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Pedro Madeira
Em cada uma das quatro primeiras secções menciono um mau argumento usado pelos defensores
da legalização do aborto e um mau argumento usado pelos opositores da legalização do aborto.
Tento fornecer uma análise tanto quanto possível imparcial de todos os argumentos, de modo a
que não seja possível perceber-se qual é a minha posição acerca do assunto. Nas três secções
seguintes digo onde me situo no debate acerca da legalização do aborto e argumento a favor da
minha posição.
Concepção
Como já tive oportunidade de mencionar, muitas pessoas parecem pensar que há um momento
concreto em que se dá a concepção; mas isto é falso. A fertilização é um processo gradual que
demora cerca de 22 horas. Primeiro, o espermatozóide penetra no óvulo, deixando a cauda do
lado de fora. Nas horas seguintes, o espermatozóide e o óvulo são, ainda, duas coisas distintas,
embora o espermatozóide já esteja dentro do óvulo. Só ao fim das ditas 22 horas é que já temos
um único objecto: o zigoto. Mas vamos fingir que não há esta dificuldade: vamos fingir que há um
momento concreto em que se dá a concepção. Ainda assim, a concepção não poderia marcar o
momento em que o feto adquire o direito à vida. Presumivelmente, um bebé recém-nascido e um
ser humano adulto têm algo em comum que lhes garamte a ambos o direito à vida. O que é que o
zigoto teria em comum com um bébé recém-nascido e com um ser humano adulto que bastaria
para lhe atribuirmos, igualmente, o direito à vida? Não conheco qualquer resposta convincente. O
opositor do aborto que favorece o critério da concepção geralmente tenta usar o argumento da
potencialidade para mostrar que o zigoto tem o direito à vida. E esse argumento, como já vimos, é
muito fraco.
Implantação
A implantação é a altura em que aquilo que virá a ser o feto se “agarra” à parede do útero. Isto
geralmente acontece seis a oito dias após a fertilização. É facil ver que a implantação não pode ser
o critério correcto. O que é que não existe, no quinto dia, que passa a existir no sexto?
Aparentemente, nada. Ocorrem alterações hormonais no corpo da mulher, mas não é claro que
relevância moral isto possa ter.
Forma humana
O feto comeca adquirir forma humana por volta das seis a oito semanas. Até essa altura, podia
parecer apenas “um amontoado de células”, como os defensores da legalização costumam dizer,
agressivamente. Poderá ser o facto de que o feto adquire forma humana que lhe garante o direito
à vida? Não. Se uma avestruz passasse pelas mãos de um cirurgião talentoso e adquirisse forma
humana, acha mesmo que adquiriria, só por isso, o direito à vida? Não — se já não o tinha antes,
não era agora que ia passar a tê-lo.
Aceleração (“quickening”)
Normalmente, a mãe começa a aperceber-se dos movimentos do feto por volta das 16/17
semanas após a fertilização. Há pessoas que defendem que é aqui que o feto comeca a ter o
direito à vida porque é precisamente na altura em que a mãe sente o feto “a dar pontapés” que se
cria uma empatia especial entre ela e o feto. Este também é um mau argumento. O facto de um
ser ter ou não o direito à vida não pode estar dependente de termos ou não empatia para com ele
(ou ela). Se não podemos dizer que o feto começa a ter o direito à vida quando começa a mexer-
se, então também não podemos dizer que começa a ter o direito à vida quando a mãe se
apercebe, pela primeira vez, desse movimento.
Viabilidade
Diz-se que um feto se torna viável quando pode sobreviver fora da barriga da mãe (ainda que com
recurso a cuidados médicos), o que acontecerá algures entre as 20 e as 23 semanas. Argumenta-se
por vezes que a viabilidade do feto marca a altura em que o feto adquire o direito à vida, dado que
a partir desta altura o feto já não necessita da mãe. Este critério sofre de um problema óbvio: a
altura da viabilidade do feto é determinada pelo estado da tecnologia existente. Isso torna
arbitrária a adopção do critério da viabilidade. No futuro, a viabilidade pode passar a ser mais cedo
— mas isso não significa que o feto adquira o direito à vida mais cedo.
Pedro Madeira
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