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O que é o Esclarecimento?
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“Kant é um dos filósofos mais difíceis dos tempos modernos.” SCRUTON, Roger. Kant. Porto
Alegre: L&M, 2011. P. 09.
fácil, assumir a responsabilidade de decidir sobre a própria vida não é algo simples, assim
tais ações exigem coragem e esforço. Para uma melhor compreensão deste pensamento
faremos uma análise dos termos que aparece no início do texto. Partimos pelo termo que
é apresentado no título, esclarecimento é uma noção ambivalente que se refere tanto ao
indivíduo (dimensão subjetiva) quanto a uma época (dimensão objetiva), ou seja, implica
necessariamente dois aspectos: o primeiro diz respeito a um determinado modo de
pensar e o segundo diz respeito a uma disposição de fazer uso público da razão. Este
processo pressupõe uma transformação no método de pensar e não necessariamente no
conteúdo do pensamento com vistas ao exercício do pensamento autônomo em sentido
moral. O termo menoridade implica necessariamente a questão de submissão às
prescrições de outrem. Abarca algumas ideias tais como: dependência de diretivas
alheias para se comportar, submissão a autoridade de outrem, desresponsabilização das
obrigações da existência, transferindo-as à terceiros. Quanto ao termo uso público da
razão, o que está em jogo é sobretudo a coragem de não se submeter à tutela do outro.
Diz respeito a uma atitude que visa o exame da natureza dos objetos da obediência de
modo que, se houver alguma objeção por parte de quem obedece, ele seja capaz de
formular e explicitar argumentos racionais sobre tal objeção. Assim o uso público da razão
é a capacidade humana de, em cada circunstância, agir a partir de uma reflexão crítica
sobre cada circunstância. Já o termo fazer uso de teu próprio entendimento remete ao
equilíbrio entre as duas dimensões da razão, a teórica e a prática. Aqui devemos também
entender a ideia de “uso público da razão”, se faz em duas esferas, a pública e a privada
e para Kant existe aí interdependência quando se opera a dimensão prática, ou seja, a
dimensão das ações humanas que se materializam sempre implicando o outro, o coletivo.
O uso público da razão é o que se espera de um indivíduo esclarecido:
No início de seu tratado sobre a pedagogia Kant nos apresenta a ideia de que o
homem não nasce pronto: “o ser humano é a única criatura que precisa ser educada”
(KANT, 2022, p. 09). Ou, de outra forma, como diz Celso de Moraes Pinheiro, “com isso,
Kant mostra que o processo de educação cabe inteiramente, ao homem, e apenas a ele”
(PINHEIRO, 2007, P.33). E, por educação propriamente, continua ele, “[...] entende-se o
cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a
formação” (KANT, 2022, p. 11, grifos acrescentados.). O cuidado seria “[...] as precauções
que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças”
(Idem). O cuidado é algo que, de certa forma, os animais não precisam, já que eles, “[...]
logo que começam a sentir alguma [força], usam as próprias forças com regularidade, isto
é, de tal maneira que não se prejudicam a si mesmos” (Idem). Kant nos apresenta sua
pedagogia calcada em estágios2 que o ser humano deve passar para transformar sua
animalidade em humanidade. E, por educação propriamente, continua ele, “[...] entende-
se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a
formação” (KANT, 1996, p. 11, grifos acrescentados.). O cuidado seria “[...] as precauções
que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças”
(Idem). O cuidado é algo que, de certa forma, os animais não precisam, já que eles, “[...]
logo que começam a sentir alguma [força], usam as próprias forças com regularidade, isto
é, de tal maneira que não se prejudicam a si mesmos” (Idem).
Existe, portanto, uma disposição natural do ser humano em atingir os fins a ele propostos,
porém não alcançável por si só, então o homem não pode prescindir de sua própria razão.
Assim o instinto humano não tira o homem de seu estado animal, como acontece com os
demais animais na natureza, Kant afirma que estes últimos “já são tudo pelo seu próprio
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Kant quando divide tanto a educação como nossa história em três estágios para demonstrar
que estamos gradualmente evoluindo, seja como seres naturais, lidando com nossas
predisposições, seja dentro de nossa própria humanidade, ambas as teorias têm o contexto
teleológico encontrado na filosofia de Kant, da perfeição da humanidade.
instinto” e “uma razão alheia providenciou tudo para eles” 3. O homem ao contrário, por
não ter instinto, precisa planejar seu próprio comportamento e, com isso, refletir sobre o
que vou dever fazer ou deixar de fazer. Como ele, no entanto, quando vem ao mundo
ainda não está preparado para isso, é preciso então que outro o faça em seu lugar. A
ausência do instinto, isto é, a ausência nele de uma “razão alheia” que o acompanhe no
nascimento e que determine, desde o início, seus fins e seus modos de comportamento,
distinguindo-o do animal. Podemos pensar nesta diferença em relação aos animais como
uma espécie de dependência na tenra idade segue, então a interdição autorresponsável
na fase adulta. Kant enfatiza que a razão deve ser autônoma, porém, é pelo processo
educacional que ela atinge essa finalidade. Desta maneira a coragem exigida por Kant,
deve se servir de seu próprio entendimento, deve ser compreendida como algo
pertencente à formação e à educação. À coragem que o educando deve conquistar,
sempre por si mesmo, corresponde, ao lado do educador, a coragem que ele também
deve colocar-se diante das mesmas exigências postas ao educando. Quem assume
como tarefa contribuir para que o educando faça uso de seu próprio entendimento tem de
provocar exatamente aquilo que pode ser apenas provocado mediante o emprego do
entendimento próprio do educador, sem poder ser substituído. Neste contexto, seria um
atrevimento arriscado e contraditório à conformidade a fins imanente ao processo
educacional querer introduzir de fora o emprego do entendimento próprio do educando. O
educador, no processo educacional, não substitui a “razão alheia” ou o instinto, cuja falta
seria o ponto de partida de toda a educação e cuja substituição pela razão estranha do
educador significaria então, o fracasso da educação. A autoridade do educador, no
entanto, pode consistir no processo educacional apenas em renunciar à determinação
alheia e autoritária do educando em favor e em razão do incentivo e da formação de sua
própria autonomia. Os padrões devem ser escolhidos, desde o início, de tal modo que, no
fim, eles mesmos possam se tornar supérfluos. A necessidade da educação consiste em
ser um momento passageiro no desenvolvimento da autonomia do educando.
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É preciso considerar, no entanto, que atualmente as pesquisas do comportamento não mais
aprovariam este juízo kantiano em relação ao comportamento social e de aprendizagem dos
primatas desenvolvidos.
Residem muitos germes na humanidade e é nossa tarefa
desenvolver proporcionalmente as disposições naturais da
humanidade e fazer com que o homem alcance sua
São, portanto, disposições os naturais que, embora não como instinto, mas sim
como germes, residem na humanidade? Conforme Eidam (2009, p. 195) seria a
educação algo análogo ao cultivo de plantas? Deve-se educar homens do mesmo
modo como se cultiva flores, legumes e batatas no jardim? Ele continua com o
exemplo dado pelo próprio Kant. Observa-se algo como as aurículas: quando se
as faz crescer a partir da raiz, pode-se ter todas as suas flores na mesma cor; ao
contrário, quando se planta com as sementes, tem-se flores das mais diferentes
cores. O desenvolvimento das disposições naturais tende, portanto, para a
formação da diversidade e da heterogeneidade, não para a clonagem do “sempre
igual tedioso” da mesma raiz. E além do mais: somente com o desenvolvimento
de suas disposições naturais – enquanto germes querendo-se em
desenvolvimento – pode ser compreendido o que nelas está posto e que suas
possibilidades do homem lhe são dadas, de modo geral com suas disposições.
Kant em outra passagem, entende por fundamentos reais as disposições naturais,
as quais se identificam com aquelas potencialidades e capacidades de que o
homem dispõe. Como exemplo pode ser tomado a mão humana, que não é um
instrumento natural para um único emprego especializado, o que seria um
emprego limitado mas, sim, um órgão universal, com o qual se pode não somente
agarrar mas também gesticular, tocar música ou escrever. Tudo o que a mão
humana pode, deve ou não fazer, não é determinável previamente,
diferentemente do que ocorre com um instrumento especializado.;
A cultura tem sempre, desse modo, uma base natural, e somente a partir
dela o ser natural homem pode se desenvolver também como homem. O que
reside nesta faculdade universal, na qual múltiplas possibilidades podem ser
excluídas, só o homem pode e deve encontrar para, como observa Kant, realizar
sua destinação. O animal realiza por si mesmo a sua determinação por meio do
instinto, encontrando-a previamente dada; o homem, ao contrário, deve construir
sua determinação. Como qualquer outra busca, também a busca pela
determinação própria do homem precisa de tempo (exatamente no processo
pedagógico a escassez de tempo produz uma falta de orientação do lado do
educando e, de forma complementar, do lado do educador, uma carência em
possibilidades disponíveis de orientação) Eidam (2009, p. 196). O homem pode
procurar esta determinação e estabelecê-la de tal maneira a si mesmo não é
nenhuma qualidade negativa, senão positiva. Se essa possibilidade de
autodeterminação for negada ao homem, então não se vê nele outra coisa que
um ser de impulsos (mecânicos), que podem ser tratados e governados
instintivamente.
O hoem só pode tornar-se hoem através da educação. Ele não é outra coisa
senão aquilo que a educação faz dele. Deve-se observar que o hoeme é educado
somente por outros homens que, por sua vez, também são educados