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A COLEÇÃO FOCUS da Editora Unisinos, composta
por obras ensa fsticas contemporâneas sobre filosofia
ou ciências humanas, coloca a serviço dos estudiosos
um acervo bibliográfico reconhecido pela sua
atualidade e padrão científico .
,JL ,,J
1tNIVttMNII >Al>H 1>0 VALE DO RIO DOS SINOS- UNISINOS
1'111 lfr1lori,1 Comwlitária e de Extensão
Reitor
Pe. Aloysio Bohnen, SJ
Vice-Reitor
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ
Diretor
Carlos Alberto Gianotti
Conselho Editorial
Carlos Alberto Gianotti
Fernando Jacques Althoff
Pe. José Ivo Follmann, SJ
Pe. Marcelo Fernand~'S de Aquino, SJ
Nestor Torelly Martins
Os paradoxos do imaginário
EDITORA ÜNJSINOS
Coleção Focus
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
Pró-Reitoria Comunitária e de Extensão
Reitor
Pe. Aloysio Bohnen, SI
Vice-Reitor
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ
Diretor
Carlos Alberto Gianotti
Conselho Editorial
Carlos Alberto Gianotti
Fernando Jacques Althoff
Pe. José Ivo Follmann, SJ
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ
Nestor Torclly Martins
Os paradoxos do imaginário
EDITORA UNISINOS
Coleção Focus
©2003 Castor M. M. Bartolomé Ruiz
Os paradoxo;; do imnsintirio
Ensaio de filosofia
Coleção Focus
Sob direção de Marcelo Fernandes de Aquino
Editor
Carlos Alberto Gianotti
Preparação
Rui Bender
Revisão
Marcos Bohn
Editoração
Paulo Furasté Campos
Capa
Isabel Carballo
Impressão
Gráfica da UNISINOS, verão de 2003
A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas que
compõem este livro, para uso não-individual, mesmo para fins didáticos, sem
autorização escrita do editor, é ilícita e se constitui numa
contrafação danosa à cultura.
Foi ft>ito o depósito legal.
Introdução ........................................................................................ 13
DO (PRO)LOGOS AO PATHOS .............................................................. 17
CAPÍTIJLO I
O IMAGINÁRIO
191
O SÍMBOLO E A LINGUAGEM ............................................................
Mediações e paradoxos dualéticos da linguagem ................... 195
O ENRAIZA1'.1ENTO SIMBÕLICO DA LINGUAGEM ............................. 199
A OBJETIVAÇÃO DA LINGUAGEM ..................................................... 209
Castor M. M. Bnrtolomé Ruiz 7
A tensão simbológica na objetivação da linguagem ................ 214
A TENSA CO-EXISTÊNCIA DAS FUNÇÕES DENOTATIVA
E CONOTATIVA DA LINGUAGEM ......................................................219
O formalismo da linguagem e o dualismo de suas funções ... 222
O contraponto da hermenêutica ................................................. 229
A co-implicação dialética das funções na linguagem .............. 233
O CONSENTIMENTO DA LI~GUAGEM .............................................. 237
As feições divinas da palavra humana ...................................... 240
A FUNÇÃO METAFÓRICA IJA LINGUAGEM ....................................... 245
A dimensão metonúnica da linguagem ..................................... 249
O DISTAJ\'CIAMENTO LÓGICO DA LINGUAGEM ............................... 253
BIBLIOGRAFIA .................................................................................. 263
Meu agradecimento, sempre insuficiente, 11 quem
aventurou-se 110 vida,
na wnturn de me dar a Vida.
Àqueles (Jaime e Ju!ia) a quem nunca poderei re(com)pensar
s1ificientemente.
Porque, ao me deixar existir,
viver a (minha) vida,
deixaram voar uma parle de s,:·
talvez uma parte de sua espera e esperança.
EI hombre es por natura la besfii, pamdó;ii:a/
un ,mimai absurdo que necesito lógica.
Creó de nada un mundo, y su obra termhtada.
Yo estoy en el secreto -se dijo-, todo es nada.
(Antonio Machado, Proverbios y Cantares)
Introdução
Só/o qu,:,ém dar/e (1'sfa obra) mond,1 .1/ d,·snuda sà1 l'I oma!o dt' prólogo, ni de
ln i1111111t·mbtl1dady cntrflq_,;:o de los acostumbmdos sondo::-~ npigmmns .1/
diwios, q11e nl prinâpio dt' los !toros sudt'n pmrers,·. Porque li' sé deâr '1"'',
n111u7111• me costó n{,;:1í11 tmbajo compom,rfa, llil~,;:,mo !uw por mnyor '1"<'
/JaCl'r esta pnfoción, que ms lt'.1/l'lldo.
Mi1:,11.1el de Cervantes (Prólogo a D. Quixote da \fancha)
O que é o imaginário?
A ml'lnfisicn grf'gn que pensn o ser do q11e épt'f1Sll f'Sft' Sf'r como um
e11ft• 'fllt' s1.' cumprf' ou renlízn no pcn.-ar. Este pn1snr éo pcnsnmt'!Tlo
do 'nous: qul' s,· pr11sn LVJJIO o enfl.• s11prt'mo f' mais n11th1tico, o q11e
,r1í11e em si o ser dl' tudo o qut• é'.
15 LEVI-STRAUSS, Claude. Le cm l'f /e cuit. ParL~: Plon, 1964. Para uma melhor
comprt'ensão da visão estruturalista d: !d. lõtémisme 011;óurd'/11(1. París:
P.l'.F., 1962; !d. A11tropolosí11 ütructuml: mito .<ocied11d, lmmr1mdnd1•. Madrid:
Siglo XXI, 1979; Id. Las l'structums e/emcnloles d,, parmle.<eo. Buenos Aires:
Paidós, 1969.
44 Os pnmdoxos do imaginário
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Alguns questionamentos à lógica
e ontologia da determinação
16 111:u1., Gcorg W. F. lntmduca6n ,1 /11 l11stori11 d,, Ili fi!osqfío. J\fadrid: Sarpc,
1983, p. 195-199.
Castor M. M Bartoloml Ruiz 45
!ismo, por exemplo, seria uma excrescência da história, que deve
ser superada na medida em que a racionalidade uniformiza, num
padrão comum, universal e superior, o conjunto das culturas e
reduz a diversidade a meros elementos acidentais de comporta-
mentos curiosos e folclóricos. Resulta fácil perceber como por trás
dessa lógica universal, fundamentada numa ontologia da deter-
minação, paira a sombra do poder dominador. Para explicar a
realidade como algo determinado por uma racionalidade implí-
cita, devemos podar todas as singularidades que não se ada piam
ao nosso modelo teórico e nos vemos impelidos a ignorar ou ne-
gar tudo aquilo que, de um ou de outro modo, não se encaixa
plenamente nas premissas preestabelecidas. Esta é a grande iro-
nia representada em tantas ocasiões na forma de tragédia huma-
na. Tragédia que sempre está embalada pelas concepções fecha-
das e deterministas do socioislórico e do antropológico. Dizia Ri-
lke: As coíst1s nos desbordam. As ordenamos. Se desagregam. As orde-
namos nommcnte e nós nos dôngrt'gfl11tos (Elegias do Duino).
Retornando ao exemplo do funcionalismo, desde seu cír-
culo explicativo resulta incompreensível a multiplicidade de ações
sociais que não preenchem uma função determinada. Não tem
como explicar por que se as necessidades são naturais, se criam
necessidades diversas em sociedades contemporâneas e, inclusi-
ve, necessidades contrárias dentro da mesma sociedade; não tem
como explicar por que se institui de fom1a plural e divergente a
solução para uma mesma necessidade. Todos concordamos que
alimentação é uma necessidade, mas por que em algumas cultu-
ras, determinados alimentos são proibidos, como a vaca na cul-
tura hindu, o porco no judaísmo e no islamismo, etc., enquanto
em outras constitui a dieta básica? A habitação é natural, mas
por que em algumas culturas se privilegia dentro da rosa o espa-
ço privado e em outras tudo é comum? O sexo e a reprodução
são funções naturais, mas por que o sexo é visto como pecamino-
so por muitas pessoas e por outras não. Diz que a família é uma
estrutura natural, porém a diversidade de formas culturais cm
que se estrutura a família não se explica pela mera função social.
Muito mais complexo resulta compreender o desejo humano a
1-1artir meramente da função que ele desenvolve na sociedade. O
funcionalismo não tem resposta para esses porquês, já que nem
sequer leva em conta o porquê da ação humana. Limita-se sim-
46 Os pamdoxos do tinn,finário
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plcsmcntc a constatar a importância social de um determinado
elemento, destacando a função ou funções que desenvolve sem
poder explicar sua origem. Se a ação humana se explicasse pela
mera necessidade biológica ou de subsistência, não se entende-
ria a diversidade nem a multiculturalidade.
Não se pode explicar o ser humano nem a sociedade de for-
ma absoluta por nenhum tipo de determinação. Não é possível
reduzi-los a categorias ou construtosexplicativos definitivos. Qual-
quer explicação será sempre um modo parcial e fragmentado de
aproximar-nos do fazer humano. Embora as leis e as regularida-
des sejam parte da realidade, ambas se estruturam de modo aber-
to e indeterminado. A abertura das regularidades humanas possi-
bilita a confecção de visões globais, porém todas elas relativas. A
práxis humana que produz o socioistórico não está pré-definida
por nenhum tipo de categoria, racionalidade, normatividade, lei
natural ou regularidade. Ela é construída sempre a partir do senti-
do que a pessoa e a societjade instituem para aquilo que realizam.
Esse sentido não pode ser deduzido nem induzido de forma abso-
luta a nenhum outro elemento. Ele é uma criação, na acepção mais
mnpla da palavra. Só a significação instituída de modo criativo
pelo ser humano e pela sociedade pode explicar o porquê da prá-
xis humana, pois: O homem é pré-visor. Está orientado - como Prome-
teu -ao longúu1uo, ao não pre..;mte 110 esparo e 110 tempo: no contrário do
aminal, llll't' pam ofuturo e não pnrn o presente.17 ·
Dentro da lógica e ontologia da determinação, é possível
aceitar a pluralidade, a variedade e diversidade, mas sempre de
modo limitado, conjugando-as com os limites que o real impõe.
Sendo assim, o tempo se constitui num simples receptáculo de
acontecimentos que se produzem com o de.wendamento do ser.
Não existe uma alteridade radical que crie o tempo como novi-
dade socioistórica. Nesse caso, a racionalidade histórica constrói
leleologicamente a história, e o tempo é um simples meio no qual
se desenvolve o acontecer social. A história não tem novidade
porque possui uma racionalidade implícita. A racionalidade his-
tórica é a lógica que constitui o ser da história.
A alteridade e o sujeito
Poned atc•11c1ô11:
1111 comzó11 solilario
no es un corazón (Antonio Machado)
mesmo modo que não pode escoll1er ter ou não alteridadc, não
pode optar por ser ou não ser hermcncuta. A lrermeneusisé a_çon-
<HÇE__O___iSJ~()Ssibilidade da sua existência.
O sentido é sempre uma forma de significar o mundo, um
modo de simbolizar a realidade. Ele é criado sempre a partir do
desejo. Os sentidos simbólicos que a pessoa cria para as coisas,
para as experiências de vida, assim como para o mundo cm ge-
ral, entrelaçam-se íormando redes de significados. Essas leias sig-
nificativas constituem visões de mundo ou cosmovisões. Todos
nós, seres humanos, formamos nossa subjetividade na medida
_em que nos inserimos na trama de uma determinada cosmovi-
s_ão: Ao sermos tramados por uma rede simbólica específica, pas-
samos a ser sujeitos socializados. Sujeitos que pautam sua práxis
a partir do reíerencial simbólico no qual se instituiu sua subjeti-
~i9-_;:i.lie. Existe uma interação permanente entre a subjetividade
tramada pelo universo simbólico, que constitui a identidade do
sujeito, e sua ação sobre a trama social em que está inserido. A
subjetívidac!_e é histor"icamente construída, mas nunca definiti-
vámentc concluída. A subjetividade permanece sempre em aber-
tura por ser; é isto que possibilita sermos sujeitos de nossa ação,
não meros atores de uma trama pré-definida por ontologias de-
terministas. A subjetividade repudia a condição de essência defi-
nida desde o momento da concepção ou do nascimento, mas tam-
bém não aceita ser diluída na mera trama social. Ela interage com
o socioislórico numa tensão que a impele a inserir-se na trama
das identidades comuns, e de modo concomitante, por ser um
sem-fundo criativo, desenvolve uma força ativa com a que se
define como uma subjetividade diferenciada. A subjetividade é
tramada cm parte pelo universo social em que se insere, mas ela,
ao interiorizá-lo, recria-o como seu universo pessoal. A partir
desse referente comum e ao mesmo tempo diferenciado, se cons-
titui como uma pessoa única e singular. Ela se institui de modo
ativo, criativo e singular, modelando seu próprio modo de sei~
embora também é instituída pela trama simbcílica que serve de
referência para sua práxis. A dimensão de subjetividade institu-
ída possibilita a criação das identidades sociais; sem essa condi-
ção comum de subjetividades tramadas por um mesmo universo
simbólico, seria impossível pensar urna linguagem, uma comu-
Cll::.for M. M. Hartolomé Nuiz 61
nicação, um consenso de valores, uma convivência inslituciona 1.
Teríamos um arquipélago de individualidades desconexas e in-
comunicáveis, e, nesse caso, a sociedade seria inviável. Mas se a
subjetividade fosse uma mera resullanle da inserção da consci-
~ncia na trama social definida, assistiríamos ao desenrolar de uma
obra cm que os atores cumprem um papel socialmente definido
e todos são padronizados por um universo que evita e impede as
singularidades criativas.
A pessoa se rdig11 ao mundo por meio da rede de sentidos
que constituiu sua idenlidade 24 • É assim como transforma o caos
das impressões sensoriais num cosmo de sentidos. O sentido sim-
bólico se constitui, desse modo, na religação do ser humano com
a realidade. Ele configura o mundo natural dado como um cos-
mo de sentidos criados, uma cosmovisão.
30 Sobre como a tragédia grega expressou esse lado dramátirn fia existéncia
humana, d. J\lléJZSCHE, Friedrich., E/ nndmil'nt" dr ln lrngrd1á. :viadri:
Alianza, 1984.
31 Gilbcrt Durand prnpi"ie que uma das funções da imaginação é a e11femi::oriio,
qLte consiste em simbolizar o drama e a tragédia da existf,ncia humana
com um sentido de esperança a fim de que seja suportável o minimamen-
te sofrível. Esta é a maneira de compensar, suturar, o abismo existencial
que a fratura radical provocou no sujeito. Cf. IJL'lv\ND, Gilbert. l,rsstmclures
,111tlrropolo,1•ú711es dt' /'111111gi111111r. París: Jfordas, p. 158 ss., 1979, também
Idem., l'imnshlf/fto11 s_vmbol,quc. París: Presses Unive~itaires de France,
198-1. p. 119.
66 O::.pamdoxoH do li11a,_<:çi11ririo
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ma. Estaria eternamente condenada ao encerramento m0111idico
de sua subjetividade.
Talvez seja esta a imagem mais próxima da metafórica fi-
gura do inferno existencial ou teológico para o egoísmo i11 extre-
mis. Isto é, a pessoa que, pela negação pertinaz da alteridade (o
outro), constrói com sua pr.Hica um muro de egoísmo que en-
claustra num isolamento radical. Eliminando a possibilidade da
alteridade, ela permanece num autismo infranqueável. Seria o
ingresso consciente numa hipotética realidade sem alteridade
possível.
A relação e a comunicação entre os dois extremos da fratu-
ra são possíveis, porém a comunicação nunca poderá ser uma
com11111-1111iiio natural com o mundo. A pessoa deverá realizar-se
sempre por meio de uma parcial comum-açiio (comunicação), que
sutura fugazmente o abismo da fratura. Essa comum-ação entre
pessoa e mundo se realiza como práxis humana que implica o
sentido criado e a ação.transformadora. ·
É neste sentido que a pessoa se constitui numa copuln ,mm-
di(Marcelo Ficino, 1433-1499). Nela se entrelaçam a ma teria lida-
. de insignificante do mundo e o sentido-sentimento humaniza-
dor. A pessoa anima o mundo com o sentido e mundaniza seu
pai/tos criador por meio de sua inserção na ma teria lida de do cos-
mo. Enquanto copu/11 mrmdi mantém a co-irnplicação tensa dos
dois pólos (t1mi!la-mundo). A imbricação da anima e do mundo cons-
titui o modo de ambos existirem para o ser humano. Copula m,m-
di que~auto-afirma anima e mundo à medida que os correlaciona
numa coexistência necessária e produtiva. O mundo, sem a ani-
ma humana, existe, mas permanece desanimado e insignificante;
só a !termem·usi,;, sempre transformadora, da pessoa anima signi-
ficativamente o mundo e o transforma num cosmo criativo de
sentidos. De outro lado, a amina humana sem mundo é uma ente-
lét7wi1 (fantasia) impossível. A anima humana se insere na materi-
alidade do mundo e adquire as múltiplas feições que a diversi-
dade socioistórica lhe proporciona. Ela não existe como amína
pura, não pré-existe ao mundo como essência aistórica. Ela só
existe encarnada nas feições de um sujeito histórico.
É o poder do imaginário que nos permite constituir essas
pontes de sentido entre a consciência e o mundo, entre o desejo e
Castor M /vi. Bartolomé Ruiz 67
a realidade. A potencialidade criadora do imaginário faz com que
não habitemos num mundo de objetos naturais, mas vivamos num
universo de sentidos culturais. O sentido é sempre social. Ele se
organiza em teias e estruturas de significados, a fim de estabele•
cer,suturas simbólicas que dêem coerência à ação humana. Por
este motivo, a realidade se manifesta para o ser humano de modo
contraditório: como algo sólido e efêmero, paradoxalmente es-
pecífico e htgaz, tensionalmente presente e futuro. Ele não pode
apreender a realidade num só aspecto, sempre deve compreen-
dê-la como abertura a ser construída. Não pode definir analitica-
mente o real, pois sempre se implica vitalmente no mundo que
analisa.
A distância do mundo se compensa com sua representa-
ção. O eu já não é o mundo. Falta a harmonia da identidade com-
pulsiva entre ambos, mas a pessoa necessita dele para seguir exis-
tindo: reclama-o com urgência vital. Por este motivo representa-
º na sua ausência. O mecanismo de projeção pelo qual se coloca
uma coisa no lugar de outra é um elemento fundamental da re-
presentação. A projeção é fundamental no duplo sentido da pa-
lavra, isto é, constitui seu fundamento e importância. Ela atua
como o dispositivo que institui um sentido para um objeto espe-
cífico. Na projeção realiza-se uma distinção básica entre objeto e
significado. Esta distinção, por sua vez, constitui a base da com-
preensão da significação. Este é o mecanismo que o imaginário
pessoal e social utiliza para recriar a realidade por meio da pro-
dução de sentidos novos para o mundo que o rodeia.
s,·
No C/750 da cria11çn, nf1mp10 da dt's1:,,,-,111çiio 1'!lco11fm l11111bém no
fim do de5t'IIVOlvimenfo lú1giif;tico: dumnt,, tempo ns palm 1rns dn
/i11,ç;11n,_'?<'111 ob;éhm que reab,, por meio do nprmdiza;fo tnmpouco
thn pnm eln o ser1 I ,do cspecifi·cnme11ft' objetiva n ff' co111 que n lifl<\'11a-
:,:,'111 ns Pi11c11/n. Tt,do o que fl'm um senhdo tem s11ns mf::1•s no t'sfrn-
fo da ajhi"tio 1• dn e.nitnpfo sensível t' 1' tmz,do 1111111 e 011/m wz n
de.,. Progn'.,:,i-011111mte v11i--se abrindo rspnço itfim{iio n-1m'se11fllfi--
z'fl pum 110 ,·urso do dcsenvofvimmfo lingii/,·fll.--o para ir-sl'jôrt11ft,..
ce11do md11 l'l'Z mnis nté dNgar fl dominar a tot11/rd11d1• da /i,wun-
gnN. A co11e:r110 com II z1ioé11âa 1'.tpn'ssi,111 primtiri11, por 111111/0 que
lll'llllff 1!17 direção da represmtaçiio c dfl pum st;\wificnçifo lr~fim,
68 Os p(/rndoxos do fm(lghuirio
-------------------
11ão St' q11dm1 111111cn. /11d11sil1e seus mai.-; t>kvndos rendimentos in-
tdectunis se e11trl'ft'C1'11t nindn com cnmden·s expressivos perjh/11-
menfl' detemuiiados. 31
Então 117/Jwl'li E/0!11i11 /Í'Z cair um torpor sobre Adam e e/n dormiu.
Tomou pnr/1' de s11ns 1'11/rn11hns t'}<'Z cresffr rnrne fifi seu lugnr.
Dq101:,, da pnrft' dns mtm11!1t1s q11t' I irnm d11 Adnm, /a/uwh E/o/11i11
mode/011 /(ll/fl 't,lzn (11111/lwr) t' n lro11xe à Adnm. 1.',1tào r.tdnmo11:
E,tn s,i11 / osso dos m,'llS o.-;sos ,, c:amc da 1111i1hn mme! Ela 5<"rl7
chnmndn '/,!ta porq/(t'Jói tirada do 'f..,h. (Gênesis 2,21-23)
37 LEVI'.\:AS, Emmanucl. Tiitt1l1d,1de t' inji111fo, Li~boa: Ed. 70, 1988, p. 22.
78 Os pnrndoxos do linnsilrtírio
------------------
d e de sentidos, funções, objetos, insliluições ... que cada socieda-
de e até cada pessoa cria para uma mesma necessidade? Se o ser
humano, enquanto mamífero, vivesse a ruptura com seu objeto
de desejo de um modo estritamente funcional, a resposta para a
compensação pela perda do objeto desejado seria única em todos
os indivíduos da espécie, como acontece no resto dos mamíferos.
38 CElllEN, Arnold. r:t hombrc su 1111t11mk::a y .<u !us;,1r ,,,, d rmmdo. Salamanca,
Sígucrne, 1980. p. 32.
Cn!>ior M. M. Bartolomi R11iz 79
Somos um ser de desejo. Desejo insaciável que a contin-
gência do mundo não consegue preencher. Nossa sede de pleni-
tude está sempre insatisfeita. Somos impulsionados pelo desejo
e coagidos pela insatisfação. Enquanto o desejo nos abre para
horizontes de busca,. a insatisfação nos retrai para os limites do
possível. Desejando o novo, perambulamos ansiosamente alar-
gando fronteiras. Cada fronteira aberta ilumina novos horizon-
tes de desejo, manifestando, por sua vez, a finitude do almejado;
cada conquista realizada estabelece seus próprios limites. Nenhu-
ma fronteira aparece como a última, nenhum limite é o definiti-
vo.
O desejo estrutura nossa abertura; projetamo-nos para o
futuro a partir daquilo que desejamos. É nossa condição e nosso
condicionante. O desejo nos impele para a busca de plenitude,
mas não determina o que devemos desejar. Desejamos ser feli-
zes, realizar-nos, ser queridos, estabelecemos valores que espe-
ramos que culminem nossas expectativas, optamos com o objeti-
vo de conseguir melas que preencham nossos desejos. Mas cada
meta adquirida situa-nos frente a um novo limite, cada desejo
realizado nos encrava na dura realidade da insatisfação. Nada
consegue preencher nossa sede de desejo. O desejo é nosso hori-
zonte; podemos definir para onde vamos, mas à medida que ca-
minhamos, o horizonte recua perante nós. Temos a potencialida-
de de direcionar nossos desejos, mas não podemos renunciar à
nossa condição de seres desejnntes. Mesmo sabendo que perse-
guimos um impossível e que o desejo sempre se converte na som-
bra da nossa insatisfação, temos que abraçar o desejo como a for-
ça que nos impulsiona em busca de mundos possíveis e que via-
biliza a possibilidade de criar nosso mundo. Ainda mais, sem o
desejo nos encolhemos interiormente e reduzimos no~sa práxis
aos limites do já dado. Se porventura tivéssemos a possibilidade
de negar nossa dimensão desejante, nos descobriríamos apáli-
cos, inertes e sem estímulo para viver.
Seres desejantes, mas seres insatisfeitos - grave e difícil
paradoxo existencial. Ele remove cm nós a experiência do infini-
to. O infinito não é uma mera idéia cartesiana. Se assim fosse,
constituiria um acessório fácil de neutralizar com argumentações.
O infinito cartesiano é lógico e por isso não represeri.la uma ques-
80
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Os pnradoxos do imn,_rú1ário
Ião existencial. Pode constituir-se num argumento lógico e até
ontológico, mas enquanto argumento é só isto: um construto ar-
tificial que pode ou não ser aceito; aliás, só quem leu Descartes
soube da que existência de um infinito lógico e ontológico em
nós. O infinito dos geômetras aparece como uma abstração dis-
tante e artificial:
Qw:, procurar, depois disso, outros verdades, e lendo-me pro-
posto o objeto dos seómt'fras, que se concebia como um corpo conhímo,
011 um espaço infinitnmente extenso em comprimento, largura e altura
ou profimdidndl', divisívd em diwrsas partes, que podiam ter diversos
figuras e grnndez11s, e ser movidas ou trnnspostas de todas ns maneiras,
pois os geômetras supõem que tudo z~--so em seu objeto percorria n~ru-
mas das mai, simples demon.,tmções (.. .) Voltando 11 examinar 11 idéia
que tinhn de um Ser pe,jelfo, verifií:ava qut' 111.'.ri,têncin estnvn níi11d11-
st1, dn mesma forma como na de um trinngulo estd ziu-f115v scnw seus
três ,b~fulos t;rum~· a dois retos, ou n de uma esfera saem todas as s1111s
parte:, ifun!mente dist1111tes do seu ce,rtrd3 9 •
(.) infinito carte;iano se debate no mundo do logos e, por
ter tal condição, resulta prescindível. Porém a experiência do in-
finito que o desejo instaura em nós é universal e universalizável.
O desejo nos projeta numa condição universal de abertura per-
manente para a busca e para a práxis. Essa abertura se confronta
com a in,;atisfação de um mundo essencialmente contingente. É
possível negar a existência real do infinito, mas o que não se pode
negar é que a experiência do infinito habita em nós e que ela só
poderá ser satisfeita na hipótese de uma comunhão como um
infinito real.
Imagem e representação
Não se mt' ocu/111 lmnpouco que poderiio me diur q11t' tudo i,;fo dt'
qut' o homem crín o lfllmdo St'llsíwl e o amor idml (. ..) siio mdijóms.
Assim 1~ e niio pretmdo rnciodnnr n 11110 ser por mdrifoms. Dado
qut' esse smlido social, filho do nmo,; pni dn li11g11ngm1 e d11 rnzõo r
do mundo idm/ que dt>fe ~-urge, niio / nofimdo 011/rn coisn que o que
chnmnmos dt'fimfnsia t' 111111sú10çiio. Da fimtnsia hro/11 n mziio. E se
to11111m1os 11qud11 como 1m117fac11/dad1' qul'jorjn li1volunfr7nn111e11ft>
únagl'ns, pn~r1111t111á q11e é f7 ,,ontnde, ,. 1'111 qualqurr CtTSO lr7mbém
os sentidos ermm:"'
46 l!NMIUNO, :\-fig11Pl. E/.,,•11ti1111á1fo trágico de /11 vúlo. Madri: Albor, 1998, p. 51.
Castor M M Bartolom/ R11iz 91
Possui a potencialidade de inovar, mas é também receptor das
sensações do mundo cm que está inserido. A psique não pode
existir de modo auto-suficiente, pois a auto-suficiência conduz à
patologia. Porém a origem das representações está na natureza
criadora da psique, e não na realidade do mundo. Essa natureza
da-psique humana é o que denominamos de potencinlidnde cniufo-
rn do ilnasinário.
O poder objetivante do imaginário
e a socialização da psique
A sublimação
Alteridadc e (re)pressão
No 1's d yoJimdammtnl
,'so q11e buscn d pol'fn,
sino el tu esencial.
(Antonio Machado)
53 rnrun, Sigmund. "Uma teoria sexual". Obms compld11s. Vol. 1. Madrid: Bi-
blioteca Nueva, 1948, p. 233-589.
106 Os paradoxos do imaginário
56 JAEGER, VVerner. P,1idàt1. A _!ômu1r,fo ti" hom,•m gri'gO. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, p. 68.
Cnstor M M. Bnrtolomé Ruiz
--------------------------------
113
tico-m,1gico, que invadia com sua presença hegemónica todas as
dimensões vitais, existenciais e sociais57 •
Nessas circunstâncias, a onipresença do mítico-mágico
constrangia o logos à sua mínima expressão. Uma pressão quase
compulsiva do mítico-mágico sobre o entorno anulava qualquer
distanciamento crítico da pessoa sobre a representação que tinha
do mundo. Imagem e realidade se fusionavam numa confusão
indecifrável entre o criador e a obra; isto provocava uma indefi-
nição da subjetividade e da alteridade. A consciência da própria
subjetividade estava constrita à sua mínima expressão, o que
impedia a criação simbólica de imaginar com distância suficien-
te uma separação entre subjetividade e mundo. A subjetividade
restrita e a alteridade indefinida provocavam a inversão do sig-
no, o criador virava dependente da criatura, a pessoa se subme-
tia ao signo por ela instituído. O signo, investido de autonomia e
poder próprio, detinha a explicação e os desígnios do grupo; ele
definia o comportamento de cada pessoa e linha o segredo das
forças da natureza. Hermann Usener, na sua obra Gottemnme,r,
analisa desde a perspectiva lingüística o processo de evolução
das formas míticas primitivas na Grécia clássica e afirma:
O amanhecer simbológico
Filo-sofia e mito-logia
estranho que só mencione a pessoa de Pitágoras duas vezes. Dele diz que
começou pela ciência e concluiu na extravagância. No resto de suas alu-
sões fala sempre dos d11m1ado.~ plln/{órkos. (Mel. I, 5:985b15; D,· Cndo. n
13:293 aq 20, ele.).
65 ARISTÔTElES. Ml'lt1fi,iCt1 XIII, 6: 1080b}9.
122 Os pamdoxos do imaginário
-------------
0, püngóricos afirmamm IJ!lt' ex1i,fe o 'lJazio f' que pml'frn no infim~
to do pflew1tn do du, tanto que este também respira o vazio; o qual
d(Ji'rmcin as naltm•zas por sa o vazio uma sq,amçào das coisas
seguintes e sua dishi1ção. E isto afirmaram qm• aconll'Ce pni1cipal-
me11fe com os mímeros, jtf que o rlflzio di.frrrncin a rm/,ifadc•.""
Monoteísmo e Teos-Iogia
Que o senhor não ven!tn wm cólan lfUe eu não me kvnn/1' 11a sua
presença, pois tenho o 1/llt' l costumeiro às mullu:res. Lnhão procu-
rou e não 1'!1co11trou os deuses (Gênesis 31,35).
68 Neste ponto nos distanciamos de Cassircr, pois ele concebe o mito .-amo
130 Os pnrndoxos do imngimirío
----------------
mulações científicas mais abstraias ou empíricas, estruturam-se
a modo de teorias explicativas. Estas teorias sempre são uma for-
ma simbólica de aproximação do real. Elas não são o real, nem
esgotam todas as possibilidades de significar a realidade. Qual-
quer explicação teórica é relativa em vários sentidos: de um lado,
sempre está exposta ao princípio de falsibilidade, que permite
superá-la por outra formulação considerada melhor ou mais ver-
dadeira, e, além do mais, existem outras perspectivas possíveis
para olhar a realidade que não a meramente empírica, sendo que
todas as perspectivas são conslruções significativas que carre-
gam uma parte de verdade, veracidade e realidade. Por isso, qual-
quer formulação teórica é sempre uma forma mítica de significar
o mundo.
A dessacralização do mundo sempre é relativa. Ao desen-
tranhar simbo-logicamente a validade da visão mítico-mágica,
não invalidamos a experiência do sagrado. O sagrado, segundo
o sentido literal do termo, implica uma separação intencional e
uma caracterização especial de algo. Nossa relação com o real
sempre se realiza por meio do destaque significativo de aspec-
tos, perspectivas, possibilidades das coisas. O mundo sempre é
para nós uma representação-separação intencional de aspectos
possíveis. O real, enquanto representação intencional que desta-
ca aspectos significativos do mundo, é sempre um espaço sagra-
do. Sempre existe uma certa dimensão de sacralidade na forma
como o ser humano se relaciona com o mundo.
Um exemplo elucidativo de como o simbolismo e o mito
resultam logicamente insuperáveis constitui o processo de revi-
são crítica a que foram submetidas a matemática e a lógica no
início do século XX por diversos autores. Entre eles destacam-se
Frege, Peano e Russel. Depois das contradições encontradas na
teoria de conjuntos de Cantor e no sistema axiomático de Peano,
Russell, com :influência da obra de hege e a lógica de Peano,
Niio l11i nnda dr bom 011 mau St'III o p1•nsnmr11to qur nsslin oJirz.
William Shakespeare
ldm:, uma 7,,,z qut'foi separada a nat11n'zn l111mann {'/11 dm'.,: s1'f1hi1-
do cndn pr!rlr afalta da sua próprio 111dnd1 s1.• nwria com da. R.od1'-
1,
Do signo ao mito
Apa,ç;n nfi' or(filtnl, t' todas as á/lncinsjimriio vnzifls t' carentes de :,mfido;
podem assobiar, mfls não podem falar nem responda.
Jacobi
1
No fardt's, Muerte, que muero;
l'l'M porque viva contigo:
quiéreme, pl/es ql/1' te q111áo,
que con tu rnuda esprro
no tener guerra conmigo.
O totemismo racional
simbólims. 9 ;
94 LE\-1NAS, Emmanuel afirmu: Td. Tt1t11/idndee 1,!fi,rito. Lisboa: Ed. 70, 1980, p.
28.
95 zt:nIRI, Javin. /11td,;rnmi1 smlimle. Madrid: Alianza Editorial, 1980; Id.
Inte!t;fl'IICIÍI .11 ksvs. Madrí: Alianza Editorial, 1982; Jd. F.,tructurn dh1ti111im
de Jr, realtil"'I. Madrid: Alian7.a Editorial, 1989.
Castor M. M. Rnrtolomé Ruiz 159
de do mundo o sem-fundo humano se afogaria no seu imanen-
tismo. O ser humano só chega a ser quando se realiza na abertu-
ra para o mundo, na inserção socioistórica que o identifica corno
um sujeito específico. Essa abertura implica uma dinâmica de
transcendência por meio da qual o sem-fundo humano transcen-
de os limites de seu próprio ser e se expande numa abertura de
sentido para o horizonte que se desenha como infinito.
A subjetividade, ao transcender-se, se re-1 iga ao mundo na
intenção de constituir uma forma de plenitude ou de harmonia
natural. A experiência da re-ligação confirma, pela finitude do
mundo, o paradoxo do humano por meio do qual a pessoa expe-
rimenta momentos sempre transitórios de realização. Isso 1105 levo
n co11s1dernr n 1déin obsednnle de estnr-;imto como Jendo esse11cinlme11-
te 1111111 "rd,;façiio" m&fica .,;em objeto p11rticuln/!1'. Porém a frustra-
ção emerge inevitável, pois nada pode suturar de modo definiti-
vo a fratura abismal, ninguém pode devolver totalmente a har-
monia perdida ou constituir uma experiência existencial de ple-
nitude absoluta. O ser humano, por meio da transcendência, se
projeta como um eterno peregrino que busca na re-ligação signi-
ficativa do mundo constituir um utopos (im)possívcl em que pos-
sa deixar de sofrer o paradoxo que o atravessa. Intui a possibili-
dade de uma plenitude que não lhe é possível alcançar pelas pró-
prias forças. Eis aqui o novo Prometeu, que carrega a fratura in-
terior para os cumes inatingíveis da recriação permanente do
mundo.
A re-ligaçâo simbólica foi identificada comumente com as
formas culturais denominadas religiões. Embora haja uma cone-
xão intrínseca e indissociável entre ambas, exisle uma diferença
importante entre a religião como forma cultural histórica ou tran-
sitória e a rc-ligação como dimensão antropológica. Normalmente
se reconhece que o fato religioso constitui o marco dentro do qual
emergiu a maioria das significações sociais e que foi nele que se
incubaram muitas das instituições sociais. As significações reli-
giosas serviram:
Dt•sdt• o ponto d,, z,,:çfn /11'.,tórko pode sem dúvida obsermr-s,• q11e o
co11ceito de símbolo só mi amadurecendo lmlamnrte até esta extt'11-
siio e gmemlid11de de sm S{\'llifimdo _,:;1'.,temrítico. Com tfáto, tem
originariamenfi' suas mízes 11n esjem religiosa e permnllt'l"t' htado a
da por muito lnnptf 8•
106 D1 JRAND, Gilberl. F;g11r,•.< myfli/tll'S d vis,1ges d,, /'orwre. D,• /11 mylocril1i111e à /11
mylhonalyse. Paris: Bcrg, 1979, p. 18.
107 "Na medido ,•m que o smstlfllt:<mo e o positivismo se lim1taram por pni1cípio 110s
dados sensíveis, mio só se.fizeram ce,r:os n•spe1fo 110 simbólico, mas também res-
pnfo ii mesma paceprão, pois elúninoram ;úslamente o mommlo e o motivo ca-
r11ct,nsflco que dr:,·tingue n percepção da mera _çensaçõo e que lhe permlfe ir para
,ilém de.,·t11" CASSIRF.R, Ernst. Fdosefia de las.forma.< simbólicas. México: Fundo
de Cultura Económica, 1976, p. 228.
168 Os paradoxos do imngintirio
113 LEVINAS, Emmanuel. lófn/Jd11de oil}i11rlo. Lisboa: Ed. 70, 1988, p. 185.
114 SAUSSl:RE, Ferdinand. Cur.~o de lingülsticn ,fenernl. Buenos Aires: Losada,
1978, p. 130.
176 Os paradoxos do Íl!lfl,'?Ímirio
d,,.,,,
Dt'll-:.,"'f.' 1111porfti11dil demmi; à qm•sttio os llllli111Tis t'm St'lô' g,i-
tos dt• prewnriio niio querl'm ",illr ll ,•nfl'mkr" um paigo ddt·mu~
11/ltÍO, pos_.;uindo, J?0f'f1mfo, 11111(1 "/i11gu(lgl'm" ( ... ) Porlm crmtinu-
0111 sem ln fli1,ç;11a,_,:1'm, /d qu,· ti lit1gu11gem perf1'11Cl'm tamblm 011-
tms fr,1, proprtáladcs essenciru'.,·: 11 t'.t71ect11tiv1T, qm• jédtt1dt1 1111111
som SI' dirigi' n sun rmliznj.:tio ple1111 em outros sons; (I subordinação
de co1,fi,_i{11mçõcs sonoms prt•d,ns 11 objt'fos preci_,-os e t•xntos; 1• 11 in-
depe11dà1da na d1:'fJOt1i/Jiltd11de de 1111111 li11gun,_,;;e111 t111//11tic11 com
n·sp,•lfo ao conlnído 0/1111/ d1' umn situação. 129
130 CASSIRER, Ernst. A11tropologit1fi!osefúw. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p.60-
1. Embora Cassirer realize uma distinção entre signo e ~ímbolo, Clifford
GcPrtz o critica por im:orrer no erro de identificar os símbolos com seu~
202 Os paradoxos do imaginário
A linguagem integra koi11011ico111ente o sujeito no mundo.
Há uma tensão inevitável entre a linguagem herdada e o modo
como cada subjetividade capta a realidade, porém não existe uma
prioridade espacial ou temporal de algum dos elementos. O pri-
oritário é a relação que se estabelece entre ambos, pois é a relação
que condiciona a existência dos dois pólos. Cada um existe de
modo relativo, relacional, ao outro. O modo de relação que se
estabelece entre as impressões sensíveis e o simbolismo dado a
elas definirá o tipo de linguagem. O som da linguagem oral exte-
rioriza um sentido vivenciado. O som não é um mero reflexo in-
significante; pelo contrário, ele carrega um sentido para o mun-
do. O sentido simbólico qualifica o tipo de linguagem proferida,
mas o sentido só pode existir de modo coletivo e histórico à me-
dida que se exterioriza num tipo material de expressão da lin-
guagem. Esse modo de expressar a linguagem também condicio-
na seus alcances, limites e possibilidades. Está, pois, desenhada
uma nova tensão dunlf~ica entre contraditórios que se confron-
tam visando uma produção criativa. Uma vez mais temos de cons-
tatnr que qualquer pretensão de explicar o ser ou a origem da
linguagem a partir de um dos pólos, negando o outro, é um ·re-
ducionismo esterilizante. ·
recorrentes: "o qu11I resu/!11 trio ,1bsurdo quanto lljirm11r qur o drdo com que ru
assino/o fass,• 11 /110 poro o 171101 aponto". Id. "Religionas a cultural systcm".
In: Jd. Anthropolográ1/ Approoches to the Studv of Rdigúm. Londres:
lavistooock, 1968, p. 1- 46.
131 HUMBOLDT, Wilhcm von., So!rre la dil'ersidad de lo estmclt1111 dei lenguaje hu-
mano y su inf!u,•nc,i1 .,obn• d d,•s,1rro/lo espiritual de /11 hum11111tlad, Barcelona,
Anthropos, 1990, p. 87. Humbolt critica a teoria da linguagem racionalista,
Cnstor M. M. Bartolomé Ruiz 203
Ao analisar a origem da linguagem, a perspectiva realista
se interroga se é prioritária a designação das coisas ou dos pro-
cessos. Na linguagem se captam primeiro as coisas e como con-
seqüência constituem-se primeiramente as raízes nominais? Ou
se captam, em primeiro lugar, os processos e conseqüentemente
se elaboram inicialmente as raízes verbais? Esta divisão resulta
no mínimo ingênua. Pensar que a origem da linguagem pode ser
explicada a partir de um dos pólos - coisas-processos, duradou-
ro-transitório - implica desconhecimento da raiz paradoxal com
que o simbolismo impregna toda linguagem.
A linguagem não se origina dos sentidos que captam obje-
tividades naturais dadas, sejam coisas ou fenômenos. Ela é uma
criação significativa, um cosmo de sentidos que não está dado
nem no mundo dos objetos, nem no fluir dos acontecimentos. A
linguagem nos abre para a compreensão do ser como sendo de
modos diversos. Essa abertura interpretativa do ser se realiza por
causa da raiz simbólica da linguagem.
O ser se diz llSSIÍfl 011 ll&,11do, ou sejll, prr:,-.-n pdn lil~\'1117J(t'111. D1-
qunnto qut·, fnwft' it 1111·!1!flsica dtfssim, 11('1!1 tudo pa.,-.w pelo Sff (por
exn11plo o nndn), pam a lin,ruogem passa tudo, i11d11sivl' podt'fa!nr-
se do 11adn com Sl'l1hdo. A là1g1111gf'lll t~ m,sim, mm'., nmo/;,,•nk e
toftl!izndom que o se-r dtissico que cxdui o 11no-sa1.u
134 CASSIRER, Ernst. faencio _v ,fedo dei conceplo d,• símbolo. México: Fondo de
Cultura Económica, 1989, p. 85-86.
206 Os paradoxos do imflgindrio
135 CA5511U::R, Ernst. Eç,•nâ11 .11 ,f,·cto dd cona71to de .símbolo. México: Fondo de
Cultura Económica, 1989, p. 105.
136 FOUCAULT, Michcl. As pnlavms f' a,,· cmsns. São Paulo: Martins Fontes, 1999,
Prólogo, p.IX.
Cn.,tor M M Barto!omé Ruiz 207
O conceito lógico está precedido da compreensão herme-
nêutico-simbólica do mundo. A representação é sempre uma sim-
bologia, ou seja, simboliza de modo lógico, ou se preferirmos,
conceitua de modo simbólico. A linguagem não existe como apro-
priação lógica de objetividades naturais, mas como representa-
ção simbólica de um sentido do mundo.m
As implicações dessa compreensão hermenêutico-simbó-
lica da linguagem são muitas. A principal decorrência advém do
fato de aceitarmos que, se a linguagem é uma representação sim-
bológica do mundo, a diversidade de línguas não reflete só uma
variedade de sons, mas uma pluralidade de visões de mundo.
Cada língua configura um sentido inerente a cada termo, estm-
turado na forma de sintaxe e modelado no modo de expressão. A
língua não é só um instrumento que usamos para nos comunicar,
pois é pelo poder objetivador da língjt!a que as subjetividades
conformam sua idenlidade e as sociedades constituem sua pecu-
liar- forma de ser. Desse modo, a língua passa de mero instru-
mento à agente configurador de subjetividades e identidades. n,
igual forma que o som litdiv,dual 5t' 5111111 entre o objeto ,, o ltomt'lfl,
assim também n lú1gut11irfeirn se põe entre de e 11 m1ft1rcza que 1':rerce
seus 1feilos .,obre ele, desde fome desde dmtro.
140 CASSIRF.K, Ernst. Filosqjin de lns formas sú11bó/1à1s. l vol. México: Fondo de
Cultura Económica, 1971, p. 137.
Castor M. M. Bartolomé Ruiz 213
Devido ao alto processo de abstração que nossas formas
lingüísticas já adquiriram, desapareceu a grande maioria das re-
missões simbólicas presentes no início da formação da lingua-
gem. Porém sempre podemos descobrir algumas conexões eti-
mológicas que remetem à sua origem simbólica. Vejamos algum
exemplo: qual é a conexão aluai que podemos estabelecer entre
palavras e experiências tão distantes como o palpitar do coração,
uma dança, o pranto, a alegria, o insulto, uma precipitação, um
despenhadeiro, um abismo ou urna selva, entre outras?
Ao pesquisarmos a etimologia da palavra latina !>'lllfu!>~
percebemos que ela condensa um conjunto de experi[~ncias que
só posteriormente foram se desdobrando em palavras diferen-
tes. O snltus latino originário podia significar simplesmente sal-
tar. Mas os saltos se realizam de modo particular quando dança-
mos, por isso de snltus deriva o nome de um baile ou dança que
se chama de solar, que, por sua vez, deriva num tipo específico
de baile ou dança, no qual se salta mui lo, chamado sola ou jota,
típico de muitas regiões da Espanha. Mas o efeito simbólico do
snltus remete também à vertigem produzida pela altura; por isso
saltus também significa despenhadeiro ou precipício. Porém o
medo também pode estar na espessura de um bosque, por isso o
termo sa/tus passou a significar também selva ou bosque denso.
Mas a selva está cheia de vida, por isso snltus pode gerar um solo,
palavra que significa "pedaço de terra fértil". O simbolismo do
medo próprio do snltus nos fez chamar de sobrt'ssnllo o susto que
recebemos. O simbolismo do iialto, sa/tus, remete não só ao medo,
mas também aos saltos de alegria; por isso f'Xullnmos de alegria.
A excitação do .,"11/tus gerou a raiz verbal insu/tnr, já que no insulto
nos exaltamos e sobressaltamos emocionalmente. O simbolismo
do sn/tus remete também aos saltos do coração (cor-cÔrdi:,"); por
isso o termo latino snltus sib'Ilifica também palpitar, porque os
movimentosdocoraçãosãocomosaltos.Arede de remissões sin1-
bólicas do tenno snltus se amplia a experiências como o choro;
saltus significa também chorar ou soluçar com grandes prantos,
pois nos soluços nos exaltamos, sobressaltamos e, inclusive, exu 1-
tamos, se for um choro de alegria.
Este breve exemplo lingüístico serve para ilustrar a raiz
simbólica que de forma oculta e imperceptível subsiste nas di-
214 Os pllrndo:ms do imngtiuirio
------
wrsas formas da linguagem. Toda forma lingüística remele, de
um ou de outro modo, a uma simbolização significativa do real.
No processo de dezenas de milhares de anos, a humanidade foi
reelaborando as expressões lingüísticas na tentativa de especifi-
car melhor, definir mais, delimitar com precisão cada experiên-
cia e objeto. Nesse processo, a linguagem foi-se tornando cada
vez mais abstrata, longe do sfmbolismo originário direto que a
gerou. Porém também nas suas formas mais abstratas ela reme-
le, uma e outra vez, ao simbolismo do qual emerge e para o qual
refere.
142 CASSIRER, Ern~t. farndn .1/ ,jí•,_•fo dd concrpto de simho!o. México: Fondo de
Cultura Económica, 1989, p. 110-11.
Castor M. M. Bnrto!omé Ruiz 217
guagem modifica o conhecimento sensível e vice-versa. No en-
tanto, arnbos estão enraizados na mesma matriz simbólica que
os gerou na forma de significados sociais. Ambos, conhecimento
sensível e linguagem, são criaturas do imaginário. Não existe um
conhecimento sensível fora do sentido e conseqüentemente fora
da linguagem. A sentirmos e percebermos o mundo, fazemo-lo
conotando sentido para todas as nossas sensações e percepções.
Não existe uma sensação ou percepção neutra ou natural fora do
sentido; sentimos nossas sensações a partir de um modo cultural
de percepção. Nossas percepçõcs estão retrabalhadas pelos sen-
tidos da linguagem por meio dos quais lhes damos significado.
Nem as sensações mais primárias escapam ao imperativo da her-
menêutica simbólica. Quando sentimos frio, calor, fome, sede,
necessidade de abrigo, atração sexual, etc., cada uma dessas sen-
sações é vivenciada de modo cultural e nossa prática reflete um
modo pessoal e social de interagir com elas. Forque a natureza
da matriz simbólica não pode definir-se em explicações lógicas,
temos de formular sempre perspectivas de aproximação à com-
preensão de nossas sensações e percepções, embora nunca o con-
sigamos fazer de modo conclusivo. A indeterminação do sem-
fundo humano se manifesta como natureza criadora que institui,
de modo simbológico, o sentido do mundo e o transforma, hu-
manizando-o ao tempo que a indeterminação criadora se materi-
aliza produtivamente.
A insuficiência da linguagem para exaurir o mundo não o
impede de ser o elemento que estmtura a prática do sujeito. Por
sua vez, a prática do sujeito condiciona e transforma os modos e
sentidos da linguagem. A direção e o progresso de uma palavra
estão guiados pela práxis, e concomitantemente a práxis é direci-
onada pelo sentido que damos à nossa ação. Por isso, a ftguração
simbólica da palavra não reflete tanto a forma das coisas como,
principalmente, a atividade humana.
A práxis é o elemento articulador do processo de consti-
tuição da subjetividade e de configuração da própria sociedade.
À instituição da linguagem está correlacionada com a práxis, pois
existe uma interação dunlélicnentre a linguagem e a práxis. A prá-
xis define o modo da linguagem e dimensiona os sentidos em
função das experiências concretas que o sujeito e a sociedade cons-
218
----
Os paradoxos do imasürdrio
----·---- ------
troem, porém a práxis se configura a partir da linguagem. Toda
práxis está inserida num cosmo de representações instituídas que
define o modo específico de agir das pessoas desse grupo social.
A práxis é estruturada a partir dos sentidos construídos pela lin-
guagem. A cultura, na sua totalidade, pode ser considerada um
produto da linguagem. A linguagem funciona como eixo articu-
lador da atividade cultural do ser humano, sendo que ele mesmo
é um produto cultural. Não existe atividade humana, por mate-
rial ou incipiente que seja, que não se fundamente na linguagem;
chamamos cultura no âmbito dn rea!idndt' que estd estrufurndn lingriis-
ticamente.143
145 Com esk mesmo objetivo, Bertrand Russell tentou construir uma lingua-
gem o mais abstrata possível, cuja perfeição se realizaria na correspon-
dência unívoca entre os signos e a realidad~! das coisas. Evitando, dcslc
modo, os inconv .. nicntcs de uma linguagem permanent.. mente conotativa
de sentidos diversos e até divergentes que só induz a uma perene
ltermme11s15 errônea das coisas. CLACK, R.J. !,11 fi/o_çoj/11 tfd lc11gulljf' r'n 8.
Russd!. Valcncia: Fernando Torres, 1976.
146 LEIBNIL, Gottfried \\'ilhclm. l1kmo.< f'lll'rJio.< sobre o e11/emiimmto '11111111110. São
Paulo: N"ova Cultural, 1999, p. 331
C115for M M. Barto/omé Ruiz
------------------------~----------
223
que denota o sentido natural das coisas, designando-as como elas
realmente são a partir de uma comprovação empírica daquilo
que se afirma delas.
Diferente da denotativa, a função conotativa não expressa
sentidos objetivos ou naturais das coisas, mas evoca sentidos pro-
duzidos pela pessoa. Ela é eminentemente subjetiva e, por isso
mesmo, é uma forma de linguagem que não consegue represen-
tar uma realidade natural própria das coisas. É um tipo de lin-
guagem que não se submete ao rigor da análise científica, e por
esse motivo não se pode comprovar a verdade ou a veracidade
de suas afirmações.
O neopositivismo persegue a formulação de uma lingua-
gem científica que denota o sentido verdadeiro, científico, das
coisas. Seria a única linguagem veraz e verdadeira. Sem dúvida,
esse tipo de linguagem é sempre uma linguagem denotativa e
nunca uma linguagem conotativa. Parle do pressuposto de que
as proposições que não podem ser demonstradas não existem,
são pseudoqueslões. Esta é a problemática central dos diversos
autores que integram o neopositivismo, que se consolida e di-
funde a partir da chamada escola de Viena 147 •
Um dos pensadores mais representativos dessa tendência
foi Ludwig Wittgenstein, na primeira fase do seu pensamento,
principalmente na sua obra Tractafu:, Lopco-p/11/0.-,oplticw;. Wit-
tgenstcin, na sua primeira fase, parte da convicção de que é pos-
sível construir uma relação denotativa entre a linguagem e a rea-
lidade. É possível construir imagens objetivas da realidade, po-
dendo afirmar que n n7m'sentariíodo mundo é linguasem. Para que
esta asseveração seja correia, devemos expurgar a linguagem de
150 Ludwig.
WllTGENSTElN, Trndafu.ç !..ogú·o-plulo,;ophim.ç. 4.061.
151 Ludwig.
WIITGENSTElN, Trncltlfus logú·o-p/11/osophicus. 4.461.
152 WITIGENSTEIN, Ludwig. Trndnfus logico-phi/osophrms. 4.03.
153 WIITGENSTEIN, Ludwig. 1i11ctr1f11s Logú·o-philo~·apl11á1s. 4.022.
226 Os porndoxos do ímaghzdrio
O contraponto da hermenêutica
169 KD,, Thomas. S. A t'.s"frufurn d11.,; ral()/uç-ões cien!lfi,:11.ç, México: F.C.E., 1971,
164.
170 GAO,U..·IER, I lans-Gerog. Verdnd yAfitodo.Salamanca: Sígueme, 1977, p. 467.
236 Os paradoxos do imaginário
O consentimento da linguagem
171 rn:MOOLDT, Wilhem von. Sobre 111 divasidi1d de 111 t',õfructurn dd k11g1111jr lw-
mt11w y su i,!flue1Tcli1 sobr,• d des11rrollo ,•spiritw,I ,1,, /11 humn11id,1d. Barcelona:
Anthropos, 1990, p. 83.
172 Hurnbolt, seguindo os caminhos abertos por Vico, Rousseau, Hamman e
Herder, enhmdt> cada língua particular como um organismo. Cada língua
se estrutura como se fosse uma forma orgânica, sendo que, no modo de
estruturar a linguagem, transnúte um modo particular de ver o mundo.
Hl'MBOLDT, \.\/ilhem von. Escritos sobre e/ /e1~r;w1j,•, Barcelona: Edicions 62,
1991.
173 A proposição de Humbol<lt, "au/11 /ingungcm rcpre.<cnln uma determmndn
cona7,pio de mundo", é feita desde uma perspectiva idealista e com uma
Gz.,;tor M. M. Bartoloml Ruiz 239
A língua é uma criação de sentido para o mundo, mas, ao
instituir-se como significação social, ela impõe uma visão de
mundo. Desde essa perspectiva, podemos afirmar que a lingua-
gem demanda um desvel11me11to de smtido. A subjetividade emer-
ge tramada por uma linguagem; sua autocompreensão e inser-
ção no mundo só serão possíveis à medida que vai desvelando
os sentidos da sua língua. Para penetrar nos interstícios de uma
língua, devemos descortinar o véu que oculta a riqueza dos seus
sentidos e suas possibilidades de nomear o mundo, o mundo lo
chão comum, não pisado por ninsuém t' reconhecido por todo.'i, q11t' 1111e
a todo.'i O.'i que falam entre si 17" A tarefa de desvelar aponta para
uma dimensão apocalíptica da linguagem, segundo o sentido eti-
mológico do verbo ápo-knlípto: correr o véu para ver algo que es-
tava escondido, despir, dar a conhecer.
A língua, como significação social instituída, antecede o
sujeito. Este só vai se configurando como tal, à medida que vai
desvelando e interiorizando os sentidos próprios da sua língua.
Simultaneamente, ao dcsvelamento e aceitação dos sentidos ins-
tituídos, o sujeito interpreta e ressignifica a herança cultural re-
cebida segundo seu modo particular de ver o mundo. Eis por
que a linguagem é concomitantemente criação e desvelamento,
pois a interpretação é n'Produçiio criadora de :,,mtido úitdigfw/175 •
Não podemos falar de originalidade de uma língua stricfll
sensu. A verdadeira originalidade da língua se manifesta na in-
Assim sucedeu. 011 no me11os nssim conta que suc,,deu. Havia cal-
ma. I ft1vin silê!lcio. lmob,hdndr. Tudo ,•sfam cfllfldo e mzfo. Assim
pdn exf,•11;;110 do clu. Nõo 1'.ti-linm, nindfl, o homem nef!I tmimn/
n{1;111n. Nem pei.n':,~ nem pássaros, 11,•111 tin10r,•s, 11cm ped!í1-'··· Nndn
St' mnnifesfnva naface da ferra, absolutnm1•11ti· nada.
C//ego11 017'1i t•11/ão n Pnlavm, viemm junto:; li•peu e GflC/l!llnfz.
Dinlo_ç;nmm, pois, wnsu/tnndo-st• mire si e medifnndo; dregnrnm n
11111 acordofarm1111do uma simbiose com suas palnvms e seu entendi-
mento.
Mnni/Í'sto11-se lf11quef,, mome11/o .-;,•111 /r~ç;nr de dúvidas, t'"' tanto
qt11? meditavam, que q11n11do d1,✓gas."-' 11 dnridnd,· d1.•l•in npnrec,•r o
lromem. Dispuseram 11 pnrtir d,·ss,· inslnnte 11 crinrõo e o crescimm-
to dos árvores e bqilcos e o nnscimmfo da vidn e n crinçõo do lto-
lllt'm ... 15"
179 MON'IANl'LIJ, lndro. Historio d,· lo.~ griegos. Barcelona: Plaza y Janés, 1997,
P· '>2.
180 CLAUDET, Francisco. Ley,-11d11s mo_vosy azft•1'1J;;. Madrid: M.E. Editure 5, 1996,
p. 15.
244 Os paradoxos do imns-inário
guma vez foi retido na palavra é algo real, mas também constitui
o modo corno percebemos o real cm geral.
Ao nos depararmos com a linguagem como significação
social, a tensão original entre signo e significado se aplaca. Pro-
duz-se um processo de identificação entre o signo e o significa-
do, entre a palavra e a coisa, entre a imagem e o objeto. A lingua-
gem se substancializa, institui-se de significação própria e se cons-
titui em conservadora de sentidos. Ela adquire uma dinâmica pró-
pria, à qual deve submeter-se toda subjetividade para poder in-
tegrar-se socialmente. A linguagem é a forma simbólica de ex-
pressão de uma cultura.
O sentido da linguagem possibilita o consentimento do
mundo em que se habita, a empatia com nosso entorno; ele per-
mite a comunicação intersubjetiva, e é por meio dele que a inter-
subjetividade se lp(fimizn, o outro mostra seu rosto singular no
consentimento coletivo de um sentido comum. Não são possíveis
a comunicação ou a relação sem a existência do horizonte do
consentimento, no qual coin~idem as subjetividades. É esse con-
sentimento comum que integra as diferenças num consenso pré-
vio; só a partir dele são possíveis a comunicação e a singularida-
de irredutível das diferenças. Sem o horizonte do sentido comum,
do consentimento, os ruídos mais estranhos interferem na comu-
nicação dos sujeitos e inviabilizam o diálogo. Sem o consenti-
mento simbólico não é possível o diálogo intersubjetivo. Sem diá'-
logo, nem consentimento, não existe sociedade.
A função metafórica da linguagem
188 CASSIRER, Ernst. hlosoftn de las jôrm11s sli11Mlkns. Vol. 2. México: Fondo dia!
Cultura Económica, 1971. p. 106.
Castor M M Bartolomé Ruiz 255
mentativo na práxis humana. Ele desenhou uma visão lógica do
cosmo mima pennanente tensão com a compreensão simbólica
do mundo.
Nessa interação simbológica, a linguagem lem um papel
privilegiado. Foi e é por meio da linguagem que se realiza priori-
tariamente o processo de integração e desconstrução simbológi-
ca. O simbólico, por meio da configuração lógica da linguagem,
foi cedendo espaço para a compreensão conceituai do mundo.
Na linguagem at~1am imbricadas as duas dimensões: símbolo e
logos. Sem perder a raiz simbólica que o configura, a linguagem
foi denotando de modo mais conciso os diversos elementos, foi
definindo mais precisamente os fenômenos e delimitando o cam-
po do racionalmente possível daquilo que é uma alucinação im-
possível. Sem essa delimitação lógica, estaríamos ainda peram-
bulando pe-Io mundo dos delírios mais estapafúrdios ou cegados
pelos fanatismos mais absurdos.
O logos, no ser humano e na sociedade, se estruturou pre-
ferencialmente por meio da linguagem. Ele articulou de modo
analítico as significações da linguagem189 • À medida que o logos
abre espaço para se constituir, os sinais da linguagem deixam de
ser meras figurações simbólicas e vão se transformando em sig-
nos conceituais. O poder analítico do logos opera uma separação
entre a imagem e o conceito. Ao ressignificá-la conceitualmente
por meio da linguagem, a imagem remele na sua impetuosidade
simbólica. Com isso o simbolismo se faz cada vez mais abstrato e
menos figurativo. lJesse modo, a linguagem inocula doses maio-
res de racionalidade no sujeito e na sociedade, conformando con-
ceitos e juízos cada vez mais complexos e abstratos.
O arrebatamento simbólico que a imagem provocava na
consciência vai diminuindo à medida que se consolida a lingua-
189 Hegel anali5a e5ta que5tão ao falar do im;fin!o lógi,:o d,1 lú1g11ngm1. Refere
que a linguagem natural tem uma tendência para a lógica na medida em
que as ca lego rias que operam (implícita men le) no falar são (expl ici la men le)
pensadas na Lógica, confluindo e consumando-se no pensamento do con-
ceito. Cf. {;AJJA\iF.R, Hans Georg. Vcrdad y Método:fund,mli!n!o,· de l/1111 étúw
ft/ost!ficn. Salamanca: Síguemc, 1977, p. Y8 ss.; Id. Ú1 d1nlédá:n d,• Hegel:
oúco ensnyos ITermenéu!icos. Madri: Cátedra, 1981.
256 Os paradoxos do imaginário
190 ROi' CARHALLO, Juan. Medicina .1/ ac/i{)ldaá cm1dom. Madrid, 1964, p.164.
Castor M. M. Barlolomé Ruiz 259
linguagem, a raiz simbólica que originou as palavras foi desapa-
recendo, e ficou valendo o significado abstrato que ela veicula, a
denotação concreta que ela imprime.
Embora em nossas civilizações altamente racionalizadas e
tecnificadas a linguagem tenha realizado um longo distanciamen-
to simbológico, nunca adquiriu um dualismo total. A linguagem
permanece inextricavelrnente vinculada à sua raiz simbólica, isto
não só por seu caráter qualitativo, mas também pela_inlmcionali-
dade. A linguagem se desenvolve dentro de um interesse defini-
do pela ação. As coisas são significadas a partir do interesse e
intencionalidade que têm para o sujeito. A linguagem mais abs-
trata pretende abstrair o interesse subjetivo, querendo, com isso,
mostrar uma pretensa objetividade de seu conteúdo e uma neu-
tralidade e veracidade formal nas suas conclusões, conseguindo,
desse modo, fazer da linguagem um pretenso instrumento deno-
tativo da realidade. Porém essa pretensão de neutralidade for-
mal é fictícia, pois em toda linguagem existe sempre embutido,
de modo implícito ou explícito, um interesse. E o interesse nada
mais é do que o destaque simbológico dos aspectos mais rele-
vantes, entre outros possíveis, da realidade que se pretende sig-
nificar.
Já a Teoria Crítica de Habermas realizou urna tríplice dis-
tinção da racionalidade: 1- rncio1111l1d11de calculadora, que atua corno
controle e manipulação positivista e que corresponderia ao in/t'-
res~·e tecnológico para dominar a natureza; 2- mcio1111/id11de i11krpn'-
latív11, que tenta representar os códigos e normas de um modo
criativo, procurando, no ti1ten'sse prático, o acordo com as demais
pessoas; 3- racionalidade critica que, a partir do interesse emnncipa-
tório busca a superação de todas as alienações históricas e abre
um horizonte utópico de libertação. •
191 I IABERMAS, JÜib'l.>n. Ciencin y téc.má1 como 1devlogú1. Madrid: Temos, 1984, p. 178.
192 Já Austin considerou, desde a perspectiva analítica, em que sentido se
pode afirmar que di::er n/go éfazer n!go. Reconhece que a linguagem não
pode temalizar-se exclusivamente desde a ftmção enunciativa ou descri-
tiva dos falos, pois, em muitas ocasiões, emitir urna expressão equivale a
rl'alizar urna ação. AUSTI1', Jhon L /..n-' p11!n!m1s y las nffione.<. Buenos Aires:
l'aidás, 1972, p. 46.
Castor M. M. Hnrtolomé Ruiz 261
A mediação da linguagem não só modifica a relação do
sujeito-objeto, senão que transforma o próprio sujeito. À medida
que a subjetiviciade vai realizando um distanciamento lógico entre
a representação e a realidade, vai se configurando uma autono-
mia da consciência frente ao mundo, um distanciamento da pres-
são compulsiva com que a imagem prendia a consciência às coi-
sas. Os próprios sentimentos são agora objetivados e colocados
como elementos de compreensão. A subjetividade, por meio da
emergência da autoconsciência, consegue colocar a si mesma
como objeto de reflexão. É o distanciamento entre subjetividade
e objetividade que consegue transformar aquela num objeto de
análise e introspecção. lJesse modo, a própria subjetividade se
vê atingida de modo extremo pelo distanciamento lógico que a
linguagem operou.
O distanciamento lógico da linguagem não pode ser en-
tendido como uma mera associação de sons ou palavras a alguns
conteúdos específicos determinados pela percepção do pensa-
mento. Não há uma independência absoluta entre esses elemen-
tos. A linguagem imbrica dialeticamente a palavra e o conteúdo,
fazendo dos dois aspectos uma unidade de sentido. O conteúdo
e a expressão sensível, o conceito e o símbolo não estão enfrenta-
dos como entidades autônomas ou auto-suficientes, senão que
estão co-referidos numa co-implicação necessária, de tal modo
que um existe enquanto coexiste com o outro.
O primário entre os dois elementos é a relação. Na relação
se institui o ser de cada um. Sua identidade particular só pode
ser entendida correlativamente ao outro. Ou seja, a palavra emer-
ge a partir de um sentido definido, e este, por sua vez, adquire
entidade numa palavra. Não há uma existência prévia ou autô-
noma de ambos os elementos para depois se proceder à unifica-
ção de ambos. Não há prioridade ontológica ou temporária de
algum deles sobre o outro. Ambos se integram na linguagem de
forma correlativa. Eis por que toda distinção é relativa, fictícia, já
que toda diferenciação pressupõe a correlação. Linguagem e sen-
tido, forma e conteúdo, símbolo e logos se urdem e implicam
numa indistinção que só pode separar-se numa diferenciação
artificial. Esta urdidura simbológica anula qualquer pretensão de
transformar a linguagem num conjunto instrumental de signos
262 Os pnmdo:ros do imngindrio
denotativos, associado a um conteúdo mental previamente defi-
nido; concomitantemente invalida toda tentativa de diluir a lin-
guagem num devaneio figurativo sem correlação lógica. A lin-
guagem constitui uma unidade orgânica que, co-implicando de
modo simbológico a expressão sensível e o sentido instituído,
implica pessoa e mundo numa relação tensa e paradoxal, criado-
ra e respeitosa, mundanizando a pessoa, humanizando o mun-
do; mais ainda, divinizando o humano, mundanizando o divino,
ou seja, o seu poder criador.
O que é estética
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Trad. Fulvia Moretto
Ética e a/feridade
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J. Roque Junges
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