Você está na página 1de 3

Toda a presente dissertação do filósofo moderno Immanuel Kant gira em volta da resposta à

pergunta sobre o esclarecimento (aufklärung). Kant começa pelo próprio termo


esclarecimento, que «é a saída do homem de sua menoridade». O que produz tal menoridade
é o próprio homem, que não consegue sair de sua condição medíocre e tomar coragem de
servir-se de si mesmo sem necessitar da ajuda de alheios. A menoridade do homem o afeta em
todos os campos: na política, na sociedade, no trabalho, etc.

O processo para se sair desse estado de minoridade está no autocontrole e na liberdade que
cada indivíduo deve cultivar. Somos convidados a não nos acomodar, a sair em busca do saber,
por isso usa o termo latino: Sapere aude! (Ouse saber). Somente através dessa ousadia é que
podemos sair de nossa condição. Essa ousadia implica a «coragem de fazer uso de teu próprio
entendimento», o que é como que o slogan do esclarecimento.

As principais causas que impedem o esclarecimento estão no comodismo, na preguiça e na


covardia. Com tais causas, o homem permanecerá sempre em sua menoridade. Para as
pessoas acostumadas a ‘receberem as coisas nas mãos’ (Kant enumera alguns: ter um livro que
faz as vezes de nosso entendimento; um diretor espiritual que tem consciência em nosso
lugar; um método que decide a nossa dieta; etc.), torna-se difícil e perigoso renunciar sua
menoridade. Isto está tão enraizado em sua vida, em seu cotidiano, em todos seus trabalhos,
que se torna natural, cômodo. Por isso é que os homens não sabem como lidar com a
liberdade quando a têm e os impede de utilizar seu entendimento. Mas, para tanto, sempre há
uma primeira tentativa, e é essa a exortação de Kant em sua resposta à pergunta proposta.

Há pessoas, no entanto, que são o contrário. São aqueles “indivíduos capazes de pensamento
próprio”. Esses indivíduos devem espalhar o espírito de avaliação racional de cada homem.
Todavia, existem pessoas que acabam tirando proveito da situação, obrigando as demais
pessoas a viverem sob seu domínio.

A verdadeira revolução deve ser a mudança de pensamento das pessoas. Essa mudança traz
benefícios muito maiores que a de uma revolução política, em que apenas se trocam algumas
pessoas do poder, mas a dominação continua. Uma revolução assim, que derruba um governo
despótico, «nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar».

O esclarecimento exige liberdade. Uma liberdade não limitada, não condicionada, que
favoreça apenas aos que têm o “poder” nas mãos. Também o uso privado da razão, apesar de
ser limitado, pode ajudar consideravelmente no progresso do esclarecimento.
O uso privado da razão é aquele que o sábio pode fazer em um certo cargo público ou numa
função a ele confiada. Um oficial não pode colocar, contra seu superior, seu raciocinar em voz
alta. “Deve obedecer.” Entretanto, este mesmo oficial não está impedido de fazer observações
sobre os erros no serviço militar. Da mesma forma que um sacerdote, obediente ao credo que
professa, diz palavras, em seu sermão, coniventes com o credo professado. Mas, pode e deve,
contudo, alertar o público sobre as idéias equivocadas da fé professada.

Mesmo a época relatada por Kant é um período apenas de passagem. A época do filósofo não
é, ainda, “esclarecida”, mas está em processo de “esclarecimento”. Tal processo é fruto do
Iluminismo, tendência de pensamento esclarecido pela luz da razão, e não mais das trevas do
Medieval.

Portanto, o texto de Kant é essa explicação do esclarecimento. Com ele e nele, temos a
ansiedade de buscar, assim como o próprio filósofo, inspirado por Hume, “acordar do sonho
dogmático” em que vivemos. Só assim é que o homem se redimirá de sua culpa e sairá de sua
tão deplorável menoridade.

Por meio da razão (KANT, 1985, p. 104) a pessoa vai ao encontro da discussão E, através da
relação sujeito-objeto, nasce o conhecimento. E por ser um processo de maturação Do
homem, este só pode lentamente encontrar o esclarecimento (KANT, 1985, p. 104) que se
Desenvolve com uma única e simples coisa, a liberdade. O uso público da razão para Kant é
Considerado por outros autores como a prática da “ação” (ARENDT, 2004, p. 31), na qual esta
Seria uma espécie de relação igualitária entre os indivíduos, na qual, todos eles livres,
discutiriam Suas idéias e, a partir dessa discussão, buscariam um consenso trazido por aquela.
A ação seria Então a discussão, o uso público da razão, em que igualmente os homens
discutem e refletem

Livremente suas idéias. Kant (1985, p. 104), como um grito que exclama: raciocineis! Assevera
que Só o uso público da razão, que ocorre com a liberdade, pode realizar o esclarecimento.
Lafer (1908, p. 31) vai dizer que a liberdade é “vista como um valor na perspectiva da ação”,
donde poder-seia qualificar a liberdade como um instrumento para a realização da ação. Assim
acontecia no Estado Grego, onde os cidadãos exerciam a sua liberdade na esfera pública, e era
na esfera pública Que todos cidadãos tornavam-se iguais.

Kant (1985, p. 104) exemplifica casos em que o cidadão, mesmo não concordando com certos
atos do seu governo, cumpre as ordens e, depois, da maneira correta as questiona. Existem
alguns momentos em que o questionamento pode ser prejudicial. O mesmo deve ser Feito em
momento oportuno, mas o importante é que a pessoa não deixe de raciocinar e busque
Sempre conhecer as coisas que acontecem ao seu redor. Percebe-se, então, que só com a
liberdade o cidadão consegue usufruir do uso Público da razão, e este é o caminho para ele
fugir da menoridade.

Esclarecimento é a forma pela qual o homem sai da menoridade, sai da tutela De outros
homens. O esclarecimento só pode ser encontrado ou buscado (trata-se o esclarecimento
como um meio e como um fim) com a liberdade. É apenas com a liberdade exercida com o uso
Público da razão que o homem encontra o esclarecimento.
No entanto, Kant questiona aquelas autoridades (principalmente religiosas) que, através
do medo ou do constrangimento, mantenham seus sujeitos em menoridade quando já
teriam condições intelectuais de não sê-lo; e ironiza aqueles sujeitos que, por
comodismo, oportunismo ou preguiça, vivam uma situação de menoridade autoimposta.
Portanto, ser esclarecido não é apenas ter um profundo conhecimento sobre um
assunto (condição de Scholar), mas combinar isso com a conquista da autonomia – passo
moral fundamental apenas dado por uma minoria.

Você também pode gostar