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Catalogação elaborada na Fonte.

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável:

Rosiane Maria - CRB-14/1588

U588p Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de


Saúde Pública. Curso de Atenção Integral à Saúde das Mulheres – Modalidade a Distância.
Políticas de atenção à saúde das mulheres [Recurso eletrônico] / Universidade Federal de
Santa Catarina. Clair Castilhos Coelho... [et al]. (Organizadoras). – 2. ed. – Florianópolis:
UFSC, 2019.
68 p. : il. color.
Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br
Conteúdo do módulo: Unidade 1 – O Sistema Único de Saúde e a atenção à saúde das
mulheres. – Unidade 2 – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM.
– Unidade 3 – Estratégias de implementação da PNAISM.
ISBN: 978-85-8267-155-9
1. Saúde da mulher. 2. Política de saúde. 3. Atenção integral a saúde da mulher. I. UFSC.
II. Coelho, Clair Castilhos. III. Faust, Sabrina Blasius. IV. Nickel, Daniela Alba. V. Oliveira,
Caroline Schweitzer. VI. Título.

CDU: 364.2
Créditos

GOVERNO FEDERAL
Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção Primária em Saúde
Departamento de Ações Programáticas Estratégicas
Coordenação Geral de Ciclos de Vida
Coordenação de Saúde das Mulheres

Universidade Federal de Santa Catarina


Reitor: Ubaldo Cesar Balthazar
Vice-Reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann
Pró-Reitora de Pós-Graduação: Cristiane Derani
Pró-Reitor de Pesquisa: Sebastião Roberto Soares
Pró-Reitor de Extensão: Rogério Cid Bastos

Centro de Ciências da Saúde


Diretor: Celso Spada
Vice-Diretor: Fabrício de Souza Neves

Departamento de Saúde Pública


Chefe do Departamento: Fabrício Augusto Menegon
Subchefe do Departamento: Lúcio José Botelho
Coordenadora do
Curso de Capacitação: Elza Berger Salema Coelho

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Créditos

EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE


Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres

Gestora geral do Projeto


Elza Berger Salema Coelho

Equipe de produção editorial


Carolina Carvalho Bolsoni
Deise Warmling
Elza Berger Salema Coelho

Equipe executiva
Dalvan Antonio de Campos
Gisélida Vieira
Patrícia Castro
Sheila Rubia Lindner

Consultoria técnica
Carmem Regina Delziovo

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Créditos

AUTORIA DO MÓDULO
Caroline Schweitzer de Oliveira
Clair Castilhos Coelho
Daniela Alba Nickel
Sabrina Blasius Faust

Assessoria pedagógica
Márcia Regina Luz

Identidade visual e Projeto gráfico


Pedro Paulo Delpino

Diagramação, Ajustes
e finalização
Adriano Schmidt Reibnitz

Esquemáticos
Naiane Cristina Salvi

Design instrucional, revisão de


língua portuguesa e ABNT
Eduard Marquardt

Fonte para imagens e esquemáticos


Fotolia

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Políticas de atenção à
saúde das mulheres

Caro aluno, seja bem-vindo ao módulo taremos a Política Nacional de Atenção Integral
“Políticas de atenção à saúde das mulheres”. à Saúde da Mulher (PNAISM) instituída em 2004,
que é um instrumento de apoio aos estados e
Ao compreender a saúde como um direito de municípios na implementação de ações de saú-
todo cidadão, devemos atuar junto aos ser- de das mulheres que respeitem os seus direitos
viços da área a fim de garantir uma atenção e as suas singularidades, dentre elas sua situa-
de qualidade, dentro dos princípios e diretri- ção social e econômica (BRASIL, 2013a).
zes do Sistema Único de Saúde (SUS). Para
isso, é preciso repensar as práticas com Na sequência, serão elucidadas estratégias
base na lógica da humanização, considerar de acolhimento da população feminina nos
a dinamicidade dos processos de cuidado e serviços da área da saúde, e em seus diver-
a participação ativa dos sujeitos – aqui, as sos contextos sociais, considerando a ampla
mulheres –, além de promover diálogos en- gama de necessidades destas, que vão além
tre usuários e profissionais, a fim de cons- das questões reprodutivas, abrangendo tam-
truir projetos coletivos. bém as desigualdades sociais como determi-
nantes no processo de produção das patolo-
Acreditamos que o comprometimento com a gias, queixas e mal-estares (BRASIL, 2013a).
saúde integral das mulheres seja compromis-
so de todos, mas principalmente dos profis- Para que isso ocorra, os profissionais têm pa-
sionais de saúde. Por isso, o planejamento e a pel fundamental, proporcionando uma escuta
intervenção devem ser realizados diariamente, qualificada, propondo práticas de saúde jun-
considerando todos os aspectos envolvidos. to à sua equipe, considerando as necessida-
des de saúde das mulheres do seu território e
Neste contexto, convidamos você, profissional realizando os encaminhamentos necessários,
da saúde, a aprofundar seus conhecimentos, de forma articulada com a rede.
revisitando os direitos humanos, os princípios
e diretrizes do SUS e da Política Nacional da Vamos juntos enfrentar este desafio e aprofun-
Atenção Básica (PNAB). Em seguida, apresen- dar nossos conhecimentos sobre o tema!

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Políticas de atenção à
saúde das mulheres

Este módulo busca refletir sobre as potencia- Objetivos de aprendizagem para este
lidades da Política Nacional de Atenção Inte- módulo
gral à Saúde da Mulher (PNAISM), os avanços,
a qualificação e humanização da atenção à Ao final deste módulo espera-se que o alu-
saúde da mulher e os desafios que precisam no seja capaz de compreender as políticas
ser enfrentados na Atenção Primária à Saú- de saúde das mulheres no cenário brasileiro,
de para ampliação do acesso aos serviços de conhecer as questões históricas, políticas e
promoção, prevenção, assistência e recupe- sociais envolvidas na construção e imple-
ração da saúde. mentação da PNAISM, (dentro dos princípios
e diretrizes que ordenam o Sistema Único de
Saúde – SUS) reconhecendo-a no campo da
garantia de direitos (sexuais, reprodutivos e
direitos humanos) legalmente constituídos
para ampliação do acesso e qualidade da
atenção à saúde.

Carga horária de estudo recomendada


para este módulo

30 horas

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Políticas de atenção à
saúde das mulheres

Unidade 1 – UN1

O Sistema Único de Saúde e a atenção à saúde das mulheres 13

1.1 Direitos humanos e cidadania 15


1.2 O desenvolvimento de políticas de saúde para as mulheres 20

Unidade 2 – UN2

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM 27

2.1 Da saúde materno-infantil à atenção integral à saúde das mulheres 29


2.2 O desafio da integralidade na PNAISM 36

Unidade 3 – UN3

Estratégias de implementação da PNAISM 41


3.1 Acesso e acolhimento das mulheres nos serviços de saúde 43
3.2 Educação em saúde na garantia de direitos 49
3.3 Estratégias de atenção à saúde das mulheres para os profissionais de saúde 51
3.4 Experiências exitosas 57

Resumo do módulo 61
Referências 63
Sobre as autoras 67

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UN1
O Sistema Único de Saúde e a
atenção à saúde das mulheres

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UN1 O Sistema Único de Saúde Políticas de atenção à
e a atenção à saúde saúde das mulheres
das mulheres

Vamos agora iniciar nossos estudos sobre


o tema desta unidade, conhecendo melhor Você pode acessar o texto integral da
Declaração Universal dos Direitos Hu-
os contextos e as iniciativas que levaram à manos no link: <https://nacoesunidas.
implementação do Sistema Único de Saú- org/direitoshumanos/declaracao/>.
de (SUS) e sua interface com a saúde das
mulheres.
A declaração Universal dos Direitos Huma-
1.1 Direitos humanos e cidadania nos é, até hoje, um ideal a ser atingido por
todos os povos e nações do mundo. Após a
Para iniciar nossa discussão sobre a saúde Segunda Guerra (1939-1945), o mundo vi-
das mulheres, vamos recordar uma luta im- via as consequências desse conflito militar,
portante da sociedade em busca de direitos. a morte de milhões de pessoas, a mutila-
ção física e psicológica de civis e militares,
A garantia da saúde faz parte de um rol de di- a pobreza e a destruição de cidades intei-
reitos que estão reunidos em um documento ras e de sua população. Foi neste contex-
chamado Declaração Universal dos Direitos to de busca pela justiça e reconstrução de
Humanos, publicado pela primeira vez no ano um mundo igualitário que esta Declaração
de 1948, após a Assembleia Geral das Nações foi escrita e divulgada pela Organização
Unidas. Direitos Humanos são os direitos bá- das Nações Unidas (ONU). Mas é impor-
sicos de todos os seres humanos, que “nas- tante deixar claro que a declaração por si
cem livres e iguais em dignidade e direitos” e só não implica na sua concretização pelos
“têm capacidade para gozar os direitos e as governantes. No entanto, o texto serviu de
liberdades estabelecidos nesta Declaração, base para dois tratados realizados no ano
sem distinção de qualquer espécie, seja de de 1966: o Pacto Internacional dos Direitos
raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião polí- Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos
tica ou de outra natureza, origem nacional ou Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição” (ONU, 1948).

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UN1 O Sistema Único de Saúde Políticas de atenção à
e a atenção à saúde saúde das mulheres
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Os direitos humanos foram criados a partir da Figura 1 – Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos
história da sociedade, por isso Bobbio afirma
que eles são direitos históricos, ou seja, nas-
cidos em determinadas circunstâncias e de
forma gradual, em “momentos de lutas em
defesa de liberdades contra velhos poderes”.
Parece óbvio que todos os seres humanos
tenham direitos fundamentais que os prote-
jam de abusos de poder ou de situações pre-
cárias que comprometam a sua vida. Porém,
os direitos humanos “não nasceram todos de
uma vez e nem de uma vez por todas”; eles fo-
ram gradativamente colocados na pauta das
organizações internacionais, como a ONU, e
dos governantes, a partir de reivindicações
da sociedade (“o povo”).

O pensador italiano e filósofo político


Norberto Bobbio (1909-2004) foi um
estudioso do tema dos direitos huma-
nos. Em seu livro “A era dos direitos”,
Bobbio afirma que “a democracia, a
paz e os direitos humanos são três
momentos necessários do mesmo Dentre os direitos humanos, podemos dis- Os valores de liberdade estão relacionados
movimento histórico: sem direitos do
homem reconhecidos e protegidos, não tinguir três tipos, cada um relacionado a um aos direitos civis e políticos; são as liberda-
há democracia; sem democracia, não dos valores – liberdade, igualdade de opor- des individuais, como o direito à vida, ao livre
existem as condições mínimas para a tunidades e fraternidade (MATTAR; DINIZ, pensamento e livre expressão, à liberdade reli-
solução pacífica dos conflitos” (BOBBIO,
2004, p. 7). 2012). Confira, a seguir, alguns exemplos. giosa e de crença, ou à igualdade perante a lei.

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e a atenção à saúde saúde das mulheres
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Os direitos econômicos, sociais e culturais Os direitos ainda são cronologicamente orga- as instituições que detêm o poder para governar
estão relacionados com o valor da igualdade. nizados em gerações, primeira e segunda, que e tomar decisões legitimadas pelos cidadãos
É aqui que o direito à saúde se encontra, junto indicam o amadurecimento da sociedade or- – e a sociedade – conjunto de indivíduos dota-
com o direito à educação, ao trabalho, à mo- ganizada, que demanda a proteção contra ma- dos de cidadania que tem poder para legitimar a
radia, à previdência social, dentre outros rela- lefícios ou a obtenção de benefícios (BOBBIO, autoridade política do Estado.
cionados com as oportunidades que um indi- 2004). Os primeiros, chamados de direitos de
víduo tem de desfrutar sua vida em segurança primeira geração, estão vinculados às liber- A soberania de um Estado advém dos cidadãos
e com dignidade. dades individuais, portanto relacionados a um que têm igualdade perante a lei. A política e a
não-agir do Estado. Os direitos de segunda ge- economia também estão separadas nos esta-
ração são aqueles determinados para assegurar dos capitalistas e constituem um paradoxo, por-
FRATERNIDADE a igualdade de oportunidades e de acesso aos que o conceito de cidadania remete à igualdade
serviços que o Estado apresenta ao seu povo; de direitos e deveres, enquanto o sistema eco-
são, portanto, os direitos sociais, como direito à nômico vigente para os cidadãos se fundamen-
DIREITOS saúde e educação. ta na desigualdade econômica e diferenciação
LIBERDADE
HUMANOS entre classes sociais e posse de propriedades
Ressalta-se que a discussão sobre cidadania (FLEURY; OUVERNEY, 2012).
e direitos humanos data do século XVIII, bem
antes da Declaração dos Direitos Humanos, Segundo Marshall (1976), o direito de cidadania
IGUALDADE
de 1948. Um dos pontos destas discussões é composto por três elementos responsáveis
é a questão “O que transforma um indivíduo pela sua garantia. Acompanhe no esquemático
em um cidadão?”. da próxima página.:
Os direitos relacionados com o valor da frater-
Thomas Humphrey Marshall (1893-
nidade são denominados direitos coletivos ou Vimos que a cidadania surgiu com a criação
1981) foi um cientista social inglês que
difusos, e incluem o direito ambiental, ou seja, dos estados nacionais capitalistas, quando a formulou os elementos da cidadania a
uma população deve ter assegurado o direito população conquistou o poder de legitimar a partir da observação da história da so-
ciedade da Inglaterra. Seu livro “Cida-
de viver em um meio CIB ambiente saudável – por autoridade política a partir de processos de-
dania, classe social e status”, publica-
exemplo, com baixos índices de poluição atmos- mocráticos, como o voto. A sociedade capita- do em 1967, é considerado um clássico
férica; o direito à paz; os direitos do consumidor. lista baseia-se na separação entre Estado – da Sociologia.
CIR

CIT
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direitos tal qual a população masculina, e no


mesmo período histórico.
O elemento civil, composto por
DIREITOS E direitos à liberdade individual e A conquista dos direitos das mulheres ocor-
CIDADANIA à justiça; reu tardiamente às discussões dos direitos
dos cidadãos e dos direitos humanos. Por
exemplo, a entrada da mulher no mercado
de trabalho foi o momento primário das lu-
tas pela igualdade de direitos entre homens
e mulheres, e isso ocorreu somente em me-
ados do século XIX, nos países desenvolvi-
O elemento político, que correspon- O elemento social, que se refere dos, e, no Brasil, apenas no século XX. A luta
de ao direito de participar de deci- ao direito de participar da vida em das sufragistas no Brasil começou em me-
sões políticas como um membro de sociedade com o mínimo bem- ados do século XIX – inclusive, na Consti-
um organismo com poder político estar econômico e social, de tuinte de 1891 foi apresentada uma emenda,
ou como um eleitor dos membros acordo com os padrões vigentes
desse organismo político; naquele período. que garantiria o direito ao voto às mulheres,
que foi rejeitada.

Foi a partir da luta feminista que as discus-


sões para a proteção de grupos sociais es-
Marshall afirma ainda que os elementos são no mesmo momento, pois eles nascem em pecíficos ou temas emergentes passaram a
causais, ou seja, o elemento político surge movimentos pela defesa de liberdades. Nos ganhar espaço nas convenções e organiza-
após assegurado o elemento civil, e o elemen- países desenvolvidos, como os países euro- ções internacionais. A primeira convenção
to social surge após a participação política peus, o direito civil foi conquistado no sé- com temática específica foi a Convenção
ativa dos cidadãos (MARSHALL, 1976). culo XVIII; o direito político se desenvolveu sobre a Eliminação de Todas as Formas de
no século XIX e o direito social foi conquis- Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW),
Os diferentes grupos sociais não alcançam tado no século XX. Porém, destaca-se que seu documento final foi adotado pela ONU
os seus direitos civis, políticos e sociais a população feminina não alcançou os seus em 1979 como guia de parâmetros mínimos

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e a atenção à saúde saúde das mulheres
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das ações estatais na promoção dos direi- Figura 2 – As escolhas fazem parte dos direitos das mulheres livre sexualidade e a identidade de gênero,
tos das mulheres e na repressão às suas neste século XXI.
violações. Este documento finalmente apre-
sentava no cenário internacional o entendi- Identidade de gênero se refere à expe-
riência de uma pessoa com o seu pró-
mento de que as mulheres são sujeitos de prio gênero. É um conceito que reflete a
direito, cabendo ao Estado respeitar, prote- construção social e histórica do mascu-
ger e implementar seus direitos, eliminando lino e feminino. Enquanto os sexos fe-
minino e masculino estão ligados à bio-
a discriminação (MATTAR; DINIZ, 2012). logia e são determinados pelos órgãos
genitais ou cromossomos, o gênero é
construído por meio da autopercepção,
O feminismo é um movimento social e ou seja, a forma como a pessoa se ex-
político que visa assegurar a igualdade pressa socialmente. Indivíduos trans
de direitos entre os cidadãos, indepen- possuem uma identidade de gênero que
dentemente de seu sexo e gênero. O Por outro lado, uma grande conquista das mu- é diferente do sexo que lhes foi desig-
feminismo não é o contrário de machis- nado no momento de seu nascimento.
mo; o movimento feminista luta contra lheres foi o respeito aos direitos reprodutivos A identidade de gênero é diferente de
o machismo, contra todas as formas de como parte integrante dos Direitos Humanos. orientação sexual — pessoas trans po-
opressão das mulheres na sociedade, Os direitos reprodutivos marcam o protago- dem ter qualquer orientação sexual,
e tem abrangência mundial. Algumas incluindo heterossexual, homossexual,
conquistas do movimento feminista nismo da mulher nas decisões sobre sua se- bissexual e assexual (ONU, 2017)
são: o direito da mulher ao voto, a redu- xualidade e a concepção, porque a reprodução
ção das diferenças salariais por motivo e as práticas sexuais são desvinculadas, sen- Os direitos políticos das mulheres brasileiras
de sexo e gênero, direitos reprodutivos,
legislações específicas para combate do a mulher um sujeito das discussões sobre também são recentes. A primeira eleição de
à violência familiar e contra a mulher a demografia e constituição das famílias, não nível federal com o voto feminino foi realiza-
(FARAH, 2004). mais um objeto. Para as autoras Mattar e Di- da em 1932. Atualmente, questiona-se a re-
niz (2012), trabalhar com direitos reprodutivos presentatividade da mulher na cena política
Os ganhos dos direitos civis das mulheres fo- significa que a abordagem sobre o assunto de mundial: ainda são poucas as mulheres que
ram incrementais, ou seja, ocorreram ao longo sexualidade e reprodução foi ampliada. ocupam cargos de importância política es-
de um período. Alguns permanecem até hoje tratégica nos países, e são poucas aquelas
em franco debate, como, por exemplo, o direito Portanto, a luta pela igualdade de direitos das candidatas a postos dos poderes executivo
de decidir pela interrupção da gravidez. mulheres contribuiu para o debate sobre a e legislativo, se compararmos aos homens.

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e a atenção à saúde saúde das mulheres
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Os direitos igualmente estão em processo Ainda, a mobilização do movimento feminista levou à Por que as Políticas Públicas com re-
de mudança, e podem ser analisados a partir instituição de Políticas Públicas e Programas, como o corte de gênero são importantes para a
das Políticas Públicas voltadas às mulheres, Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher nossa sociedade? Você conhece alguma
política de saúde voltada para as mu-
chamados de Políticas Públicas com recorte (PAISM), datado de 1983. lheres no seu município?
de gênero (BOBBIO, 2004).
Figura 3 – O feminismo teve importante papel na con-
É importante lembrarmos que com o Códi- quista dos direitos das mulheres 1.2 O desenvolvimento de políticas
go Eleitoral Provisório (decreto no 21076, de saúde para as mulheres
de 1932) só poderiam votar as mulhe-
res casadas sob autorização dos maridos, No Brasil, a Constituição Brasileira de 1988
além de algumas solteiras e viúvas com é conhecida como “Constituição Cidadã”
renda própria. A Constituinte de 1946 rea- porque assegura além dos direitos de pri-
firma o código eleitoral e elimina essas meira geração (individuais de liberdade),
restrições. os direitos de segunda geração, ao povo
brasileiro. O Artigo 6o descreve quais são os
Vejamos algumas instituições públicas cria- direitos sociais previstos constitucional-
das na década de 1980 com recorte de gênero mente: a educação, a saúde, a alimentação,
para atender a demanda por direitos sociais, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
alavancada pelo movimento pela democracia a segurança, a previdência social, a prote-
e movimento feminista: Destacamos a importância da discussão so- ção à maternidade e à infância, a assistência
bre os direitos de cidadania para grupos so- aos desamparados.
ÎÎ o Conselho Estadual da Condição Femini- ciais a partir das suas singularidades (FARAH,
na, nos estados de São Paulo e Minas Gerais, 2004). É necessário, na sociedade, um olhar Os Artigos 196 até o 200 são dedicados exclu-
em 1983; direcionado para a população a fim de reduzir sivamente à saúde, sendo os mais emblemá-
ÎÎ a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da as desigualdades entre os indivíduos, atuan- ticos os dois que tratam do direito universal à
Mulher, em 1985, no Estado de São Paulo; do nos segmentos socialmente vulneráveis, saúde e dos deveres do Estado para prover a
ÎÎ o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, como no caso das mulheres. atenção à saúde da população. Veja a seguir:
órgão do Ministério da Justiça, em 1985.

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como saúde, educação, previdência social ÎÎ a assistência às pessoas por intermédio de


Art. 196 – A saúde é direito de todos e habitação. ações de promoção, proteção e recuperação da
e dever do Estado, garantido median-
saúde, com a realização integrada das ações as-
te políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e O SUS foi criado pela Constituição brasi- sistenciais e das atividades preventivas.
de outros agravos e ao acesso univer- leira de 1988, porém o texto constitucional
sal e igualitário às ações e serviços não define aspectos de operacionalização Vamos destacar alguns destes princípios e
para sua promoção, proteção e recu-
do sistema de saúde. Por isso, em 1990 foi diretrizes do SUS para compreender a traje-
peração.
publicada a Lei Orgânica da Saúde, compos- tória da mulher na rede de atenção do SUS.
Art. 197 – São de relevância pública
ta pelas leis no 8.080/90 e 8.142/90. No ano Acompanhe.
as ações e serviços de saúde, cabendo
ao Poder Público dispor, nos termos da de 2011, foi publicado o Decreto no 7.508/11,
lei, sobre sua regulamentação, fiscali- que regulamenta a Lei no 8.080/90 e traz Quanto ao acesso, ele deve ser universal.
zação e controle, devendo sua execu- mais detalhamentos da organização e ope- Isso significa que todo cidadão nascido no
ção ser feita diretamente ou através de racionalização do sistema de saúde brasilei- Brasil, residente no país ou de passagem,
terceiros e, também, por pessoa física
ro, e dispõe sobre o planejamento, a assis- tem direito de utilizar o sistema de saúde.
ou jurídica de direito privado (BRASIL,
1988). tência à saúde e a articulação interfederativa. A integralidade de atenção é o conjunto de
ações e serviços de saúde que deverão ser
Os objetivos do sistema de saúde brasileiro são: disponibilizados ao indivíduo ou ao coletivo
O texto constitucional é a lei maior de uma para resolver determinado agravo ou doen-
nação e deve ser seguido pelos cidadãos e ÎÎ a identificação e divulgação dos fatores condi- ça, de forma preventiva ou curativa – ou seja,
pelos governantes. A inclusão dos direitos cionantes e determinantes da saúde; integralidade é prover ao usuário do SUS os
sociais como um dever do Estado na nos- ÎÎ a formulação de política de saúde destinada a pro- serviços e ações de saúde capazes de ga-
sa Constituição em 1988 foi um avanço mover, nos campos econômico e social, a redução rantir a promoção, proteção e recuperação de
para a sociedade da época, que sobreviveu de riscos de doenças e de outros agravos, e o esta- sua saúde.
aos anos de ditadura militar sem garan- belecimento de condições que assegurem acesso
tias de liberdades individuais e sem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para Para alcançar os objetivos, o SUS deve seguir
igualitário aos serviços de proteção social, a sua promoção, proteção e recuperação; princípios e diretrizes. Vejamos a seguir:

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Princípios do SUS Importante! Um sistema de saúde


integral deve dispor de unidades de
Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. prestação de serviços, equipamentos
necessários à produção de ações de
Integralidade de assistência. saúde, profissionais capacitados e re-
cursos necessários para desenvolver
Equidade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
desde ações de vigilância ambiental,
espécie. sanitária e epidemiológica dirigidas
ao controle de riscos e danos, até
ações de assistência e recuperação
Diretrizes do SUS de indivíduos enfermos, sejam volta-
das à detecção precoce de doenças
Divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua ou ao diagnóstico, tratamento e rea-
utilização pelo usuário. bilitação.

Integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e


saneamento básico.
Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da Na sua organização, as ações e serviços de
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de saúde disponibilizados no SUS seguem uma
serviços de assistência à saúde da população. lógica descentralizada, regionalizada e hie-
rarquizada em níveis de complexidade cres-
Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.
cente. A descentralização ocorre na gestão
Organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios dos serviços e no provimento das ações,
para fins idênticos. sendo responsáveis os municípios, na figura
Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação do gestor municipal de saúde, os estados da
de recursos e a orientação programática. federação, na figura do gestor estadual de
Descentralização, com direção única em cada esfera de governo. saúde, e a União, na figura do gestor federal
de saúde. A regionalização e hierarquiza-
Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde.
ção segundo níveis de complexidade con-
Participação da comunidade. formam o que chamamos de Rede de Aten-
ção à Saúde (RAS). Toda RAS deve ter um

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território ou uma região predefinida para diretrizes para este nível de atenção, o qual
Governança é a tradução da palavra
atuar sobre as necessidades de saúde, com atende até 80% das demandas da população em inglês Governance, que significa a
vistas a atenção integral. (GIOVANELLA, et al. 2012). capacidade de governar. A capacidade
de governar é avaliada pelos resulta-
dos das políticas governamentais e
A Rede de Atenção à Saúde (RAS) é funda- O segundo nível de atenção é chamado de pela forma pela qual o governo exerce
mental para garantir acesso universal aos Média Complexidade ou Atenção Secundá- o seu poder, por exemplo, o governo
serviços e ações de saúde, de acordo com ria. É composto por ambulatórios especia- poderá tomar decisões de forma par-
ticipativa ou em formato autoritário
suas necessidades com foco no favoreci- lizados, médicos especialistas, laboratórios (DINIZ, 1996).
mento da atenção integral. A partir do ter- de análises clínicas e citopatológicas, Cen-
ritório e das necessidades de atenção à tro de Especialidades Odontológicas (CEO),
saúde da população, os serviços devem ser Figura 4: A Rede de Atenção à Saúde é composta por
Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) e
diferentes níveis de atenção.
organizados para atender os indivíduos nos demais serviços de apoio de diagnóstico
três níveis de atenção, ou níveis de comple- e tratamento.
xidade. É importante destacar que a Rede
de atenção se efetiva em relação, articula- O terceiro nível de atenção, ou Alta Com-
ção, comunicação entre os níveis de aten- plexidade, refere-se às unidades hos-
ção e não somente com acesso aos níveis pitalares de internação, as unidades de
isoladamente. terapia intensiva, sistema de transplan-
tes de órgãos e hospitais especializados
O primeiro nível de atenção é a Atenção Pri- (neurologia, oncologia, cirurgia cardíaca,
mária em Saúde (APS). No Brasil, a Estraté- entre outros).
gia de Saúde da Família (ESF) é prioritária
para a organização da APS, por meio das Para organizar esses níveis de atenção, os
equipes de Saúde da Família (EqSF). A Po- gestores da saúde dispõem de mecanismos
lítica Nacional de Atenção Básica (PNAB), administrativos e jurídicos, e espaços de di-
publicada pela Portaria GM/MS nº 2436 visão da governança: as Comissões Interges-
de 21 de setembro de 2017, apresenta as toras (CIB, CIT, CIR) e os Conselhos de Saúde.

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FRATERNIDADE
e a atenção à saúde saúde das mulheres
das mulheres

DIREITOS
Vejamos as funções de cada um deles: (GIO- LIBERDADE
ÎÎ Conselhos de Saúde: órgão colegiado, de natu- O controle social é exercido principalmen-
VANELLA, et al. 2012) HUMANOS
reza permanente e deliberativa. Sua composi- te pelos conselhos, que são permanentes
ção é formada por representantes do governo, e deliberativos, e pelas conferências, que
ÎÎ Comissão Intergestores Tripartite (CIT): instân- dos usuários, dos profissionais de saúde e dos são indicadoras de políticas e propostas
cia de articulação e pactuação na esfera federal prestadores de serviços. Tem o objetivo de pla- de diretrizes.
que atua na direção nacional do SUS, integra- nejar, avaliar e fiscalizar a gestão da saúde, nas
IGUALDADE
da por gestores das três esferas de governo – três esferas de governo (municipal, estadual e O conselho de saúde é uma forma de imple-
União, estados, DF e municípios. Nesse espaço, nacional). Os conselhos de saúde são as ins- mentar a diretriz da participação da comuni-
as decisões são tomadas por consenso e não por tâncias onde se pratica o controle social por dade no sistema de saúde. As conferências de
votação. A CIT está vinculada à direção nacional meio de representações dos segmentos organi- saúde, que ocorrem a cada quatro anos, igual-
do SUS e participa e legitima a produção norma- zados da sociedade. mente constituem espaços para o livre deba-
tiva estratégica. te de questões emergentes na saúde pública
ÎÎ Comissões Intergestores Bipartite (CIB): espa- referente à população feminina. Outros forma-
ços estaduais de articulação e pactuação política tos são: conselhos comunitários, organiza-
que objetivam orientar, regulamentar e avaliar os ções não-governamentais (ONGs), movimen-
aspectos operacionais do processo de descen- tos sociais de mulheres negras, movimento
tralização das ações de saúde. São constituídas, CIB feminista, e projetos inclusivos para contribuir
paritariamente, por representantes do governo na redução da desigualdade entre gêneros.
estadual e dos secretários municipais de saúde.
Os problemas da gestão estadual e municipal,
Importante! As equipes de saúde de-
quando levados à CIB, têm a oportunidade de se- CIR
vem conhecer, participar e discutir no seu
rem abordados na perspectiva da rede de atenção processo de trabalho sobre os movimen-
a partir de pactuações. CIT tos sociais do território onde atuam.

ÎÎ Comissão Intergestores Regional (CIR): espaços


de articulação e pactuação política que objeti- Os movimentos sociais podem ser instrumen-
vam orientar, regulamentar e avaliar os aspectos tos para garantir a equidade em uma sociedade.
operacionais das ações de saúde no âmbito das A equidade é um atributo essencial na prática
regiões de saúde. dos serviços de saúde, e deve ser estabelecida

 24 
UN1 O Sistema Único de Saúde Políticas de atenção à
e a atenção à saúde saúde das mulheres
das mulheres

em critérios epidemiológicos, demográficos, pública na área da saúde. Após a formulação, Na linha do tempo a seguir você pode veri-
socioeconômicos e culturais (incluindo o gêne- as políticas públicas se desdobrarão em pla- ficar o desenvolvimento de algumas polí-
ro). Equidade significa priorizar o atendimento nos, programas e projetos que normatizam a ticas que envolvem a saúde das mulheres
aos indivíduos em situações agravadas ou sob atuação dos serviços de saúde. no Brasil.
vulnerabilidade, a fim de estabelecer igualdade
de oportunidades de acesso e cuidado integral
entre os grupos sociais.
Figura 5 – Linha do tempo com algumas políticas de saúde para as mulheres no Brasil
Nas práticas de saúde, é importante compre-
2011
ender que o Estado formula políticas públicas
2000 Política Nacional de 2011
para implementar as ações constitucional-
Saúde Integral de
mente asseguradas. As políticas públicas são Emenda 2007 Lésbicas, Gays, Rede Cegonha 2013
Constitucional
regras criadas pela autoridade governamental e 1988 Bissexuais, Travestis
no 29 Pacto Nacional e Transexuais 2012 Plano Nacional
expressam a intenção de influenciar, alterar ou pelo Enfrentamento de Políticas para
Cosntituição
regular o comportamento individual ou coletivo, Federal
da Violência Lei Complementar as Mulheres
contra a no 141 (2013-2015)
ou seja, um conjunto específico de ações ou a SUS 2005 Mulher
soma das atividades dos governos que influen- 2015
Política Nacional
ciarão a vida dos cidadãos (SOUZA, 2006). de Direitos Sexuais 2011
1932 1990 e Direitos Emenda
Reprodutivos Política Nacional Constitucional
A política pública traduz a orientação políti- Direito de Atenção Básica 2011 no 86
Lei Orgânica
ca do Estado e influi diretamente na realidade Político de Saúde 2010
Decreto
social, econômica e ambiental dos cidadãos. Rede de no 7.508
1986
Atenção à
2004 Saúde no SUS 2014
A Política Nacional de Atenção Integral à Conferência Nacional
Saúde da Mulher é um exemplo de política de Saúde e Direitos
Política Nacional de Política Nacional de Atenção
1983 da Mulher
Atenção Integral à às Mulheres em Situação de Privação
Saúde da Mulher e Egressas do Sistema Prisional
Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher

 25 
UN1 O Sistema Único de Saúde Políticas de atenção à
e a atenção à saúde saúde das mulheres
das mulheres

Os desafios para a qualidade da atenção à e serviços de promoção, prevenção, assis-


saúde da mulher são intersetoriais, ou seja, tência e recuperação da saúde.
a saúde deve ser articulada com os demais
setores para superar determinantes so- Continue os estudos!
ciais, econômicos e culturais que apontam
situações de risco à saúde e à integridade
da mulher.

Como seu município estrutura as ações


intersetoriais? Pense em exemplos de
ações conjuntas da saúde com os se-
tores de justiça, trabalho, serviço social,
agricultura e movimentos sociais para
qualificar as ações de atenção às mu-
lheres.

Na próxima unidade iremos discutir um pou-


co mais sobre a conquista e organização
da Política de Atenção Integral à Saúde da
Mulher na sociedade brasileira, datada de
2004. Desde então, novas diretrizes, normas
e legislações foram criadas ou atualizadas
para irem ao encontro do objetivo de pro-
mover a melhoria das condições de vida e
saúde das mulheres por meio da garantia de
direitos e da ampliação do acesso aos meios

 26 
UN2
Política Nacional de Atenção Integral
à Saúde da Mulher – PNAISM
 28 
UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

2.1 Da saúde materno-infantil à Esses programas eram vigorosamente cri-


atenção integral à saúde das ticados pelo movimento feminista brasi-
mulheres leiro, em razão da perspectiva reducionis-
ta com que tratavam a mulher, que tinha
As políticas de atenção à saúde das mu- acesso a alguns cuidados de saúde no ciclo
lheres foram formuladas a partir de amplas gravídico-puerperal, ficando sem assistên-
e complexas discussões, e trouxeram contri- cia na maior parte de sua vida. Com forte
buições para o processo de transformação atuação no campo da saúde, o movimen-
no paradigma da saúde da mulher. Como este to de mulheres contribuiu para introduzir
processo é dinâmico e acompanha as trans- na agenda política nacional questões até
formações da sociedade, traz consigo um então relegadas ao segundo plano, por se-
avanço singular na busca da saúde da mulher rem consideradas restritas ao espaço e às
(FREITAS et al., 2009). relações privadas.

No Brasil, a saúde da mulher foi incorpo- Naquele momento, tratava-se de revelar as


rada às políticas nacionais de saúde nas desigualdades nas condições de vida e nas
primeiras décadas do século XX, sendo li- relações entre os homens e as mulheres,
mitada, nesse período, às demandas rela- os problemas associados à sexualidade e
tivas à gravidez e ao parto. Os programas à reprodução, as dificuldades relacionadas
materno-infantis, elaborados nas décadas à anticoncepção e à prevenção de doenças
de 1930, 1950 e 1970, traduziam uma vi- sexualmente transmissíveis e a sobrecarga
são restrita sobre a mulher, baseada em de trabalho das mulheres, responsáveis pe-
sua especificidade biológica e no seu pa- las tarefas domésticas e de criação dos fi-
pel social de mãe e doméstica, responsável lhos, ou seja: ações de saúde dirigidas para
pela criação, pela educação e pelo cuidado o atendimento global das necessidades das
com a saúde dos filhos e demais familiares mulheres (ÁVILA; BANDLER, 1991).
(BRASIL, 2004a).

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Figura 6 – Respeito aos diferentes pensamentos ações que lhes proporcionassem a melhoria no movimento de mulheres e por representar,
das condições de saúde em todos os ciclos no conjunto das suas concepções, um subs-
de vida. Essas mulheres exigiram ações que tancial avanço em relação à proposta anterior
contemplassem as particularidades dos di- (Programa Materno-Infantil).
ferentes grupos populacionais, e as condi-
ções sociais, econômicas, culturais e afeti- O novo programa para a saúde da mulher
vas em que estivessem inseridos. incluía ações educativas, preventivas, de
diagnóstico, tratamento e recuperação, en-
globando a assistência, em todas as fases
Importante! Em 1984, o Ministério da vida, na clínica ginecológica, no pré-na-
da Saúde elaborou o Programa de As- tal, parto e puerpério, no climatério, em pla-
sistência Integral à Saúde da Mulher nejamento familiar, Doenças Sexualmente
(PAISM). Trata-se de um documento
histórico, que incorporou o ideário fe- Transmissíveis (DST), câncer de colo de úte-
minista para a atenção à saúde integral, ro e de mama, além de outras necessidades
inclusive responsabilizando o Estado identificadas a partir do perfil populacional
brasileiro com os aspectos da saúde re-
produtiva. das mulheres (BRASIL, 1984).

A partir de 1986, o Ministério da Saúde come-


çou a distribuir às Secretarias Estaduais de
Desta forma, as ações prioritárias foram defi- Saúde documentos técnicos com o objetivo
nidas a partir das necessidades da população de nortear as chamadas “ações básicas de
feminina, o que significou uma ruptura com o assistência integral à saúde da mulher”, en-
modelo de atenção materno-infantil até então globando o planejamento familiar, o pré-natal
Desta forma, as mulheres organizadas rei- desenvolvido (BRASIL, 2013c). de baixo risco, prevenção de câncer cérvico-
vindicaram sua condição de sujeitos de di- -uterino e de mamas, as DST, a assistência
reito, com necessidades que extrapolam o Este novo Programa passou a ser prioridade ao parto e puerpério (BRASIL, 2013).
momento da gestação e parto, demandando do Ministério da Saúde, com amplo respaldo

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Figura 7 – Um longo processo marca as conquistas de Concomitantemente, ocorria o processo de resolutivos de assistência à saúde, por meio
assistência à saúde das mulheres redemocratização, bem como a aprovação da organização dos territórios estaduais
da Constituição Federal de 1988 que, entre (BRASIL, 2004).
outros avanços, criou o Sistema Único de
Saúde com alicerce nos princípios da uni- Na década após 1988, o nível federal de ad-
versalidade do acesso, integralidade e equi- ministração apresentou dificuldades e des-
dade nas ações de saúde e participação so- continuidade no processo de assessoria e
cial e autonomia dos sujeitos (VIOLA, 2009). apoio para implementação do PAISM. Nes-
te período é possível observar as primeiras
Assim sendo, o processo de construção do mudanças na atenção, quando a saúde das
SUS tem grande influência sobre a imple- mulheres passa a ser considerada uma prio-
mentação do PAISM, que apresenta especi- ridade de governo.
ficidades no período de 1984 a 89 e na dé-
cada de 90, sendo influenciado, a partir da O balanço institucional das ações realiza-
Em 1987, a criação do Sistema Unificado proposição do SUS, pelas características das de 1998 a 2002, elaborado por Correa e
e Descentralizado de Saúde (SUDS) repre- da nova política de saúde, pelo processo Piola (2003), indica que nesse período traba-
sentou um passo decisivo no processo de de municipalização e principalmente pela lhou‑se sob a perspectiva de resolução de
descentralização e de redefinição de papéis reorganização da Atenção Primária à Saúde problemas, priorizando-se a saúde reprodu-
e atribuições entre os níveis federal, esta- (APS), por meio da estratégia do Programa tiva e, em particular, as ações para redução
dual e municipal. Estas medidas ampliaram Saúde da Família (BRASIL, 2011). da mortalidade materna (pré-natal, assis-
o campo de atuação e o volume de recursos tência ao parto e anticoncepção). Segundo
financeiros das instituições, habituadas a Na área da saúde das mulheres, ficou esta- os autores, embora se tenha mantido como
trabalhar com escassez de recursos e vol- belecido para os municípios a garantia das imagem-objetivo a atenção integral à saúde
tadas exclusivamente ao campo da Saúde ações básicas mínimas de pré-natal e puer- da mulher, essa definição de prioridades di-
Pública. O resultado deste investimento, por pério, planejamento familiar e prevenção do ficultou a atuação sobre outras áreas estra-
fim, foi a ampliação da rede de Unidades Bá- câncer de colo uterino. Para garantir o aces- tégicas, do ponto de vista da agenda ampla
sicas de Saúde nos estados e municípios so às ações de maior complexidade, previu- de saúde da mulher (CORREA, PIOLA, 2003;
(BRASIL, 2013). ‑se a conformação de sistemas funcionais e BRASIL, 2004).

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Figura 8 – O debate em torno das transversalidades de borado em conjunto com diversos atores so- com foco na família; as concepções mais atuali-
gênero
ciais (BRASIL, 2004a; 2004b). zadas das práticas de atenção, fundamentadas
na Medicina Baseada em Evidências e em uma
Já em 2011, a Presidência da República propôs abordagem humanizada, que considera as mu-
e o Ministério da Saúde formulou e implantou lheres como sujeitos partícipes da atenção.
uma rede de cuidados com vistas a qualificar a
atenção obstétrica e neonatal no país, denomi- Figura 9 – Meta: qualificar a atenção obstétrica e neonatal
nado de “Rede Cegonha”. Esse programa veio
ao encontro da perspectiva de qualificação da
atenção, reconhecendo como problemas prio-
ritários a serem enfrentados os da mortalida-
de materna e na infância (até os dois anos de
idade). O tema foi “Não morrer de uma morte
evitável é uma questão ética e de Direitos Hu-
Essa perspectiva de atuação também com- manos, e configura-se como o grande desafio
prometeu a transversalidade de gênero e raça, contemporâneo a ser enfrentado”.
apesar de se perceber um avanço no sentido
da integralidade e uma ruptura com as ações Assim sendo, a Rede Cegonha aloca importante Os avanços embutidos na proposta da Rede
verticalizadas do passado, uma vez que os parcela dos recursos na priorização da atenção Cegonha dizem respeito à gestão do cuidado,
problemas não foram tratados de forma isola- ao período reprodutivo, visando qualificar a aten- incorporando os dispositivos da Política Na-
da, havendo a incorporação de um tema novo, ção ao planejamento reprodutivo, à gestação, a cional de Humanização, como o acolhimento
a violência sexual (CORREA; PIOLA, 2003). partos e nascimento, ao pós-parto e aos primei- e classificação de risco, bem como o projeto
ros dois anos de vida, privilegiando a saúde das terapêutico singular, traduzido no plano de ex-
Em 2004, quando esse programa tomou a for- mulheres e o atendimento integral à criança a pectativas para o parto, a ser implantado onde
ma de Política Nacional de Atenção Integral à partir de seu nascimento. Nela são incorpora- seja possível. Além do mais, prevê o trabalho
Saúde da Mulher (PNAISM), a definição das das: a passagem da compreensão biomédica, em equipe multiprofissional de forma trans-
prioridades baseou-se em um diagnóstico da com foco no corpo das mulheres e da criança, disciplinar e complementar; aprimoramento do
situação de saúde das mulheres no Brasil, ela- para a abordagem humanizada, interdisciplinar, processo de trabalho, com adoção de atenção

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

humanizada e práticas com base em evidên- A limitação na implementação das ações para
cias científicas, dentre outros fatores. o âmbito municipal é resultante das dificulda-
Pré-Natal
des para consolidação do SUS, e das lacunas
Além da gestão do cuidado, a proposta da Parto e que ainda existem na atenção à saúde da po-
Rede Cegonha visa estruturar a gestão do sis- Nascimento pulação. Desta forma, a atuação neste âmbito
tema, com a organização da rede de atenção ainda não abrange todo o conjunto de ações
à saúde materna e infantil em níveis de assis- previstas nos documentos que norteiam a
tência regionalizados e hieraquizados, com Política Nacional de Atenção Integral à Saú-
garantia de vaga a partir do início do pré-natal, de da Mulher, que passa a contemplar, a partir
diversidade de pontos de atenção, efetividade REDE CEGONHA
de 2003, também a atenção a segmentos da
da regulação e ordenamento do sistema. população feminina ainda invisibilizados e a
problemas emergentes que afetam a saúde da
Portanto, a Rede Cegonha representa um avan- mulher (BRASIL, 2004b).
ço no sentido de proteção integral ao processo Puerpério e
Figura 10 – As políticas públicas são importantes na vida
atenção integral
de gestação-parto-nascimento-puerpério e iní- à saúde da de todo cidadão
criança
cio da vida, tanto em termos da gestão do cui-
Sistema
dado, como da gestão do sistema, fazendo parte
logístico
de uma política nacional ampliada de atenção
integral à saúde das mulheres e das crianças. Transporte
Regulação
sanitário
Como uma das principais inovações, salien-
ta-se a ampliação de pontos de atenção, com
previsão de implantação de Centros de Parto
Normal e Casas de Gestante, Bebê e Puérpera das ações, e embora não se tenha um pano-
(RATTNER, 2014). rama abrangente da situação em todos os
municípios, pode-se afirmar que a maioria
No entanto, estudos realizados para avaliar enfrenta ainda dificuldades políticas, técnicas
os estágios de implementação do PNAISM e administrativas.
demonstram as dificuldades na implantação

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Desta forma, são apontadas lacunas na atenção Ressaltam-se alguns desafios na implementação da PNAISM:
à saúde das mulheres que envolvem a atenção
ao climatério e menopausa, queixas ginecológi-
cas, infertilidade e reprodução assistida, saúde Desafios na implementação da PNAISM
das mulheres na adolescência, doenças crô-
nico-degenerativas, saúde ocupacional, saúde
mental, doenças infecto-contagiosas e a inclu-
são da perspectiva de gênero e raça nas ações a Ampliar os serviços de saúde para o Produzir e garantir acesso à informação em
atendimento de procedimentos relacionados saúde, dando visibilidade às desigualdades
serem desenvolvidas.
à violência sexual e ao aborto legal, de gênero, raça e etnia existentes.
superando as questões morais e religiosas.
Há ainda desafios na atenção à saúde das Fortalecer as ações de planejamento
mulheres que vivem em situação de vulnera- Ampliar o acesso universal aos serviços de reprodutivo na AB, com ênfase aos métodos
bilidade, como a classe social ou as questões saúde considerando os grupos sociais e suas não hormonais como o Dispositivo
especificidades, mulheres, adolescentes e Intrauterino (DIU).
raciais ou étnicas, como, por exemplo, mulhe- jovens, LGBTT, pessoas com deficiência e que
res pobres, negras e indígenas. vivem em condições de vulnerabilidade social. Reduzir a mortalidade materna para padrões
aceitos internacionalmente.
Você e sua equipe devem observar que as Ampliar acesso da população a serviços de
saúde sexual, incluindo ações de prevenção, Promover a autonomia econômica das
mulheres são as principais usuárias do SUS,
diagnóstico e tratamento das IST/ Aids. mulheres.
vivem mais que os homens, mas adoecem
com mais frequência. Ampliar a participação dos homens nos
eventos relacionados à saúde da mulher e Fortalecer a educação para a igualdade e
da criança. cidadania.
No entanto, destaca-se que garantir acesso e
qualidade na atenção à saúde das mulheres Ampliar a participação dos homens na Revelar os problemas associados à sobrecarga
implica no acesso aos recursos materiais e ins- redução da desigualdade de gênero e de trabalho das mulheres que possuem dupla
titucionais disponíveis, bem como atendimen- combate às fobias de gênero. ou tripla jornada.
to, considerando o bem-estar das mulheres Humanizar o parto, reduzindo os Manter ou ampliar o financiamento da saúde
para além do ser biológico. Sabe-se, pois, que procedimentos desnecessários e iatrogenias. por meio da legislação vigente.
os padrões hegemônicos de masculinidades e

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

feminilidade são produtores de sofrimento, ado- Figura 11 – A violência doméstica é um dos principais
problemas a serem enfrentados Acesse a cartilha sobre a Lei Maria
ecimento e morte nas sociedades. da Penha: <https://www.marinha.mil.
br/com6dn/sites/www.marinha.mil.
br.com6dn/files/cartilhaBrasileira%20
Iatrogenia é um agravo, efeito ou com- Lei%20Maria%20da%20Penha.pdf>.
plicação consequente de um tratamento
médico.

A desigualdade de gênero é visível na Destaca-se ainda que a rede de atenção à mu-


maioria das sociedades, refletindo-se lher no sistema de saúde deve prever atendi-
nas leis, políticas públicas e práticas
mento aos diferentes grupos sociais e as es-
sociais. Esta desigualdade tende a apro-
fundar outras desigualdades sociais e a pecificidades da população feminina. Mulheres
discriminação de classe, idade, orienta- indígenas, mulheres do campo e da floresta,
ção sexual, etnia, deficiência ou religião.
mulheres negras – são grupos sociais que
Fobia de gênero – lesbofobia, homofo- Nestes casos, os profissionais de saúde podem apresentam maior vulnerabilidade social e de
bia ou transfobia – é uma discriminação orientar, esclarecer dúvidas, fortalecer a ideia saúde, principalmente pelo preconceito cultural
quanto à prática sexual ou relações afe-
tivas homossexuais. É baseada na cul- de equidade de gênero e ainda a participação e de raça e etnia que sofrem diariamente.
tura de ódio e de violência, e muitas ve- das mulheres na comunidade. Ressalta-se
zes expõe os indivíduos homossexuais que a atenção às mulheres e adolescentes em As mulheres lésbicas, bissexuais e transgê-
a julgamentos morais e religiosos.
situação de violência tem caráter intersetorial, neros apresentam necessidades de saúde e
e que avanços para a erradicação, prevenção e abordagens específicas, e por isso os serviços
Como exemplo de situações que geram sofri- punição de atos violentos contra as mulheres de saúde precisam adequar-se a elas e prover
mento psíquico e físico originadas nos padrões foram conquistados no Brasil, como a Lei Ma- um atendimento de qualidade para reduzir os
de gênero cita-se a violência doméstica e fa- ria da Penha (Lei no 11.340/2006). A criação riscos e agravos à saúde dessa população.
miliar, que envolve o papel principal no exer- de legislação específica apresenta o Estado
cício da parentalidade, e a cobrança da socie- de olhos abertos para a violência doméstica A mulher transgênero é o indivíduo que
dade para o cumprimento dos papéis privados e familiar contra a mulher. Antes vedada ao reivindica o reconhecimento como mu-
e públicos do feminino. Portanto, em diversos mundo privado das vítimas, agora a violência lher. Homossexual (gays ou lésbicas) é
o indivíduo que sente atração sexual por
momentos o sistema de saúde pode ser uma doméstica é tipificada como uma das formas indivíduos do mesmo sexo, sem ques-
estratégica para a libertação das mulheres. de violação dos direitos humanos. tionar sua identidade de gênero feminino

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

ou masculino. Assim, ser transgênero Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde em dos diversos movimentos sociais. Na ocasião, a
não significa ser homossexual, pois são 2004, a partir da necessidade, deste ministério, proposta foi apresentada e debatida no Conselho
dois aspectos distintos da vivência do de contar com diretrizes técnico-políticas para Nacional de Saúde, com o objetivo de ser reco-
corpo e da sexualidade de um indivíduo.
Para a pessoa transgênero, é importan- a atenção à saúde das mulheres no país. Para nhecida como uma política de Estado e assim
te o uso do nome pelo qual se identifica, compreender a formação e proposta da PNAISM assimilada pelas instâncias de decisão do SUS
chamado “nome social” (ONU, 2017). precisamos saber que ela é fruto da parceria entre (BRASIL, 2013a).
algumas áreas e departamentos do Ministério da
A saúde das mulheres segundo o ciclo de vida Saúde, além da Secretaria Especial de Políticas A elaboração da PNAISM teve fundamento a
é uma segunda abordagem possível para a or- para as Mulheres e segmentos do movimento de partir de questões importantes, acompanhe
ganização dos serviços em rede de complexi- mulheres, buscando assimilar as reivindicações no esquemático abaixo:
dade crescente. A Atenção Primária à Saúde
pode ofertar ações de promoção da saúde,
que poderão incluir ações de educação em CONSIDERAÇÕES PARA ELABORAÇÃO DA PNAISM
saúde, visando ao fortalecimento da cidada-
Conceituar as ações de saúde da mulher como política e não mais como programa, por entender
nia, ações de prevenção dos principais agra-
que, conceitualmente, o termo política é mais abrangente que o termo programa, para ressaltar a
vos femininos, tais como doenças crônicas resposta governamental a determinados problemas de saúde de certos grupos específicos,
vinculadas ao estilo de vida, infecções sexual- neste caso as mulheres.
mente transmissíveis, doenças metabólicas
e endócrinas e agravos por causas externas. Definir fontes de recursos e responsabilidades nos Introduzir nas políticas a
Ainda, ações de assistência para tratamento, diversos níveis do sistema, de acordo com as diretrizes transversalidade de gênero, o recorte
recuperação e reabilitação. do SUS e os instrumentos de gestão adotados pelo racial-étnico e as especificidades
Ministério da Saúde. das mulheres que fazem sexo com
mulheres (BRASIL, 2013a).
2.2 O desafio da integralidade na
PNAISM Introduzir e visibilizar novas “necessidades” de saúde Introduzir ações para segmentos da
das mulheres, até então ausentes das políticas públicas. população feminina, todavia sem
visibilidade social.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
da Mulher foi elaborada pela Área Técnica de

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UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Na análise preliminar à formulação dessa brasileiras (garantia de direitos e ampliação Devido a este norteamento, a PNAISM está
Política foram considerados os dados ob- do acesso aos meios e serviços de saúde); a associada à atenção integral das mulheres,
tidos por estudos e pesquisas promovidos redução da morbidade e mortalidade feminina tendo como foco ações educativas, pre-
pela Área Técnica de Saúde da Mulher para no Brasil, especialmente por causas evitáveis ventivas, de recuperação e de promoção da
avaliar as linhas de ação desenvolvidas. Des- (em todos os ciclos de vida e nos diversos saúde que englobam clínica ginecológica no
taque para o Balanço das Ações de Saúde da grupos populacionais) e a ampliação, quali- pré-natal, parto, puerpério, climatério, além
Mulher 1998-2002, o Estudo da Mortalidade ficação e humanização da atenção integral à de orientações sobre saúde sexual e saúde
de Mulheres em Idade Fértil, a Avaliação do saúde da mulher no Sistema Único de Saúde reprodutiva, Infecções Sexualmente Trans-
Programa de Humanização do Pré-natal e (BRASIL, 2009a). missíveis (ISTs), câncer de colo de útero e de
Nascimento, a Avaliação dos Centros de Par- mama, presentes já no Programa de Atenção
to Normal e a Avaliação da Estratégia de Dis- Figura 12 – Atenção à saúde das mulheres Integral à Saúde da Mulher (PAISM), e incluindo
tribuição de Métodos contraceptivos. demandas de saúde das mulheres, conforme
lacunas e necessidades identificadas (PAZ;
Em seguida a área técnica de saúde da mu- SALVARO, 2011).
lher do MS incorporou as contribuições do
movimento de mulheres: negras e de traba- Sendo assim, a PNAISM visa as mulheres em
lhadoras rurais, sociedades científicas, pes- todos os ciclos de vida, de acordo com sua
quisadores e estudiosos da área, organiza- faixa etária e grupo populacional. Além disso,
ções não governamentais, gestores do SUS também promover a melhoria da qualidade de
e agências de cooperação internacional. vida e saúde das mulheres mediante a garan-
Por fim, submeteu a referida política à Co- tia e ampliação do acesso aos meios e ser-
missão Intersetorial da Mulher, do Conselho viços de promoção, prevenção, assistência e
Nacional de Saúde. recuperação da saúde; reduzindo a morbidade
e mortalidade feminina no Brasil. A PNAISM
A PNAISM tem como premissa o direito à visa ampliar, qualificar e humanizar a atenção
saúde e o respeito às diretrizes do SUS. Entre Nesse sentido, a PNAISM está embasada nos integral à saúde das mulheres no Sistema Úni-
seus objetivos estão a promoção da melhoria princípios e diretrizes do Sistema Único de Saú- co de Saúde, rompendo com o enfoque biolo-
das condições de vida e saúde das mulheres de, a integralidade, universalidade e equidade. gicista e medicalizador dos serviços de saúde.

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Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

Todavia, persistem dificuldades na garantia É importante relembrar que desde o fim da periências positivas em países que fornecem
da integralidade da assistência na atenção década de 1970 o modelo de saúde vigente autonomia às enfermeiras no cenário do par-
à saúde das mulheres em áreas específicas, no Brasil começou a receber diversas críticas to normal, seguindo as recomendações da
como, por exemplo, climatério, infertilidade, dos movimentos de mulheres e de outros se- Organização Mundial de Saúde (SILVA; NAS-
saúde mental e saúde ocupacional. tores da sociedade, a partir do entendimento CIMENTO; COELHO, 2015).
do impacto das relações de gênero na saúde
Ressalta-se que a PNAISM apresenta-se de das mulheres. Atualmente, questiona-se o Figura 13 – Os enfoques de raça, etnia e gênero são con-
quistas importantes dos debates da área da saúde
forma inovadora ao propor contemplar aspec- modelo de assistência, meramente obstétri-
tos relacionados à promoção e humanização ca, e ainda predominante, caracterizado pela
da saúde, a fim de minimizar as iniquidades institucionalização do parto centrado em
existentes na saúde das mulheres. Em seus atos médicos e no uso rotineiro de práticas
princípios e diretrizes, a PNAISM busca es- intervencionistas desnecessárias (BRASIL,
tabelecer áreas prioritárias, enfatizando, com 2009b). A qualidade do cuidado às mulheres
isso, mulheres indígenas, lésbicas e privadas durante o parto passa a se constituir como
de liberdade. Mas, ainda assim, o próprio sis- um dos principais focos de debates, culmi-
tema de saúde enfrenta dificuldades em aten- nando com a realização da Conferência sobre
der às mulheres em tais especificidades. Tecnologia Apropriada para o Parto (SILVA;
NASCIMENTO; COELHO, 2015).
Importante! Para avançar nas ações A valorização das mulheres como ser huma-
de saúde, é necessário sensibilizar as Diante disso, as conquistas das mulheres por no e cidadã é imprescindível, e, por isso, pre-
mulheres para ampliar o controle social direitos na sociedade ainda merecem aten- cisa receber investimento diferenciado em
no que tange à implantação e avaliação
dessas políticas. ção, pois a população feminina ainda reluta relação às ações de saúde planejadas a par-
Vale ressaltar que a efetivação desta por alguns espaços. Destaca-se, no contexto tir da promoção da saúde, de acordo com os
política depende igualmente dos gesto- de conquistas, a criação de Centros de Parto princípios e diretrizes da PNAISM (FREITAS
res e dos profissionais de saúde que li-
dam diretamente com o público femini- Normal (CPN) como alternativa para a efeti- et al., 2009).
no, abrindo canais para o debate e para vação desse novo modelo de atenção obsté-
a efetiva comunicação e informação que trica. O Ministério da Saúde, para estimular Nesta política, dentro da proposta de in-
chega neste público-alvo.
a criação desses centros, baseou-se em ex- tegralidade, o enfoque de gênero, de raça

 38 
UN2 Política Nacional de Políticas de atenção à
Atenção Integral à Saúde saúde das mulheres
da Mulher – PNAISM

e etnia e a promoção da saúde preenche an- Na próxima unidade vamos discutir


tigas lacunas ao introduzir as ações de aten- as possibilidades e o planejamento neces-
ção ao climatério, as queixas ginecológicas, sário para propor estratégias que atinjam
a reprodução humana assistida, atenção ao e supram todas as lacunas existentes no
abortamento inseguro e segmentos da po- seu território para a Atenção Integral à Saúde
pulação feminina, historicamente excluídos das Mulheres
das políticas públicas, em suas especifici-
dades e necessidades, tais como: mulheres
em privação de liberdade, mulheres negras,
índias, lésbicas e bissexuais, trabalhadoras
rurais, com deficiência.

Ainda, contempla o apoio à participação do


movimento de mulheres no processo de ela-
boração, execução e avaliação da Política
de Atenção Integral à Saúde da Mulher pelo
reconhecimento de sua contribuição técnica
e política no campo dos direitos e da saúde
das mulheres (RATTNER, 2014).

Você e sua equipe têm discutido sobre


as ações ofertadas para a população
femininas? Quais lacunas estão sendo
supridas?

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UN3
Estratégias de implementação
da PNAISM
 42 
UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

Nas unidades 1 e 2 deste módulo, pode- Precisamos discutir os direitos e o contexto


mos perceber que a PNAISM é fruto de im- das mulheres que estão no território. Traba-
portantes conquistas de mulheres ao longo lhadoras, mães, lésbicas, as desigualdades de
de muitos anos. gênero existentes, as mulheres privadas de li-
berdade, prostitutas e tantas outras mulheres
Você sabia que a partir desta política e da – são várias características específicas dentro
luta de muitas feministas, a população mas- do mesmo segmento (as mulheres) que preci-
culina também teve importantes conquistas? sam ser respeitadas em sua especificidade.
O direito à licença paternidade, por exemplo,
foi uma conquista a partir da necessidade de Acesso, acolhimento, as estratégias para um
repouso da mãe. atendimento integral e o processo de cuidado
a partir da educação em saúde, além da orga-
Nesta unidade vamos discutir alguns desafios nização da rede para a população feminina é o
e estratégias da atenção integral à saúde das que vamos discutir nesta unidade.
mulheres no cotidiano de trabalho da Aten-
ção Primária. Além do acesso, acolhimento, Vamos lá?
o processo de cuidado a partir da educação
em saúde e a rede de atenção para a popula- 3.1 O acesso e o acolhimento das
ção feminina. mulheres nos serviços de saúde

A Atenção Primária, como porta de entra- A mulher vem transformando a socieda-


da preferencial da população feminina, tem de. Houve mudança e ampliação no am-
sua consolidação a partir de ações e es- biente de trabalho, que hoje não é somen-
tratégias de acesso, mas principalmente te uma casa. Encontramos as mulheres
do acolhimento da população como aspec- no trânsito como motoristas, nas institui-
tos chave para o fortalecimento do víncu- ções bancárias, em obras e construções,
lo entre esta população e os profissionais onde antigamente eram locais meramente
de saúde da APS. masculinos. Encontramos mulheres com

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

os filhos para levar ou buscar na escola e e por estas conquistas os serviços de saúde estratégias de atenção, de forma a garantir
preocupadas com o tempo para estes, para precisam adequar o processo de trabalho de o acesso e compreensão das informações,
a casa, para o trabalho. E ainda encontra- forma a contribuir e garantir o seu acesso e a rede de assistência e ainda buscar outras
mos mulheres sem filhos e com opção de direito à saúde. mulheres que não estão procurando a Unida-
não tê-los. de de Saúde. É necessário que a instituição
Importante! Nos seus atendimentos, de saúde adapte-se ao perfil das mulheres de
Figura 14 – O contexto social das mulheres é decisivo você já pode ter percebido que o cuidado cada território.
à ampliação e efetivação das estratégias de saúde com a saúde das mulheres é prioridade
em vários momentos, considerando:
 Atenção sobre métodos e cuidados A atenção integral é um objetivo para estru-
contraceptivos. turar o Sistema Único de Saúde (SUS) e está
 Realização de exames de prevenção
do câncer cérvico-uterino. centrada numa reorientação da prática dos
 Gestante com atenção no pré-natal, serviços de saúde. O princípio da integrali-
com políticas de prevenção da morta- dade fortalece a conduta do SUS, pois ações
lidade materna.
 Puerpério, incentivo da amamentação.
organizadas a partir deste pressuposto e do
 Planejamento reprodutivo. acolhimento fortalecem a resolubilidade das
 Prevenção do câncer de mama e de necessidades dos usuários.
doenças crônicas.

A noção de integralidade está relacio-


Desta forma, estamos garantindo sua saúde
nada ao acesso aos serviços de saúde,
nos diversos ciclos de vida, correto? ou seja, a qualidade que buscamos nos
serviços de saúde deve ter como eixo o
acesso adequado e oportuno às ações
Destacam-se estes pontos porque o con- No geral e em teoria, sim. Mas não podemos
e serviços que tenham potência de res-
texto social das mulheres é muito importan- desconsiderar que em comparação a maioria ponder às necessidades de saúde das
te para ampliar e efetivar as estratégias de dos homens, as mulheres reservam parte do pessoas (BRASIL, 2010).
atenção à saúde desta. seu tempo para o cuidado à saúde e a busca
por uma melhor qualidade de vida. Porém, além
As conquistas das mulheres na sociedade da qualidade das ações, precisamos buscar Como um dos fundamentos da Atenção Pri-
foram muitas ao longo dos últimos anos, aprimorar o acolhimento destas mulheres, as mária à saúde, a integralidade é destacada na

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), É importante que a equipe organize a aten- Essa estruturação, denominada ação programá-
sendo definida como: ção a partir do diagnóstico do território, das tica em saúde, tem como proposta a organização
necessidades de saúde e do perfil da po- do trabalho, pois suas ações são baseadas em
ÎÎ Integração de ações programáticas e da demanda pulação. Nestas organizações é possível a ações terapêuticas individuais e ações de saúde
espontânea. criação de vínculo entre equipe e usuárias. coletiva (CARVALHO; DOMINGOS; LEITE, 2015).
ÎÎ Articulação das ações de promoção, prevenção,
Você e sua equipe de saúde já discutiram
vigilância à saúde, tratamento e reabilitação. A Política Nacional de Atenção Integral à Saú-
sobre potencialidades e ações que podem
ÎÎ Trabalho interdisciplinar e em equipe. ser propostas à população, a partir da es- de da Mulher (PNAISM), para um atendimento
ÎÎ Coordenação do cuidado na rede de atenção. trutura organizacional de que dispõem? de qualidade e humanizado, estabelece que os
profissionais e gestores devem levar em conta
Neste aspecto, a integralidade pode ser po- Para planejar as ações de saúde, é funda- os seguintes elementos:
tencializada na facilitação e organização do mental que os profissionais da equipe, além
acesso das usuárias aos serviços de saú- de conhecer a população usuária de seu ÎÎ Acesso da população às ações e aos serviços de
de. Na Atenção Primária, o SUS apresenta- território, identifiquem os grupos prioritá- saúde nos três níveis de assistência.
-se como modo organizacional a Estratégia rios e de risco, mesmo que já existam ações ÎÎ Definição da estrutura e organização da rede
Saúde da Família (ESF) que propõe a reo- e programas estruturados. assistencial, incluindo o sistema de referência e
rientação do modelo de atenção à saúde, contra-referência que possibilitem a continuida-
construindo relações de vínculos entre os Figura 15 – A organização do serviço de saúde é um de das ações, a resolutividade dos problemas e
potencial para a integralidade
serviços e a comunidade. Desta forma, a ESF uma rede integrada.
potencializa o acesso, pois amplia o atendi- ÎÎ Captação precoce e busca ativa das usuárias.
mento, oferece estratégias de cuidado por ÎÎ Disponibilidade de recursos tecnológicos.
diversos profissionais, propõe ações que in- ÎÎ Capacitação técnica dos profissionais de saú-
terfiram nos ambiente de lazer, de trabalho e de e funcionários dos serviços envolvidos nas
em casa, e organiza estratégias de cuidados ações de saúde para uso da tecnologia adequa-
para além do espaço físico das unidades de da, acolhimento humanizado e práticas educati-
saúde. vas voltadas à usuária e à comunidade.
ÎÎ Disponibilidade de insumos, equipamentos e
materiais educativos.

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

ÎÎ Acolhimento nos níveis da assistência, com clube de mães etc. Para que se contemple o
Importante! No Brasil, a saúde das mu-
orientação de problemas e possíveis soluções, lheres faz parte da pauta da saúde pú- atendimento integral na saúde, é importante
assegurando à mulher a participação nos pro- blica. Porém, é necessário um cuidado trabalhar em equipe multiprofissional.
cessos de decisão em todos os momentos do para que as ações não se restrinjam aos
atendimentos de exames preventivos,
atendimento e tratamentos necessários. cuidados no pré-natal e amamentação, Para impulsionar a discussão com
ÎÎ Disponibilidade de informações e orientação so- gerando somente uma atenção mater- sua equipe de saúde sobre a efetiva-
bre a promoção da saúde, os meios de prevenção na. As equipes de saúde precisam dis- ção das RAS é importante conhecer a
cutir a incorporação da abordagem de portaria 4279/2010. Disponível em:
e tratamento dos agravos associados. gênero, bem como a atuação da equipe <http://conselho.saude.gov.br/ulti-
ÎÎ Estabelecimento de mecanismos de avalia- a partir das singularidades das mulhe-
mas_noticias/2011/img/07_jan_porta-
ção continuada das ações propostas e desen- res que fazem parte da população, que
ria4279_301210.pdf>.
podem ser empresárias, professoras,
volvidas, dos serviços de saúde, do desem- agricultoras, índias, domésticas, prosti-
penho dos profissionais, com participação da tutas, comerciantes entre outros perfis.
mulher-usuário. A Atenção Primária como acesso principal
ÎÎ Análise de indicadores que permitam aos gesto- para as usuárias do SUS, e a implementa-
res monitorar o andamento das ações, o impacto A complexidade de casos e necessidade em ção deste modelo de atenção – voltado para
sobre os problemas tratados e a redefinição de saúde das usuárias do SUS pode desenca- responder as necessidades de saúde destas
estratégias necessárias. dear-se por vários determinantes sociais que como diferentes mulheres que constituem
influenciam não somente a saúde das mulhe- uma população – requer uma organização ágil
Esses elementos podem ajudar na organiza- res, mas toda a família e cuidadores envolvi- e eficiente de diferentes elementos que devem
ção da assistência às mulheres na Atenção dos. Vista dessa forma, a intervenção pode compor uma rede articulada de cuidados, de
Primária. E para uma efetiva relação com a ser mobilizada e realizada com profissionais modo a dar conta de um conjunto extenso e
usuária e o alcance da integralidade, o profis- da ESF ou dos outros níveis da Rede de Aten- variado de sujeitos e demandas (VILLELA et
sional deve valorizar aspectos psicoafetivos, ção à Saúde (RAS), tais como serviços de psi- al., 2009).
de modo que estratégias de atenção sejam cologia e outros setores, como assistência
complementadas por outras que assegurem social. Certas ações precisam ser realizadas Neste contexto, mesmo com as várias pro-
a resolubilidade e a qualidade do atendimento considerando-se ainda a rede social da comu- postas de ações de saúde, com foco nas
efetuado por toda a rede de saúde. nidade, como os profissionais da delegacia da mulheres, cada município tem o com-
mulher, movimento de mulheres agricultoras, promisso de organizar seus serviços e

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

atividades oferecidos à sua população de Figura 16 – Fatores a serem enfrentados na atenção à saúde das mulheres
acordo com as necessidades identifica- RELATIVOS À MULHER
das e prioridades definidas localmente. A A exposição do corpo e de suas dúvidas para o profissional de saúde pode ser des-
partir deste diagnóstico de necessidades e Vergonha ou cons- confortável para algumas mulheres. Em especial, pelo enfoque nas ações sexuais e
potencialidades, é possível propor ações e trangimento preventivas, por exemplo, para falar sobre seu corpo e realizar o exame citopatológico
do colo uterino.
estratégias que atendam as necessidades
As diversas fontes de informação – TV, redes sociais, revistas, sites de busca – são
de saúde. Buscam informa-
acessíveis a muitas mulheres que, por vezes, buscam a solução do seu problema. Os
ções em outros
motivos podem ser os mais diversos: o tempo até o acesso a um profissional de saúde,
meios
Por isso, você está convidado a reconhe- custo de medicamentos, entre outros.
cer na sua área de abrangência os desafios Não se sentem parte O preconceito e a exclusão vivenciado na sociedade por grupos de mulheres vulnerá-
que a serem considerados na organização daquele sistema de veis, como índias, em situação de rua, lésbicas, deficientes, pode ser um desafio para
do processo de trabalho, com a finalida- saúde efetivar o acesso destas aos serviços.
de de garantir o acesso e o acolhimento as A organização da vida familiar, o compromisso com o horário de trabalho, o cuidado com
Responsabilidades e
mulheres. Entre estes desafios podem haver: filhos, idosos, doentes, que são na maioria das vezes responsabilidades assumidas pela
compromissos
maioria das mulheres, acaba, por vezes, tornando-se prioridade sobre sua saúde.

ÎÎ Desigualdades das relações de gênero e de RELATIVOS AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE


trabalho. Acontece quando há o julgamento da causa de uma doença ou que um ato realizado
Julgamento e culpa-
ÎÎ Grandes distâncias entre a residência ou traba- pela mulher seja a consequência de outra doença ou efeito maléfico. Por exemplo, uma
bilização
gravidez indesejada, o aborto, o diabetes, a mastite durante a amamentação.
lho e os serviços de saúde.
Quando o profissional não transmite confiança para a usuária, com palavras que ela
ÎÎ Maior precariedade dos serviços locais e pouca Falta de empatia
não compreende.
sensibilização e organização da rede de saú-
Disponibilidade do Considera-se o tempo para conversar e propor alternativas de tratamentos à usuária
de para lidar com a especificidade dos agravos
profissional com informações e direcionamentos que podem resolver o seu problema.
decorrentes do trabalho nestes locais.
RELATIVOS AOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Horário de atendi- O período de atendimento dos serviços de saúde coincide com o horário de trabalho
Ainda, para assegurar cuidado integral e hu-
mento das mulheres.
manizado as mulheres, são apresentados no
Os procedimentos para agendamento e encaminhamento a referências especializadas
esquemático ao lado, alguns fatores consi- Sistema de agenda-
em geral são lentos, necessitam a presença para agendamento, tornando-se um obs-
mento
derados desafios igualmente importantes táculo no acesso.

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

a serem enfrentados pelos profissionais da que sofrem violência sexual e psicológi- e conhecimento da situação de saúde (diagnósti-
Atenção Primária. Estes desafios encon- ca. Esta abordagem deve estar no planeja- co) do local onde está sediado o serviço.
tram‑se divididos em três dimensões princi- mento anual de saúde e não somente em ÎÎ A postura profissional precisa contemplar a es-
pais: relativos às mulheres, relativos aos pro- um mês específico. cuta e o compromisso em dar respostas às ne-
fissionais da equipe de saúde e relativos à es- cessidades de saúde trazidas pelas usuárias.
trutura e organização dos serviços de saúde. É importante desmistificar o conceito de pre- Além disso, o diálogo faz parte de uma relação
venção associado à realização de procedi- de cuidado e não deve ser utilizado apenas para
Ressalta-se que as ofertas em saúde na APS mentos médicos, deslocando-se o enfoque a passagem de informações, mas como um ato
estão direcionadas ao público que procura da saúde centrado nos exames preventivos e de cuidar (SILVA; NASCIMENTO; COELHO, 2015).
com mais frequência a unidade de aten- direcionando-o para um contexto mais amplo
ção, tal como crianças, gestantes e idosos. de cuidado em saúde. Assim, as ações pro- Figura 17 – A escuta qualificada faz parte do atendimen-
to às necessidades de saúde.
Neste contexto, devemos ampliar as ações postas devem visar uma importante reflexão
e estratégias de cuidado. ética, envolvendo a prevenção do consumo
excessivo de exames.
Ainda, as ações propostas às mulheres de-
vem ir além da abordagem na anatomia do Desta forma, colocar em ação o acolhimen-
aparelho reprodutor feminino, fisiologia do to necessário para ampliar o acesso e me-
ciclo menstrual, realização de forma siste- lhorar a qualidade do atendimento requer do
mática do exame de preventivo do câncer profissional uma nova atitude de fazer em
de colo uterino, métodos contraceptivos saúde. Confira as dicas para o processo de
disponíveis na UBS e o uso correto do pre- trabalho:
servativo masculino e feminino. Precisamos
discutir também ações do SUS para as mu- ÎÎ Cada usuária deve fazer parte e ser protagonista
lheres que querem engravidar e não conse- no seu processo de produção de saúde. O ambiente e as opções de abordagem são
guem, as mulheres que não sentem prazer ÎÎ A reorganização do serviço de saúde é uma ação ad- diversos, tais como consultas individuais,
nas relações sexuais com seus parceiros, ministrativa e deve ser realizada mediante um pla- grupos de prevenção e promoção, educação
as mulheres trabalhadoras, as mulheres nejamento baseado em aspectos epidemiológicos em saúde no trabalho, nas escolas, visitas

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

domiciliares. Independente da situação e es- 3.2 Educação em saúde, na garantia 43,6% da população. A pequena proporção
paço, nestas situações é fundamental que o de direitos de mulheres vivendo na zona rural, em re-
atendimento tenha uma base teórico-meto- lação ao todo populacional brasileiro, pode
dológica por parte do profissional, explicada Como profissionais da saúde, você e sua equi- explicar a invisibilidade destas mulheres nas
em cada caso. pe podem observar os diversos contextos de estatísticas oficiais (IBGE, 2014; MARQUES,
estrutura social do seu território. Percebem, por SILVA, 2018).
Isso significa que você pode aprimorar sua exemplo, as diferenças entre o cuidado oferta-
metodologia de trabalho com a pesquisa e do às mulheres do meio rural e do meio urbano? Considerando as distâncias, no contexto rural,
busca por alternativas de atenção e cuidado, apesar dos indícios de aumento do acesso à
desenvolvendo uma conversa com linguagem Figura 18 – Há diferença no cuidado em saúde prestado atenção para contracepção e da expansão do
às mulheres que trabalham na zona rural?
objetiva e esclarecida. Sobretudo, como pro- uso de métodos temporários antes da esteri-
fissional você ter em mente que tudo parte de lização, estudos apontam que o acesso das
uma escuta qualificada, que busca uma rela- mulheres às informações sobre métodos con-
ção efetiva entre profissional e usuária. traceptivos é diferenciado do contexto urbano
(BRASIL, 2009b).

A escuta qualificada é uma ferramenta No meio urbano, por exemplo, uma questão
essencial para que o usuário seja aten-
dido na perspectiva do cuidado como apontada pela Pesquisa Nacional de Demogra-
ação integral, pois interfere no modelo fia e Saúde da Criança e da Mulher: PNDS 2006
de atenção usuário-centrado. Por meio é de que apesar do aumento do uso do preser-
dela, é possível a construção de vín-
culos, a produção de relações de aco- vativo masculino, a prevalência de seu uso ain-
lhimento, o respeito à diversidade e à No último censo populacional do IBGE (2010), da é baixa, não ultrapassando os 16% na classe
singularidade no encontro entre quem na zona rural, foram identificadas 14.129.837 econômica mais alta (BRASIL, 2009b).
cuida e quem recebe o cuidado. É condi-
ção sine qua non para a efetiva atuação mulheres, o equivalente a 7,4% da popula-
ética e política no que tange não só aos ção (IBGE, 2014). Trata-se de um número Estas situações remetem ao contexto de direi-
problemas de saúde de natureza aguda pequeno, se comparado ao montante da po- tos, pois estas mulheres fazem parte de um con-
ou crônica, mas também à efetivação
das políticas do SUS. pulação feminina que vive em áreas urbanas texto que enfrentam cotidianamente as diversas
– 83.218.972 de pessoas, o que equivale a dificuldades de se viver em locais afastados,

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

de difícil acesso, onde o Estado tarda a chegar com autonomia, é necessário um processo de Muitos profissionais, preocupados com o ca-
com serviços públicos essenciais para uma comunicação efetivo. Este processo de acolhi- ráter solidário, democrático e cidadão que per-
vida com qualidade, E ainda, remete à autono- mento contribui para uma comunicação eficaz, meia o conceito de promoção da saúde, apos-
mia dessas mulheres como sendo um processo que é uma ação dignificante da equipe. Quando tam na educação popular como uma alternativa
de relação que precisa ser fortalecido entre as há um diálogo capaz de promover a seguran- capaz de romper com a lógica prescritiva dos
usuárias e os serviços de saúde, de forma que ça nas mulheres, estas o associam à boa as- grupos de educação em saúde. Compreendem,
a partir destas informações as mulheres se tor- sistência recebida pelos profissionais da área acertadamente, que as ações de promoção são
nem capazes de modificar as relações, de poder, (SILVA; NASCIMENTO; COELHO, 2015). mais amplas do que a prescrição de hábitos
de saber, de modo de viver. saudáveis ou desejáveis, pois visam à incorpo-
Proporcionar momentos em grupo ou oportuni- ração de práticas em saúde que proporcionem
Para isso, a educação em saúde é uma prática zar momentos individuais para o atendimento os meios necessários para que as mulheres al-
fundamental que potencializa as ações de pro- das mulheres pode instituir na relação profissio- cancem sua saúde potencial.
moção da saúde e de qualidade de vida da po- nal-usuária um ciclo de confiança, com relações
pulação, sob a perspectiva da atenção integral mais harmoniosas e a possibilidade destas de Um exemplo que retrata a importância da par-
à saúde dos indivíduos, famílias e comunidade. fazerem escolhas e facilitarem a promoção da ticipação das mulheres é apontado no estudo
Entretanto, ainda persistem muitas ações tradi- saúde, o processo de prevenção de doenças e de Silva, Nascimento e Coelho (2015), quanto
cionais, pautados pela hegemonia do saber téc- tratamento dos problemas, além de favorecer o ao potencial destas na participação na evolu-
nico dos profissionais e na culpabilização dos protagonismo no processo de cuidado. ção do trabalho de parto. Os autores destacam
indivíduos pela redução dos riscos à sua saú- que a equipe de saúde tem participação funda-
de, nas práticas desenvolvidas nos serviços da Figura 19 – Momentos em grupo: benefícios para usuá- mental no impacto positivo do processo, sen-
rias e profissionais
Atenção Primária (MASCARENHAS, MELO, FA- do necessário que apresentem possibilidades
GUNDES, 2012). de práticas com embasamento científico, para
que as mulheres não se tornem “tarefeiras” na
É preciso que os profissionais de saúde in- realização de atividades e confiem nos benefí-
formem as mulheres por meio do diálogo cios de cada orientação do processo.
aberto e da escuta ativa. Desta forma, para
que a educação em saúde potencialize a trans- Outro aspecto importante a ser conside-
formação e formação de consciência crítica e rado com a mulher para a intervenção é a

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

desconstrução do viés de gênero, que coloca as evitar a recusa das mulheres em buscar da informação a ser repassada, pois a quali-
mulheres em situação de inferioridade frente às e realizar algum tratamento. dade da atenção é baseada na conduta profis-
relações existentes entre profissionais e usuá- sional e na interação com a usuária. A relação
rias. Este é um determinante biológico que as Oliveira et al. (2008) enfatizam as consequências profissional-usuária envolve satisfação, ex-
impede de fazer uma escolha consciente e de do primeiro encontro entre profissional e usuária, pectativas e adaptação. Como resultado bus-
ter o controle sobre o seu próprio corpo. pois acredita-se que este primeiro contato altera cam-se, além da cura do biológico, também
de forma decisiva a passagem desta pela uni- melhores atitudes e comportamentos (SILVA
O viés de gênero consiste em práticas
dade, bem como a resolução de seus problemas. JUNIOR; MASCARENHAS, 2004).
diferentes para com homens e mulhe-
res. Acredita-se que os vieses de gênero
ocorram em vários níveis, refletindo-se Destaca-se que nas redes de atenção em saúde, Um ambiente adequado faz parte do acolhi-
na forma como são tratadas as ques-
de acordo com a Política Nacional de Atenção Bá- mento, assim como a utilização de práticas de
tões de gênero por profissionais, na
equidade entre sexos, na definição das sica (PNAB) (BRASIL, 2017), a Atenção Primária acordo com as melhores evidências científi-
patologias, na prática clínica, nas políti- tem de ser a base do sistema, e precisa ser reso- cas. As intervenções na Atenção Primária, na
cas de saúde, entre outros fatores.
lutiva. Sua participação no cuidado das usuárias saúde das mulheres, devem ser efetuadas até
é sempre necessária, e deve, por meio de uma clí- serem esgotados todos os recursos. Quando
Estudo de Carvalho, Domingos e Leite (2015) nica ampliada, ser capaz de construir vínculos e necessários, os encaminhamentos devem ser
aponta nas falas das usuárias a dificuldade intervenções clínicas sanitariamente efetivas. efetuados de forma responsável já que a Aten-
da continuidade do cuidado que fica evidente ção Primária é ordenadora e coordenadora do
Clínica ampliada é uma forma de integrar
no momento da coleta do exame preventivo, cuidado dentro da Rede de atenção à Saúde.
a equipe de trabalhadores da saúde de
sendo ressaltado como “algo constrange- diferentes áreas, em busca de cuidado
dor”, “chato e vergonhoso”. Apesar de ex- e tratamento de acordo com cada caso, 3.3 Estratégias de atenção à saúde
criando vínculo com o usuário. A vul-
pressarem esses sentimentos, a maioria das das mulheres para os profissionais
nerabilidade e o risco do indivíduo são
participantes do estudo reconhece o exame considerados e o diagnóstico é feito não da saúde
como necessário para o diagnóstico de pa- só pelo saber dos especialistas clínicos.
Leva-se em conta a história de quem
tologias e que sua realização deve ser cons- O perfil social das mulheres retrata que elas
está sendo cuidado (BRASIL, 2010).
tante. Porém, na prática, há necessidade de ganham menos que os homens, estão con-
os profissionais intervirem em situações em Neste contexto, a equipe de saúde precisa centradas em profissões mais desvalorizadas,
que surja este constrangimento, buscando considerar a qualidade do seu atendimento e têm menor acesso aos espaços de decisão no

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

mundo político e econômico, sofrem mais vio- A partir de análises das condições em que e como morrem as mulheres, pode-se avaliar o grau de de-
lência (doméstica, física, sexual e emocional), Mortalidade
senvolvimento de uma determinada sociedade, pois quando as razões de Mortalidade Materna (RMM)
vivem dupla e tripla jornada de trabalho, sendo são elevadas, é indicativo de precárias condições socioeconômicas, baixo grau de informação e esco-
materna
laridade, dinâmicas familiares em que a violência está presente e, sobretudo, dificuldades de acesso a
portanto mais penalizadas com o sucateamen- serviços de saúde de boa qualidade.
to de serviços e políticas sociais, dentre outros Indica condições favoráveis à transmissão da doença e deficiências na atenção à saúde das mulheres,
Incidência de sífilis
problemas (ONU, 2018). especialmente no período pré-natal, quando as gestantes infectadas poderiam ser oportunamente
congênita
identificadas e tratadas.
Incidência de
Temos outros aspectos que agravam a si- Indica deficiências na atenção à saúde das mulheres, especialmente na cobertura vacinal, constituin-
síndrome da rubéola
tuação de desigualdade das mulheres na do-se em um evento sentinela para a vigilância epidemiológica.
congênita
sociedade: classe social, raça, etnia, idade e É um dos principais indicadores da discriminação de gênero contra a mulher. Dentre as mulheres agre-
orientação sexual. São situações que limitam didas, alguns problemas de saúde podem ser observados como: mudanças fisiológicas induzidas pelo
estresse, uso de substâncias e falta de controle de fertilidade e autonomia pessoal como se observa
o desenvolvimento e comprometem a saúde Violência
em relações abusivas. Para as mulheres que sofrem violência é comum a tentativa de suicídio e maior
mental de milhões de mulheres. sexual
frequência do uso do álcool. É importante saber que, infelizmente, poucas mulheres buscam centros de
saúde, sendo necessário mais divulgação sobre os serviços de referência e melhor acesso aos serviços,
Você e sua equipe já discutiram sobre com articulação entre os diferentes setores que prestam assistência às vítimas de violência (OMS, 2010).
quais aspectos da vida cotidiana das Taxa de incidência No sexo feminino, a neoplasia maligna de pele não melanoma é a mais incidente, seguindo-se a de mama
mulheres da comunidade podem trazer de neoplasias e a de colo de útero. De maneira geral, as regiões Sudeste e Sul apresentam as taxas mais elevadas de
desigualdade? malignas neoplasia maligna, em ambos os sexos.
Cobertura de Mede a realização de consultas de pré-natal, a partir de informações prestadas pelas mulheres duran-
A partir deste contexto social da vida cotidia- consultas de te a assistência ao parto. É influenciado por fatores socioeconômicos, pela infraestrutura de prestação
na é possível propor estratégias que realmen- pré-natal de serviços e por políticas públicas assistenciais.
te afetem e interessem diferentes grupos de Proporção de Mede a participação relativa dos partos hospitalares no total de partos. É influenciado por fatores socioe-
partos hospitalares conômicos, pela infraestrutura de prestação de serviços e por políticas públicas assistenciais e preventivas.
mulheres da comunidade.
Estima a prevalência do uso de métodos anticonceptivos, na população feminina de 15 a 49 anos de
idade. O uso deste indicador representa uma análise das variações geográficas e temporais de pro-
No esquemático ao lado listamos alguns in- Proporção da
porção de mulheres em uso de anticonceptivos, identificando situações de desigualdade e tendências
população feminina
dicadores disponíveis nos Sistemas de Infor- em uso de métodos
que demandem ações e estudos específicos; além de contribuir na análise das condições de saúde re-
mação em Saúde que poderão orientar você produtiva das mulheres, e ainda, subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas
anticonceptivos
públicas e ações de saúde voltadas para a saúde da mulher, em especial quanto ao uso de métodos
para a avaliação das condições de saúde da anticonceptivos (provisão de insumos, materiais educativos, etc.) (BRASIL, 2008a).
população feminina. Fonte: Brasil (2013c)

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

Figura 20 - Rede de Atenção à saúde das mulheres


Evento sentinela: qualquer evento
imprevisto que pode resultar em dano
para os clientes da Organização Presta-
dora de Serviços de Saúde. A ocorrência
deste evento interpreta-se como um si-
nal de que a qualidade do serviço está
Saúde sexual
precisando de melhorias.
Saúde
Atenção obstetrícia reprodutiva
A busca por estes dados e informações do
seu município são importantes no diagnós-
tico de saúde das mulheres e podem ajudar
você e sua equipe no planejamento de algu-
mas ações que precisam estar envolvidas
no processo. Além destes, outros indicadores Atenção a situações Atenção à Atenção clínico -
também podem e devem ser incluídos a partir de violência saúde das ginecológica
da realidade local, além de informações sobre mulheres
oferta de serviços e perfil sócio demográfico.

Para que as metas e os indicadores pactuados


sejam cumpridos, a Unidade Básica de Saúde
(UBS) tem um papel fundamental, pois cabe a Neoplasia de mama Atenção a mulheres
e colo de útero lésbicas, bissexuais
ela articular-se aos demais serviços que com-
põem esta rede. A articulação deve integrar
ações de promoção da saúde e prevenção ao Atenção a grupos
tratamento de doenças, além da reabilitação, sociais específicos
visando à garantia da integralidade da aten-
ção às mulheres (CARVALHO; DOMINGOS;
LEITE, 2015).

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

Como profissionais de saúde, podemos con- aspectos como a estrutura social que as mu- Para tentar aproximar um pouco mais da
tribuir para que a mulher reconheça seu corpo, lheres podem contar ou não na comunidade realidade, a fim de indicar estratégias de apro-
reflita e transforme suas ações e cuidados à para resolver as questões práticas da vida, e ximação da equipe de saúde com as mulheres,
saúde, sua e da sua família. Afinal, muitos ho- neste contexto, ainda reconhecer que a sobre- listamos algumas características das mulhe-
mens e a maioria das crianças têm acesso ao carga das responsabilidades assumidas pelas res (BRASIL, 2009b). Acompanhe:
cuidado da saúde a partir do contato ou inter- mulheres tem um ônus muito grande, que mui-
venção de uma mulher da família, seja esposa, tas vezes se sobrepõe às forças de qualquer Adolescentes
mãe, parente, amiga. pessoa (BRASIL, 2009b).
Para as mulheres adolescentes é neces-
As questões socioculturais, ambientais, labo- Além dos indicadores, conforme já mencio- sário que as estratégias de atenção con-
rais que influenciam nos fatores de risco para as nado, o ambiente e o contexto social, que vai templem, dentre outros, a heterogeneidade
doenças mais prevalentes nas mulheres – tais além dos números, são importantes fontes dos nichos culturais, sociais e familiares, pri-
como hipertensão, depressão, artrite, diabetes de análise do território. As mulheres precisam vilegiando os grupos de maior vulnerabili-
mellitus, asma, doenças cardiovasculares, dor, ser reconhecidas – por faixa etária, no seu am- dade, com atenção integral à saúde sexual
câncer, IRC, AVC – devem ser consideradas para biente, por sua fala – e não julgadas. Uma boa e reprodutiva.
a elaboração de ações de prevenção e promo- fonte para complementar as informações, além
ção da saúde. dos indicadores, é verificar se está organizado o Figura 21 – Adolescentes: orientação necessária

Conselho Local de Saúde, como funciona, qual a


Questões como a sexualidade, o processo de participação das mulheres, quais as demandas
reprodução, a infertilidade, a liberdade de es- encaminhadas.
colha sobre o espaçamento das gestações, a
ampla possibilidade de métodos e opções para É necessário o conhecimento de como fun-
regular sua fecundidade são assuntos que pre- ciona o Conselho, se possível participar, es-
cisam ser abordados com as mulheres pelos timular a participação de representantes de
profissionais da Atenção Primária. profissionais ou ler as atas, pois nesse espaço
é onde ocorrem as queixas sem serem indivi-
Para compreender as questões de gênero e dualizadas. Trata-se de um instrumento que
saúde mental, é necessário conhecer alguns possibilita identificar questões importantes.

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

As Diretrizes Nacionais para a Atenção Inte- Nesse sentido, a equipe de saúde pode propor econômicas da idosa para a aquisição de rou-
gral à Saúde de Adolescentes e Jovens na ações de combate ao sedentarismo, em se tra- pas e calçados confortáveis.
Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde tando deste ser um facilitador de doenças crôni-
trazem 3 eixos fundamentais: co-degenerativas, de elevada morbimortalidade. Além da atividade física adequada, o profis-
sional de saúde pode indicar uma dieta sau-
a) acompanhamento do crescimento e desenvol- Nestas situações é necessário avaliar locais dável, o controle do peso, o não tabagismo,
vimento; para as atividades propostas, e condições e ainda conversar sobre o tempo dedicado
b) atenção integral à saúde sexual e saúde repro-
Figura 22 – Evitar o sedentarismo é especialmente importante na terceira idade
dutiva e;
c) atenção integral no uso abusivo de álcool
e outras drogas por pessoas jovens

Aproximar-se deste público nos diversos es-


paços habitados por eles, tais como escolas,
grupos esportivos, redes sociais, é estratégi-
co para criar o vínculo e a confiança no ser-
viço de saúde, apoiando com ações multis-
setoriais para o acesso igualitário a bens e
serviços que promovam a qualidade de vida.

Idosas

Com o aumento da expectativa de vida e seu


impacto sobre a saúde da população femini-
na, ações visando à obtenção de melhor qua-
lidade de vida são necessárias durante e após
o climatério.

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
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ao lazer e convivência com familiares e ami- as demais políticas de saúde para o respeito Ao longo dos últimos anos, um dos avanços
gos, a dedicação a uma atividade produtiva e às especificidades e necessidades da popula- de maior destaque foi a inclusão dos campos
o acesso à informação. Algumas equipes de ção LGBT dentro do SUS (BRASIL, 2013b). nome social, orientação sexual e identidade
saúde, quando o contexto permite, têm inves- de gênero na Ficha de Notificação de Vio-
tido na inclusão digital dos idosos, a partir de Na Atenção Primária não se pode desconside- lência no Sistema de Informação de Agravos
grupos nas redes sociais e compartilhamen- rar a violência intrafamiliar contra adolescen- de Notificação (SINAN). Isso auxilia a gestão
to de informações de cuidados à saúde. As tes lésbicas quando são expulsas do lar ou são com informações para qualificar o planeja-
mulheres, principalmente, têm boa aceitação vítimas de violência sexual (ou outras formas) mento de ações para essa população.
com estas tecnologias. por parte dos familiares. A ESF tem importan-
te compromisso social com essas famílias; a Outros avanços são a inclusão do nome social
A medicalização do corpo das mulheres, partir de estratégias e ações podem aperfei- no Cartão SUS, a criação de comitês técnicos
com uso de hormônios durante o climaté- çoar a qualidade da atenção integral oferecida consultivos de assessoramento à execução
rio e menopausa também gera atenção dos a essa população. do Plano Operativo da Política Nacional de
profissionais de saúde, pois encontra um Saúde Integral LGBT e a inserção de campo
campo fértil no imaginário feminino pelas Uma das queixas mais recorrentes feitas por para preenchimento da violência motivada por
falsas expectativas que coloca. Esta ação usuárias lésbicas e bissexuais nos serviços homofobia, lesbofobia, transfobia, também no
pode acarretar problemas à saúde, e as mu- de saúde diz respeito à crença de que, por SINAN (BRASIL, 2013b).
lheres devem ser corretamente informadas não manterem relações sexuais com ho-
para decidirem pela adoção ou não da tera- mens, possam estar menos propensas a do-
Importante! A Atenção Primária apre-
pia de reposição hormonal. Deve-se estar enças, tais como cânceres de mama e colo
senta muitas possibilidades para a saú-
atento também para situações de violência de útero, o que pode fazer com que a preven- de das mulheres – a escuta qualificada,
familiar, doméstica e patrimonial ção dessas doenças seja negligenciada. Daí equipe multiprofissional, o trabalho
interdisciplinar – aproximando-as dos
a importância de promover ações em prol da
profissionais (ou vice-versa). Você e
Mulheres lésbicas e bissexuais promoção dos direitos, atenção e cuidado sua equipe de saúde têm grande poten-
à saúde da população LGBT, a fim de evitar cialidade para, a partir de discussões e
reconhecimento da comunidade, plane-
A Política Nacional de Saúde Integral da Popu- que o preconceito e a discriminações impli-
jar e inovar nas ações e estratégias para
lação LGBT, instituída pelo Ministério da Saúde quem em comprometimento na qualidade de abordagem das mulheres do território.
em 2011, tem como meta estimular e orientar vida dessas pessoas (BRASIL, 2013b).

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

3.4 Experiências exitosas Os encontros foram delineados como um es- ÎÎ as mulheres na atualidade
paço em que as mulheres pudessem expres- ÎÎ relações de gênero
No sentido de ilustrar uma proposta de edu- sar suas demandas e visualizar interseções ÎÎ saúde coletiva
cação em saúde envolvendo a Atenção In- entre seu cotidiano e as políticas de saúde ÎÎ participação das mulheres na saúde
tegral à Saúde da Mulher, apresentamos al- vigentes. Para tanto, foram propostos encon- ÎÎ empoderamento
gumas práticas consideradas exitosas na tros quinzenais com duração média de duas ÎÎ o bairro em que vivem
Atenção Primária à Saúde. horas. A participação era aberta à comunida- ÎÎ a participação no Conselho Local de Saúde.
de, incluindo agentes comunitários de saúde
Primeiro relato (ACSs) e lideranças comunitárias, com o pro- Figura 23 – Pesquisa-ação: uma nova postura de abordagem
pósito de que cada integrante se colocasse
O primeiro relato de experiência aconteceu no como multiplicador das ações.
estado de Minas Gerais. A proposta de traba-
lho surgiu da parceria entre a universidade e Metodologicamente, inspirou-se na pesqui-
a equipe de saúde, que trabalhando em con- sa-ação, considerando a construção conjun-
junto realizaram, como primeira ação, a iden- ta das ações com as mulheres integrantes da
tificação das demandas locais. Esse cenário prática. A temática central norteadora foi a
retrata a importância do campo de estágio questão “Pelo que você luta?”.
como dispositivo de interação entre o ensino
e o serviço (OLIVEIRA et al., 2011). Não foi elaborado um planejamento dos
encontros devido à própria especificida-
O relato traz repercussões de propostas para a de da metodologia que norteou a prática.
saúde das mulheres, assim como problemati- Visou-se uma produção em conjunto com as
za os reflexos da atividade no processo de tra- mulheres. Delineava-se apenas que o primei-
balho dos profissionais da equipe de saúde. O ro encontro promoveria a interação e algu-
planejamento inicial do estágio teve como ob- mas sugestões temáticas para os encontros
jetivo a promoção de espaços para mobiliza- seguintes, como:
ção e discussões políticas entre mulheres mo-
radoras da região do Centro de Saúde Lajedo. ÎÎ exercícios, alimentação, hábitos

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implementação da saúde das mulheres
PNAISM

No decorrer da prática, o grupo foi deno- O único encontro do grupo que foi em formato Vivenciar um encontro em que o tema emer-
minado pelas próprias integrantes como de apresentação foi com uma convidada, tam- ge do grupo e em que todos são iguais para
“Movimento de Mulheres”, direcionando-se bém usuária do SUS e com ampla trajetória falar, refletir e pontuar questões propiciou
as discussões para as questões de gênero. de participação em conselhos de saúde. uma nova postura e novos envolvimentos dos
Essa proposta de trabalho tem o conceito de profissionais da saúde.
autonomia como sua principal inspiração. Segundo os autores, a prática em questão
possibilitou reflexões e reformulações sobre A conquista do vínculo e a sensação de per-
Em coerência com essa perspectiva, foram ado- a atuação e a postura profissional. Sobretu- tencimento ao grupo foram potencialidades
tadas metodologias participativas, pois tinha-se do, as reflexões teóricas sobre gênero e em- desta experiência, e influenciaram também
intenção de que a intervenção deveria ser um poderamento favoreceram discussões pro- na postura das ACS, que foram mais ati-
ato que promovesse transformações nas lógi- veitosas e críticas importantes em relação às vas na construção e no planejamento das
cas de poder e das opressões existentes. intervenções propostas. atividades. São elas que sinalizam as dificul-
dades das mulheres em estarem presentes,
Nesse sentido, evitou-se transformar a ação Uma das percepções quanto à metodologia, bem como qual o local ideal para a realiza-
em grupo de mulheres, buscando discussões segundo Oliveira et al. (2011), é que a pesqui- ção dos encontros e quais as mulheres con-
que envolvam diversos assuntos e pessoas, sa-ação, inicialmente, foi um elemento dificul- vidadas a participar, em função das situações
não se propondo unicamente a assuntos da tante do processo. Muitas das integrantes e familiares vivenciadas.
vida cotidiana sobre a saúde das mulheres. das ACS esperavam que os encontros decor-
Pela prática, foi percebido, inclusive pelo for- ressem da maneira tradicional, na qual os su- Os autores ressaltam que essa transformação
mato de grupo, que a história da saúde ainda postos donos do saber estabelecem uma re- foi gradativa e construída à medida em que os
se pauta pelo saber técnico como aquele de lação vertical com o grupo. A proposta previa encontros foram acontecendo como promo-
maior importância para se promover a saú- sair do lugar de produzir para o grupo e buscar ção desse espaço de participação e fala.
de. Com isso em vista, em muitos momentos produzir com o grupo. Apesar dessa horizon-
o silêncio foi compartilhado entre os profis- talidade ser complexa, gradualmente algumas No segundo semestre de realização da prá-
sionais, na tentativa de não assumir esse lu- integrantes se tornaram mais participativas e tica houve aspectos importantes, demons-
gar de portador do “conhecimento que conta”. passaram a sugerir ações. trando o quanto as discussões evoluíram para

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

a produção de diferentes e interessantes posi- Urupema, Santa Catarina. São descritas as Após discussão e organização da equipe rea-
cionamentos das mulheres envolvidas. A te- ações desenvolvidas para aumentar o ín- lizou-se a ação em um sábado por mês, volta-
mática de direitos humanos, que emergiu nos dice de cobertura dos exames citopatoló- da para o público feminino, e desenvolvida na
últimos encontros, revelou, em certa medida, gicos de colo uterino em mulheres entre sede do município e nas comunidades do inte-
as concepções iniciais de posicionamento no 25 e 59 anos, junto à população feminina rior. Tendo em vista que para muitas mulheres
mundo e o quanto as mulheres foram se modi- do município. o exame ginecológico ainda causa constran-
ficando para uma lógica de sujeitos de direitos gimento e preocupação, criou-se um ambien-
e de ações. A ação foi chamada “Elas + Belas”. Em traba- te acolhedor com respeito e privacidade.
lho de equipe, foi analisada a situação atual
Acredita-se no potencial dessa ação como da saúde da mulher no município consta- A fim de envolver o público feminino na ação,
disparador de um novo modelo de atuação em tando um baixo índice de cobertura de exa- utilizou-se da estratégia de desenvolvimento
saúde, que promove a oportunidade de cresci- mes citopatológicos de colo uterino, elevada da autoestima a partir dos cuidados de bele-
mento e transformação. prevalência de transtornos mentais comuns za, dicas de maquiagem, cabelo e moda e uma
(depressão), baixa autoestima e ausência de foto das mulheres do antes e do depois da
A proposta foi de continuidade dessa práti- atividades de lazer. participação no “espaço beleza”.
ca, por sugestão e interesse das integrantes,
e a expectativa é de que se consiga envol- Figura 24 – Estratégias de aproximação com as usuárias A amostra da população feminina com idade
ver também homens em alguns momentos, entre 25 a 59 anos, no período de agosto de
para a continuidade e o enriquecimento 2009 a julho de 2010. Foram 668 mulheres e
das discussões. Surgiu a reflexão de que a quantidade de exames citopatológicos rea-
não é possível discutir gênero como algo lizados no mesmo período foi de 128 proce-
relacional sem convocar os homens para dimentos, caracterizando 19% da população.
as discussões. Após o desenvolvimento da ação Elas + Belas,
foram realizados 346 exames citopatológicos
Segundo relato no período de agosto de 2010 a julho de 2011,
totalizando 52,5% da população (dados dos
A segunda experiência foi relatada pe- referidos anos retirados do SIAB em 2011).
los profissionais da ESF do município de

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UN3 Estratégias de Políticas de atenção à
implementação da saúde das mulheres
PNAISM

Segundo Pagani et al. (2011), a equipe relata


que a ação oportunizou uma prática de atuação
interdisciplinar com ações na prevenção das
doenças e na promoção da saúde, com desen-
volvimento de práticas humanizadas e amplia-
ção da formação de vínculo com a comunidade.

Para discutir um pouco mais sobre a inte-


gralidade na atenção à saúde das mulheres
e estratégias de educação em saúde, acesse
os materiais a seguir:

COELHO, E. et al. Integralidade do cui-


dado à saúde da mulher: limites da prá-
tica profissional. Esc. Anna Nery. vol.
13, n. 1. Rio de Janeiro, jan./mar. 2009.
Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ean/v13n1/v13n1a21.pdf>.

OLIVEIRA, M. M.; PINTO, I. C. Percepção


das usuárias sobre as ações de Preven-
ção do Câncer do Colo do Útero na Es-
tratégia Saúde da Família em uma Dis-
trital de Saúde do município de Ribeirão
Preto, São Paulo, Brasil. Rev. Bras. Saú-
de Mater. Infant. vol. 7, n. 1. Recife, jan./
mar. 2007. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/rbsmi/v7n1/a04v07n1.
pdf>.

 60 
Resumo do módulo

Chegamos ao fim deste módulo. No estu- favorecendo a resolutividade de demandas,


do do conteúdo, revimos a história do Siste- a qualificação do conhecimento e o mane-
ma Único de Saúde (SUS) e seus princípios, jo das necessidades deste público em todo
que são informações importantes para en- o sistema de saúde brasileiro.
tendermos o contexto de direito à saúde da
população brasileira. O atendimento na APS pode resultar em opor-
tunidades para efetivar a integralidade à saú-
Fomos também apresentados à Política Na- de das mulheres, pois as formas de cuidado
cional de Atenção Integral à Saúde da Mulher devem partir das necessidades de saúde que
(PNAISM), que tem como premissa o direito à emergem no território. Desta forma, podemos
saúde e o respeito às diretrizes do SUS. Desta desenvolver ações nas unidades de saúde e
forma, para qualificar o atendimento, devemos para além destas, considerando a importân-
reconhecer as mulheres como um segmento cia da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Nesse
estratégico, com questões específicas, en- sentido, também foram compartilhadas al-
tre outras, relacionadas às vulnerabilidades, gumas experiências de ações em saúde das
gênero e cuidados para com a saúde. mulheres para que você possa refletir sobre
a sua realidade, buscar meios de qualificar o
Estudamos que, para a efetivação do cuidado seu processo de trabalho e, consequentemen-
à mulher na Atenção Primária à Saúde (APS) é te, a atenção à saúde da população feminina
necessário um atendimento integral, em que do seu território.
é necessário conhecer o contexto e a forma
como as pessoas vivem. Por fim, reconhecemos que mesmo que a
saúde da população feminina tenha espaço
Como você pode notar, este módulo tem a nas agendas dos serviços de saúde, ainda
finalidade de oferecer a você, profissional, existem vários desafios a serem superados
subsídios para a reflexão e construção de es- para a efetiva implantação e implementação
tratégias de ampliação do acolhimento das da PNAISM.
mulheres pelos serviços públicos de saúde,

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TTOS, R. A. (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade.
São Paulo: HUCITEC, 2004.

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Sobre os autores

Clair Castilhos Coelho (UFPel, 2005). É professora adjunta no Departamento


Possui graduação em Farmácia e Bioquímica pela de Saúde Pública da UFSC. Tem experiência na área
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1968) de Saúde Coletiva, atuando preferencialmente em
e Mestrado em Saúde Pública pela Universidade de gestão, planejamento e avaliação em saúde, uso e
São Paulo (1980). Atualmente é professora Adjunta influência de avaliações.
IV da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem Endereço do currículo na plataforma Lattes:
experiência na área de Saúde Pública com ênfase em <http://lattes.cnpq.br/0664696481338569>.
políticas de saúde, assistência farmacêutica e polí-
ticas voltadas à saúde da mulher, controle social e Caroline Schweitzer de Oliveira
feminismo. Possui graduação em Enfermagem pela Universida-
Endereço do currículo na plataforma Lattes: de Federal de Santa Catarina (UFSC, 2003). Especia-
<http://lattes.cnpq.br/2498815660038981>. lista em Educação Sexual pela UFSC (2005), Espe-
cialista em Desenvolvimento Gerencial de Unidade
Sabrina Blasius Faust Básica de Saúde do SUS (2008). Especialista em
Possui graduação em Enfermagem pela Universida- Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública Pro-
de Federal de Santa Catarina (UFSC). É doutoranda fessor Osvaldo de Oliveira Maciel (2010). Mestre em
junto ao Programa de Pós Graduação em Enferma- Saúde Coletiva pela UFSC (2014). Tem experiência
gem e mestre em Saúde Coletiva pela UFSC. Desen- na Estratégia Saúde da Família (ESF), nos municí-
volve seus estudos na linha de pesquisa Humaniza- pios de Lages/SC, Correia Pinto/SC e Antônio Car-
ção, Educação e Bioética. los/SC. Foi coordenadora do Programa de Saúde da
Endereço do currículo na plataforma lattes: Mulher e da Rede de Atenção às Vítimas de Violência
<http://lattes.cnpq.br/4270585121162578>. Sexual (RAIVVS) em Florianópolis/SC. Atualmente é
assessora técnica da Coordenação-Geral de Saúde
Daniela Alba Nickel das Mulheres do Ministério da Saúde, atuando prin-
Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Fede- cipalmente com a temática violência, aborto previs-
ral de Santa Catarina (UFSC). Possui mestrado em to em lei e Direitos Sexuais e Reprodutivos.
Saúde Pública pela UFSC (2008) e graduação em Endereço do currículo na plataforma Lattes:
Odontologia pela Universidade Federal de Pelotas <http://lattes.cnpq.br/4627038463350744>

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