-se, portanto, que pensando na vulnerabilidade do consumi-


dor, o legislador estabeleceu diversas normas específicas com o obje-
tivo de protegê-lo. Assim, os contratos de consumo precisam todos
observar as regras dispostas no CDC.

5.3 Defesa do consumidor em juízo


Vídeo Em algumas situações envolvendo o direito do consumidor é ne-
cessária a defesa em juízo deste. Nesses casos, ela pode ser exercida
de modo individual, nos casos concretos, ou em título coletivo.

A tutela individual ocorre nos casos em que há um desequilíbrio


na relação. Nesse sentido, com o objetivo de proteger o consumidor,
a legislação determinou que deverá ser invertido o ônus da prova, ou
seja, o fornecedor deverá provar que seu produto ou serviço não ge-
rou prejuízo (BRASIL, 1990). Isso ocorre individualmente e conforme
o caso concreto.

No caso da defesa coletiva, esta será exercida – segundo artigo 81,


parágrafo único, do CDC (BRASIL, 1990) – quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que
sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstân-
cias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efei-
tos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de
que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim enten-
didos os decorrentes de origem comum.

Para esses casos de defesa coletiva, o CDC determina quem são os


legitimados concorrentes para propor a ação (isto é, quem poderá ajui-
zar a ação judicial) no artigo 82:

A proteção do consumidor 123


Legitimados ativos

Ministério A União, os estados, os As entidades e


Público municípios e o Distrito os órgãos da As associações
Federal. administração pública, legalmente constituídas
direta ou indireta, há pelo menos um ano
ainda que sem e que incluam entre
personalidade jurídica, seus fins institucionais
especificamente a defesa dos interesses
destinados à defesa e os direitos protegidos
dos interesses e dos pelo CDC, dispensada
direitos protegidos a autorização
pelo CDC. assemblear.

O requisito da pré-constituição, determinado para as associações,


pode ser dispensado pelo juiz quando houver manifesto interesse so-
cial, tendo em vista a dimensão ou característica do dano, ou ainda, nas
hipóteses de relevância do bem jurídico protegido, como determina o
parágrafo 1º do artigo 82 (BRASIL, 1990).

Além disso, considerando a necessidade de defesa do consumidor,


é admitida qualquer espécie de ação judicial capaz de garantir a tutela
adequada, de acordo com o artigo 83 do CDC. Caso o objeto principal
da ação judicial seja uma obrigação de fazer ou não fazer, será conce-
dida pelo juiz a tutela específica da obrigação, ou serão determinadas
providências com o objetivo de assegurar o resultado prático equiva-
lente ao do adimplemento, conforme dispõe o artigo 84.

No caso de obrigação em perdas e danos, o autor poderá optar por


sua conversão nas hipóteses em que ele escolher isso ou quando houver
a impossibilidade da tutela específica ou obtenção do resultado prático
correspondente, como afirma o parágrafo 1º do artigo 84 (BRASIL, 1990).
Essa indenização deverá ser realizada sem prejuízo da multa como era
estabelecido no artigo 287 do Código de Processo Civil, de 1973, que já
está revogado, mas não altera o que foi prescrito na norma. Esse artigo
determinava que o autor poderia pedir uma pena pecuniária caso fosse
descumprida a sentença ou a decisão que antecipou a tutela, nas hipó-
teses em que é imposta ao réu abster-se da prática de algum ato, tolerar
alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa.

124 Direito Comercial e do consumidor


O juiz poderá conceder, ainda, a tutela liminar se entender que o
fundamento da demanda é relevante e que poderá ser ineficaz caso
se aguarde o provimento final. Essa tutela poderá ser concedida após
justificação prévia, citado o réu, conforme o parágrafo 3º do artigo 84.
Nesse caso, o juiz poderá inclusive impor multa diária ao réu, ainda
que o autor não tenha realizado o pedido, se for suficiente ou com-
patível com a obrigação. Nessa hipótese, é fixado um prazo razoá-
vel para o cumprimento do preceito, como determina o parágrafo 4º
(BRASIL, 1990).

Em alguns casos, o juiz pode precisar estabelecer uma medida ne-


cessária – como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, des-
fazimento de obra, impedimento de atividade nociva e até a requisição
de força policial – caso haja a necessidade de uma tutela específica ou
com o objetivo de obtenção do resultado prático equivalente, segundo
o parágrafo 5º do artigo 84.

Não será necessário o adiantamento de custas, emolumentos, hono-


rários periciais e quaisquer outras despesas nas ações coletivas deter-
minadas no CDC. Isso também se aplica à condenação em honorários
de advogados, custas e despesas processuais da associação autora,
salvo se for comprovada a má-fé no ajuizamento da ação, conforme
o artigo 87 do CDC. Nos casos de litigância de má-fé, haverá a conde-
nação em honorários advocatícios e, ao décuplo de custas, será feita
de maneira solidária à associação autora e aos diretores responsáveis
pelo ajuizamento da ação. Ressalta-se que essa condenação não se exi-
me da responsabilidade por perdas e danos decorrentes da litigância
de má-fé, como afirma o parágrafo único do artigo 87 (BRASIL, 1990).

Além disso, a ação de regresso deve ser ajuizada de modo autôno-


mo ou nos mesmos autos, mas não pode haver a denunciação da lide, Glossário
de acordo com o artigo 88 do CDC. lide: conflito manifestado
em juízo, ou seja, o pro-
cesso judicial. Também
é chamado de demanda,
litígio ou pleito judicial.
É importante lembrar que o direito do consumidor é material. Portanto, no
curso da ação judicial, deve-se atentar “às normas do Código de Processo Civil
e da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito
civil, naquilo que não contrariar suas disposições”, como afirma o artigo 90
(BRASIL, 1990).

A proteção do consumidor 125


Ainda, o CDC determina as ações coletivas para a defesa de inte-
resses individuais homogêneos, em que o sujeito é sempre mais de
um e determinado. Para propor essas ações, os legitimados ativos são
os mesmos do artigo 82 do CDC, os quais poderão propor, em nome
próprio e no interesse das vítimas ou de seus sucessores, ação civil co-
letiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, como
afirma o artigo 91. Caso o Ministério Público não seja o legitimado ativo
da ação, deverá atuar como fiscal da lei por meio de pareceres ministe-
riais, conforme o artigo 92 do CDC (BRASIL, 1990).

Salvo os casos de competência da Justiça Federal, a competência


para ajuizar a ação é da justiça local, segundo o artigo 93 do CDC, quan-
do: “I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando
de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Fe-
deral, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as
regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concor-
rente” (BRASIL, 1990).
Saiba mais
Assim que proposta a ação coletiva para a defesa de interesses in-
Os litisconsortes ocorrem
dividuais homogêneos, esta deverá ser publicada em edital no órgão
nos casos em que há
mais de duas partes no oficial. Isso ocorre para que os interessados em ingressar no processo
processo judicial. Assim,
como litisconsortes possam intervir. Ainda, poderá ser divulgado de
o litisconsorte ativo signi-
fica mais de um autor e o maneira ampla pelos meios de comunicação social por parte dos ór-
litisconsorte passivo mais
gãos de defesa do consumidor, como afirma o artigo 94 do CDC.
de um réu. Dessa forma,
há o compartilhamento de Nessas ações, caso o pedido seja procedente, a condenação deverá
um dos polos da demanda.
ser genérica, com a responsabilidade pelos danos causados do réu fixa-
da, segundo o artigo 95. Nesse caso, em conformidade com o artigo 97,
a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela
vítima e seus sucessores. Além disso, a execução poderá ser coletiva
quando promovida pelos mesmos legitimados do artigo 82 do CDC,
abrangendo também as vítimas a que a sentença fixou indenizações.
Ressalta-se que, se isso ocorrer, não acarretará prejuízo às demais exe-
cuções (BRASIL, 1990).

O juízo competente da execução será o da liquidação da sentença


ou da ação condenatória, respectivamente, no caso de execução indi-
vidual e quando a execução for coletiva, conforme o parágrafo 2º do
artigo 98. No caso das execuções coletivas, é necessária a certidão das
sentenças de liquidação determinando se foi transcorrido o trânsito
em julgado, como afirma o parágrafo 1º do mesmo artigo.

126 Direito Comercial e do consumidor


No que tange à defesa do consumidor em juízo, ainda é possível
averiguar as ações de responsabilidade do fornecedor de produtos
e serviços. Nesses casos, deve ser verificada a responsabilidade civil
do fornecedor frente ao consumidor. Essas ações poderão ser pro-
postas no domicílio do autor, como determina o inciso I do artigo 101.
O inciso II do mesmo artigo afirma que
o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá
chamar ao processo o segurador, vedada a integração do con-
traditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese,
a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos
termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver
sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a exis-
tência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso
afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente
contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto Livro
de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório
Recomenda-se a leitura
com este. (BRASIL, 1990)
dos capítulos 10 e 11 do
livro Manual de direito
Do caso descrito, será facultado o ajuizamento da ação em face do consumidor, de Flávio
da seguradora. Tartuce e Daniel Neves.
Neles, os professores
Nos casos em que há debate da responsabilidade do fornecedor trabalham de maneira
aprofundada a tutela
do produto ou serviço, poderá ser ajuizada ação para impedir a produ- individual e coletiva do
ção, divulgação, distribuição ou venda do produto ou serviço em todo consumidor em juízo.

o território nacional. Isso também ocorre se o uso ou o consumo do


TARTUCE, F.; NEVES, D. A. A. 5. ed.
produto se revelar nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumida- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
de pessoal, de acordo com o artigo 102. Nesse sentido, o Poder Público Método, 2016.

competente será o agente que fará essa proibição em todo o território


nacional (BRASIL, 1990).

5.4 Prescrição e decadência


Vídeo A decadência é a perda do direito de protestativo, considerando o
decurso do prazo. Isto é, caso haja a inércia do titular do direito durante
o período que a lei determina para exigir sua pretensão, este é atingido
pela decadência. Dessa forma, não é possível exigir a pretensão de juí-
zo, tendo em vista o decurso do prazo decadencial.

É nula a renúncia na decadência legal, mas é possível na conven-


cional, ou seja, no contrato. Portanto, a decadência pode ocorrer na
lei ou no contrato por força de vontade entre as partes. Assim, o CDC

A proteção do consumidor 127


determina o prazo de decadência para reclamação dos vícios aparen-
tes no artigo 26 (BRASIL, 1996):

Prazo decadencial para vício

30 dias 90 dias

Fornecimento
Fornecimento
de serviço e de
de serviço e de
produtos não
produtos duráveis.
duráveis.

A contagem do prazo inicia-se com a entrega efetiva do produ-


to ou com o término da execução dos serviços, como determina o
parágrafo 1º do artigo 26. Entretanto, se o vício do produto não for de
fácil visualização, como nos casos de vício oculto, o prazo decadencial
só se inicia no momento em que estiver evidenciado o vício, como de-
termina o parágrafo 3º do mesmo artigo. Ressalta-se que o vício pode
ser de qualidade ou quantidade, sendo tudo aquilo que torne o pro-
duto impróprio para consumo ou diminua seu valor. O artigo 18 do
CDC também afirma que ele se aplica, ainda, nos casos em que ocorre
a “disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da emba-
lagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações
decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substitui-
ção das partes viciadas” (BRASIL, 1990).

Algumas situações obstam à decadência, como nos casos exemplifi-


cados no parágrafo 2º: “I – a reclamação comprovadamente formulada
pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a
resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma
inequívoca; [...] III – a instauração de inquérito civil, até seu encerra-
2 mento” (BRASIL, 1990).
2
Ocorre nas hipóteses em Caso o fato do produto ou do serviço tenha causado um dano, é pos-
que o produto ou o ser-
sível o ajuizamento de uma ação com o objetivo de repará-lo. Entretanto,
viço é defeituoso, como
afirma o artigo 12 do CDC esta tem prazo prescricional de cinco anos contados do conhecimento
(BRASIL, 1990).
do dano e de sua autoria, como determina o artigo 27 do CDC.

128 Direito Comercial e do consumidor


A prescrição é diferente da decadência, visto que, nesse caso, há a perda do
direito de ação considerando o decurso do tempo, enquanto na decadência
ocorre a extinção do direito em si.

A legislação civil determina as coisas impeditivas ou suspensivas e


interruptivas da prescrição no Código Civil, nos artigos 197, 198, 199 e
202, que dizem:
Art. 197. Não corre a prescrição:
I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores,
durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;
II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos
Estados ou dos Municípios;
III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em
tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I – pendendo condição suspensiva;
II – não estando vencido o prazo;
III – pendendo ação de evicção.
[...]
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá
ocorrer uma vez, dar-se-á: Leitura
I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a Para aprofundar o
citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei conteúdo desta seção,
processual; recomenda-se a leitura
do texto Introdução à
II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;
prescrição e à decadência
III – por protesto cambial; no Código de Defesa do
IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário Consumidor, de Rodrigo
Xavier Leonardo, no qual
ou em concurso de credores;
o professor aborda os
V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; principais debates sobre
VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que im- o tema.
porte reconhecimento do direito pelo devedor. Disponível em: http://www.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/
da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo artigosc/Rodxavier_CDC.doc.
Acesso em: 28 maio 2021.
para a interromper. (BRASIL, 2002)

A proteção do consumidor 129


Além disso, a decadência não está sujeita às regras interruptivas do
artigo 207 do mesmo código: “Salvo disposição legal em contrário, não
se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou in-
terrompem a prescrição” (BRASIL, 2002).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudou-se, na primeira seção do presente capítulo, a dignidade do con-
sumidor, com a aplicação dos princípios constitucionais fundamentais na
proteção e defesa dele. Verificou-se que, além dos princípios determinados
no CDC, os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à vida,
à privacidade, à honra e à imagem são aplicáveis nas relações de consumo.
Na segunda seção, verificou-se os contratos nas relações de consumo.
Conclui-se que, além da teoria geral dos contratos, o CDC estabelece re-
gras específicas para aqueles que versam sobre as relações de consumo,
as quais se estruturam levando em consideração a situação de vulnerabi-
lidade do consumidor.
Na terceira seção, desenvolveu-se a defesa do consumidor em juízo.
Para tanto, viu-se que existem as ações individuais e as coletivas, ambas
com o objetivo de proteger o consumidor, e que em alguns casos, inclusive,
é necessária a intervenção dos legitimados ativos determinados no CDC.
Por fim, na última seção foram abordadas as regras de prescrição e
decadência estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, ou seja,
os prazos determinados para a busca do direito do consumidor em juízo.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Além dos princípios relacionados diretamente à defesa do consumidor
na Constituição Federal, quais outros são aplicáveis de maneira
implícita?

2. Nos processos em que o Ministério Público não atua como legitimado


ativo, ele deverá atuar como?

3. Qual é a diferença entre prescrição e decadência?

REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado n. 531. VI Jornada de Direito Civil, Brasília,
DF, jun. 2013. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/
centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vijornadadireitocivil2013-
web.pdf. Acesso em: 28 maio 2021.

130 Direito Comercial e do consumidor


BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5
out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm. Acesso em: 28 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8078compilado.htm. Acesso em: 28 maio 2021.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
l10406compilada.htm. Acesso em: 28 maio 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 60. Diário da Justiça, Brasília, DF, 20 out.
1992. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-
sumulas-2006_4_capSumula60.pdf. Acesso em: 28 maio 2021.
LIMA FILHO, E. C. Dignidade do consumidor e direitos da personalidade. Conjur, 20 jul.
2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-20/eujecio-coutrim-dignidade-
consumidor-direitos-personalidade. Acesso em: 28 maio 2021.

A proteção do consumidor 131


RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES
1 Uma introdução ao Direito Comercial
1. Conceitue Direito Comercial.
O Direito Comercial é um dos ramos do Direito Privado, responsável por
definir e regular os atos praticados pelos empresários no desenvolvimento
de certas atividades econômicas.

2. Qual é a diferença entre a teoria dos atos de comércio e a teoria


da empresa?
A teoria dos atos de comércio parte de um conjunto de atos previamente
definido que, se praticado, caracterizava um comerciante. Com o passar
do tempo, a evolução econômica e social tornou superados os atos
definidos em lei como caracterizadores de um comerciante, criando
dificuldades para delimitar a matéria. Por isso, aproveitando a mudança
ocorrida na Itália, em 1942, o Brasil passou a adotar a teoria da empresa,
que trata de empresários, ou seja, não delimita ou conceitua atos, mas
o sujeito da relação jurídica, objeto do Direito Comercial. Embora a
mudança doutrinária tenha ocorrido em 1942 e evoluído desde então,
foi somente em 2002, com o Código Civil, que a teoria da empresa
ingressou formalmente no ordenamento jurídico nacional.

3. O Direito Comercial possui autonomia científica? Justifique sua


resposta.
Sim. Pode-se observar que existem várias disciplinas nos currículos
universitários tratando do Direito Comercial, bem como da existência
de princípios e normas que somente encontram sentido nesse ramo do
Direito. Além disso, o Direito Comercial possui uma forma diferenciada
de interpretação dos negócios jurídicos empresariais.

2 A atividade empresarial e sua organização


1. O que é estabelecimento comercial?
É um conjunto de meios necessários para que o empresário exerça
sua atividade econômica.

2. Qual é o livro obrigatório do empresário, considerando o Código


Civil?
De acordo com o Código Civil, o único livro obrigatório é o Diário.

132 Direito Comercial e do consumidor


3. Quais são os recursos cabíveis no âmbito das Juntas Comerciais?
O recurso ao Plenário e o recurso ao DREI, que é a última instância
administrativa.

3 Nome empresarial e propriedade industrial


1. O que é propriedade industrial?
A propriedade industrial compreende o conjunto de regras e princípios
que confere tutela jurídica específica aos elementos imateriais do
estabelecimento empresarial.

2. O que é marca?
A marca é uma representação linguística ou simbólica que identifica
um produto ou serviço.

3. O que é nome empresarial?


O nome empresarial é aquele que o empresário individual ou a
sociedade empresária usa no exercício de sua atividade econômica
e por meio do qual se apresenta e se vincula. Isso porque necessita
utilizar um nome, uma expressão que o identifique nas suas relações
empresariais.

4 Código de Defesa do Consumidor


1. Qual é o objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo?
O objetivo é atender às necessidades dos consumidores, seguindo
os princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor,
com a proteção dos interesses econômicos e o respeito à dignidade,
saúde e segurança.

2. Quando haverá a responsabilidade solidária pelo vício do


produto?
Serão responsáveis solidários pelo dano todos aqueles responsáveis
pelo produto.

3. Quais são os três direitos fundamentais do consumidor no


comércio eletrônico?
Os três direitos fundamentais do consumidor no comércio eletrônico
são a clareza da informação, o suporte imediato ao cliente e o
direito ao arrependimento.

resolução das atividades 133


5 A proteção do consumidor
1. Além dos princípios relacionados diretamente à defesa do
consumidor na Constituição Federal, quais outros são aplicáveis
de maneira implícita?
São aplicáveis de maneira implícita o direito à dignidade da pessoa
humana e o direito à vida, à privacidade, à honra e à imagem no direito
do consumidor.

2. Nos processos em que o Ministério Público não atua como


legitimado ativo, ele deverá atuar como?
O Ministério Público deverá atuar como fiscal da lei.

3. Qual é a diferença entre prescrição e decadência?


A prescrição é a perda do direito de ajuizar a ação, e a decadência é a
extinção do direito em si.

134 Direito Comercial e do consumidor


DIREITO COMERCIAL E DO CONSUMIDOR
Fundação Biblioteca Nacional
Código Logístico
ISBN 978-65-5821-040-5

9 786558 210405 I000028

ANELIZE PANTALEÃO PUCCINI CAMINHA


OKSANDRO GONÇALVES

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